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ANTROPOLÍTICA
Nº 8 1º semestre 2000
ISSN 1414-7378
Antropolítica Niterói n. 8 p. 134 1-100 1. sem. 2000
SUMÁRIO
ARTIGOS
POAL
POLÍCIA
ÍT IC EA
O ESTADO NA ERA DA
NA GLOBALIZAÇÃO*
DANIEL DOS SANTOS**
H
SI
TOR
O
IGR
AF A
I
BRASI
L EI
R A
A relação entre o Estado e a sociedade é uma questão central,
sobretudo quando o absolutismo do primeiro, sob o manto da de-
mocracia parlamentar representativa, tende a revelar-se uma das
características da sua ação no contexto da globalização (passagem
do “Estado Social ao Estado penal”). O que, em termos de repre-
sentações sociais, é definido como contrapartida ao recurso cada
vez maior de estratégias públicas disciplinares e repressivas, ao uso
e abuso de instituições como a polícia e a prisão, a formalização
dos direitos humanos, do Estado de Direito e do mercado. Este
artigo tem como objetivo elaborar alguns dos elementos prelimina-
res necessários para aprofundar e alargar uma análise possível
desta questão.
Palavras-chave: violência; polícia; Estado; democracia; sociedade
A VIOLÊNCIA
Agir sobre alguém ou fazê-lo agir con- dos cidadãos como uma violência. Esta per-
tra a própria vontade, pouco importan- cepção, mesmo de “senso comum”, é
do os meios utilizados para tanto – a reveladora das ambigüidades que envolvem
coação, a intimidação ou a força –, não a noção de violência, nos campos da ciência
é sempre percebido pela maior parte e do político.
AS VIOLÊNCIAS
Segundo o momento e o ponto de vista É preciso notar que as sociedades civis
pode-se desvendar duas lógicas que orien- constroem também definições da violên-
tam o discurso sobre a violência. Encon- cia e colocam limites que lhes são próprios.
tramos aí a lógica do Estado, cujo discurso Contudo, estas definições e limites se dis-
se apresenta como resultado da razão uni- tinguem, por sua natureza e aplicação,
versal e do saber/conhecimento do “bem daqueles que emanam da ordem jurídica
supremo”. Este discurso “resolve” a ques- do Estado. Facilitando o trabalho dos pes-
tão da legitimidade confundindo-a, ao quisadores, o Estado e seu direito reduzi-
menos em aparência, com a questão da le- ram seu campo de estudo. Do lado das so-
galidade. A segunda lógica é a das socieda- ciedades civis, o domínio da violência
des civis. Seu discurso é antes de tudo rela- aumenta e torna-se mais complexo e cer-
tivo, daí necessariamente múltiplo. Ele se tamente mais complicado, isto é, mais di-
apresenta sem homogeneidade, seja como fícil de se apreender, medir e explicar.
um discurso fragmentado, seja como o re-
sultado do compromisso da pluralidade de Num dos casos, a qualificação da violência
razões e de saberes. Ainda que este dis- é função da definição dada, em particular,
curso não resolva a questão da legalidade pelas leis penais. Seu conteúdo indica ge-
que é da ordem da lógica do Estado, ele ralmente uma diversidade de comporta-
consegue, às vezes, distinguir a legalida- mentos e ações físicas, e leva desigualmente
de da legitimidade, que também é plural. rumo a soluções possíveis, dentro dos qua-
Assim, é preciso fazer um esforço suple- dros do direito estatal (direito penal, di-
mentar para articular as realidades frag- reito civil, direito administrativo etc.). Em
mentadas que coabitam as sociedades civis. relação a este último, é importante circuns-
crever sua intervenção a partir de uma res-
As duas lógicas estão interligadas, já que não ponsabilidade jurídica e não moral, interven-
cobrem realidades separadas nem funcio- ção que se dirige antes aos indivíduos do
nam sem comunicação com o exterior. que às instituições. A violência é, então,
Ainda que sejam complementares, a lógi- uma questão de agressão física: assaltos,
ca do Estado busca freqüentemente im- pancada, ferimentos, golpes e maus-tra-
por-se àquela das sociedades civis, o que tos. São fatos que deixam traços materiais
pode provocar oposições e enfren- quando vem o momento de destacar, ob-
tamentos. servar e analisar as ações e os comporta-
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O MUNDO GLOBAL
Os direitos da pessoa humana ficam, as- vamos somente que nossa vida cotidiana
sim, reduzidos a um formalismo jurídico contemporânea traz a marca da violência.
monístico: estão inscritos nas declarações Ela adotou certamente formas e conteú-
nacionais e universais e são regulados por dos diferentes, como conseqüência do de-
tribunais nacionais e internacionais, dos senvolvimento tecnológico sem preceden-
quais estão excluídas as sociedades civis. tes que caracteriza o nosso século. Da Pri-
O século XX parece terrivelmente marca- meira Guerra Mundial à Guerra do Gol-
do pela violência, ainda que, ao longo dos fo, passando por Angola, pela Iugoslávia
diferentes períodos históricos, a humani- e por Ruanda, o potencial destruidor da
dade tenha percorrido momentos igual- violência coletiva e individual é sem para-
mente violentos. Não entraremos aqui lelos.
numa polêmica quantitativa estéril, obser-
A POLÍCIA E O ESTADO
A polícia e o Estado precedem historica- to das lutas políticas. Contudo, ela apre-
mente a criação dos regimes democráti- senta-se também como uma instituição que
cos modernos. O desenvolvimento e a evo- cria e desenvolve valores, regras, interes-
lução destes últimos raramente questiona- ses e objetivos, isto é, uma cultura própria.
ram a existência de uma ou de outro. Ao Ela mantém relações ambíguas, contradi-
contrário. À beira do século XXI, tem-se a tórias e complexas com o poder político e
impressão de que os regimes democráti- com as sociedades civis.
cos reforçaram a idéia e a presença cotidi-
ana de ambos, o que, à primeira vista, pode A polícia, como aparelho do Estado demo-
parecer contraditório frente ao movimen- crático, não deve ser “política”, isto é, ser-
to em direção à globalização. Inicialmen- vir a interesses particulares, mas sim, pro-
te, a polícia e sua institucionalização eram teger o bem comum e o bem-estar de todos os
percebidas e encaradas como um bem co- cidadãos, respeitando os direitos da pessoa
mum, parte do patrimônio social, cujo ob- e a justiça social. Somente no sentido do
jetivo era a “proteção da sociedade” (cida- respeito dos direitos da pessoa humana é
dãos e propriedade). No final do que a polícia exerceria uma função políti-
século XX, a representação que se faz da ca. Hélas,6 quem define o mandato da polícia,
polícia é a de um serviço burocrático esta- suas tarefas, seus regulamentos? Quem avalia
tal ou de uma força repressiva e coerciti- seu trabalho, seus êxitos e seus insucessos? Quem
va, mesmo se esta função representa me- controla a polícia? A quem ela presta contas?...
nos de 30% das tarefas policiais. Seu prin- O Estado e as sociedades civis vivem obce-
cipal objetivo deixou de ser a proteção da cados por estas questões, em particular as
sociedade, para ser, sobretudo, a proteção que dizem respeito à definição das funções
do Estado e de interesses políticos e econômicos da polícia e suas responsabilidades. Con-
particulares. tudo, enquanto instituição estatal, a polí-
cia freqüentemente soube jogar com essas
A polícia tornou-se um elemento essencial questões e com as posições dos diferentes
da gestão do Estado e do exercício da au- tendência está condicionada pela divisão
toridade, ao mesmo tempo em que é obje- mundial do trabalho);
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NOTAS
1 Trata-se de construir um esboço sobre esta ques- 4 Observar o jogo de palavras – o autor refere-se
tão com base numa série de elementos, noções e ironicamente à divisão mundial do trabalho como
princípios preliminares, que nos permitirão, mais “contradição mundial do trabalho”. [N. da T.]
tarde, aprofundar nossa análise.
5 Em inglês, no original. Deal makers, fazedores de
2 “Hard facts”: fatos concretos.
negócios. [N. da T.]
3 “Warlordism”, em inglês no original. O termo é
6 “Hélas” é uma interjeição intraduzível, que expri-
uma forma geralmente pejorativa de se desig-
me queixa, dor ou lamentação. [N. da T.]
nar comandantes ou generais que comandam
grupos de pessoas lutando contra outros grupos 7 Em inglês, no original: undercover, secreto.
dentro de um país. A tradução aproximada seria [N. da T.]
algo como “mandonismo”. [N. da T.]
8 Em inglês, no original. Covering up, encobrimento.
[N. da T.]
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ISAAC JOSEPH* *
Il faut se garder de tout malentendu sur compositions qui, à leur tour s’ajustent au
la notion d’adaptation. C’est à la fois la plus milieu. S’il faut remonter de l’adaptation
importante des trois catégories à la fois du vivant à la formation d’agrégats, c’est
physiques et sociales que distingue Tarde que ce procès de composition nous
et c’est le troisième moment de sa logique. rapproche du creuset du chimiste. C’est
L’adaptation n’est rien d’autre que le là, par ailleurs que les “cause-finaliers”
moment de l’invention, c’est-à-dire de la (TARDE, 1898, p. 121) doivent chercher
coproduction. C’est toujours cette idée la sagesse du monde et non plus dans
d’une simultanéité créatrice, créatrice de flux, l’immense coupole des cieux et c’est ainsi
de liens, de publics. L’espace social de qu’ils admettront qu’il n’y a pas une fin
l’invention, marqué par la circulation des dans la nature, mais “une multitude infinie
croyances et des désirs, ne saurait être de fins qui cherchent à s’utiliser les unes
désaffecté: il est magnétisé. Dans le les autres” (TARDE, 1898, p. 122). Dans
vocabulaire des ondes et des flux, l’univers du vivant, la forme première de
l’adaptation est d’abord une conjonction; cette composition des fins, c’est “l’ovule
mais cette conjonction est particulière. Si fécondé, l’intersection vivante de lignées
l’imitativité était complète, dit Tarde, les qui se sont rencontrées là, en un
figures sociales prépondérantes seraient croisement parfois heureux”. Dans le
les figures de la fascination et relèveraient domaine social, les adaptations
de ce qu’il appelle une théorie de élémentaires – réponses (en paroles ou en
l’irresponsabilité. Or les courants de fait) à des questions (verbales ou tacites) –
croyance de la logique sociale qui se ma- sont des phénomènes interactionnels ou
nifeste dans les mythes, les religions, les intra-individuels. A la limite (micro), et à
langues, les sciences et la philosophie, ou l’opposé d’une philosophie de l’histoire,
les courants de désirs qui construisent la les adaptations sociales élémentaires, dit
téléologie sociale des lois, des moeurs et Tarde, sont à chercher “dans le cerveau
des institutions, sont des rencontres. même” (TARDE, 1898, p. 129) dans le
Accouplements logiques ou interférences génie individuel de l’inventeur. Non pas
heureuses, bonheurs d’expression ou qu’il faille prendre le contrepied de ceux
petites révoltes individuelles contre la qui s’opposent à la théorie des causes
morale courante, ces courants s’inscrivent individuelles en histoire pour rappeller le
dans des flux particuliers qui ne sont pas rôle des grands hommes. Ce n’est pas
imitatifs et uniformisants mais inventifs et d’eux qu’il s’agit, mais des grandes idées,
systématisants. “souvent apparues en de très petits
hommes, et même de petites idées,
Dans l’univers physique, les adaptations d’infinitésimales innovations apportées par
sont des équilibres mobiles (le bassin d’un chacun de nous à l’oeuvre commune”
fleuve ou le mouvement des nuages). Ces (TARDE, 1898, p. 145-146). Inventions
équilibres forment des agrégats ou des ordinaires donc, à chercher par exemple
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NOTES
1
Dans sa thèse publiée en allemand, Masse und Hume et Smith et s’inspire largement de Tarde
Publikum (1972), Robert Park compare la théorie dans son analyse de la foule et du public comme
de l’imitation à la théorie de la sympathie chez formes de socialité émergente. Rappelons
Antropolítica Niterói, n. 8, p. 23–40, 1. sem. 2000
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INTRODUÇÃO
No Sertão nordestino, a criação de asso- criação de organizações que deviam facili-
ciações de agricultores familiares é recen- tar o acesso dos “pequenos produtores” à
te. Teve início nos anos 80, com a inter- inovação, ao crédito e aos investimentos
venção do Estado, nas trilhas das comuni- comunitários. Novas estruturas de organi-
dades de base da Igreja Católica, por inter- zação voluntária foram-se agregando às
médio dos programas especiais de luta formas preexistentes de organização rural
contra a seca (Pólo-Nordeste, Projeto Ser- nordestina. Essa superposição coloca a
tanejo, Programa de Apoio ao Pequeno questão das lógicas de coordenação da ação
Produtor Rural – o PAPP, ou Projeto São coletiva e dos instrumentos teóricos dispo-
José). Tratava-se de promover a “partici- níveis para abordá-la.
pação” da população rural por meio da
*
Engenheiro agrônomo e doutor em Antropologia, pesquisador do CIRAD Tera (Centro de Cooperação
Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento); professor visitante na Universidade
Federal da Paraíba, Campina Grande-PB (Programa de Pós-graduação em Sociologia). Consultor do
Programa Nacional de Pesquisa sobre Agricultura Familiar da Embrapa e da AS-PTA Nordeste (Assesso-
ria, Serviços a Projetos de Agricultura Alternativa).
Uma das novas funções do processo de mento local e regional. O fenômeno de-
organização dos produtores familiares tem termina a polarização das suas relações
a ver com seu posicionamento político e com o exterior. Encontra-se associado à
institucional em matéria de desenvolvi- necessidade de uma representação
CONCLUSÕES
O quadro de análise da construção da ação texto econômico e institucional. As trans-
coletiva permite articular mudanças so- formações organizativas observadas no
ciais, mudanças técnicas e evolução do con- Sertão nordestino são características de vá-
Antropolítica Niterói, n. 8, p. 41-57, 1. sem. 2000
NOTAS
1
Traduzido do original em francês pelo autor. 4
CAILLE (1998, p. 77) escreve: a dádiva, de certa
maneira, não é desinteressada. Simplesmente,
2
A palavra vem do tupi mutirum ou do Guarani, privilegia os interesses de amizade (aliança,
potyrom, que quer dizer colocar a mão na massa afetividade, solidariedade) e deprazer e/ou de
(BEAUREPAIRE, 1956). criatividade sobre o interesses instrumentais e so-
3
O balaio é uma unidade de medida de produtos bre a obrigação ou compulsão. A obstinação das
agrícolas numa cesta ou num lençol. religiões ou de numeroso filósofos em pocurar
uma dádiva plenamente desinteressada é, por-
tanto, sem objeto.
ABSTRACT
This paper aims to systematise smallholder’s organisation dynamics
in the semiarid region of Brazilian Northeast. The first part analyses
the origin and the logic’s of different forms of producer’s
organisation, based on examples in diverse situations of the
Northeast Sertão. In the second part, are identified and characterised
the main transformation of these organisations in the last twenty
years. Three main collective strategies trends are analysed in terms
of family farmers co-ordination and organisation. In conclusion,
the text evidences the institutionalisation of the organisation process
among the smallholders of the semiarid region. It also calls to
recognise the socio-economic importance of reciprocity beside the
two more classical paradigms of individualism (individual interest)
and holism.
Keywords: family agriculture, collective action, smallholder’s
organisation, peasant reciprocity, associations, Northeast.
R EFERÊNCIAS
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Este artigo é o resultado das reflexões de- uma tradição3 ibérica/mediterrânea (BRAUDEL,
senvolvidas durante a pesquisa de Inicia- 1988; PERISTIANY, 1988), cuja caracte-
ção Científica acerca das práticas rística, destacada por Roberto Kant de
cartoriais, sob orientação do professor Lima (1991), é a existência de dois códigos
Roberto Kant de Lima e financiada pelo opostos mas complementares, onde um
CNPq durante o período de 1991-1993. sistema público de organização burocráti-
O material etnográfico que serve de base ca convive com um sistema privado basea-
para a análise foi coletado no 11o Cartó- do nas relações pessoais de amizade e pa-
rio de Registro de Imóveis do Rio de Ja- rentesco, e o sistema de produção de ver-
neiro, 10o Ofício de Niterói, 4o Ofício da dades possui características inquisitoriais e
3a Vara Cível, e na 1a Vara de Família do interpretativas.
Fórum de Niterói.2
Sendo o cartório uma instituição voltada
O objetivo desta pesquisa era explicitar a ao atendimento público, deveria garantir
lógica que rege os procedimentos de pro- que o direito de acesso às informações ar-
dução, guarda e circulação de documen- mazenadas fosse pleno. No entanto, pude
tos, e compreender a relação que man- constatar que este acesso é limitado e mo-
têm com o acesso à informação na socie- dificado por critérios implícitos às práticas
dade brasileira. Partiu-se da hipótese de de funcionamento da instituição, que alte-
que o cartório é uma instituição onde esse ram o caráter impessoal das regras públi-
processo se dá segundo a influência de cas, introduzindo elementos personalistas
Antropolítica Niterói, n. 8, p. 59-75, 1. sem. 2000
O cartório, cuja função seria dar publici- Conforme o prestígio, essa aproximação
dade aos documentos que mantém sob sua pode representar um adiamento no pra-
guarda, acaba por se transformar, devido zo ou um desconto significativo nos custos
a este processo, em uma instituição pos- adicionais ou, usando a linguagem
suidora e manipuladora de informações, cartorial, nos custos por fora, CPF.18 O
sendo necessária uma “informação espe- prestígio do usuário não está necessaria-
cial”, isto é, uma relação personalizada, mente relacionado a sua situação econô-
para se obter uma informação ou um ser- mica, mas sim ao valor moral que a amiza-
viço que, a rigor, deveria ser público. de possui na sociedade brasileira. Esta é
tão importante que supera o postulado da
Este processo define o tipo de troca,16 pois, igualdade dos homens perante a lei, con-
se o funcionário do cartório não presta um forme expressa o dito popular: “Aos ami-
gos tudo, aos inimigos a lei.”
serviço, mas sim, faz um favor, isto implica
uma forma de agradecimento: No caso, realmente aos amigos tudo é pos-
sível, até burlar os mecanismos legais de
que pode ser um presente, um convite um serviço, o cumprimento dos prazos ofi-
para uma cerveja e, também, o paga- ciais, tudo é esquecido em função da ami-
mento em espécie. Isso ocorre quando
o funcionário diz que será necessário o zade. Mas quando não se é um inimigo
pagamento de uma taxa adicional, ele (pois, segundo este critério, certamente
sempre alega que é para outra pessoa, não se conseguiria o que deseja), porém
mas quase sempre o dinheiro é para ele apenas um desconhecido, um cidadão co-
mesmo.
mum, sem um prestígio pessoal e sem ami-
A primeira aproximação do usuário e do gos no cartório, só resta “penar” sob o juízo
funcionário pode ser mediada por indica- da lei, e esperar que os prazos e taxas ofi-
ção de terceiros, o que sempre é uma boa ciais sejam respeitados. Ou, então, apelar
referência, pois o usuário deixa de ser um para o “bom senso” e tentar o tradicional
“anônimo” para ser “o conhecido de fula- “jeitinho”.
no”, o que já garante um melhor atendi-
mento.17 Este fato é importante, porque A forma como se pede o favor é fundamen-
representa a diferenciação da pessoa no tal. Segundo depoimentos, é necessário
meio social, o que significa o fim do ano- muito tato, demonstrando interesse pelo
O sistema cartorário é cheio de regras, Tem advogado que pega uma ação de
mas há o jogo de interesses dos advo- despejo e diz para o cara dar para ele
gados. Eles aplicam todos os golpes, mas um tanto por mês. O camarada paga a
às vezes é dentro do direito dele. Por metade do aluguel, e ele não avança
exemplo: a organização permite que ele com o processo. Daquele dinheiro que
leve o processo para “vista”, mas ele tem ele recebe, ele dá para o escrevente a
o prazo para devolver, e ele simples- metade, e o escrevente faz o embargo de
mente não devolve. Então você entra gaveta. É o embargo mais perigoso que
com um mandado de busca e apreen- existe, porque o camarada guarda o
são, mas isso leva um ano, e ele fica com processo e ninguém mais bota os olhos
o processo esse tempo todo. Tem advo- em cima.
gado que só trabalha em cima dessas
coisas.
Uma outra forma citada de atrasar o pro-
Na verdade, os “jeitinhos” ou “favores” cesso é provocar a perda dos prazos:
podem servir tanto para adiantar
quanto para atrasar o andamento do O cara não tem cuidado, ele marca a
processo, isso depende, apenas, da audiência para o dia 25 de dezembro,
quando chega o dia é feriado, então tem
relação existente entre o funcionário e que marcar outra data, aí ele vai mar-
o advogado, ou até do funcionário e da car em junho do ano seguinte. Isso não
“parte”. Essa relação pode ser basea- é preguiça de procurar não, há inte-
da apenas na amizade, mas também resse de você fazer do processo um
pode ser originada pelo dinheiro. pula-pula. O juiz também tem interes-
se em que o cartório demore, se não
acumula muito trabalho para ele.
CONCLUSÃO
Com esta pesquisa, tentei compreender a organização cartorária é fundamentada
como uma determinada instituição, o car- no tratamento diferenciado dos casos, no
tório, cuja função é dar publicidade aos privilégio concedido a alguns de serem
documentos que mantêm sob o seu domí- atendidos de modo distinto dos demais.
nio, o faz na prática. O sistema judiciário brasileiro, assim como
outros setores da administração pública,
Conforme pude observar durante o tra- são caracterizados pela coexistência das
balho de campo, a organização burocráti- formas patrimonial e burocrática de orga-
ca do cartório nada tem a ver com a buro- nização.24 Este tipo de procedimento tem
cracia de que Weber (1979) trata, pois em a ver, segundo a nossa hipótese, com uma
vez de baseada na igualdade perante a lei, tradição ibérica, onde os domínios públi-
NOTAS
1
Agradeço à professora Laura Graziela F. F. Gomes
8
Sobre a história dos Cartórios ver Oliveira (s.d.),
e ao professor-orientador Roberto Kant de Lima, Ribeiro (1955), Serpa Lopes (1947) e Siviero
que muito contribuíram para este trabalho com (1983).
seus comentários e críticas, isentando-os, no en- 9
O Cartório de Registros Públicos se divide em Re-
tanto, de quaisquer erros que porventura perma- gistro Civil das Pessoas Naturais, Registro de Imó-
neçam no texto. Agradeço também aos funcioná- veis, Registro Civil das Pessoas Jurídicas e Regis-
rios dos Cartórios do 10o Ofício de Niterói, do 4o tro de Títulos e Documento.
Ofício da 3a Vara Cível, da 1a Vara de Família do
Fórum de Niterói e 11o Cartório de Registro de 10
É o caso do Cartório do 10o Ofício de Niterói.
Imóveis do Rio de Janeiro, bem como aos demais 11
Sobre tabelionato ver Oliveira (s.d.) e Ribeiro
entrevistados pela atenção dispensada.
(1955).
2
Uma primeira versão deste trabalho foi apresenta- 12
Sobre tabelionato no período colonial ver Schwartz
da no Concurso Vasconcellos Torres de Iniciação
(1979).
Científica da UFF, no ano de 1992, tendo obtido
o 3o lugar (MIRANDA, 1993). 13
A fé pública representa a autoridade de uma ates-
tação. Através de uma assinatura com fé pública, o
3
A categoria tradição é entendida aqui como “siste-
Estado impõe a certeza de que um determinado
ma de significação que empresta sentido às práti-
documento possui valor. A assinatura com fé pú-
cas e representações de um determinado grupo”
blica representa um compromisso com a honra,
(KANT DE LIMA, 1989, p. 65).
posto que a escrita de um documento é
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É interessante destacar o papel que os intermediá- declaratória, ou seja, tem um caráter pessoal, ver
rios exercem na sociedade brasileira, ver Da Matta Lefebvre (1992).
(1987). 14
Sobre a comparação entre cartório e polícia, ver
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Sobre a relação da escrita e burocracia, ver Goody Kant de Lima (1989).
(1987). 15
O “esquecimento” nem sempre é apenas uma fa-
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A honra (PITT-RIVERS, 1992) está ligada por de- lha de memória, muitas vezes está comprometi-
finição ao exercício de um poder pessoal que con- do com outros fatores. Segundo os funcionários,
tribui para a diferenciação e compartimentação as informações não constam da ficha devido ao
da sociedade. excesso de trabalho. Porém, segundo os advoga-
dos, a ausência das informações pode represen-
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A idéia de código remete à noção de um conheci- tar um “boicote”, pois, em alguns casos, isso pode
mento privativo, que ao ser decifrado torna-se representar a perda de prazos e a paralisação do
público (KANT DE LIMA, 1991).