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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

SOFIA CAVAZZOLA PEDROSO

O TOMBAMENTO COMO FORMA DE PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL


E A LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NAS QUESTÕES DE
IMÓVEIS TOMBADOS EM FLORIANÓPOLIS

Florianópolis
2013
SOFIA CAVAZZOLA PEDROSO

O TOMBAMENTO COMO FORMA DE PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL


E A LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NAS QUESTÕES DE
IMÓVEIS TOMBADOS EM FLORIANÓPOLIS

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Graduação em
Direito da Universidade do Sul de Santa
Catarina como requisito parcial para
obtenção do título de Bacharel.

Orientadora: Prof. Patrícia de Oliveira França, MSc.

Florianópolis
2013
RESUMO

O presente trabalho visa examinar o instituto do tombamento, suas formas de


aplicação, efeitos e eficácia prática. Inicia-se com a descrição da evolução histórica
da proteção ao patrimônio artístico, histórico e cultural no Brasil, até que se
alcançasse o tombamento como forma de proteção. Realiza-se então a
conceituação do instituto, a verificação de suas espécies e a análise de seus efeitos.
Passa-se a estudar a questão do cabimento de indenização nesses casos, sendo
necessário para tanto, elucidar sua natureza jurídica e tipo de ato administrativo que
compõe o tombamento. Após, analisa-se neste trabalho, a posição dos Tribunais
brasileiros em relação ao direito de indenização nos casos de tombamento. No mais,
são apresentadas algumas formas de incentivo fiscal aos proprietários de bens
tombados, como forma de compensação pelas restrições e exigências imposta em
relação ao bem. Por derradeiro, estudam-se os casos de imóveis tombados no
Município de Florianópolis assim como as sanções administrativas e judiciais
eventualmente impostas aos proprietários dos imóveis, em razão do
descumprimento de qualquer exigência a eles legalmente impostas. Este trabalho é,
em sua maioria, teórico, contudo analisa alguns casos concretos onde se verifica a
aplicação de tal teoria na prática.

Palavras-chave: Patrimônio Cultural. Tombamento. Imóveis em Florianópolis.


Ministério Público.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 7
2 O INSTITUTO DO TOMBAMENTO ......................................................................... 9
2.1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO NO BRASIL ...... 9
2.2 CONCEITO DE TOMBAMENTO ......................................................................... 12
2.3 ESPÉCIES DE TOMBAMENTO .......................................................................... 14
2.3.1 Quanto à constituição ou procedimento ...................................................... 14
2.3.2 Quanto à eficácia ............................................................................................ 17
2.3.3 Quanto aos destinatários .............................................................................. 18
2.4 EFEITOS JURÍDICOS DO TOMBAMENTO ........................................................ 18
2.4.1 Em Relação ao Proprietário........................................................................... 19
2.4.2 Em Relação à Vizinhança .............................................................................. 21
2.4.3 Em Relação ao Poder Público ....................................................................... 22
2.4.4 Das Restrições à alienabilidade .................................................................... 24
3 A QUESTÃO DA INDENIZAÇÃO NO PROCESSO DE TOMBAMENTO ............. 26
3.1 TOMBAMENTO COMO ATO VINCULADO OU DISCRICIONÁRIO ................... 26
3.2 A NATUREZA JURÍDICA DO TOMBAMENTO ................................................... 27
3.3 DO CABIMENTO DE INDENIZAÇÃO ................................................................. 28
3.4 A POSIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA NOS PROCESSOS DE TOMBAMENTO . 29
3.5 OS PROGRAMAS DE INCENTIVO .................................................................... 31
3.5.1 Desconto no Imposto de Renda .................................................................... 32
3.5.2 O Programa Monumenta ................................................................................ 33
3.5.3 Desconto no Imposto Predial Territorial Urbano – O IPTU em Florianópolis
.................................................................................................................................. 34
3.5.4 Transferência do Direito de Construir – O Município de Florianópolis ..... 35
4 PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO CULTURAL E O TOMBAMENTO DE IMÓVEIS 37
4.1 PATRIMÔNIO CULTURAL E OS BENS SUJEITOS AO TOMBAMENTO .......... 37
4.2 COMPETÊNCIA PARA TOMBAR ....................................................................... 40
4.3 DANOS AOS BENS TOMBADOS E SANÇÕES APLICÁVEIS ........................... 42
4.4 IMÓVEIS TOMBADOS NO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS .......................... 47
4.5 A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA QUESTÃO DO TOMBAMENTO . 50
4.5.1 Inquéritos Civis .............................................................................................. 51
4.5.1.1 Análise do Caso Concreto ............................................................................. 53
4.5.2 Compromisso de Ajustamento de Conduta ................................................. 54
4.5.2.2 Análise do Caso Concreto ............................................................................. 55
4.5.3 Ações Civis Públicas ..................................................................................... 56
4.5.3.1 Análise do Caso Concreto ............................................................................. 58
4.5.4 Ações Penais Públicas .................................................................................. 59
5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 60
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 62
ANEXOS ................................................................................................................... 67
ANEXO A – Política de Preservação do Patrimônio Cultural .............................. 68
ANEXO B – Dossiê Edificação Rua Conselheiro Mafra, n. 538 ........................... 81
ANEXO C – Ata de Reunião .................................................................................... 91
7

1 INTRODUÇÃO

Nos dias atuais, em razão do crescimento exacerbado e desorganizado


das cidades, que impulsionaram excessivamente o mercado imobiliário, é evidente a
escassez cada vez maior de terrenos disponíveis para a construção de novas
edificações nos grandes centros.
É inegável a necessidade de novas construções frente ao grande
crescimento populacional, contudo muitas vezes o espaço nas cidades é reduzido,
fazendo com que se opte por destruir as construções antigas em prol das novas
edificações que vem sendo levantadas.
A forte influência do capitalismo e a grande vantagem econômica que os
investidores do mercado imobiliário possuem com a construção e venda de novos
exemplares de edifícios, retira desses o interesse em preservar o patrimônio antes
existente, esquecendo-se que o desfazimento de imóveis antigos acarreta na
destruição de parte da história de uma sociedade.
Para proteger tal história ameaçada, tornou-se imperiosa a necessidade
de o Poder Público intervir, criando assim um instituto com objetivo na manutenção e
conservação do patrimônio cultural de um povo. É com este intuito que se aplica às
edificações de relevante valor histórico o instituto do tombamento.
O presente trabalho descreverá, em seu segundo capítulo, como surgiu
este instituto, que tem sua origem no século XVIII, e sua evolução histórica, até
chegar aos dias atuais, quando possui, inclusive, previsão constitucional.
Demonstrar-se-á, outrossim, que o tombamento, como ato da
administração pública traz restrições ao direito de propriedade do cidadão e, por
isso, vem sendo questionado. Levanta-se, portanto, no terceiro capítulo, a questão
do cabimento de indenização nos casos de tombamento, bem com outras formas de
incentivos fiscais concedidos aos proprietários dos bens tombados.
A partir de então, com a definição de patrimônio cultural e de quem tem
competência para assim declarar um bem, o quarto capítulo da presente monografia
passa a analisar a aplicação do instituto do tombamento especificamente relativo a
imóveis no Município de Florianópolis.
Perceber-se-á que não raro veem-se edificações com relevante valor
histórico e com status de patrimônio cultural, em péssimo estado de conservação,
caracterizando-se o descaso do cidadão e muitas vezes do poder público, com sua
8

própria história. Questiona-se, portanto, se o instituto do tombamento é um meio


eficiente para alcançar a conservação e integridade dos bens imóveis de relevante
valor histórico, e quando não o é, qual o papel do Ministério Público para garantir a
proteção dos imóveis tombados.
Verificar-se-á, por fim, quais sanções poderão ser aplicadas em caso de
desobediências às exigências instituídas pelo tombamento e, em caso de inércia do
Poder Público em aplicá-las, qual o papel do Ministério Público na defesa do direito
ao patrimônio que assiste à sociedade.
Para isso é necessária a realização de um estudo capaz de identificar os
principais problemas na aplicação do instituto em comento, bem como as ações que
visam garantir sua plena aplicabilidade.
É com este objetivo que se apresenta o presente trabalho, que busca na
literatura formal o fundamento do instituto do tombamento, bem como na análise de
casos concretos a demonstração das condições de conservação dos imóveis
tombados como patrimônio histórico na cidade de Florianópolis, e a atuação do
Ministério Público nesses casos.
O método de abordagem utilizado é o dedutivo, posto que o presente
estudo inicia-se com a análise geral do instituto do tombamento em sua totalidade,
finalizando com a especificação de exemplares tombados na cidade de
Florianópolis. Utiliza-se nesta monografia a pesquisa básica, uma vez que poderá
gerar novos conhecimentos e exploratória, pois já explicita questionamento e
hipóteses, que buscarão sanar os problemas enfrentados para a conservação do
patrimônio histórico de Florianópolis.
Finalmente, para execução do trabalho realizou-se pesquisas
bibliográficas, buscando referências teóricas e fáticas, sendo utilizados como fontes
para pesquisa doutrinas, legislação pertinente ao assunto, artigos científicos e
jurisprudência; além de estudo dos casos específicos dos bens tombados no
Município de Florianópolis.
9

2 O INSTITUTO DO TOMBAMENTO

O instituto do tombamento é um ato administrativo que objetiva a


manutenção e conservação de determinado bem, por seu valor histórico, artístico,
arquitetônico, paisagístico ou cultural.
Sua origem no Brasil data de meados do século XVIII, evoluindo durante
anos, para que se garantisse a proteção hoje prevista na Constituição Federal
(MIRANDA, 2006, p.1).
A evolução histórica e conceito do instituto do tombamento serão tratados
e melhor detalhados na sequência deste capítulo.

2.1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO NO BRASIL

Os primeiros indícios de preocupação com a tutela do patrimônio no Brasil


datam do século XVIII, mais precisamente no ano de 1742, quando o então Vice-Rei
do Brasil ordenou a cessação das obras no Palácio das Duas Torres e sua posterior
restauração (MIRANDA, 2006, p.1).
Destarte, colaciona-se trecho da referida manifestação, trazida pela obra
de Marcos Paulo de Souza Miranda (2006. p.1):

Pelo que respeita aos Quartéis que se pretendem mudar para o Palácio das
duas Torres, obra do Conde Maurício de Nassau, em que os Governadores
fazem a sua assistência, me lastimo muito que haja de entregar ao uso
violento e pouco cuidadoso dos soldados, que em pouco tempo reduzirão
aquela fábrica a uma total dissolução, mas ainda me lastima mais que, com
ela, se arruinará também a memória que mudamente estava recomendando
à posteridade as ilustres e famosas ações que obraram os Portugueses na
Restauração dessa Capitania.

Outro indício é o artigo 178 do Código Criminal do Império de 1830,


também mencionado pelo citado autor (2006, p.1-2), que se refere à primeira sanção
penal imposta no Brasil no que tange à guarda do patrimônio.
Tal dispositivo previa pena de prisão com trabalho de dois meses a quatro
anos e multa de vinte por cento do valor do dano, para aquele que destruísse,
abatesse, mutilasse ou danificasse monumentos, edifícios, bens públicos ou
quaisquer outros objetos destinados à utilidade, decoração ou recreio público
(BRASIL, 1830).
10

As Constituições de 1824 e 1891 nada manifestaram a respeito da


proteção do patrimônio. De acordo com Maria Tereza Fonseca Dias e Carlos Magno
de Souza Paiva (2010, p.54) isso pode ser consequência da inspiração no Direito
Romano, em que o Direito de Propriedade era praticamente absoluto.
O interesse pela proteção do patrimônio cultural, como menciona Marcos
Paulo de Souza Miranda (2006, p. 2), desenvolveu-se de forma lenta no Brasil, só
voltando a ter relevância nas décadas de 20 e 30, influenciado pela Sociedade
Brasileira de Belas Artes.
Neste período, como ressalta Inês Virgínia Prado Soares (2009, p.24)
houve movimentos para criação de uma legislação protetiva, resultando em diversos
projetos de lei com cunho protecionista, apresentados principalmente pelos
representantes dos Estados de Minas Gerais, Bahia e Pernambuco. Contudo,
nenhum destes projetos mostrava relevância em âmbito nacional.
Ensina Marcos Paulo de Souza Miranda (2006, p.3), que “Somente em
1933 surgiu o primeiro diploma federal brasileiro tratando do patrimônio cultural. Foi
o Decreto n. 22.928, de 12 de julho daquele ano, que erigiu a cidade de Ouro Preto
a Monumento Nacional”.
Assim, no ano seguinte, a Constituição da República dos Estados Unidos
do Brasil (BRASIL, 1934), promulgada em 1934, foi a primeira Carta brasileira que
demonstrou cuidado com o patrimônio, quando, em seu artigo 10, III, determinou:
“Art 10 - Compete concorrentemente à União e aos Estados: [...] III - proteger as
belezas naturais e os monumentos de valor histórico ou artístico, podendo impedir a
evasão de obras de arte;”.
Reforçando a importância de se resguardar o patrimônio, no ano de 1937
a Constituição dos Estados Unidos do Brasil (BRASIL, 1937) estabeleceu:

Art 134 - Os monumentos históricos, artísticos e naturais, assim como as


paisagens ou locais particularmente dotados pela natureza, gozam de
proteção e dos cuidados especiais da Nação, dos Estados e dos
Municípios. Os atentados contra eles cometidos serão equiparados aos
cometidos contra o patrimônio nacional.

É notável, portanto, o crescente interesse em resguardar a história do


país. Percebeu-se, porém, a necessidade de se legislar de forma mais direta e
específica a respeito do tema, o que se alcançou com o Decreto-Lei n. 25 de 1937
(BRASIL, 1937).
11

Então, apenas 20 dias após a promulgação da referida Constituição (de


1937), em 30 de novembro de 1937, deu-se um passo definitivo em prol do
patrimônio publico, com a publicação do Decreto-lei n. 25 – a Lei do Tombamento –
(BRASIL, 1937) que veio apresentar formas concretas de proteção ao patrimônio no
país, sobre a qual se falará mais minuciosamente adiante.
Com o intuito de dar maior efetividade à proteção do patrimônio, como
bem reforçou Marcos Paulo de Souza Miranda (2006, p. 6), o Código Penal de 1940,
tipificou em seu artigo 165, o crime de dano em coisa de valor artístico, arqueológico
ou histórico: “Art. 165 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa tombada pela
autoridade competente em virtude de valor artístico, arqueológico ou histórico: Pena
- detenção, de seis meses a dois anos, e multa” (BRASIL, 1940).
Era a primeira vez que se previa uma sanção para aquele que agisse de
forma a deteriorar o patrimônio cultural, ainda que fosse proprietário do bem.
Dando sequência à legislação protecionista, a Constituição promulgada
em 1946 (BRASIL, 1946), estabeleceu no artigo 175 os bens submetidos à proteção
do poder público: “Art 175 - As obras, monumentos e documentos de valor histórico
e artístico, bem como os monumentos naturais, as paisagens e os locais dotados de
particular beleza ficam sob a proteção do Poder Público”.
No mesmo norte manteve-se a Constituição de 1967 (BRASIL, 1967):

Art 172 - O amparo à cultura é dever do Estado.


Parágrafo único - Ficam sob a proteção especial do Poder Público os
documentos, as obras e os locais de valor histórico ou artístico, os
monumentos e as paisagens naturais notáveis, bem como as jazidas
arqueológicas.

Tendo em vista que desde a Constituição de 1934 o patrimônio cultural


tem recebido proteção constitucional, a Carta Magna hoje vigente, promulgada em
1988, não poderia excluir de seu rol tal amparo.
Assim, recepcionando o instituto do tombamento e os demais dispositivos
supracitados, a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988 (BRASIL,
1988), garante em seu artigo 23, incisos III, IV, VI e VII, a proteção da identidade
nacional, ao reconhecer a “competência comum de todos os entes federativos para
promover a defesa dos documentos e dos bens relacionados à história, à cultura e
ao meio ambiente” (JUSTEN FILHO, 2006, p. 421).
12

Descreve a Constituição, no artigo 216 (BRASIL, 1988), os bens


considerados patrimônio cultural, reforçando, no § 1º, sua sujeição ao tombamento:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza


material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá
e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários,
registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de
acautelamento e preservação. (grifo nosso).

Assim, percebe-se que desde o século XVIII a legislação brasileira vem


se mostrando preocupada com a proteção do patrimônio nacional. Atualmente em
vigor, a Carta Magna Brasileira de 1988 e o Decreto-Lei n. 25 garantem à sociedade
o direito de ter seu patrimônio preservado, estabelecendo limites ao seu uso e
exigências à sua conservação.

2.2 CONCEITO DE TOMBAMENTO

Como apresentado anteriormente, uma das formas de proteção ao


patrimônio encontrada pelo Estado é o instituto do tombamento.
O termo “tombamento”, que dá nome ao Decreto-Lei 25/37, tem origem,
segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2012, p. 146) no direito português, “que
utiliza a palavra tombar no sentido de registrar, inventariar, inscrever nos
arquivos do Reino, guardados na Torre do Tombo” (grifo do autor).
De acordo com Miranda (2006, p.108) Torres do Tombo, na sua origem
portuguesa, referem-se ao Arquivo Público do Reino, em Lisboa, Portugal, instalado
no século XIV, nas torres do castelo de São Jorge.
No Brasil, sob clara influência portuguesa, a expressão “tombamento”
passou a ser utilizada como “a declaração pelo Poder Público do valor histórico,
artístico, paisagístico, turístico, cultural ou científico de coisas ou locais que, por
essa razão devam ser preservados” (MEIRELLES, 2012, p.635).
13

Maria Sylvia Di Pietro (2012, p. 145) conceitua tombamento como “forma


de intervenção do Estado na propriedade privada, que tem por objetivo a proteção
do patrimônio histórico e artístico nacional”.
Desta forma, qualquer bem público ou privado, seja por suas
características arquitetônicas, históricas ou naturais, pode ser decretado de
interesse público e, por esta razão, sujeitar-se ao tombamento, conforme determina
o artigo 1º do Decreto Lei n. 25 de 30 de novembro de 1937 (BRASIL, 1937):

Art. 1º Constitue [sic] o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto


dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de
interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do
Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico,
bibliográfico ou artístico.
§ 1º Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte
integrante do patrimônio histórico o artístico nacional, depois de inscritos
separada ou agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata
o art. 4º desta lei.
§ 2º Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também
sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e
paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que
tenham sido dotados pelo natureza ou agenciados pelo indústria humana.

Importante ressaltar que a competência para tombar um bem é tanto da


União, quanto dos Estados ou dos Municípios, como assevera Paulo Affonso Leme
Machado, citando Pontes de Miranda, (MACHADO, 2001, p. 864):

[...] pode o interesse na conservação e guarda ser mais especialmente para


o Estado-membro, o Distrito Federal, ou o Município. Qualquer delas,
inclusive a União, pode tombar o que outra já tombara, para reforçar a
eficácia do tombamento, ou para evitar que a outra se omita na fiscalização
ou dê permissões que firam o interesse revelado.

Reforçando tal entendimento, José Afonso da Silva (1981, p. 487 apud


MACHADO, 2001, p. 864) afirma que “As três esferas de competência podem,
paralelamente, tombar o mesmo bem, sem que haja exclusão em face de qualquer
delas. Não ocorre caso de competência só da União, ou só do Estado, ou só do
Município”.
Assim, qualquer bem de relevante interesse público poderá ser tombado,
por um ou mais entes federativos, das formas que serão apresentadas a seguir.
14

2.3 ESPÉCIES DE TOMBAMENTO

O instituto do tombamento pode ser classificado em diversas espécies,


dependendo de quem é o proprietário do bem a ser tombado, de sua forma de
constituição, eficácia e seus destinatários.
Quanto ao proprietário, de acordo com os ensinamentos de Paulo Afonso
Leme Machado (2001, p. 871), o tombamento pode atingir bem pertencente a
pessoa pública ou a pessoa privada (física ou jurídica).
Já para Maria Sylvia Di Pietro (2012, p. 147), pode-se ainda classificar o
tombamento em três diferentes categorias, de acordo com sua constituição ou
procedimento, quando será de ofício, voluntário ou compulsório; em relação à sua
eficácia, se provisório ou definitivo; ou ainda quanto aos seus destinatários, quando
poderá ser geral ou individual. Tais espécies serão melhores descritas a seguir.

2.3.1 Quanto à constituição ou procedimento

A espécie de tombamento se diferencia conforme este atinja bens


públicos ou privados. Será de ofício o tombamento sobre os bens públicos e
voluntário ou compulsório quando atingir bens pertencentes a pessoas privadas (DI
PIETRO, 2012, p. 147).
O artigo 5º do Decreto-Lei n. 25 de 1937 (BRASIL, 1937) assim descreve
o tombamento de ofício:

Art. 5º O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos


Municípios se fará de ofício, por ordem do diretor do Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, mas deverá ser notificado à entidade a quem
pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada, afim de produzir os
necessários efeitos.

Neste caso a “simples notificação à entidade a quem pertencer [o bem]


(União, Estado ou Município) ou sob cuja a guarda estiver a coisa tombada” (DI
PIETRO, 2012, p. 147) já faz com que se produzam os efeitos do tombamento.
Importante ressalva faz Paulo Affonso Leme Machado (2001, p.871) ao
destacar que “o Decreto-Lei n. 25/37 não prevê recurso contra o ato administrativo
que determinar o tombamento” . O mesmo evidencia Édis Milaré (2011, p. 324) ao
15

afirmar que o tombamento de ofício “se sujeita apenas à deliberação coletiva do


órgão preservacionista, sem qualquer contraditório” .
De outra banda, quando incidente sobre bem de pessoa privada o
tombamento poderá ser voluntário ou compulsório, conforme determina o artigo 6º
do Decreto-Lei n.25/37 (BRASIL, 1937): “Art. 6º O tombamento de coisa pertencente
à pessôa [sic] natural ou à pessôa [sic] jurídica de direito privado se fará voluntária
ou compulsoriamente [sic]”.
Será voluntário quando o proprietário pedir o tombamento e o bem
possuir os requisitos para ser tombado. Em interpretação ao artigo 7º do já
mencionado Decreto-Lei, Maria Sylvia Di Pietro (2012, p. 147) afirma que o
tombamento voluntário ocorre quando:

1. o proprietário pedir o tombamento e a coisa se revestir dos requisitos


necessários para constituir parte integrante do patrimônio histórico e
artístico nacional, a jupizo do órgão técnico competente;
2. o proprietário anuir, por escrito, à notificação que se fizer para a inscrição
da coisa em qualquer dos Livros do Tombo.

Em relação a esta espécie de tombamento, Leme Machado (2001, p. 871)


evidencia a existência de “meio administrativo para o proprietário pedir o
tombamento, o que mostra que não se pode, de antemão, visualizar este instituto
jurídico como desnaturador da propriedade”.
Por fim, o tombamento será compulsório, como prevê o artigo 8º do
Decreto-Lei n. 25/37 (BRASIL, 1937), sempre que o proprietário for contrário à
inscrição de seu bem nos Livros do Tombo. “Art. 8º Proceder-se-á ao tombamento
compulsório quando o proprietário se recusar a anuir à inscrição da coisa” (BRASIL,
1937).
O artigo 9º do Decreto-Lei 25/37 descreve como se dá o processo de
tombamento, que, sob a análise sintetizada de Édis Milaré (2011, p.325) é assim
relatado:

a) parecer do órgão técnico sobre o valor cultural do bem;


b) notificação ao proprietário para anuir ou impugnar a pretensão do Poder
1
Público;
c) deliberação coletiva do Conselho Consultivo da entidade incumbida do
tombamento;

1
Quando se tratar de bem público e, portanto, tombamento de ofício, a partir desta notificação o instituto já gera seus efeitos.
Por outro lado, tratando-se de bem privado e o proprietário anuir com a notificação, tem-se o tombamento voluntário.
16

d) homologação do órgão político a que está afeta a entidade incumbida do


tombamento;
e) inscrição no Livro do Tombo que se referir ao valor que fundamentou o
tombamento;
f) transcrição em registro público [...], para que produza efeitos em relação a
terceiros.

Para que o instituto do tombamento gere então seus efeitos, é necessário


um parecer técnico que determine o valor do bem, seguido de uma notificação ao
seu proprietário. A partir de então o tombamento passa pela análise de um Conselho
representante da entidade que tombou o imóvel, para posterior homologação do
órgão público competente. Só então o bem é inscrito em um dos Livros do Tombo e
é realizado seu registro público, atingindo assim efeito sobre terceiros.
Durante tal procedimento, deve ser assegurado direito de manifestação
do proprietário do bem. Como defende Carvalho Filho (2008, p. 749), independente
da forma de tombamento, há

[...] absoluta necessidade de ser observado o princípio fundamental do


devido processo legal [...], no qual se assegure ao proprietário o direito ao
contraditório e à ampla defesa, incluindo meios de prova que visem a
demonstrar a inexistência de relação entre o bem a ser tombado e a
proteção ao patrimônio cultural.

Tal manifestação pode ser contrária ao tombamento e os argumentos ali


levantados serão analisados na terceira etapa do procedimento, pelo Conselho
Consultivo do órgão incumbido do tombamento.
Quando o Conselho não aceitava a manifestação do proprietário contrária
ao tombamento, o Decreto Lei n. 25 (BRASIL, 1937) afirmava que esta decisão (a de
tombar o bem) não era passível de recurso. Contudo, em 1941 o Decreto Lei n.
3.866 (BRASIL, 1941), estabeleceu a possibilidade de revogação do tombamento
pelo Presidente da República, não de forma discricionária, mas sempre baseado no
interesse público.

O Presidente da República, atendendo a motivos de interesse público,


poderá determinar, de ofício ou em grau de recurso, interposto pôr qualquer
legítimo interessado, seja cancelado o tombamento de bens pertencentes à
União, aos Estados, aos municípios ou a pessoas naturais ou jurídicas de
direito privado, feito no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
de acordo com o decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. (BRASIL,
1941).
17

Diante do exposto, verifica-se que o tombamento pode ser realizado


sobre bens pertencentes a qualquer ente público, bem como a pessoa de direto
privado, sempre assegurando ao proprietário o direito constitucional ao contraditório
e à ampla defesa em seu procedimento.

2.3.2 Quanto à eficácia

Quando à sua eficácia, o instituto do tombamento pode ser provisório ou


definitivo, de acordo com o andamento de seu procedimento.
O artigo 10 do Decreto Lei n. 25/37 (BRASIL, 1937) estabelece:

Art. 10. O tombamento dos bens, a que se refere o art. 6º desta lei, será
considerado provisório ou definitivo, conforme esteja o respectivo processo
iniciado pela notificação ou concluído pela inscrição dos referidos bens no
competente Livro do Tombo.
Parágrafo único. Para todas os efeitos, salvo a disposição do art. 13 desta
lei, o tombamento provisório se equiparará ao definitivo.

A ressalva feita pelo parágrafo único do dispositivo acima citado, refere-se


apenas ao Registro Público do tombamento do bem. Assim, percebe-se que o bem
passível de tombamento já está protegido desde a notificação do proprietário, ainda
que em caráter provisório. Como afirma Paulo Affonso Leme Machado (2001,
p.878), “Mesmo antes de se chegar à decisão final, antes de se entrar no mérito se o
bem vai ou não ser tombado, passa ele a ser preservado”.
Com a decisão final já tomada, esta apontando para o tombamento do
bem, ele será inscrito no Livro do Tombo competente e o tombamento passará a ser
definitivo. A partir de então se exigirá sua inscrição no Registro Público competente,
conforme ressalvado pelo artigo 13 do Decreto Lei n. 252.
Percebe-se que, apesar da divisão legal em provisório e definitivo, os
efeitos do tombamento são os mesmos nos dois casos. Garante-se desta forma que
o bem esteja protegido desde a percepção de seu interesse público, evitando-se
assim que o proprietário dilapide o bem durante o processo de tombamento.

2
Art. 13. O tombamento definitivo dos bens de propriedade partcular será, por iniciativa do órgão competente do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, transcrito para os devidos efeitos em livro a cargo dos oficiais do registro de imóveis e
averbado ao lado da transcrição do domínio. (BRASIL, 1937).
18

2.3.3 Quanto aos destinatários

Quanto aos destinatários o tombamento pode ser individual ou geral.


Conforme os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles (2012, p.636), o
tombamento

É restrição individual quando atinge determinado bem – uma casa, p. ex –,


reduzindo os direitos do proprietário ou impondo-lhes encargos; é limitação
geral quando abrange uma coletividade, obrigando-a a respeitar padrões
urbanísticos ou arquitetônicos, como ocorre com o tombamento de locais
históricos ou paisagísticos.

A classificação do tombamento como geral da forma explicada acima por


Hely Lopes Meirelles, traz algumas divergências na doutrina. Para Marçal Justen
Filho (2006, p. 421), por exemplo, tal espécie de tombamento “deriva sempre das
características individuais que cada bem apresenta. [...] Em outras palavras, não se
tomba a ‘cidade’ nem o ‘bairro’, mas cada imóvel ali existente”.
Neste norte posiciona-se também José dos Santos Carvalho Filho (2008,
p. 745) “os efeitos do ato alcançam diretamente apenas a esfera jurídica do
proprietário de determinado bem. O dito tombamento geral seria ato limitativo de
natureza genérica e abstrata, incongruente com a natureza do instituto”.
Para estes autores, não se pode considerar o tombamento de forma
geral, pois este tem sempre relação específica com caráter individual de cada
edificação. Assim, ainda que se queira tombar um bairro, ou uma cidade inteira, o
instituto gerará seus efeitos individualmente sobre cada propriedade. O que se tem,
portanto, são diversos imóveis vizinhos tombados individualmente.
Verifica-se que as discussões sobre esta classificação tem apenas
relevância doutrinária, afinal, imóveis tombados individualmente ou de forma geral
tem as mesmas proteções e sofrem os mesmos efeitos.

2.4 EFEITOS JURÍDICOS DO TOMBAMENTO

O instituto do tombamento para atingir seu fim, qual seja o de proteger e


conservar determinado bem dotado de características que o elevam a patrimônio
público, gera diversos efeitos sobre uso da coisa tombada. Tais efeitos estão
elencados no Capítulo III do Decreto-Lei n. 25/37 (BRASIL, 1937).
19

2.4.1 Em Relação ao Proprietário

O tombamento é uma forma de intervenção do Estado na propriedade


privada e desta decorrem várias obrigações e restrições aos proprietários do bem
tombado.
Como destaca Justen Filho (2006, p. 423), o tombamento “importa
restrição quanto ao modo de usar, fruir e dispor do bem, que deve ser compatível
com a preservação da sua identidade” e que varia de acordo com a natureza do bem
tombado.
A possibilidade de se tombar um bem, restringindo o uso e fruição de seu
proprietário, é decorrência do princípio constitucional da função social da
propriedade, previsto no artigo 5º, inciso XXIII Constituição de 1988 (BRASIL, 1988).
O mencionado princípio traz limitações ao direito de propriedade, mas
conforme os ensinamentos de Álvaro Luiz Valery Mirra (1996, p. 59-60), não se
restringe a isso:

A função social e ambiental não constitui um simples limite ao exercício de


direito de propriedade, como aquela restrição tradicional, por meio da qual
se permite ao proprietário, no exercício de seu direito, fazer tudo que não
prejudique a coletividade e o meio ambiente. Diversamente, a função social
e ambiental vai mais longe e autoriza até que se imponha ao proprietário
comportamentos positivos, no exercício de seu direito, para que a sua
propriedade concretamente se adeque à preservação do meio ambiente.

O tombamento, portanto, ao garantir a função social da propriedade, trará


diversas obrigações ao proprietário do bem. Maria Sylvia Di Pietro (2012, p. 150),
classifica estas obrigações como “positivas (de fazer), negativas (de não fazer) e de
suportar (deixar fazer)”.
São negativas aquelas mencionadas nos artigos 14 e 17 do Decreto Lei n.
25/37 (BRASIL, 1937):

Art. 14. A. coisa tombada não poderá saír do país, senão por curto prazo,
sem transferência de domínio e para fim de intercâmbio cultural, a juízo do
Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional.

Art. 17. As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruidas,
demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço
do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional, ser reparadas, pintadas ou
restauradas, sob pena de multa de cincoenta por cento do dano causado.
20

O artigo 14 acima transcrito, refere-se, como se pode perceber, ao


transporte de bens móveis, como pinturas, escultura, obras de arte em geral, livros,
partituras, etc., para outros países. Estes não podem livremente sair do país,
obrigando seu proprietário a realizar solicitação ao Conselho Consultivo mencionado
no dispositivo.
Além desta restrição, o artigo 17 supracitado, aponta outras que alcançam
também aos bens imóveis. Em respeito a este artigo, os bens tombados não podem
de nenhuma forma ser destruídos, nem restaurados sem autorização do Serviço de
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Claramente ambos os dispositivos visam garantir a integridade do bem
tombado, porém, em alguns casos não seriam suficientes para promover sua
conservação. Assim o legislador incluiu algumas obrigações de fazer ao proprietário,
que também asseguram a manutenção do bem de interesse público.
Estas obrigações positivas são elencadas nos artigos 16, 19 e 22, do
Decreto Lei n. 25 de 1937 (BRASIL, 1937):

Art. 16. No caso de extravio ou furto de qualquer objéto [sic] tombado, o


respectivo proprietário deverá dar conhecimento do fáto [sic] ao Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional [SEPHAN], dentro do prazo de
cinco dias, sob pena de multa de dez por cento sôbre [sic] o valor da coisa.

Art. 19. O proprietário de coisa tombada, que não dispuzer [sic] de recursos
para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer,
levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa
correspondente ao dobro da importância em que fôr [sic] avaliado o dano
sofrido pela mesma coisa.

Art. 22. Em face da alienação onerosa de bens tombados, pertencentes a


pessôas [sic] naturais ou a pessôas [sic] jurídicas de direito privado, a
União, os Estados e os municípios terão, nesta ordem, o direito de
preferência.

Estes dispositivos elencam três tipos diferentes de obrigações. A primeira


delas diz respeito ao extravio ou furto do bem tombado. Neste caso o proprietário
deve comunicar o órgão público responsável (SEPHAN) no prazo de 5 dias sob
pena de multa. Este dispositivo evita que o proprietário tente se eximir da culpa pelo
não cuidado com o bem tombado, afirmando não estar mais em sua posse.
Outra comum alegação dos proprietários de bens tombados que não
desejam, ou mesmo não podem, manter um bom estado de conservação do
patrimônio, é a de que não possuem recursos para tal. Mais uma vez em proteção
21

ao bem, o legislador define que, nestes casos, o proprietário comunicará o SEPHAN,


que passará então esta obrigação ao ente incumbido do tombamento.
Já o mencionado artigo 22 (BRASIL, 1937) trata da ordem de preferência
que deve obedecer o proprietário em caso de alienação de seu patrimônio tombado.
Assim, o bem deve ser oferecido primeiramente à União, ao Estado e em seguida ao
Município em que o bem se localiza, nesta ordem. Caso nenhum dos entes
federativos se interesse pela compra, só então poderá o proprietário livremente
alienar seu patrimônio.
Por último, tem-se a obrigação de suportar, a que se submete o
proprietário do bem tombado. Esta se relaciona à obrigação de submeter-se à
fiscalização do órgão público responsável pelo tombamento do bem, conforme artigo
20 do já mencionado Decreto Lei n. 25/37 (BRASIL, 1937):

Art. 20. As coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância permanente do


Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que poderá inspecioná-
los sempre que fôr [sic] julgado conveniente, não podendo os respectivos
proprietários ou responsáveis criar obstáculos à inspeção, sob pena de
multa de cem mil réis, elevada ao dôbro [sic] em caso de reincidência.

Resta claro, portanto, que o proprietário do bem tombado deve sempre


permitir e suportar a fiscalização do órgão público responsável sobre seu bem, tendo
novamente como sanção, em caso de desobediência, a imposição de multa.
Tais imposições legais são imprescindíveis, ainda que na prática muitas
vezes insuficientes, para que se possa alcançar o fim ao que o tombamento se
propõe, qual seja o de manter a conservação do patrimônio cultural.

2.4.2 Em Relação à Vizinhança

As exigências e obrigações relativas a um bem tombado não se


restringem àquela impostas ao seu proprietário. Novamente com o intuito de manter
um bom estado de conservação do patrimônio, inclusive seu contexto ambiental, a
legislação aponta algumas obrigações aos vizinhos do imóvel tombado.
Como bem afirma Édis Milaré (2011, p. 327), “A área do entorno do bem
tombado é importante para garantir a ambiência e a visibilidade do patrimônio”. Para
alcançar esta garantia, o legislador previu também restrições ao uso das
22

propriedades vizinhas, ao determinar, no artigo 18 do Decreto Lei n. 25/37 (BRASIL,


1937):

Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e


Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer
construção que lhe impeça ou reduza a visibílidade [sic], nem nela colocar
anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o
objéto [sic], impondo-se nêste [sic] caso a multa de cincoenta [sic] por cento
do valor do mesmo objéto [sic].

O conceito de redução da visibilidade previsto no supramencionado


dispositivo é bastante amplo, como ressalta Hely Lopes Meirelles (2012, p. 638),
este abrange:

[...] não só a tirada da vista da coisa tombada como a modificação do


ambiente ao da paisagem adjacente, a diferença de estilo arquitetônico e
tudo o mais que contraste ou afronte a harmonia do conjunto, tirando o valor
histórico ou a beleza original da obra ou do sítio protegido.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2012, p. 181) a restrição imposta aos
vizinhos do imóvel tombado é uma forma de servidão administrativa, no qual o
dominante é o bem tombado, que tem como serviente, os prédios vizinhos. A autora
afirma que a servidão “resulta automaticamente do ato do tombamento e impõe aos
proprietários dos prédios servientes obrigação negativa de não fazer”. Ressalta
ainda que não é previsto qualquer tipo de indenização nestes casos.
Como se viu, apesar de não ser proprietário de bem tombado, o vizinho
do imóvel considerado patrimônio cultural deve cumprir algumas obrigações. Dentre
estas, a de não construir de modo a tirar a visibilidade do bem. Ora, muitas vezes o
terreno vizinho do bem tombado encontra-se em área valorizada imobiliariamente,
contudo seu proprietário não poderá usufruir livremente do bem e, apesar de a
situação claramente importar em prejuízos financeiro, em se considerando o caso
servidão administrativa, não é previsto qualquer tipo de indenização ao proprietário
vizinho.

2.4.3 Em Relação ao Poder Público

Restam ainda, como consequência do instituto do tombamento, as


obrigações impostas ao poder público em razão do bem tombado. Como já
23

explanado, um bem só é inscrito num dos Livros do Tombo se possuir características


que definam como patrimônio cultural, de interesse público. Sendo de interesse
público, parece evidente que as obrigações de proteção não se restrinjam a pessoa
do proprietário, mas também ao ente público responsável por seu tombamento.
Assim entende Justen Filho (2006, p. 423), para quem a obrigação de
preservar um bem tombado não se restringe ao seu proprietário, mas também ao
Poder Público.
Tais obrigações inerentes á administração pública são elencadas por
Marcos Paulo Miranda (2006, p. 139) da seguinte forma:

a) Exercício do poder-dever de impor penalidades administrativas


àqueles que destruírem, inutilizarem, deteriorarem ou alterarem os bens
tombados;
b) Executar as obras de conservação do bem, quando o proprietário não
puder fazê-lo ou providenciar a desapropriação da coisa; [Artigo 19, Decreto
Lei n. 25/37, BRASIL, 1937]
[...]
c) Exercer permanente vigilância sobre a coisa tombada, inspecionando-
as sempre que julgar conveniente; [Artigo 20, Decreto Lei n. 25/37, BRASIL,
1937]
[...]
d) Providenciar, em se tratando de bens particulares, a transcrição do
tombamento no Cartório de Registro de Imóveis. [Artigo 13, Decreto Lei n.
25/37, BRASIL, 1937]

Se o proprietário do bem tombado tem obrigações em relação a este, é


necessário que exista um órgão competente para fiscalizar e verificar se elas vem
sendo cumpridas. Este é um dos deveres do poder público. Aliado a este, há para o
poder público a obrigação de, ao perceber qualquer irregularidade, impor ao
proprietário do bem as penas administrativas previstas na legislação.
Como mencionado no título anterior, o proprietário tem o dever de
informar à administração pública sua impossibilidade de manter a integridade do
bem. De nada adiantaria o poder público ter este conhecimento se não interviesse
para garantir a conservação do patrimônio. Assim, é também dever do ente público
realizar as obras necessárias à conservação da coisa tombada.
O Decreto Lei n. 25 (BRASIL, 1937) ainda prevê como obrigação do ente
público a transcrição do tombamento no Cartório de Registro de Imóveis, para que
passe então a gerar efeitos sobre terceiros.
Conforme estudado, não cabe à administração pública apenas
inspecionar os proprietários e aplicar sanções em caso de descumprimento da
24

legislação protecionista, mas tem também o encargo de manter o estado de


conservação dos bens tombados, garantido à sociedade o direito a ter seu
patrimônio preservado.

2.4.4 Das Restrições à alienabilidade

Quanto à alienação de bens tombados, estes também sofrem algumas


restrições, que variam de acordo com seu proprietário, se pessoa pública ou de
direito provado.
Inicialmente, em se tratando de bem público tombado, importante
destacar o artigo 11 do Decreto Lei n. 25 de 1937 (BRASIL, 1937), que assim versa:
“Art. 11. As coisas tombadas, que pertençam à União, aos Estados ou aos
Municípios, inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas de uma à outra
das referidas entidades”.
Desta forma, é vedado ao ente público vender sua propriedade tombada,
podendo apenas repassá-la a outro ente da federação.
Por outro lado, em se tratando de bem particular, a alienação onerosa
deve respeitar o já mencionado direito de preferência dos entes públicos, sob pena
de nulidade do ato, sequestro do bem e multa ao proprietário, em obediência ao
artigo 22 do Decreto Lei n. 25 de 1937 (BRASIL, 1937):

Art. 22. Em face da alienação onerosa de bens tombados, pertencentes a


pessôas [sic] naturais ou a pessôas [sic] jurídicas de direito privado, a
União, os Estados e os municípios terão, nesta ordem, o direito de
preferência.
[...]
§ 2º É nula alienação realizada com violação do disposto no parágrafo
anterior, ficando qualquer dos titulares do direito de preferência habilitado a
sequestrar a coisa e a impôr [sic] a multa de vinte por cento do seu valor ao
transmitente e ao adquirente, que serão por ela solidariamente
responsáveis. A nulidade será pronunciada, na forma da lei, pelo juiz que
conceder o sequestro, o qual só será levantado depois de paga a multa e se
qualquer dos titulares do direito de preferência não tiver adquirido a coisa no
prazo de trinta dias. (BRASIL, 1937)

O parágrafo 2º do artigo 22 acima transcrito deixa claro que a alienação


sem obediência ao direito de preferência torna nulo o negócio jurídico. Paulo Afonso
Leme Machado (2001, p. 885) afirma que “Deixando de haver a regular notificação
do Poder Público para que pudesse exercer sua preferência na alienação, esta é
nula”. O dispositivo vai além, ao garantir ao ente titular do direito de preferência,
25

habilitação para sequestrar o bem e impor multa tanto ao transmitente quanto ao


adquirente.
Esta imposição de multa ao adquirente é possível tendo em vista a já
estuda obrigação de inscrição do tombamento no Registro Público, garantindo assim
a aplicação de seus efeitos a terceiros.
O direito de preferência é ainda garantido mesmo que o imóvel não esteja
tombado em todas as esferas – nacional, estadual e municipal. Segundo Leme
Machado (2001, p. 884) “A lei não exige que as três pessoas jurídicas de Direito
Público interno tenham – as três – tombado o bem”. Assim, ainda que determinada
coisa seja tombada apenas em âmbito municipal, deve a União receber notificação
para que possa gozar o direito de preferência.
Assim, resta ao proprietário do bem tombado obedecer ao direito de
preferência, oferecendo, em caso de alienação, o imóvel aos entes públicos e só em
caso de desinteresse destes aos particulares, sobre pena de ser nulo seu negócio
jurídico.
Como visto neste capítulo o tombamento acarreta em vários ônus para os
envolvidos com a coisa tombada. Contudo, apenas em alguns casos cabe aos
proprietários direito à indenização pelo bem tombado, existindo divergências tanto
doutrinárias quanto jurisprudenciais a respeito, conforme se procurará demonstrar a
seguir.
26

3 A QUESTÃO DA INDENIZAÇÃO NO PROCESSO DE TOMBAMENTO

Ainda que se trate indubitavelmente de restrição ao direito de


propriedade, há grande divergência, tanto na doutrina quanto na jurisprudência,
quanto ao tombamento ensejar direito de indenização ao proprietário do bem
tombado, conforme se verificará adiante.
Para que se alcance alguma conclusão sobre o tema, importante analisá-
lo sobre dois aspectos: inicialmente averiguar se o instituto do tombamento é ato
discricionário ou vinculado; em seguida verificar sua natureza jurídica, se de
servidão administrativa, limitação administrativa ou instituto próprio.

3.1 TOMBAMENTO COMO ATO VINCULADO OU DISCRICIONÁRIO

Já em relação ao primeiro aspecto, sobre ser o tombamento ato


discricionário ou vinculado, existe divergências doutrinárias.
Um ato será discricionário, de acordo com Marcelo Alexandrino e Vicente
Paulo (2012, p. 433) quando a administração pública puder praticá-los “com certa
liberdade de escolha, nos termos e limites da lei, quanto ao seu conteúdo, seu modo
de realização, sua oportunidade e sua conveniência administrativa”.
Por outro lado, de acordo com os mesmos autores (2012, p. 432) será o
ato vinculado quando a administração estiver adstrita ao prescrito em lei,

[...] sem margem alguma de liberdade de decisão, pois a lei previamente


determinou o único comportamento possível a ser obrigatoriamente adotado
sempre que se configure a situação objetiva descrita na lei. Não cabe ao
agente público apreciar oportunidade ou conveniência administrativas
quanto à edição do ato; uma vez atingidas as condições legais, o ato tem
que ser praticado, invariavelmente.

Sobre esta classificação, Maria Sylvia Di Pietro (2012, p. 153) afirma ser o
tombamento ato discricionário. Para a autora, o tombamento acarretará em conflito
de valores, em que a Administração deverá “zelar pela conservação daquele que de
forma mais intensa afete os interesses da coletividade. Essa apreciação terá que ser
feita no momento da decisão, diante do caso concreto”.
Por outro lado, Hely Lopes Meirelles (2012, p. 636) entende ser o
tombamento ato vinculado: “O tombamento realiza-se através de um procedimento
27

administrativo vinculado, que conduz ao ato final de inscrição do bem num dos
Livros do Tombo”.
Maria Tereza Dias (2010, p. 60), por sua vez, entende que não se pode
considerar o tombamento ato totalmente vinculado, nem absolutamente
discricionário. Para a autora,

[...] o tombamento é ato decorrente do poder discricionário, mas vinculado à


condição caracterizadora de bem cultural, prevista na lei (histórica, artística,
arqueológica, etnográfica) ou qualquer outra característica manifestadora do
aspecto cultural. A autoridade pública pode escolher entre tombar este ou
aquele bem e escolher ainda o momento de fazê-lo. Entretanto, o bem
escolhido deve revestir-se de, pelo menos, uma das características culturais
previstas no ordenamento jurídico.

Tal divergência é sequente na doutrina e acaba por influenciar o


entendimento de cada estudioso quanto à natureza jurídica do instituto do
tombamento, o que, consequentemente, interfere em sua tendência a conhecer ou
não o direito à indenização que assiste ao proprietário do bem tombado.

3.2 A NATUREZA JURÍDICA DO TOMBAMENTO

Quanto à natureza jurídica do instituto do tombamento a doutrina também


não é uniforme. Há entendimentos de que se trata este instituto de forma de
Servidão Administrativa, Limitação Administrativa, Instituto próprio, entre outras
correntes mais enfraquecidas.
De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p.872), o
tombamento é uma modalidade de servidão administrativa. O mencionado autor
define servidão administrativa como “o direito real que assujeita um bem a suportar
uma utilidade pública, por força da qual ficam afetados parcialmente os poderes do
proprietário quanto ao seu uso ou gozo” e caracteriza o tombamento desta forma
pelo fato de este consistir em

[...] uma intervenção administrativa na propriedade, destinada a proteger o


patrimônio histórico e artístico nacional, pela qual os poderes inerentes ao
seu titular ficam parcialmente elididos, uma vez que poderá usar e gozar do
bem, mas não alterá-lo[...]” (MELLO, 2007, p.872)

Maria Sylvia Di Pietro (2012, p. 154), contudo, afirma que o tombamento


apenas se assemelha à servidão “pelo fato de individualizar o bem; porém dela
28

difere porque falta a coisa dominante, essencial para caracterizar qualquer tipo de
servidão”.
Outra corrente de doutrinadores entende ser o tombamento uma forma de
limitação administrativa. Marçal Justen Filho (2006, p. 413) conceitua limitação
administrativa como “alteração do regime jurídico privatístico da propriedade [...],
impondo restrição das faculdades de usar e fruir de bem imóvel”.
Baseada nesta definição, Inês Virgínea Prado Soares (2009, p. 298)
afirma ser o tombamento uma limitação administrativa, pois os institutos tem os
mesmos traços característicos, como “[...] a generalidade, a unilateralidade, a
imperatividade e a não-confiscatoriedade.”.
Comparando o tombamento com o instituto da limitação administrativa,
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2012, p.154) afirma que estes têm em comum apenas
o fato de ambos serem impostos em benefício do interesse público; porém o
tombamento individualiza o imóvel, o que não é característica da limitação.
Dado às diferenças apontadas entre o tombamento e a servidão
administrativa ou entre aquele e a limitação administrativa, Maria Sylvia Zanella Di
Pietro finaliza caracterizando o tombamento como categoria própria, pois “não se
enquadra nem como simples limitação administrativa, nem como servidão” (2012,
p.154). Este posicionamento é também de Édis Milaré (2011, p.324).
O fato de os doutrinadores considerarem o tombamento como instituto
próprio, servidão administrativa ou limitação administrativa, influi no seu
entendimento quanto à existência ou não do dever de indenizar o proprietário,
conforme se verá adiante.

3.3 DO CABIMENTO DE INDENIZAÇÃO

No campo da indenização a doutrina é também divergente. Muitos


autores, entre eles Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2012, p.146), defendem a tese de
que o tombamento é ato gratuito. Para a autora, “O tombamento é sempre uma
restrição parcial, não impedindo ao particular o exercício dos direitos inerentes ao
domínio; por isso mesmo, não dá, em regra, direito à indenização”. Continua a Di
Pietro (2012, p. 146): “Se, para proteger o bem, o Poder Público tiver que impor
restrição total, de modo que impeça o proprietário do exercício de todos os poderes
inerentes ao domínio, deverá desapropriar o bem”.
29

Este é o entendimento de Édis Milaré (2011, p. 328), verificado quando o


autor afirma que

[...] a simples declaração de interesse cultural em determinado bem, por


encerrar restrição administrativa que apenas obriga o proprietário a mantê-
lo dentro de suas características para a proteção da memória nacional, não
engendra situação de prejuízo capaz de justificar qualquer dever
indenizatório para o Poder Público.

Outros autores, contudo, entendem que em alguns momentos a


indenização é devida. Assim posiciona-se Justen Filho (2006, p.421):

Em princípio, o tombamento não gera direito à indenização. O bem


permanece no domínio do anterior proprietário, que dele pode usar e fruir,
inclusive retirando os proveitos econômicos compatíveis com o
tombamento. No entanto, surgirá direito à indenização quando o
tombamento impuser deveres de cunho econômico ou quando impedir a
exploração econômica que o bem apresenta potencialmente.

Hely Lopes Meirelles (2012, p. 639) também defende o direito à


indenização nos casos de tombamento. O doutrinador é claro “Tombamento não é
confisco [...] não podem um ou alguns particulares ser sacrificados no seu direito de
propriedade sem a correspondente indenização reparatória do prejuízo ocasionado
pelo tombamento”.
Além destas correntes, como evidencia Paulo Magalhães da Costa
Coelho (2004, p. 492), havia ainda uma que defendia a obrigatoriedade de
desapropriação em caso de tombamento pelo interesse público do bem. Corrente
esta que atualmente encontra-se enfraquecida, sem muita significância.
Em resumo, pela maioria da doutrina, é admitida a indenização pelo
prejuízo sofrido (principalmente pelos autores que entendem o tombamento como
servidão administrativa), a desapropriação em algumas hipóteses e a inexistência do
direito de indenização em outros casos (casos entendidos como limitação
administrativa). Tal divergência acaba por influenciar também a jurisprudência, como
se demonstra adiante.

3.4 A POSIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA NOS PROCESSOS DE TOMBAMENTO

A jurisprudência não tem posição uniforme quanto à existência ou não do


direito à indenização nos casos de tombamento.
30

Mesmo dentro do Supremo Tribunal Federal encontram-se divergências.


O Ministro Joaquim Barbosa, em voto referente ao Agravo Regimental no Recurso
Extraordinário n. 361.127 declarou que “Não é qualquer tombamento que dá origem
ao dever de indenizar: é preciso demonstrar que o proprietário sofre um dano
especial, peculiar, no direito de propriedade” (BRASIL, 2012).
Já na decisão do referido Recurso Extraordinário, Joaquim Barbosa
entendeu pelo cabimento de indenização, tendo em vista que o tombamento
“aniquilou o valor econômico do bem” (BRASIL, STF, 2012).
Por outro lado, no julgamento do processo referente à Casa Modernista,
do arquiteto Gregori Warchavchick o Supremo Tribunal Federal entendeu ser caso
de desapropriação. A concessão da desapropriação indireta pelo ministro Celso de
Mello, foi baseada no fato de ser o tombamento um instrumento “[...] para proteção,
amparo e preservação do patrimônio cultural brasileiro. Quando, porém, ele resulta
no esvaziamento do conteúdo patrimonial, é necessário que o Poder Público
indenize seu proprietário” (BRASIL, STF, 2012). No caso concreto, o tombamento da
Casa Modernista impediu seu uso, daí a razão à indenização.
Em outra ocasião, desta vez referente ao tombamento do Bairro Cosme
Velho no Rio de Janeiro, o STF decidiu pelo não cabimento de indenização. Nesta
demanda o Supremo Tribunal Federal entendeu ser caso de “Limitação
administrativa genérica, gratuita e unilateral ao exercício do direito de propriedade,
em prol da memória da cidade” (BRASIL, 2002. grifo nosso).
Como se vê, a Corte suprema do país não possui entendimento pacífico
sobre a questão da indenização no tombamento. O mesmo se percebe no Superior
Tribunal de Justiça e demais Tribunais do país.
O STJ, no recurso de Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.
268044 (BRASIL, 2000), manteve a decisão a quo, concedendo indenização ao
proprietário de bem tombado. Contudo, no julgamento do Recurso Especial n.
1168632 (BRASIL, 2010) entendeu pelo não cabimento de indenização.
Já o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, é mais tendente à não
concessão de indenização ao proprietário de bens tombados. Isso pode ser
verificado nas decisões das Apelações Cíveis n. 2007.058098-73 (SANTA
CATARINA, 2008), n. 2010.024125-04 (SANTA CATARINA, 2013), entre outras.

3
PEDIDO ALTERNATIVO DE INDENIZAÇÃO. TITULARIDADE DA PROPRIEDADE PRESERVADA. DIREITO DE USO,
GOZO E FRUIÇÃO LIMITADOS APENAS QUANTO À SUA PARTE ESTRUTURAL. DEVER DE CONSERVAR AS SUAS
31

Como se vê, a questão da indenização nos processos de tombamento


ainda gera muitas discussões jurisprudenciais. Porém, ainda que não concedida a
indenização, cabe aos proprietários de bens tombados requerer outros incentivos
financeiros, conforme se verificará em seguida.

3.5 OS PROGRAMAS DE INCENTIVO

Apesar de a indenização nos casos de tombamento ainda gerar fortes


divergências doutrinarias e jurisprudenciais, alguns entes federativos estão
apostando em outras formas de incentivo aos proprietários de bens tombados.
Para Maria Teresa Fonseca Dias e Carlos Magno de Souza Paiva (2010,
p. 238), a concessão destes incentivos fiscais é uma forma que

[...] os proprietários de bens tombados, cujo valor histórico e artístico os


tornam essenciais para o desenvolvimento e preservação da herança e
identidade cultural de uma determinada sociedade, possuem como saída
sustentável, para a busca de recursos com o fim de manutenção do valor
cultural dos bens [...]

Dentre as formas de incentivo estão o desconto no imposto de renda,


isenção de Imposto Predial Territorial Urbano, entre outros, como levantado por
Marcos Paulo de Souza Miranda (2006, p.135):

No imposto de Renda de Pessoa Física, por exemplo, podem ser deduzidos


80% das despesas efetuadas para restaurar, preservar e conservar bens
tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

CARACTERÍSTICAS ORIGINAIS. VANTAGENS, ADEMAIS, CONCEDIDAS AO PROPRIETÁRIO. ISENÇÃO TRIBUTÁRIA.


DECRÉSCIMO ECONÔMICO NÃO EVIDENCIADO. DEVER DE INDENIZAR NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA MANTIDA.
"Constatando-se ainda que a indenização nos casos de tombamento apenas é devida quando as limitações impostas pelo
Poder Público acarretam o esvaziamento do valor econômico do imóvel, situação não verificada na presente actio, o pedido de
indenização por desapropriação não merece acolhimento."
4
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE CANCELAMENTO DE TOMBAMENTO - IMÓVEL TOMBADO PELO MUNICÍPIO DE
FLORIANÓPOLIS - BEM EM PÉSSIMO ESTADO DE CONSERVAÇÃO - DEVER DE CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO -
RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO - PEDIDO ALTERNATIVO DE INDENIZAÇÃO POR DESAPROPRIAÇÃO
INDIRETA - INDEFERIMENTO - POSSIBILIDADE DE EXPLORAÇÃO ECONÔMICA DO IMÓVEL - LIMITAÇÃO DA
PROPRIEDADE APENAS QUANTO À ESTRUTURA DO PRÉDIO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - VALOR EXCESSIVO -
REDUÇÃO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. De acordo com o que dispõe a legislação municipal de Florianópolis
incumbe ao proprietário o dever de conservação e restauração do bem tombado, exceto se o mesmo não possuir recursos
financeiros para tal, caso em que a responsabilidade passa ao Poder Público. Em se verificando que o apelante possui
condições financeiras para proceder a reforma do bem tombado, pois no local pretendia erguer um edifício com 10
apartamentos, bem como, que é proprietário de diversos imóveis na Capital, o tombamento deve ser mantido, cabendo àquele
providenciar a restauração do imóvel. Constatando-se ainda que a indenização nos casos de tombamento apenas é devida
quando as limitações impostas pelo Poder Público acarretam o esvaziamento do valor econômico do imóvel, situação não
verificada na presente actio, o pedido de indenização por desapropriação não merece acolhimento. No que diz respeito aos
honorários advocatícios, considerando o trabalho, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o
tempo exigido para o seu serviço, o valor inicialmente arbitrado em R$ 30.000,00 (trinta mil reais) mostra-se excessivo,
devendo ser reduzido para R$ 1.000,00 (hum mil reais), esse sim condizente e adequado ao caso em comento.
32

Existem alguns municípios que asseguram incentivos fiscais específicos


para conservação dos bens tombados, ou isentam seus proprietários do
IPTU.

Além destes, é ainda permitido que se transfira o direito de construir em


caso de imóveis em região que permita maiores edificações, inviabilizadas, contudo,
em razão do tombamento (Estatuto da Cidade. BRASIL, 2001).
Os programas de incentivo podem ser concedidos pelos Estados ou
Municípios. De acordo com levantamento de Paulo Affonso Leme Machado (2001, p.
856), Estados como Acre, Alagoas, Rio Grande do Norte, Paraíba, Espirito Santo,
Bahia, Sergipe, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, São Paulo, preveem de alguma
forma incentivos aos proprietários de bens tombados. Como se verá adiante, no
Estado de Santa Catarina, especificamente no Município de Florianópolis, existem
diversas formas de incentivo fiscal com o intuito de preservar o patrimônio histórico e
cultural do local.

3.5.1 Desconto no Imposto de Renda

O Governo Federal, ao promulgar a Lei n. 8.313/91, conhecida como Lei


Rouanet (BRASIL, 1991), instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura, o qual
prevê desconto no imposto de renda de proprietários de bens tombados.
Como destacam Maria Tereza Fonseca Dias e Carlos Magno de Souza
Miranda, (2010, p. 240), “a captação de recursos para a preservação de bens
imóveis tombados poderá ocorrer através de doações ou patrocínio a projetos
culturais que envolvam a preservação de bens tombados”.
Destas doações ou patrocínios, poderá ser deduzido o imposto de renda,
conforme versa o artigo 26 da Lei n. 8.313/91 (BRASIL, 1991):

Art. 26. O doador ou patrocinador poderá deduzir do imposto devido na


declaração do Imposto sobre a Renda os valores efetivamente contribuídos
em favor de projetos culturais aprovados de acordo com os dispositivos
desta Lei, tendo como base os seguintes percentuais:
I - no caso das pessoas físicas, oitenta por cento das doações e sessenta
por cento dos patrocínios;
II - no caso das pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real,
quarenta por cento das doações e trinta por cento dos patrocínios.

Com base no citado dispositivo, somado ao artigo 24 do mesmo diploma


legal (BRASIL, 1991) a pessoa física que despender recursos “com o objetivo de
33

conservar, preservar ou restaurar bens de sua propriedade ou sob sua posse


legítima” obeterá desconto de até 80% oitenta por cento no imposto de renda,
referente a estes gastos.
No caso de pessoas jurídicas, também com base no artigo 24 da Lei n.
8.313/91 (BRASIL, 1991) que equipara os gastos com a conservação do bem
tombado à doação, o desconto será de até 40% (quarenta por cento) no imposto de
renda relativo a estas despesas.
Tais deduções, contudo, não poderão ultrapassar 4% (quatro por cento)
do imposto de renda devido, com base no artigo 5º da Lei n. 9.532/97 (BRASIL,
1997).
Outro requisito a ser respeitado para que se alcance a dedução do
imposto de renda é a aprovação do projeto pelo Ministério da Cultura, conforme
prevê o artigo 19 da Lei 8.313/91 (BRASIL, 1991). De acordo com este dispositivo,
“Os projetos culturais previstos nesta Lei serão apresentados ao Ministério da
Cultura [...] para aprovação de seu enquadramento nos objetivos do PRONAC
[Programa Nacional de Apoio à Cultura]”.
A Lei 8.313/91 (BRASIL, 1991) permite, portanto, que os gastos que o
proprietário vier a ter com seu bem, objeto do patrimônio histórico nacional, sejam
descontados do imposto de renda, após avaliação do Ministério da Cultura, com a
finalidade de incentivar o proprietário a manter seu bem sempre em bom estado de
conservação.

3.5.2 O Programa Monumenta

O Programa Monumenta, de iniciativa do Ministério da Cultura, tem como


objetivo a recuperação do patrimônio cultural urbano brasileiro, através da
“restauração e recuperação dos bens tombados e edificações localizadas nas áreas
de [intervenção do] projeto” (PROGRAMA MONUMENTA, 2013).
Além de estimular e promover a restauração e conservação de bens
públicos, o programa Monumenta promove financiamentos facilitados para
proprietários de bens tombados. Nestes casos “a taxa de juro é zero e os prazos
variam de dez a vinte anos [...] e as parcelas do financiamento começam a ser
pagas seis meses após a conclusão das obras” (PROGRAMA MONUMENTA, 2013),
34

para financiamentos que tenham como objeto a recuperação de fachadas,


coberturas, estruturas e reparos de imóveis considerados patrimônios culturais.
Para ter acesso a este financiamento, o Município ou Estado deverá
lançar um edital público, para que os interessados apresentem suas propostas que,
se selecionadas, serão analisadas por equipes do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional – IPHAN e Caixa Econômica Feral. Com os projetos aprovados, os
proprietários assinam o contrato de financiamento e recebem os recursos para as
obras de restauração (PROGRAMA MONUMENTA, 2013).
O pagamento do financiamento é destinado ao Fundo Municipal de
Preservação, visando dar continuidade aos trabalhos de preservação do patrimônio
histórico local (PROGRAMA MONUMENTA, 2013).
Além destes projetos nacionais, a legislação Estadual e Municipal
também poderão prever formas de incentivo à conservação de seu patrimônio,
conforme se demonstrará, especificamente em relação ao Município de
Florianópolis.

3.5.3 Desconto no Imposto Predial Territorial Urbano – O IPTU em


Florianópolis

Outra forma de incentivo ao proprietário de bem tombado encontrada pelo


legislador de alguns municípios é a isenção ou desconto no Imposto Predial
Territorial Urbano.
Na Cidade de Florianópolis, por exemplo, a Consolidação das Leis
Tributarias do Município – Lei Complementar n. 07/1997, em seu artigo 225
(FLORIANÓPOLIS, 1997), prevê o benefício da isenção do IPTU:

Art. 225 São isentos do imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial


Urbana:
(...)
VII - o imóvel que possua valor histórico, artístico e/ou cultural, tombado por
ato da autoridade competente, observado o dispostos no § 1º deste artigo.

A Prefeitura Municipal de Florianópolis concede este benefício em até 100%


do valor do IPTU, conforme ressalva feita relativa ao § 1º do artigo 225
(FLORIANÓPOLIS, 1997).
35

Para que se alcance tal benefício, no Município de Florianópolis, é


necessário fazer a requisição junto ao pró-cidadão, que, avaliando o estado de
conservação do imóvel estipulará o percentual a ser deduzido (FLORIANÓPOLIS,
PMF, 2013).

3.5.4 Transferência do Direito de Construir – O Município de Florianópolis

A transferência do direito de construir é mais uma forma de incentivo que


cabe ao proprietário de imóveis tombados.
O Estatuto da Cidade, Lei 10.257/01 (BRASIL, 2001), institui, em seu
artigo 4º, V, “o”, a transferência do direito de construir como instrumento da política
urbana. É, este instrumento, uma forma pela qual o Poder Público concede ao
proprietário de determinado imóvel, o direito de edificar em outro local, quando o
imóvel originário, por alguma razão, tem seu uso limitado.
Nos casos de tombamento, a transferência do direito de construir é uma
forma de compensação pela impossibilidade de se edificar nas proximidades do bem
tombado, e está prevista no artigo 35 do já mencionado Estatuto da Cidade
(BRASIL, 2001):

Art. 35. Lei municipal, baseada no plano diretor, poderá autorizar o


proprietário de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local,
ou alienar, mediante escritura pública, o direito de construir previsto no
plano diretor ou em legislação urbanística dele decorrente, quando o
referido imóvel for considerado necessário para fins de:
[...]
II – preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico,
ambiental, paisagístico, social ou cultural;

Como visto no aludido artigo, a transferência prevista pelo Estatuto da


Cidade deve ser regulada por Lei Municipal. No caso do Município de Florianópolis,
a lei que rege este incentivo é o Plano Diretor do Distrito Sede – Lei Complementar
n. 001/97 (FLORIANÓPOLIS, 1997), que o prevê como instrumento urbanístico, em
seu artigo 25, VIII.
A referida Lei conceitua a transferência do direito de construir como

[...] a autorização expedida pelo Município para que os proprietários de


imóveis urbanos possam edificar em outro local, ou alienar mediante
escritura pública, o potencial construtivo de determinado terreno [...]
(FLORIANÓPOLIS, 1997)
36

Isso ocorrerá nos casos de tombamento, conforme previsto no artigo 37, II


da mencionada lei (FLORIANÓPOLIS, 1997), para fins de preservação do imóvel
considerado de interesse histórico.
Já o artigo 79 da Lei Complementar n. 001/97 – Plano Diretor do Distrito
Sede (FLORIANÓPOLIS, 1997) assim preceitua: “Art. 79 - Nos seguintes casos, os
proprietários dos imóveis poderão exercer em outro local ou alienar mediante
escritura pública o direito de construir: [...] III - preservação do patrimônio histórico,
artístico e natural”.
Resta claro, portanto, que a transferência do direito de construir é uma
forma de compensação cabível em caso de tombamento, recepcionada pela
legislação do Município de Florianópolis.
Percebe-se, finalmente, que apesar das divergências quanto o cabimento
ou não de indenização, a legislação brasileira tem o intuito de estimular a
conservação do patrimônio nacional, criando formas de incentivos fiscais para que
os proprietários invistam em seus bens tombados, sem arcar sozinhos com os
prejuízos dele decorrentes.
37

4 PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO CULTURAL E O TOMBAMENTO DE IMÓVEIS


EM FLORIANÓPOLIS

Como demonstrado nos capítulos anteriores, uma das formas de proteção


ao patrimônio cultural prevista na legislação brasileira é o instituto do tombamento.
Este, como se verá adiante, pode ser decretado por qualquer ente da federação e
sobre qualquer tipo de bem, móvel, imóvel e até mesmo imaterial.
Dado ao imenso leque de objetos suscetíveis ao tombamento, após
análise de objetos e competências para tombá-lo, o presente trabalho focará seus
estudos nos casos de imóveis tombados por seu valor arquitetônico, na Cidade de
Florianópolis.

4.1 PATRIMÔNIO CULTURAL E OS BENS SUJEITOS AO TOMBAMENTO

O conceito de patrimônio cultural no Brasil é extenso, abrangendo bens


móveis, imóveis e, em alguns casos, imateriais. Assim é a previsão constitucional,
presente no artigo 216 da Carta Magna (BRASIL, 1988):

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza


material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

A respeito desse dispositivo, Marcos Paulo de Souza Miranda (2006,


p.51) observa que a Constituição caracteriza bens culturais não apenas como

[...] àqueles materializados em objetos físicos (tais como prédios históricos,


esculturas, livros raros, etc.), abrangendo também o chamado patrimônio
cultural intangível ou imaterial, constituída por elementos, tais como as
tradições, o folclore, os saberes, as línguas, as festas e manifestações
populares, etc., que passaram a receber expressamente a tutela de nosso
ordenamento.

O autor (2006, p.51) ressalta também a desnecessidade de


excepcionalidade ou monumentalidade, para que um bem seja considerado
38

patrimônio cultural, pois o que a Constituição busca proteger é a diversidade cultural


brasileira, em seus valores mais populares. Entendimento também defendido por
Édis Milaré (2011, p.318), ao defender que o patrimônio descrito na Constituição da
República Federativa do Brasil “não se trata somente daqueles [bens] eruditos ou
excepcionais, pois basta que tais bens sejam portadores de referência à identidade,
à ação, à memória dos diferentes grupos que formam a sociedade brasileira”.
Ainda com base na conceituação de patrimônio cultural trazida pela
Constituição, Inês Prado Soares (2009, p. 93) entende que a relação nela prevista é
“meramente exemplificativa, já que outros valores culturais, tais como os que
integram o patrimônio antropológico ou o patrimônio espeleológico do país, entre
outros, também fazem parte desse patrimônio”.
Outra ressalva faz Paulo Affonso Leme Machado (2001, p. 848), ao
afirmar que os incisos do citado artigo 216, da Constituição (BRASIL, 1998), são
bens materiais ou imateriais, que podem ser protegidos ainda que não demonstrem
qualquer vínculo com a identidade, a ação e a memória dos grupos formadores da
sociedade brasileira.
Para Marcos Paulo de Souza Miranda (2006, p.49), o conceito de
patrimônio cultural trazido pela Constituição brasileira é “um dos mais avançados do
mundo, mormente por sua abrangência, apta a dar guarida a bens que fazem parte
de um processo extremamente dinâmico e mutável”.
No mesmo sentido manifesta-se Édis Milaré (2011, p. 318) ao afirmar que
“[...] a Constituição abraçou os mais modernos conceitos científicos sobre a matéria
[patrimônio cultural]”.
Em síntese, Milaré afirma (2011, p.319):

[...] não se discute mais se o patrimônio cultural constitui-se apenas dos


bens de valor excepcional ou também daqueles de valor documental
cotidiano; se inclui monumentos individualizados ou igualmente conjuntos;
se dele faz parte tão só a arte erudita ou de igual modo a popular; se
contém apenas bens produzidos pela mão do homem ou mesmo os
naturais; se esses bens naturais envolvem somente aqueles de excepcional
valor paisagístico ou, inclusive, ecossistemas; se abrange bens tangíveis e
intangíveis.

A Constituição de 1988 vem de fato, e como afirmou Milaré (2011, p.319),


acabar com quaisquer discussões a respeito do tema. Todos os bens citados pelo
autor e elencados no já mencionado artigo 216 da Constituição (BRASIL, 1988)
39

fazem parte do Patrimônio Cultural Brasileiro, e assim o são por fazerem referência à
identidade, à ação e à memória dos grupos formadores da sociedade.
Além da previsão constitucional, a Lei do Tombamento (Decreto Lei n.
25/37, BRASIL, 1937), também traz suas definições acerca do patrimônio, por ela
chamado de histórico e artístico nacional. O artigo 1º da referida lei, como já visto,
define como patrimônio, os bens móveis ou imóveis que aflorem interesse público
em sua conservação. Contudo no mencionado dispositivo o Decreto Lei ainda
mantém o termo “excepcional valor” para considerar um bem patrimônio cultural.
Outrossim, no § 2º do mesmo artigo (BRASIL, 1937), há a previsão de
que monumentos naturais e paisagens de “feição notável”, equiparem-se aos bens
presentes no caput, podendo ser também considerados patrimônio nacional. O
Decreto Lei n. 25/37 (BRASIL, 1937), ainda elencando os bens sujeitos ao
tombamento, exclui dessa gama aqueles de origem estrangeira, listadas em seu
artigo 3º.
Ainda que a necessidade de “excepcional valor” e “feição notável” de um
bem para que seja considerado patrimônio cultural tenha sido superada pela
Constituição, o Decreto Lei permanece vigente no país e é ele quem dita os trâmites
para que se considere um bem patrimônio cultural, através do tombamento.
Assim, é necessário, após processo já estudado, que um bem seja
inscrito em um dos Livros do Tombo, como determina o artigo 1º do Decreto Lei n.
25/37 (BRASIL, 1937), para que seja elevado a patrimônio cultural.
Os quatro Livros do Tombo são elencados pelo artigo 4º do Decreto Lei
do Tombamento (BRASIL, 1937):

Art. 4º O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional possuirá


quatro Livros do Tombo, nos quais serão inscritas as obras a que se refere
o art. 1º desta lei, a saber:
1) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas
pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e
popular, e bem assim as mencionadas no § 2º do citado art. 1º.
2) no Livro do Tombo Histórico, as coisas de interêsse [sic] histórico e as
obras de arte histórica;
3) no Livro do Tombo das Belas Artes, as coisas de arte erudita, nacional ou
estrangeira;
4) no Livro do Tombo das Artes Aplicadas, as obras que se incluírem na
categoria das artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras.

Como afirmam Maria Tereza Fonseca Dias e Carlos Magno de Souza


Paiva (2010, p.59), “a identificação com a finalidade de inscrição no livro próprio é de
40

competência de órgãos públicos, por seus agentes credenciados, no âmbito federal,


estadual e municipal”.
Desta forma, possível verificar-se que um bem pode ser tombado em
esfera municipal, estadual e/ou federal. Isso decorre da competência em matéria de
tombamento atribuída aos entes pela Constituição.

4.2 COMPETÊNCIA PARA TOMBAR

A Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988)


determina as competências administrativa e legislativa dos entes federativos em
relação à preservação do patrimônio cultural nacional.
Segundo o artigo 23, incisos III, da Carta Magna (BRASIL, 1988),

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e


dos Municípios:
[...]
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico,
artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os
sítios arqueológicos;

A competência prevista é comum, ou seja, a Constituição não deixa


dúvidas: todos os entes da federação tem a obrigação, delegada pela Carta Maior,
de zelar pelo patrimônio cultural do país. Sobre competência comum, Vicente Paulo
e Marcelo Alexandrino (2009, p.317) elucidam:

A competência comum é uma competência administrativa, consubstanciada


na outorga à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios de
poder para atuar, paralelamente, sobre as respectivas matérias. Todos os
entes federativos exercem-na em condições de igualdade, sem nenhuma
relação de subordinação.

Neste caso, a atuação dos entes federativos é paralela, ou seja, cada


uma não exclui a dos demais, isso porque, como acima descrito, atuam em condição
de igualdade.
Já em relação à competência legislativa em matéria de patrimônio
cultural, a previsão constitucional está no artigo 24, inciso VII (BRASIL, 1988): “Art.
24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente
sobre: [...] VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e
paisagístico”.
41

Quanto à competência legislativa, importante ressaltar que a Constituição


não dá aos municípios a possibilidade de legislar, esta está restrita à União, Estados
e Distrito Federal.
Diz-se que a competência, nesse caso, é concorrente, pois, como
determina o parágrafo primeiro do aludido artigo (BRASIL, 1988), a União
estabelecerá normas gerais, que serão complementadas por normas estaduais, em
sua competência suplementar, conforme parágrafo segundo do mesmo dispositivo
constitucional.
Importante ressaltar que, como assevera José Afonso da Silva (2009, p.
276), em termos de competência concorrente, há certa relação de subordinação
entre as normas, tendo em vista que as normas suplementares editadas pelos
Estados ou pelo Distrito Federal não poderão contrarias as regras impostas pela
União.
Como visto, os Municípios não possuem competência para legislar sobre
matéria de patrimônio cultural. Todavia, reforçando a já mencionada competência do
artigo 23, III da Constituição, o artigo 30, inciso IX da Lei Maior (BRASIL, 1988),
define como competência municipal a proteção do patrimônio histórico-cultural local.
Impossível seria promover tal proteção se o Município não fosse dotado de
competência para criar suas normas sobre a matéria. Assim, conforme entendimento
de Paulo Magalhães da Costa Coelho (2004, p.489)

[...] não se pode perder de vista que, embora o artigo 24, VII, da
Constituição Federal não se refira aos Municípios, forneceu ele competência
genérica para legislar sobre assuntos de interesse local e promover a
proteção ao patrimônio histórico-cultural local.
Nada veda, portanto, e tudo recomenda que os Municípios venham a
legislar supletivamente sobre a matéria [...] respeitadas, evidentemente as
Constituições Federal e Estaduais, assim como a legislação ordinária
federal e estadual, que não poderão ser contrariadas.

Somando-se as competências acima descritas e o já estudado artigo 216


da Constituição da República Federativa do Brasil, conclui-se que União, Estados,
Distrito Federal e Municípios, todos possuem competência para efetivar o
tombamento.
Ressalta-se que a lei não exclui a possibilidade de um mesmo bem ser
tombado por todos os entes. “Também não há qualquer impedimento no sentido dos
entes federativos menores tombarem bens de propriedade dos entes maiores”
42

(MIRANDA, 2006, p.114), sendo que nestes casos o tombamento mantém-se como
ato soberano, imposto mesmo aos entes federativos hierarquicamente superiores.
A título de exemplificação, por fim, temos que o órgão responsável pelo
tombamento em âmbito nacional é o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional – IPHAN (IPHAN, 2013); em âmbito estadual, no Estado de Santa
Catariana, conforme artigo 4º da Lei Estadual n. 5.846/80 (SANTA CATARINA,
1980) tal competência é da Fundação Catarinense de Cultura – FCC; e finalmente a
proteção municipal é de responsabilidade do Serviço do Patrimônio Histórico,
Artístico e Natural do Município – SEPHAN (IPUF, 2013).

4.3 DANOS AOS BENS TOMBADOS E SANÇÕES APLICÁVEIS

Como visto no decorrer desse trabalho, o proprietário de um bem


tombado possui a obrigação de mantê-lo em bom estado de conservação, sendo
também competência do poder público promover sua proteção através, dentre
outras formas, da fiscalização.
A não obediência às exigências legais para manutenção do patrimônio
submete o proprietário a diversas sanções, tanto administrativas, quanto judiciais.
O Decreto Lei 25/37 (BRASIL, 1937), bem como o Decreto n. 6.514/2008
(BRASIL, 2008), prescrevem que a Administração Pública tem o dever de punir
qualquer ato ilícito que venha a prejudicar um bem tombado, utilizando como penas
administrativas, como descreve Paulo Affonso Leme Machado (2001, p. 890), a
multa, a demolição e a restauração obrigatória, esta não prevista pelo Decreto Lei
25/37, mas sim em algumas normas municipais, como a Lei 10.032 do Município de
São Paulo5.
A multa, como destaca Édis Milaré (2011, p. 334), “[...] além do caráter
punitivo, tem evidente papel preventivo e desestimulante às agressões ao patrimônio
cultural”. Dão azo à aplicação de multa, com base no Decreto n. 6.514 (BRASIL,
2008):

Art. 72. Destruir, inutilizar ou deteriorar:


I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão
judicial; ou

5
Art. 34 - Sem prejuízo das sanções estabelecidas nos artigos anteriores, o proprietário também ficará obrigado a reconstruir
ou restaurar o bem tombado às suas custas, de conformidade com as diretrizes traçadas pelo órgão técnico de apoio.
43

II - arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou


similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial:
Multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 500.000,00 (quinhentos mil
reais).

Art. 73. Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente


protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, em razão de seu
valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso,
arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade
competente ou em desacordo com a concedida:
Multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 200.000,00 (duzentos mil
reais).

Art. 74. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno,


assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico,
turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou
monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo
com a concedida:
Multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Art.75. Pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação alheia ou


monumento urbano:
Multa de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).
Parágrafo único. Se o ato for realizado em monumento ou coisa
tombada, a multa é aplicada em dobro. (grifo nosso)

As situações previstas nos dispositivos transcritos acabaram por derrogar


as multas previstas nos artigos 17 e 18 do Decreto Lei n. 25/37. Contudo, esse
decreto ainda prevê outros casos em que cabe aplicação de multa, como nas
seguintes hipóteses:

Art. 13. O tombamento definitivo dos bens de propriedade particular será,


por iniciativa do órgão competente do Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, transcrito para os devidos efeitos em livro a cargo dos
oficiais do registro de imóveis e averbado ao lado da transcrição do
domínio.
§ 1º No caso de transferência de propriedade dos bens de que trata êste
[sic] artigo, deverá o adquirente, dentro do prazo de trinta dias, sob pena de
multa de dez por cento sôbre [sic] o respectivo valor, fazê-la constar do
registro, ainda que se trate de transmissão judicial ou causa mortis.
§ 2º Na hipótese de deslocação de tais bens, deverá o proprietário, dentro
do mesmo prazo e sob pena da mesma multa, inscrevê-los no registro do
lugar para que tiverem sido deslocados.
§ 3º A transferência deve ser comunicada pelo adquirente, e a deslocação
pelo proprietário, ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
dentro do mesmo prazo e sob a mesma pena.

Art. 15. Tentada, a não ser no caso previsto no artigo anterior, a exportação,
para fora do país, da coisa tombada, será esta sequestrada pela União ou
pelo Estado em que se encontrar.
§ 1º Apurada a responsábilidade [sic] do proprietário, ser-lhe-á imposta a
multa de cincoenta [sic] por cento do valor da coisa, que permanecerá
sequestrada em garantia do pagamento, e até que êste [sic] se faça.
§ 2º No caso de reincidência, a multa será elevada ao dôbro [sic].
44

Art. 16. No caso de extravio ou furto de qualquer objéto [sic] tombado, o


respectivo proprietário deverá dar conhecimento do fáto [sic] ao Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dentro do prazo de cinco dias, sob
pena de multa de dez por cento sôbre [sic] o valor da coisa.

Art. 19. O proprietário de coisa tombada, que não dispuser de recursos para
proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer,
levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa
correspondente ao dobro da importância em que fôr [sic] avaliado o
dano sofrido pela mesma coisa.

Art. 20. As coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância permanente do


Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que poderá inspecioná-
los sempre que fôr [sic] julgado conveniente, não podendo os respectivos
proprietários ou responsáveis criar obstáculos à inspeção, sob pena de
multa de cem mil réis, elevada ao dôbro [sic] em caso de reincidência.

Art. 22. Em face da alienação onerosa de bens tombados, pertencentes a


pessôas [sic] naturais ou a pessôas [sic] jurídicas de direito privado, a
União, os Estados e os municípios terão, nesta ordem, o direito de
preferência.
[...]
§ 2º É nula alienação realizada com violação do disposto no parágrafo
anterior, ficando qualquer dos titulares do direito de preferência habilitado a
sequestrar a coisa e a impôr [sic] a multa de vinte por cento do seu valor
ao transmitente e ao adquirente, que serão por ela solidariamente
responsáveis. A nulidade será pronunciada, na forma da lei, pelo juiz que
conceder o sequestro, o qual só será levantado depois de paga a multa e se
qualquer dos titulares do direito de preferência não tiver adquirido a coisa no
prazo de trinta dias.

Art. 28. Nenhum objéto [sic] de natureza idêntica à dos referidos no art. 26
desta lei poderá ser posto à venda pelos comerciantes ou agentes de
leilões, sem que tenha sido préviamente [sic] autenticado pelo Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou por perito em que o mesmo se
louvar, sob pena de multa de cincoenta [sic] por cento sôbre [sic] o valor
atribuído ao objéto [sic]. (grifo nosso)

As multas acima propostas, como bem ressalva Édis Milaré (2011, p. 336)
possuem certa dificuldade de aplicação, “Isto porque as sanções originalmente
previstas no Dec.-Lei 25/1937 foram definidas com base em percentagem do valor
do dano sofrido, ou no valor da coisa tombada, que são de difícil determinação”.
Para o autor, o dano ao patrimônio atinge toda a sociedade e não pode resumir-se a
um dano material. Ele segue defendendo que

A derrubada de uma igreja colonial, por exemplo, constitui dano irreparável.


Um novo templo, mesmo que de aparência semelhante, não passará de
réplica, pois o patrimônio cultural autêntico já estará definitivamente perdido.
Do mesmo modo, se valorarmos imóveis tombados por seu valor de
mercado, provavelmente chegaremos a montantes irrisórios, tendo em vista
a idade do bem, seu estado, a ausência de equipamentos modernos como
os das moradias atuais, etc. Para uma avaliação mais justa do valor de um
bem cultural, ou do dano por ele sofrido, seria necessária a realização de,
45

no mínimo, uma perícia complexa e onerosa, que ainda assim seria passível
de intermináveis questionamentos judiciais.

É palpável, portanto, a necessidade de se atualizar as legislações que


regem nosso patrimônio. Além das dificuldades levantadas pelo autor, a aplicação
de regimentos antigos, com mais de 76 anos, impossibilita, até mesmo sua
utilização, como é o caso da multa de cem mil réis prevista pelo artigo 20 do Decreto
Lei 25/37 (BRASIL, 1937), inaplicável hodiernamente em razão da desvalorização
monetária.
Por estas razões, posiciona-se Paulo Affonso Leme Machado (2001,
p.891) no sentido de que para a aplicação das multas

[...] deverá levar-se em conta não somente o valor comercial ou de compra


e venda do mercado, mas devem-se ponderar os valores que são
protegidos na coisa tombada, onde há uma estimativa para o futuro da
necessidade de sua conservação. Portanto, um prédio em ruinas ou uma
mata em decadência não podem ser avaliados simplesmente pelos seus
valores atuais (às vezes reduzidos), mas pelo significado cultural e natural
da continuidade desses valores.

Dadas as dificuldades para aplicação de sanção pecuniária, outras são as


possibilidades dispostas à Administração Pública, como instrumento de defesa do
patrimônio cultural brasileiro. Entre elas estão o embargo de obra e a demolição ou
retirada de obra que prejudique o bem tombado.
A possibilidade de embargo de obra e demolição administrativa está
prevista, respectivamente, nos incisos VII e VIII, do artigo 3º, do Decreto n. 6.514
(BRASIL, 2008): “Art. 3o As infrações administrativas são punidas com as seguintes
sanções: [...] VII - embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas; VIII -
demolição de obra”.
Já o Decreto Lei 25/37 (BRASIL, 1937), apenas prescreve a possibilidade
de demolição, omitindo-se em relação ao embargo:

Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e


Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer
construção que lhe impeça ou reduza a visibílidade [sic], nem nela colocar
anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o
objéto [sic], impondo-se nêste [sic] caso a multa de cincoenta [sic] por cento
do valor do mesmo objéto [sic].
46

Exauridas as formas de sanções administrativas, existem ainda sanções


judiciais em casos de ocorrência dos crimes previstos pela Lei 9.605/98 (BRASIL,
1998).
A Lei dos Crimes Contra o Meio Ambiente (BRASIL, 1998) elenca em
seus artigos 62 a 65, os crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio
Cultural.
Conforme versa o artigo 62, é crime destruir, inutilizar ou deteriorar
qualquer bem protegido por lei, e a pena aplicada é de detenção, de um a três anos
e multa, reduzida em caso de crime culposo para seis meses a um ano de detenção
e multa. Importante ressalva faz Édis Milaré (2011, p. 340), ao afirmar que o bem
especialmente protegido por lei não necessita ser tombado.
Outro ponto, destacado por José Eduardo Ramos Rodrigues (2010, p.
275), diz respeito à criação do tipo culposo para o delito, tendo em vista que em
muitos casos, os danos causados aos imóveis decorrem de negligência de seu
proprietário.
O artigo 63 da Lei 9.605/98 (BRASIL, 1998), também tipificando um crime
contra o patrimônio, assim determina:

Art. 63. Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente


protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, em razão de seu
valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso,
arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade
competente ou em desacordo com a concedida:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Sobre este dispositivo, destaca Paulo Affonso Leme Machado (2001, p.


896), que “A alteração pode até ser para melhorar a edificação ou o local, mas o
crime fica materializado se não houver autorização da autoridade ou se a
modificação não obedecer aos limites da autorização”.
Tanto Paulo Affonso Leme Machado (2001, p. 896), quanto Marcos Paulo
de Souza Miranda (2006, p. 222), criticam o fato de a lei não prever a forma culposa
para o delito, visto que em muitos casos o dano é causado por imprudência,
negligência ou imperícia.
Já o artigo 64 da mesma Lei (BRASIL, 1998) prevê como crime “promover
construção em solo não edificável, ou no seu entorno”, com pena de seis meses a
um ano de detenção e multa. Édis Milará (2011, p. 341) aponta falha no dispositivo
47

por não mencionar que a proibição de edificar deve decorrer de lei, ato
administrativo ou decisão judicial.
Por último, o artigo 65 da Lei dos Crimes Contra o Meio Ambiente
(BRASIL, 1998) tipifica como crime “Pichar, ou por outro meio conspurcar edificação
ou monumento urbano”, com pena de detenção de três meses a um ano e multa. O
§ 1º do dispositivo aponta aumento de pena, para seis meses a um ano de detenção
e multa, em casos de monumento tombado.
Tal dispositivo foi modificado pela Lei 12.408/2011 (BRASIL, 2011), que
retirou do caput do artigo o verbo “grafitar”, declarando então, no § 2º que “Não
constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio
público ou privado mediante manifestação artística”, sendo sempre necessário o
consentimento do proprietário e a observância das normas de preservação e
conservação do patrimônio cultural nacional.
Verifica-se, portanto, que a legislação, ressalvados os problemas de
aplicação por sua desatualização, prevê diversas formas para proteção do
patrimônio cultural nacional. Contudo, como ensina Édis Milaré (2011, p. 342), as
leis pressupõem-se eficazes, mas devem ser auxiliadas por outros instrumentos,
como, no caso estudado, a cooperação da sociedade e a disponibilidade de
recursos do poder público para que alcancem seu objetivo.

4.4 IMÓVEIS TOMBADOS NO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS

Como visto anteriormente neste trabalho, o patrimônio cultural abrange


diversos tipos de bens. O foco desse estudo será o patrimônio composto por bens
imóveis tombados em razão de seu valor histórico no Município de Florianópolis.
De acordo com a Política de Preservação do Patrimônio Cultural de
Natureza Material, elaborado pelo Serviço do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural
do Município – SEPHAN, a política de proteção do patrimônio foi instalada no
Município de Florianópolis a partir do ano de 1974, sendo consolidada nos anos
seguintes (ADAMS; NUNES; ARAÚJO, 2012).
O mencionado estudo traz a informação de que os primeiros imóveis
tombados no Município de Florianópolis foram as quatro fortalezas do sistema
defensivo da ilha, Fortaleza de Santo Antônio, Fortaleza de São José da Ponta
48

Grossa, Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição e Forte de Santana, elevadas a


patrimônio cultural em 1938, em âmbito federal.
Posteriormente, em 1974, frente à importância de seus monumentos e
com o fim de garantir sua proteção, o Município de Florianópolis editou a Lei n.
1202/74 (FLORIANÓPOLIS, 1974), que dispõe sobre a proteção do patrimônio
histórico, artístico e natural do município e cria o órgão competente, o SEPHAN.
Florianópolis foi, com esta lei, o primeiro município a criar regras próprias relativas
ao tombamento em âmbito municipal.
A partir dessa norma, o SEPHAN, hoje integrante do Instituto de
Planejamento Urbano de Florianópolis – IPUF, passou a ser o órgão responsável
pela fiscalização e preservação do patrimônio da cidade.
De acordo com a Gerência do SEPHAN (ADAMS; NUNES; ARAÚJO,
2012), existem aproximadamente 500 edificações tombadas na cidade de
Florianópolis. Deste levantamento fazem parte os 10 conjuntos arquitetônicos
tombados na área central da cidade, quais sejam: o Conjunto do Centro Histórico;
Conjunto do Hospital de Caridade; Conjunto do Bairro Mato Grosso; Conjunto do
Bairro da Tronqueira; Conjunto da Rua General Bittencourt; Conjunto da Rua
Hermann Blumenau; Conjunto Nossa Senhora do Rosário; Conjunto da Praia de
Fora; Conjunto da Rua do Passeio; Conjunto Rita Maria; os núcleos históricos do
Ribeirão da Ilha, Santo Antônio de Lisboa, Lagoa da Conceição, Costa da Lagoa,
Canasvieiras e São Sebastião do Campeche; além de tombamentos isolados.
Ainda com base no estudo realizado pelo SEPHAN (ADAMS; NUNES;
ARAÚJO, 2012), estima-se que 60% dos bens integrantes do patrimônio material do
município de Florianópolis estão em bom estado de conservação, aproximadamente
30% estão em estado razoável, enquanto 10% encontram-se em precário estado de
conservação.
Dentre estes bens, alguns são tombados apenas em âmbito municipal,
outros estadual e alguns em âmbito nacional. Existem exemplares ainda, tombados
pelos três entes da federação, União, Estado de Santa Catarina e Município de
Florianópolis.
As quatro fortalezas da ilha, como já mencionada, são tombadas apenas
em âmbito federal. Já o Palácio Cruz e Souza, Atual Museu Histórico de Santa
Catarina e sede do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e o Museu do
Homem do Sambaqui, por exemplo, são tombados nas três esferas. Além deste,
49

dentre os edifícios de arquitetura oficial, são tombados em âmbito municipal a Antiga


Casa de Câmara e Cadeia, a Antiga Inspetoria de Rios e Portos e a Antiga
Alfândega, sendo que a última também é tombada pela União.
Como exemplares de arquitetura religiosa, dezessete imóveis são
tombados pelo município, sendo que destes, nove recebem também proteção
estadual, tais como a Catedral Metropolitana, a Igreja São Francisco de Paula, a
Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, entre outras.
Alguns elementos de infraestrutura e edifícios institucionais são também
objeto de tombamento em Florianópolis. Um dos mais famosos pontos turísticos da
ilha, a Ponte Hercílio Luz, por exemplo, é tombada em âmbito nacional, estadual e
municipal. Já o mercado público, neste mesmo rol, é protegido pela União e pelo
Município. Além destes, o Antigo Teatro Santa Isabel, a Antiga Escola de Aprendizes
Artífices, o Antigo Instituto Politécnico, a Antiga Escola Normal e a Antiga Estação
de Elevação Mecânica, são tombados em âmbito estadual e municipal. Os demais
equipamentos listados no Anexo A (ADAMS; NUNES; ARAÚJO, 2012) são
tombados apenas pelo Município de Florianópolis.
Muitas são as edificações de arquitetura vernacular elevadas a patrimônio
no Município de Florianópolis. Elas compreendem um total de 346 obras,
considerando aquelas integrantes de conjuntos históricos tombados de forma geral.
Deste catálogo, destaca-se a Casa Natal de Victor Meirelles e o Casarão e engenho
dos Andrade, tombados em âmbito estadual e municipal, a Antiga Chácara do ex
Governador Hercílio Luz, tombada apenas pelo Estado de Santa Catarina, uma
Edificação Rural na Costeira do Ribeirão, tombada pela União, entre outros
protegidos apenas pelas normas municipais.
Como visto, de toda essa listagem de bens, aproximadamente 40% não
estão em adequado estado de conservação. Aos proprietários desses, poderiam ser
aplicadas algumas das sanções já estudas, contudo, muitas vezes por inércia do
poder público, isto não ocorre. Nesses casos, em defesa do patrimônio e do direito à
sociedade a ter sua história preservada, surge a atuação do Ministério Público,
através de Ações Civis Públicas, Inquéritos Civis e Termos de Ajustamento de
Conduta.
50

4.5 A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA QUESTÃO DO TOMBAMENTO


NO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS

O Ministério Público, consagrado pela Constituição da República


Federativa do Brasil como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do
Estado, artigo 127 (BRASIL, 1988), tem como função precípua a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Para tal, conforme previsto pelo artigo 129, inciso III da Carta Magna
(BRASIL, 1988), tem total legitimidade para promover o inquérito civil e a ação civil
pública, com o objetivo da proteção do patrimônio público social, do meio ambiente e
de outros interesses difusos e coletivos.
A Lei da Ação Civil Pública, Lei 7.347/85 (BRASIL, 1985), defende em seu
artigo 1º, inciso III, o cabimento desse tipo de ação nas ações relativas a bens e
direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Somada a estas normas, a Lei Orgânica do Ministério Público Nacional,
Lei 8.625/93 (BRASIL, 1993) estabeleceu como função do Ministério Público a
promoção da ação civil pública para proteção, prevenção e reparação dos danos
causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico,
estético, histórico e paisagístico e a outros interesses difusos, coletivos e individuais
indisponíveis e homogêneos (art. 25, IV, “a”, da Lei n.º 8.625/93).
No Município de Florianópolis, existem duas Promotorias de Justiça
encarregadas de proteger os direitos sociais coletivos na área do meio ambiente. A
28ª e a 32ª Promotoria de Justiça, que atuam na área dos distritos do Centro,
Continente, Ribeirão da Ilha, Pântano do Sul e Campeche; e , na área dos distritos
de Canasvieiras, Cachoeira do Bom Jesus, Ingleses, Rio Vermelho, Ratones, Santo
Antônio de Lisboa, Lagoa da Conceição e Barra da Lagoa, respectivamente.
A atuação delas está pautada na prevenção e repressão dos diversos
crimes ambientais, incluindo aqueles em prejuízo do patrimônio cultural, bem como a
recuperação das áreas degradas e a compensação da sociedade pelos danos
causados.
Para exercer sua função, como já visto, o Ministério Público tem em mãos
três formas de atuação: o Inquérito Civil, o Termo de Ajustamento de Conduta e a
Ação Civil Pública.
51

4.5.1 Inquéritos Civis

O inquérito Civil Público está previsto no § 1º do artigo 8º, da Lei n.


7.347/85 (BRASIL, 1985) e foi recepcionado pelo artigo 129, inciso III da
Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988).
Trata-se de um instrumento conferido com exclusividade ao Ministério
Público, que, de acordo com a conceituação de Hugo Nigro Mazzilli (2000, p.53),

O Inquérito Civil é uma investigação administrativa prévia, presidida pelo


Ministério Público, que se destina basicamente a colher elementos de
convicção para que o próprio órgão ministerial possa identificar se ocorre
circunstância que enseje eventual propositura de ação civil pública.

Sendo um instrumento inquisitivo, como destaca Marcos Paulo de Souza


Miranda (2006, p. 186), não está o inquérito civil sujeito ao contraditório e à ampla
defesa. Isso porque, de acordo com os ensinamentos de Édis Milaré (2011, p. 1356),
“[...] não se trata de processo administrativo destinado a aplicação de pena ou
sanção, mas, como se disse, de mero procedimento voltado à apuração dos fatos
para embasar futura e eventual ação judicial”.
Marcos Paulo de Souza Miranda (2006, p. 186), ressalta ainda que
apesar de muitas vezes embasar uma Ação Civil Pública, o inquérito civil não é
instrumento obrigatório à propositura daquela, sendo apenas faculdade do Ministério
Público sua instauração.
A utilização do inquérito civil na área ambiental e de defesa do patrimônio
cultural é crescente. Como destaca Ana Maria Moreira Marchesan (2006, p. 244),
“Nesses casos o promotor atua tensionando o poder público e, por vezes,
particulares, a buscarem soluções para que bens dotados de valor cultural,
tombados ou não, escapem de tombamento no sentido físico da palavra”.
O Ministério Público de Santa Catarina, através de sua 28ª Promotoria de
Justiça da Capital, faz uso deste procedimento administrativo em defesa do meio
ambiente e do patrimônio cultural. Ressalta-se aqui, que, apesar de a 32ª Promotoria
de Justiça também ser responsável, como visto, pela garantia preservação do
patrimônio, em pesquisa realizada neste órgão, nada se verificou sobre a matéria,
nem em âmbito extrajudicial com inquéritos civis e termos de ajustamento de
conduta, tampouco em processos judiciais, como ações civis públicas e ações
penais.
52

Assim, analisam-se neste estudo os casos de competência da 28ª


Promotoria de Justiça. Atualmente estão em andamento na mencionada Promotoria
de Justiça dezesseis inquéritos civis referentes a imóveis tombados. São eles:
A) Inquérito Civil n. 06.2008.295-5, referente à despoluição visual em
imóveis tombados nas ruas Felipe Schmidt, Conselheiro Mafra e transversais;
B) Inquérito Civil n. 06.2008.325-5, relativo a obras irregulares realizadas
no “Casarão”, anexo ao Hospital de Caridade, na Rua Menino Deus, 380;
C) Inquérito Civil n. 06.2008.333-5, instaurado para apurar supostas
obras clandestinas e irregulares em imóveis tombados na Rua Conselheiro Mafra;
D) Inquérito Civil n. 06.2008.574-1, visando investigar problemas na
estrutura do prédio da Escola Antonieta de Barros, edifício tombado em âmbito
municipal;
E) Inquérito Civil n. 06.2011.4094-4, buscando a restauração de imóvel
tombado pelos Decretos Municipais n. 270/86 e n. 521/89, localizado na Rua
Conselheiro Mafra;
F) Inquérito Civil n. 06.2011.5180-3, referente à construção irregular
possivelmente causando danos à Catedral Metropolitana de Florianópolis e ao
Palácio Cruz e Souza, ambos imóveis tombados;
G) Inquérito Civil n. 06.2011.6355-5, relativo à reforma irregular em um
edifício tombado, sem licenciamento dos órgãos competentes, na Rua Almirante
Lamego, n. 1147;
H) Inquérito Civil n. 06.2012.1326-3, instaurado para apurar a
regularidade do tombamento do Edifício Normandie diante do seu valor histórico e
cultural, situado na Rua Desembargador Pedro Silva, nº 1798, bairro de Coqueiros;
I) Inquérito Civil n. 06.2012.6129-9, que investiga a suposta omissão por
parte do poder público em relação à preservação do patrimônio documental de
Florianópolis;
J) Inquérito Civil n. 06.2012.8075-2, relativo à situação de risco em que
se encontra o espeleológico localizado no loteamento “'Jardim Recanto da Ilha”, na
Rodovia Virgílio Várzea, Saco Grande;
K) Inquérito Civil n. 06.2013.118-2, visando a análise dos critérios
utilizados na concessão de licenciamentos ou autorizações para construção no
entorno de imóveis integrantes do Patrimônio Cultural de Florianópolis;
53

L) Inquérito Civil n. 06.2013.6872-0, instaurado para verificar a


regularidade de alteração da volumetria original de imóvel tombado pelos Decretos
Municipais n. 270/86 e n. 521/89, na Rua Conselheiro Mafra, n. 538;
M) Inquérito Civil 06.2013.6969-5, referente à possível demolição de um
casarão tombado, localizada na Rua Presidente Coutinho, 245, Centro;
N) Inquérito Civil n. 06.2013.6972-9, com o intuito de investigar a
regularidade da demolição de imóvel em processo de tombamento, na Rua Ferreira
Lima, n° 221, Centro;
O) Inquérito Civil n. 06.2013.9863-5, referente à demolição de um Imóvel
Tombado pelo Município de Florianópolis localizado na Rua Henrique Valgas 290.
P) Inquérito Civil n. 06.2013.12288-5, instaurado para averiguar possíveis
irregularidades na supressão do “Box 5” da Ala Sul e respectivas alterações no
aspecto interno do Mercado Público de Florianópolis.
O andamento de cada um dos inquéritos civis ocorre levando-se em
consideração as diferenças de cada caso concreto, não sendo possível a análise de
todos neste estudo, mas um destes casos será analisado com mais detalhes na
sequência.

4.5.1.1 Análise do Caso Concreto

O Inquérito Civil n. 06.2013.6872-0, foi instaurado em 05 de junho de


2013, com o objetivo de apurar supostas irregularidades encontradas na alteração
da volumetria do imóvel tombado pelos Decretos Municipais n. 270/86 e n. 521/89.
Deu-se início ao procedimento através do ofício n. 0008/2013, da
Gerência do Serviço do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural do Município. De
acordo com este documento, o imóvel faz parte do Conjunto tombado pelo Decreto
Municipal n. 270/86 e é classificado pelo Decreto Municipal n. 521/89 como P2, ou
seja, não é admitida sua demolição, sendo obrigatória sua restauração, com a
recuperação de fachadas e cobertura. Todavia, ainda com base no documento do
SEPHAN, verificou-se a alteração irregular da volumetria original do imóvel.
No decorrer do processo, depois de notificados os órgãos públicos
responsáveis pela preservação do patrimônio no Município de Florianópolis, o
Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis, através do Serviço do Patrimônio
54

Histórico, Artístico e Natural do Município, encaminhou dossiê detalhado das


irregularidades constantes no imóvel (Anexo B).
A atuação do Ministério Público faz-se necessária, tendo em vista que o
imóvel é parte do patrimônio da cidade e está sendo descaracterizado,
Com o intuito de resgatar as características arquitetônicas e parte da
história do Município, tendo em vista a possibilidade de desfazimento das obras
irregulares, o Parquet Estadual, no uso de suas atribuições legais decidiu pela
realização de reunião, onde será discutida a assinatura de um Termo de
Ajustamento de Conduta, instrumento apto a exigir do proprietário do bem tombado
a adequação deste aos critérios exigidos em lei.

4.5.2 Compromisso de Ajustamento de Conduta

O compromisso de ajustamento de conduta, firmado pelo termo de


ajustamento de conduta é instrumento extrajudicial indispensável ao Ministério
Público para a defesa dos interesses difusos e coletivos.
Com previsão no artigo 5º, § 6°, da Lei 7.347/85 (BRASIL, 1985), o termo
de ajustamento de conduta permite que o Ministério Público tome dos interessados
“o compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante
cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”.
Para Daniel Roberto Fink (2002, p. 139),

Há vantagens do ajustamento de conduta em relação ao processo judicial


representado pela ação civil pública. Portanto, antes de se lançar mão de
tão desgastante, cara e difícil solução para o conflito ambiental, deve-se
buscar a via da negociação, por meio da qual todos encontrarão seus
lugares e ao final do processo sairão muito mais fortalecidos do que se
fossem obrigados a obedecer um comando frio e inexorável de uma
sentença.

A utilização deste meio de resolução de conflitos é, como ensina Édis


Milaré (2011, p. 1380), uma alternativa extrajudicial que “ajuda a descongestionar os
Tribunais, tornando-se um atalho cada vez mais procurado para a superação do
excesso de formalismo do aparelho judiciário”.
Vale ressaltar que essa forma de desafogo do poder judiciário, como
destaca Inês Virgínia Prado Soares (2009, p. 351), deve sempre “ser estabelecido
em favor da tutela dos direitos transindividuais” e “dentro da estrita previsão legal”.
55

Finalmente, de acordo com entendimento de Marcos Paulo de Souza


Miranda (2006, p. 188), “o termo de ajustamento de conduta, quando possível, deve
ser sempre privilegiado em detrimento do aforamento de ações civis públicas”.
Este também é o entendimento e a forma de ação do Ministério Público
de Santa Catarina, que possui, na 28ª Promotoria de Justiça, três Termos de
Ajustamento de Conduta relativos ao patrimônio cultural. São eles:
A) Termo de Ajustamento de Conduta n. 09.2009.196-0, referente à
demolição de imóvel tombado, localizado na Escadaria do Rosário, Centro,
Florianópolis;
B) Termo de Ajustamento de Conduta n. 09.2009.99-0, relativo à
descaracterização de um imóvel tombado e em área de preservação cultural, sem
autorização, situado na Rua Almirante Alvim, n. 391, Centro, Florianópolis;
C) Termo de Ajustamento de Conduta n. 09.2010.230-4, que visa
investigar suposta irregularidade na reforma da Capela do Hospital de Caridade,
imóvel tombado pelo Município de Florianópolis;
Dentre estes, será analisado com mais pausar, o Termo de Ajustamento
de Conduta n. 09.2009.196-0.

4.5.2.2 Análise do Caso Concreto

O Termo de Ajustamento de Conduta n. 09.2009.196-0 foi alcançado


após investigações realizadas no Inquérito Civil n. 06.2009.986-0. Durante estas
investigações foi constatado pelo IPUF/SEPHAN que o imóvel situado à Rua
Marechal Guilherme, n. 71, tombado pelos Decretos Municipais n. 270/86 e n.
521/89, sofreu uma reforma em desacordo com o projeto aprovado pelo órgão
municipal responsável.
Assim, quatro meses após a instauração do mencionado Inquérito Civil,
em 02 de outubro de 2009, ficou decidido em reunião a formalização do Termo de
Ajustamento de Conduta.
Neste termo de ajustamento de conduta, o compromissário obrigou-se,
entre outras coisas, constantes no Anexo C, a reconstruir o imóvel tombado
seguindo os parâmetros do parecer técnico do IPUF, ou seja, obedecendo a
volumetria original do imóvel, a área construtiva preexistente, a releitura da fachada
original a utilização de materiais tradicionais, no prazo de 180 dias.
56

Além das obrigações relativas diretamente ao imóvel danificado, foi


imposta medida compensatória ao compromissário. Esta consiste na restauração da
cobertura da Casa de Câmara e Cadeia, situada na Praça XV de Novembro, no
prazo de 120 dias.
Ressaltou-se em cláusula deste termo de ajustamento de conduta o fato
de a inexecução do compromisso permitir ao Ministério Público a imediata execução
judicial deste, tendo em vista que, como visto, trata-se de título executivo
extrajudicial.
Após o prazo determinado no compromisso de ajustamento de conduta foi
realizada nova reunião entre o compromissário, o Ministério Público e o órgão
fiscalizador – IPUF/SEPHAN – onde foi verificado o cumprimento de todas as
cláusulas do termo.
Desta forma, os autos foram arquivados e o problema solucionado sem
que fosse necessário acionar o poder judiciário. Em alguns casos, por outro lado,
não se alcança o acordo de forma extrajudicial, quando então, através da Ação Civil
Pública, busca-se a solução para a lide no poder judiciário.

4.5.3 Ações Civis Públicas

Em alguns casos, quando não se alcança a solução em meio extrajudicial,


a ação civil pública é o instrumento disponível ao membro do Ministério Público para
fazer a proteção dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Sobre estes interesses Édis Milaré (2011, p. 1412) esclarece que difuso é
“[...] o direito transindividual, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas
indeterminadas, ligadas entre si por circunstâncias de fato”. Considera o autor direito
coletivo “[...] os direitos transindivuduais, de natureza indivisível, de que sejam
titulares grupo, categoria ou classe de pessoas, ligadas entre si ou com a parte
contrária por uma relação jurídica base”. Por último e por definição do mesmo autor,
individuais homogêneos “[...] compreendem aqueles direitos que têm origem
comum”.
Em atendimento à previsão constitucional, especificamente ao inciso III do
artigo 129 da Carta Magna brasileira, a ação civil pública é largamente utilizada pelo
Ministério Público, para tutela de interesses não individuais.
57

Dentre estes interesses, como visto anteriormente, está a defesa do


patrimônio cultural nacional, com base no artigo 1º, inciso III da Lei n. 7437/85
(BRASIL, 1985) e como defendido por Marcos Paulo de Souza Miranda (2006, p.
170),

A ação civil pública é, sem dúvida alguma, o mais importante e eficaz


instrumento processual existente no ordenamento jurídico brasileiro apto a
promover, através do acionamento do Judiciário, a proteção dos bens
integrantes do patrimônio cultural nacional.

A importância deste instrumento processual é exaltada por José Eduardo


Rodrigues (2010, p. 370) que defende que sua utilização

[...] tem se mostrado extremamente útil, em casos de omissão dos Poderes


Executivo e Legislativo e na iminência da destruição, deterioração ou
mutilação de um bem ou conjunto de bens de valor cultura, como
instrumento disponível pela sociedade civil para invocar a necessária tutela
do Poder Judiciário.

Para tornar ainda mais efetiva a tutela pelos bens culturais e pelo meio
ambiente, a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.437/85. BRASIL, 1985) instituiu em
seu artigo 13 o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, regulamentado pelo Decreto
1.306/94 (BRASIL, 1994). Este Fundo, como destaca Inês Virgínia Prado Soares
(2009, p. 367)
[...] tem por finalidade a reparação de danos causados ao meio ambiente,
ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico e é constituído por recursos arrecadados em
condenações judiciais previstas na Lei 7.437/85 e Lei 7.908, nas multas
referidas nas Leis 8.884/94, 8.078/90 e 7.853/89, e por doações de pessoas
físicas e jurídicas, nacionais ou estrangeiras.

A ação civil pública é, pois, o instrumento judicial mais utilizado para


garantir a proteção do patrimônio cultural, em ordem de assegurar o direito da
sociedade de ter sua história conservada.
Na 28ª Promotoria de Justiça são três as ações civis públicas em
andamento referentes a esta matéria:
A) Ação Civil Pública n. 0082466-27.2009.8.24.0023, referente à
existência de irregularidades nas obras de restauração do Conjunto do Hospital de
Caridade, Rua Menino Deus;
58

B) Ação Civil Pública n. 0072272-60.2012.8.24.0023, ajuizada para coibir


a construção irregular em imóvel que abriga a “Casa Rosa”, bem tombado por seu
valor histórico, arquitetônico e artístico, localizado na Rua Bocaiúva, 1792;
C) Ação Civil Pública n. 001314-40.2013.8.24.0023, versando sobre
irregularidades encontradas em obras na “Peixaria do Nelson", estabelecimento
situado no Mercado Público Municipal, imóvel tombado;
Deste rol de procedimentos, optou-se por esmiuçar o caso da Ação Civil
Pública n. 001314-40.2013.8.24.0023.

4.5.3.1 Análise do Caso Concreto

A Ação Civil Pública n. 001314-40.2013.8.24.0023 originou-se do


Inquérito Civil n. 06.2008.000371-0 e foi intentada em face do proprietário do
estabelecimento “Peixaria do Nelson” e do Município de Florianópolis.
Pelas investigações do inquérito civil mencionado ficou constatado que o
proprietário do box "Peixaria do Nelson", localizada no interior do Mercado Público
Municipal, bem tombado individualmente pelo Decreto Municipal 035/84 e integrante
do conjunto tombado pelo Decreto Municipal n. 270/86 como patrimônio cultural,
recebeu reforma sem autorização dos órgãos responsáveis, portanto, de forma
irregular.
Após várias tentativas de resolver amigavelmente a situação, não restou
alternativa ao Parquet, senão a propositura da mencionada competente Ação Civil
Pública, para ver garantido o direito da coletividade de um meio ambiente cultural
preservado e adequado às diretrizes técnicas do órgão competente.
Nesta demanda, o pedido do Ministério Público consiste na condenação
ao réu particular na obrigação de regular seu estabelecimento, conforme as
recomendações feitas pelo IPUF, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00
(mil reais).
Já em relação ao Município de Florianópolis, o Parquet visa a
condenação daquele na obrigação de fazer consistente em fiscalizar a readequação
do box do mercado público em questão, conforme estabelecido pelo IPUF, além de
proceder todas as medidas necessárias (autuações, sanções administrativas, etc) no
sentido de coibir novas intervenções irregulares no imóvel tombado, sob pena de
multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
59

Apesar de ter sido ajuizada em março do corrente ano, até o momento


não houve qualquer decisão relativa ao caso. Isso prova, mais uma vez, que as
tentativas de solucionar a lide extrajudicialmente tornam-se mais céleres e
eficientes.

4.5.4 Ações Penais Públicas

Finalmente o último modo de garantir a proteção ao meio ambiente a que


pode fazer uso o Ministério Público é a Ação Penal. Tal prerrogativa tem previsão
constitucional: “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I -
promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;” (BRASIL, 1988).
Utilizada para coibir os delitos elencados pelo Decreto Lei n. 25/37, bem
como aqueles crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural, previstos
pela Lei 9.605/98, a ação penal nesses casos “é sempre pública incondicionada, de
iniciativa exclusiva do Ministério Público, porquanto o bem jurídico prevalecente é o
interesse público” (MILARÉ, 2011, p. 1489).
Para Marcos Paulo de Souza Miranda (2006, p. 206) a aplicação deste
novo instrumento penal na tutela do patrimônio cultural encontra dificuldades. É
necessário, de acordo com o autor, dissociar-se dos velhos paradigmas do direito
penal buscando a máxima eficácia dos novos instrumentos jurídicos, adequando-se
o ordenamento jurídico à atual realidade social.
Apesar de ordenamento jurídico prever esta forma de proteção do
patrimônio cultural, no momento não há nenhum processo penal relativo a esta
matéria em trâmite na 28ª Promotoria de Justiça.
Como estudado, não faltam formas e instrumentos à disposição do
Ministério Público e da sociedade para garantir a proteção do patrimônio cultural.
Contudo, para que não mais nos deparemos com situações de descaso com os
bens tombados é necessária maior conscientização da população, bem como
atividade mais efetiva do Poder Público, garantindo à sociedade o direito de ter sua
história conservada e preservada.
60

5 CONCLUSÃO

Como verificado no presente estudo, o extremo desejo pelo lucro,


presente no cotidiano de empreendedores imobiliários, acaba por transformar a
imagem da cidade. Isso porque, para dar espaço aos mais arrojados projetos
arquitetônicos, não medem esforços para destruir bens imóveis objetos do
patrimônio cultural, que outrora constituíam um belo cenário de tempos antigos.
Para tentar evitar que se percam todos os bens pertencentes à história da
sociedade brasileira, criou-se o instituto do tombamento. Este tem como objetivo a
proteção de todos os bens considerados patrimônio cultural.
Contudo, a eficácia do tombamento é muitas vezes questionada,
principalmente quando atinge bens imóveis de propriedade particular. Uma das
razões desta ineficácia seria a falta de indenização para o proprietário que tem o uso
de seu bem restrito em virtude do tombamento.
Se o proprietário não possuir recursos para manter seu bem em perfeito
estado de conservação, de nada adianta que o poder público simplesmente imponha
a este uma limitação. As políticas hoje existentes para incentivar os proprietários de
bens tombados são descentralizadas e, via de regra, ineficientes.
A ausência de indenização cria um paradoxo que põe em cheque,
inclusive o objetivo do instituto. Isto porque, nos casos de tombamento, o
proprietário tem o uso limitado de seu bem, uma vez que, via de regra, não pode
realizar as modificações e adequações que gostaria e que permitissem o
desenvolvimento econômico de seu imóvel.
Por outro lado o Poder Público ao tombar o imóvel não subsidia seu
proprietário a fim de compensar a possível valorização econômica que este teria
caso fosse passível de modificações. Isto não gera, até mesmo obsta que os donos
de imóveis com significativo valor histórico e cultural tenham interesse em vê-los
decretados como patrimônio cultural, através do tombamento.
Em consequência, os imóveis tombados acabam se deteriorando e a
sociedade é furtada de conviver com parte de sua história.
Verifica-se, portanto, que este instituto, ou ao menos da forma como ele
vem sendo empregado, muitas vezes não alcança seu principal fundamento, qual
seja o de conservar o bem e a história da sociedade. Isto é comprovado quando se
61

verificam diversos exemplares de edificações, tombados como patrimônio cultural,


em péssimo estado de conservação.
Infelizmente, no Município de Florianópolis nos deparamos com diversas
edificações que, apesar de protegidas, encontram-se mal conservadas. Como
verificado na pesquisa, 40% (quarenta por cento) dos imóveis tombados como
patrimônio cultural na Capital Catarinense não estão em bom estado de
conservação.
Para estes imóveis, muitos são os mecanismos de sanção, que, contudo,
carecem de aplicação pelo Poder Público. Tendo em vista a escassez de atuação da
administração pública e com o intuito de tentar coibir a degradação e promover a
proteção do patrimônio cultural, o Ministério Público de Santa Catarina vem atuando
através de Inquéritos Civis, Termos de Ajustamento de Conduta e Ações Civis
Públicas.
Como visto, os instrumentos para garantir a proteção do patrimônio são
muitos e se este não está devidamente conservado não é por falta de normas
jurídicas que o amparem. Não é apenas a atuação positiva por parte daqueles que
detém o poder de proteger os interesses da coletividade que será a solução para a
problemática abordada.
Infelizmente a consciência e a cultura da sociedade em nosso país não
valoriza a inestimável riqueza cultural nacional, fazendo com que muitos exemplares
da nossa história se percam no curso do tempo.
Verifica-se que o instituto do tombamento não alcança, em grande parte
dos casos, seu principal objetivo. Assim, necessário se faz que o Poder Público,
através de todas suas esferas – Legislativa, Executiva e Judiciária – e instrumentos
legais disponíveis, atue de forma mais contundente e eficaz para que o legado da
desta sociedade possa ser usufruído pelas gerações futuras.
62

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67

ANEXOS
68

ANEXO A – Política de Preservação do Patrimônio Cultural


69
70
71
72
73
74
75
76
77
78
79
80
81

ANEXO B – Dossiê Edificação Rua Conselheiro Mafra, n. 538


82
83
84
85
86
87
88
89
90
91

ANEXO C – ATA DE REUNIÃO


92
93
94
95

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