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29/01/2021 Alteração da Lei de Improbidade Administrativa e restrição da legitimidade ativa | JOTA Info

ACCOUNTABILITY

Alteração da Lei de Improbidade Administrativa e restrição da


legitimidade ativa
PL 10.887/18 pretende excluir legitimidade concorrente dos entes públicos lesados: quais prejuízos da proposta?

VICTOR AGUIAR DE CARVALHO

29/01/2021 07:48

Crédito: Saulo Cruz/Agência Câmara

O Projeto de Lei no 10.887/2018, que tramita na Câmara dos Deputados, pretende alterar
substancialmente a Lei no 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa). Diversas re exões
já foram apresentadas em relação tanto ao texto originário do projeto, como ao substitutivo
elaborado pelo relator.

Neste artigo se analisa apenas uma questão especí ca: em ambas as versões do Projeto de
Lei no 10.887/2018 confere-se legitimidade ativa para o ajuizamento da ação apenas ao
Ministério Público, excluindo-se a atual legitimidade ativa concorrente por parte da pessoa
jurídica de direito público interessada.

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De acordo com a proposta, a pessoa jurídica lesada seria tão somente intimada para,
querendo, intervir no processo. Naturalmente, na ausência de legitimidade ativa para a
propositura de feitos da espécie, tampouco lhe competiria a iniciativa para soluções negociais
por meio dos acordos de não persecução cível.

Não parece que a rede de accountability brasileira se bene ciaria da concessão de


legitimidade exclusiva ao Ministério Público. Aliás, a multiplicidade institucional para a
proteção da integridade foi uma opção adotada pelo constituinte e reproduzida pelo legislador
infraconstitucional ao longo do tempo.

Nesse sentido, conferiram-se competências a diferentes órgãos – a exemplo do Ministério


Público, dos Tribunais de Contas e dos órgãos de advocacia pública – para, em suas esferas,
tutelar a probidade e a moralidade na gestão pública.

A multiplicidade institucional não é fruto de um acaso


legislativo, mas sim uma estratégia adotada na tentativa
de construção de uma rede de accountability mais efetiva.

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Abraçando-se a nomenclatura utilizada por Mariana Mota Prado e Lindsey Carson[1], há pelo
menos três potenciais benefícios da adoção desse modelo no que concerne à repressão à
improbidade administrativa: a compensação, a colaboração e a competição.

A atribuição de legitimidade a múltiplos órgãos resulta na possibilidade de compensação, que


signi ca que, se uma instituição falhar em desempenhar adequadamente as suas funções –
por qualquer razão que seja –, outra poderá suprir (compensar) a sua omissão.

O modelo permite, ainda, a colaboração interinstitucional, com a soma de mais recursos


humanos e nanceiros dedicados a alcançar uma nalidade pública comum.

Por m, pode incentivar uma salutar competição entre as diferentes autoridades públicas para
o exercício daquelas atribuições, criando incentivos para o aprimoramento da performance de
cada um[2].

A Lei no 12.846/2013 é um exemplo legislativo recente em que se reiterou o modelo de


controle pautado na multiplicidade institucional. Assim como ocorre na atual Lei de
Improbidade Administrativa, conferiu-se legitimidade concorrente ao Ministério Público e aos
entes públicos para o ajuizamento das demandas atinentes à responsabilização judicial das
pessoas jurídicas infratoras.

Ademais, em esfera federal, atribuiu-se a um terceiro órgão, a CGU, a competência


concorrente para instaurar e avocar processos administrativos de responsabilização atinentes
àquele diploma.

No mais, com o escopo de melhor tutelar os bens jurídicos sensíveis, em todo o


microssistema de tutela coletiva do qual a Lei no 8.429/1992 faz parte, adota-se como regra a
legitimidade concorrente entre diferentes atores para a inauguração do processo coletivo[3].

Mais do que isso, o histórico legislativo das últimas décadas retrata um movimento de
expansão do número de legitimados para a proteção de direitos coletivos, sendo certo que a
probidade administrativa e a moralidade são apenas dois exemplos desses direitos.

Como lembram Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., essa tendência se iniciou ainda em 1985,
com a permissão de que associações promovessem ações coletivas[4].

Em 2007, ampliou-se o rol de legitimados para ações civis públicas, a incluir também a
Defensoria Pública. Causa estranheza, portanto, que a proposta em exame caminhe na
contramão dessa consolidada tendência, excluindo a legitimidade da pessoa jurídica para
ajuizar uma demanda sancionatória em relação ao seu próprio direito lesado.

Ainda que, eventualmente, problemas de coordenação possam advir do modelo de


legitimidade plúrima, há outras formas de aperfeiçoar a interação interinstitucional, tais como
a celebração de acordos de cooperação ou a incorporação, no direito brasileiro, de soluções

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semelhantes à conferência de serviços italiana, sem a necessidade de atribuição de


legitimidade exclusiva a um único órgão para o ajuizamento de ações por ato de improbidade.

Cabe observar, ainda, que ações por ato de improbidade administrativa vêm sendo
efetivamente manejadas, na prática, como parte de políticas de tutela à integridade por
determinados órgãos de advocacia pública.

São exemplos de experiências recentes o Grupo de Ajuizamento decorrente de Acordos de


Leniência, no âmbito da AGU, e do Núcleo de Contencioso Estratégico e de Defesa da
Probidade, da PGE-RJ. Essas iniciativas – que se revelaram exitosas – tendem a ser extintas
na hipótese de aprovação da proposta em exame, em potencial prejuízo à defesa da coisa
pública.

Na justi cativa ao Projeto de Lei no 10.887/2018, sugere-se que a motivação para a proposta
examinada seria a de não ser razoável “manter-se questões de estado ao alvedrio das
alterações políticas”, indicando-se haver um “viés político-institucional” a ser observado.

Ora, se a salutar preocupação do legislador é a de evitar eventuais desvirtuamentos das ações


por improbidade administrativa para ns políticos, uma alternativa intermediária poderia ser
cogitada: restringir a legitimidade ativa para o ajuizamento do instrumento, bem como para a
celebração de acordos de não persecução cível, aos entes públicos que tivessem órgãos de
advocacia pública regularmente constituídos, nos termos do art. 133, CRFB/88.

Assim, evitar-se-ia que a tentativa de cura para um suposto mal identi cado pelo legislador
resultasse, indevidamente, em um remédio com efeitos nocivos para todo o sistema.

O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo
Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:

Sem Precedentes, ep. 48: o STF em 2020 e o que esp…


esp…

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[1] Convém esclarecer que as autoras versam sobre os potenciais benefícios, em termos

gerais, da multiplicidade institucional em estratégias anticorrupção, e não especi camente


sobre o regime sancionatório de atos de improbidade administrativa. CARSON, Lindsey D.;
PRADO, Mariana Mota. Brazilian Anti-Corruption Legislation and its Enforcement: Potential
Lessons for Institutional Design. IRIBA Working Paper, n. 09, July 2014, pp. 08-09.

[2] Idem. Um quarto possível benefício advindo de um desenho de multiplicidade institucional

para o enfrentamento da corrupção, na classi cação adotada por Mariana Mota Prado e
Lindsey Carson, seria a possível complementaridade, que se refere à atuação especializada de
uma instituição em uma determinada atividade, complementada pela expertise técnica de
outra organização em ação distinta. Esse não é o aspecto primordialmente tutelado quando
se adota a técnica de estabelecer a legitimidade ativa concorrente disjuntiva para o
ajuizamento de demanda, hipótese em que se valoriza, notadamente, as características de
compensação, colaboração e competição.

[3] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Teoria geral do processo. 31ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 381.

[4] DIDIER JR., Fredie, ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo.

11 ed. Salvador: Ed. JusPodivum, 2017, p. 217.

VICTOR AGUIAR DE CARVALHO – Doutorando e mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Procurador do estado do Rio de Janeiro e advogado. Foi também Visiting Researcher na Harvard Law School.

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