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escritores
Labirinto separou trechos de alguns diários para espiarmos de camarote
a vida dos outros – e que outros!
Por essas e outras (fofocas) informações, ler os diários dos outros é uma
delícia! Veja nossa seleção:
No trecho acima, ele conta a tarde de 1862 em que levou as três irmãs
Lidell para um passeio de barco no rio Tâmisa. É o fatídico dia em que a
história de Alice (nome de uma das irmãs) nasceu. Essa tarde dourada
reaparece em forma de versos no poema que Carroll escreve para o
prefácio de seu famoso livro, publicado em 1865.
30 de outubro de 1922
“A sensação da angústia total.
O que é que te prende mais sensivelmente a estes corpos claramente
delimitados, falantes, com olhos brilhantes, do que a outra coisa
qualquer, do que à caneta que tens na mão? Resultará do fato de que és
da mesma espécie? Tu, porém, não o és nada, aí está o motivo pelo qual
te fizeste esta pergunta.
A absoluta delimitação dos corpos humanos é horrível. O que existe de
singular, de indecifrável no fato de não submergir, de ser conduzido em
silêncio. Isso leva ao absurdo: “Eu, de minha parte, estaria perdido há
muito tempo’. Eu, de minha parte.” (p. 145)
26 de fevereiro de 1923
“Concedo – e a quem concedo? a esta missiva? – que existem em mim
possibilidades, possibilidades próximas, que ainda desconheço; precisa-
se somente achar o caminho e, logo que se encontra, ousar! Isso é muito
significativo: existem possibilidades, isso quer dizer que mesmo de um
valdevinos se pode fazer um homem honrado, um homem venturoso em
sua honorabilidade.
As tuas quimeras de um sonâmbulo acordado, nestes últimos tempos.”
(p.158)
12 de junho de 1924
“Sempre ansioso no instante de escrever. Isso se compreende. Cada
termo, na mão dos espíritos – este impulso da mão é o toque que os
caracteriza – torna-se uma flecha atirada àquele que fala. E muito
especialmente uma observação como esta. E assim até o infinito. O
consolo estaria em que pudéssemos dizer: Tal sucederá, quer o desejes,
ou não. E a tua parte de vontade apenas debilmete colabora. Mais do
que o consolo, seria poder verificar: Tu também possui armas.” (p. 163)
“52. Creio haver gente que pensa como eu, que pensou como eu, que
pensará como eu. Haverá aqueles que viverão ignorando minha
existência mas darão seguimento à minha atitude, como eu, por assim
dizer, dou sem saber continuidade à atitude similar dos que vieram antes
de mim. Posso escrever mais e mais. Basta um movimento da mão em
resposta ao impulso cerebral, treinada desde a infância a registrar em
nosso próprio sistema hieroglífico norte-americano as translações dos
estímulos externos. Quanto de meu cérebro pertence à minha vontade?
Quanto não passa de um endosso do que li, ouvi, vivi? Claro, realizo uma
espécie de síntese do que me acontece, mas isso é tudo que me
diferencia de outra pessoa? – - – Que eu topei com várias coisas e as
assimilei? Que meu ambiente e uma combinação fortuita de genes me
trouxeram até onde eu estou?”(p.63)
“53. Escreva sobre sua própria experiência. Graças a essa experiência
alguém pode se tornar um pouco mais rico interiormente, um dia. Leia
muito a respeito das experiências alheias em pensamentos e atos –
aproxime-se dos outros, mesmo que isso doa e canse e seja mais
confortável se recolher ao aconchego algodoado da bendita ignorância!
Salte para metas acima de sua cabeça e suporte as escoriações que
sofre quando escorrega e faz papel de boba. Tente sempre, enquanto
tiver alento no corpo, seguir pelo caminho mais difícil, à moda espartana
– e trabalhe, trabalhe, trabalhe para fazer de si uma entidade fértil, em
contínua evolução!” (p.64)
8 de julho de 1920
“Leio com atenção as cartas de Van Gogh a Theo. São documentos
comoventes sobre a pobreza e o trabalho desenfreado. Ele pinta em vez
e comer e calcula quanta pintura lhe presenteará a tuberculose! Não tem
sucesso, trabalha como um touro e vendo quase sempre o futuro mais
negro do que o presente, que á é negro demais. nelas pode-se aprender
muito, não apenas em relação ao aspecto humano. Talvez fosse,
proveitoso, se eu trabalhasse assim, taciturno e obstinado, sem dar muita
importância às inspirações e cuspindo nas ideias de efeito.” (p. 16)
10 de Outubro de 1921
“É certo que posso ser frio e cínico com aqueles que me são familiares.
Desacredito muitas coisas, como sou exigente! Mas às vezes só fico
triste, não furioso nem vingativo nem desdenhoso. Hoje uma moça que e
amava há anos foi descortês comigo. Queria tirar fotos e me deixou
esperando. Estou pouco ligando para seus sentimentos, mas a
descortesia me entristeceu como se tivesse importância” (p. 118)
Obs.: Scott: Sir Walter Scott (1771-1832), autor escocês que escreveu
Ivanhoé (1820) e Rob Roy (1817), livro que Vírginia Woolf também
relatava ler na época.
D: Fiódor Dostoiévski, autor russo que escreveu Crime e Castigo (1866)
e O Idiota (1869)
Obs.: Eliot: T.S. Eliot (1888-1965), um dos maiores poetas do século 20,
nascido nos Estados Unidos e naturalizado inglês.
Em 1918, o casal Woolf foi contatado para publicar Ulisses, um dos
maiores livros da literatura mundial até hoje, porém Leonard Woolf não
encontrou um tipógrafo que quisesse correr o risco de imprimir um livro
considerado obsceno pela lei. Ulisses foi publicado em Paris em 1922.
2 de janeiro
“Um diário, como o nome indica, é um registro cotidiano de experiências,
observações, sentimentos e atitudes do seu autor e das suas interações
com aqueles que o cercam. Pode ser que fique algum dia sem nada
escrever aqui, lacunas cronológicas certamente existirão. Na maioria dos
dias nada acontece de interessante comigo. Olhar, então, para o eu
passado? Eu não vivi tanto assim, tenho poucas lembranças e de
qualquer forma, como disse um colega, nossa memória sempre distorce
o passado conforme os interesses do presente, e a mais fiel
autobiografia mostra mais o que o autor é hoje do que o que foi ontem.
Anotar tudo o que acontece comigo no dia a dia? Registrar as frieiras que
descobri entre os dedos do pé direito e o antimicótico que estou
usando?” (p. 14)