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1
Cf E. KÄSEMANN, El culto en la vida cotidiana del mundo, em: Ensayos exegéticos, 1978, pp. 21-28.
2
E. SCHILLEBEECKX, El culto secular y la liturgia eclesial, em: Dios, futuro del hombre, Salamanca, 1970. pp. 106-124.
II – LITURGA NOS SÉCULOS II E IV
O cristianismo se estende em diversas regiões do mundo greco-latino. As comunidades
cristãs vão se solidificando em sua identidade e originalidade. Aos poucos, a Igreja nascente vai se
transformando na grande Igreja ou Igreja universal. Os períodos de paz (no II séc.) favoreceram a ação
evangelizadora e a organização interna da Igreja. Isto se refletiu na elaboração teológica e nas formas de
culto, nas expressões literárias e artísticas. Com o Edito de Milão, os cristãos passam a tomar parte em
novo ambiente e numerosos membros das classes dirigentes se convertem à fé cristã. Aumenta o número
de cristãos, mesmo sem uma boa qualidade.
3
Para elucidar melhor a evolução da Eucaristia cf. Didaché 14,1s; Justino, I Apologia 67, Hipólito, Traditio Apostólica 9.
4
Cf Ap 1,10; DIDACHÉ 14,1;
5
JUSTINO, I Apologia, 67;
Menor tinham o costume de celebrar a Páscoa na mesma data dos judeus – dia 14 de Nisã. Outras
comunidades, como as de Roma, do Egito, da Grécia e da Palestina, celebravam a Páscoa anual, não no
dia dos judeus, mas no domingo que segue ao dia 14 de Nisã. Depois de muitas polêmicas, e sob a
mediação tolerante de S. Irineu, acertou-se que a Páscoa cristã passa a ser celebrada no domingo seguinte
ao dia 14 de Nisã.
A influência do Gnosticismo
O fenômeno do gnosticismo, particularmente atuante nos séculos II e III, teve profundas
influências no campo litúrgico. O gnosticismo caracterizava-se pelo desprezo ao material e corporal. Isto
dá início à concepção dualista. As comunidades cristãs se vêem diante de um novo desafio. Haviam lutado
contra as concepções grosseiras e materialistas do ambiente pagão e judeu e acentuaram o “culto
espiritual”. Um culto que não tem necessidade de lugares, datas sagradas ou manifestações externas e
barulhentas. Um culto que nasce da adoração e sai do coração, floresce na oração de ação de graças e se
estende na vida. A Igreja passa:
▪ a defender o lado exterior e material da religião cristã e do seu culto;
▪ a valorizar a oferenda interior do coração e os elementos matérias das expressões da
fé crista;
No fim do século II ou no começo do século III, Minúcio Félix escrevia: “Não temos
altares”. Era um desafio que reivindicava o caráter espiritualista do culto cristão. O altar evocava o altar
dos antigos sacrifícios. Os cristãos ofereciam vítimas espirituais (Rm 12,1-2). Em suas reuniões os
cristãos se colocavam em volta de uma mesa comum e participavam da “vitima espiritual” representada
pelo Corpo e pelo Sangue do Senhor em memória de sua morte (1Cor 11,20.27).
Santo Irineu de Lião mostra que a eucaristia tem suas raízes na criação material, no pão
e no vinho, que são da terra, elementos da criação, que transformação em Corpo e Sangue de Jesus Cristo.
Assim a Eucaristia é constituída pelo elemento espiritual: a invocação de Deus, e o elemento material-
terreno: o pão e o vinho, elementos da criação material que procedem do próprio Deus. Antes, acentuava-
se a “ação de graças” pronunciada sobre os dons terrenos, agora, ressalta-se a dimensão material dos
elementos da celebração cristã. A “ação de graças” (eucaristia) cede espaço às palavras: “oblação”,
“sacrifício”.
Por influência do gnosticismo ocorrem diferentes mudanças:
▪ a comunidade reunida ao redor de seu bispo ou presidente da celebração, sentado na
cadeira presidencial, agora o centro é o altar, como o lugar do sacrifício;
▪ as mesas de madeira, ao redor das quais se reuniam os fiéis, cedem lugar ao altar de
pedra6;
▪ Os fiéis são convidados a levarem oferendas para o altar;
2.1.1- Simplicidade da Liturgia Primitiva
A Liturgia primitiva é maravilhosamente simples. Esta é a primeira nota que salta à vista
quando alguém lê as informações das primeiras testemunhas: Didaché, São Justino, Tertuliano, S.
Hipólito, etc. Os símbolos culturais são claros e expressivos.
Tertuliano escrevendo sobre o batismo, maravilhava-se pela estupenda simplicidade dos
ritos batismais: “Não há nada que chame tanto atenção da gente como o contraste entre a aparente
simplicidade das obras divinas e a grandeza dos efeitos prometidos. É isto que ocorre aqui. Tudo se
desenvolve com a máxima simplicidade, sem teatralidade, sem pompa”7.
6
Cf. NEUNHEUSER B., O movimento litúrgico: panorama histórico e linhas teológicas, em Anmnesis l, p. 67-68
7
TERTULIANO, De Baptismo 2,1.
Mais tarde, Santo Agostinho, como representante da Igreja na África, insistirá
novamente sobre este ponto, em sua carta a Genaro, ressaltando o insignificante número dos sacramentos
cristãos, a facilidade de sua celebração e a riqueza de seu conteúdo 8.
2.1.2- Simplicidade da celebração do Batismo
Os Atos dos Apóstolos descrevem com sobriedade exemplar o batismo do eunuco
realizado pelo diácono Filipe no caminho de Jerusalém a Gaza (At 8,26-39): breve anúncio de Jesus
pronunciado por Felipe; confissão de fé em Jesus Cristo, filho de Deus, por parte do eunuco; imersão na
água.
A Didaché, o documento cristão mais antigo da literatura pós-apostólica, procede da
comunidade de Antioquia, prescreve assim, em sua versão original, a celebração do batismo: “Acerca do
batismo, batizado desta maneira: em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, em água viva”. 9 Mais
tarde, a mentalidade marcadamente casuística aumentará uma série de prescrições que se distanciam
sensivelmente da simplicidade quase lacônica da redação original: “se não tens água viva, batiza com
outra água; se não podes faze-lo com água fria, fazê-o com quente. Se não tiveres nem uma nem outra,
derrama água na cabeça três vezes em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”.10
Justino também transmite uma singular simplicidade quanto ao rito batismal: “Quantos
se convertem e te fé de que são verdadeiras essas coisas que ensinamos e dizemos, e prometem poder
viver conforme a elas se lhes instrui sobretudo para orarem e peçam, com jejuns, perdão a Deus de seus
de seus pecados, anteriormente cometidos, e nós rezaremos e jejuamos juntamente com eles. Logo os
conduzimos a um lugar onde haja água, e pela mesma, forma de regeneração com que nós também fomos
regenerados, eles também são regenerados”11.
À luz dessas descrições seria anacrônico pensar em batistérios ou lugares especiais
reservados para o batismo. Este celebra-se em qualquer lugar onde haja água, seja de fonte, seja de rio ou
mar; sob o teto ou ao ar livre. Tudo fica condicionado às exigências reais de cada comunidade. As
renúncias, os exorcismos, os ritos de unção, consignação e imposição das irão aparecendo
progressivamente e de modo crescente.
2.1.3 – Simplicidade da Eucaristia
No início do cristianismo a celebração da eucaristia, limitada às vezes, em algumas
comunidades, ao domingo, e as eventuais celebrações do batismo, poucas eram as práticas religiosas e
culturais que se observavam nas comunidades primitivas.
A estrutura da celebração eucarística aparece desde o princípio elaborada com grande
simplicidade e maravilhosamente clara. São Justino nos informa com certa precisão sobre a modalidade
primitiva da celebração eucarística. Seu testemunho é tanto mais valioso enquanto a celebração cristã é
vista e interpretada com os olhos e a mentalidade de um leigo, acentuando inconscientemente valores que
jamais chamariam a atenção de uma mentalidade. Uma celebração da Palavra, abertamente inspirada no
culto da Sinagoga, precede à Eucaristia. Os elementos que a integram são simples e bem definidos: leitura
dos escritos apostólicos e dos profetas, homilia ou sermão daquele que preside a assembléia, oração da
comunidade e provavelmente canto dos salmos.
A eucaristia iniciava com o beijo da paz. Apresentam-se os dons de pão e de vinho
àquele preside. Este pronuncia a oração de “ação de graças” sobre os dons; parte-se o pão e se repartem os
dons consagrados entre os membros da assembléia12.
8
Cf. SANTO AGOSTINHO, Carta, 54.
9
DIDACHÉ, 7,1.
10
AUDET, J.P., A DIDACHÉ, Instruções dos Apóstolos, Paris, 1958, p. 104-120, 257-267.
11
JUSTINO, Apologia 1.61
12
Cf S. JUSTINO, Apologia I, 65 e 67.
2.1.4 – Calendário litúrgico
O cristianismo primitivo não conheceu um calendário litúrgico complexo como o atual.
Até o 4o século o ano litúrgico conta com uma só festa, a Páscoa. Esta é a festa por excelência. Cada
semana, o Dia do Senhor, o domingo vem a ser uma celebração semanal da Páscoa, atualizada
misteriosamente na celebração eucarística, memorial da morte e da ressurreição do Senhor. A Páscoa
anual celebra este mesmo mistério, mas com um relevo e uma acentuação especial.
Gradualmente, em torno da festa pascal irá se criando um período de preparação que se
prolongará progressivamente com o correr do tempo, até chegar a seis semanas no tempo de Eusébio de
Cesaréia, no século IV; e outro período de prolongamento, denominado de Pentecostes, por constituir um
espaço de cinqüenta dias consecutivos. Só no século V segundo as informações de Egéria, aparecerá a
oitava da Páscoa e a celebração do dia quinquagéma em memória da vinda do Espírito Santo. Nesta época
também começam a surgir as festas relacionadas ao ciclo do Natal.
13
DIDACHÉ VIII,1.
14
IDEM, X,7.
15
S. JUSTINO, Apologia I, 67.
imediatamente à anáfora que Hipólito apresenta como modelo. A alusão à anáfora é evidente. Diz assim:
“Se alguém oferece azeite, que dê graças da mesma forma que para oferenda do pão e do vinho; não com
as mesmas palavras, porém com o mesmo sentido”16. E pouco mais adiante, mas sempre fazendo alusão
ao texto da oração eucarística proposta por ele, diz: “O Bispo dê graças conforme dissemos antes. Não é
necessário que diga as mesmas palavras que propusemos, como se tivera estudado de memória a
eucaristia. Pelo contrário, que cada um reze conforme sua capacidade. Se alguém é capaz de orar muito e
de dizer um texto solene, está bem. Se outro, ao orar, diz uma prece muito simples, que ninguém lhe
impeça. O que importa é que sua oração seja ortodoxa”17. A espontaneidade e a improvisação refletiam
um caráter próprio da oração “no espírito, ou seja, do “culto espiritual: nascimento da oração pela
presença do Espírito em nós, sem formulações estudadas e fixas.
Aos poucos a espontaneidade e a improvisação vão cedendo lugar à uma certa fixação,
porque a oração devia ser expressa não apenas com “solenidade de expressão e mais ainda com palavras
adequadamente pensadas e precisas no seu significado. Aqui já se manifesta a mentalidade jurídica
romana que julgava válido o que era estabelecido: “O direito está ligado à palavra na sua expressão”. A
partir disto passa-se a fixar as fórmulas cultuais18.
Nesta perspectiva da fixação, é sintomático que a própria Traditio Apostólica que
incentivava a espontaneidade, traz uma série de fórmulas litúrgicas. Por que isto? Talvez já se evidencie a
preocupação:
▪ De se preservar a tradição;
▪ De se precaver contra as possíveis ameaças de erros heréticos, fruto da ignorância;
▪ De se invalidar o rito (influência pagã), isto faz com se valorize mais a palavra
escrita do que a oração espontânea, sob a inspiração do Espírito.
Da tendência de se estabelecer textos fixos e oficiais, e o abandono da espontaneidade
primitiva, surge os “libelli”. Fascículos contendo o conteúdo das celebrações. É o primeiro passo de uma
regulamentação oficial das formas e que darão origem aos livros litúrgicos propriamente ditos: os
sacramentários que irão se estruturando lentamente, mas de modo progressivo. A aparição dos
sacramentários marca praticamente o fim da improvisação espontânea. O primeiro ensaio de
regulamentação está representado no chamado Sacramentário Veronense: uma espécie de coleção de
“Libelli”, de fascículos diversos aos quais se pode recorrer eventualmente em ocasiões de festas ou
solenidades.
Paralela à sistematização das orações cultuais, irá amadurecendo a formulação
sistemática das normas a serem seguidas nas celebrações do culto que, em seu primeiro estágio, o de
Ordens Romana, só pretenderão ser, não uma regulamentação oficial fixa, mas simples pauta ou diretório.
2.1.7 – Das casas à Basílica
As primitivas celebrações cristãs realizavam-se nas “salas de uma casa” particular ou
familiar, adaptada para a ocasião – eram as “Domus ecclesiae” – casas da assembleia (cf At 20, 5-12; Fm
1,2.). Aos poucos os cristãos vão assimilando os costumes, as tradições e expressões do império que,
agora é cristão. Os conceitos também mudam. O Senhor que havia nascido numa pobre gruta de Belém,
agora passa a ser cultuado no interior da basílica. A Deus e a Jesus se emprestam as categorias, antes
tributadas ao imperador. A basílica – casa do rei ou sala de audiências do rei (“basileus”) - é adaptada para
o culto cristão19. “Aplicam-se à celebração do Imperador do céu muitos gestos e palavras que
correspondem ao imperador da terra e inicialmente, o imperador cristão, sem deixar de ser homem, reflete
a majestade do Deus que os cristãos adoram.
16
BOTTE B. A Tradição Apostólica de Santo Hipólito, n. 9 . Münster, 1963,pp. 18-19.
17
IDEM,p 28-29.
18
Cf. NEUNHEUSER B., O movimento litúrgico: panorama histórico e linhas teológicas, em Anmnesis l, p. 64-65.
19
JOUNEL J., Lugares de Celebração, em Dicionário de Liturgia, Paulinas, 1992. pp. 695-697. Cf. BOROBIO D. A
Celebração Cristã, Vol I, Loyola. 1990.pp 76-79.
2.1.7- Do grego popular ao Latim
A primeira pregação da mensagem cristã teve lugar em um meio ambiente humilde e
popular, diríamos hoje: pequenos comerciantes, marinheiros, pescadores, prisioneiros de guerra, escravos,
expatriados, emigrantes do Oriente estabelecidos nas grandes cidades do Ocidente, especialmente nos
locais de portos de mar. A língua falada por estas pessoas oriundas da Ásia e dispersas por todo o império
era o Koiné ou grego popular.
Nesta língua foi proclamada, pela primeira vez, a mensagem cristã. Dela se serviram os
Apóstolos para escrever suas cartas e os evangelistas para redigir os seus evangelhos. Esta também foi a
língua usada pelos bispos e presbíteros para proclamar a grande oração eucarística nas assembléias
litúrgicas, na fração do pão.
Gradualmente vai se abrindo caminho a um processo de latinização no meio das
comunidades cristãs do Ocidente. O aumento considerável dos que falavam latim provocou a necessidade
urgente do latim como língua cristã. A latinização, entretanto, não será obra de um diz. É aos poucos que
ela vai se tornar a língua oficial da Igreja.
Os primeiros textos traduzidos do grego para o latim foram da Sagrada Escritura, na
segunda metade do século II. Assim aparecerá a chamada: Vetus Latina (Velho Latim). Quase
simultaneamente irão aparecendo versões de outros textos não bíblicos, tais como as Cartas de São
Clemente de Roma. Mas o grego permanecerá sendo a língua da Igreja de Roma até o século III e nas
celebrações litúrgicas continuará a ser usado até o final do século IV. A passagem do grego para o latim
na liturgia de Roma, e de modo concreto no que se refere ao cânon ou à oração eucarística, viria a ser
efetuada no pontificado do papa Damaso (366-384). A Igreja da África foi a primeira a exprimir-se em
língua latina e foram os africanos Tertuliano, Cipriano e Agostinho e outros que forjaram
fundamentalmente o vocabulário teológico e litúrgico da Igreja do Ocidente.
2.1.8 – Massificação da Comunidade eclesial
A paz constantineana e o fim das perseguições religiosas contra os cristãos, mantidas
durante muito tempo dentro do Império Romano, provocaram uma curva considerável no
desenvolvimento histórico do cristianismo, da Igreja e de suas instituições. Assistimos então a um
fenômeno de massificação no interior das comunidades cristãs, fruto, em parte, das conquistas
conseguidas pela Igreja no correr de vários séculos de expansão incessante. No entusiasmo dos anos de
paz e de crescimento, mais por conveniências sociais e políticas do que por razões de fé, vai se debilitando
fatalmente a força e o vigor do anúncio primitivo.
Onde mais se fez sentir a avalanche da massificação foi nas celebrações litúrgicas.
Quando a massa dos novos cristãos invade a assembléia, esta perde sua primitiva vitalidade, se
despersonaliza, debilita-se o carisma profético dos primeiros tempos. A comunidade se vê abrigada a
abandonar a “Domus ecclesiae”, simples e familiar para transladar-se à suntuosa basílica. O simples e o
familiar cedem espaço ao maravilhoso, transcendente e teofânico da liturgia romana. A liturgia assume o
cerimonial da basílica imperial. Toda a celebração eucarística desenvolve-se em meio a uma grande
magnificência e uma suntuosidade que se distancia muito da primitiva simplicidade.
Efetivamente, podemos dizer que o triunfalismo constantiniano fez a sua entrada na
liturgia da Igreja Católica.
▪ As vestes e as insígnias pontificais serão uma herança direta das insígnias e
condecorações honoríficas próprias dos altos dignitários do império. A partir da paz constantiniana os
bispos recebem o título de “ilustres” e o papa o de “gloriosíssimo Papa”, equiparando-se assim aos
príncipes imperiais. O manto que o Papa leva desde o século V e posteriormente levarão também os
bispos, é uma insígnia honorífica, reservada originariamente aos altos dignitários imperiais. Do pálio
(manto) derivará depois a estola dos sacerdotes. As mesmas origens profanas e honoríficas terão a
dalmática e a planeta dos antigos senadores romanos;
▪
Encontramos também uma série de cerimônias litúrgicas assimiladas do protocolo
imperial. Assim, o ajoelhar-se ou inclinar-se dos clérigos quando passam diante do bispo ou o
antiqüíssimo rito da “sustentação”, segundo o qual, os cônegos que assistem ao bispo o acompanham
sustentando-lhes os braços. Não se trata de uma simples ajuda material, senão de uma cerimônia
honorífica que remonta ao cerimonial da corte imperial. O mesmo pode-se dizer do uso do incenso e dos
candelabros ou dos círios que os acólitos levam em procissão no início e no fim de uma celebração solene.
▪ Contudo, temos que ver o aspecto positivo desses acontecimentos históricos. Tudo é
sinal de um enorme progresso da Igreja, de um enriquecimento considerável e de uma real penetração em
todas as esferas da sociedade. Ao mesmo tempo, a era constantineana, ao liberar a Igreja das trevas que a
constrangiam quase desde o seu nascimento, reconduzindo-a à clandestinidade e ao silêncio, contribuiu a
que essa tomasse consciência de sua presença visível no mundo e de sua estrutura hierárquica,
manifestando-a visivelmente nas celebrações litúrgicas. Uma nova concepção de liturgia começa a abrir
caminho. Da espontaneidade e da simplicidade originais vai dar-se um passo até ao sagrado e hierático,
assegurado por uma ordem ritual que sem dúvida nós qualificamos de exagerada. Apesar de tudo, o
mistério salvador que se celebra continua sendo o mesmo, ainda que as formas rituais e o estilo tenha sido
profundamente transformado.
2.1.9- As grandes Famílias Litúrgicas
A comunidade de Jerusalém se constituiu no ponto de partida. O anúncio da Boa Nova de
Jesus nas línguas dos povos de então, vão originar uma diversificação. Atos dos Apóstolos (At 3,9-
11;6,1) testemunha a diversidade. Formaram-se as comunidades de Samaria (At 8,5-25, de Cesareia (At
8,40), Damasco (At 9,1), Antioquia (At 13,1), de Chipre (At 13,4ss), em toda a Ásia, Grécia e finalmente
em Roma e Espanha.
Particular importância te as comunidades cristãs de origem pagã, cristãos helenistas e
romanos que, nos séculos II e III, foram constituindo o núcleo das igrejas cristãs. Do meio destes povos
surgiram as grandes metrópoles do mundo de então: Antioquia, Corinto, Roma, Alexandria e Éfeso. Estes
lugares se transformaram em centros de influência e de irradiação. Estas cidades eram sede de bispado e
desenvolviam uma liturgia que possuía seu estilo próprio. Daqui se deduz a formação das famílias
litúrgicas concretas.
a- Famílias litúrgicas do Ocidente20:
A liturgia latino-africana e romana, milanesa (ou ambrosiana), hispânica antiga (ou
visigótica), e a galicana. A riqueza litúrgica dessas famílias teve um singular desenvolvimento após a paz
e a liberdade constantinense.
b- Famílias Litúrgicas do Oriente21:
O Ramo Siro-antioqueno, Ramo Alexandrino e os grupos sírio-orinetal, o grupo
anticalcedoniano, grupo calcedoniano;
c. Processo de formação das Famílias ou dos ritos Litúrgicos
As famílias ou ritos litúrgicos passaram por três estágios:
Período de Gestação
Em meio às vicissitudes humanas, questões teológicas, aquisições culturais se foram
acumulando, estratificando e condicionando idéias e estilos na produção de uma futura escola eucológica.
O passo inicial do período da gestação pode ter sido a passagem de uma língua para outra – do grego para
o latim em Roma. A adoção de uma nova língua supõe todo um esforço de adaptação ao novo contexto
cultural.
20
Cf PNELL J., Liturgias Locais e Antigas, em: Diocionário de Liturgia, p. 670-676.
21
Cf GELSI.D., Orientais Liturgias, em: Diocionário de Liturgia, pp. 870-878
Período de Criatividade:
A comunidade de fé, que já possui uma certa identidade, começa a expressar seu modo de
contemplar e celebrar o mistério de Cristo. Elabora suas celebrações. Para isto necessita e depende de
bons pensadores e escritores, capazes de redescobrir com idéias novas as verdades eternas.Estes
pensadores compõem os textos litúrgicos pensando numa determinada comunidade de fiéis.
Período da Codificação
Durante o período da criatividade, os autores compuseram várias missas para as festas e
celebrações das comunidades cristãs (disto surgem os libelli) os compiladores vêm e juntam os libelli,
corrigem as lacunas e os organizam de modo que se apresentem como um referencial para as demais
celebrações. Assim surgiram os diferentes sacramentarios: Veronense, Gelasiano e o Gregoriano.
Na formação do rito romano desempenham particular influência: O Papa Damaso (366-
384), O Papa Inpcêncio I (401-417), Leão Magno (440-461). Gelásio (492-496), Vigílio (537-555),
Gregório Magno (590-604)22.
22
Cf PNELL J., Liturgias Locais e Antigas, em: Diocionário de Liturgia, p. 672-675.
▪ Deu grande realce ao culto estacional como forma adequada de catequese do povo
simples. O culto estacional consiste na procissão de uma Igreja (Igreja oração) para uma
outra, na qual se pára, se estaciona (igreja estacional) para celebrar a eucaristia);
▪ Escreve inúmeras homilias;
▪ Deseja e trabalha para que a liturgia se transforme no alimento espiritual para o povo
simples e inculto, em vista disso realizou uma grande renovação do culto, orientada por
uma finalidade pastoral e pela simplificação dos ritos;
▪ Tem toda uma preocupação com a linguagem litúrgica – direta, acessível ao povo
simples e isenta de pretensões literárias;
▪ Reformou o lecionário, o sacramentário e o antifonário; É provável que ele tenha sido o
autor do Sacramentário Gregoriano;
▪ Reduziu o número das leituras para duas (em vez de três);
▪ Realizou um trabalho especial na área do canto e da expressão musical, reforçando a
schola cantorum. Situou a schola cantorum entre o povo e o presbitério. Enriqueceu a
liturgia com novas melodias;
▪ Como bispo de Roma, preocupou-se com a organização litúrgica da cidade. A obra
liturgia de Gregório, pensada e organizada para o povo de Roma, obteve êxito também
em outras cidades e Igrejas.
3.2- A liturgia romana pura
Nos séculos V a VIII a Igreja de Roma conheceu o momento auge de sua liturgia. É a época
clássica. Do amadurecimento das formas e expressões, numa mesma língua. Nesta época de ouro da
Liturgia Romana, além da oração eucarística, obtiveram um significativo desenvolvimento os textos
eucológicos, que dizem respeito: orações da coleta. Orações sobre os dons, prefácios, cânon romano,
orações depois da comunhão, orações sobre o povo. Diferentes tipos de orações eucarísticas se
desenvolveram: do estilo romano, caracterizado por uma prece eucarística invariável. Cânon único e
imutável para todos os dias. Do estilo gálico, composta ao estilo de um mosáico, por muitos elementos
variáveis. Com a paz constantineana surgem grandes edifícios ( a Igreja de São João de Latrão e sobre os
túmulos dos apóstolos e mártires.
A missa romana clássica caracterizava-se:
▪ Por uma entrada solene dos celebrantes, acompanhada pelo canto do intróito, culminando na
oração da coleta;
▪ A procissão das oferendas acompanhada pelo canto do ofertório e concluída pela oração sobre
os dons;
▪ A procissão da comunhão dos fiéis, acompanhados pelo canto de comunhão, encerrando com a
oração da pós-comunhão;
Nessa época ainda não havia as missas privadas. Conhecem-se três formas de celebração da
eucaristia:
▪ A celebração solene (missarum sollemnia) de toda a comunidade eclesial da cidade, em torno
do bispo, reunida em statio correspondente. O bispo presidia cercado pelos presbíteros e demais
ministros. Era a celebração presidida pelo Bispo de Roma em sua cátedra, em comunhão com
todo o povo. Servia de modelo para as demais celebrações presididas pelos presbíteros nos
titulii (Igrejas paroquiais das cidades ou círculos menores;
▪ A missa de um presbítero, no “titulus” fora da cidade, com seus respectivos fiéis;
▪ A missa de um grupo menor, reunido em circunstâncias especiais;
Nesta época a eucaristia é a santa ação, que celebra o memorial da morte e ressurreição de Cristo,
culmina na “prex eucharistica” (cânon romano). A celebração visa adorar a Deus Pai, mas por meio de
Jesus Cristo, na representação do seu sacrifício único. Só com muita reserva falda da adoração ao sagrado
alimento, do corpo e do sangue de Cristo.
Quanto ao estilo dessa liturgia romana clássica deve-se observar:
▪ No que diz respeito aos elementos formais: é uma liturgia objetiva, sóbria, simples, breve e
pouco sentimental e destituída de verbosidade. Prima pela disposição clara e lucidez, de uma
grandeza sagrada e humana ao mesmo tempo, espiritual e de grande valor literário;
▪ Quanto aos elementos teológicos: A oração romana sempre se orienta para o Pai, por Cristo,
no Espírito Santo. Doutra parte, as liturgias orientais, gálicas ou visigodas, por vezes se dirigem
ao Senhor Jesus e poucas vezes ao Espírito Santo;
▪ Na liturgia romana pura não há manifestações exteriores de veneração ou de adoração dos
elementos sagrados, nem intenções de explicar com argumentos teológicos ou especulativos a
presença real do corpo e do sangue de Cristo;
▪ A celebração eucarística aparece ligada à comunidade local, expressão da total da comunidade,
normalmente presididas pelo bispo;
▪ As comunidades dos “Titulus” recebem o fermentum da missa episcopal, como sinal de
intercomunhão com aquela comunidade;
▪ A comunidade local não se esquece, em sua celebração litúrgica, da Igreja universal.
Os livros litúrgicos também encontram um particular desenvolvimento:
▪ O Sacramentárium: livro que contem todas as orações do sacerdote que celebra a missa e os
grandes sacramentos. A liturgia Latina dispunha dos Sacramentários:
• Veronense, também chamado de Leonino, uma coletânea particular de
orações atribuídas a Leão magno e a outros papas dos séculos V e VI, de
conteúdo muito rico;
• Gelasianum e o Gregorianum 9séculos V e VI);
▪ O Lectionarium: livro que contém os textos do Antigo e do Novo Testamento para serem
proclamados pelos ministros. No começo as leituras bíblicas eram escolhidas livremente na
Bíblia. Depois passou-se a indicar com sinais no texto bíblico os trechos para serem lidos e se
redigiram litas de tais indicações.
▪ Evangeliarium para os textos Evangélicos do uso do diácono;
▪ Epistolarium, livro das cartas, do uso do leitor
▪ O Líber Antiphonarius: com textos e as melodias da “schola cantorum”, subdividido em
antiphonarius Missae e em antiphonarius officiii (L.das horas);
▪ O Ordo romanus: livro que descrê o modo de executar as ações litúrgicas;
▪ Destaque particular, neste tempo era dado à Vigília Pascal. Celebrada com toda a solenidade.
Bem como às festas do natal e da Epifania, as memória dos mártires, dos apóstolos e da
Virgem Mãe de Deus.
▪ Neste período eloqüente é a celebração da iniciação cristã: a preparação dos catecúmenos nos
quarentas dias anteriores à Páscoa, a administração dos sacramentos do batismo, da
confirmação e da primeira participação na eucaristia na noite da Vigília Pascal.
▪ Quanto ao Officium divinum (liturgia das Horas), há poucos dados desta época. Tratava-se
mais das horas principais: laudes e vésperas. Esta oração esteve muito restrita a grupos
piedosos, os monges. A construção dos mosteiros acontece junto ou próximos da grande
basílica.
3.3 - Encontro da Liturgia Romana com a Franco Germânica
A liturgia pura de Roma emigra para os países francos, levada por iniciativa dos peregrinos
e mais tarde, pela iniciativa oficial. Em 754, Pepino, o Breve, decreta a adoção da liturgia romana em todo
o Império Franco, em base ao sacramentário que o Papa Adriano I havia enviado ao rei pelos seguintes
motivos:
▪ Pela liturgia única e uniforme, o governo buscava a unidade do império;
▪ Por fim a secular concorrência entre a Liturgia Romana e a Liturgia Gálica
▪ Por fim à compilação e à desordem do culto no império franco;
O imperador Carlos Magno reafirmou a obrigação da liturgia Romana pura em todas as
Igrejas do império. Todavia, de imediato a liturgia clássica de Roma não agradou ao povo. Este resistia
abandonar certas práticas, costumes, ritos, orações e festas. O Imperador diante desta situação ordenou a
composição de um apêndice ao missal romano, onde são incluídos certos elementos litúrgicos locais
criando, assim, uma liturgia híbrida. Houve também uma certa anarquia litúrgica, uma vez que cada Igreja
se apropriava dos ritos, textos e cerimônias que julgava útil ao clero e aos fiéis. Uma situação que gerou o
fenômeno de vitalidade criadora. Conseqüentemente:
▪ a nova liturgia mista é mais rica do que as formas simples da antiga liturgia romana;
▪ Acrescenta a esplendida consagração do Círio Pascal;
▪ Introduz as missas votivas;
▪ Abre espaço às orações mais de cunho pessoal- individual, sobretudo orações rezadas,
em particular pelo sacerdote (as tais de apologias: orações que reconhecem a culpa e
pedem perdão). Orações que pouco a pouco, invadiram a celebração eucarística;
▪ Muitas orações com uma nova índole, dirigidas a Jesus Cristo e não mais ao Pai, como
na liturgia romana;
▪ Das orações emerge uma forte consciência de pecado, como que de uma angústia diante
do juízo final eminente;
▪ O caráter comunitário é relegado a um segundo plano;
▪ Ganha ênfase a dimensão clerical, diminui a participação do povo – espectador de uma
ação realizada pelo clero;
▪ O sacerdote que oficia as orações se mantém diante do altar e de costas para o povo e
celebra de modo isolado;
▪ O altar se transforma num reliquiário (deposito de relíquias) e depois suporte de bustos-
reliquiários e de estátuas. Cria-se uma multiplicidade de altares – o altar devocional –
concentra a atenção sobre as relíquias e as imagens e não tem mais o objetivo de servir
de “esa do Senhor” para a comunidade. Será o lugar de onde será exposto à veneração o
santo23
▪ O sacerdote assume praticamente todos os papéis numa celebração;
▪ Surge o “missal plenarium”, no qual se encontram: as orações, as antífonas, as leituras,
os prefácios, o cânon romano e todo o ordenamento da celebração;
▪ Surge também o Pontifical: livro que contém todos os elementos e rubricas do culto
celebrado pelo bispo. Em 950, no mosteiro Santo Albano em Mogúncia é elaborado o
Pontifical Romano-Germânico.
23
Cf. NEUNHEUSER B., O movimento litúrgico: panorama histórico e linhas teológicas, em Anmnesis l, p. 68- 69.
3.4 – Decadência da Liturgia Romana
A partir do pontificado de Gregório Magno (590-604), a criatividade litúrgica romana
começa a declinar. Os diferentes movimentos migratórios do Oriente para o Ocidente nos séculos VII e
VIII marcaram Roma com sua influência. A liturgia romana se vê perpassada pela influência oriental.
Alguns exemplos dessa influência:
▪ A introdução do agnus Dei na missa;
▪ A adoração da Cruz na sexta-feira santa;
▪ A introdução das festas marianas: assunção, Natividade de Maria, Purificação e
Anunciação;
▪ faltou uma sólida catequese litúrgica, porque faltava uma teologia da liturgia;
▪ não havia interesse pela ação litúrgica, apelou-se para as interpretações fantásticas,
feitas de estranhas aproximações;
▪ a clericalização da liturgia – esta era propriedade do clero, os leigos não tinham
conhecimento do sentido profundo da ação litúrgica; A catequese aos fieis se
restringia ao estudo das vestes, dos gestos e sobre o porque na missa há palavra
pronunciadas em voz alta e outras em baixa voz. Na liturgia tida como um
espetáculo, tinha-se a preocupação de se explicar tudo quanto pudesse ser percebido
exteriormente pelo povo. Estas explicações esvaziavam o mistério do culto cristão
e o interesse de atrair o povo.
24
Cf IDEM, p. 71-72.
25
Cf IBIDEM, p. 73-77
3.5.2.1- O devocionismo26
O devocionismo, diferente do alegorismo que desejava manter o contado do povo com a
liturgia, deseja substituí-la e desclericalizá-la. O devocionismo representa um grito de independência, de
libertação do jugo clerical. Os leigos desejam organizar, a exemplo das comunas e corporações, suas
expressões cultuais. Com a multiplicidade de devoções tem-se a impressão do ressurgir de um “novo
cristianismo”, mais do que um cristianismo que se tornou na “religião das devoções com um forte espírito
de libertação”. Isto pode ser melhor exemplificado no quando que segue:
A liturgia A devoção:
- é uma obrigação. =é de livre opção;
- é em latim = é na língua do povo
- é do sacerdote = das pessoas devotas
- exige o mínimo espiritual = requer o máximo de fervor
- tem um cerimonial fixo = o rito depende de cada devoto
- é um momento reservado = nasceu para sustentar a vida
e desligado da vida cotidiana nas obras de caridade e penitência
- Deus transcendente e distante = Deus está próximo e poderoso;
Na Idade Média desenvolveu-se amplamente uma forma de devoção especial em torno da
humanidade de Jesus Cristo. As formas artísticas plastificaram maravilhosamente essas novas correntes
espirituais. Analisando a história da arte descobrimos que o “Kyrios Pantocrator”, que presidia
majestosamente as suntuosas basílicas constantineanas, transforma-se, a Idade Média em um Cristo
humanizado e sofredor27.
O mistério do nascimento do Senhor é o que com maior insistência atraiu a atenção
espiritual dos humanos da Idade Média. Disto se originará o extraordinário culto e piedade a Maria, dada a
sua estreita vinculação com o Mistério da natividade. As manifestações deste desenvolvimento
progressivo do culto mariano tomarão formas e tonalidades distintas. Alcuíno introduz no seu
sacramentário a missa de “Santa Maria no sábado”, os monges de Cluny, introduzem o costume de recitar
antífonas marianas no final do ofício, além do pequeno ofício de Nossa Senhor (que chega até nossos
dias).
A Igreja primitiva nunca celebrou a Paixão do Senhor separada da Ressurreição. Os dois
mistérios eram celebrados na unidade do mistério pascal. A Igreja da Idade Média separou, entretanto, a
celebração dos dois mistérios. Surge então uma forma de piedade abertamente sentimental motivada,
sobretudo, pela meditação dos sofrimentos de Jesus Cristo. No contexto espiritual e ideológico medieval,
adquire mais relevo a meditação piedosa da paixão que a celebração sacramental dos mesmos mistérios da
morte na Cruz.
A história da arte reflete o novo rumo, as tendências da piedade cristã. As primeiras
gerações de cristãos representavam a Cristo na sede ou na cruz com uma coroa e o manto real, com os
olhos abertos, como um rei e vencedor sentado em trono de majestade. A Idade Média, entretanto,
imaginou a Cristo na cruz como um moribundo justiçado e fracassado, assistido pelas mulheres ao pé da
cruz, objeto de ternos sentimentos, de compaixão e de tristeza.
Neste ambiente espiritual, como em terra fértil, brotam as devoções privadas, as quais
acentuar-se-ão dia após dia, cada vez mais intensamente. O divórcio entre piedade litúrgica e piedade do
povo torna-se uma realidade. Os fiéis não encontram mais na liturgia oficial um espaço apropriado para
expandirem seus sentimentos religiosos. Buscam outras formas de piedade, de cunho altamente
sentimental, que mais nada tem haver com a liturgia da Igreja. Entre a nutrida floração de exercícios de
26
IBIDEM ,pp 77-80
27
Cf BOROBIO D. A Celebração Cristã, Vol I, Loyola. 1990 .pp 104-106.
oração às cinco chagas, à coroa de espinhos e à flagelação, emergem as atitudes espirituais da humildade,
da compaixão, cuja expressão máxima culminará no chamado “dom das lágrimas”.
Um abismo, cada vez mais amplo se abre entre o clero e o povo. No contexto sócio-
religioso medieval o clero adquire uma clara configuração de casta especial.
Este distanciamento entre o clero e o povo repercutirá sensivelmente na vida litúrgica.
Alguns autores afirmam que a celebração cultual da Idade Média, foi concebida mais em função do clero
do que da comunidade eclesial. Destacamos alguns sintomas desse fenômeno:
▪ A estrutura da igreja: O coro e o presbitério são reservados exclusivamente ao clero e se
separam do lugar reservado aos fiéis mediante altas grades e balaustradas. Na realidade, na estrutura
dessas igrejas não se previu um lugar especial para os fiéis. Eles vão ocupar os lugares nas naves laterais.
▪ O lugar do altar foi idealizado em função da comunidade eclesial que realiza a liturgia.
Nas belas igrejas góticas de corte francês se colocará o altar ao fundo da nave central, junto com o coro
que ocupa toda a abside. E onde se coloca o altar mais no centro, é cercado de uma grande balaustrada e
unido ao coro mediante um espaçoso corredor, que costumava ser chamado de via-sacra. Tudo isso nos
faz pensar que o lugar do altar e a estrutura das igrejas era concebido não em função de uma liturgia
eclesial, senão em vista de uma liturgia clerical.
▪ A liturgia é eminentemente clerical. Um espetáculo para se ver e pouco ouvir. De fato, a
comunidade medieval nem pode ouvir as palavras, nem as entendes e apenas pode ver o desenvolvimento
dos ritos. Por tudo isso não nos parece estranho que homens piedosos nesses séculos obscuros da história
da liturgia recolhiam-se na meditação silenciosa e na recitação piedosa de orações breves e simples: Pai
nosso, Ave Maria, Glória ....
▪ Surge uma nova piedade eucarística. Pouco a pouco vai prevalecendo o costume de não
comungar na celebração eucarística. Tanto é assim que o Concílio de Latrão, em 1225 imporá a obrigação
de comungar, ao menos uma vez por ano. Os fiéis se contentavam em “assistir” a missa. Outras vezes
percorriam várias Igrejas para poder presenciar a elevação da hóstia, depois da consagração. Dessa época
provém o costume de se tocar as campainhas das Igrejas no momento da consagração a fim de anunciar
aos fiéis o momento da elevação da hóstia consagrada.
A piedade eucarística vai centralizando-se, cada vez mais, e de modo quase exclusivo, numa
forma de culto da adoração à presença real de Cristo nas espécies consagradas. Ainda que esta seja uma
atitude digna de toda a consideração e respeito, não constitui a postura essencial do cristão ante a
eucaristia, nem pode ser considerada como núcleo básico da devoção eucarística. A eucaristia, em seu ser
essencial, é um banquete, uma comida, ainda quando isto não isente ao crente de uma postura de adoração
cultural à presença real de Cristo.
Para exemplificar: somente em duas igrejas de Breslau havia mais de 260 altaristas, sacerdotes
que tinham como ofício rezar missas e assistir ao ofício coral. Os motivos dessa multiplicação de missas
privadas foram: a necessidade pastoral que exigia a celebração de diversas missas para atender à
comunidade cristã; a devoção dos fiéis que pediam a celebração da missa por suas intenções particulares:
defuntos, promessas, pedidos de graças especiais, etc....; a devoção dos sacerdotes, que, por outra parte,
encontravam nas muitas missas celebradas a remuneração econômica.
3.5.3- Transformações e decadência
A Cúria romana fez sucessivas reformulações dos livros litúrgicos nos séculos XII e XIII,
especialmente do Pontifical, do Missal e do Breviário. Mas as variantes do tempo não permitiam que tais
reformas surtissem os efeitos desejados.
O próprio movimento “devocional” não salvou a vida espiritual do povo. Com efeito, acontecia
que, vindo a faltar uma visão teológica do culto cristão e da expressão que ele tinha na liturgia e devia ter
na “devoção” e nas “devoções”, o movimento devocional imitou no plano laical os mesmos defeitos que o
levaram a se afastar da liturgia clerical. Em vez de ter apenas uma liturgia doente de materialismo e
imbuída de supertição e por vezes de magia, agora entrará o devocionismo.
A situação decadente da piedade cristã na Idade Média haverá de provocar a reação protestante
e a reforma de Trento que, ao menos nesse campo, não chegará a realizar uma renovação radical e
definitiva. A crise irá se prolongando até o começo do século XX, em que movimento litúrgico lançará as
bases de uma verdadeira renovação.
28
Cf NEUNHEUSER B., O movimento litúrgico: panorama histórico e linhas teológicas, em Anmnesis l, pp 81-84; Cf.
BOROBIO D. A Celebração Cristã, Vol I, Loyola. 1990 .pp 114-115.
2. Louva a dignidade e a excelência do Cânon romano da missa “livre de todo erro, de tal
modo que nele não contém nada que não inspire piedade e santidade, que não eleve até
Deus a alma daqueles que oferecem o sacrifício.
3. Reconhece como autêntico o rito com o qual a Igreja celebra a eucaristia;
4. Exorta os fiéis “a participar da missa não espiritualmente, senão participando
sacramentalmente do banquete eucarístico...”. Essa exortação nós consideramos de
grande importância, especialmente tendo em conta o contexto histórico que a cerca.
Recorde-se o abandono da comunhão sacramental que chegou a ser um fenômeno
alarmante.
5. Ainda que o Concílio não tenha considerado oportuno introduzir a língua vernácula na
celebração eucarística, entretanto recomendou que os sacerdotes pregassem e
anunciassem a palavra de Deus. na sessão XXV confiou ao Papa Pio V a
responsabilidade de preparar as novas publicações. Em 1568 aparecia o Breviário; no
ano de 1570 era publicado o Missal Pio V. E os outros livros aos poucos, sob o
pontificado de Clemente VIII, em 1596 foi publicado o Pontifical Romano e o
Cerimonial dos Bispos (1600) Paulo V publicou o Ritual Romano (1614).
4.3- Critérios que nortearam as publicações dos novos livros litúrgicos:
4.3.1- Fidelidade à tradição: é o que hoje se denomina volta às fontes. Pio V afirma que
o trabalho foi levado a cabo “depois de haver confrontado diligentemente as fontes mais antigas e
veneráveis da Biblioteca Vaticana e das outras bibliotecas, e depois de haver consultado os escritos de
autores antigos e autorizados”.
4.3.2- Simplicidade: Essa tendência à simplicidade se manifesta especialmente na
supressão de um grande número de missas votivas, na simplicidade do calendário, especialmente na
redução das festas dos santos a um número razoável; na depuração de textos e ritos; as seqüências,
sobretudo as introduções no último período da Idade Média, foram supressas.
4.3.3- Uniformidade: Durante a Idade Média quase todas as igrejas mantiveram seus
próprios usos e costumes litúrgicos, leve vestígio da autonomia litúrgica de que gozavam as igrejas locais
durante os primeiros séculos. Trento iniciará um trabalho de unificação a toda prova e de centralização. A
unificação e uniformização geral foi favorecida com a invenção da imprensa. Em vista da unidade e
uniformidade os livros litúrgicos foram precedidos das Rubricas. Desse modo ficou asfixiado qualquer
tipo e perigo de anarquia.
4.3.4- Obrigatoriedade: A obrigatoriedade é uma conseqüência da uniformidade.
Efetivamente, não haveria sido possível conseguir a unidade desejada se as rubricas não tivessem
aparecido avalizadas com a força moral da obrigatoriedade, precisamente este é o momento em que o
monopólio litúrgico de Roma e a centralização chegam a seu momento culminante.
4.3.5- Centralidade máxima na Santa Sé: só o que é definido por Roma é legitimamente
litúrgico.
É difícil avaliar os méritos da reforma de Trento. Ela libertou a Igreja da crise do século
XVI e lhe deu novamente bases sólidas, já experimentadas ao longo dos séculos, mediante um culto
autêntico. Ao lado dos méritos, existem limitações por causa das exigências impostas pela luta contra os
reformadores protestantes, os padres conciliares não foram capazes de assumir as reinvindicações
positivas da reforma dos reformadores. Em vista da unidade e do controle criou-se uma liturgia uniforme e
que permaneceu à margem da vida religiosa do povo. Esta vida criou para si novas formas e se refugiou
ainda mais na piedade popular e na cultura, especialmente do barroco cristão.
A reforma tridentina, apesar de importante e benéfica sob certos aspectos, não gerou uma
nova concepção de culto através de suas definições teológicas. O que consegui foi um maior apego às
formas da Idade Média, uma confirmação da mentalidade jurídica e rubricista e um novo tipo de esplendor
externo.
4.4- A Obra Litúrgica pós-Trento
Depois do Concílio de Trento, a Igreja vive um sentimento de segurança, uma sensação de
pisar em solo firme. Vive uma atmosfera de vitória e de festa, realidades que influenciaram a liturgia.
A mentalidade eclesial e teológica dessa época considerava a liturgia como um fato
puramente exterior, sem nexo com a vida e a experiência interior. Assim se costumava definir a liturgia:
“A forma oficial do culto externo da Igreja”. Progressivamente a liturgia vai se confirmando no âmbito
das leis rituais que regulamentam o culto litúrgico. É a época áurea do rubricismo e das cerimônias.
Assim, as coisas, à luz desses critérios podia pensar-se que a liturgia conseguia sua finalidade primordial
quando as cerimônias desenvolvidas de modo ordenado, Ito é, segundo as rubricas, embora faltasse em
absoluto com a participação interior do espírito.
No tempo do iluminismo, a liturgia não era considerada uma ação salvífica de Cristo, da
qual a comunidade participava, mas uma função educativa do povo, um meio para o progresso moral do
indivíduo. Disso decorre a valorização da pregação, a exigência de compreensão dos textos litúrgicos. E
pela primeira vez, no século XVIII acentuou-se a importância da pastoral litúrgica e se viu a liturgia como
fonte primordial da vida cristã. Mas isto tudo se manteve restrito aos círculos de intelectuais. Para a época
do iluminismo, a liturgia se reduz a um meio de educação destinado à humanização do individuo, mas já
não é entendida como “adoração de Deus em espírito e verdade”.
29
Cf NEUNHEUSER B., op.cit., pp 88-102; Cf. BOROBIO D..pp 126-135; Cf NEUNHEUSER B., Movimento Litúrgico,
em: Dicionário de Liturgia. Ed. Paulinas. 1992.pp 787-798.
mosteiro e outros depois, influenciou a vida litúrgica. Os mosteiros transformaram-se em autênticos focos
de irradiação litúrgica.
O pensamento de Guéranger pode ser resumido nos seguintes itens:
▪ A liturgia é por excelência a oração do Espírito na Igreja, é a voz do corpo de Cristo, da
esposa orante do Espírito;
▪ Há na liturgia uma presença privilegiada da graça;
▪ Na liturgia se encontra a mais genuína expressão da Igreja e de sua tradição;
▪ A chave de inteligência da liturgia é a leitura cristã do Antigo Testamento, bem como a
do Novo Apoiada no Antigo;
Estas proposições esclarecem os conceitos fundamentais do pensamento de Guéranger:
liturgia, Igreja e leitura da Bíblia.
A descoberta da liturgia foi para Guéranger descoberta do mistério da Igreja, por meio da
experiência espiritual dessa mesma liturgia e da leitura assídua dos padres, artífices das primeiras formas
da liturgia romana. O sentido eclesial do pensamento de Guéranger, garantiu a renovação litúrgica de
Solesme. O pioneiro do Movimento Litúrgico aprendeu também, com a própria liturgia e com os próprios
padres, o que considerou a chave de compreensão dos textos e ações simbólicas do culto da Igreja: a
leitura cristã do AT e do NT.
Guéranger formulou e divulgou seu pensamento através de suas obras: “O Ano Litúrgico e
as “Instituições Litúrgicas”. Os críticos de sua obra de renovação litúrgica o acusam de:
▪ De uma certa tendência ao arqueologismo. Ele quis restaurar formas e costumes
litúrgicos antigos que dificilmente podiam adaptar-se às condições históricas de seu
tempo. Isto levou uma certa artificialidade e uma interpretação subjetiva de certos usos
litúrgicos da antiguidade;
▪ A insistência no culto da presença real do Senhor na eucaristia, mais importante que o
banquete eucarístico. Louis Bouyer chega afirma que na comunidade monástica de
Guéranger era maior a participação na bênção do santíssimo do que na sua celebração;
▪ Faltou a Granger uma maior formação científica e uma visão histórica. Por esta carência
exaltou a liturgia de Roma e menosprezou as outras tradições litúrgicas cristãs.
5.2- A Pastoral Litúrgica
O monge beneditino da abadia de Mont-César, dom Lamberto Beauduin (1873 – 1960),
inspirou o Movimento de Renovação Litúrgica em bases pastorais. Com ele começa uma nova fase que
dará à renovação litúrgica todo um enfoque abertamente pastoral. Em setembro de 1909 por ocasião do
Congresso Nacional de Molines, Dom Beauduin pronunciou um histórico discurso, no qual afirmava: “É
preciso democratizar a liturgia”. Como capelão de operários, sua obra de renovação estava não tanto
voltada para o passado, quanto para o presente e o futuro. Ele entedia que a liturgia, como oração da
Igreja:
▪ Impregnava a paróquia com um novo rito de ação;
▪ Inspirava a piedade e a vida cristã no culto da Igreja;
▪ Era necessário promover a participação dos batizados na liturgia;
Para Odo Casel, a liturgia (o culto cristão) não é tanto uma ação humana que busca contato
ou estabelecer relação com Deus, quanto um momento da ação salvífica de Deus em favor do homem. Por
esta razão ele conceitua a liturgia como: “ação ritual da obra salvífica de Cristo, ou seja, presença, sob o
véu dos símbolos, da obra divina da redenção”. Em palavras mais simples, Odo Casel define a liturgia:
“é o mistério cultual de Cristo e de sua Igreja”; ou “A liturgia é o mistério de Cristo e da Igreja”.
O pensamento de Odo Casel é de suma importância, pois coloca no cume e ponto de partida
da Liturgia:
▪ O acontecimento salvífico de Jesus Cristo.
▪ A liturgia não é apenas uma “instituição” que veio de Jesus Cristo;
▪ A liturgia é a continuação ritual do mistério de Jesus Cristo. Este mistério se torna
presente pela ação simbólico-ritual.
▪ A liturgia se constitui num “momento de salvação”;
Odo Casel faz da liturgia um momento sempre atualizador da história e do mistério da
salvação.
5.4 - O Magistério da Igreja.
5.4.1- Significado e atividade do Papa Pio X
Foi o Papa Pio X quem deu caráter oficial às manifestações que deram o primeiro impulso
ao movimento litúrgico. Durante o seu pontificado os esforços de renovação litúrgica entram por um
caminho seguro. É então que começa de fato a reforma litúrgica eclesial, que chegará ao seu ponto
culminante no Vaticano II. Detenhamo-nos brevemente para examinar as distintas decisões emanadas da
Santa Sé, durante o pontificado de Pio X.
Tra le sollecitudini (22.11.1903) (entre as solicitudes) Motu próprio de música
sacra. Este documento assinala as diretrizes que haverão de dar vida à renovação litúrgica. Num dos
artigos afirma o Papa: “Sendo nosso vivíssimo desejo que o verdadeiro espírito cristão cubra toda sua
vitalidade e se mantenha vivo em todos os fiéis, é necessário conferir, antes de tudo, a santidade e
dignidade do templo onde, com efeito, os fiéis se reúnem para beber tal espírito em sua fonte primeira e
indispensável, que é a participação ativa nos sagrados mistérios e na oração pública da Igreja”. (mais
tarde este texto é assumido pela SC 14).
Num outro texto, diz o Papa: “Ao reformar e fomentar a Sagrada liturgia, deve se ter em
conta essa plena e ativa participação de todo o povo, porque é a fonte primária e necessária onde os fiéis
hão de beber o espírito verdadeiramente cristão”. Todavia, o papa ainda não aprova a língua vernácula
para as solenes ações litúrgicas.
Sacra Tridentina Synodus (22 de novembro de 1905). Baseado na doutrina do
Concílio de Trento, o papa fomenta a comunhão freqüente na celebração eucarística.
Quam singulari (08 de agosto de 1910) – documento para promover acesso das
crianças, de até 5 anos, à comunhão eucarística. “As crianças, ao chegarem ao uso da razão, sejam
admitidas à primeira comunhão eucarística, desde que conheçam os elementos fundamentais da doutrina
cristã”.
Divino Affanti (1o de novembro de 1911), O Papa Pio X estabelece uma nova
ordem para a recitação dos salmos no Ofício Divino. O número de salmos nas matinas é reduzido para 18
aos domingos, 12 nos outros dias da semana e o número fixo é de 9. Determina que nas festas dos santos
não se recita mais os salmos solenes, mas os feriais. Os salmos foram de tal forma dispostos, que passam a
ser recitados no curso de cada semana.
Abhinc duos annos (23 de outubro 1913). Nesse documento o papa manifesta sua
intenção de reformar o Calendário Litúrgico da Igreja, tendo como base os seguintes critérios:
▪ estabelecer os princípios segundo os quais serão admitidas novas festas na Igreja;
▪ revisar as lições hagigráficas segundo um critério válido de sua piedade histórica;
▪ eliminar os sermos apócrifos dos padres;
▪ redigir um novo códice de rubricas.
5.4.2- Três prioridades aparecem no magistério litúrgico do Papa Pio X:
-> A renovação da música sacra, uma vez que não se pode cantar e orar na missa, mas cantar e
orar a missa. Neste sentido diz o papa: “deve-se condenar como grave abuso o fato de, nas celebrações
sagradas, a liturgia aparecer no segundo plano e como que a serviço da música, quando a música não
passa de parte da liturgia e humilde serva desta”.
-> A aproximação entre batizados e a comunhão eucarística, que rompeu um distanciamento
de séculos entre os fiéis, aplainou o caminho para a participação sacramental da eucaristia, mesmo que a
catequese oferecida a respeito da comunhão devesse ser aperfeiçoada.
-> A reforma do Calendário ou do Ano Litúrgico e do breviário.
30
IBIDEM, pp. 95-102.
Em 9 de fevereiro de 1951, restauração da Vigília Pascal “ad experimentum”. Antes deste dia, a
liturgia da Vigília Pascal era celebrada no sábado pela manhã.
Em 6 de janeiro de 1953: através da Constituição Apostólica “Christus Dominus” e a Instrução do
Santo Ofício sobre a nova disposição referente ao jejum eucarístico. É introduzida a possibilidade de
celebrar missa pela tarde.
Em 16 de novembro de 1955, através da Instrução Máxima Redemptionis nostrae mysteria, instaura-se
o novo ordo da Semana Santa.
Em 23 de dezembro de 1955: é publicada a Encíclica “Musicae Sacrae Disciplina”, sobre a música
sacra na liturgia;
Em 19 de março de 1957: “Sacram Communionem”, simplifica a normas sobre o jejum eucarístico e
amplia as faculdades para se rezar missas vespertinas;
a) a posição de uma liturgia como fato tradicional. Na liturgia era preciso distinguir o fator
“tradição”, que faz da liturgia um elemento de contato vivo com Cristo, das numerosas
tradições que se lhe haviam acrescentado no decorrer do tempo e que não só a
deformavam, mas também revelavam-se ser um véu e um diafragma que impediam a
liturgia de ser atual.
Esta posição é superada pelo Vaticano II integrando a liturgia na “história da salvação. A
celebração é momento histórico de salvação. Assim, a liturgia retomava o lugar de
verdadeira “tradição”, isto é, transmissão do mistério de Cristo através de um rito, que é ao
mesmo tempo realização e revelação do mesmo mistério, de modo sempre novo e sempre
adaptado à sucessão dos tempos e à variedade de lugares. Daqui derivava a legitimidade e a
necessidade de uma “atualização”litúrgica, que fizesse da liturgia não mais uma “forma”
isolada da realidade, mesmo contingente, do momento, mas abrindo pelo contrário o
caminho para uma mobilidade e um pluralismo, que estivessem em correspondência com o
contínuo devir da vida.
b) a posição da Liturgia-valor jurídico: era preciso sair da visão “estático-jurídica”que
parecia ser o caráter próprio e típico da liturgia, no sentido de que o valor desta consistia
todo em “ser feita, isto é, em ser um rito externamente realizado segundo a norma das leis
rubricais e como manda o cerimonial. Com efeito, a rubrica abonava, em grande parte, a
validade do rito, e a cerimônia garantia o “espetáculo sagrado”, necessário para a
edificação espiritual dos que a ela assistiam”.
Esta posição estático-jurídica, foi superada pela apresentação e compreensão da liturgia
numa perspectiva “dinâmico-teológica”: No rito e com o rito é Cristo quem age e atua.
Assim, a liturgia é ação de Cristo e da Igreja. Deste modo realizava-se, a reavaliação da
liturgia como “ação de Cristo”, isto é, mistério de salvação atuante na Igreja, e como ação
sacramental, a liturgia continua a obra e o mistério de Jesus Cristo.
VII. O PÓS-CONCÍLIO:
7.1- Reforma litúrgica pós-conciliar na America Latina e Caribe
Destacamos aqui algumas linhas básicas da busca de reforma litúrgica pós-conciliar na AL e no
Caribe, refletidas e propostas nos principais documentos do CELAM: Medellín (1968); Puebla (1979);
Santo Domingo (1992) e Aparecida (2007).
7.1.1- Medellín (1968)
Linhas gerais da situação litúrgica na AL, segundo esse documento do episcopado:
• Os esforços em busca de renovação são crescentes, mas ainda insuficientes;
• Houve mudanças nos ritos, mas não na mentalidade, com o perigo de cair em novo ritualismo;
• Sente-se a enorme dificuldade em adaptar a liturgia às diversas culturas;
• O bispo nem sempre exerce seu papel de liturgo, promotor, regulador e orientador do culto;
• A liturgia não está suficientemente integrada na educação religiosa;
• O número de peritos (professores) para apoiar o trabalho de renovação litúrgica é escasso.
A segunda conferência do episcopado latino-americano, reunida em Medellín (Colômbia) em
1968), apoiada na constituição conciliar Lumem Gentium e na Encíclica Populorum Progressio de Paulo
VI, fez uma releitura da constituição conciliar sobre a Liturgia (SC) para o contexto social e eclesial
concreto deste continente.
Em todo o documento a grande pergunta é: à luz do Vaticano II, qual é a missão da Igreja no
Continente Latino-americano, caracterizado, de um lado, pela miséria, opressão, dependência econômica,
dependência política e dependência cultural, e, de outro, por um desejo impaciente de mudança e
transformação em todos os níveis?
Ler o documento de Medellín, integrando seu capítulo 9, que trata da liturgia, com a introdução
geral, que aborda a Páscoa como realidade concreta que acontece hoje, “quando se passa de condições
menos humanas para condições mais humanas”, poderíamos destacar três eixos fortes que orientam a
reforma litúrgica no Continente.
a)- Medellín intuiu e expressou uma estreita união entre liturgia e libertação, liturgia e história,
liturgia e transformação. Percebe-se no documento uma “liturgia da libertação”. A Páscoa que a liturgia
celebra deve incluir também as intervenções de Deus na histórica concreta do povo pobre e oprimido do
Continente31.
b)- A insistência no homem latino-americano como “sujeito” da transformação do Continente.
Isso significa que, também em termos litúrgicos, o povo pobre e oprimido emerge como sujeito das ações
litúrgicas das comunidades32.
c) - A liturgia há de se libertar de seu formalismo, de sua rigidez ritualista, e resgatar uma
liturgia na cultura do povo, num ambiente doméstico de comunicação informal, em que o povo se sinta à
vontade para expressar-se. Ao ser preparada pelo povo, a liturgia na Igreja dos pobres vai ganhando um
“rosto” mais popular, com traços característicos da cultura dos pobres do lugar (seus símbolos, seu modo
de falar, pensar, decorar, rezar, cantar, tocar, adorar, etc.)33.
7.1.2- Puebla (1979).
Passaram-se dez anos e o grande sonho de mudança e transformação do documento de Medellín
parecia não se realizar. O povo latino-americano estava ainda mais na miséria, na opressão e na
dependência econômica, política e cultural.
A terceira conferência geral do CELAM, realizada em Puebla (México) em 1979), constatando
essa realidade, desenvolve seu projeto de evangelização levando em conta três grandes temas: opção
preferencial pelos pobres, religiosidade popular, e comunicação e participação.
Ao tratar da liturgia, o documento o faz em conjunto com os temas “oração particular” e
“piedade popular” (Puebla 896-963). Em outras palavras, no trabalho de evangelização da América
Latina, deve-se integrar necessariamente liturgia e religiosidade popular numa mútua fecundação. A
liturgia, baseada numa autêntica teologia e purificada dos vícios do passado, deverá adaptar-se sabiamente
a essa cultura típica (catolicismo popular), aprendendo com ela, ao mesmo tempo, que essa cultura deverá
também ser purificada pelo espírito da liturgia herdado da tradição antiga da Igreja e retransmitido pelo
Concilio Vaticano II. Eis, então, o desafio da inculturação da liturgia na realidade cultural típica latino-
americana (Puebla 940).
31
. Cf. BUYST,I., Medellín na Liturgia, in: REB 48 (1988),p. 864-866)
32
. IBIDEM, p. 870. Cf CELAM, Liturgia para América Latina, p. 63.
33
. IBIDEM, p. 861.
Tudo isso dento de um espírito de comunhão e participação. Em outras palavras, reafirma-se o
caráter eminentemente comunitário da liturgia, na qual todos podem participar de modo pleno, consciente
e ativo, sentindo-se verdadeiros atores das ações celebrativas com sua cultura (cf Puebla 896-903).
7.1.3- Santo Domingo (1992).
A 4ª Conferência geral do CELAM, realizada em Santo Domingo em 1992, situa-se no contexto da
grande campanha do papa João Paulo II a favor da “nova evangelização” de todos os povos, cada um com
a sua cultura.
Nesse contexto, o documento final da Conferência destaca como grande desafio a inculturação do
Evangelho entre os povos da América Latina e do Caribe com sua cultura religiosa típica. O título do
documento expressa esta preocupação: Nova Evangelização, Cultura Cristã e Inculturação. Enfatiza o
profundo sentido evangelizador da celebração litúrgica segundo o Espírito do Vaticano II nas diferentes
culturas (SD, nn. 34-35). Ao mesmo tempo, retoma a religiosidade popular como valor cultural que não
pode ser esquecido no trabalho da evangelização (SD, 36). Mas especificamente ao que se refere à
liturgia, o documento afirma: “Resta ainda muito por fazer quanto a assimilar em nossas celebrações a
renovação litúrgica impulsionada pelo Concilio Vaticano II ...” (SD,n. 43).
Manifesta-se com certeza a nítica preocupação em torno de uma sã inculturação da liturgia em
todos os níveis, em especial em relação às culturas nativas (cf SD, n. 248).
7.1.4 – Documento de Aparecida
Para quem procura no documento um capítulo ou item com o título “liturgia”, não vai encontrar. A
referência aos assuntos ligados à liturgia, por exemplo, sobre a iniciação à vida cristã”, a “piedade popular
como espaço de encontro com Cristo”. Um maior destaque é dado à Eucaristia, como lugar privilegiado
do encontro do discípulo missionário com o Senhor (DA, 251). Aborda a importância do preceito
dominical (DA 252), a celebração dominical da Palavra de Deus (DA, 253), a oração pessoal e
comunitária (DA, n 255). A liturgia (eucaristia) é tratada no item com o título: “Lugares de encontro com
Jesus Cristo” (DA, 246-265), através da “escuta da Palavra” (lectio divina) (DA 247), da celebração da
Eucaristia (DA, 251).
A liturgia foi apenas considerada entre os “lugares de encontro pessoal com Jesus Cristo e na
formação dos discípulos missionários. Em nenhum item se considera o mistério pascal de Jesus Cristo.
Muito mais do que o Documento apresenta, a liturgia é, na realidade, o lugar de encontro mais profundo,
intenso e íntimo com o Pai do céu por nosso Senhor Jesus Cristo na unidade do Espírito Santo.
34
. Cf. CNBB,doc. 43, nn. 5-35; DA SILVA, José Ariovaldo, SACROSANCTUM CONCILIUM, e reforma litúrgica pós-conciliar no Brasil:
in: CNBB, Seminário Nacional em comemoração aos 40 anos da Constituição sobre a Sagrada Liturgia. Ed. CNBB, Brasília (DF) pp. 27-36).