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Geografia do Turismo

Turismo e Geografia do Turismo

Aquilo que hoje apelidamos de turismo tem, pelo menos no ponto de vista formal, os seus
antepassados vincados no vocábulo inglês “tour” que designava a volta, ou ida com retorno
ao ponto de partida, e que era utilizado para denominar a viagem que a jovem aristocracia
britânica encetava no final do seu período de aprendizagem.

Pelo facto do turismo apresentar como berço uma elite extremamente reduzida, este
cresceu intimamente associado ao despontar da civilização industrial ocidental.

A vulgarização do turismo vai-se processar de forma acelerada a partir de 1800 e a partir


desta data o turismo passa a ser visto como um fenómeno merecedor de atenção. No
século XIX, o turismo era ainda encarado numa perspectiva bastante restrita enquanto
actividade de uma dimensão humana e económica significativa, mas com o evoluir dos
tempos, no século XX, este começa a sentir as grandes transformações ( económicas,
sociais e tecnológicas) para se desenvolver massivamente através da sua extensão a
sectores cada vez mais amplos da sociedade ( séc. XX marca o inicio da massificação do
turismo “ Turismo de Massas”).

O turismo aparece-nos, por isso, associado a um processo de difusão social que foi
proporcionado pelo aumento dos tempos livres, generalização das férias pagas e reforço da
acessibilidade ( transportes rodoviários, ferroviários, aéreos, melhoria das estradas e
vulgarização do carro particular ). [1]

Um aspecto que interessa muito ao geógrafo está relacionado com a difusão do fenómeno
turístico no espaço. Desde o final da II Guerra Mundial que a expansão do turismo suscita a
atenção dos geógrafos pelo facto deste manifestar inúmeras repercussões espaciais.

O turismo verifica-se em meios extremamente diferentes : desertos ( oásis, rally’s); campo (


turismo rural, verde, etc); serras ( turismo em áreas naturais ) ;praia ( turismo em áreas
costeiras). Nenhum espaço escapa à extensão geográfica do turismo.

É o crescimento e o desenvolvimento das actividades turísticas no espaço que justifica a


existência de uma Geografia do Turismo e, definitivamente, o turismo exibe problemas
geográficos específicos e as soluções apontadas merecem um atento exame.[2]

O espaço do turismo é um dos pontos fundamentais das necessidades de recreio e ócio e


da sua expressão no mundo contemporâneo. Qualquer que seja a sua forma, a referência
geográfica é sempre mais ou menos evocada na publicidade dos lugares turísticos. O
turismo moderno transmite, graças aos mass media, imagens muito variadas do mesmo
local turístico segundo um prisma eleito para atrair os turistas.

O crescimento e multiplicidade das estruturas hoteleiras e equipamentos destinados ao


turismo, revelam a amplitude das actividades turísticas como fenómeno social, sobretudo
nos países industrializados e urbanizados, com um alto nível de vida e uma estrutura
sociopolítica liberal. O espaço não é somente contemplado mas também ordenado,
remodelado, reestruturado e inclusivamente consumido.

Os fluxos turísticos transformaram muito os lugares de acolhimento e contribuíram para o


nascimento de uma Geografia do Turismo, a um nível mundial. Podemos interrogarmos
acerca das realidades turísticas actuais, especialmente a partir do espaço e do meio
geográfico, do qual às vezes a imagem não é mais do que um decorado reflexo. Com efeito,
a cada tipo de turismo corresponde uma visão e uma utilização do espaço que variam
segundo as épocas e sociedades.

No princípio do século XIX , o turismo é sinónimo de viagem e está fundamentalmente


associado à dimensão do movimento. Em 1816, o veraneio ou a instância de recreio
aparece inseparável da noção de turismo quando se multiplicam os “centros” dos núcleos
termais, balneários.

Em 1899, o turismo foi definido como “ uma viagem”, “um período de ócio” e um desejo de
“curiosidade”. [3]

O Turismo é “ uma eliminação do espaço por pessoas que afluem a um sítio onde não
possuem lugar fixo de residência”, disse Glucksmann ,em 1929, [4] ou “conjunto de
viagens cujo objectivo é o prazer, ou motivos comerciais ou profissionais ou outros
análogos, e durante os quais a ausência da residência habitual é temporária” avançou em
1930 Arthur Bormann. [5]

Mais tarde, e devido à evidência que o turismo é bastante mais do que uma mera viagem,
as definições vão sendo sucessivamente enriquecidas com a sua dimensão económica e
cultural,

“ conjunto de relações pacíficas entre viajantes que se detenham num sítio, as pessoas não
domiciliadas aí e os naturais dessa região” Benscheid, e “ conjunto de fenómenos
económicos e sociais originados pelas viagens”, M. Gautier. [6]

Alguns especialistas em turismo definem o turismo com sendo: “ um conjunto de relações e


de fenómenos resultantes da viagem e da estadia de pessoas, para as quais o local de
estadia não é a sua residência principal, nem o seu local de trabalho actual”, C. Kaspar [7].
(Kaspar relaciona todas as actividades de transporte, comércio, alojamento e diversão no
conceito de turismo). S. Kalfiotis, especialista em economia turística em Atenas, define o
turismo como “ o movimento temporal de pessoas que se deslocam individualmente ou em
grupo, desde o seu domicílio para outro lugar, simplesmente para espairecer ou para
satisfazer os interesses morais ou necessidades intelectuais, provocando assim a criação
de actividades económicas”. [8]

J.L. Michaud, geógrafo e responsável administrativo do conselho superior do Turismo


francês, propôs a seguinte definição de turismo: “ o turismo agrupa um conjunto de
actividades de produção e consumo motivadas pelas deslocações de pelo menos uma noite
fora do seu domicílio habitual, e sendo o motivo da viagem tanto o lazer como os negócios,
a saúde ( termalismo) ou a participação numa reunião profissional, desportiva ou religiosa”.
[9]
Segundo a OMT ( Organização Mundial do Turismo ), “Turismo inclui as actividades
desenvolvidas por pessoas ao longo de estadias e viagens fora do seu enquadramento
habitual por um período consecutivo que não ultrapasse um ano e que seja superior a 24
horas”.

Uma outra definição que importa esclarecer é a de turista. Não existe, ainda, um definição
amplamente aceite por todos os países dado que cada um utiliza os seu próprio conceito.
Para os países escandinavos e a própria Espanha, turista (externo) continua a ser todo o
estrangeiro que cruza as fronteiras. Para a Suíça só são turistas aqueles que utilizam os
estabelecimentos da hotelaria tradicional. Para a Bélgica e Portugal, o turista é todo o
indivíduo que dispende pelo menos uma noite num alojamento temporário fora do seu local
de residência habitual.

O turista é o visitante cuja estadia iguala ou supera as 24 horas; o excursionista é o visitante


cuja estadia é inferior a um dia.

Posto isto, podemos afirmar sem mínima dúvida que, o turismo constitui um fenómeno
muito complexo e que apresenta uma multiplicidade de componentes. O acto turístico é algo
que se desenrola na encruzilhada de uma vasta gama de áreas fenomenológicas, cada uma
delas com a sua própria matriz de possibilidades. O turismo é um fenómeno
multi-dimensional cuja a acção se desenrola tanto numa vertente espacial, como num
campo económico, sociológico e mesmo psicológico. Como resultado de tudo isto, o que se
verifica é a existência de abordagens efectuadas sobre diversos prismas, privilegiando esta
ou aquela dimensão, e dando maior atenção a um ou a outro factor considerado como
importante. Neste sentido, é natural que se possa falar em diferentes tipos/formas de
turismo, por exemplo:

o turismo interno ( que é aquele que é efectuado pelos nacionais de um país sem sair
das suas fronteiras);

o turismo externo ( quando estas fronteiras são ultrapassadas);

o turismo fixo ou sedentário;

o Turismo de interior (onde temos um vasto conjunto que poderemos denominar de


verde e que inclui o turismo de montanha, o agroturismo, o turismo rural, o fluvial e o
lacustre, mas também temos o termalismo e o turismo de habitação ;

o o turismo de litoral é, na sua esmagadora maioria, do tipo de “ sol e mar”

( de resto a grande componente do turismo de massas europeu);

o o turismo urbano que apresenta variedades que vão do histórico até ás originadas por
motivações de carácter cultural. [10]
O turismo é um fenómeno eminentemente dinâmico, não só porque é responsável pelas
mais impressionantes migrações que o nosso planeta jamais conheceu, mas também
porque é o responsável pela transformação acelerada da fisionomia dos lugares. As
migrações massivas dos tempos modernos, com tudo o que lhe está associado( fluxos
financeiros e culturais), é, um elemento fundamental na explicação de determinados locais
de acolhimento, na interpretação da sua organização espacial. O turismo rasga as vias de
acesso, exige equipamentos, valoriza áreas marginais, fixa populações devido à criação de
postos de trabalho, isto é, altera a geografia não só das áreas vocacionadas para a oferta
turística, como das eminentemente emissoras.

É desta forma que, territórios até à pouco distanciados em termos de localização absoluta,
apresentam hoje uma interacção espacial de tal forma importante que, para a sua
interpretação, análise das ligações mantidas com as áreas vizinhas é menos importante do
que aquelas mantidas com outras distanciadas a centenas ou mesmo milhares de
quilómetros. De um espaço produzido em função de, e para, os seus habitantes, temos
agora, e muitos locais, um espaço concebido em função daquilo que é suposto
corresponder à imagem que os turistas têm dele, ou seja, temos um espaço construído,
estruturado à posteriori, onde, para além do reflexo das próprias contradições internas, se
observa cada vez mais a passagem de um espaço vivido e observado, para um espaço se
estadia temporária, quando não de consumo desregrado.

O espaço geográfico constitui um factor fundamental da actividade turística.

Matéria-prima do turismo, o espaço geográfico, é assim elemento indispensável na


descodificação e compreensão dos padrões turísticos actuais. As suas características, que
se podem denominar de factores geográficos ( naturais, humanos ou técnicos) são elas
próprias uma expressão da localização e situação dos lugares.

Figura n.º

Os factores geográficos na localização turística

Paisagem

Sítio

Factores Naturais Clima

Vegetação

Factor hídrico

FACTORES
GEOGRÁFICOS

Arte e Cultura

Factores Humanos Religião e Desporto

Congressos e Feiras

Transportes – tempo e custo

Factores Técnicos Meios de acolhimento

Meios de animação

Fonte: MOREIRA, J.F., Turismo em Espaço Rural, p. 29

Os factores geográficos naturais desempenham um papel básico no poder atractivo dos


centros turísticos. A paisagem turística, quer seja natural, quer produto da acção deliberada
dos operadores económicos, constituí não só o cenário e decoração do acto turístico, como
o elemento invocador por excelência das imagens e ambientes associados através da
publicidade à pratica dos seus diversos tipos.

Outra componente com grande responsabilidade na atracção dos centros turísticos está
relacionada com o sítio. Este, ao contrário da paisagem que serve de enquadramento,
constituí o ambiente específico onde tem lugar o acto turístico, sendo desta forma, o
responsável por parte das características particulares conferidas aos vários centros de
turismo.

Igualmente com grande importância nalguns tipos de turismo ( balnear e de inverno), o


clima desempenha, mesmo para outras modalidades onde a sua interferência é menos
evidente, um papel da atracção e definição dos ritmos sazonais de turismo. A temperatura,
pluviometria, ventos, são factores geográficos preponderantes na distribuição do actual
turismo mundial, regional e local. Intimamente associada ao factor climático, a vegetação é
outro dos elementos a ter em linha de conta no estudo da atracção turística. Raramente
preponderante ( salvo, por exemplo, no turismo em parques naturais), a vegetação é um
complemento decorativo importante para os tipos de turismo praticados fora dos centros
urbanos. A presença de superfícies aquáticas é um factor que, por si só, pode servir de
base ao desenvolvimento turístico. Inicialmente com maior peso, o turismo fluvial e lacustre,
viu a sua importância decair à medida que as preferências se deslocavam para as águas
marinhas. A água salgada, procurada numa primeira fase numa perspectiva de cura
(talassoterapia), é actualmente atractiva mais por razões culturais. O litoral tornou-se um
espaço de lazer, de afirmação social e de libertação dos usos e costumes tradicionais.
Os factores humanos na atracção e localização turística estão indissociavelmente ligados
ao domínio cultural. Os aspectos culturais constituem por si só um factor capaz de dirigir e
alimentar consideráveis fluxos turísticos. É assim que monumentos históricos e artísticos
são importantes animadores de vários centros turísticos, normalmente associados às
grandes capitais possuidoras de centros históricos.

Nos factores técnicos importa realçar, essencialmente, os meios de transporte.


Efectivamente, é o seu desenvolvimento, fundamentalmente a vulgarização do automóvel
particular, uma das condições sem a qual o turismo de massas não seria a realidade que
todos conhecemos actualmente.

Mobilidade e acessibilidade, capacidade de carga e rapidez, são algumas das exigências


que o turismo coloca cada vez mais com maior acuidade ao sector dos transportes, e isto
porque o tempo de duração e o custo das deslocações intervêm muito directamente na
formação dos fluxos turísticos. Espaço tempo e espaço custo são, assim, dois elementos
fundamentais na compreensão dos actuais padrões turísticos. Outro dos factores técnicos
importantes são os meios de acolhimento e animação. [11]

Tudo isto que se referiu até então pode ser visto como lado positivo do fenómeno turístico,
todavia, este traz consigo inúmeros problemas.

“ Os recurso económicos que o turismo proporciona são inegáveis e desprezá-los seria


economicamente impensável: mas é necessário ter em conta também as suas limitações.” (
C.A. Medeiros)

Efectivamente, o turismo revela-se uma actividade com efeitos contraditórios: por um lado,
responsável pelo crescimento económico de muitas regiões, e por outro lado, é ele próprio a
fonte de inúmeros problemas que, mais cedo ou mais tarde, se começam a manifestar. É de
reter que os efeitos perversos da prática turística só ganham uma dimensão preocupante
quando nos situamos dentro de um turismo de massas ( ou de um turismo difuso mas
praticado em áreas particularmente sensíveis) e, quando este assume uma importância
desmesurada na estrutura funcional local ou regional.

A multiplicidade e grandeza dos interesses em presença no fenómeno turístico, a vontade


de obter grandes e rápidos lucros e ainda a falta de cultura que impede a tomada de
consciência de que o espaço turístico não é um bem renovável, constituem um cenário que
está longe de ser animador. A prática turística implica, por isso, o estudo do seu impacte no
património natural e humano .

No que concerne ao património natural, existem dois problemas centrais que se colocam :
um que diz respeito ás modificações operadas na paisagem através do consumo do espaço
para a construção de infraestruturas; o outro está relacionado com os desequilíbrios
ecológicos que uma frequente utilização turística pode provocar. O primeiro problema é
aquele que se afigura mais complexo na medida em que a paisagem é uma das principais
atracções turísticas e é ao mesmo tempo uma das suas maiores vítimas.
A salvaguarda do património humano passa por acções dirigidas à conservação e restauro
do património físico sujeito à pressão turística e passa, também, pela protecção da
identidade das populações de acolhimento.

Relativamente aos efeitos económicos provocados pelo turismo podemos salientar as


transformações nos preços dos terrenos e consequentemente as alterações nas estruturas
fundiárias, as alterações nos níveis de rendimentos e portanto nos sectores de emprego, a
criação de empregos directos e indirectos, o que conduz a uma redistribuição geográfica da
população em função dos principais centros turísticos.

O fenómeno turístico é algo que tem sofrido alterações ao longo do tempo e por isso é usual
afirmar-se que o devir turístico estruturar-se-á em função de duas variáveis fundamentais: a
evolução dos níveis de rendimento( o que deriva das conjunturas macro-económicas das
sociedades modernas), e as variações nos padrões sociológicos inerentes às motivações
de quem encetar um acto turístico.

Tido até há relativamente pouco tempo como algo associado ao consumo supérfluo, o
turismo actual é, cada vem mais, encarado como um elemento fundamental à saúde e bem
estar das populações, sujeitas a constantes agressões nos seus meios habituais de
residência. Nesta perspectiva, o turista do futuro tenderá para procurar o verdadeiro
repouso que lhe permita a regeneração das suas energias.

Desenha-se, portanto, no horizonte do turismo mundial uma tendência no sentido de uma


grande diversificação na procura turística, quer no domínio dos espaços, quer nos das
formas de alojamento, actividades, modos de organização das viagens, e mesmo,
experiências e descobertas.

[1] MOREIRA, J.F., Turismo em espaço rural, 1994, p.17 )

[2] LOZATO-GIOTARD,J.P., Geografia del Turismo,1990, p.10

[3] cit. por LOZATO-GIOTARD, 1990, p. 10

[4] cit. por MOREIRA, J.F., Turismo em espaço rural, 1994, p. 18

[5] cit. por MOREIRA, J.F., Turismo em espaço rural, 1994, p.18

[6] cit. por MOREIRA, J.F., Turismo em espaço rural 1994, p. 18

[7] cit. por LOZATO-GIOTARD, J .P., Geografia del Turismo, 1990, p.10

[8] cit. por LOZATO-GIOTARD, J. P., Geografia del turismo, 1990, p. 11


[9] cit. por MOREIRA, J.F., Turismo em espaço rural 1994, p. 18

[10] MOREIRA,J.F., Turismo em espaço rural, 1994,p.22

[11] MOREIRA,J.F., Turismo em espaço rural, 1994, p. 29

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