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Passo Fundo
Outubro/2020
SUMÁRIO
Resumo 1
Abstract 1
Introdução 2
1 A crise democrática: de onde vem o ódio? 4
2 Público versus Privado, ou como as mulheres foram excluídas da participação
política 7
3 O modelo político feminista 10
Considerações finais 14
Referências Bibliográficas 15
GÊNERO E DEMOCRACIA: CONSTRUINDO UM MODELO POLÍTICO
FEMINISTA A PARTIR DE JACQUES RANCIÉRE
RESUMO
ABSTRACT
The idea of democracy for the philosopher Jacques Ranciére in his work “The
hatred of democracy” starts from the concept that a democratic government is
one in which the governor is not required to have titles to govern, breaking the
so-called “strength of the well-born" in ode to a "random participation". Thus, it
is important and relevant to analyze the women's participation in politics based
on Jacques Ranciére’s ideas of democracy. Historically, faced with the division
of gender roles in the public and private spheres, women have been relegated
to private life, represented by domestic and family chores. On the other hand,
men were assigned to public life. Thus, the aim of this article is to propose a
feminist democratic model, based on an effective break between public and
private, enabling the promotion of a feminist political agenda.
2
democracia representativa contemporânea objetiva-se buscar respostas às
seguintes reflexões: é possível construir uma sociedade justa se as relações
familiares são estruturalmente injustas? Pode-se dizer que a democracia exige
relações igualitárias em todas as esferas da vida, especialmente a familiar?
Qual o papel do feminismo nesta construção democrática?
Para tanto, inicialmente será analisado o fenômeno do ódio à
democracia, a partir da crítica proposta por Jacques Ranciére, a fim de se
contextualizar a origem de uma crise democrática que possa explicar o fato de
que as mulheres têm sido relegadas da política.
Considerando-se que “se há algo que identifica um pensamento como
feminista é a reflexão crítica sobre a dualidade entre a esfera pública e a esfera
privada”5, na segunda seção é proposta uma tentativa de compreensão sobre
como a diferenciação entre o público e o privado historicamente implicou
papéis sociais diferenciados para homens e mulheres, isolando as mulheres da
participação efetiva na esfera pública.
Por fim, tenta-se propor uma reflexão crítica acerca do ódio às mulheres
construído socialmente em um sistema de patriarcalismo que as afasta da vida
pública, a fim de que se possa estruturar um modelo político feminista
efetivamente democrático.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Conclusões, nas
quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da
estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre esta temática,
considerando-se que “a abolição das barreiras legais à participação das
mulheres na política não representa um acesso a condições igualitárias de
ingresso na arena política”6.
O método de análise utilizado quanto à metodologia empregada foi
utilizado o Método Dedutivo. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas
5 BIROLI, Flávia. O público e o privado. In: MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e
política: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2014. p. 31.
6 MIGUEL, Luis Felipe. Gênero e representação política. In: MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI,
Flávia. Feminismo e política: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2014. p. 94.
3
as Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da
Pesquisa Bibliográfica.
4
estruturar um verdadeiro poder político.
A partir desta construção, como se pode explicar o ódio à democracia?
As reivindicações, acontecimentos e disputas do mundo
moderno são imputados à democracia, como o reino dos
desejos ilimitados dos indivíduos na sociedade de massa,
guardando-se uma conotação negativa à expressão. Este ódio
não é atual, existindo desde a sua origem e a violência
decorrente dele também continua presente (seja no âmbito da
ficção ou no real). O ódio à democracia nasce e é continuado
por aqueles que não querem que outros, senão os seus
privilegiados, se mantenham no poder.10
5
“democracia representativa”, por ser esta uma forma de funcionamento do
Estado, fundamentada inicialmente no privilégio das “elites naturais” e desviada
aos poucos de sua função pelas lutas democráticas13.
Por este raciocínio o sufrágio universal não é uma consequência natural
da democracia. Na verdade, o sufrágio universal é uma forma mista, vinda das
oligarquias, que é desviada pelo combate democrático e reconquistada pela
oligarquia, ao passo em que esta submete seus candidatos e suas decisões à
escolha dos eleitores.
Analisando-se a realidade brasileira a partir de Jacques Ranciére,
Mónica Brun Beveder expõe que embora o sentimento antidemocrático, o
temor e a recusa do intolerável "poder do povo" sejam marcas constitutivas da
formação social brasileira, as reflexões propostas pelo filósofo nos traz a ideia
de recuperar o potencial e a "força singular" próprios à democracia, sendo esta
a ação que arranca dos governos oligárquicos o monopólio da vida pública e da
riqueza a onipotência sobre a vida14.
Portanto, o chamado "novo ódio à democracia" faz da palavra
"democracia" um operador ideológico, despolitizando as questões da vida
pública para transformá-las em "fenômenos de sociedade", ao mesmo tempo
em que nega as formas de dominação que estruturam a sociedade15.
A consequência desta dinâmica é a construção de sujeitos políticos a
partir da dupla lógica da dominação, que separa o "homem público" do
indivíduo privado, conforme ressalta, ao tratar da condição das mulheres como
cidadãs políticas:
Mas essa mesma bizarrice marca a torção da relação entre
vida e cidadania que fundamenta a reinvindicação de um
pertencimento das mulheres à esfera da opinião política. Elas
foram excluídas do benefício dos direitos do cidadão em nome
6
da divisão entre as esfera pública e a esfera privada.
Pertencendo à vida doméstica, portanto ao mundo da
particularidade, elas são estranhas ao universal da esfera
cidadã.16
19 BIROLI, Flávia. O público e o privado. In: MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e
política: uma introdução. p. 32.
20 ABOIM, Sofia. Do público e do privado: uma Do público e do privado: uma perspectiva de
género sobre uma perspectiva de género sobre uma dicotomia moderna. Estudos Feministas.
p. 106.
21 MIGUEL, Luís Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e política: uma introdução. p. 8.
8
sexualizantes"22, uma vez que a força da ordem masculina se impõe como
neutra, que dispensa quaisquer justificações para ser legitimada. Assim, há
uma ordem social que ratifica a dominação masculina em atos simbólicos,
como a divisão social do trabalho, a divisão sexual entre o público e o privado
que reserva às mulheres os afazeres domésticos, tomando como exemplos.23
Portanto, "são ativados filtros que incidem sobre as mulheres no acesso
a ocupações e no acesso ao âmbito da política institucional, constituindo
padrões sistemáticos de exclusão e de marginalização"24.
Ao propor a decomposição das fronteiras entre público e privado, a fim
de se promover a ascensão feminina no âmbito político da sociedade, o
movimento feminista traz à luz a face da opressão operacionalizada pela
relegação das mulheres ao que se chama de esfera privada ou doméstica:
Os ideais de família, e da intimidade nela vivida, como refúgio contra
a esfera pública são também negados, pois é muitas vezes na esfera
privada que são vividas algumas duras formas de opressão. Desde
logo, a associação do feminino ao privado e do masculino ao público
é vista como uma fonte de desigualdade e injustiça. Desigualdade,
aliás, que só pode ser combatida pela intrusão do político, do público,
na esfera privada, tomando como unidade o indivíduo, e não o
coletivo, como aliás tem sido notado pelos teóricos da
individualização. É, afinal, através da conquista progressiva da
cidadania e do abandono de uma condição associada à natureza, à
reprodução e à maternidade que as mulheres têm adquirido maiores
direitos. A erosão da família patriarcal é consequência do
alargamento da cidadania, da igualdade e da autonomia como
valores morais constituintes da própria modernidade.25
22 BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Traduzido por Maria Helena Kühner. 11 ed.
Rio de Janeiro: Bertrand, 2012. p. 17.
23 BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. p. 17.
24 BIROLI, Flávia. Divisão Sexual do Trabalho e Democracia. Revista de Ciências Sociais, Rio
género sobre uma perspectiva de género sobre uma dicotomia moderna. Estudos Feministas.
p. 106-107.
9
políticos26.
É por isso que se mostra necessário redefinir as esferas pública e
privada e as relações por elas espelhadas socialmente, a fim de que exista
justiça na esfera privada, bem como que o acesso a posições não seja
hierarquizado por critérios de gênero27.
31 MIGUEL, Luís Felipe. Gênero e representação política. In: MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI,
Flávia. Feminismo e política: uma introdução. p. 93.
32 RANCIÉRE, Jacques. O ódio à democracia. p. 121,
33 RODRIGUES, Carla. Problemas de gênero na e para a democracia. Ciência e Cultura. São
Revista Feminismos. Salvador, Vol.4, N.1, Jan - Abr. 2016. p. 4-13. Disponível em:
https://cienciasmedicasbiologicas.ufba.br/index.php/feminismos/article/view/30102. Acesso em:
25/09/2020. p 4.
11
participação paritária de mulheres e homens na vida pública36.
36 BIROLI, Flávia. O público e o privado. In: MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e
política: uma introdução p. 34
37 BIROLI, Flávia. O público e o privado. In: MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e
política: uma introdução p. 34
38 LISBOA, Teresa Kleba. Democracia de gênero: é possível um pacto entre as mulheres?
Revista Feminismos. p. 5.
39 LISBOA, Teresa Kleba. Democracia de gênero: é possível um pacto entre as mulheres?
Revista Feminismos. p. 5.
12
impulso inicial na direção do Estado, quando surgiram os
órgãos de defesa dos direitos das mulheres, era nessa
segunda direção. Mas a ampliação do número de
representantes do sexo feminino não guarda relação
necessária com uma maior centralidade da pauta do
feminismo. Torna-se preciso, então, investigar a relação entre a
presença de mulheres no poder e a “representação
substantiva” dos interesses delas, isto é, “se as mulheres
buscam e são capazes de promover as questões das
mulheres”.40
40 MIGUEL, Luís Felipe. Gênero e representação política. In: MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI,
Flávia. Feminismo e política: uma introdução. p. 107.
41 LISBOA, Teresa Kleba. Democracia de gênero: é possível um pacto entre as mulheres?
Revista Feminismos. p. 7.
42 LISBOA, Teresa Kleba. Democracia de gênero: é possível um pacto entre as mulheres?
34.
13
possa promover uma revolução democrática de gênero, a fim de romper
efetivamente as barreiras entre o público e o privado que historicamente têm
afastado as mulheres dos espaços públicos e da efetiva atuação política.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisando-se o chamado “ódio à democracia” a partir da perspectiva de
Jacques Ranciére e fazendo um paralelo entre este fenômeno e a realidade
social que tem historicamente afastado as mulheres da participação política,
observamos que a democracia representa um governo anárquico e
fundamentado na ausência de qualquer título para governar, instituindo-se a
participação do acaso na estruturação do poder político.
Deste modo, historicamente as elites e oligarquias manifestam seu ódio
à democracia pela resistência na aceitação de membros de setores não
privilegiados da sociedade em locais de poder.
Porém, quando se fala da participação política das mulheres, observa-se
que a sua exclusão da esfera pública se em uma dualidade entre público e
privado, estruturada no gênero.
E é a partir do gênero que são construídos os papeis de homens e
mulheres na sociedade, organizando-a em um sistema patriarcal.
Nesta sistematização, a ordem social funciona como uma máquina,
ratificando a dominação masculina na divisão social do trabalho, da distribuição
de atividades a cada um dos sexos, atribuindo aos homens o espaço público e
às mulheres o espaço privado45.
Portanto, a diferenciação entre o público e o privado historicamente
implicou papéis sociais diferenciados para homens e mulheres, isolando as
mulheres da participação efetiva na esfera pública.
Tendo como base esta dualidade é que as mulheres foram
historicamente relegadas à esfera privada ou doméstica, o que acaba por
impactar sobremaneira o acesso das mulheres a cargos políticos, muito
REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS
15
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Traduzido por Maria Helena
Kühner. 11 ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2012.
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ROSSI, Marina. Brasil, a lanterna no ranking de participação de mulheres na
política. El País. São Paulo, 31/03/2018. Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/03/27/politica/1522181037_867961.html.
Acesso em 25/09/2020.
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