Você está na página 1de 2

EDUARDO PRADO COELHO

In O TEMPO E O MODO

Texto n.º 1: «Os homens sio feitos de tal modo que o que mais têm dificuldade em suportar é verem
as opiniões que julgam verdadeiras consideradas criminosas, e encarado como maldade o que conduz
as suas almas à piedade para com Deus e para com os homens; e por isso chegam a tudo usar, a
detestar as leis, a ir contra os magistrados, a julgar não vergonhoso, mas muito belo, mover sedições
por uma tal causa e tentar uma qualquer empresa violenta. Dado que assim é a natureza humana, é
evidente que as leis respeitantes às opiniões ameaçam não os criminosos, mas os homens de carácter
independente, e que elas são feitas menos para deter os maus do que para irritar os mais honestos, e
que elas não podem, por conseguinte, ser mantidas sem grande perigo para o Estado. Acrescentemos
que tais leis condenando opiniões são de todo inúteis; aqueles que julgam sãs as opiniões condenadas
não podem obedecer a tais leis; aqueles que pelo contrário as rejeitam como falsas parece-lhes que
essas leis lhes conferem um privilégio e eles tirarão um tal orgulho disso que, mais tarde, mesmo se o
quiserem, os magistrados não os conseguirão anular».
(Spinoza, Traité Théologique-Politique, Garnier-Flammarion, Paris, 1965, pp. 332-333).

Comentário 1; Creio que o simples facto de se pensar em fazer este inquérito é já animador. Creio que o
simples facto de se pensar em responder a este inquérito é já (e também) animador.
Direi então em relação à atual política que, entre todas as hipóteses que se afiguraram realizáveis, esta
é sem divida a mais positiva e aquela que maior confiança parece restabelecer. Basta folhearmos certos
jornais e outros meios de informação para darmos conta de um espírito renovador que a pouco e pouco
se tenta instalar e que se baseia fundamentalmente em princípios de verdade, de informação tanto
quanto possível ampla e objetiva, de esclarecimento, de diálogo e de compreensão. Se a isso juntarmos
os sinais de desanuviamento no plano cultural e um certo dinamismo na ação governativa, se
recordarmos ainda o clima de discussão honesta e de inquirição atenta que se tem gerado em torno do
meio universitário, creio que reunimos alguns dos elementos que justificam plenamente um certo
otimismo...

Texto.n.º 2: «O grande método é um ensino pratico relativo às alianças e à rutura das alianças, à arte
de explorar as mudanças e a dependência em que se está em relação às mudanças, à realização da
mudança e mudança dos realizadores, à dissociação e à formação de grupos, à dependência dos
contrários entre si, à compatibilidade dos contrários que se excluem. O grande método permite
discernir nas coisas os processos e utilizá-los. Ele ensina a formular as questões que tornam a ação
possível».
(Bertold Brecht)

Comentário 2: Acrescentarei algumas observações marginais de carácter mais ou menos teórico:


a) Para uma análise da conjuntura, deveremos ter em conta as forças sociais efetivamente
representadas na cena política. É evidente que há forças sociais que não foram capazes de se fazer
representar. Essa incapacidade é a pedra de toque de qualquer análise de conjuntura,
b) A questão essencial de toda a prática política é a do poder do Estado; fora disso, navega-se sempre
em pleno formalismo.
c) Nenhum modo de produção, nenhuma forma de Estado, nenhuma forma de regime se modificam por
razões internas senão para encontrarem melhores condições para permanecerem.
d) Se retirarmos aos termos a sua conotação supostamente «maquiavélica», podemos dizer que em
períodos de mudança se multiplicam as táticas em função das estratégias em jogo.
Definir-se-á como oportunismo a diluição da estratégia na tática.
f) A atitude de expectativa, tal como tem sido defendida, é talvez ingénua. Porque ela implica a
articulação de dois momentos: o de distanciamento e o de adesão ou não-adesão. O instante de
distanciamento define-se por uma necessidade de imobilismo de raiz ética. O instante de (possível)
adesão define-se como uma forma de demissão; o instante de (possível) de não-adesão define-se como
um reforço do imobilismo anterior. Trata-se, pois, de uma atitude moral, sem qualquer razão política.
g) Apenas se compreende uma articulação extremamente dúctil da instância estratégica e da instância
tática, a par de uma diferenciação ponderada dos diversos níveis de atuação: o político, o ideológico, o
económico. 0 social e o teórico. A não-distinção destes níveis conduz a um moralismo apático. A
distinção destes níveis sem se ter em conta a função integrante da instância política conduz a um
empirismo vicioso.

Você também pode gostar