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Este é um dos temas simbólicos mais ricos e mais difundidos, cuja simples bibliografia daria para formar

um livro. Mircea Eliade distingue sete interpretações principais, embora não as considere exaustivas.
Entretanto, articulam-se todas elas em torno da mesma idéia doCosmo vivo, em perpétua regeneração.
A despeito de aparências superficiais e de certas conclusões apressadas, a árvore, mesmo quando
considerada sagrada, não é objeto de culto por toda parte; é a figuração simbólica de uma entidade que a
ultrapassa e que, ela sim, pode se tornar objeto de culto.
Símbolo da vida, em perpétua evolução e em ascensão para o céu, ela evoca todo o simbolismo da
verticalidade; veja-se, como exemplo, a árvore de Leonardo da Vinci. Por outro lado, serve também para
simbolizar o aspecto cíclico da evolução cósmica: morte e regeneração. Sobretudo as frondosas evocam
um ciclo, pois se despojam e tornam a recobrir-se de folhas todos os anos.
A árvore põe igualmente em comunicação os três níveis do cosmo: o subterrâneo, através de suas
raízes sempre a explorar as profundezas onde se enterram; a superfície da terra, através de seu tronco e de
seus galhos inferiores; as alturas, por meio de seus galhos superiores e de seu cimo, atraídos pela luz do
céu. Répteis arrastam-se por entre suas raízes; pássaros voam através de sua ramagem: ela estabelece,
assim, uma relação entre o mundo ctoniano e o mundo uraniano. Reúne todos os elementos: a água
circula com sua seiva, a terra integra-se ao seu corpo através das raízes, o ar lhe nutre as folhas, e dela
brota o fogo quando se esfregam seus galhos um contra outro.
Não se reterá aqui senão a simbólica geral da árvore; detalhes sobre espécies particulares serão
citados nos respectivos verbetes: acácia*, amendoeira*, carvalho*, cipreste*, oliveira* etc.
Pelo fato de suas raízes mergulharem no solo e de seus galhos se elevarem para o céu, a árvore é
universalmente considerada como símbolo das relações que se estabelecem entre a terra e o céu. Por isso,
tem o sentido de centro, e tanto é assim que a Árvore do Mundo é um sinônimo do Eixo do Mundo. E é
justamente sob esse aspecto que a descreve liricamente o pseudo-Crisóstomo na sexta homilia sobre a
Páscoa: firme sustentáculo do universo, elo de ligação de todas as coisas, suporte de toda a terra habitada,
entrelaçamento cósmico, compreendendo em si toda a miscelânea da natureza humana. Fixada pelos
pregos invisíveis do Espírito, a fim de não vacilar em seu ajustamento ao divino; tocando o céu com o
cimo de sua cabeça, fortalecendo a terra com seus pés e, no espaço intermediário, abraçando a atmosfera
inteira com suas mãos incomensuráveis. Figura axial, ela é naturalmente o caminho ascensional ao longo
do qual transitam aqueles que passam do visível ao invisível. Portanto, é essa mesma árvore que evocam
igualmente a escada de Jacó, o poste xamânico da iurta (tenda) siberiana, o poste central do santuário
vodu, Caminho dos espíritos, ou o poste da cabana dos índios sioux em torno do qual se realiza a dança
do sol. É o pilar central que sustenta o templo ou a casa, na tradição judaico-cristã, e é também a coluna
vertebral a sustentar o corpo humano, templo da alma.
A árvore cósmica é muitas vezes representada sob a forma de uma essência particularmente
majestosa. Assim aparecem, nas crenças desses povos, o carvalho celta, a tília germânica, o freixo
escandinavo, a oliveira do oriente islâmico, o lariço e a bétula siberianos, todas elas árvores notáveis por
suas dimensões, sua longevidade ou, no caso da bétula, por sua brancura luminosa. Incisões feitas no
tronco desta última materializam as etapas da ascensão xamânica. Deuses, espíritos e almas valem-se do
caminho da árvore do mundo para transitar entre o céu e a terra. É o que ocorre na China coma árvore
Kian-Um, que se ergue no centro do mundo, tal como o testemunha o fato de que não haja em seu pe nem
sombra nem eco; possui nove galhos e nove raízes, através das quais alcança os nove céus e as nove
fontes, morada dos mortos.
Por ela sobem e descem os soberanos, mediadores entre o Céu e a Terra, mas também substitutos
do Sol. Sol e Lua descem igualmente pelo lariço siberiano, sob a forma de pássaros; além disso, de um
lado e de outro da árvore Kian encontram-se: a árvore Fu no levante, e a árvore Jo no poente, por onde
sobe e desce o Sol. A árvore Jo tem também dez sóis, que são dez corvos.
Para os muçulmanos xiitas de rito ismaelita, a árvore, alimentada de terra e de água, e por
ultrapassar o sétimo céu, simboliza akakikat, i.e., o estado de beatitude onde o místico, ao ultrapassar a
dualidade das aparências, encontra a Realidade suprema, a Unidade original onde o ser coincide com
Deus.
Há em certas tradições muitas árvores do mundo. Assim, os Gold situam uma primeira nos céus,
uma segunda na terra e uma terceira no reino dos mortos.
Antípodas da terra dos Gold, os índios pueblo têm em sua cosmologia o grande abeto do mundo
subterrâneo que retoma o simbolismo ascensional da migração das almas, ao fornecer a escada por meio
da qual os Ancestrais, in illo tempore, puderam galgar até a terra do nosso sol. Mas essa árvore central
que do cosmo até o homem cobre todo o campo do pensamento com sua presença e sua força é também
necessariamente a árvore da vida, quer seja de folhas perenes como o loureiro, símbolo de imortalidade,
quer de folhas caducas, cuja regeneração periódica exprime o ciclo das mortes e renascimentos, e,
portanto, a vida em sua dinâmica: se está carregada de forças sagradas,observa M. Eliade, é por ser
vertical, é porque cresce, perde suas folhas e torna a recuperá-las, e porque, conseqüentemente, se
regenera; morre e renasce inumeráveis vezes.
A árvore da vida tem o orvalho celeste como seiva, e seus frutos, ciosamente defendidos,
transmitem uma parcela de imortalidade. Esse é o caso dos frutos da árvore da vida do Éden, que são em
número de doze*, signo da renovação cíclica, como é o caso também da árvore da Jerusalém celeste, dos
pomos de ouro do jardim das Hespérides e dos pêssegos da Si-wang mu, da seiva do Haoma iraniano,
sem mencionar as diversas resinas de coníferas. O himorogi japonês, trazido para dentro da Terra central,
bem parece ser uma Árvore da Vida. A Árvore da Vida é um tema de decoração muito difundido no Irã,
onde é figurada entre dois animais, que se defrontam; em Java, é representada com a montanha central
sobre a tela (kayon) do teatro de sombras.
A Árvore da Boddhi, debaixo da qual o Buda alcançou a iluminação, é também uma Árvore do
Mundo e uma Árvore da Vida: representa, na iconografia primitiva, o próprio Buda. Suas raízes, diz uma
inscrição de Angkor, são Brama, seu tronco é Xiva e seus galhos,Vinexu. É uma representação clássica do
eixo do mundo. A Árvore cósmica que, na Agitação do Mar de Leite, servia para se obter a poção da
imortalidade, está representada em Angkor com a figura de Vinexu na base, no tronco e no cimo. Mas, em
outras circunstâncias, Xiva é uma árvore central da qual Brama e Vinexu são os galhos laterais.
A associação da Árvore da Vida com a manifestação divina encontra-se também nas tradições
cristãs. Pois existe analogia e mesmo reintrodução do símbolo entre a árvore da primeira aliança, a árvore
da vida da Gênese, e a árvore da cruz ou árvore da Nova Aliança, que regenera o Homem. Para H. de
Lubac, a Cruz, erigida sobre uma montanha no centro do mundo, reintroduz totalmente a antiga imagem
da árvore cósmica ou árvore do mundo. De resto, são freqüentes na iconografia cristã as representações
de uma cruz frondosa ou de uma Árvore-Cruz onde se reencontra, com a separação dos dois galhos
inferiores, a simbólica da forquilha e de sua representação gráfica, o Y, ou do Único e do dual. Em última
análise, é o próprio Cristo que, por metonímia, se torna a árvore do mundo, o eixo do mundo, a escada: a
comparação é explícita em Orígenes.
No Oriente, assim como no Ocidente, a árvore da vida é muitas vezes invertida. Essa inversão,
segundo os textos védicos, proviria de uma certa concepção do papel desempenhado pelo Sol e pela luz
no crescimento dos seres: é do alto que os seres extraem a vida, é de baixo que eles se esforçam por fazê-
la penetrar no mundo. Daí essa inversão de imagens: a ramagem desempenha o papel de raízes, as raízes
o dos galhos. A vida vem do céu e penetra na terra: segundo Dante, ele próprio era uma árvore que vivia
de sua fronde. Esse conceito nada teria de anticientífico; porém, o “do alto” oriental é sacralizado, e a
fotogênese explica-se através da força de seres celestes. O simbolismo hindu da árvore invertida, que se
exprime principalmente na Bhagavad-Gita, significa também que as raízes são o princípio da
manifestação, e os galhos, a manifestação que desabrocha. Guénon descobre ainda um outro significado:
a árvore eleva-se acima do plano de reflexão que, por sua vez, limita o domínio cósmico invertido
embaixo; transpõe o limite do manifestado, para penetrar no refletido e nele introduzir oinspirado.
O esoterismo hebraico retoma a mesma idéia: A árvore da vida estende-se do alto para baixo, e o
sol a ilumina inteiramente. No Islã, as raízes da Árvore da Felicidade penetram no último céu, e seus
pequenos ramos se estendem por cima e por baixo da terra.
A mesma tradição afirma-se do folclore islandês e finlandês. Os lapões sacrificam todos os anos
um boi em benefício do deus da vegetação e, nessa ocasião, uma árvore é colocada ao pé do altar com as
raízes para cima e a fronde por terra.
Schmidt conta que em certas tribos australianas os feiticeiros tinham uma árvore mágica que
plantavam invertida. Após besuntar-lhe as raízes com sangue humano, eles a queimavam.
Nos Upanixades, o Universo é uma árvore invertida, que mergulha suas raízes no céu e estende
seus ramos por cima da terra inteira. Segundo Eliade, essa imagem poderia ter uma significação solar. O
Rigveda especifica: É para baixo que se dirigem os galhos, é em cima que se encontra sua raiz, que seus
raios desçam sobre nós! O Katha-Upanixade diz: Esse Açvattha eterno, cujas raízes vão para o alto e os
galhos, para baixo, é o puro, é o Brama; o Brama é aquilo que se denomina de a Não-Morte. Todos os
mundos nele repousam. Mircea Eliade comenta: a árvore Açvattha representa aqui, em toda a sua clareza,
a manifestação do Brama no Cosmo, i.e., a criação como movimento descendente.
E, sobre o mesmo tema, conclui Gilbert Durand: Essa insólita árvore invertida, que choca nosso
sentido da verticalidade ascendente, é um indício certo, no arquétipo da árvore, da coexistência do
esquema da reciprocidade cíclica. Essa idéia de reciprocidade conduz àquela de união entre o contínuo e o
descontínuo, a unidade e a dualidade, ao deslizamento simbólico da Árvore da Vida para a Árvore da
Sabedoria, essa Árvore da Ciência do Bem e do Mal que, sem embargo, se distingue da primeira. No
paraíso terrestre, será o instrumento da queda de Adão, como a árvore da vida será o de sua redenção,
com a crucificação de Jesus. Essa distinção do Antigo Testamento, que reforça mais uma vez a idéia de
reciprocidade, introduzirá, também, segundo André Virel, o paralelismo e a distinção de duas evoluções
criadoras, biológica por um lado (árvore da vida), psicológica e histórica por outro.
Com efeito, é bem essa a idéia de evolução biológica que faz da árvore da vida um símbolo de
fertilidade sobre o qual se veio construindo, ao longo do tempo, toda uma magia propiciatória. Dela pode-
se encontrar, ainda hoje em dia, numerosos testemunhos. Assim, em certas tribos nômades iranianas, as
mulheres jovens enfeitam o corpo com a tatuagem de uma árvore, cujas raízes partem do sexo, e cujas
folhagens se espalham sobre os seios. Outro costume antiqüíssimo, existente desde o Mediterrâneo até a
Índia, faz com que se encontre, isoladas no campo e muitas vezes perto de uma fonte*, belas árvores
recobertas por uma floração de lenços vermelhos, atados aos seus galhos por mulheres estéreis para
conjurar a má sorte.
O costume dravidiano do casamento místico entre árvores e humanos destina-se a reforçar a
capacidade de procriação da mulher: a noiva de um Goala hindu casa-se obrigatoriamente com uma
mangueira, antes de unir-se em matrimônio com seu próprio marido. Tradições análogas são atestadas no
Punjab e no Himalaia. Em Bombaim, entre os Kudva-Kunbi doGuzerá, se o casamento apresenta certas
dificuldades, primeiramente casa-se a jovem com uma mangueira ou qualquer outra árvore frutífera,
porque, escreve Campell um espírito teme as árvores, sobretudo as frutíferas. A analogia árvore frutífera-
mulher fecunda desempenha, nesse caso, um papel complementar da analogia árvore laticífera – força
genésica (do macho). O que explica que, entre os Kurmi, seja o noivo que se deve casar primeiro com a
mangueira no dia de seu casamento. Beija a árvore à qual, a seguir, é amarrado. Ao cabo de certo tempo,
soltam-no, mas as folhas da árvore são atadas em volta de seus pulsos. O casamento com árvores
associado ao casamento humano encontra-se também na América do Norte, entre os sioux; na África,
entre os bosquímanos e hotentotes.
Conta-se, entre os iacutos, que no umbigo da terra ergue-se uma árvore florescente de oito
galhos... A coroa da árvore esparge um liquido divino de um amarelo espumante. Quando os passantes o
bebem, sua fadiga se dissipa e sua fome desaparece... Quando o primeiro homem, no momento da sua
aparição no mundo, desejou saber por que razão ali se encontrava, achegou-se a essa árvore gigantesca
cujo cimo atravessava o céu... Então ele viu, no tronco da árvore maravilhosa... uma cavidade onde se
mostrou até a cintura uma mulher que lhe fez saber que viera ao mundo para ser o ancestral do gênero
humano. Os altaicos dizem igualmente: antes de virem para a terra, as almas dos humanos residem
no céu, onde estão pousadas nos cimos celestes da árvore cósmica, sob a forma de pequeninos pássaros.

Marco Pólo relata que o primeiro rei dos uigures nascera de um certo cogumelo nutrido da seiva
das árvores. Crenças análogas encontram-se também na China. Todas essas lendas não apresentam senão
uma alternativa: ou uma árvore é fecundada pela luz – o que parece ser a forma mais antiga do mito – ou
duas árvores acasalam-se.
O costume dravidiano casa também entre elas, as árvores, substitutas dos homens. Assim, na Índia
do Sul, ,um casal que não consiga procriar vai para a beira do lago ou do rio sagrado, na manhã de um dia
fasto (propício). Lá chegando, os dois esposos plantam, uma ao lado da outra, duas mudas de árvores
sagradas, das quais uma fará as vezes de macho, e a outra, de fêmea; depois, enlaçam o caule reto e rígido
da planta macho com o caule macio da planta fêmea. O casal de árvores assim formado é, a seguir,
protegido por uma cerca a fim de que viva e assegure, com sua própria fecundidade, a do casal humano
que o plantou. No entanto, a ligação dessas árvores é considerada de início apenas um noivado. É preciso
que se escoe um lapso de tempo de uma dezena de anos para que, por ocasião de uma nova visita da
mulher estéril (dessa vez, agindo sozinha), esta se aproxime do casal vegetal, e deponha entre as raízes
das duas árvores, que continuam enlaçadas, uma pedra* que tenha sido longamente lavada pelas águas do
rio ou do lago sagrado, e na qual esteja gravada a figura de duas serpentes* enlaçadas. Somente então
produzir-se-á a união mística das árvores sagradas, e a mulher se tornará mãe. A associação dos símbolos
água-pedra-serpente-árvore nesse ritual de fecundação é particularmente significativa.
Também entre os altaicos e turco-mongóis da Sibéria encontram-se interpretações antropomórficas
da árvore. Assim, entre os iunguses, um homem transforma-se em árvore e recupera em seguida sua
forma primitiva.
A árvore fonte da vida, precisa Eliade, pressupõe que a fonte de vida se encontre concentrada
nesse vegetal; portanto, que a modalidade humana ali se encontre no estado virtual, sob forma de germes
e de sêmens. Segundo Spencer e Gillen, citados pelo mesmo autor, a tribo dos warramunga, do norte da
Austrália, acredita que o espírito das crianças, pequenino como um grão de areia, se encontre no interior
de certas árvores, de onde sai às vezes para penetrar, pelo umbigo, no ventre maternal. Crença que faz
lembrar uma outra, muito difundida, segundo a qual o princípio do fogo, como o da vida, está escondido
dentro de certas árvores, de onde se consegue extraí-lo por meio de fricção. Todas as crenças que
acabamos de referir demonstram que, sexualmente, o símbolo da árvore é ambivalente. Em sua origem, a
árvore da vida pode ser considerada como imagem do andrógino inicial. Mas, no plano do mundo dos
fenômenos, o tronco erguido em direção ao céu, símbolo de força e de poder eminentemente solar, diz
respeito ao Falo, imagem arquetípica do pai. Ao passo que a árvore oca, da mesma forma que a árvore de
folhagem densa e envolvente onde se aninham os pássaros e que periodicamente se cobre de frutos,
evoca, por sua vez, a imagem arquetípica lunar da mãe fértil: é o carvalho oco de onde escapa a água da
fonte da juventude; é também oatanor* dos alquimistas, matriz onde se opera a gestação do ouro filosofal,
muitas vezes comparado a uma árvore. Foi nesse sentido que Jerônimo Bosch, na Tentação de Santo
Antônio, a assimilou a uma megera que extirpa de seu ventre de cortiça uma criança enfaixada.Algumas
vezes a árvore é considerada como macho e, outras vezes, como fêmea: entre os tchuvaches, a tília é
usada para fazer postes funerários para o ofício das mulheres mortas, o carvalho, para o ofício dos
homens mortos.

Ou então, pode ocorrer que as duas popularidades se adicionem, o que leva Jung a uma
interpretação do símbolo em termos de androginia, ou melhor, de hermafroditismo.
O mito de Cibele e Átis constitui para o psicanalista um excelente esquema ilustrativo de seu
pensamento. Inicialmente, ele considera que Cibele, mãe dos deuses e símbolo da libido maternal, era tão
andrógina quanto a árvore. Ma uma andrógina ardendo de amor por seu filho. No entanto, como o desejo
amoroso do jovem deus estivesse voltado para uma ninfa, Cibele, com ciúmes, faz com que ele
enlouqueça.Átis, no paroxismo do delírio provocado por sua mãe, loucamente apaixonada por ele, castra-
se debaixo de um pinheiro, explica C.J.Jung, árvore que desempenha um papel capital no culto prestado a
esse deus. (Uma vez por ano, recobria-se o pinheiro de guirlandas, pendurava-se nele uma imagem de
Átis e, depois, abatia-se a árvore para simbolizar a castração.) No auge do desespero, Cibele arrancou a
árvore do chão, levou-a para sua gruta e chorou. Assim, tem-se a figura da mãe ctônica que vai esconder o
filho em seu antro, i.e., em seu regaço; pois, de acordo com uma outra versão, Átis foi metamorfoseado
em pinheiro. Aqui, antes de mais nada a árvore é o falo, mas também a mãe, pois nela era pendurada a
imagem de Átis. Isso simbolizava o amor do filho atado à mãe. Na Roma imperial, a título de recordação,
símbolo ou simulacro de Átis, um pinheiro cortado era transferido solenemente para o Palatino no dia 22
de março, por ocasião da festa denominadaArbor intrat.
Um outro mito é interpretado, com certa liberdade em relação aos detalhes das lendas antigas, no
mesmo sentido e pondo em evidência a mesma árvore, o pinheiro. O herói Penteu é filho de Equíon, a
cobra, e ele mesmo era uma serpente por sua própria natureza. Curioso de assistir às orgias das Mênades,
trepa furtivamente no alto de um pinheiro. Mas sua mãe, dando-se conta disso, dá o alarme às Mênades. A
árvore é abatida e Penteu, confundido com um animal, é estraçalhado. Sua própria mãe é a primeira a
lançar-se sobre ele... Assim, nesse mito, encontram-se reunidos o sentido fálico da árvore (pois a
derrubada simboliza a castração) e seu sentido maternal, figurado pela subida no pinheiro e pela morte do
filho. Essa ambivalência do simbolismo da árvore, a um só tempo falo e matriz, manifesta-se ainda
com maior clareza na árvore dupla: Uma árvore dupla simboliza o processo de individualização no
decurso do qual os contrários existentes dentro de nós se unem.

A abundância, nas lendas dos povos, de pais-árvores e de mães-árvores conduz à árvore-ancestral


cuja imagem, despojada pouco a pouco de seu contexto mítico, terminará por ser em nossos dias a árvore
genealógica. Fazendo a trajetória do símbolo profundo até a alegoria moderna, pode-se citar ainda o mito
bíblico da árvore de Jessé (Isaías 11:13), que inspirou tantas obras de arte e comentários místicos: E sairá
um ramo do tronco de Jessé, e um rebento brotará das suas raízes. Sobre ele descansará o espírito do
Senhor, espírito de sabedoria e de discernimento, espírito de conselho e de fortaleza, espírito de ciência e
de piedade; no temor do Senhor estará a sua inspiração. A árvore de Jessé simboliza a cadeia de gerações
cuja história nos é resumida pela Bíblia, e que culminará com a vinda da Virgem e do Cristo. Era um
motivo muito popular entre os miniaturistas e vitralistas do séc. XIII, particularmente entre os
cistercienses, por causa de sua especial devoção à Virgem. Nessas representações a árvore emerge do
umbigo, da boca ou do flanco de Jessé. O tronco algumas vezes tem galhos sobre os quais aparecem os
reis de Judá, ancestrais do Cristo.
Uma outra árvore de Jessé que, segundo Oursel, constitui a obra-prima da miniatura cisterciense,
encontra-se no comentário de São Jerônimo sobre Isaías. Por baixo da imagem lê-se o texto Egredietur
virgo. Jessé, tendo o busto e a cabeça meio levantados, sustenta com a mão esquerda a árvore que brota
de seu flanco. A Virgem, imensa, paira. Tem-se mesmo a impressão de ela haver acabado de saltar para o
alto, saindo da ramagem que brota do ventre de Jessé, um ventre que é como se fosse um monte. Com o
braço direito ele segura a criança, e com a mão esquerda oferece-lhe uma flor; dois anjos circundam sua
cabeça na base de uma auréola rodeada de pedras. O anjo da direita, em cuja direção a Virgem está
olhando, apresenta uma igreja esquematizada: a de Citeaux. O anjo da esquerda sustenta uma coroa,
destinada à Virgem. Por cima dessa auréola está a pomba, avatar do Espírito Santo.
Simbolizando o crescimento de uma família, de uma cidade, de um povo ou, melhor ainda, o
poder crescente de um rei, a árvore da vida pode bruscamente inverter sua polaridade e tornar-se árvore
de morte. Conhece-se o caso de Nabucodonosor atormentado por seus sonhos e a interpretação que lhes é
dada pelo profeta Daniel: Tive um sonho, diz o rei, que me atemorizou... Havia uma árvore no centro da
terra, e sua altura era enorme. A árvore cresceu e tornou-se forte, sua altura atingiu o céu e dela se podia
ver os confins da terra inteira. Suas folhas eram formosíssimas, e abundantes os seus frutos. Nela cada um
encontrava alimento... Um vigilante, um santo desceu do céu. Bradou com voz possante: “Derrubai a
árvore, cortai seus ramos, arrancai suas folhas, jogai fora seus frutos, fujam os animais do seu abrigo”...
Daniel (Baltazar) respondeu-lhe: “Meu Senhor, que este sonho seja para os que te odeiam e a sua
interpretação para os teus adversários!... A árvore que viste, grande e vigorosa, cuja altura chegava até o
céu... esta árvore, digo, és tu, ó Rei, que tens sido engrandecido e que te fizeste poderoso. E cresceu a tua
grandeza e chegou até o céu... mas... lançar-te-ão fora da companhia dos homens...”(Daniel 2, 3, 4, 2, 7, 8,
11, 17, 22).

Em Ezequiel (31:8-10), o faraó é comparado a um cedro do Líbano. Grandes árvores, como os


terebintos, representam por vezes nosSalmos (29, 9) os inimigos de Jeová e de seu povo: o clamor de
Jeová retorce os terebintos descascando as florestas. Isaías (14,13) já denunciava os tiranos que querem,
como ciprestes e cedros, escalar os céus, mas que são abatidos. Outro dos aspectos negativos do
simbolismo dessas grandes árvores é que representam também a ambição desmedida dos grandes da terra
que desejam sempre estender e aumentar seu poder, acabando por ser destruídos.
A Cabala também fala em uma árvore da morte. É ela que fornece a Adão as folhas com as quais
cobre sua nudez. O Zohar vê, nessa árvore, o símbolo do saber mágico, que é uma das conseqüências da
queda. Esta última está ligada à existência do corpo físico privado docorpo de luz.
Mas é a cruz, instrumento de suplício e de redenção, que reúne em uma única imagem os dois
significados extremos desse significado maior que é a Árvore: pela morte para a vida – per crucem ad
lucem, ela cruz para a luz.

--
ANDERSON MARQUES DE SOUZA

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