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maratona

pensamentos
que mudaram
o mundo

PERGUNTAS
F I L O S Ó F I C A S

THIAGO RODRIGUES PEREIRA


SUMÁRIO
01
INTRODUÇÃO

04
PERGUNTAS

22
INFORMAÇÕES
Sapere Aude!

INTRODUÇÃO
A partir de uma experiência de mais de uma
década e meia em sala de aula, verifiquei que
muitos/as alunos/as não conseguiam perceber
como a filosofia era essencial para suas
atividades, seja no curso de Direito, como nos
cursos de Medicina, Serviço Social, Pedagogia,
Relações Internacionais, História, dentre outros
que tive o prazer de lecionar.

Assim,desde o meu início como professor, procurei


demonstrar como eles/as seriam profissionais
diferenciados se deixassem a filosofia fazer parte
da vida deles.

Obtive êxito com alguns logo naquele semestre em


que eram meus alunos, outros demoravam um pouco
mais e alguns ainda apenas perceberiam o que
falei depois de formados. Isso é natural, pois cada
um tem o seu tempo, e temos que saber respeitar,
mas estarmos prontos para quando esse despertar
ocorrer.

Quando o Novo Liceu “nasceu”, tinha como


finalidade precípua justamente difundir a
filosofia e o pensamento crítico. E é exatamente
isso que procuramos fazer nesses 3 anos de
existência do Novo Liceu, com mais de 30 mil
alunos de nossos cursos e eventos, tanto pagos
quanto gratuitos, sempre obtendo um feedback
muito positivo da grande maioria.

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Para ajudar nessa tarefa, usamos bastante as
redes sociais, permitindo que nossos seguidores
possam enviar perguntas. E foi exatamente a partir
dessas perguntas que nasceu a ideia de fazer um
e-book com algumas delas que foram selecionadas
e respondidas novamente aqui.

Assim,foram escolhidas perguntas das mais


variadas, cujo grande objetivo é mostrar
que a filosofia é algo delicioso e que devemos
estar abertos à reflexão filosófica.

E já que o presente e-book se configura em


perguntas e respostas, não poderia deixar de
responder uma das mais importantes perguntas já
feitas, e que escolhi para estar aqui na introdução:

Será que filosofia é para mim?

Essa é uma pergunta que sempre se repete, mas


que julgo ser essencial que sempre se
resposta!

E a resposta sempre será SIM! A filosofia é para


você, para mim e para todos.

Agora, filosofia é algo simples, algo fácil? NÃO!


Filosofia é algo complexo, muitas vezes difícil, e
muitas vezes precisamos da ajuda de um livro, de
um professor, orientador, mentor, para nos auxiliar
nessa caminhada. E é justamente isso que procuro
fazer com todos os meus alunos e seguidores.

Depende de cada um querer ou não filosofar.

Precisamos para filosofar de um tempo livre, que


os gregos chamavam de ócio, e que quer dizer
simplesmente aquele tempo que não precisamos
dispor para trabalhar, para lutar pelo nosso
sustento. Justamente por isso, o inimigo do ócio é o
negócio, anegação do ócio, a necessidade de
trabalhar de alguma forma para o sustento.

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Assim, precisamos primeiro “arrumar” um tempinho
para filosofarmos, ou seja, para estudarmos e
pensar, refletirmos criticamente sobre os mais
diversos temas de sempre, como “quem eu sou?”,
“de onde eu vim?”, “para onde vou?”, bem como os
novos dilemas contemporâneos trazidos pela física
quântica, neurociência, nanotecnologia, etc.

Merece mencionar também que filosofar não é


apenas conhecer o pensamento dos principais
filósofos. Podemos filosofar sem tal conhecimento,
mas sem qualquer dúvida que, ao conhecer tais
pensamentos, um novo mundo surge para nós e
passamos a pensar em questões que até então não
conhecíamos ou simplesmente não nos atentávamos
para tal assunto.

Espero que aceitem este convite para filosofar


hoje e sempre e para desfrutar um pouco da
filosofia a partir de perguntas enviadas por nossos
alunos e seguidores das redes sociais.

Sapere Aude!

Ouse saber, ouse estudar, ouse filosofar!

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PERGUNTAS

1 – Qual o melhor caminho para começar a


estudar filosofia?

Resposta:

Nossa mente precisa de uma organização para


apreender melhor os conteúdos que lemos, que
estudamos. Além disso, após quase 20 anos como
professor, verifiquei que os/as alunos/as
normalmente entendem melhor quando entendem o
contexto histórico a qual aquele/a filósofo/a está
inserido. Assim, pode parecer simples, mas sempre
recomendo começar pelo começo.

Sim, pelo começo, ou seja, comece sempre


estudando pelos gregos, do surgimento da filosofia
com os pré-socráticos até chegar na filosofia
contemporânea. Use um bom livro de história da
filosofia e vá estudando junto com alguns livros ou
fragmentos da obra dos filósofos. Com isso, você
vai fazendo uma base filosófica sólida e necessária
para ir, paulatinamente, avançando em sua leitura.

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2 – Qual a função da filosofia? Ela vai me dar as
respostas para todas as minhas dúvidas?

Resposta:

Aristóteles escreveu que todo o conhecimento


humano, a medicina, botânica, biologia,
engenharia, etc., possui um telos, ou seja, uma
finalidade específica, seja salvar vidas,
conhecer as flora, conhecer os aspectos da vida
dos animais, aprender a construir e preservar
prédios ou casas, dentre outros. Contudo, apenas
a filosofia não possuiria qualquer finalidade
específica. E como ela não possui essa finalidade
específica, ela acaba por servir para todas as
finalidades, para todos os ramos do saber humano,
motivo pelo qual muitos a consideram a “mãe de
todos os saberes”.

Além disso, muitos procuram a filosofia para


encontrar respostas. Ela até pode ajudar sim, mas
não é exatamente para isso que ela terá maior
relevância. A grande relevância da filosofia para
nossas vidas é nos ensinar a perguntar. Isso
mesmo! Sem filosofia não sabemos nem que
temos dúvidas, pois tudo parece ser como sempre
foi.

A filosofia nos tira da zona de conforto. Ela nos


impulsiona a ir além, a nos indagarmos sobre
práticas sociais, culturais, sobre a natureza, sobre
a beleza, sobre o universo, sobre a vida, sobre a
morte. É a partir do ato de filosofar que o ser
humano se indaga sobre os mistérios que
permearam e permeiam nossas vidas, e a partir
disso, outros ramos do saber humano irão buscar
responder a tais indagações. E assim, o ato de
filosofar é um ato eterno, pois assim que respostas
chegam, novas indagações são feitas, em um
eterno ciclo virtuoso de conhecimento. Quem não
filosofa, aceita "falsas verdades”, abre mão de
penar criticamente, e se torna mero rebanho, como
falou Nietzsche.

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3 – Filosofia é autoconhecimento?

Resposta:

Esse é um tema que muitos filósofos “torcem o


nariz”, em razão da enxurrada de livros sobre o
tema que nada ou pouco acrescentam realmente.

São normalmente livros muito mais motivacionais do


que realmente de autoconhecimento.

Mas afinal, será a filosofia um livro de


autoconhecimento? Para responder a isso
precisamos retornar à Grécia antiga.

Lá, tínhamos o oráculo mais famoso da época,


quiça de todos os tempos: o Oráculo de Delfos.
Esse local continha uma placa com os seguintes
dizeres: “conhece-te a ti mesmo”. Então, podemso
pressupor que os gregos se preocupavam com o
autoconhecimento.

A filosofia, por ser criação dos gregos, não


poderia ficar de fora, e percebemos isso desde os
pré-socráticos, na busca por entender o meio a sua
volta e sua relação com o ser humano. Contudo,
será com Sócrates que percebemos a real função
da filosofia enquanto “mecanismo” que proporciona
o autoconhecimento.

Aliás, podemos até afirmar que apenas pela


filosofia se consegue um real autoconhecimento,
pelo menos nos termos socrático-platônico.
Sócrates irá inaugurar a preocupação ética,
política, epistemológica e ontológica da
filosofia.

Agora, a filosofia deve ser vista não como um


outro conhecimento, como a oratória e a retórica,
por exemplo. A filosofia terá a função de fazer
com que o ser humano adentre “nas verdades”,
encontre a essência das coisas, consiga encontrar
as virtudes, pois a perfeição, a universalidade e as
verdades, habitariam ao chamado mundo das
ideias.
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Para isso, precisaríamos sair do chamado mundo
sensível, que seria o mundo da opinião, da doxa e
da incerteza, conforme ensinou Platão.

Portanto, para alcançar esse nível de


conhecimento racional, a filosofia será essencial,
e com isso, o ser humano iria não apenas conseguir
um autoconhecimento, mas um melhoramento seu,
e, ao se tornar filósofo, poderia auxiliar na
evolução dos demais.

Assim, a filosofia nos elevaria a um “novo eu”, a


um “eu racional”, que conseguiria dominar seus
instintos, vistos como algo ruim por nos levar ao
erro, por Sócrates e Platão, e com isso estarmos
aptos a sermos realmente filósofos.

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4 – O que é a tão falada virada linguística?

Resposta:

Na filosofia tradicional, desde Sócrates e Platão,


acreditava-se que as coisas simplesmente
existiriam e teriam o seu próprio sentido por elas
próprias. Com isso, a função do ser humano seria
muito mais utilizar a filosofia como forma
de penetrar nesse conhecimento existente, cujo
sentido independeria de qualquer ação humana.

As virtudes dentro do pensamento platônico, por


exemplo, já existiriam no mundo das ideias, e a
função do filósofo seria, a partir da comunhão de
sua racionalidade com a filosofia, encontrar tais
virtudes.

Mesmo Aristóteles, que negava a existência desse


mundo dicotômico metafísico, entendia que o que
Platão denominara de mundo das ideias e sensível,
nada mais seria que mátria e forma.

E que as virtudes, deveriam ser ensinadas pelos


filósofos aos demais, onde todos deveriam pratica-
las com habitualidade, mas também já existiriam de
per se, sem qualquer ingerência ou
responsabilidade do ser humano em sua criação e
existência em si.

E toda a filosofia tradicional seguiu dentro desse


paradigma platônico de separação entre um mundo
concreto e um metafísico.

Esse quadro se acentuou ainda mais com o advento


da modernidade. Com Descartes, nascia o
racionalismo e a ideia de que todo conhecimento
era advindo da mente, da razão, independente
da empiria, da experiência.

Bacon vai discordar e afirmar que todo o


conhecimento deriva da experiência.

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E Kant, apesar de se rum racionalista, reconhece
que alguns conhecimentos poderiam vir da
experiência, e assim, se torna o que ele mesmo
denomina de racionalista crítico, tendo como
principal meta em sua maior obra, a Crítica da
Razão Pura, encontrar os limites da razão humana.

Nascia assim com Descartes, e ganhava ainda


maior sofisticação com Kant, o que muitos
denominaram de filosofia da consciência.

Após as críticas de Nietzsche a forma de pensar


da modernidade, começa a abrir espaço para uma
nova forma de pensar a filosofia, a partir da
linguagem. Foram vários os filósofos que
contribuíram, uns mesmo antes de Nietzsche, para
que a virada linguística pudesse acontecer. Podem
ser citados Hamann, Humboldt, Schleiermacher, e,
já no início do século XX, Wittgenstein e
Heidegger.

Assim, passa a ser a linguagem que iria dar sentido


às coisas, e não mais as coisas a possuir um
sentido de per se. A partir de então, a visão
metafísica de mundo da filosofia tradicional era
paulatinamente substituída pela ideia da
filosofia da linguagem, ou seja, de que a realidade
é dada pela linguagem, onde todos nós, ao sermos
fruto da nossa historicidade, a linguagem terá a
missão de constituir o conhecimento e não apenas
meio que reconhece-lo.

Portanto, todas as coisas passam a ser vistas como


uma convenção de nomes e características
dadas de forma convencional pela linguagem. Com
isso, a linguagem ao mesmo tempo que era quem
permitiria o ato de conhecer, passava a
dominar o mundo, pois nada poderia ser conhecido
se estivesse fora da linguagem, e assim nos
tornamos absolutamente vinculados à linguagem.

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5– O homem é o lobo do homem? Afinal, quem
está certo, Hobbes que é pessimista ou
Rousseau que é otimista em relação a natureza
do ser humano?

Resposta:

Essa é uma antiga expressão hobbesiana que


partia do pressuposto de que o homem
seria mal por natureza. E como Aristóteles
demonstrou que o ser humano é um animal político,
ou seja, que precisa viver em sociedade para não
perecer, Hobbes precisava pensar em algo para
permitir que os homens vivam em comunidade
sem se matarem uns aos outros, no que ele
denominou de “estado de natureza”, esse momento
teórico de guerra de todos contra todos em razão
da ausência de um Estado forte.

E assim, Hobbes será um defensor ferrenho do


absolutismo monárquico, para concentrar o poder
nas mãos de um só pessoa. E assim, os cidadãos
assinariam um ficto contrato social dando os
poderes ao soberano para que crie o Estado e as
leis para que todos possam viver em harmonia.

Por outro lado, Rousseau, apesar de também ser


um contratualista, vai discordar de
Hobbes e do seu pessimismo. Para Rousseau, o
homem não é mau por natureza, mas
se torna mau quando corrompido, e o homem é
corrompido por um Estado corrompido. Assim,
nascia sua famosa ideia de que o “homem é bom, a
sociedade é que o corrompe”.

Com esse pensamento, Rousseau se tornará um dos


principais nomes da revolução francesa, com a
ideia que o ancien régime, centrado no absolutismo
monárquico seria o responsável por desvirtuar o
cidadão francês, que seria bom por natureza.

Na verdade, responder essa questão é sempre um


risco.

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O que parece é que o ser humano não seria nem
bom nem mau, mas sim ignorante, e quanto mais
receber uma boa educação, centrada em valores
da dignidade da pessoa humana, nos direitos
humanos, na liberdade e na busca pela construção
dos projetos individuais de cada um, sem perder de
vista a fraternidade e solidariedade, ele se
tornará melhor e fará do mundo um local melhor
para se viver.

Quanto mais ele perceber que o egoísmo e a


banalização da dor do outro são atos que levam a
falência da sociedade, mais conseguirá construir
uma sociedade mais justa e menos desigual.

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6 – Por que Kant é tão falado e o que são os
seus chamados imperativos?

Resposta:

Immanuel Kant é considerado, junto com


Descartes, como os dois mais influentes filósofos
da modernidade. Se por um lado Descartes criou o
racionalismo, este foi aperfeiçoado por Kant, onde
após ter contado com o ceticismo do filósofo David
Hume, abandonou os moldes racionalistas
cartesianos para criar o seu próprio.

E essa nova forma de ver o racionalismo, Kant irá


denominar de racionalismo crítico, onde percebe
que alguns conhecimentos advém das experiências,
mas que o grande objetivo da sua pesquisa é
encontrar os limites da razão humana. Com
essa nova forma de pensar, Kant vai angariar uma
legião de admiradores pela Europa, se tornando
até os dias de hoje um dos mais influentes filósofos
de todos os tempos.

Além disso, Kant também se preocupou com


estudos sobre a moralidade, e escreveu algumas
da smais importantes obras sobre o assunto, a
Metafísica dos Costumes, A Fundamentação da
Metafísica dos Costumes e a Crítica da Razão
Prática.

Assim, Kant idealizou seus famosos imperativos


para encontrar um caminho seguro e
universalmente correto para conduzir as ações
humanas.

Sempre que temos um objetivo, temos que verificar


as possibilidades, as hipóteses de alcançar esse
objetivo, que normalmente são mais de uma
possibilidade. Isso Kant denominou de
imperativos hipotéticos.

Contudo, Kant entendia que a razão apenas


poderá dar uma única resposta universalmente
correta.

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Assim, ele pensou em uma máxima para encontrar
essa resposta universalmente correta que dizia
assim: “age de tal forma a qual a sua ação possa
ser universalizável”.

E com isso, desenvolveu o chamado imperativo


categórico. Os imperativos hipotético e categórico
sempre andarão juntos para conseguirem conduzir
o ser humano no caminho racional, no caminho
universalmente correto. Boa parte da sociedade,
das nossas leis, dos direitos humanos, etc., foram
pensados a partir dessa ideia dos imperativos
kantianos.

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7 – Quais as principais diferenças entre o
pensamento de Platão e Aristóteles?

Resposta:

São muitas as diferenças, mas é possível elencar


algumas. Primeiro, é importante saber que Platão
foi discípulo de Sócrates e Aristóteles discípulo de
Platão.

Platão desenvolve sua filosofia a partir da ideia de


dois mundos dicotômicos, que ele denominou de
mundo sensível e mundo das ideias. Todos nós
viveríamos nesse mundo sensível, que seria o
mundo do erro, da opinião, da incerteza, da doxa!

Mas deveríamos almejar sair desse mundo e migrar


para o mundo da certeza, da beleza, que Platão
denominou de mundo das ideias. Mas para isso, não
basta sermos seres racionais. Precisamos nos
tornar filósofos. Pois apenas a filosofia poderá nos
elevar de mundo, e nos permitir entrar de vez
nesse mundo perfeito, nesse mundo das virtudes
que é o mundo das ideias.

Além disso, Platão entendia que a função do


filósofo não era ensinar, mas sim ajudar a cada um
se recordar daquilo que já teria aprendido em
alguma existência metafísica anterior a essa vida
física vivida. Essa teoria platônica se chama
teoria da reminiscência.

Já Aristóteles divergia nesses dois pontos do seu


mestre. Primeiro, não acreditava na existência
desses mundos dicotômicos, pois para ele o que
Platão chamou de mundo das ideias e sensível
seriam apenas matéria e forma, existindo ambos
nessa existência física nossa mesmo.

Sobre a questão da função do filósofo não ser


ensinar, Aristóteles também irá discordar, pois irá
afirmar justamente o oposto.

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Entende que o filósofo, que seria um ser mais
evoluído e que já viu a “luz da sabedoria” não
apenas poderia como deveria sim ensinar as
virtudes para todos aqueles que ainda não a
adquiriram por si próprios.

Começava aí a ideia do filósofo como o grande


professor, visão essa completamente diferente das
visões de Sócrates e Platão.

Tanto é que Aristóteles aceitou a missão de


retornar a sua região natal, a Macedônia, para ser
o preceptor e professor de Alexandre, filho do rei
Felipe, e que, após a morte por assassinato do pai,
não apenas assumiria o trono como se tornaria o
maior rei e general de todos os tempos, ganhando
a alcunha de Alexandre, o grande. Talvez,
Alexandre tenha se tornado o que se tornou muito
por causa de Aristóteles, que o tornou um
verdadeiro rei filósofo.

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8 – Muitos falam que Sócrates foi um “divisor de
águas” na filosofia. Por quê?

Resposta:

Infelizmente, os filósofos pré-socráticos são muito


pouco conhecidos. Talvez Pitágoras seja o
mais conhecido, mas muito mais por também ser um
matemático do que por sua filosofia. Outros são
até conhecidos, mas não muito como Tales de
Mileto, Heráclito, Parmênides, mas nada que faça
jus a importância deles para a história da filosofia.

Independente disso, se considera Sócrates um


verdadeiro “divisor de águas” na filosofia pois
ele marca a passagem de uma forma de se filosofar
para uma outra muito diferente.

Os pré-socráticos tinham como principal objetivo


entender os fenômenos físicos, encontrar o
elemento primordial que estaria contido em todas
as coisas, que para uns seria a água, outros o
fogo, o ar, etc.

No pensamento pré-socrático vigia a ideia de um


equilíbrio maior entre a racionalidade e os
instintos. Claro que a busca deles era sempre a
partir da razão, mas eles não viam os instintos
como algo tão ruim como Sócrates verá.

Assim, quando Sócrates passa a ser o grande


pensador em Atenas, ao mesmo tempo que
angariou fãs incondicionais e vários discípulos,
também angariou inimigo, muito em razão do seu
método dialético de perguntas e respostas ao
interpelar alguém que pensava de forma contrária
a dela, e ao final, em razão de sua genialidade,
acabava por humilhar e ridicularizar os argumentos
do seu adversário.

Sócrates iniciará novos rumos para a filosofia.

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Primeiramente, ele traz para dentro da
filosofia temas até então inéditos à reflexão
filosófica como a ética, a política, a estética, a
epistemologia, etc., superando a ideia da busca
por explicações para os fenômenos da natureza.

Além disso, Sócrates irá defender a ideia de que


devemos buscar sempre a razão acima de tudo, e
que os instintos seriam aqueles que nos levariam
ao erro. Em razão disso, deveriam os instintos
serem dominados pela razão, pois só ela seria
capaz de nos tornar verdadeiramente filósofos.

Essa ideia negativa em relação aos instintos foi tão


forte, que dominou a filosofia por mais de um
milênio, encontrando apenas primeiro em Spinoza
no século XVII, e Nietzsche no final do
século XVIII, os primeiros a tentar recuperar a
importância dos instintos para o ser humano.

Podemos dizer que a filosofia como a conhecemos


teve início com Sócrates. E mesmo que ele nada
tenha escrito, com o que Platão escreveu (além de
outros como Aristófanes, por exemplo), já é mais
do que suficiente para colocar não apenas
Sócrates em posição de destaque, mas como o
verdadeiro “pai” da filosofia grega, e até de todos
os tempos, em razão da sua influência ser
sentida até os dias de hoje.

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9 – A filosofia ainda tem alguma serventia em
pleno século XXI?
Resposta:

A filosofia não possui um telos, ou seja, não possui


uma finalidade específica.

Por exemplo, estudamos medicina para curar


doenças e salvar vida. Estudamos engenharia civil
para construir casas, prédios, pontos e afins.
Estudamos administração para aprender a
administrar uma empresa. Mas ao estudarmos
filosofia, esta não terá nenhuma finalidade
específica como estas mencionadas de outras
áreas.

Logo, uma reflexão merece ser feita. Se a filosofia


não tem qualquer finalidade como as demais
ciências, ela serve para alguma coisa?

E em pleno século XXI, será que a filosofia já não


cumpriu sua missão na história?

Bem, a filosofia é absolutamente essencial para a


humanidade. Sem os gregos, seríamos apenas um
povo bárbaro qualquer, e nossa existência seria
absolutamente medíocre.

Sem a filosofia moderna, nem ciência teríamos,


pois foi Bacon quem inventou o método indutivo,
tão usado nas ciências chamadas naturais, como a
física, química, etc., e foi Descartes quem
idealizou o chamado dedutivo, centrado na ideia
da racionalidade e das ideias inatas do ser
humano e independentes da experiência, aliás, o
oposto de Bacon. Outros métodos científicos
essenciais também foram pensados por outros
filósofos. Como por exemplo, Popper, que idealizou
o método hipotético-dedutivo, Hegel e Marx (que
apesar de ser considerado um sociólogo também
tem escritos filosóficos) criaram o método
dialético, Husserl e Heidegger que criaram o
método fenomenológico, Nietzsche expandiu o
método genealógico, Foucault o método
arqueológico, apenas para ficarmos nos mais
conhecidos. 18
E o século XXI irá ser o século mais fantástico de
todos os tempos, pois será o século que iremos
romper fronteiras definitivamente no espaço, quiçá
encontrar formas de vida inteligentes fora da
Terra ou termos a certeza de que estamos sós.

Além disso, a neurociência está mostrando


características do nosso cérebro que
desconhecíamos por completo, e irá provocar uma
reviravolta em vários ramos do saber humano. A
física quântica está revolucionando o que até
então se tornara “apenas” teoria com Einstein, e
que paulatinamente vai se comprovando.

A nanotecnologia promete nos tornar seres muito


mais saudáveis, resistentes e ampliar nossa
jornada encarnados. As novas tecnologias para
combustíveis devem se tornar tão utilizadas quanto
os combustíveis fósseis, o que deve gerar uma
nova forma de nos relacionarmos com o meio-
ambiente. E essas são apenas algumas das novas
questões que ocorrerão neste século.

E para pensar todas essas questões, seus dilemas


éticos, políticos, sociais, estéticos, e afins, só a
filosofia poderá nos ajudar a encontrar o nosso
novo lugar dentro dessas inovações todas. Sem
filosofia, nos tornamos meros robôs, o que pode
ser um enorme risco, podendo até ocasionar uma
extinção em massa de diversos povos.

A filosofia nos levante questões que até então nem


mesmo sabíamos que existiam. Nos faz repensar a
vida como um todo, o sentido de tudo, a nossa
busca pela felicidade e a felicidade das gerações
futuras.

Na verdade, diria que a filosofia nunca será tão


imprescindível para a humanidade como será agora
no século XXI. Apenas espero que possamos
perceber isso a tempo, antes de cometermos erros
graves contra nós mesmos, contra os demais
seres viventes e sencientes do planeta e o meio-
ambiente como um todo.

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10 – Qual a diferença do Deus das principais
religiões para o Deus de Spinoza?

Resposta:

O Deus das principais religiões é um Deus


antropomórfico e transcendente, ou seja, somos a
imagem e semelhança Dele, mas ele é mais e
transcende a tudo e a todos, sendo assim um ser
completamente diferente de nós.

Uma boa ideia nos deu Platão com a figura do seu


Deus Demiurgo, ou seja, o Deus criador, ideia essa
também corroborada por religiões com milhões de
adeptos como o cristianismo em todas as suas
principais vertentes, islamismo, judaísmo, etc.

Contudo, Spinoza, ainda no século XVII, ousou


pensar Deus de uma forma absolutamente
inovadora. E para isso, pronunciou a famosa frase
que o levou a ser excomungado do catolicismo e do
judaísmo: Deus sive natura. Essa frase quer dizer
algo como Deus é a natureza, mas não em uma
ideia panteísta, ou seja, que Deus seria a soma de
todas as coisas.

O Deus de Spinoza será, portanto, tanto


transcendente como também imanente. Isso
quer dizer que em seu Deus existirão todas as
coisas, mas que Ele será mais do que todas as
coisas, mantendo sua consciência. Assim, Spinoza
afirmará que apenas existe uma substância no
universo, e essa substâcia se chama Deus. E com
isso, todos os demais seres e afins existem em
Deus, posto que Ele é a única substância. Contudo,
Ele será um ser a parte e irá transcender a mera
soma aritmética de todas as coisas, pois é
transcendente.

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Essa ideia se mostrou revolucionária pois afirmaria
que, tendo em vista estarmos em Deus, por ser ele
a única sustância, não precisaríamos nem de
qualquer religião, e muito menos de padres,
pastores, ou qualquer outro sacerdote para
nos ajudar a nos “religarmos a Deus”.

Isso ocorre pois, por uma impossibilidade fática,


nunca conseguiríamos nos desligar Dele, pois Ele é
a única substância a qual, por óbvio, faríamos
parte.

Com isso, muitos religiosos se sentiram ameaçados


com tal afirmativa no século XVII, e optaram por
tentar fazer calar Spinoza e suas ideias
“perigosas” para a manutenção do status quo
vigente.

Portanto, para Spinoza, precisamos apenas de nós


mesmos para sentirmos Deus e O amarmos, no que
ele denominará de amor intelectual de Deus, que
deve ser a grande meta do ser humano em sua
existência física.

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