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João Rubens da Costa Castro¹, Kênia Carina Jorge Sobrinho Arruda Nogueira²
1 Bacharelando no Curso de Direito
2 Professora Especialista do Curso de Direito
Resumo
Este Artigo tem o escopo de sopesar dois direitos em aparente conflito, quais sejam o direito à progressão de regime conferido ao
encarcerado pela Lei 7.210/1984 e o direito à incolumidade pública garantida pela Constituição Federal à sociedade em geral. O
aparente conflito se daria quando o preso em regime fechado preenche os requisitos para progredir ao regime semiaberto, mas não
pode o fazer pela falta de vagas em estabelecimento apropriado para o cumprimento deste regime, momento em que o preso é
colocado em regime mais brando, seja este o aberto ou a prisão domiciliar. A progressão por salto automática quando ocorre esse
tipo de situação pode não ser a melhor solução, vez que frustra a intenção da ressocialização paulatina concebida pelo legislador e
pode colocar em risco toda a comunidade ao reintegrar um condenado que não cumpriu as etapas para sua reinserção gradativa no
convívio social. Para dirimir este conflito, vamos analisar o instituto do exame criminológico, que pode traçar o perfil do encarcerado e
dizer com precisão se este está apto ou não a retornar ao seio da sociedade mesmo sem ter cumprido as etapas previstas na
legislação penal.
Palavras-Chave: Regimes de Cumprimento de Pena; Progressão Per Saltum.
Abstract
This present article has the scope to balance two rights in apparent conflict, which are the right to downgrading incarceration conditions
foreseen by the Law 7.210/1984 and the right to public safety guarantee by the Federal Constitution to society in general. The apparent
conflict would occur when inmate in closed conditions fulfills the requirement pr s to ogress to the semi-open condition, but can’t do so
due to the lack of vacancies in minimum-security facility to achieve this condition, so the prisoner is placed in a milder condition, either
under open condition or house arrest. The automatic progression per saltum, when this type of situation occurs, may not be the proper
solution, since it frustrates the intent of a gradual rehabilitation intended by the legislature and can endanger the entire community,
when it reintegrates a convict who has not fully accomplished the steps to his gradual reintegration in social life. To overcome this
conflict, we will analyze the criminological exam institute, which can profile the incarcerated and accurately report whether or not he is
able to return to the bosom of society even without having followed the steps provided by the Criminal law.
Keywords: Prison Conditions; Progression Per Saltum.
Contato: joaorccastro@gmail.com
7 9
Beccaria, 2006, p. 56. Schmitt, 2010, p. 85.
8 10
Foucault, 2000, p. 88. Andreucci, 2013, p. 86.
cárcere para que este não torne a ferir outras Sobre cada regime adotamos alguns
vítimas11. trechos das lições de Rogério Greco:
a) regime fechado a execução da pena em A lei estabelece que somente poderá ingressar
estabelecimento de segurança máxima ou nesse regime o condenado que estiver
média; trabalhando ou comprovar a possibilidade de
fazê-lo imediatamente. Vê-se, portanto, que a
b) regime semiaberto a execução da pena em condição sine qua non para o início do
colônia agrícola, industrial ou estabelecimento cumprimento da pena ou mesmo a sua
similar; progressão para o regime aberto é a
possibilidade imediata de trabalho do
c) regime aberto a execução da pena em casa condenado. Sem trabalho não será possível o
15
de albergado ou estabelecimento adequado. regime aberto .
13
Greco, 2010, p. 482.
14
Ibdem, 2010, p. 484.
15
Ibdem, 2010, p. 485.
11 16
Nucci, 2011, p. 1001. Andreucci, 2013, p. 339.
12 17
Andreucci, 2013, p. 340. Exposição de Motivos do CP, item 37.
condições menos severas, “atentando-se às Não é plausível que um crime de maior
condições personalíssimas do agente e à natureza potencial ofensivo tenha sua pena executada da
do crime cometido”18. mesma forma que um crime de menor gravidade.
Em um breve apanhado histórico sobre ao Beccaria há muito já nos ensina que “se pena
sistema penitenciário, temos quatro sistemas igual for cominada a dois delitos que
penitenciários que se diferem entre si desigualmente ofendem a sociedade, os homens
principalmente no nível de contato do preso com não encontrarão nenhum obstáculo mais forte
outras pessoas. para cometer o delito maior, se disso resultar
O primeiro sistema é o Filadélfico, que tinha maior vantagem”22.
um conceito notadamente eclesiástico e era Pelo exposto, vê-se que a intenção do
baseado no isolamento total do preso, sem legislador é que a progressão seja gradual, e a
nenhum tipo de trabalho ou contato com outros doutrina entende da mesma maneira: que a
presos. colocação do condenado em liberdade deve ser
O segundo sistema é o Alburniano, que feita em etapas, do regime mais rigoroso para o
permitia o trabalho dos presos em um espaço em mais benéfico.
comum mas mantinha a prática do isolamento e
do silêncio absoluto presentes no sistema
Filadélfico. Da Progressão por Salto
O terceiro sistema é o que utilizamos hoje, o
Progressivo, com privilégios concedidos aos Diz-se progressão per saltum quando o
presos de acordo com o tempo de sua pena e o condenado não cumpre a sequência dos regimes
tempo de pena já cumprido. estabelecidas em lei, quais sejam: o fechado, o
O quarto sistema é baseado no Progressivo, semiaberto e o aberto23. Ou seja, ocorre quando
mas voltado principalmente aos jovens infratores. as exigências para cada progressão não são
Na estrutura do Reformatório a vigilância existem obedecidas na ordem e no momento coreto.
mesmo depois do cumprimento da pena, visando Para progredir, o preso deve cumprir alguns
a reinserção, a adaptação e a educação do requisitos. No artigo 112 da LEP temos:
egresso.19
A progressão de regime no cumprimento da Art 112. A pena privativa de liberdade será
pena é uma das medidas que visam garantir a executada em forma progressiva com a
ressocialização do condenado e sua reintegração transferência para o regime menos rigoroso, a
ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver
gradativa à sociedade. Observados o tempo
cumprido ao menos um sexto da pena no
mínimo de pena cumprido e o mérito do regime anterior e ostentar bom comportamento
condenado, a progressão é concedida – este é o carcerário, comprovado pelo diretor do
critério subjetivo e aquele primeiro o critério estabelecimento, respeitadas as normas que
objetivo. vedam a progressão.
Greco diz que “a possibilidade de ir
galgando regimes menos rigorosos faz com que
os condenados tenham a esperança de retorno Deste modo, apenas o juiz da execução
paulatino ao convívio social”20.Deste modo, pode autorizar a progressão de regime, esta que
deve ser decretada em decisão motivada quando
podemos concluir que a execução da pena está cumpridos os requisitos objetivos e subjetivos24.
centrada num sistema de (re)inserção do O requisito objetivo é o cumprimento de um
condenado à vida em sociedade. E, não nos sexto da pena – observadas as exceções para os
restam dúvidas de que tal (re)aproximação do crimes hediondos, no qual o lapso temporal é de
condenado à comunidade deve ser feita (como
regra) de forma gradativa, de acordo com o
dois e três quintos da pena, se o apenado for
mérito demonstrado na execução da pena que primário ou reincidente, respectivamente 25.
21
lhe foi aplicada (sistema da progressividade) . O requisito subjetivo é o mérito próprio do
condenado, ou seja, a boa conduta carcerária, que
deve ser atestada pelo diretor do estabelecimento
As diferentes sanções e diferentes regimes prisional.
de cumprimento presentes no Direito Penal visam Vale ressaltar que o Código Penal traz, no
punir de maneira individual e particular cada crime artigo 33, §4º, mais um requisito para a
e é por esse motivo que a extratificação e a progressão de regime em crimes contra a
diferenciação existente em cada regime deve ser Administração Pública, qual seja a reparação do
observado. dano ou a devolução do produto do ilícito.
Sobre a progressão, o Superior Tribunal de
18
Justiça editou a Súmula 491, que diz ser
Ibdem, item 33.
19
Dos Sistemas Penitenciários. Por Henrique Viana Bandeira
inadmissível a progressão per saltum de regime
Moraes. Disponível em http://www.ambito-
22
juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1 Beccaria, 2006, p. 44.
23
2621. Acessado em 18 de setembro de 2014. Art. 33, §1º, CP.
20 24
Greco, 2010, p. 486. Andreucci, 2013, p. 340.
21 25
Schmitt, 2010, p. 83. Art. 2º, §2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990.
prisional26. Esta posição pacificada que foi periculosidade, isto é, sua tendência a voltar à
30
sumulada e publicada no DJe no dia 13 de agosto vida criminosa .
de 2012 tem o escopo de ratificar o disposto no
artigo 112 da LEP – o qual é o fundamento para
esta súmula e, desta forma, exigir que sejam O parágrafo único do mesmo artigo 8º
cumpridos os requisitos objetivos e subjetivos dispõe que este exame pode ser aplicado ao
necessários para a concessão da progressão de condenado ao cumprimento da pena em regime
regime. semiaberto. É uma permissão, e que fica a cargo
Na Exposição de Motivos da Lei de do juiz aplicá-lo ou não.
Execuções Penais o legislador dispôs Há também a súmula vinculante 26 do STF
expressamente a respeito da progressão em salto: e a súmula 439 do STJ, com o seguinte teor:
26
Súmula STJ nº491, DJe 13/08/2012.
27
Item 120, Exposição de Motivos da LEP
28 30
HC 232432/SP STJ. Rel. Min. Alderita Ramos de Oliveira. Nucci, 2011, p. 1008.
31
Sexta Turma. DJe 04/04/2013 HC 112625/RS. STF Rel. Min. Luiz Fux. Primeira Turma. DJe
29
Art. 8º, in fine, LEP. 18/10/2012.
Art. 112. A pena privativa de liberdade será sumariamente. Isso porque a gravidade do delito
executada em forma progressiva, com a cometido pelo condenado ao regime semiaberto é
transferência para regime menos rigoroso, a bem menor que o crime cometido por aquele
ser determinada pelo Juiz, quando o preso tiver
condenado ao regime fechado. E o
cumprido ao menos 1/6 (um sexto) da pena no
regime anterior e seu mérito indicar a
constrangimento ilegal, nesses casos, seria
progressão. evidente e ocorreria sem motivo plausível.
Agradecimentos
40
Montesquieu, 1995, p.152.
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