Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
FACULDADE DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
ESTUDOS LINGÜÍSTICOS
Com o início do período eleitoral os candidatos e suas equipes de assessoria dão forma e
corpo a suas campanhas. Começa enfim o jogo da política e as eleições para presidente
do país se tornam uma espécie de copa do mundo da política com seus atores em campo
e suas estratégias de jogo articuladas. A mídia também participa voltando seu olhar
para a cena política garantido assim o fator de especularização necessário para
estabelecer a relação com o público eleitor. Assim está formado o quadro de relações
que organiza o discurso político como um todo.
O discurso político posto em circulação no espaço social durante o período das eleições
é constituído por um conjunto de gêneros que são produzidos para informar e incitar a
instância cidadã a aderir ao seu projeto político. Dentre os diversos gêneros que
compõem o discurso de uma campanha eleitoral, que são as peças de comunicação
propriamente ditas (programas de rádio e televisão, debates, cartazes, folhetos, sites,
blogs, etc)1 será tomado para análise um gênero específico: o jingle. Peça de
importância estratégica, por suas características comunicacionais que possibilitam a
rápida e abrangente divulgação das representações do candidato e suas principais
qualidades e propostas.
1
Além é claro dos gêneros não midiatizados, como os comícios, encontros do partido, reuniões, e outros mais que possam ocorrer.
Para fundamentar nossas abordagens serão utilizados aqui alguns conceitos tratados em
diferentes, mas próximas, áreas de estudo que se interessam pela questão do ethos,
como a Retórica, a Pragmática, a Sociologia dos Campos, e em especial a Análise do
Discurso, principalmente a partir de algumas idéias de Dominique Maingueneau e Ruth
Amossy sobre o assunto. O conceito de discurso político, sobretudo em Patrick
Charaudeau, tem também papel importante na fundamentação deste trabalho.
O Ethos na Política
Para Aristóteles, o ethos juntamente com o logos e o pathos constituem as três provas
lógicas engendradas pelo discurso. Inerentes a todo processo argumentativo essas peças
de convicção se articulam dentro do mecanismo de persuasão para produzir acordos e
convencer o auditório. Diferentemente dos retóricos de sua época, Aristóteles
considerava o ethos como a peça mais importante entre todas uma vez que contribuia de
modo efetivo para a consolidação do processo persuasivo. Para ele o ethos seria uma
manifestação interna ao discurso e dependeria portanto da capacidade do orador de
mostrar determinadas qualidades para poder inspirar confiança. Qualidades estas
denomidades por Aristóteles como Phrónesis, que seria a capacidade de ter ‘ar
ponderado’, ‘prudência’ e ‘sabedoria prática’, relacionado portanto com a ordem da
razão (Logos). A Areté é a capacidade de se apresentar como homem honesto e sincero,
mostrar virtude (Ethos). Já na Eunóia o orador deve apresentar uma imagem agradável
de si, mostrar que é ‘benevolente’ e ‘solidário’ (Pathos).2
Essa concepção do ethos constituído através do discurso dará lugar a uma outra
abordagem que passa a integrar a idéia da interação verbal com a noção de um valor
institucional agregado ao orador, que por sua vez legitimaria ou não o direito à palavra,
e seria portanto responsável pela elaboração de uma representação simbólica em relação
à imagem do orador, idéia defendida pela Sociologia dos Campos.
2
Eggs: 2008, p. 29-56.
institucionais exteriores”.3 A autora observa que ambas abordagens podem ser
complementares, dentro de uma dupla perspectiva interacional e institucional. E com a
retomada do conceito de ethos pela Análise do Discurso, novamente se levanta a
problemática da relação entre ethos pré-discursivo (prévio) e ethos discursivo.
Maingueneau então diz: “O ethos não é apenas um meio de persuasão, como na retórica
tradicional, ele é parte constitutiva da cena de enunciação, com o mesmo estatuto que o
vocabulário ou os modos de difusão que o enunciado implica por seu modo de
existência”.6 Para o autor o ethos em jogo nos diversos gêneros discursivos que
permeiam a interação humana é uma manifestação de uma dimensão vocal, uma fonte
enunciativa que ganha corpo na cena de enunciação: “uma instância subjetiva encarnada
que exerce o papel de fiador”. É esse teceiro construído pela enunciação que emerge na
cena e garante a efetivação do processo persuasivo de interação com o co-enunciador.
Podemos compreender que o ethos está ligado ao exercício da palavra por aquele que
detém essa legitimidade. Ele é ao mesmo tempo próprio ao sujeito comunicante, está
conectado a sua história; e também se manifesta no momento em que ocorre o ato de
linguagem, isto é, pelo discurso e seus mecanismos de argumentação. O ethos é assim o
resultado dessa dupla identidade, do ser social e empírico e do ser de palavra, aquele do
ato de enunciação. Ou como nos termos de Charaudeau, uma identidade social
(psicossocial) e uma identidade discursiva.
3
Amossy: 2008, p. 122.
4
Para Amossy (2008: 125), “A estereotipagem é a operação que consiste em pensar o real por meio de uma representação cultural
pré-existente, um esquema coletivo cristalizado. Assim, a comunidade, avalia e percebe o indivíduo segundo um modelo pré-
construído de categoria por ela difundida”.
5
De acordo com Maingueneau (2008: 72) incorporação designa a maneira pela qual o co-enunciador se relaciona ao ethos de um
discurso.
6
Maingueneau: 2008, p. 75.
O ethos está relacionado com os imaginários sociais na medida em que a identidade do
sujeito e aquilo que ele compreende do mundo são constituídos pelas representações
simbólicas que circulam em dado grupo social e são percebidas e incorporadas pelos
indivíduos por meio de um processo de interpretação desses fenômenos. Charaudeau vai
dizer que o ethos apóia-se em um duplo imaginário corporal e moral ou que é um
imaginário que, aqui, se ‘corporifica’7. Esse imaginário, no qual o ethos irá se apoiar é
materializado em regras de comportamento, normas de conduta, em leis, papéis sociais,
rituais, etc. A partir daí o sujeito irá orientar seu discurso com a finalidade de reforçar
ou apagar determinado ethos prévio ou pré-discursivo e mesmo procurar projetar outros.
Para Charaudeau, o discurso político desenvolve algumas figuras identitárias que podem
ser classificadas em duas grandes categorias de ethos: o ethos de credibilidade (ethos de
‘seriedade’, de ‘virtude’, de ‘competência’), que pertence à ordem da razão; e o ethos de
identificação (ethos de ‘potência’, de ‘caráter’, de ‘inteligência’, de ‘humanidade’, de
‘chefe’, de ‘solidariedade’) no qual o que está em jogo são elementos da ordem do
pathos, portanto das emoções e afecções geradas como efeito do discurso.
Com todo esse arcabouço conceitual de classificação dos tipos de ethos presentes no
discurso político pretende-se avaliar aqueles que predominam na cena política eleitoral
dos principais canditatos à presidência no pleito de 2010, a partir da análises dos seus
jingles de campanha. Antes faremos algumas observações sobre as características do
discurso político para que possamos melhor compreender as relações que ele estabelece
na construção das representações e seu papel nas formas de apresentação do ethos.
No que diz respeito ao papel essencial dos gêneros na problemática do ethos, o que pode
ser destacado aqui é a concepção de que o discurso político é um gênero pertencente a
uma categoria discursiva maior, ou seja, um tipo discursivo denominado Discurso
Propagantístico8. Uma das características desse discurso é sua finalidade de ‘incitação’,
de um fazer crer a uma instância coletiva, sendo propagado geralmente por meios de
difusão em massa. Outra característica do discurso propagandístico é sua estruturação
7
Charaudeau: 2006, p.117.
8
Charaudeau: colóquio, UFMG, 2010.
em um sistema narrativo que articula uma carência em relação a um objeto ideal que
gera uma busca e um meio para atingir este ideal.9 Um esquema argumentativo também
faz parte do discurso propagandístico, pois ao dizer que somente este ‘meio’
(produto/idéia) permite conseguir atingir o objeto almejado, exclui uma possível
objeção, porque o destinatário não pode ‘não querer o objeto’.
11
Nas sociedades democráticas, mecanismos de contra-poder permitem à instância público, isto é, ao eleitor, o direito de vigilância.
Daí a importância do papel das mídias de informação e da liberdade de expressão na manutenção da democracia.
12
Se faz necessário também distinguir a política, enquanto atividade pragmática, do discurso político, enquanto atividade de
linguagem. A política é aqui entendida como instrumento de organização da atividade social, responsável por regular as tomadas de
decisões relativas ao plano social como um todo, de acordo com as esferas de atuação.
sobretudo como manifestação da linguagem, como ato de comunicação e interação, que
coloca em movimento o discurso, para circular no espaço público e produzir sentido. O
autor explica que existiriam três lugares de fabricação do pensamento político: o
discurso político como sistema de pensamento, como ato de comunicação, e como
comentário. Sendo que ambos se relacionam no processo de construção do sentido do
discurso político. A princípio, nos interessa de perto abordar o discurso político
enquanto ato de comunicação, pois aqui se encontram os atores que participam
efetivamente da cena enunciativa política, bem como o lugar de construção dos
imaginários13, das representações e das estratégias de persuasão e sedução.
Para Charaudeau, o imaginário resulta de uma dupla interação: do homem com o mundo
e do homem com o homem. Segundo ele, a realidade não pode ser apreendida enquanto
tal. Ela existiria independente do homem, mas teria, em contrapartida, a necessidade de
ser percebida pelo homem para poder significar. E é essa atividade de percepção
significante que produz os imaginários, que por sua vez dão sentido à realidade, daí o
papel de espelho identitário exercido pelo imaginário. Já o conceito de imaginário
sociodiscursivo agrega o qualificativo discursivo à noção de imaginário social por
conceber que as diversas formas de materialização dos tipos de comportamento da vida
cotidiana, das atividades coletivas, até objetos de consumo, doutrinas religiosas, teorias
científicas, provérbios, ditados e slogans se manifestam pela linguagem.
Antes de entrarmos na análise dos jingles gostaria de perpassar mesmo que rapidamente
por algumas características desse tipo de gênero discursivo.
O gênero jingle
O gênero denominado Jingle é caracterizado de modo geral por ser uma peça musicada
de curta duração (entre quinze e sessenta segundos na publicidade, podendo chegar a
dois minutos ou mais em se tratando de jingle político) e por ser de fácil assimilação. É
utilizado predominantemente pela publicidade e está geralmente associado a outras
peças que compõem as campanhas de comunicação publicitária. Mas o jingle é também
muito aplicado às campanhas eleitorais, como veremos mais abaixo.
O jingle é uma divulgação totalmente musical que une melodia, harmonia e ritmo
associados ao texto para despertar a atenção e até mesmo a emoção do público. Ele se
diferencia do spot de rádio uma vez que no spot a música está em função do plano
verbal, ou seja, como ilustração de fundo para um texto em locução. Veiculado pelas
emissoras de rádio a partir dos anos de 1930, o jingle sempre se mostrou como eficaz
instrumento de disseminação da identidade de uma marca e no processo de
memorização de uma mensagem. Foi durante o período de Getúlio Vargas que os
jingles políticos surgiram no Brasil, com a função de propagar ações e valores do
presidente e do estado.
Os três jingles selecionados para a análise foram extraídos dos sites de três candidatos
considerados principais pelo critério da representação quantitativa das preferências de
votos, demonstradas pelas pesquisas de opinião e disseminadas pelo conjunto das
mídias de informação, durante o processo eleitoral de 2010, até então. Com o início do
período eleitoral14 os candidatos estão liberados para divulgar suas campanhas. E de
acordo com a legislação está permitido no momento o uso de instrumentos sonoros, em
certas situações (comícios, comitês, internet, etc). É aí que entram os jingles como
principal ferramenta de trabalho em muitas campanhas, como a dos candidatos em
questão.
A candidata Dilma Rousseff apresenta uma peça que parte do gênero musical
denominado Axé music e trabalha com elementos de outros ritmos populares de sucesso
no momento. O jingle de campanha da candidata à presidência pelo Partido dos
Trabalhadores foi lançado durante a convenção nacional do partido, que aprovou a
indicação de seu nome. A música procura centrar-se na figura do presidente Lula como
padrinho de Dilma, como estratégia para garantir sua presença na cena, visando
promover certa transferência de valores: ‘Lula tá com ela; eu também tô’.15 Um série de
pontos de destaque e virtudes do governo de Lula são relacionados à figura de Dilma
por um princípio de proximidade e de confluência de ações. A letra inicia dizendo que o
Brasil tem que seguir em frente, “sem voltar para trás”. O nome de Dilma aparece seis
vezes na letra e o de Lula cinco. “Ela sabe bem o que faz/ Ela já mostrou que é
capaz/Ajudou o Lula a fazer pra gente um Brasil melhor”, segue a música.
14
O Tribunal Superior Eleitoral, usando das atribuições que lhe conferem o artigo 23, inciso IX, do Código Eleitoral e o artigo 105
da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, resolve expedir a seguinte instrução: 6 de julho – terça-feira. 1. Data a partir da qual
será permitida a propaganda eleitoral (Lei nº 9.504/97, art. 36, caput). 2. Data a partir da qual os partidos políticos registrados
podem fazer funcionar, das 8 horas às 22 horas, alto-falantes ou amplificadores de som, nas suas sedes ou em veículos (Lei nº
9.504/97, art. 39, § 3º). 3. Data a partir da qual os candidatos, os partidos políticos e as coligações poderão realizar comícios e
utilizar aparelhagem de sonorização fixa, das 8 horas às 24 horas (Lei no 9.504/97, art. 39, § 4o).
15
Segundo informações do folha.com, o jingle foi testado e aprovado em mais de 30 grupos de pesquisas qualitativas em várias
regiões do Brasil. Ouça a peça na íntegra no link: http://www1.folha.uol.com.br/multimidia/podcasts/750295-ouca-o-jingle-da-
campanha-de-dilma-rousseff.shtml, ou no site da candidata: http://www.dilma13.com.br/conteudo/main
Durante a convenção do PSDB para o lançamento da candidatura a presidente da
República do ex-governador de São Paulo José Serra, realizada em junho foi
apresentado o jingle da campanha: ‘Eu quero Serra’16. O gênero musical escolhido para
a peça pode ser classificado por Música pop, um estilo de música que possui um ritmo
acelerado e com ‘tom’ alegre. A campanha do candidato tucano aposta na imagem de
mais “experiente” e “competente”. O texto destaca que “Serra porque sabe/Como
avançar mais/Serra porque é/Correto e boa gente/ Serra porque é/ O mais competente”.
Segundo a letra, “não tem comparação” entre Serra e os adversários e que só o tucano é
quem tem “um caminho para o futuro”.
Os jingles de Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV) mostram em
linhas gerais o tom que as campanhas dos três candidatos irão seguir. A partir do
momento que oficializaram suas candidaturas, Dilma, Serra e Marina podem apresentar
as músicas em comitês e comícios por meios de difusão sonoros, e poderão compor
também os programas, na televisão e no rádio, a partir de 17 de agosto de 2010.
16
Ouça a peça na íntegra no link: http://www1.folha.uol.com.br/multimidia/podcasts/750039-ouca-jingle-da-campanha-de-jose-
serra.shtml, ou no site do candidato: http://joseserra.psdb.org.br
17
Ouça a peça na íntegra no link: http://www1.folha.uol.com.br/multimidia/podcasts/750792-ouca-o-jingle-da-campanha-de-
marina-silva.shtml, ou no site da candidata: http://www.minhamarina.org.br
articulação de elementos do ethos prévio, em legítimo processo de interação com os
sentidos que emergem do ethos discursivo.
Dilma brasileira
Dilma Roussef traz em sua biografia uma representação que remonta desde os tempos
de estudante de economia, oriunda da classe média, que se envolveu com movimentos
revolucionários no período da ditadura militar (anos 60 e 70). O ethos pré-discursivo de
Dilma também incorpora, de modo ainda mais acentuado, a imagem da mulher
competente, inteligente, dinâmica e firme em seus projetos e idéias. De secretária de
estado, passando por ministra de Minas e Energia, ministra chefe da Casa Civil, e braço
direito e preferida do Presidente Lula, a hoje candidata à presidência reflete toda essa
‘carga’ de investimento e confiança que Lula e o partido despejam sobre ela. Passando
de guerrilheira a uma ‘grande brasileira’.
Encontramos também alguns tipos de imagens apresentadas na letra do jingle, além dos
já mencionados ethos de ‘competência’ (‘Ela já mostrou que é capaz’) e ‘seriedade’, que
são caracteres responsáveis pela credibilidade. São tipos de ethos considerados
responsáveis pelo processo de identificação que se encontram presentes em trechos
como ‘É a mulher e sua força verdadeira’ e ‘Uma grande brasileira’, demonstrando
potência (‘força’), caráter (‘verdadeira’), humanidade (‘grande brasileira’), inteligência
(‘ela sabe bem’) e liderança unificadora (‘É com a Dilma que vou’/ ‘Brasil do povo’).
Aqui os elementos da ordem do pathos é que predominam, portanto é o lugar das
emoções e afecções produzidas pelo discurso. Estas estratégias de persuasão,
promovidas pela utilização de imagens e identidades contribuem para gerar as
almejadas credibilidade e identificação, bem como o reconhecimento desses valores
pela instância cidadã.
Dilma representa por seu lado uma opção diferente no cenário por ser a primeira
candidata a ter chances claras de se eleger presidente do Brasil. Mas essa novidade não
pode, ou não deveria representar um projeto de mudança, mas sim a continuidade das
políticas adotadas por Lula que funcionaram e são sinônimos de sucesso. Daí a
recorrente idéia trabalhada na música de ‘Pra seguir mudando/Seguir crescendo’, ‘Vai
seguir com a Dilma’. E nessa empreitada ela pode contar com apoio de peso, pois se
‘Lula tá com ela/ eu também tô’.
Eu quero Serra
No decorrer do processo persuasivo que busca convencer pela idéia de ‘proteção’ (Serra
porque sempre/Teve do meu lado) e ‘segurança’ (Serra porque eu quero/O melhor e
mais seguro) a música evoca uma concepção de superioridade da capacidade de Serra
em relação aos demais candidatos (Dilma, principalmente), por sua história na vida
pública e experiência administrativa, por isso a letra alega que ‘Não tem comparação/Eu
quero Serra/Nosso presidente’. Já o imaginário de ‘humanidade’, utilizado como
estratégia de aproximação ao ‘povo’, para mostrar que é solidário, se faz presente no
discurso que se apropria desse ethos prévio de Serra, remetendo ao político que cuida do
seu povo, como um bom médico cuida do seu paciente. Isso pode ser percebido nas
repetidas vezes em que o refrão diz: ‘Agora é Serra/Pra cuidar dessa nação/Agora é
Serra/Pra cuidar da gente’.
Marina
Marina Silva tem sua biografia como grande trunfo, uma vez que diferentemente de
Dilma e Serra, é oriunda de família pobre do interior do Acre, viveu nos seringais até
decidir se mudar para Rio Branco e conseguir ser alfabetizada aos 16 anos. Foi eleita
vereadora pela primeira vez aos 31 pelo Partido dos Trabalhadores, foi deputada federal
até se tornar a senadora eleita mais jovem da história política brasileira. Convidada pelo
presidente Lula para assumir a pasta ambiental do governo, acabou por deixar o
ministério por conflito de interesses e desentendimentos no governo. Rompeu com o PT
e foi para o PV onde foi recebida e aclamada como candidata do Partido Verde à
presidência da república.
Marina traz com consigo uma identidade carregada de valores de uma cidadania sofrida
e guerreira, de uma ‘brasilidade’ que reflete grande parte da sociedade brasileira, mas
que não se entrega e consegue por meio de muito esforço, trabalho, persistência (e até
mesmo ‘sorte’) ‘vencer na vida’, construir algo de bom para a sociedade: ‘Marina,
guerreira, que lutou e conseguiu’. Marina é a cara e a cor do Brasil; e no trocadilho que
o jingle faz com a música de Dorival Caimi (Marina) fica clara a intenção de produzir
um efeito simbiótico de corporalidade entre Marina e o povo brasileiro, e nos transmite
a idéia de miscigenação e diversidade da cultura brasileira: ‘Marina, morena, como a
pele do Brasil’. Esse ethos de humanidade e aproximação ao povo também pode ser
percebido em ‘brasileira na raiz’.
A candidata inscreve seu projeto de sociedade ideal no tema central da causa ambiental,
recuperando de modo recorrente e focalizado, um ethos prévio de ‘defensora do meio-
ambiente’ . Em ‘Salve os campos, cidades, matas, mares e rios’ isso se mostra evidente.
Com ênfase em sua determinação e competência (‘sábia’), Marina se apresenta como
capaz de enfrentar as dificuldades e vencer os desafios que a administração de um país
coloca, para construir um Brasil mais justo e sustentável18: ‘Não verga, não quebra, não
se entrega e não se rende/ A luta é sem trégua, mas a Marina é valente’. E o sonho de
ver o Brasil como uma grande nação e exemplo para o mundo aparece e pede pressa
para poder salvar o patrimônio maior do país e o desejo de construir uma grande nação
em ‘Salve urgente, o sonho da gente, salve o Brasil’.
Outros ethé aparecem no discurso que o jingle promove, como o ethos de ‘virtude’ e de
‘caráter’ (‘Mulher verdadeira no que faz e no que diz’), de ‘potência’ (‘Marina é
valente’). Mas Marina também é ‘serena’, transmite tranquilidade e capacidade de
diálogo. Marina se coloca como uma opção diferente, projetando uma mudança de
18
Primeiro tópico das diretrizes de governo de Marina Silva publicada em seu site:
http://www.minhamarina.org.br/diretrizes_governo/internas/o-brasil-que-queremos.php
cenário e tem a seu favor a identidade de uma líder com uma visão apontada para o
futuro (que urge) e para o desenvolvimento sustentável do país.
Conclusão
Neste modesto trabalho buscou-se antes de tudo realizar uma reflexão sobre alguns
conceitos adotados por teóricos da AD. Depois procurou-se aplicá-los a objetos
discursivos com a finalidade de tentar perceber, pela observação e interpretação, os
modos de manifestação dos fenômenos da atividade comunicacional relacionados ao
ethos. O campo escolhido para o estudo foi o discurso político e o gênero destacado
dentro deste campo para ser analisado foi o jingle, peça de campanha eleitoral de alguns
candidatos a presidente: Dilma Roussef, José Serra e Marina Silva.
Vimos como os três candidatos tentam mostrar suas qualidades reforçando certos
valores, que encontram-se por seu lado sobredeterminados por um ethos prévio, uma
imagem anterior que precisa ser reforçada ou mesmo apagada. Essa projeção de uma
identidade política que agrega os valores capazes de concretizar o projeto de uma
sociedade ideal; e que consegue integrar e incorporar um conjunto de qualidades que
responda aos anseios da instância cidadã.
Cada um a seu modo, mas com estratégias semelhantes, constrói na cena política
brasileira como um todo, uma enunciação destinada a convencer o maior número de
pessoas a aderir ao seu projeto de nação. ‘Seguir crescendo’, em Dilma; ‘Avançar
mais’, em Serra e ‘Salve o Brasil’, em Marina, representam os argumentos que podem
sintetizar a idéia central de seus projetos.
Referências Bibliográficas:
http://www.dilma13.com.br/conteudo/main/
http://joseserra.psdb.org.br/home
http://www.minhamarina.org.br/home/home.php
http://www.folha.com.br/
http://www1.folha.uol.com.br/poder/744245-dilma-rousseff-ilusoes-armadas.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/poder/744261-jose-serra-a-segunda-tentativa.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/poder/744238-marina-silva-a-filha-da-floresta.shtml
Letras dos jingles: