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TRANSCRIÇÃO NEFRO – AULA 1

Os rins desempenham 5 funções: eliminação de escórias do metabolismo nitrogenado, equilíbrio hidro-


eletrolítico e ácido-básico e função hormonal. Dessas, a filtração é a principal função, que é a capacidade de
processar substâncias que o organismo não deseja mais, então eles são filtrados e excretados.
O rim possui cerca de 18 massas cônicas e dentro delas nós temos os néfrons, que desembocam nos seus
cálices, através do túbulo coletor, que vai desembocar no cálice renal, que vai ser eliminado através do ureter,
formando a urina. Nós temos em torno de 1 milhão de néfrons em cada rim e a função deles somados é que vai
processar a função global renal.
Nessa estrutura, os glomérulos tem papel fundamental, que são a formação de um tufo de vasos capilares
provenientes da irrigação renal, que começa com a artéria renal e vai se afunilando, diminuindo o seu calibre, até
chegar nos néfrons, onde ela forma, a partir da arteríola aferente, uma formação de um tufo de alças capilares e
depois ele retorna através da arteríola eferente. É por meio da passagem do sangue nessa estrutura que ocorre o
processo de filtração. A partir daí, uma vez que é filtrado, começam a atuar outros segmentos renais.
Os túbulos renais promovem a absorção. Aproximadamente 70% do que é filtrado é reabsorvido nesse
segmento do túbulo renal proximal. Além disso, um componente de substâncias pode ainda ser secretado, alguns
medicamentos que circulam no sangue, quando passam pela circulação que passa em paralelo aos túbulos, “pegam
um atalho” e caem diretamente no túbulo renal.
Para avaliação da filtração glomerular, é importante a dosagem da ureia (Ur) e da creatinina (Cr). Elas se
acumulam a medida que o metabolismo é processado, todas as células produzem essas substâncias, sobretudo os
músculos, e o rim é responsável pela eliminação. Elas são escórias resultantes do metabolismo nitrogenado, do
metabolismo proteico. Praticamente todo o metabolismo dessas substâncias é feito pelos rins. Portanto , quando
ocorre falência renal, essas toxinas se acumulam no sangue e o nível dessas substâncias se eleva . Logo a dosagem da
Ur e Cr, reflete a função renal, a capacidade de filtração glomerular.
Além da função glomerular, existe também a função tubular, que é aquela que promove a captação, a
absorção e a secreção de algumas substâncias, que também é importante no que diz respeito ao controle
eletrolítico. Dentre todos os eletrólitos (todos eles podem ser dosados), o mais importante é o potássio. Então,
numa avaliação de triagem, quando eu quero saber como se encontra a capacidade de funcionamento renal, são
importantíssimas as dosagens de Ur, Cr e também de potássio. Além disso, o rim também é responsável por manter
o equilíbrio ácido-básico, por isso também lançamos mão de exames pra avaliar isso, que é a gasometria venosa.
A avaliação do sedimento urinário não é especificamente a avaliação de uma função renal, mas é um meio
que você detecta anormalidades na urina, anormalidades do sedimento urinário. E quais são essas anormalidades?
Principalmente a hematúria e a proteinúria. Ainda temos os exames de imagem, que o principal é o ultrassom (US).
Baixo custo e traz informações riquíssimas.
Chegou um paciente no consultório, é hipertenso e diabético, quer saber como o rim dele funciona?
Solicitar Cr, Ur e K; avaliação dos sedimentos urinários e US
A creatinina é produto do metabolismo da creatina e da fosfocreatinina, sobretudo muscular, e a liberação
muscular é constante. Os níveis séricos variam entre 0,8-1,3 para os homens e de 0,6-1,0 para as mulheres. Varia do
homem pra mulher principalmente pela massa muscular, só que esse valor não é preciso, por exemplo, um jovem
homem halterofilista de grande massa muscular provavelmente vai ter uma Cr no limite superior ou até mesmo
ultrapassando o limite superior, mas isso só quer dizer que ele processa muita creatina, não que ele tá com
comprometimento da função renal, é normal porque ele tem muita massa muscular. O oposto disso é uma mulher
muito magra, de 80 anos de idade, que pesa 40 Kg, ela quase não tem músculo, então ela provavelmente tem um
valor de Cr muito baixo, às vezes menor até que o valor de referência. Uma forma de corrigir isso é, sempre que for
avaliar uma função renal, calcular a estimativa da filtração glomerular, através de uma equação, que a gente vai falar
na aula de doença renal crônica.
A elevação da Cr é observada sobretudo nas situações de disfunção renal, mas ela também pode aparecer na
grande ingesta de carne (paciente que vai dosar a Cr e comeu churrasco na noite anterior), na destruição muscular
intensa, como na rabdomiólise, necrose muscular, isquemia do membro inferior (que libera tanto Cr quanto
mioglobina), vítimas de soterramento, esmagamento. A Ur também é produto final do metabolismo nitrogenado e
também tá relacionado a disfunção renal. Os 2 exames, Ur e Cr, andam juntos, é como se fosse prova e contra-prova,
são sempre 2 pontos de vista.
O detalhe é que a Ur tende a flutuar mais do que a Cr, que tende a ter uma elevação mais linear. A Ur pode
elevar junto com a Cr ou pode divergir, pode se elevar mais do que a Cr. Por que isso ocorre? Porque a Cr é apenas
filtrada e também é um pouco secretada dentro da luz dos túbulos renais, enquanto a Ur é filtrada mas também é
reabsorvida, a gente vai falar disso lá na aula de injúria renal aguda (IRA). Por essa capacidade de reabsorção, que a
Cr não tem, você pode ter situações como a IRA pré-renal, com o achado de uma desproporção Ur/Cr (Ur mais alta
que a Cr).
O clearence de Cr (ClCr), que na verdade significa a depuração da Cr, mensura a capacidade que o rim tem de
tirar a quantidade de Cr que está na circulação e jogar fora por meio da urina, então ele vai calcular, de acordo com
o volume urinário, o quanto de Cr que o rim tá tirando do sangue e jogando fora pela urina. E como que isso é feito?
ClCr (mL/min) = (Cr urinária x vol. da diurese) ÷ Cr sérica.
Então, ele compara quanto de Cr que está na urina com o quanto de Cr que está na circulação. Anos atrás
falava-se em 90 mL/min como um valor normal, mas desde 2013 que se sabe que é suficiente 60 mL/min. Então, o
rim depura 60 mL de sangue a cada minuto, ou seja, ele tira a Cr de 60 mL de sangue a cada minuto, é isso o que
significa o ClCr.
O capilar é abraçado por uma barreira, que funciona como um
filtro, que é a membrana basal glomerular (MBG). Quando ocorre uma
falha nessa barreira, começa a haver passagem de substâncias que não
deveriam passar, como, a proteína. Então você vai ter proteína
ultrapassando a barreira da MBG e caindo na cápsula de Bowman. Da
cápsula de Bowman, essa urina cheia de proteína vai ser transferida ao
longo dos túbulos renais, até chegar na bexiga e depois ser eliminada.
Nessa condição, você vai ter proteinúria. Além de haver a possibilidade
de perda de proteína, também há a possibilidade de perder outras
substâncias, à exemplo das hemácias, então o paciente vai ter
hematúria, e isso é detectado pelo sumário de urina.
Além daqueles exames básicos da função renal, existem exames mais sofisticados, como o exame de
dosagem da proteína, que é obtida pela quantificação dessa proteína na urina de 24h. Além desses exames, existem
outros, como a urinocultura, a dosagem de eletrólitos e a biópsia renal.
Como é que eu vou detectar hematúria e proteinúria? É pelo sumário de urina. Ele só serve pra isso? Não. O
sumário de urina é dividido em 2 etapas. Na 1ª, você vai introduzir uma fita reagente na urina coletada, uma fita que
é dividida em vários espaços, e cada espaço dá uma informação: pH, proteína, leucócitos, bilirrubina (Bb), cetona e
glicose. Quando a fita reagir, você vai comparar ela com o controle e isso vai te dar uma informação
semiquantitativa, ou seja, esse exame vai te dizer mais ou menos quanto tem de cada um dos itens avaliados, e essa
informação é dada de 1 a 4 cruzes.
pH: A nossa urina é ácida, o nosso rim tem a capacidade de excretar o excesso de hidrogênio que o nosso
metabolismo promove. Se o rim não joga esse hidrogênio fora, você tem um quadro de disfunção renal. Então, um
dos sinais que a gente pesquisa na insuf. renal é a gasometria. Então, o valor normal do pH urinário é de 5 a 6, mas
pode ter uma variação mais ampla, pode variar de 4,5 a 8,0. Em que situações a urina pode estar mais alcalina (pH >
7,0)? Situações como ITU e, às vezes, a urina coletada demora muito na bancada do laboratório e isso naturalmente
eleva o seu pH, causando um falso-positivo para pH alcalino. Então, quando eu quero uma avaliação mais precisa do
pH urinário, eu peço pra urina ser avaliada imediatamente ou eu peço pra ela ser avaliada num instrumento próprio
pra isso, que não é a fita, é um método direto. Em que situações a urina pode estar mais ácida? Dieta rica em carne,
acidose metabólica e tuberculose renal.
Bb: A Bb direta (BbD), que é a que aumenta sobretudo em situações como hepatites, você vai ter a urina
com aspecto colúrico, porque a BbD é hidrossolúvel, por isso que quando está elevada ela aparece na urina,
diferentemente da Bb indireta (BbI), que acontece em situações como a hemólise, onde por mais que haja
hiperbilirrubinemia, não dá colúria, porque a BbI não é hidrossolúvel, ela não é filtrada e não vai pra urina.
Esterase leucocitária e nitrito: são informações muitíssimo úteis quando se investiga ITU. A esterase
leucocitária é liberada pelos leucócitos na fagocitose. O nitrito é resultante da produção da enzima nitrato-redutase ,
que é liberada pelas bactérias do grupo das enterobacteriáceas (E. coli). Essa enzima quebra o nitrato em nitrito.
Ambos são indícios de ITU. O mais utilizado mesmo é a contagem dos leucócitos. Então, o paciente pode ter 50
piócitos/campo e não ter nitrito, aí eu vou dizer que ele não tem infecção? Não, porque a contagem de leucócitos é
muito mais sensível e específica.
Glicose: O limiar renal de glicose é 160-180. Isso significa que se a glicemia estiver entre 160 e 180, a glicose
que está circulando também é filtrada, só que nesse montante, ela é totalmente reabsorvida. Se a glicemia
ultrapassar 180, sobretudo 210, o rim não consegue captar tudo, boa parte disso é eliminada pela urina, ou seja, o
paciente vai ter glicosúria (sugestivo de diabetes descompensado). No passado, era importantíssimo pro ajuste
terapêutico dos pacientes diabéticos, hoje ainda é de grande utilidade, mas só nos centros mais afastados. Existem
situações que o paciente tem glicosúria mesmo com a glicemia normal. Isso ocorre quando há uma tubulopatia, o
que impede a reabsorção da glicose. Existe uma gama enorme de tubulopatias, algumas que o paciente perde
exclusivamente a glicose, mas que pode impedir a absorção de diversas outras substâncias. Dentre elas, a mais
conhecida é a síndrome de Fanconi, uma tubulopatia hereditária que é relacionada à incapacidade de absorção
tanto de glicose quanto de fosfato, aminoácidos e algumas outras substâncias. Relacionado à Sd. de Fanconi, está o
raquitismo e o retardo de crescimento, que ocorre principalmente na faixa etária pediátrica.
Corpos cetônicos (acetona): Também são uma informação adicional na investigação de quadros de diabetes
descompensado. Se o paciente tem cetoacidose diabética, você vai encontrar cetonas na urina, mas também pode
ocorrer no jejum prolongado.
Hemoglobina (Hb): A Hb pode estar dentro da hemácia ou fora dela, como nos quadros de hemólise. Como é
muito mais comum o quadro de hematúria ou hemoglobinúria do que de mioglobinúria, em casos excepcionais, ela
pode fazer um falso-positivo para mioglobina, porque a mioglobina também vai positivar essa mesma reação. Então,
esse exame vai indicar se tem hemácias, se tem hemoglobina e se tem mioglobina. Felizmente a questão da
mioglobina é uma exceção, na prática, indica mesmo que tem sangue. OBS.: Vale a pena ressaltar que nem toda
urina avermelhada é sangue, pode ser outros pigmentos, medicamentos como a fenazopiridina (utilizado nas ITUs),
alimentos como beterraba e até mesmo uma patologia, a porfiria.
Densidade urinária: É importante se você suspeita que o paciente está desidratado, hipovolêmico, onde a
densidade vai estar alta. O oposto é verdadeiro: se o paciente tem uma IRA, e não é uma IRA pré-renal, não é porque
ele tá desidratado, e você acha que o paciente está bem hidratado e pede a função renal, essa densidade deve estar
normal. O paciente que tem diabetes insipidus, que é um quadro de poliúria, você vai ter uma densidade muito
baixa, abaixo até dos valores de referência, porque ele não consegue concentrar a urina, então tudo que chega vai
embora, uma urina muito diluída.
Proteína: O normal é não ter proteinúria. Se você tem proteinúria, isso pode ser patológico ou não. Existem
situações que você pode ter proteinúria transitória: febre e ITU são situações que, transitoriamente, podem fazer
um falso-positivo e aparecer uma proteinúria positiva. Se o paciente passou a noite em pé, ele pode ter proteinúria,
que é o que a gente chama de proteinúria ortostática. Se ele fizer esse mesmo exame em repouso, não vai ter mais
proteinúria. Quando é proteinúria persistente, aí sim isso é patológico. Na prática, se você fez um exame que indicou
proteinúria, a gente então vai fazer um exame de proteinúria de 24h pra ver direitinho como que é esse quadro.
A 2ª etapa do sumário de urina eu preciso centrifugar a urina e leva-la ao microscópio, pra procurar os
elementos anormais do sedimento (EAS), onde a gente vai procurar células, cilindros e cristais.
Células: Pode ser resultante de degeneração, normalmente, mesmo que não seja nefropatia, a degeneração
é encontrada, agora se você tem uma contagem alta, aí pode indicar uma nefropatia. Leucócitos e hemácias são
elementos frequentemente encontrados, os leucócitos nas ITUs e as hemácias em patologias diversas, das quais se
englobam as glomerulopatias, que é o foco da nossa próxima aula. Até 3 hemácias/campo é normal, na prática a
gente considera a investigação quando tem > 5 hemácias/campo.
Cilindros: São vários tipos, são massas longas, restos/descamação de células, matriz proteica que se
acumulam no túbulo coletor e, quando elas caem na urina, caem inteiras, no formato do túbulo coletor, que é
cilíndrico. Cilindros hialinos são basicamente proteína de Tamm-Horsfall; cilindros epiteliais, encontrados
principalmente na necrose tubular aguda (NTA); cilindro leucocitário, na ITU e pielonefrite e o cilindro gorduroso,
também encontrado na NTA. Existem ainda os granulosos finos, granulosos grossos e hemáticos.
Cristais: A cristalização é um processo natural, pode ser acelerada inclusive na urina que fica repousando na
bancada do laboratório, em que os cristais precipitam e se sedimentam. O achado de cristal isoladamente, sem ter
uma clínica sugestiva, é desprezível. Mas os cristais de estruvita (fosfato de amônio magnesiano) e de cistina,
quando encontrados, já denotam patologia. Cristais de gluconato de cálcio e ác. úrico, esses não necessariamente
são patológicos.
Então, sempre que houver sangue ou proteína na urina, você deve pensar num grupo de patologias, que são
as doenças glomerulares. A hematúria pode ser tanto microscópica (> 3 ou 5 hemácias/campo) quanto macroscópica
(sangue vivo ou colúria). Pode ser também glomerular (quando vem associada à proteinúria) ou extra-glomerular
(pode vir de qualquer segmento do trato urinário: cisto renal, cálculo renal, tumor de próstata, tumor de bexiga,
ureter, trauma, coagulopatia, trombose da veia renal, etc.). OBS.: Hematúria + proteinúria, até que se prove o
contrário é uma glomerulopatia, mas pode haver glomerulopatia sem proteinúria, mas isso requer uma maior
investigação.
Proteinúria também pode ser tubular, que geralmente é menor e que está associada a um grupo de doenças
que a gente não vai abordar nesse curso. Se deu proteinúria no sumário de urina, o próximo passo é fazer a
proteinúria de 24h. Pode dosar só a albumina: se for < 30, tá normal, se for de 30 a 300, indica que o paciente tem
microalbuminúria. Dosando todas as proteínas, o normal é até 150 mg, mas até 300 ainda é aceitável. Acima de 300
requer investigação um pouco mais ampla.
As doenças glomerulares podem englobar um conjunto de quadros clínicos, os mais comuns são a síndrome
nefrótica e a nefrítica, mas também pode estar ligado à anormalidade urinária assintomática, que é o paciente que
não tem clínica nenhuma, mas tem proteinúria e hematúria, ou até mesmo só a hematúria, e requer investigação.
Existe também a glomerulonefrite rapidamente progressiva e a crônica. Essas 4 podem ser provenientes de doenças
primárias (restritas ao aparelho urinário) ou secundárias (que, por exemplo, tem o diabetes como causa, ou o lupus).

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