SINCOPA* (s.f.) - Termo que indica a eserita de um tempo fraco de um
compasso prolongado até outro tempo de maior ou igual duragio.
Ex: add) [J — (DM)
A nossa sincopa€ uma cntidade insubdivisivel. Entidade propriamente
ritmica quer aparcga na melodia quer no acompanhamento. Na curop¢ia
em geral, infinita maioria dos casos 6 melédica. E quando é acompanhante
vem sempre scqiiéncia de sfncopas néo vem uma isolada | F739 I |
que nem maxixc.
O interesse por cxemplo é que na Nau Catarincta que justamente se fala nas
viagens lusas de curso longo ja traz.a sincopa. Porém o importante c nisso
me parece que csté a participagio decisiva do africano na ritmica brasileira
€ que em geral, na infinita maioria dos casos, ou totalidade mesmo a
sincopa portuga aparece na melodia como 6 comum em Bach por exemplo
ecm geral na misica curopéia, isto é, nao é propriamente a sincopa, como
nés os americanos a empregavam, com personalidade insubdivisivel. A
sincopa portuga nao é mais que a soma de duas semicolchcias ccntrais do
grupo quaternario de quatro semicolchcias. Tanto assim que nos fados
aparece acompanhada invariavelmente do chamado baixo de Alberti,
quatro notas arpejadas dos acordes tonais de ténica, de dominante ou de
subdominante. Ora na misica de danga brasileira nado s6 a sincopa é a
célula ritmica constitucional absoluta como assume a fungao duma entidade
de acento c tempo insubdivisivel. Jamais serd subdividida pela har-
monizacio acompanhante, antes pula da melodia pro acompanhamento ¢ as
vezes csté somente neste. Essa diferenga cssencial ¢ primacial deve de ser
coparticipagdo do africano.
A sincopa curopéia me parece um produto exclusivamente musical, ¢ ainda
mais, uma verdadcira especulagao teérica provenicnte da subdivisio da
unidade de tempo em quantidades irregulares em que as batidas fortes sub-
sistem em seus lugares tc6ricos ¢ sc tornam pois musicalmente cliptica
Ora, em nossa miisica americana (jazz, “ixc, em gcral toda sfncopa
brasileira e mesmo no tango platino) o que se da é um verdadciro des-locamento do acento forte que passa do lugar teérico para um lugar onde
cle no devia cair, verdadeira antecipagao ritmica da thesis.
Sincopa curopéia: H
od
Sincopa americana: = =
Mas o que me faz afirmar que a sincopa curop¢ia ¢ uma especulagao
pratica de misica crudita é nao s6 a quase inexisténcia do movimento sin-
copado (2/4 FT3 S17) na misica popular curopéia (com excegao de por-
tugas ec cigadas) como por cla nao ser corrente mesmo na mutsica
coreografica de criagao erudita. O emprego da sfncopa em Bach, Schumann,
Haydn, Mozart, Beethoven, Wagner, ctc., cic, é raramente uma con-
seqiiéncia de dinamismo fisico-corgografico. Na infinita maio' ry
ocorre dentro do conceito do lied. E na cangao, ¢ principalmente na cangdo
exchusivamente instrumental, (0 que é importante pra esta observagdo) que
ocorrem sincopas. (dar exemplos). [Estudar os flamengos c os antemon-
teverdianos pra ver a sfncopa neles]. A sincopa curopéia 6 uma con-
seqiiéncia prdtica das especulagdes obtusas dos franco-flamengos ¢
madrigalistas. Na América 0 conccito de sincopa surgiu doutra necessidade
que por mais fisiolégica ¢ popular, sc podera chamar de mais essencial.
Aqui a sincopa € de aplicagdo imediata, constante c dirctamente
corcografica. Basta examinar 0 papel decisivo dela dentro da forma do
foxtrote, do rag-time, do samba, da catira, do maxixe onde no geral ela é im-
prescindivel pra sc verificar o que cu falo. E cla quem da 0 esquema ritmico
do maxixe (2. FTI J7 ). No tango é também uma constincia. Na América
a sincopa nao provém da sincopa curopéia. E uma realizagao imediata ¢
cspontanea das nossas manciras de dangar, mais sensuais, provinda do
clima talvez, ¢ do amolecimento fisiolégico das ragas que sc caldearam pra
nos formar ¢ formaram também 0 remelcixo, 0 requebro, 0 dengue. E-o
movimento dengoso do corpo na danca que deformou a ritmica da
polca Fl primciramente na ritmica da habancra J7] J] ¢ em
scguida nofJJ Sido maxixc. Acresce ainda que em habaneras ¢ danzoncs
é comum 0 clemento de tercina (ver se a tercina ocorre no 1°
tempo). Donde se poderia formar uma ctimologia da nossa sincopa assim:
Ainda na morfologia da sincopa brasileira carcce nado esqueccr outra
formula ritmica muito empregada em sambas (ver Fricdenthal, Francisca
Gonzaga, ctc.) ¢ que pode ter concorrido também. De fato se encontra até
cm maxixes 0 seguinte rilmo acompanhante CEP Cf ou principal-
mente Cor cer
donde a ctimologia scguinte:
Cror>Clror>crcf>
. CEPCer>eteyrcofSe na sincopa licderesca curopéia 0 som sincopado é um produto de sub-
divisio do compasso produzindo eclipse dos acentos, na sincopa americana o
som sincopado, embora subdivisivel teérica ¢ até as vezes praticamente (1),
desloca 0 acento, assumindo um valor de unidade insubdivisivel.
(1) Nos tempos de formagéo do maxixe ¢ comum aparecer a
sincopa ELS acompanhada pela subdivisao LELfassim 22% , por ndo
estar ainda bem fixo 0 carter corcografico ¢ insubdivisivel da sincopa. Hoje
isso é bem raro ¢ nos maxixes mais puros sob ponto de vista-de-mais essen-
cialmente brasilciros 6 duma raridade absoluta, Se aparece ¢ nao como
rclagdo subdiviséria mas como verdadcira polirritmia; dois ritmos diferentes
c diversos ajuntados por simultancidade.
Nota: Ver a curiosa n® 21 das minhas Cantigas de Roda, Sambalelé. Foi e-
xalamente assim que minha aluna a cantou caracteristicamente fazendo pas-
sar a sincopa do 1° tempo pra tercina no 2°, quando devia de continuar
légica c popularmente outra sincopa. Nao cra refinamento nao que isso
entre pids 6 pouco provavel ¢ na minha aluna, tfmida na intcligéncia, im-
possivel.,Era uma espécic de capacidade (brasileira?) pelo menos tenden-
ciosa de exccutar a sfncopa no 2? tempo. Mesmo no refrao a sincopa que cla
cantava no 2% tempo vinha muito bamba, ainda nao cra bem sincopa mas ja
nao cra positivamente tcrcina: uma tercina cm rubato franco ¢ com acen-
tuagao ainda no primeiro som dela. Sobre é ij
a cantiga & possivel fazer
muitas observagées c hipétescs. Primciro: observar a fixagdo da sincopa no
1° tempo. Segundo importantissimo: notar a luta entre a tercina ¢ a sincopa,
que terminou no Brasil pela vit6ria franca desta. Tercciro: observar que da
tercina proveio por contato com outros ritmos ¢ por influéncia da nossa
dinamogenia 0 nascimento da sincopa brasileira. Sobre isso notar que o
Gillimo compasso da 2a. versio que dou do refrao traz sincopa, onde na La.
versio vem (Ef , mais outra prova do nascimento da sincopa por colisao
de varios ritmos de 3 notas em subdivisao binéria EE LES EES
Sanbalele
Roda
(aS Se
== SS SS SS SSS
(Ensaio sobre a mésica brasileira, 1972, p. 85).
Africa-Portugal-Brasil
Ora pois, sc nos faltam dados positivos de [formulas de datas como es-
tabelecer prioridade de criagdo de imposigaéo na América ¢ no Brasil, de
certas manifestagbes ritmicas ¢ melédicas ja agora definitivamente nossas?
Quem foi o influenciador? Quem o influcnciado? Ou se deu apenas coin-
cidéncias de {6rmulas lusas ¢ africanas que contaminaram-se ¢ deram por
isso origem a f6rmulas que por nascerem sob os auspicios da América
podemos chamar de Amcricanas? Esta tltima hipdtese, nem o ¢. A con-
taminagao se deu c por cla sc criaram f6rmulas de cantar ja especificamente
americanas, Porém esta afirmativa nao basta. O problema das origens per-
mancce intrincado c sem bases atuais com que possa scr resolvido. (MA)
Bibl: ANDRADE, Mario de. Ensaio sobre a musica brasileira, 1972, p. 29-
38; IDEM. Terminologia musical, Mtisica, doce intisica, 1976, p. 58.
V.tb.: 388, p. 19; 676, p. 219; 154, p. 22; 665, p. 34; 26, p. 94; 48, p. 13; 366, v.
5, p. 113; 236, p. 175; 459, p. 153 e 162; 768, p. 105; 146, p. 33; 803, p. 38.