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UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADOR - UCSAL

FACULDADE DE DIREITO
TEORIA GERAL DO PROCESSO

Tema 12 - Da ação civil. Formação da relação jurídica processual. Conceito e


definição. Natureza jurídica da ação civil. Direito Subjetivo Público
Constitucional.

DA AÇÃO CIVIL

FORMARÇÃO DA RELAÇÃO JURIDICA PROCESSUAL

Como bem salienta Lopes da Costa, em “MANUAL ELEMENTAR DE DIREITO


PROCESSUAL”, o estudo de qualquer matéria é, de início, sempre difícil. Cada verdade só
se torna perfeitamente entendida quando já se conhece as demais que a contornam, ou que
delas se tenha uma noção.

Assim também acontece quando buscamos conhecer a substância íntima, a natureza de


alguma coisa.

Por isso mesmo procuramos afastar essa dificuldade. Antes de conceituarmos a ação civil,
colocaremos em termos concretos e práticos o que vamos conceituar e definir, ou bem seja a
ação civil. É o que segue : Admitamos que Antonio se considera credor de José.
Reconhecendo José a dívida, paga e satisfaz a obrigação. O direito subjetivo de Antônio
realizou-se normalmente, pela própria força coercitiva do direito material, do qual era titular
Antônio, e José o obrigado. Será o caso, por exemplo, do locatário pagar o aluguel ao
locador, pela maneira disposta no contrato locatício. É o que acontece na grande maioria
dos casos. A relação obrigacional se realiza entre as partes independente da intervenção do
Poder Judiciário, pela vontade do credor e do devedor. Isto acontece não só porque a lei e o
contrato impõem penalidades, mas também por força do elemento psicológico que atua na
consciência do devedor.

Mas, pode também acontecer que José não reconheça a obrigação que lhe é exigida por
Antônio, ou mesmo reconhecendo-a não a queira cumprir e não pague a dívida.

Diante de tal recusa e para que o direito de Antônio se efetive contra a vontade de José,
necessário se faz que a relação de direito material, de direito privado que vincula o credor e o
devedor, tendo por objeto a pretensa dívida, seja substituída por outra relação jurídica, de
direito público, em que entra o Estado-juiz, como parte obrigada a declarar a existência ou a
inexistência do direito material privado invocado por Antonio, em seu favor, contra José, e
condená-lo a cumprir essa sua obrigação coativamente, ou não.

Ora, esse poder que tem Antonio de provocar a atuação do Estado-juiz para que este
cumpra a obrigação de prestar a tutela jurisdicional (administração da Justiça), é o que se
denomina ação civil. Visa, esse poder, a declaração e a tutela de um direito individual,
exercidas pela justiça, ou mesmo o seu resguardo, ou a certeza de sua existência ou

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inexistência. Graficamente teríamos um exemplo de relação de direito material privado,
como um triângulo, tendo em um dos vértices o credor, no outro o devedor e no terceiro a
dívida , ou seja a prestação que seria reclamada na ação:

A B A – Credor
B – Devedor / Obrigado
D – Dívida
D

Proposta a ação, e para efeito de garantia do direito, essa relação de direito subjetivo material
seria substituída por outra, mais ampla, de natureza processual, como vai configurado.
C Juiz

Autor/Credor A B Réu/Devedor

D Dívida

Repetindo, temos aí a atuação do credor/autor, reclamando a atividade do Estado/Juiz para


tutelar a sua pretensão, contra o Réu/devedor que poderá produzir defesa declarando os
motivos da sua recusa em satisfazer a exigência que lhe é feita.

Com a citação válida, fica constituída nova relação jurídica, com caráter substitutivo da
relação de direito material pretensamente existente - entre o credor e o devedor. Da
resposta do acionado, contestando a lide, ou não (revelia), surge, para as partes autora e ré, o
direito a uma sentença compondo judicialmente o conflito de interesses suscitados no
processo, tanto mais que será res in iudicium de ducta. (questão debatida em Juízo)

A propósito da vinculação das partes às leis do processo, no particular à formação da relação


processual, observe-se o comentário que se segue.

O Autor não poderá mais desistir da ação sem o consentimento do réu. A propósito,
dispunha o antigo Código, verbis :

“Art. 181- Apresentada a contestação, o autor não poderá, sem o consentimento do réu,
alterar o pedido ou sua causa, nem desistir da ação, salvo apenas os casos em que a
recusa do réu não se estriba em prejuízo seu decorrente da desistência.”

A regra contida no dispositivo esteia-se no princípio de que a litispendência afirma, de forma


definitiva, a relação processual, decorrente desta o direito das partes à prestação
jurisdicional. O atual Código, contudo, dispõe de outro modo, no parágrafo 4º, do artigo 267,
verbis :

“ Depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o


consentimento do réu, desistir da ação.”

Desse modo, interpretando-se gramaticalmente o dispositivo atual, poder-se-á chegar à


incongruente conclusão de que pode o autor desistir da ação , ainda quando tenha esta sido
contestada, contanto que manifeste a desistência no curso do prazo da resposta. O que não
faz sentido nem acolhe qualquer princípio lógico. No caso da revelia, a desistência, contudo,
deverá ser olhada como benefício para o réu. Neste caso, quando o Autor se manifestar pela
desistência após o decurso do referido prazo.
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Persiste ainda hoje o entendimento segundo o qual o autor não poderá desistir da ação
depois da contestação, sem o consentimento do Réu. Ainda que reste prazo para a resposta.

CONCEITO

Por outro lado, o direito de ação, tanto no ataque como na defesa, subordinava-se à
preexistência de um legítimo interesse econômico ou moral, (art. 76 do antigo Código Civil:
“Para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse econômico, ou moral”), aí
incluído interesse de agir, além da legitimidade para ser parte do processo. Neste sentido
dispõe o atual Código de Processo Civil, no artigo 3º : “Para propor ou contestar ação é
necessário ter interesse e legitimidade.”

E, adiante, no artigo 4º, diz : “O interesse do autor pode limitar-se à declaração :

I - da existência ou da inexistência de relação jurídica;

II - da autenticidade ou falsidade de documento.”

Colocada a matéria sob esse ângulo, admitimos que o direito à prestação da tutela
jurisdicional (direito de ação) independe da pré-existência do direito material, e assiste a ambas
as partes lítigantes, limitado o seu exercício, entretanto, à presença de um interesse, ou seja
de um interesse que a lei não exclui, o que não se confunde com o direito material
questionado, embora com este possa guardar dependência formal. É que deste direito
material, quando há, sobre cuja existência ou inexistência se objetiva na sentença, emana o
interesse das partes. Isto é : a prestação jurisdicional, extinguindo o processo da ação,
definirá o litígio, ou seja, o conflito de interesses que a demanda suscita, declarando ou
rejeitando o direito subjetivo, que a parte acionante se diz titular e o réu nega essa
titularidade ou a obrigação decorrente.

Desse modo, a pretensa existência de um direito subjetivo material lesado ou ameaçado de


lesão, por sí só, não constitui condição essencial para o reconhecimento do direito material
invocado na ação como um fim em sí mesmo, uma vez que a sentença do juiz,
consubstanciando a prestação da tutela jurisdicional completa, definirá precisamente sobre a
sua existência, ou não, julgando a ação procedente ou improcedente. O direito material
subjetivo passa a ser uma pretensão.

Igualmente, e por isso mesmo, pode haver exercício do direito de ação sem que tenha havido
um direito material subjetivo lesado ou ameaçado. Sobre o assunto, exatamente é o que nos
ensina Frederico Marques, às fls. 162 da sua citada obra :

“Ação e tutela jurisdicional.

A ação não é direito à tutela jurisdicional, mas apenas o direito de pedir essa tutela. Se o art. 2º
do Código de Processo Civil subordina a prestação jurisdicional a pedido formulado segundo as
formas legais e nos casos que a lei prevê, forçoso será concluir que o Judiciário não ‘prestará a
tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer’ se o pedido não atender
às formas legais, ou não se subsumir em algum caso legalmente previsto e descrito.

E tanto isto é verdadeiro que o Código de Processo Civil dispõe, respectivamente nos incisos IV
e VI do art. 267, que o processo se extingue sem composição do litígio: a) quando se verificar a

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ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; b)
quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica,
legitimidade das partes e o interesse processual.

Ora, se a finalidade da tutela jurisdicional consiste em compor a lide, houve, na hipótese de


aplicação do inciso IV, ou do VI, do Código de Processo Civil, exercício do direito de ação sem
prestação da tutela jurisdicional.”

No particular, ao conceito, assim se expressam Ada Pellegrini e seus Pares:

“Conceito

Examinando o fenômeno do Estado que fornece o serviço jurisdicional, é mister agora analisar o
da pessoa que pede esse serviço estatal. É o que se faz através do estudo denominado ‘direito de
ação’.

Vedada em princípio a autodefesa e limitadas a autocomposição e a arbitragem, o Estado


moderno reservou para si o exercício da função jurisdicional, como uma de suas tarefas
fundamentais. Cabe-lhe, pois, solucionar os conflitos e controvérsias surgidos na sociedade, de
acordo com a norma jurídica reguladora do convívio entre os membros desta. Mas a jurisdição é
inerte e não pode ativar-se sem provocação, de modo que cabe ao titular da pretensão resistida
invocar a função jurisdicional, a fim de que esta atue diante de um caso concreto. Assim fazendo,
o sujeito do interesse estará exercendo um direito (ou, segundo parte da doutrina, um poder), que é
a ação, para cuja satisfação o Estado deve dar a prestação jurisdicional.

Ação, portanto, é o direito ao exercício da atividade jurisdicional (ou o poder de exigir esse
exercício). Mediante o exercício da ação provoca-se a jurisdição, que por sua vez se exerce através
daquele complexo de atos que é o processo.

Constitui conquista definitiva da ciência processual o reconhecimento da autonomia do direito de


ação, a qual se desprende por completo do direito subjetivo material.”
- obr. cit. pág. 247 -

A ação se inicia com o pedido do autor ao juiz, em petição escrita, chamada inicial, e a
relação processual se completa, isto é, se efetiva, com a citação válida do réu. Quando tal
acontece temos a ação instaurada. A relação processual se completa e as obrigações
processuais se estabelecem entre os atores : juiz, autor e réu.

DEFINIÇÃO
Vale de logo salientar que o vocábulo “ação” é tomado em variadíssimos sentidos, mesmo
no campo estrito do direito processual. “Além disso, o seu entendimento tem sofrido
profundas variações no tempo e no espaço”. E tanto assim é, que a acepção que se dava a
“actio romana” não é a mesma que hoje se tem da ação civil. Nem é igual o sentido que se
lhe dá, em um mesmo momento histórico, em sistemas jurídicos que não sejam afins. E até
mesmo num sistema jurídico homogêneo, como o italiano. Pekelis atribui 15 significados
diferentes ao vocábulo em estudo. Daí, por certo, as dificuldades de conceituação. A
mobilidade dificulta precisão no enquadramento. Reduzindo, porém, a dificuldade
terminológica à sua expressão mais simples, nos limites mais estreitos do processo civil,
repetiríamos Eduardo Cuture enfeixando a acepção em três categorias : 1º - sinônimo de
direito; 2º - sinônimo de demanda em sentido formal; e 3º - como faculdade de provocar
a atuação do poder judiciário. É precisamente nesse sentido, ou seja, a ação como sendo um
poder jurídico diverso do direito material que se articula e da demanda em sentido formal,
como poder destinado a provocar atividade judiciária, é que tomamos o vocábulo para
buscar a sua natureza e fundamento jurídico. Algumas legislações, como por exemplo, a
Uruguaia, incidem no defeito técnico de definir a ação, e o faz dispondo que “a ação é o meio
legal de pedir judicialmente o que nos pertence ou nos é devido”.

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Evidente que dita definição é insatisfatória. A conceituação como meio legal nada esclarece
sobre o seu fundamento e natureza. A ação logicamente pode também ser admitida como
mero instrumento legal para a realização do direito violado ou ameaçado. Não é, todavia,
um remedium juris apenas, mas antes um poder jurídico autônomo, imanente da própria
condição de sujeito de direito, como proclama a doutrina moderna. Além disso, a definição é
incompleta, uma vez que não abrange as ações declaratórias nem as ações cautelares (medida
preventiva) em cujas ações não se pede o que nos pertence ou nos é devido e sim, apenas, uma
declaração sobre a existência ou inexistência de um direito, ou uma medida de segurança
(cautelar) para satisfação futura de um direito, muitas vezes ainda não invocado em juízo e
que pode vir a ser ajuizado ou não.

Por isso, podemos definir a ação como o poder jurídico destinado a provocar a atividade
judiciária no sentido de assegurar a satisfação, ou resguardo, de um direito ou, ainda, a
declaração de sua existência ou inexistência. É, assim, um poder autônomo, sem
condicionamento essencial do direito material que se quer afirmar e da demanda em seu
sentido formal como procedimento.

No atual estágio evolutivo do processo e do direito, não há mais como admitir-se o conceito
civilístico de Von Ihering de que “a ação é meio de luta pelo qual o direito se defende contra a
sua violação ou ameaça”, nem concluir com João Mendes de que “o fundamento jurídico da
ação é o próprio direito violado” . Nem nos satisfaz a afirmação simplista de que “a ação é o direito
armado de capacete e disposto para a luta”. Nem iguais elucubrações pseudo científicas,
fazendo analogias entre os fenômenos sociais do organismo natural e os fenômenos sociais
do organismo jurídico, cujo exemplo principal apontava o direito das ações.

Modernamente, também admite-se a autonomia do direito de ação, conceituando com


direito subjetivo, endereçado ao Estado. Este, como sujeito passivo (parte obrigada) da
relação jurídica. Tem, esse direito, como objeto primeiro, a declaração do direito material e a
tutela da pretensão do demandante, mas também o julgamento do conflito. A pretensão pode
ser aceita ou rejeitada, isto é, a ação pode ser julgada procedente ou improcedente. Por isso
constitui direito ao meio e não ao fim. O meio ai é a atuação do juiz, e o fim a sentença
decisória tutelando a pretensão (pedido) do acionante, quando for o caso. Mas, a sentença
pode compor o litígio tanto em favor do autor como em favor do réu. Na relação jurídica
processual, que se forma no processo da ação, cabe ao Estado-juiz, como sujeito passivo da
ralação, o dever de julgar, atuando o direito objetivo. Isto é: dizendo a vontade concreta da
lei, ou bem seja, a vontade da lei naquele conflito de interesses. O direito do autor, portanto,
resume-se a um julgamento, a uma sentença, e não a um julgamento que lhe seja favorável.

NATUREZA JURÍDICA DA AÇÃO CIVIL


DIREITO SUBJETIVO PÚBLICO CONSTITUCIONAL

A ação se caracteriza como direito ou poder constitucional, de que desfruta o autor ao exigir
a prestação jurisdicional do Estado. É um direito cívico, oriundo do “status civitatis”,
assegurado constitucionalmente, que tem como objeto a prestação positiva por parte do
Estado. E, como ensina Ada Pellegrini, e seus co-autores, “a facultas agendi do indivíduo é
substituída pela facultas exigendi”. Vale dizer : o que antigamente, e segundo alguns conceitos, era
uma faculdade de agir, passou a ser uma faculdade de exigir do estado/juiz o conhecimento e a
composição dos conflitos de interesses, por via de processo regular.

Isto é direito subjetivo.

A doutrina predominante é no sentido de que a ação é intentada contra o Estado e não contra
o adversário, muito menos contra ambos (Estado e adversário) ao mesmo tempo.

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Sendo, a ação, intentada contra o Estado, de logo fica reforçado o entendimento segundo o
qual ela tem natureza de direito público. É de interesse público intervir nos conflitos dos
interesses particulares, para compô-los, por meio de processo regular, ou bem seja, quando
acionado.

E, a fundamentação constitucional desse direito ou poder, melhor dizendo, a sua outorga,


está expressa na Constituição Federal, “ex-vi” do seu art. 5º, incisos XXXV e LIV, que se
completam :

......................................................................................................................................
“ a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito: ”
......................................................................................................................................
“ ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; ”

Outrossim, o art. 2º do CPC, assim enuncia: “Nenhum juiz prestará a tutelar


jurisdicional, senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma
legais”.

Com essas colocações torna-se insofismável a afirmação de que a ação civil tem natureza
jurídica de direito subjetivo público constitucional.

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APOSTILA DE RESPONSABILIDADE DO PROFº LUIZ SOUZA CUNHA.

AUTORES CITADOS E CONSULTADOS

José Frederico Marques Manual de Direito Processual Civil


1º Vol. - 13ª Edição
Moacyr Amaral Santos Direito Processual Civil Brasileiro
1º Vol. - 15ª Edição
Antonio Carlos Araújo Cintra Teoria Geral do Processo
Ada Pellegrini Grinover Volume Único - 9ª Edição
Cândido R. Dinamarco

Atenção: A apostila é, tão somente, um resumo da matéria que pode ser aprendida pelo aluno. Ela deve servir de
guia do ensino-aprendizado, sob orientação pedagógica.

Esta apostila se destina, pois, exclusivamente ao estudo e discussão do texto em sala de aula, como
diretriz do assunto, podendo substituir os apontamentos de sala de aula, a critério do aluno.

Consulte a bibliografia anteriormente indicada além de outros autores.

Atualizada em junho/2010

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