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O menino do lápis mágico

Uma história para tempos de quarentena Natasja Dantas


T udo começou com um lápis muito estranho. Ele era todo

retorcido e colorido com azul, amarelo, verde e castanho. O


lápis nascera no topo de uma árvore, a árvore favorita do
Francisco. Ou Chico, como o menino preferia ser chamado.
Chico morava em um prédio de uma rua tranquila e todo dia
ele ia até a árvore e subia nela. Às vezes, ele ia lá só para
esconder alguns tesouros e em outras, executava as suas mais
novas travessuras, como jogar pequenas frutinhas nas cabeças
das pessoas que passavam. Há pouco tempo ele construíra uma
pequena cabana naquela árvore, com pedaços de madeira que
achara e cordas em vez de pregos, para não machucar a sua
grande amiga. Quando ela finalmente ficou pronta, Chico ficou
olhando para a cabana com grande orgulho. De repente,
porém, algo desviou a sua atenção: algo azul e amarelo, no alto
da árvore e escondido entre as folhas. Muito curioso, Chico foi
subindo de galho em galho, até chegar mais alto do que ele já
fora em todos esses anos. Equilibrando-se com muito cuidado,
ele se aproximou daquela coisa, colocando um pé atrás do
outro no galho fino... Finalmente, esticou a mão e tocou o
objeto. Ele descobriu que era o finalzinho de um galho da
árvore e quando tentou olhar melhor, aquela parte quebrou
com muita facilidade. Uma vez nas mãos dele, ele pôde
claramente ver: era um lápis. Um lápis muito estranho,
crescido na árvore...
Por bastante tempo o lápis ficou guardado na caixa de
tesouros do Chico, embaixo da cama dele. Então, de repente, a
sua vida mudou completamente. Os jornais começaram a
anunciar a chegada de uma grande epidemia e ficou decidido
que todas as crianças da cidade do Chico precisavam ficar em
casa, de quarentena. Depois de poucos dias, Chico sentiu que já
estava ficando maluco. Sentia vontade de correr, de brincar, de
sair. Ele estava vendo bastante televisão, mas nem isso
conseguia mais cativar a sua atenção. Muito chateado, ele
deitou na sua cama com os braços cruzados, indignado com a
vida e os limites que lhe eram impostos. Ficou assim por
bastante tempo, até que de repente se lembrou daquele lápis,
aquele lápis estranho. E se fosse desenhar com aquele lápis?
Rapidamente ele pulou da sua cama e puxou debaixo dela a
caixa de seus tesouros. Então pegou o lápis e seu bloco com
papéis brancos para desenhar. A primeira coisa que ele
desenhou foi uma porta, uma porta aberta, que era o que ele
mais queria ver no momento. Ele deu a ela tons dourados e
desenhou plantas trepadeiras que cresciam em volta dela. Era
uma porta de um muro de grandes pedras.
Chico só soltou o lápis quando sua mãe o chamou para jantar.
Um pouco mais tarde, ele foi dormir. O papel e o lápis ficaram
ali na sua mesinha a noite inteira...


Chico não notou nada quando acordou. Passaram várias horas
até que ele se sentasse na sua mesinha. Quando ele chegou lá,
porém, ele levou um susto. Não acreditou no que estava vendo!
Atrás da porta aberta no papel, ele viu uma menina desenhada.
Uma menina com longos cabelos pretos e encaracolados, que
pareciam voar ao vento. Ela usava óculos e parecia estar a
caminho da escola. Como será que era sua escola? Será que ela
tinha muitos amigos?
Ele virou a página rapidamente, mas não viu nada lá. Então,
ele começou a desenhar a escola dela. Uma escola com um
grande jardim, em que muitas crianças brincavam.
Quando terminou esse desenho, algo extraordinário aconteceu.
O desenho começou a se mexer! Ali ele viu a menina, sentada
um pouco longe das outras crianças. Ela parecia triste e logo
ele descobriu por que: outras crianças estavam lhe falando
coisas feias a respeito dos seus óculos, rindo da menina em alto
tom. Chico começou a sentir muita raiva e o que ele mais
desejava naquele momento era entrar no desenho para ensinar
uma lição àquelas crianças que ainda não haviam aprendido a
respeitar.
Algum tempo depois, ele viu que os pais das crianças estavam
chegando e a menina e seu pai foram andar para casa. Eles
saíram da página e Chico não conseguiu mais vê-los; então
rapidamente ele virou a página para desenhar a rua. E lá eles
apareceram; lado a lado. A menina caminhava distraída,
olhando para o chão, chutando pequenas pedrinhas com seus
pés. Quando se deu conta, já era tarde: sem querer ela pisou
em uma flor, uma pequena flor branca que ela com dificuldade
enxergou na calçada. Ela soltou a mão do pai rapidamente,
abaixando-se para ajudar a flor esmagada. Finalmente ela
conseguiu colocar a florzinha em pé, mas os seus óculos
escorregaram pelo nariz e caíram no chão em mil pedaços.
Então, ela não conseguiu mais segurar as suas lágrimas.
Chorou até chegar em casa, desejando ter um amigo de
verdade.
- Eu posso ser seu amigo! - exclamou Chico.
Mas ela não ouviu seu grito, pois já haviam saído da página.
Ele a virou e na próxima começou a desenhar algo especial:
um presente que queria dar à menina. Uns óculos mágicos...
Desenhou com mais detalhes e dedicação do que ele já havia
desenhado em toda a sua vida. Eram óculos de cores suaves e
cobertos de pequenas flores. Ele pensou que isso combinaria
com a menina. Seriam óculos mágicos e com eles, ela iria
conseguir ver mais do que qualquer outra criança.


A mãe de Chico o chamou para o almoço e ele só foi porque ela
insistiu muito. Não queria perder o momento em que a garota
encontrasse os óculos mágicos! Depois do almoço, ele voltou
correndo para seu quarto, bem a tempo para ver que no
desenho, o dia passara e o próximo já estava nascendo. Ele viu
um quarto que aos poucos se iluminava mais, e naquele quarto
a menina dormia em paz, com seus longos cabelos
encaracolados ao seu redor. Quando os primeiros raios de sol
entraram pela sua janela, ela abriu os olhos e automaticamente
estendeu o braço para a sua mesinha de cabeceira, onde
costumavam estar seus velhos óculos. Dessa vez, porém, sem
ainda perceber, ela pegou os óculos mágicos que Chico fizera
para ela. Ela sempre tivera dificuldade para ver, mesmo com
óculos. Com os novos óculos, no entanto, um mundo se abriu
para ela. A menina olhou para a janela e viu pequenas
estrelinhas de luz entrando, conduzidos pelo raio de luz e
dançando pelo seu quarto. Uma pequena borboleta entrou e
pousou na parede de cor de madeira. Suas asas eram marrons
também, mas quando olhou com mais atenção, ela viu
pequenos pontinhos de muitas cores brilhantes salpicadas
pelas asinhas. Tudo pareceu ter cores mais intensas e ela
conseguia ver os mínimos detalhes de tudo. E então, quando
Chico menos esperou, ela olhou para ele. Olhou para ele, com
um olhar de grande surpresa, e ao mesmo tempo, curiosidade.
Ela abriu a porta de seu quarto que dava para fora e o chamou,
em silêncio, só com os gestos da mão. O coração de Chico
começou a bater muito rápido. Entrar no mundo do desenho?
Como? Ele fechou os olhos, tentando imaginar que entrava
naquele lugar. E então, do nada, começou a sentir que estava
sendo sugado, com cada vez mais força! Quando abriu os
olhos, lá ele estava. Não no jardim de uma casa, como ele
esperava, mas no deque de um pequeno barquinho, que
flutuava em um grande rio: um barco-casa. Na sua frente
estava a menina, com olhos abertos de espanto.
– Quem é você? – ela sussurrou.
– Sou Chico – ele respondeu – Como você se chama?
– Naila – ela disse, com uma voz suave e melodiosa.
Naila apresentou Chico a seus pais e logo eles se tornaram
amigos. Chico se deliciava com tudo que via. O barco parecia
mais uma pequena semente flutuante, porque era todo
arredondado, oval e enrugado. Das margens do rio até o
horizonte, havia campos de capim que pareciam sem fim e que
balançavam suavemente com o vento. O sol era bem quente.
Naila explicou que era o seu último dia de aula e que ela e os
pais estavam viajando de barco. Sempre moraram nesse
pequeno barquinho, indo de lugar em lugar. Mas algo estava
acontecendo, porque os pais dela estavam muito preocupados.
Há algum tempo estavam sentindo o cheiro de fumaça no ar.
Quando Chico enrugou a sua testa, pensando nesse mistério,
ouviu de muito longe a mãe chamando. Sentiu que estava
sendo sugado de volta para o seu quarto e mesmo que tentasse
de qualquer maneira se segurar no barco, foi levado por aquela
força. Estava de volta ao seu quarto...
Quando naquela noite sua mãe e seu pai o chamaram para sua
sobremesa favorita, ele não a quis. Falou que queria voltar
para seu quarto e brincar lá. Seus pais ficaram preocupados,
mas não disseram nada. Então, antes de dormir, Chico ainda
desenhou um longo, longo rio, de um azul muito profundo.


No dia seguinte, quando Chico pegou seu bloco de desenhar,
ele viu Naila no barco olhando para ele e chamando-o com
insistência, com muita preocupação no olhar. No canto da
folha, o desenho de fogo apareceu. Ele se preparou e foi sugado
para dentro do desenho. Naila e seus pais estavam remando
com todas as suas forças, porque o fogo estava chegando cada
vez mais perto, deixando tudo preto à sua volta. Nuvens pretas
de fuligem vinham na direção deles. Chico pegou um remo
também e com toda a sua força, remou. Remou, remou, remou.
Horas eles passaram remando incansavelmente. E quando a
fumaça preta já parecia sufocá-los, o pai de Naila gritou:
- Está chegando a cachoeira! Eu vou soltar a pluma!
Chico não entendeu nada, mas através da fumaça ele viu que o
homem estava soltando a ponta de uma enorme pluma,
parecida com aquelas de sementes flutuantes, que estava presa
encima do barco-casa. E então, de repente, eles começaram a
flutuar. Ele ouviu um barulho ensurdecedor de água caindo e
quando eles saíram da nuvem de fumaça, um grande mundo se
abriu em volta deles. Embaixo havia a cachoeira mais alta que
já havia visto; o céu estava azul e uma floresta enorme e
majestosa se estendia em volta do rio, que seguia após a
cachoeira até onde podia ver. Todos prenderam a respiração
por diversos segundos, porque nenhum deles jamais havia
visto uma vista tão bela.
O barco com sua pluma desceu lentamente para um grande
lago que a cachoeira formava. Lá eles pousaram na água
espumante e devagarzinho seguiram o curso do rio. O som da
cachoeira e do rio e os sons da floresta pareciam formar uma
música, ou mais, uma verdadeira orquestra! Logo o rio entrou
na floresta densa e as copas das árvores enormes tocavam as
da outra margem, formando um arco acima do rio. A luz do sol
passava por entre os galhos, fazendo com que formas de luz
dançassem na água, formando pequenos arco-íris de vez em
quando. Naquelas formas de luz, Naila ainda conseguiu ver
mais através de seus óculos floridos: sorrisos que apareciam e
desapareciam. Quando chegaram a um outro lago, sua mãe
colocou a âncora, que era uma grande pedra verde e redonda, e
eles saíram para a margem.
Estavam cansados e quando, mais adiante, viram redes
estendidas entre as árvores, eles se deitaram nelas sem pensar.
Chico sem querer cochilou e quando acordou, viu que já estava
de volta ao próprio quarto...


Assim que Chico conseguiu voltar para o seu bloco de papel,
ele pegou seu lápis mágico e voltou a desenhar. O longo lápis
retorcido havia ficado um pouco mais curto, mas ele não
prestou muita atenção nisso. Estava ansioso para voltar ao
mundo de Naila e para ver o que mais ia acontecer na Terra do
Infinito... pois era assim que o mundo dela se chamava,
explicara ela quando se conheceram.
Ele estava sentindo fome e pensou que os seus novos amigos
também poderiam estar sentindo fome. Então, desenhou uma
árvore com grandes frutas amarelas e redondas... e entrou na
Terra do Infinito.
Ele acordou na sua rede e viu que Naila e seus pais também
haviam adormecido. Chico levantou da sua rede para procurar
a árvore que havia desenhado, mas levou um grande susto
quando viu criaturas bem diferentes em um grupinho à sua
volta. Elas não pareciam assustadoras, porém. Eram pessoas
mais ou menos da mesma altura que ele, com orelhas pontudas
e roupas muito coloridas, que tinham o formato de flores e
folhas. Algumas dessas pessoas usavam chapéus com penas e
folhas ou coroas de flores. Tinham olhos grandes e sorrisos
bonitos. Uma das mulheres deu um passo para frente e falou
para ele:
- Nós somos o Povo da Floresta. Bem-vindos!
Nesse momento, Naila e seus pais também acordaram e eles
ficaram maravilhados quando viram o Povo da Floresta.
- Vocês estão com fome? – perguntou um dos homens.
Eles então seguiram os novos amigos através de uma trilha na
floresta. Pássaros muito coloridos voavam de um lugar para
outro e finalmente eles chegaram a uma parte menos densa da
floresta, em que as árvores, cobertas por um musgo verde e
reluzente, pareciam muito antigas, de tão grandes. Os troncos
eram muito grossos. Uma dessas árvores estava carregada de
frutas redondas e amarelas, e todos juntos fizeram uma
deliciosa refeição de frutas, folhas, castanhas e outras
guloseimas especiais do Povo da Floresta.
Depois conheceram as casas deles, que eram diferentes de tudo
que haviam visto até então. As casas eram vivas! Todas eram
nas árvores. Algumas embaixo, no oco delas, e outras bem no
alto, em galhos grossos. Eram feitas de raízes e galhos vivos e
retorcidos para formarem casinhas redondas, com janelas
também redondas. De noite, o povo da floresta não ficava no
escuro... a floresta ficava cheia de vagalumes. Naila olhou pela
janelinha de uma das casinhas e viu a floresta toda sendo
iluminada com pequenas luzinhas. Ela abriu um grande sorriso
de felicidade. Logo os vagalumes pousaram em galhos que
estavam pendurados nos tetos das casinhas em formato de
lâmpada... e assim, as “lâmpadas” se acenderam! Naila, seus
pais e Chico dormiram em uma das casinhas e viram que as
lâmpadas só se apagaram tarde da noite, quando os vagalumes
saíram voando pela janela.
Eles ficaram vários dias conhecendo a Grande Floresta e o
povo que nela habitava. Aprenderam a subir nas árvores, se
equilibrar nos seus galhos e balançar como os macaquinhos.
Aprenderam a nadar com os peixes nos lagos e a fazer comidas
muito gostosas com frutas e folhas. Ganharam chapéus e
coroas ornamentadas com elementos da natureza. E ainda
conheceram e conversaram com muitos animais: onças,
capivaras, pássaros e diversos outros de que nem suspeitavam
a existência.
Viveram um tempo feliz, tão feliz que desejavam que fosse
infinito. De vez em quando, Chico precisava voltar para o seu
mundo, mas logo pegava o seu bloco de folhas e começava a
desenhar para voltar. O seu lápis ia ficando menorzinho, mas
ele não se preocupou com isso. Só se preocupava em voltar o
quanto antes!

Um dia, porém, no meio de uma brincadeira com os seus


amigos na Terra do Infinito, Chico sentiu o cheiro de fumaça.
Ele quase caiu da árvore, tamanho foi seu susto. Algumas das
pessoas do Povo da Floresta também já estavam sentindo
aquele cheiro de perigo e elas convocaram uma grande
reunião. Precisavam encontrar um jeito de salvar aquele lar
que tanto amavam. Os animais também participaram da
reunião, assim como Chico, Naila e seus pais. Pensaram em
várias estratégias e começaram a pôr os planos em prática.
Conversaram com as árvores, que lançaram seus perfumes no
ar, mais do que nunca, para estimular as nuvens a deixarem a
chuva cair. Tiveram sucesso: logo começou a chover e o perigo
parecia ter partido. Novas nuvens pretas, porém, estavam
chegando ao horizonte... e não eram nuvens de chuva. Eram
nuvens de fumaça.
Chegou um momento em que as nuvens estavam tão espessas,
que elas até cobriram o sol, colocando a floresta em escuridão
por vários dias. As árvores fizeram tudo que puderam, usaram
todas as suas forças, mas sem o sol estavam ficando cada vez
mais enfraquecidas. Não conseguiam mais lançar tantos
perfumes no ar, e assim as nuvens de água choviam menos.
Elas também já estavam se misturando às nuvens de fumaça e
assim ia ficando cada vez mais difícil.
O fogo também chegou e começou a se alastrar! Quando
chegou perto de onde o Povo da Floresta morava, eles
precisaram fugir, junto com os animais. Eles juntaram os seus
pertences e principalmente o maior tesouro que tinham:
sementes de todas as árvores e plantas de sua bela floresta.
Correram e voaram o mais rápido que puderam em direção ao
Grande Rio. Os carpinteiros, junto com Naila, seus pais e
Chico aumentaram o barco, para que todos coubessem: eles, as
pessoas do Povo da Floresta e os animais. Usaram muitos
galhos e colocaram mais algumas plumas. Com o fogo que os
perseguia, começaram a remar pelo rio, deixando para trás o
lugar em que haviam morado e crescido. O fogo vinha atrás
deles e eles precisaram remar com toda a força que tinham;
toda a força! Mesmo assim, não era o suficiente. O fogo estava
começando a alcançá-los!

Quando tudo parecia quase perdido, receberam uma ajuda


inesperada. De repente, pareciam ter ganhado mais velocidade,
e quando Chico olhou para a água, ele viu que eram golfinhos!
Alguns nadavam ao lado do barco, e outros embaixo do barco
para empurrá-lo. Assim conseguiram se salvar; escapar
daquele grande incêndio. Os dias passavam e eles procuravam
uma nova terra para poderem habitar, mas o fogo cada vez
chegava colocando tudo em chamas...
Chico precisou voltar para seu mundo, contra a sua vontade.
Ele ficou o dia todo agitado, até conseguir voltar para o
mundo do Infinito. Ele precisava encontrar uma maneira para
ajudar seus amigos. Precisava encontrar! Quando ele começou
a desenhar, no entanto, ele viu que estava no seu último
toquinho de lápis. Talvez essa fosse a última vez que veria
Naila, os pais dela, o Povo e os Animais da Floresta...
Ele foi sugado de volta para o mundo de Naila. Finalmente,
chegaram ao mar. A terra toda atrás deles havia desaparecido
e todos no barco choravam sem parar, enquanto boiavam nas
ondas. Nada parecia poder consolá-los. Eles se sentiam
arrasados, assim como também o Chico.
Muito tempo passou. Enquanto todos estavam ali encolhidos,
uma mulher levantou. Era uma mulher anciã, com muitos e
muitos anos de vida e cabelos brancos tão longos, que as suas
tranças ornamentadas com folhas chegavam até o chão. Ela
pediu para todos se erguerem. Falou que com esperança,
fariam um novo mundo nascer. Nada estava perdido, porque
eles tinham força. E... sementes. Ela abriu uma bela caixa de
tesouros, e todos olharam lá dentro. As sementes que todos
tinham ajudado a juntar, estavam lá. Coloridos, cada um de um
formato diferente. Vivos...
Ela pediu também para que não sentissem raiva do fogo. Ela
disse que o fogo não era culpado por tudo isso. O fogo não era
muito usado pelo Povo da Floresta, mas em muitas cidades
sim e era importante para aquecer as pessoas e para as
cozinhas. Algo havia feito o fogo se desequilibrar...
A Sábia Anciã da Floresta olhou para longe, como se estivesse
olhando para lembranças muito antigas de sua longa vida.
Com uma voz grave, ela falou:
– Eu acho que quem desequilibrou o fogo, foi a Ganância. Só
vamos conseguir parar que ela destrua, se conseguirmos
transformá-la em algo melhor.
Agora ela olhou de volta para as pessoas ao seu redor. E ela
repetiu:
- Nós temos sementes!
Todos se levantaram, sentindo força e esperança no coração.
Eles iam conseguir! Iam fazer a floresta renascer! Levantaram
as plumas, e o vento soprou o barco cada vez mais em direção
ao oceano.
Muito e muito tempo passou, e nenhuma terra estava ainda à
vista. Os seres no barco começaram a ficar com fome, mas
bravamente continuaram a olhar para o horizonte em busca de
terra.
Todo aquele tempo, porém, em que seus amigos estavam se
sentindo empolgados e com confiança no futuro, Chico
continuava triste. Ele sabia que estava se aproximando o
momento de sua partida. Por mais que ele quisesse ficar, ele
não podia. Logo ele seria levado de volta para o seu mundo e
não teria mais nenhum pedacinho do lápis mágico para voltar.
Será que nunca mais iria ver o Povo da Floresta? E Naila?
Naila sentou ao seu lado e deu um abraço no seu amigo.
– Estou tão feliz que você veio para cá! – disse ela com olhos
brilhantes.
Chico se emocionou e não conseguiu conter algumas lágrimas.
– Eu também, Naila. Mas eu preciso voltar. E já usei o último
pedacinho do lápis mágico.
Pelo rosto de Naila passou uma sombra de tristeza. Mas logo
ela voltou a olhar com alegria, quando disse:
- Eu sei! Mas sabia que eu tive uma ideia? Todo esse tempo
estivemos procurando uma terra, mas por que não vamos
todos para seu mundo? Lá podemos plantar a floresta...
Chico levantou, quase pulando de alegria. Por que não havia
pensado nisso antes?
Eles foram contar a ideia para a Sábia Anciã da Floresta e os
outros seres. Todos adoraram a ideia e ficaram olhando para a
Sábia Anciã, para saber o que ela achava. A Sábia ficou um
tempinho em silêncio e então sorriu.
- Eu também adorei a ideia. Mas... Nós não podemos ir para o
mundo pelo mesmo caminho que você está voltando, Chico.
- Mas como, então? Como? – falou Chico, muito ansioso. Já
estava chegando o tempo de ele voltar. Só restavam poucos
minutos...
A Sábia fechou os olhos e a ansiedade de Chico disparou.
– Ela está meditando – sussurrou um dos homens da floresta –
Ela está meditando para encontrar uma resposta.
Por longos minutos, Chico esperou com o coração batendo.
Ele já começou a sentir uma força querendo puxá-lo de volta
para o seu próprio mundo. Quando ele já estava começando a
desaparecer da Terra do Infinito, ele viu a mulher finalmente
abrindo os seus olhos e dizer a ele:
– Nosso mundo nasce com as sementes...
Naila ainda correu para a caixa de sementes e pegou uma
pequena sementinha para colocar na mão do Chico. E então,
ele foi sugado de volta para o seu quarto.


Lá estava ele de volta. O quarto parecia vazio e triste. O lápis
mágico já havia desaparecido, porque ele usara todo ele. Ele
abriu a mão, e nenhuma sementinha estava lá...
Aquela noite ele não quis jantar. Ele foi dormir e então chorou
de saudades de Naila e de seus novos amigos. Quanto medo ele
sentia do que poderia acontecer com eles!
Na manhã seguinte ele acordou bem cedo, com os primeiros
raios de sol. Ele abriu seus olhos e sentiu que as pálpebras
estavam pesadas de tanto chorar. Ele se lembrou que a anciã
havia falado de esperança, mas ele não sabia o que fazer. Ele
puxou a coberta mais para cima, tentando esquecer e dormir
mais um pouco. Ele já havia perdido o sono, porém, e ficou
olhando para a janela iluminada pelo sol. Uma parte da janela
estava aberta, e uma brisa fresca entrou por lá.
Mas o que era isso? Algo brilhava no raio de sol que entrava.
Algo brilhante que voava na sua direção com a brisa.
Ele estendeu a mão. E na sua mão posou uma pequena
sementinha com uma pluma branquinha, iluminada pela luz.
Chico jogou a coberta para o lado e pulou da cama. Já sabia o
que fazer! Com as sementes, um mundo podia nascer...

Seus pais ainda não haviam acordado, então Chico tomou


cuidado para não acordá-los. Com meias nos pés, ele deslizou
pela sala do apartamento, até um grande pote de terra, em que
não havia mais nenhuma planta. Lá ele plantou a semente. E
não só essa semente voadora, que ele tinha certeza que vinha
de sua árvore favorita. Mesmo estando em quarentena, ele
começou a plantar todas as sementes que encontrava. As
sementes dos tomates que seus pais compravam; o caroço de
abacate; as sementes de abóbora. Depois de muitos dias, a
mudinha de abacate e da semente de sua árvore favorita
viraram pequenas arvorezinhas com as suas primeiras folhas,
enquanto os tomateiros já estavam começando a dar tomates.
A planta de abóbora estava subindo pelas paredes e já
produzira uma bela flor amarela. E outras plantas estavam
nascendo, enchendo o pequeno apartamento de cores. Chico
voltara a ser alegre e seus pais também pareciam estar
radiantes. Um dia, apareceu uma borboleta entrando pela
janela aberta; no outro, até um vagalume.
Finalmente, o tempo de quarentena chegou ao fim. Chico
estava correndo e pulando pela sala, enquanto esperava seus
pais colocarem os tênis para saírem para caminhar. Antes de
irem, porém, seus pais o chamaram. Tinham algo para contar.
- Meu filho, queremos te contar algo. Estamos muito felizes!
Você vai ter uma irmãzinha, e queremos que você escolha um
nome para ela...
Chico nem precisou escolher um nome para ela. Pois já sabia
como ela se chamava...

Fim
Uma mensagem da autora
Queridas crianças e queridos educadores, mães e pais! Espero muito
que aproveitem essa história. Ela foi inspirada pelo meu amor à
natureza e pela vontade de fazer algo pelas crianças nesses tempos
de quarentena. Espero que possa trazer alegria; estimular a
imaginação, a criatividade e a consciência ambiental! Juntos
podemos, realmente, plantar o mundo que sonhamos.

Meu nome é Natasja Junqueira Dantas; sou mãe do Heitor de quase


três anos, engenheira ambiental e estudante de pedagogia. Essa
história faz parte do projeto Crianças Plantando Florestas. Eu
também gostaria de fazer com esta história uma pesquisa para o
meu projeto final do curso de pedagogia e se você quiser me ajudar,
eu ficaria honrada em receber uma mensagem sua! Se puder, envie
um e-mail para natasjaah@gmail.com ou uma mensagem para o
meu facebook (facebook.com/natasja.dantas) e conte como foi a sua
experiência com essa história. Agradeço de coração!

Gostaria também de agradecer pela preciosa ajuda, apoio e


incentivo de Raphael Bëdan; minha irmã Nathalie Dantas; meu
irmão Dimitri Dantas; meus pais Alberto Dantas e Angelique van
Toorn; meus grandes amigos Daniel Gomes e Ágatha Tommasi e,
é claro, meu filho Heitor! Sou muito grata, além disso, por tudo que
estou aprendendo no curso Pedagogia para Liberdade e pelos
ensinamentos que me trouxe o relatório chamado ´O Futuro
Climático da Amazônia´ de Antonio Nobre.
Que possamos, nesse momento, ser fortes como as árvores... e leves
e esperançosos como as sementes!

Com carinho,

Natasja Junqueira Dantas

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