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crise dos

partidos
democracia e reforma política no Brasil

Homero de Oliveira Costa


©2012 Homero de Oliveira Costa
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permissão da editora e/ou autor.

C8233 Costa, Homero de Oliveira


Crise dos Partidos: democracia e reforma política no Brasil/Homero
de Oliveira Costa. Jundiaí, Paco Editorial: 2012.

176 p. Inclui bibliografia.

ISBN: 978-85-8148-022-0

1. Partidos Políticos 2. Reforma Política 3. Democracia 4. Sistemas Eleito-


rais I. Costa, Homero de Oliveira.

CDD: 324

Índices para catálogo sistemático:


1. Eleição - Política - Organização Política - Processo 324
Eleitoral
2. Partido Político - Política 324.21
3. Democracia 321.8

IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
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Apresentação

Este livro reúne artigos publicados em revistas acadêmicas, jornais e blogs.


Alguns artigos foram modificados, ampliados, corrigidos, etc, e alguns títulos
originais foram modificados, daí a opção de, em alguns deles, não colocar a
data da publicação, uma vez que não estão exatamente como foram publicados.
Reuni os que possibilitassem uma unidade mínima, com temas basicamente
da política (como partidos políticos, democracia, financiamento de campanhas
eleitorais, reforma política, representação política, sistemas eleitorais, etc) e que
pudessem ser menos marcados pela imediaticidade e contingência, ou seja, que
não se circunscrevesse apenas a data da publicação, mas que tivessem um cará-
ter um pouco mais permanente.
Vários temas são tratados, como os partidos políticos, por exemplo, os quais,
no diagnóstico de muitos analistas (com os quais concordo) passam por uma
crise, expressa, entre outros aspectos, no declínio das filiações, do ativismo parti-
dário (os partidos não conseguem mais mobilizar os cidadãos) e da participação
eleitoral (a participação eleitoral está em declínio praticamente em todo o mundo
democrático). Uma tendência, ao que parece, irreversível, ou seja, não há pers-
pectiva de que os partidos se reconstruam com sólidas raízes na sociedade.
Procuramos analisar também alguns impasses do governo Lula. Um ba-
lanço mesmo que provisório dos oito anos de mandato evidencia que houve
inegáveis avanços, especialmente em termos de políticas sociais, mas por outro
lado, é também inegável que não se avançou, e houve até mesmo retrocesso,
em algumas áreas, como, por exemplo, em relação à concentração de terra
(analiso alguns dados no artigo “Reforma agrária: uma ideia fora de lugar”; o
governo também não foi capaz de implementar a maioria das propostas de po-
líticas públicas que significassem avanços no processo de democratização das
comunicações: os meios de comunicação continuaram concentrados (“Mídia e
democracia”), também continua o uso das autorizações, concessões e renova-
ções de radiodifusões com o tradicional processo de barganha política (“Fim do
coronelismo eletrônico?”). Houve também recuos do governo em relação ao III
Programa Nacional de Direitos Humanos, cuja diretriz é o reconhecimento da
memória e da verdade como direitos humanos da cidadania e dever do Estado.
Os recursos mais importantes, por pressões de setores das Forças Armadas de
um lado e pelos donos dos meios de comunicação (e seus aliados) de outro
foram quanto aos meios de comunicação (a proposta de apoiar a instalação,
no âmbito do poder Legislativo, do Conselho de Comunicação Social, com o
objetivo de garantir o controle democrático das concessões de rádio e televisão,
regulamentar o uso dos meios de comunicação social e coibir práticas contrá-
rias aos direitos humanos e criação da Comissão da Verdade, quando sugere-se
a criação de um grupo de trabalho para elaborar um projeto de lei que institua a
Comissão Nacional da Verdade, cujo objetivo é promover a apuração e o escla-
recimento público das violações dos direitos humanos praticadas no contexto
da repressão política ocorrida no Brasil no período da ditadura militar (1964-
85).. (“Sobre o III Programa Nacional de Direitos Humanos”).
Em relação à reforma política, que procuro analisar em diversos artigos,
também não se avançou. Considerada “mãe de todas as reformas” no início do
governo Lula(2003), ao longo dos oito anos de mandato, o máximo que conse-
guiu foi aprovar uma minirreforma que, na prática, pouco alterou o que existia,
com destaque para a manutenção do financiamento público e privado de cam-
panhas eleitorais que, na prática, mantém a interferência do poder econômico
nas eleições, comprometendo o principio da igualdade da disputa eleitoral.
Outro tema tratado nos artigos diz respeito à crise do Congresso Nacional
e à sua produção legislativa entre 2008 e 2010. Se, por um lado, o congresso
produziu muitos escândalos, como o uso de verbas indenizatórias para viagens
de parlamentares a locais turísticos, e até mesmo para pagar despesas de motel,
como registrado pela imprensa, também foram aprovadas leis importantes, com
diferenças entre os anos 2008 e 2010. Em 2010, por exemplo, pela segunda
vez consecutiva, o Legislativo conseguiu aprovar mais leis do que o Executivo
(desde o início do governo Lula, o Poder Executivo aprovou mais leis que o Le-
gislativo). No entanto, é preciso analisar não apenas em termos quantitativos,
mas qualitativos, ou seja, sua relevância: nesses anos, em torno de 50%, das leis
aprovadas foram de datas comemorativas e homenagens (criação do Dia do Va-
queiro, Dia do Sanfoneiro, etc). Merece destaque negativo a atuação legislativa
do Senado que, em 2010, aprovou apenas 14 leis. Isso numa instituição que
tem 81 integrantes, custa aos cofres públicos mais de dois bilhões de reais por
ano e conta com uma estrutura de em torno de 10 mil funcionários.
No entanto, como procuramos mostrar, não foi só de escândalos que viveu
o Congresso. Em 2010, por exemplo, foram aprovadas leis importantes, como
a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial; licença maternidade de seis me-
ses, a Política Nacional dos Resíduos Sólidos; a lei da ficha limpa e a do Marco
Regulatório do pré-sal, que ainda falta ser regulamentada.
Outro tema que procuro analisar são os índices de desconfiança da popula-
ção em partidos, congresso e políticos em geral (“Democracia e desconfiança
política”). As pesquisas mostram que não é um problema específico do Brasil.
Uma pesquisa financiada pelo Serviço Mundial da Rede BBC, feita em 2005,
que entrevistou mais de 50 mil pessoas em 68 países e constatou que, embora
houvesse variações em relação aos países e regiões, há um nível muito baixo de
confiança nos partidos e nos políticos. A pesquisa mostra, entre outros dados,
que apenas 13% das pessoas confiam nos políticos e 53% não acreditam que as
eleições em seus países sejam livres e justas.
Esses baixos níveis de confiança se refletem também no apoio da popula-
ção à democracia (o pressuposto é que quanto maior a credibilidade dos parti-
dos e políticos, maior apoio terá a democracia). O Instituto Latinobarometro,
ONG sediada em Santiago (Chile), tem feito pesquisas nos países da América
Latina desde 1996 e entre as questões pesquisadas está o apoio da população
à democracia. Em seu relatório de 2009, no qual foram entrevistadas 20.204
pessoas de 18 países, afirma que, em relação aos partidos políticos, a con-
fiança neles diminui à medida que os anos passam, independentemente das
pessoas os considerarem como importantes para a democracia. O índice do
Brasil foi de 48%, à frente apenas da Guatemala, Colômbia e Equador, ou
seja, analisando apenas o caso do Brasil, pelos dados da pesquisas, o apoio à
democracia é um dos mais baixos da América Latina.
Examinar as causas e consequências da desconfiança nas instituições
democráticas é algo que vai além das possibilidades de discussões e
aprofundamentos expressos em artigos para jornais, é algo mais complexo,
com análises distintas, mas nos parece inegável, como procuramos demonstrar
no artigo “Teoria democrática pluralista e o problema da participação” que a
democracia é mais do que a livre eleição dos governantes ao estilo schumpe-
teriano ou dahlsiano. Para que a democracia seja sólida institucionalmente e
eficiente para a resolução das necessidades populares, é necessário que a parti-
cipação vá além do voto. Em outras palavras, democracia deve estar, acima de
tudo, vinculada ao processo de tomada de decisões que afeta a coletividade na
qual está inserida, dentro de um conjunto de regras que possibilita uma real e
efetiva participação dos cidadãos.
Há vários outros temas relevantes que procuro analisar, mesmo que de
forma limitada, como a “mexicanização” da política brasileira, partidos políti-
cos e coalizões eleitorais, a produção legislativa do congresso nacional (2008
a 2010), a relação entre mídia e democracia, eleições e a lógica democrática,
o patrimonialismo no Brasil, reforma política (várias temas são abordados,
como os sistemas eleitorais, sistema de listas fechadas e abertas, coligações
eleitorais e financiamento de campanhas eleitorais, entre outros), os dilemas
da governabilidade, o absurdo da existência de trabalho escravo no Brasil, o
retrocesso do governo Lula (2003-2010) em relação à reforma agrária (con-
seguindo ser pior do que o governo anterior) e que tem continuidade no
governo Dilma Rousseff, uma vez que a reforma agrária está fora da pauta
de prioridades do governo e assim a continuidade de uma opção preferencial
pelo agronegócio, ou seja, do latifúndio e das grandes corporações que carac-
terizam a agricultura capitalista contemporânea.
Esses são alguns dos temas tratados. Espero que, mesmo considerando o
caráter “panorâmico”, imposto pelos limites do gênero, ou seja, basicamente
escritos para jornais e blogs, possam, de alguma forma, ser úteis para a compre-
ensão de alguns temas relevantes da política brasileira. Faço minhas, as palavras
de Ricardo Antunes, ao publicar uma coletânea de artigos com o mesmo senti-
do das “provocações” que caracterizam o conjunto dos artigos
Resta, então, uma pergunta (e um consolo): será que aquilo que foi conce-
bido como uma publicação miúda pode adquirir um fôlego um pouco maior,
permitindo, desse modo, que o acompanhamento de temáticas cotidianas aca-
bem por conformar um conjunto mais abrangente e reflexivo? Os leitores e as
leitoras é que poderão responder. (ANTUNES, 2006, p.2)
Sumário

Artigo 1 - Crise dos partidos e transformações dos governos representativos....11


1. Crise dos partidos......................................................................11
1.1 - O aumento das abstenções
eleitorais nas democracias ocidentais............................................15
1.2 - Abstenções nos Referendos e
nas eleições para o Parlamento Europeu.........................................18
2. As transformações do governo representativo............................20
Conclusão.....................................................................................22

Artigo 2 -Teoria democrática pluralista e o problema da participação política....25


1. A teoria elitista da democracia: Joseph Schumpeter...................26
2. Críticas a teoria elitista da democracia.......................................28
3. Teoria elitista da democracia e a participação política................31
4. A Crítica Marxista......................................................................34

Artigo 3 - Reforma política e participação popular......................................39

Artigo 4 - A perspectiva de reforma política no governo Dilma Rousseff.....43

Artigo 5 - Os desafios do governo Dilma Rousseff......................................49

Artigo 6 - Política sem partidos ou democracia real, já!...............................51

Artigo 7 - Partidos políticos: da sociedade ao Estado?.................................55

Artigo 8 - Partidos e coligações eleitorais no Brasil......................................57

Artigo 9 - Ideologia, os partidos precisam de alguma para viver?................61

Artigo 10 - Eleições e a lógica democrática.................................................65

Artigo 11 - Os partidos políticos funcionam?..............................................69


Artigo 12 - A deserção das urnas.................................................................71

Artigo 13 - Representação e accountability..................................................73

Artigo 14 - Os políticos e o sistema eleitoral brasileiro................................75

Artigo 15 - A reforma política e a proposta do congresso revisor.................77

Artigo 16 - Sobre a minirreforma eleitoral...................................................79

Artigo 17 - Sistema eleitoral e reforma política no Brasil.............................81

Artigo 18 - Sucessão presidencial e reforma política...................................83

Artigo 19 - Reforma política: listas fechadas ou abertas?............................87

Artigo 20 - Financiamento de campanhas e voto em lista............................89

Artigo 21 - Mídia, política e eleições............................................................93

Artigo 22 - Democracia e meios de comunicações no Brasil........................95

Artigo 23 - Democracia e desconfiança política...........................................99

Artigo 24 - A Democracia e sua legitimidade na América Latina...............103

Artigo 25 - Hegemonia às avessas.............................................................105

Artigo 26 - A “mexicanização” da política brasileira..................................107

Artigo 27 - Sobre o III Programa Nacional de Direitos Humanos.............111

Artigo 28 - Sobre o patrimonialismo no Brasil..........................................115

Artigo 29 - O Senado e suas excelências...................................................119

Artigo 30 - A crise do Senado e o papel dos meios de comunicações........123


Artigo 31 - O ocaso do Congresso Nacional?...........................................125

Artigo 32 - A produção legislativa do Congresso Nacional em 2008.........129

Artigo 33 - A produção legislativa do Congresso Nacional em 2009.........131

Artigo 34 - A produção legislativa do Congresso Nacional em 2010.........133

Artigo 35 - Fim do coronelismo eletrônico?..............................................135

Artigo 36 - A Ação Direta de Inconstitucionalidade


do Procurador-Geral da República...........................................137

Artigo 37 - A quem interessa o desinteresse político?................................139

Artigo 38 - Breves considerações sobre a (in) justiça no Brasil..................141

Artigo 39 - Os Dilemas do Fisiologismo....................................................145

Artigo 41 - Reforma agrária: uma ideia fora de lugar?..............................149

Artigo 42 - Trabalho escravo no Brasil e o Congresso Nacional.................153

Artigo 43 - Outra democracia?.................................................................155

Artigo 44 - E a Reforma Política?.............................................................157

Artigo 45 - Estímulo a impunidade............................................................161

Artigo 46 - O discurso de Dilma Rousseff na ONU..................................163

Referências...............................................................................................165
Artigo 1

Crise dos partidos e transformações


dos governos representativos

1. Crise dos partidos

A democracia liberal moderna, consolidada no século XX, é produto do


aperfeiçoamento de instituições políticas, especialmente da implantação do
sufrágio universal (LOSURDO, 2004; CANEDO, 2005). Ela tem como fun-
damento a competição política, que supõe como condição essencial, sistemas
políticos competitivos, com partidos políticos organizados e na qual as eleições
são fundamentais como fonte de legitimação.
Historicamente, os partidos políticos foram considerados instrumentos es-
senciais para o funcionamento e a manutenção da democracia representativa.

Embora, ao longo da história, os partidos permanentemente tenham de-


monstrado sua ineficiência nas tarefas de mediação efetiva das demandas
entre Estado e sociedade, nunca houve questionamentos sobre sua im-
portância e significado para a democracia. Assumia-se que as crises eram
temporárias e cíclicas. De fato, em determinados contextos, a desconfian-
ça com a política e com as instituições políticas são vistas como um sinal
de saúde da democracia, desde que não comprometa os princípios da
democracia deliberativa. (BAQUERO, 2000, p.151)

No entanto, no diagnóstico de muitos autores, há uma crise da democracia


representativa, expressa, entre outros aspectos, na crise dos partidos políticos
enquanto veículos entre a sociedade civil e as instâncias governamentais, arti-
culando e canalizando demandas, ou seja, o que se observa é o declínio da sua
importância nas democracias contemporâneas.
Como afirma Marcello Baquero

a pouca eficácia das organizações partidárias tem levado ao desenvolvi-


mento de estudos que apontam o declínio da importância dos partidos
políticos como únicos representantes dos interesses da sociedade civil.
A constatação desse declínio motivou uma reorientação nos estudos so-
bre partidos para tentar avaliar se ele era conjuntural ou um processo de
estruturação de novas relações políticas entre Estado e sociedade civil.
(BAQUERO, 2000, p.157)

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Homero de oliveira costa

Entre os autores que questionam a centralidade dos partidos na sociedade


moderna e analisam sua crise, podemos destacar os estudos de Offe (1983);
Kay Lawson e Peter H. Merkl (1988); Kirchhhmeier (1990); Rubio (1995);
Aldrich (1995); Valdés (1996); Wattenberg (2000), Gray & Caul (2000), Ba-
quero (2000); Castells (2001); Mair(2003) e Putnam (2005).
O diagnóstico é que os partidos são deficientes na articulação e agregação
dos distintos interesses da sociedade e pouco representativos.
Um dos estudos pioneiros é o de Kirchheimeir (1990). O autor analisa as
transformações dos sistemas partidários na Europa Ocidental nos anos 1960.
Usando o termo catch-all-parties (“partido pega-tudo”) procura mostrar como
os partidos perderam gradativamente suas identidades. Se “pegam tudo” não
há distinções programáticas e ideológicas precisas que possam estabelecer di-
ferenças entre eles.
Para o autor, os partidos se burocratizaram e abandonaram suas posições
de classe (característica do período inicial, ou seja, meados do século XIX e
início do século XX) para formularem propostas difusas, em nome de “todo o
povo”, cujo objetivo é unicamente a conquista do poder.
Outro autor que diagnosticou a crise e a transformação dos partidos foi
Offe (1983). Para ele, as estruturas partidárias haviam se transformado em
verdadeiras “máquinas eleitorais”, em que a conquista do poder político levou à
“desradicalização” ideológica e à indistinção programática, expressa, entre ou-
tros aspectos, na ampliação das alianças eleitorais, muitas vezes entre partidos
sem qualquer afinidade programática e ideológica.
A análise de Offe é até o início dos anos 1980. Depois, esse processo se
amplia, especialmente no que diz respeito às coligações eleitorais. Permitido
pelas legislações, certamente contribuem para o descrédito dos partidos, uma
vez que não se dão por afinidade programática e ideológica, mas apenas por
oportunismo, pragmatismo político e eleitoral.
Valdés (1996) analisando os sintomas da crise das organizações partidárias
na Europa, afirma que as múltiplas expressões da progressiva desconfiança so-
cial em relação aos partidos políticos constituem um fato incontestável e que

As múltiplas expressões da progressiva desconfiança social em relação


às organizações partidárias estão hoje bem à vista. Começando pelo que
resulta ser, sem dúvida, a mais transparente, por ser, obviamente, a mais
elementar: a desconfiança referida tem generalizado uma crescente apa-
tia da opinião pública a respeito das forças políticas tradicionais que vêm
conformando os mais importantes sistemas de partidos europeus, apa-
tia cujas manifestações essenciais têm se concretizado em um descenso
lento, porém generalizado, da participação eleitoral. (VALDÉS, 1996,
p.192, tradução nossa)

12
A crise dos partidos: democracia e reforma política no Brasil

Castells é um dos autores que argumentam no sentido de que há efetiva-


mente uma crise não apenas dos partidos políticos, como da própria democra-
cia representativa. Ao analisar a transformação do Estado-Nação e do processo
político nas sociedades contemporâneas, afirma que “uma vez unidas sob a
perspectiva histórica, essas linhas revelam a crise da democracia exatamente
como a conhecemos no século passado” (CASTELLS, 2001, p. 401).
Para o autor, há uma crise de legitimidade do Estado-Nação, no qual se
acrescenta a falta de credibilidade do sistema político:

fundamentado na concorrência aberta entre partidos, capturados na are-


na da mídia, reduzido a lideranças personalizadas, dependentes de sofis-
ticados recursos de manipulação tecnológica, induzido a práticas ilícitas
para obtenção de fundos de campanhas, conduzido pela política de escân-
dalo, o sistema partidário vem perdendo seu apelo e confiabilidade e, para
todos os efeitos, é considerado um resquício burocrático destituído de fé
pública. (CASTELLS, op.cit., p.402)

Castells elaborou o que chamou de “demonstrativo do índice de votação dos


principais partidos” de algumas das maiores democracias do mundo em dife-
rentes continentes, “avaliando a evolução de cada um deles durante as décadas
de 80 e 90”, mostra como “a tendência global parece confirmar a proporção
decrescente de votos para os principais partidos ao longo do tempo” (CAS-
TELLS, op. cit., p.405).
Analisando dados sobre as eleições das democracias ocidentais, vê-se como
há uma diminuição da participação da população nos processos eleitorais. Para
ele, a democracia está em crise e, como consequência, há uma clara crise de
legitimidade:

as novas condições institucionais, culturais e tecnológicas do exercício


democrático tornaram obsoletos os sistemas partidários existentes e o
atual regime de concorrência política como mecanismos adequados de
representação política na sociedade em rede. (CASTELLS, op.cit., p.408)

Algumas das consequências desse processo são a volatilidade eleitoral e o


enfraquecimento dos partidos políticos.
Na “sociedade em rede” a mídia se destaca como um dos elementos centrais
e de importância decisiva nos processos eleitorais, substituindo os partidos en-
quanto instâncias de representação política.
Há, portanto, uma crise de legitimidade que tem como um dos compo-
nentes essenciais a incapacidade de o Estado cumprir com seus compromissos
como Estado de bem-estar social “dada a integração da produção e do consu-

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Homero de oliveira costa

mo, em um sistema globalmente independente e os respectivos processos de


reestruturação do capitalismo” (CASTELLS, op. cit., p.401).
Para Mair, atualmente, o fato de que “os partidos estão em crise e poten-
cialmente à beira de um grave declínio “é uma idéia mais ou menos aceita entre
os comentadores de todas as democracias estabelecidas” (MAIR, 2003, p.277).
Se antes os partidos eram considerados fundamentais para a manutenção dos
governos representativos e “um elemento essencial na estabilização e funciona-
mento sustentado da moderna democracia de massas”, os partidos políticos “são
hoje frequentemente entendido como instituições arcaicas e desatualizadas”.
No entanto, há um aspecto importante na análise de Mair. É que, mesmo
considerando o fato de que há “muitas provas convincentes e subjacentes à tese
contemporânea do declínio partidário”, argumenta que isso também pode reve-
lar um engano. Na realidade, diz o autor, “embora as organizações partidárias
possam estar a fracassar, os partidos enquanto tais certamente não estão”.
Mair estabelece uma distinção importante entre os partidos e as organizações
partidárias. Para ele, o que está em crise não são propriamente os partidos, mas as
organizações partidárias. O que se observa é o fortalecimento do papel dos partidos
nos governos, enquanto “são acompanhados por uma erosão das suas bases orga-
nizativas, minando desse modo uma chave fundamental da legitimidade política”.
Para ele, é possível resumir seu argumento geral da seguinte forma:

devido a uma série de razões, incluindo mudanças na natureza da demo-


cracia, bem como mudanças tanto nos próprios partidos, como na socie-
dade, em geral, os partidos dão-se conta da sua crescente incapacidade
para funcionarem como agentes de representação.(MAIR, op.cit.p.278)

No entanto, em que pese a crise de representação, a diminuição das filia-


ções, etc, os partidos ainda desempenham um papel fundamental: a de gestão
do Estado. Para Mair, se o papel representativo dos partidos possa estar em
declínio, o seu papel procedimental continua a ser tão essencial como antes.
No que diz respeito à diminuição das filiações partidárias, há vários estudos
que mostram isso, com dados consistentes. Mair e Van Biezen (2001) fizeram uma
pesquisa no início do século XXI e mostram que entre 13 democracias “há muito
estabelecidas da Europa ocidental”, a filiação partidária declinou entre os anos l980
e 1990, de uma média de 9,8% para apenas 5,7%. “Em outras palavras, a filiação
partidária, enquanto percentagem do eleitorado, registra atualmente pouco mais da
metade dos níveis de há apenas duas décadas” (MAIR, op. cit., p. 279).
Outro aspecto diz respeito à organização interna dos partidos. Cada vez
mais são dirigidos por militantes profissionais, que definem suas agendas, sem
que haja participação dos seus filiados e, ao mesmo tempo, passam a depender
cada vez mais do Estado, não apenas em termos de legislação que regula seu
funcionamento, como do aporte financeiro.

14
A crise dos partidos: democracia e reforma política no Brasil

De fato, atualmente, na maioria dos países e em quase todas as democracias


recém-estabelecidas, a fonte de financiamento preferida passou a ser o tesouro
público, de tal modo que o sustento da vida organizacional de muitos partidos
é hoje bastante dependentes das subvenções estatais. (MAIR, 2003, p. 281)

De qualquer forma, há consenso a respeito de uma crise das organizações par-


tidárias e uma de suas expressões diz respeito ao declínio das filiações partidárias,
do ativismo entre os filiados – mobilizados apenas em períodos eleitorais – na ero-
são da identidade partidária e na indiferenciação ideológica entre os partidos, o
aumento da fragmentação partidária e uma desilusão dos eleitores com os partidos.

1.1 - O aumento das abstenções eleitorais nas democracias ocidentais

Um aspecto relevante da crise dos partidos e da representação política se


expressa nos altos índices de abstenção eleitoral. Como afirma Alain Garrigou

Durante muito tempo não se deu atenção à abstenção, já que ela não pe-
sava nos resultados eleitorais. Evocava-se, de memória, uma porcentagem
de participação que pretendia exprimir o interesse provocado pela com-
petição política e passava-se à única coisa que importava: quem ganhou?
Depois, foi necessário admitir que a abstenção não flutuava somente de
acordo com as eleições, mas que continuava a aumentar, mais ou menos
regularmente, e por toda parte. (GARRIGOU, 2002)

Diversos estudos têm constatado o crescimento da abstenção em grande par-


te das democracias ocidentais (LANE e ERSSON, 1999; PEREA, 1999; WAT-
TENBERG, 2000; GRAY e CAUL, 2000; FREIRE e MAGALHÃES, 2002).
No caso da Europa, acrescenta-se que além dos altos índices de abstenções
nas eleições, tanto legislativas quanto presidenciais, maiores ainda são os índi-
ces de abstenções nos Referendos e nas eleições para o Parlamento Europeu.
Freire e Magalhães (2002) afirmam que, especialmente a partir dos anos 1990,
houve um aumento das abstenções nas democracias industrializadas, que incluem não
apenas os países europeus, como os Estados Unidos, Canadá e Japão, por exemplo.
Na pesquisa que fizeram sobre a abstenção eleitoral, os autores separam os
países entre os que têm voto obrigatório (Bélgica e Grécia, por exemplo) e os
que não têm voto obrigatório. Nesse caso, consideram não apenas países euro-
peus com elevado índice de abstenção (como a Suíça) como também países não
europeus, como os Estados Unidos, Canadá e Japão, ou seja, há uma separação
entre três grupos distintos: os países europeus, não europeus e aqueles com
níveis de abstenção “extraordinariamente” elevados (casos da Suíça e EUA).

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