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International Center for the Arts of the Americas at the Museum of Fine Arts, Houston

Documents of 20th-century
Latin American and Latino Art
A DIGITAL ARCHIVE AND PUBLICATIONS PROJECT AT THE MUSEUM OF FINE ARTS, HOUSTON

ICAA Record ID: 1111295


Access Date: 2018-04-01

Bibliographic Citation:
ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Depois das vanguardas. Arte em Revista, São Paulo, ano 5, n.7,
p. 4-8;10-12;14-15;18;20, ago. 1983.

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R. Gerchman. "E hora agora 1966


Projeta para sengrafia, 50X70 cm. (Foro/. FUNARTE)

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Otilia Beatriz Fiori Arantes
Pode-se dizer que de 65 a 69 até à revan- A designaçäo "realismo ", ou "novo rea- guerra de Hélio Oiticica, violência predató-
che do regime boa parte dos artistas lismo" (como preferia Schenberg), parecia ria e élan construtivo. Do caos haveria de
brasileiros pretendiam, ao fazer arte, estar imprópria, sob pena de se ficar preso aos nascer um novo mundo. Esta a grande es-
fazendo política. Passada a hesitaçäo do parâmetros convencionais da pintura. De perança expressa nas manifestaçóes artís-
primeiro momento provocada pelo golpe fato, amadurecidos pela derrota e pondo de ticas mais relevantes daquele ano: Ale -
militar e pelos primeiros expurgos e prisóes lado o tom exortativo e populista adotado gria, Alegria, de Caetano, apresentada no
, intelectuais e artistas voltam a reclamar na maior parte das manifestaçóes "enga- I festival da Record; o Saldo das calzas, na
para si um papel de ponta na resistencia ao jadas" do inicio da década, os artistas em Petite Galerie; Tropicália, de Hélio; O
processo regressivo por que passava o país. sua maioria, especialmente no setor das Rei da Vela, encenado pelo Teatro Ofi-
Como disse Sérgio Ferro, num debate entre artes plásticas, vio tentar provocar um im- cina; Terra em Transe, de Glauber, ou o
artistas e críticos, em 65: a unidade do que pacto social revolucionário por uma alte- happening da Galeria Rex.s
ocorria nas artes plásticas no Brasil nao es- raçäo sobrevinda no interior mesmo da or-
tava num parentesco formal, mas na posi - dem artística. Como ao tempo das van - Depoimentos e manifestos da época multi-
çäo agressiva, no nao conformismo, em sua guardas históricas, opunha-se a toda forma plicam suas referencias aos movimentos
tentativa ampia e violenta de desmistifi- de esteticismo urna arte- vida -açao, näo anti -arte do inicio do século, especialmente
caçäo'. Esta característica comum de re- apenas conteúdos e discursos politicos. O a Duchamp ou ao dadaísmo e ao surrea-
torno à realidade (abandonando a abstra- novo programa da arte brasileira era, ainda lismo, mas mais diretamente ao próprio

,
tiro que era até bem pouco, entre nos, urna vez, o de romper corn os limites ar- modernismo brasileiro a seu naciona-
a tendência dominante) parece autorizá -lo tísticos instituiçäo autônoma ou ativi- lismo antropofágico, personificado, mais
a chamar toda esta nova produçäo, como o dade separada trazendo-a ao campo do que todos, por Oswald. Mas se as ques-
fizera Mario Schenberg, de "realista ", politico- ético - social, como forma de atua- tóes sao aparentemente as mesmas: nacio-
aliás, subtitulo do programa do Seminário çäo= produçäo coletiva3. Programa estético nal /internacional, velho /novo, etc., o mo-
"Propostas 65 ". Hélio Oiticica, entretanto, e programa de agio parecem coincidir. A mento é outro, o desenvolvimento econômi-
voltando à questäo em "Propostas 66 ", diz obra substitui -se o projeto, ou o gesto o co e tecnológico atingira uma fase bastante
preferir a expressäo "nova - objetividade" espaço da criaçäo artistica nao deveria mais mais avançada, do ponto de vista do capi-
que acabou sendo consagrada. Enfati- ser o museu, mas a rua, o espaço das trocas talismo e da internacionalizaçäo nos
zava assim o caráter vanguardista e pio- coletivas. Sem querer padronizar a arte do anos vinte ainda se tratava do "sonho bra-
neiro do que estava ocorrendo aqui se- período, esta parece ter sido, embora em sileiro", tinha-se urna visa() prospectiva,
gundo ele, nao se tratava mais de impor um graus diversos, a tendência dominante. otimista, utópica, predominante; já nos
anos 60, o que domina é o gosto amargo da
' acervo de idéias e estruturas acabadas ao Afastando -se das intençóes artísticas inter - desilusäo. Mas se naqueles idos havia tam-
,espectador, mas de descobrir e criar objetos nacionais no momento, especialmente da
na tentativa de instaurar um mundo expe- bém, ao lado da aposta na modernidade e
pop (apesar de nao ignorar as liçóes desta da necessidade de construir um Brasil
rimental onde os individuos pudessem am- corno veremos), aquela arte parecia re-
pliar seu campo imaginativo e, principal - novo, urna insatisfaçäo corn a realidade,
tomar o ideário vanguardista do inicio do o atraso, o provincianismo, procurava -se
mente, criar ele próprio parte deste mundo século. Vemos despontar aqui e ali o mes-
ou ser solicitado a isto. O que culminaria contudo preservar os valores nacionais, na-
mo tom nihilista das vanguardas mais irra- tivos, contra a desfigurado que a moder-
numa "anti- arte ", numa descentralizaçäo
cionalistas. Por exemplo, na definiçäo de nidade poderia trazer. Na década de 60,
da arte, no "deslocamento do que se de-

,
sua "posiçäo ética ", Hélio declara nao es- por seu lado, tendo passado pelas liçóes da
signa como arte, do campo intelectual, ra-
cional, para o da proposiçäo criativa, viven -
tar querendo constituir urna "nova moral ", i arte abstrata do construtivismo concreto
cial". "Dar ao homem, ao individuo de mas "derrubar todas as morais, pois que e neoconcreto a arte brasileira já se acha
hoje, a possibilidade de 'experimentar a estas tendem para um conformismo estag- bastante distante da temática nacional
criaçäo"' propunha ele. Era assim, nizante, a estereotipar opinióes e criar con - e /ou popular. Absorvidos já os recursos
como observava, menos pela mensagem ceitos nao criativos ". Na mesma época mais recentes da tecnologia e da arte inter -
início de 67 ao apresentar a exposiçäo nacionais, o questionamento da introje-
explícita, do que pela vivencia social, cole -
tiva, que propiciava, que a arte possuía im-
"Nova objetividade brasileira ", onde a tó- çäo/rejeiçäo das tradiçóes e valores nacio-
pacto politico. E concluía irreverente: nica é também o protesto, alerta: "DA nais por esta modernidade deve se proces-
ADVERSIDADE VIVEMOS". Parece ser sar num outro plano de deconstruçäo/
"Essa magia do objeto, essa vontade incon- a consagrado do caos. Näo era contudo o reconstruçäo da própria linguagem artis-
tida pela construtivo de novos objetos per- que pretendia: tica.
ceptivos (táeteis, visuais, proposicionais,
etc.), onde nada é excluido, desde a critica "O principio decisivo seria o seguinte: a Talvez pudéssemos dizer, embora isto seja
vitalidade, individual, e coletiva, será o muito esquemático, que a vanguarda brasi-
social até a patenteaçäo de situaçöes-li-
soerguimento de algo sólido e real, apesar leira passou por tres momentos que, de cer-
mite, sao características fundamentais de
do subdesenvolvimento e o caos desse
nossa vanguarda, que é vanguarda mesmo to modo, reproduzem o projeto das van -
caos vietnamesco poderemos erguer algo guardas históricas escandido: 17/32
e nao arremedo internacional de país sub - cu-
válido e palpável, a nossa realidade. "4
desenvolvido, como até agora o pensam a bo/futurista; 45/60 abstrato /concreta
maioria de nossas ilustres vacas de presépio A maneira das velhas vanguardas históri- (ainda no filio do construtivismo); 65/69
da crítica podre e fedorenta. "2 cas, combinam-se ai, nesta declaraçäo de (74?) dadaísta /pop (sem abandonar in-

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11

P. Fsrosteguy. "Pas", 1964 (Reconstru«io)


Acrilico s/ madeira c/ relevos e metait, 150X120 cm. (Fotol. FAAP)

teiramente esta componente construtiva dos


momentos anteriores). Na década de 50,
a tônica teria sido a afirmado do fenômeno
A nova figurado, os objetos, os ambientes,
ou acontecimentos, dos anos 60, se pauta -
räo basicamente por aquelas normas sinte-
mesma ,
desintegradora/construtora da vida e de si
a arte era concebida como um
gesto ao mesmo tempo destruidor e criador
a se desdobrar em todos os níveis. Talvez ,
plástico- visual, de sua autonomia, em rea - tizadas no "Esquema geral da Nova Obje-
1 çäo a urna pintura muito voltada para a tividade": "1 vontade construtiva geral; como nos anos 10/20, na Europa, estivés-
figurado da realidade nacional. Esta bus- 2 tendência para o objeto, ao ser negado semos assistindo a um fenômeno seme -
ca do essencial, esta depuraçäo de formas, e superado o quadro de cavalete; 3 par- lhante à ascensäo do nazismo, mas parecia
nao era despida de um sentido politico ticipado do espectador (corporal, tátil, vi- ainda sobrar uma réstea de luz, um pe-
prospectivo, nem estava inteiramente de- sual, semántica, etc.); 4 abordagem e queno espaço para exercer a liberdade (na
senraizada da tradiçäo nacional, mas, por
seu caráter construtivo-tecnicista acaba
comprometida corn a ideologia desenvolvi-
politicos, sociais e éticos; 5
tomada de posiçäo em relaçäo a problemas
tendência
para composiçóes coletivas e conseqüente
expressäo de Mário Pedrosa). Como o auto-
ritarismo, também a lógica do consumo
nao era tao asfixiante como será dal a
mentista dominante, enredando -se nas ma- abolido dos "ismos", característicos da alguns anos (ou como ji era esta nos
leas do desenvolvimento tecnológico e sua primeira metade do século na arte de hoje EEUU).
aparente "neutralidade ". A isto reagirá o (esta tendência pode ser englobada no con - Trazendo para a arte os mitos e símbolos da
neo- concretismo retomando os valores ex- ceito de 'arte pós- moderna' de Mário Pe- vida urbana, ou o inverso, trazendo aquela
pressivos e nacionais, num esforço de sínte- drosa); 6 ressurgimento e novas formu- para perto do quotidiano, utilizando -se do
se parcial, mas à qual é devedora toda a laçóes do conceito de anti- arte. / traço forte e das cores agressivas da publi-
vanguarda, especialmente carioca, da dé- Näo se pretendia simplesmente integrar a cidade, ou de objetos da sociedade de con-
cada seguinte.6 arte à vida, ou diluir aquela nesta, mas sumo, aproximando -se portanto, por cer-

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tos lados, da arte pop, é ainda a irreve-
rência, à subversào, à maldiçào "dada"
que somos levados a nos reportar. É a
mesma agressividade incômoda que a mar-
ca. Mesmo que as influências pop e op
fossem inegáveis, tratava -se contudo, mais
do que apresentar um conteúdo diverso, ou

'
representar uma realidadenossa, subdesen-
volvida, de criar "uma linguagem própria"
conforme depoimento de Oiticica. Mes -
mo que alguns dos artistas se atribuíssem
filiaçóes pop como foi o caso daqueles
yP4r, .irs$ r. l'
1.1
ligados à Galena Rex (Geraldo de Barros, .

Wesley Duke Lee, Leirner, Nasser, Fa-


jardo, Resende, Nitsche, até certo ponto,
ire

cilmente detectáveis ,
Sérgio Ferro, etc.) em que as marcas de um
Rauschenberg ou de um Indiana eram fa-
ou ainda, que a
crítica os tachasse de "popistas ", é preciso
reconhecer que a atitude dos artistas brasi- ')
1.:
-{

fi
leiros era muito diversa da dos seus congé-
neres americanos. Entre uns e outros havia
um verdadeiro abismo. Enquanto estes,
como distinguia Mario Pedrosa (e esta era a
visào dominante no Brasil, na época), "ca-
pitulavam" abertamente diante da reali-
dade imediata do quotidiano, inteiramente ,4
regulado pelas leis do consumo, aqueles
pretendiam revelar a infra - realidade
seja através do choque provocado pela ex-
plicitaçào das contradiçoes no uso de ma-
teriais disparatados, combinando, por
exemplo, o ultrapassado e o precário corn o
ultra- moderno, como nos "ambientes" de
..
Hélio, nas "caixas de morar" de Gerch-
man, em seus jogos de palavras em acrílico
T

,
`
(a lembrar logotipos de Companhias Aé-
reas ou Bancos) "AR ", "LUTE ",
"SOS" ou nos objetos- máquinas de
Wesley; seja pela distorçào das informa-
çóes habituais, como no caso de Mauricio
Nogueira Lima, ao se utilizar de sinais de
tránsito para indicaçóes politicas, ou no
recurso aos sinais de informaçào, por Es-
costeguy, criando símbolos plásticos alta- L

mente sugestivos (também, embora já um


pouco fora deste período, as "Inscriçóes em
circuitos ideológicos" ou "antropológicos",
de Cildo Meireles, gravando inscriçóes em
e
garrafas de Coca -Cola ou notas de dinheiro
repostas em circulaçào). Voltando ao
Gerchman "Agora ajoelhe -se ", suas

os de Leirner ,
Lindonéias e Misses de subúrbio, subde-
senvolvidas, seus times de futebol como
suas multidóes (em está -
dios, ônibus ou filas de fábricas), figuras
anônimas, grotescas, caveiras, procurados
Nelson Leirner. "Porco", 1968
Engrudado e porco empalhado, 85 X 165 X 65 cm. (Foro!. FAAP)

denúncia, As vezes explicitada por palavras página de imprensa marrom, outras vezes
pela polícia é sempre o mesmo tom de indicadas ou texto, no estilo de primeira pela combinando do tom agressivo verme-

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lho- sangue corn as cores da bandeira bra-
sileira, aproximando imagens incongruen- 3
tes ou superpondo-as a um fundo /bandeira
zebrado. Todos os recursos da informática
JJ
e da figuraçäo mais recente sao mobiliza-
dos. O mesmo ocorre corn as pinturas /ob-
jetos viscerais de Antônio Dias, a denunciar
todas as modalidades de violência, ele se
atinha, como escreveu Mario Pedrosa, "ao
permanentemente vivo dos fatos do dia da
crônica policial", entretanto nao se trata de
um simples "comentário jomalistico, como
no pop americano, mas antes um pedaço
bruto de vida" adverte-nos Márioe.
Também Nelson Leirner, ao enviar o "Por-
co empalhado" ao IV Salto de Brasilia, nao
pretendia, seguramente, apenas, mais urna

- da arte-
vez, glosando Duchamp, romper os limites
sua irreverência, em se tratando
de um Salto oficial e, dentro do contexto
Ft -'``.

politico em que se dava, la muito além de


um simples questionamento da Instituiçäo
_ Arte: corn ela, eram as próprias instituiçòes
que eram postas em causa (corn a cumpli
cidade do júri, que o premiou). Pelo re- }
curso à realidade aparentemente mais pro- VS'
saica, mas tratada de forma inusitada, tor-
nava-se manifesta uma realidade no geral
ignorada, mas mais do que tudo, tentava
se gerar um comportamento também eleJ
inusitado, tirando o espectador da passivi -'
I dade, acirrando seus desejos e seus impul-
sos. Um fenômeno típico foi o "Rex Ka-
put" o happening de encerramento da v
Galeria Rex, que durou 8 minutos o .
tempo de as obras serem arrancadas, e a
Galeria depredada. O Wesley, em depoi-
mento recente se perguntava: "Como é que
se formou o saque? Que elementos estavam ,r
dentro das pessoas aparentemente pacífi-
cas, que numa fraçao de segundos, expío-
diram e transformaram urna galena de arte
numa espécie de cidade em momento de ser
abandonada? Com que forças mexemos? "9
Algo semelhante ocorrerá algum tempo
depois no Rio, só que os alvos servo Bancos
e Supermercados. Seria um pouco ousado
dizer que se tratava exatamente da mesma
coila o móvel neste último caso era evi-

,
dentemente a forre, no primeiro, provavel-
mente, a posse de objetos que tivessem
valor de troca mas a diferença talvez
fosse apenas de grau: em ambos os casos os
padröes estabelecidos de comportamento
Marcelo Nitrate. "Bolha ", 1969
Nylon e esaustor, 700 cm /alt. (Fotol. FIAP)
eram rompidos, atentava -se contra a pro
priedade, de urna maneira ou de outra sub -
vertia-se a ordern.

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Aparticipaçäo popular vai se dar de dife- pela "identidade do mundo da arte corn o apenas "anti ", sem chegar a ser modi -
rentes maneiras, ém nivel maior ou menor, da mercadoria" (como conclui Marchan, ficadora13. Ora, o que os nossos exemplos
vai ser mais ou menos popular, mas ela é em Da arte objetual à arte do conceito, mostram é, de um lado, que a simples corn-
quase sempre o objetivo principal dos ar- ao registrar tais depoimentos). É também binaçáo de um conteúdo brasileiro a urna
tistas na época. verdade (e o autor reconhece) que as liçóes linguagem internacional nao é um "mero
da pop 'art, quanto a urna nova linguagem enxerto" (como afirmava Ferro) con -
"A obra uma vez acabada " dizia Gerch- teúdo e forma nao sao exteriores um ao
artística, sao decisivas como aliás o pró-
man "está inteiramente acabada para outro: mesmo que fosse introduzindo urna
prio fato de inserir-se de uma maneira di-
mim. Passa a fazer parte de urna mani - tensáo, este novo conteúdo deveria se sedi-
versa na realidade sócio- cultural, assu-
pulaçáo; de um coletivo, social, em que o mindo-se em sua literalidade e abando- mentar (utilizando urna expressao de Ador-
espectador nao mais deve participar con- nando toda pretensáo contestatária da arte no) numa forma diversa; de outro lado, isto
templativamente, mas ativamente, pene-
trando fisicamente nela, apalpando -a, me-
tendo-se dentro dela. Minha obra nao é
feita para museus, nem cabe em nossos
apartamentos. Deveria fazer parte de um.
dade altamente administrada) ,
vanguardista (ou sendo impelida a fazê -lo,
por força dos mecanismos de urna socie -
de tal
modo que as tendências posteriores estáo
inevitavelmente referidas a ela. Talvez te-
nao era tudo na produçao artistica brasi -
leira do momento, mesmo naquela que se
inspirava na pop. Além disto cabe pergun-
tar: em que sentido nao chega, a ser modi-
ficadora? Acaso se pode pretender urna
parque de diversóes aberto a todos. "10 nha sido o divisor de Aguas e, justamente, atuaçao direta e imediata sobre as estru-
Os objetos de Gerchman ou de Lygia Clark, entre a arte dita "moderna" e a "Os- turas econômicas ou políticas? Embora re-
os "penetráveis" de Hélio, o Trapézio ou moderna" (como assinalou muitas vezes trospectivamente se possa dizer que, como
oHelicóptero, de Wesley, a Bolha de Nits- Mário Pedrosa). Ao que nao escapa a arte todas as vanguardas, ficou aquém de seu
che, sao alguns exemplos de obras em que que entáo se fazia aqui, mas, como dizía- programa, nao há como nao reconhecer o
o público é diretamente instado a parti- mos, combinando os recursos da pop ao interesse, a fertilidade e o caráter inovador
\ cipar. programa das vanguardas e acrescentando modificador da arte daquele periodo,
Em síntese, pode -se dizer que a arte que se um alto grau de inventividade. Para os talvez um dos mais produtivos da história
fazia aqui era, diante do pop americano,
extremamente hot, como já assinalou uma
vez Frederico Morais, ao relatar o fato de
Sam Hunter ter vindo ao Brasil organizar
de cá, nem de lá ,
artistas brasileiros nao se tratava de con-
sagrar "o melhor dos mundos" nem
nao só devido à si-
tuaçáo política pouco confortável que se es-
tava vivendo, como pela consciencia aguda
da arte brasileira.
Na época, Hélio Oiticica, embora menos
pessimista, nao estava contudo menos
atento para as contradiçöes vividas, con-
uma exposiçáo de arte latino-americana em forme registra no catálogo da "Nova Obje-
seu país e nao podendo chegar a um acordo que tinham, propiciada por esta mesma tividade": "No Brasil o papel toma a se-
com os artistas brasileiros conta Frede- realidade, da desordem capitalista. guinte configuraçáo: como, num país sub -
rico que "enquanto ele quena urna arte Sérgio Ferro, embora chamando a atençáo ; desenvolvido, explicar o aparecimento de
cool, os brasileiros só concordavam em re- para esta politizaçáo da pop por parte dos urna vanguarda e justificá-la, nao como
meter obras hot; a mostra acabou nao artistas brasileiros, era menos otimista que uma alienaçáo sintomática, mas como um
saindo 11 I Hélio ou Mário Pedrosa, sobre as possibi- fator decisivo no seu processo coletivo?
No pop americano, mesmo recorrendo ao lidades transformadoras desta arte ou Como situar al a atividade do artista? O
humor, o discurso mitológico da america- quanto, apelar de tudo, à origlñalidade da problema poderia ser enfrentado corn uma
nidade está de fato integrado como de- nossa vanguarda. Sérgio Ferro via nela ape- outra pergunta: para quern faz o artista sua
clara Indiana: "E o sonho americano, oti- nas a manifestaçáo clara do que éramos obra ?"
' mista, generoso e ingenuo... é o mito ame- "colônia ianque ": partíamos da linguagem As ambigüidades sao evidentes e em grande
ricano. Portanto, é o melhor de todos os da metrópole para falar de nós. Segundo parte assumidas. Basta ler a "Declaraçáo
mundos possíveis ". O sorriso provocado ele, tentava -se politizar a pop mas sem de principios da vanguarda", de janeiro de
nao tern nada a ver com a ironia subversiva conseguir ultrapassar os limites impostos 67: pretendia -se urna arte que integrasse a
ou o humor corrosivo de nossos artistas, é por ela. Além disto, a própria violência atividade criadora na coletividade, que nao
um sorriso cool, que nao se distingue, como interna se encarregava de impedir a denún- fosse elitista, mas que nao compactuasse
observa Baudrillard, do da cumplicidade cia da violência o que esta arte exprimia com a miséria e a estagnaçáo nacionais;
comercial. Certo sorriso faz parte dos sinais nao era outra coisa do que a frustraçáo da para isto era necessário romper com as
obrigatórios do consumo, é um sorriso de pequena burguesia alijada do poder. Apon- fronteiras locais, utilizar-se de todos os re-
conluio, e nao de critica. O humor pop tava os fenômenos de superficie sem tocar cursos técnicos avançados, projetar sobre
pode portanto ser apenas uma forma re- nas estruturas econômicas do sistema; por ou para além deste subdesenvolvimento,
pressiva de desinibiçáo do american way of exemplo, tinha como um dos alvos predi- valores e instrumentos da sociedade capi-
life'2. Rauschenberg confessa: "minha letos a cultura de massa, o que, de acordo talista avançada. Como fazê-lo sem alinhar-
obra nunca foi um protesto contra o que com Ferro, era mais um problema da me- se e ceder as pressóes imperialistas? Estas,
estava acontecendo ". A neutralidade apa- trópole do que nosso com a qual aca- de seu lado, se davam no sentido de perpe-
rente como a de Warhol, que diz pintar bávamos sempre, quiséssemos ou nao, nos tuar a miséria, ou, ao menos, a dependên-
desta maneira porque quer fazê -lo como se identificando. Tratava -se, portanto, ape- cia. Assim, para sair desta, obrigados a
fosse urna máquina acaba se decidindo nas de uma arte nos "limites da denúncia" buscar novas linguagens, em consonancia

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com os acontecimentos do mundo mo- cionalizados em nome das exigências da guês; enquanto a permanência no Caos,
derno, os artistas se viam encerrados num realidade produtiva. É contra isto que se um nihilismo apocalíptico que é apenas o
círculo difícil de romper. Nao se propu- rebelam os artistas brasileiros que se consi- avesso da ideologia totalitaria (haja visto o
nham modelos, ao contrário, acreditavam deram de vanguarda, enfrentando, talvez que ocorreu com o futurismo).
em possibilidades e caminhos próprios, mais do que nunca, as contradiçóes, num
mas era evidente a insatisfaçao com os re- esforço de aprofundá -las dialeticamente. Ao se "declararem os primitivos de um
cursos de que dispúnhamos e a aspiraçao a Nisto é que eles nos parecem reatar com o nova era", os artistas de vanguarda preten-
"acompanhar as possibilidades da revolu- espirito das vanguardas da primeira hora. diam fazer tábula rasa de todos os valores
çao industrial" o fascínio pela tecnologia Só numa realidade em que a administra estabelecidos, mas, ao mesmo tempo, era
mais recente, pouco ao nosso alcance, vi- çao, autoritaria ou liberal, nao seja abso- em nome da modernidade dada que pre-
nha acompanhado da crença de que pu- luta, onde nem tudo está rigorosamente tendiam destruir as convençöes, era mais
desse trazer, de imediato, em seu bojo, as estabelecido, onde o incongruente se choca contra o passado que contra o presente que
condiçöes "para a participaçao renovadora e convive, esse tipo de comportamento, ine- se voltavam, ou melhor, eram anti- passa-
e para a análise crítica da realidade" por rente As vanguardas, é possível. Ainda distas, mais do que futuristas. Muitas ve-
parte do público. Mas quem era este pú- aqui, mais urna vez sua ambigüidade: elan zes, para derrotar o anacronismo, era ao
sobrevivem graças as próprias contradiçöes trivial presente de que lançavam maos. A
blico atingido e até onde esta "revoluçao"
nas relaçöes arte/público poderia ter con - da realidade em que surgem. própria transcendência da arte era questio-
seqüências para além do evento, nao se nada nao apenas pela sua alienaçao, para
esgotando no instante mesmo? Quais os Em sua "crítica à ideologia arquitetônica", obrigá-la a urna interferência mais direta
desdobramentos possíveis disto? Em que Tafuri explica os antagonismos como rendo na realidade, mas o era também em nome
nivel se dariam? Através desta "posiçao re-
momentos contraditórios da "dialética da de urna operatividade própria as exigências
volucionária " , que valores eram persegui- vanguarda", de modo que Caos e Ordern, de urna sociedade dominada pelo consumo.
Dadaísmo e Construtivismo seriam corn- Nao esqueçamos a célebre declaraçao de
dos? Em nome de que progresso se lutava?
plementares. Enquanto este opöe ao Caos, Van Doesburg, ao aproximar -se do Da-
Que modernidade estava em jogo? Prova-
velmente nada disto estivesse muito claro.
ao quotidiano, o principio da Forma, mas daísmo "é preciso matar a arte por amor /
levando em conta o que concretamente con- ao progresso ". Sanguinetti teórico e de-
Negava -se a importância do mercado (item verte a realidade em informe, caótica e
7), ao mesmo tempo que se pretendia dina
fensor da arte de vanguarda nao deixa
empobrecida, o Dadaísmo, ao contrário, 1 de destacar a coexistência nela, sempre, de
mizá-lo (item 2); pretendia -se recorrer aos representa, confirma e aprofunda o Caos,
meios de comunicaçao (item 8), desrespei-
dual faces: urna, "heróico patética ", a ou-
mas, mesmo tempo,ironiza sobre ele, tra, "cínica ", mas que, de fato, nao che -
tando ao mesmo tempo as instituiçöes e os denunciando sua inadequaçao. Donde,
ora: como esca- gam a constituir momentos diferentes
interesses dominantes conclui, nao ser estranho que confluam, elas se ciao num mesmo instante, sao indis-
par à lógica consumistica, ou como utilizar depois de 22, a Ordem do Stiji e a Anarquia sociáveis, e isto desde que Baudelaire pre-
os media sem cair na separaçao social que dadaísta, tanto ao nivel teórico, quanto gara a "santa prostituiçao" do poeta. De
instituem por sua própriaforma ?14. operativo, criando urna nova sintaxe. O
* acordo com Sanguinetti, a vanguarda ques-
Estas sao algumas das contradiçöes e dú- caos era um dado, a ordern, um objetivo. tiona a neutralizaçao mercantil, forçando
vidas vividas, mas que apontamos nao no Para Tafuri, a Bauhaus, com sua "ideolo- ao máximo as contradiçöes presentes em
sentido de desmerecer os propósitos ou o gia do plano" e sua utopia funcional teria sua heteronomia, nao importa se heróica
programa da vanguarda brasileira, ou de sido a cámara de decantaçao das vanguar- ou cinicamente, o que importa é que ela
minimizar seu alcance (que ela fica nos li- das portanto, a dissoluçao das contra - exprime o momento dialético no interior da
mites da sociedade burguesa, como afir- diçöes, onde a produçao artística e a pro- neutralizaçao assinalada pela mercantili -
mava Sergio Ferro ao fim do artigo citado, duçao serial, industrial, teriam se tornado zaçao estética. Ao mesmo tempo, reco -
é urna obviedade). Podemos nos perguntar, homogêneas. As tensöes progressivamente nhece ele, "por força das coisas e por força
isto-sim, por que e como tais contradiçöes recalcadas teriam acabado por matar as mesmo do mercado, realiza a aventura de-
puderam coexistir e, inclusive, até onde vanguardas. Paradoxalmente, sua força sordenada da razao comercial" 16.
constituem, menos que sua limitaçao, sua estava em jogar com as contradiçöes as
força. É preciso, alias, nao esquecer que vanguardas dependem, para existir, destas Que estas contradiçöes se transformem no
isto sempre ocorreu em todas as vanguar- e das relaçöes ambivalentes quemantêm momento seguinte em aportas, nao há dú-
das esta combinaçao de atraso e avanço, com a realidade em que se inscrevem e vida, corno nao há que, na maior parte dos
de nacional e internacional, de caos e or- transcendem simultaneamente. Só sao casos, a vanguarda tenha acabado por des -
den, instituiçao e liberdade, radicalismo e prospectivas na medida em que vivem tais falecer diante da ideologia cultural domi-
complacência, nao é apanágio nosso, tais contradiçöes enquanto momentos de um nante, dissolvendó a própria alteridade em
tensöes atravessam todo o movimento mo- processo dialético. Assim, a Ordern nao é o nome do trabalho produtivo, abolindo as-
derno, que se exaure justamente quando que é buscado fora, mas no próprio Caos, é sim sua força dialética. É o que denuncia,
vêm dissimuladas numa aparente síntese o que dá valor a ele, o que, segundo Tafuri, por exemplo, Tafuri, ou Marc Le Bot, em
ou totalidade arte- total, síntese das ar- o transforma em liberdade15. O utopismo é texto reproduzido, sintomaticamente, na
tes, arte cidade -planetária, etc. Aí, os an- um irrealismo, ou esteticismo, que nao revistaMalasartes (quando alguns dos nos -
tagonismos acabam por se dissolver, fun- passa de complemento do utilitarismo bur- sos artistas, saídos do periodo mais duro da

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r

Hélio Oiticica. "Tropkrilia ", (1967) .


(Repr. cat. Whitechopel Gallery. 1969)

repressao, buscavam novos caminhos, já ties essenciais ao fenômeno construtivo do tica de Adorno: na sua distância ela dei -
entao para além das perspectivas abertas Brasil como um todo, no mundo, em tudo xaria igualmente intacta a sociedade de que
agora fechadas das vanguardas). Faz que isso pode significar e envolver." Mis - tern horror.
ver Le Bot que os programas de van turam-se neste texto, exemplarmente, os
guarda, ao mesmo tempo de critica radical A dimensao construtiva ou prospectiva
sentimentos contraditórios a que nos refe -
e conluio com o sistema, premidas, corn o desta vanguarda estava diretamente vincu-
riamos: indignaçao, necessidade de mu-
desenvolvimento capitalista, a buscar urna lada à diferença de boa parte da tradiçao
dar, associados à consciência de que é pre-
nova inserçao da produçao artística, aca- construtivista ao fato de nao se pôr como
ciso levar em conta este Brasil a assumir/
bara por se identificar corn a arte/design, deglutir /construir falta de caráter, su- uam arte acabada, e necessariamente sepa-
sempre referida ao universo-modelo da perficialidade, provincianismo, cafonice, rada, mas como uma "obra aberta" à parti-
tecnologia arte muito razoável, muito cipaçao do público. Esta expressao, ado-
sao alguns dos aspectos para que chama a
conformista, quer dizer: "conforme aos in- tada por Hélio no "Esquema geral da Nova
atençao Hélio. "Quern quiser construir"
teresses da classe de seus comanditários ".17 diz ele "tern de mergulhar na merda ". A Objetividade", estava em voga na época,
ambigüidade é al posta como virtude e por influencia de Umberto Eco. Ferreira
Contudo, quase dez anos antes da Mala - paradoxalmente o Gullar, por exemplo, em seu livro Van -
sartes, para o Brasil da época, combinando "coerência critica"
contrário do conformismo. Cita Hélio, a ti- guarda e Subdesenvolvimento, diz preferir

vários malos de 68 ,
o movimento geral de rebeldia dos jovens
que vai culminar, no mundo inteiro, nos
com as candid :es
adversas que se estava vivendo, a estratégia
urna vez adotada pelas vanguardas parecia
,
tulo de exemplo, a critica da "tropicália
ao "born gosto" da Bossa Nova
valente e específica"
"ambi-
tomada por seus
diluidores em "cafonice estagnatbria ", ofi-
o conceito de "obra aberta" ao de van-
guarda "imprecisa e arbitrária" por-
que (e ele cita Eco), "a obra aberta é urna
mensagem fundamentalmente ambigua,
cial, passadista, reacionaríssima. Seu ma- urna pluralidade de significados que co-
de novo ser a mais conseqüente. De outro existem num s6 significante .19 E de novo a
lado, passados 50 anos, os impasses das nifesto-exortaçao (que talvez já tenha sur-
gido quando o ciclo havia chegado ao firn), ambigüidade da arte, como marca de ri-
vanguardas tinham se tornado expostos, queza, de "multivalência" que é posta em
retomá -las implicava também em denun- denunciando o estado de espirito resultante
do impasse maior vivido por toda aquela destaque. Entretanto, a expressao nao é
ciá -los, explicitando as artimanhas do mer- menos despida de equívocos que a desig-
cado e sua contrapartida inevitável, menos geraçao e que logo s6 terá como alternativa
a atividade under (era 69 e a repressao
naçao "vanguarda ". E Sanguinetti quem
como um recurso preventivo do que como adverte para isto, ao assinalar o parentesco
reconhecimento e denúncia dos limites e começava a se instalar de forma violenta em
entre a abertura da obra corn aquela bur-
compromissos dos instrumentos de que se todos os níveis, muitos artistas, entre eles o
guesa e reacionária de identificaçao, "le-
lançava mao. E este cinismo radio a tônica proprio Hélio, estavam deixando o Brasil),
conclui ainda dentro da ótica que dominara vando As últimas conseqüências a penetra -
de muitos dos textos da época, especial- çao do espectador na obra ". Ao passo que a
mente dos irreverentes tropicalistas veja- até entao sua produçao teórica e artistica:
distância psicológica pode redundar numa
se as declaraçöes de Caetano, José Celso ou íl idéia de vanguarda, viva e efetiva em abertura prática, de caráter ideológico
Oiticica. Este, num texto- manifesto de 69: alguns, torna -se mera 'compilaçäo' na "a única capaz de transpor os limites da
"Brasil diarréia /Chega de luto no Brasil", maioria da chamada crítica de arte. (...) pura contemplaçao ". No primeiro caso te-
mos -
prega abertamente contra todos os puris-
daqueles que se sentem culpados e
esperam o castigo ( "que se danem ") a
Nao existe 'arte experimental', mas O expe-
rimental, que nao s6 assume a idéia de
riamos urna relaçao catártica, portanto
paralisante, no segundo, a obra se fecharia
modernidade e vanguarda, mas também a a urna participaçao /identificaçao em nome
"ambivalência critica ". Segundo ele é pre- de uma reaçao /alteraçao.20 Até onde isto
transformaçäo radical no campo dos con -
ciso negar todos os valores absolutos, cas- ocorre efetivamente, podendo ter desdo-
trantes de quaisquer liberdades, "o que `ceitos- valores vigentes: é a algo que prop&
Oranformaç6'ea no comportamento-con- bramentos numa açao social conseqüente?
nao significa que nao se deva optar com ou se esgota no instante do aconecimento
texto que deglute e dissolve a convi-coni-
firmeza ", mas justamente, "a dificuldade açao /reaçao coletiva? Nao haveria al sem-
vência.
de urna opçao forte é sempre a de assumir pre, de algum modo, urna componente psi-
as ambivalências e destruir pedaço por pe- No Brasil, portanto, urna posiçao crítica cológica catártica? Possivelmente sim, ou a
daço cada problema ". Assumir as ambiva- universal permanente e o experimental sao arte perderia sua ambigüidade conse-
lências, portanto, nao significa aceitar con- elementos construtivos. qüência obrigatória, como víamos, de sua
formisticamente as coisas como estao da- Tudo o mais é diluiçäo na diarréia. "18 inserçào numa realidade também ambi-
das, mas, ao contrário, colocá-las em ques- gua. Aliás, a distância psicológica pode
tao. Nada entretanto deve ser excluido Como se vê, o reconhecimento ou a denún- também camuflar urna fuga da realidade.
desse "pôr em questao ": "a multivalência cia da ambivalência nao tinham urn sentido As duas designaçöes nao podem esconder
dos elementos 'culturais' imediatos, desde negativo, mas fazia parte de uma postura as contradiçöes da arte e sao igualmente
os mais superficiais aos mais profundos critico construtiva. Urna arte que ficasse passíveis de equívocos.
(ambos essenciais); reconhecer que para restrita à denúncia ou fosse apenas anti,
superar urna condiçao provinciana estag- permaneceria perigosamente fora da reali - Referindo -se à experiência de choque que
natória, esses termos devem ser colocados dade, reforçando apenas as contradiçöes alguns artistas mais especificamente os
universalmente, isto é, devem propor ques- utilizando-nos de urna observaçao da Esté- do grupo Oficina pretendiam provocar

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no espectador, através de urna transgressao
violenta da linha público - platéia, Roberto
diferença. Sendo ela sempre urna negaçao
determinada, convivem nela, embora criti-
camente, as contradiçöes da sociedade em
da "cultura" sempre imposta -
dida em que nao possui o caráter opressivo
como,
por exemplo, toda "parafernália cultural-
. Schwarz, em seu conhecido e polemico ar-
tigo Cultura e Política 64 -69 ", chama-nos a que se origina. patriótica- folclórica nacional ". Para ele,
atençäo para um fato curioso: a divisäo da como dizíamos, o Brasil deve estar referido
platéia, urna parte desta passando para o Aliás nao é outro o sentido do texto do a um contexto universal. De nada adian-
lado do palco e identificando -se corn o Roberto Schwarz (apesar do rigor de certos taria reforçar valores locais, irrelevantes
agressor, num comportamento autoritario juízos), ao marcar as ambivalências decor- diante da problemática mundial, é preciso
e discriminatório em relaçäo ao agredido,
rentes da convivencia de elementos contra - saber "consumir o consumo ", "absorver
ditórios na arte daquele período, como, por
numa espécie de competido "urna espi-
ritual de dureza em face dos choques reno-
vados, em que a própria intençäo politica e
exemplo, de arcaísmo e modernidade no
Tropicalismo: "E literalmente um dispa-
nas -
antropofagicamente" as influéncias exter-
única maneira de "derrubar as de-
fesas que nos impedem de ver o Brasil no
libertária que um choque possa ter se perde rate é esta a primeira impressäo em mundo, ou como ele é realmente ", de modo
e se inverte ". Segundo ele o que num teatro cujo desacerto porém está figurado um a poder superar o atraso e a estagnaçao.
como este "se figura, critica e exercita é o abismo histórico real, a conjugaçäo de eta- É dentro deste mesmo projeto que se ins-
cinismo da cultura burguesa diante de si pas diferentes do desenvolvimento capita- crevem os Parangolés ou os Bólides 24 ,
melma De qualquer maneira, "ambi- lista. Sao muitas as ambigüidades e tensöes e que culmina corn Apocalipopótese, em
gua até as raízes" é antes de tudo a pró- nesta construçao. O veículo é moderno é o 68 série de iniciativas coletivas simul-
pria sociedade e seria impossível, pois fal- conteúdo é arcaico, mas o passado é nobre e tâneas, sob a orientaçao de diferentes ar-
so, instaurar-se em meio a ela urna situa o presente é comercial; por outro lado, o tistas. Passeatas, manifestaçöes de rua e
do ideal em que os comportamentos e a passado é iniquo e o presente é autentico, "arte p .blica" coincidem num movimento
ideologia dominante fossem exorcizados. etc." Se os resultados desta conjugaçäo coletivo de insurreiçäo logo calado da
Nao há dúvida de que a sistematizaçao podem facilmente ser conformistas, reco- maneira a mais violenta.
do choque tem compromisso corn a or- nhece Roberto que "podem também,
dem estabelecida nem é outro o sen- quando ironizam seu aspecto duvidoso, re- Equívocos houve, evidentemente, como
. tido advertência de Hélio contra os epí- ter a figura mais íntima e dura das contra- sempre, mas o maior talvez tenha sido o se
gonos e utilizaçöes do tropicalismo. Ao diçöes da produçäo intelectual presente 23 ter menosprezado a capacidade de repres-
mesmo tempo, nao há como abandonar o sao e recuperaçao do sistema.
Voltamos ainda uma vez ao Hélio Oiticica
meio fio em que se equilibra esta produçäo o primeiro a se utilizar da expressäo Com o AI -5 e o recrudescimento da cen-
de vanguarda-(evidente e inevitavelmente Tropicália para designar um labirinto, am- sura, os artistas foram obrigados a encon-
burguesa), saindo pelo outro lado. A cons- biente /comportamento, célula/barraco, I trar formas de expressäo em que a refe-
cientizaçäo e explicitaçäo desta posiçao raíz-estrutura proposiçdo (como ele a bati- ' rência ao social fosse menos direta. Indo de
incômoda é .seu último recurso para se de- zará mais tarde), colocada nos jardins, em encontro à voga internacional do under-
fender contra a recuperaçao /neutralizaçao frente do MAM, em 67, por ocasiäo da ground, os artistas nacionais que penna-
incessante promovida pela indústria cul- exposiçäo "Nova Objetividade... ", e onde, neceram no país vio buscar na margina-
tural. no interior de urna tenda verde- amarela, lidade das instituiçöes e pela exacerbaçao
A ambigüidade é sem dúvida um fenô- n ma arquitetura semelhante à das nossas da gestualidade urna desestabilizaçäo indi-
meno bem mais geral e, provavelmente, f velas, em meio a um cenário tropical, reta dos valores impostor. A tônica é a do
inerente à própria arte desde que a har- corn plantas características e araras, o pú- irracionalismo, o que, associado à impossi-
monia original das culturas primitivas foi blico era obrigado a caminhar descalço bilidade de gerar acontecimentos públicos,
rompida. Como observou Adorno: mesmo j sobre raízes de cheiro forte, em forma de faz a arte retrair -se, fechando -se no mais
a arte que se pretende a mais autônoma, ninho, e objetos plásticos, acabando seu
em sua "emancipado da sociedade é ape- ,
ercurso diane de um aparelho de TV li-
das vexes, em rituais restritos, para ini-
ciados. Experimentaçao, anarquismo, in-
nas funçäo da consciencia burguesa de li- gado, cujo som se fazia ouvir desde fora. dividualismo, sao algumas das bandeiras e
berdade que, por sua vez, está estreita- Incorporar, deglutir, transformar eis a que tem por conseqüência, justamente, a
mente ligada à estrutura social" "o as- proposta, contra qualquer forma de subli- completa fragmentado da produçäo a
pecto social da arte é a negaçäo determina- maçao, escapismo ou saudosismo. Os ponto de dificilmente podermos enquadrá-
da da sociedade determinada ".22 Por isto meios de comunicaçao e a miséria nacional la numa tendência ou, mesmo, em tendên-
mesmo nao é possível determiná -lo em abs- nao apenas urna imagem do Brasil, mas cias definidas.
trato. Por exemplo, nos momentos de inde- conforme o proprio Hélio, a criado de urna
finiçao politica e social, de crise, de passa -
gem ou superposiçäo de dois modelos poli-
ticos e econômicos diferentes, as contradi-
çöes se aguçam: a margem de manobra da
arte é aparentemente maior, mas as impre-
,
"imagem- estrutura ", do "projeto da raiz-
Brasil" como dirá algum tempo depois,
ao analisar a experiência o oporto da
folclorizaçäo, "A fecundado universal da
raiz- Brasil", a revelaçao de uma "poten-
;
I
Este surto descentrado também acaba ca-
minhando rapidamente para a diluiçao e a
generalizaçao conciliatória. As Iimitaçöes
impostas impedem a exploraçäo/exposiçäo
das contradiçòes, que se transformam em
cisöes sociais, que nela se refletem negati- cialidade viva ", de urna "cultura em for- impasses. A recuperaçao pelo sistema e
vamente, a atingem em seu cerne, em sua mado". Ou ainda, anti-cultura, na me . pelo mercado logo se acentua corn a cha-

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mada "abertura" e a definiçäo maior de detritos, à arte pobre; de urna arte deco- tanto, urna total inocuidade seja das va-
urna estratégia cultural por parte rativa, isto é, para ser contemplada; do riantes dapop, quanto da arte de agressäo,
do governo. bem- feíto, isto é, do acabado, em oposiçäo ou das mil tendências gestuais. Ninguém
ao fragmentário, ao inacabado, dando -nos mais se interessa por um porco empalhado
Entretanto, de um modo ou de outro, até uma arte que se utiliza dos recursos técni- (aliás hoje peça de museu, está na Pinaco-
meados da década passada, a produçäo cos os mais sofisticados; do que dura, em teca do Estado), ou pela atitude ético -esté-
artística foi dominada pelo espirito que oposiçäo ao precário; da produçäo em opo- tica que está por detrás dele; como nin-
animou este fenômeno múltiplo e contra - siçäo à atitude; e assim por diante... Parece guém prestou a atençäo num irlandés que
ditório que foi o Tropicalismo. Ji de 75 ter -se encerrado o ciclo da experimentaçào rolava nu sobre urn teto de plástico, em
para cá, ternos a impressäo de que um fato e da contestaçào (o "cinemào ", em plano plena abertura da Bienal de Paris de 8026
inteiramente novo está acontecendo: vemos mundial, ao invés do cinema experimental, tentar escandalizar quando nada mais
os jovens voltarem aos suportes tradicio- de autor, seria um exemplo disto). É como escandaliza é arrombar urna porta aber-
nais, os artistas de vanguarda retornarem se, passados os anos loucos, estivéssemos ta... Ninguém mais quer saber de textos
ao construtivismo e muitas vezes à abstra- voltando ao otimismo ou ao confor- experimentais, de fórmulas combinatórias
çào lembro aqui a volta à arte concreta mismo compiacente? e variantes. Ao mesmo tempo, os movi-
por Geraldo de Barros, que fora ligado à mentos que opunham à arte, a vida
Galena Rex; os quadros e composiçóes da Como dizia, tudo isso deixa confusos ar- hippies, beatniks, orientalistas, droga, pi-
segunda fase de Antônio Dias a desper- tistas e críticos: estagnaçäo? volta atrás? raçäo, "odara" parecem ter chegado a um
tar -nos reminiscencias de Malevitch ou Al- vazio? pobreza de inventividade? O que é "cul de sac ", como já advertia Mário Pe-
bers; os grandes painéis de papel recortado importante? O que é válido? Para onde ca- drosa em 75 (há muito no mundo inteiro,
dentro de caixas de vidro e aço, em bancos, minha a arte? Deve -se optar pelas tendên- há bem pouco no Brasil). Sem contar que
sedes da indústria ou agências da Varig, de cias que começam a se mostrar dominantes muito disto se transformou em comporta-
Vergara; as telas de Tozzi ou Gregório; os no mercado, a ter receptividade? ou se deve mento padräo da classe media...
imensos murais, pela cidade ou nas esta - insistir em formas anti-mass -media, expe-
çóes de metrô; as esculturas da praça da Sé, rimentais, de circulaçäo restrita? Antes disto se havia chegado a urn ponto
e assim por diante. em que a simples recusa do já dado apa-
Ora, sem enveredar pelo caminho da cul- recia como critério suficiente para sua ime -
Estaríamos nos encaminhando para urna tura de massa (aliás no caso das artes plás- diata aceitaçäo. Era a novidade pela novi-
fase novamente mais construtiva, menos ticas nao é esta, propriamente, a proble- dade, ao menos nas sociedades inteira-
nihilista? Talvez; talvez a de uma nova sín- mática adequada), é preciso levar em conta mente sujeitas As leis do mercado. Sabemos
tese: para além das fronteiras nacionais, de esta guinada (de 180 °, como toda a reacio, que este precisa ser permanentemente revi-
urna integraçäo entre o melhor da tradiçäo mais ou menos comprometida, como toda a talizado, pondo em circulaçäo sempre no-
artistica e soluçóes ou recursos novos, produçäo, etc. obviedades...) explo- vas mercadorias, num processo continuo de
atuais, tecnicamente avançados. Mas seria rar o que nela, queira-se ou nao, responde e substituiçäo e numa rapidez tao maior
esta a fórmula? E como isto se darla? Ou condiciona o gosto do público, principal- quanto mais ágeis sao os seus mecanismos.
quem sabe nao passa de uma ilusäo e, na mente, o que há al de inovaçäo (é óbvio que O antitradicionalismo foi se tornando mais
falta de novidade estäo a nos impingir car- nao se trata de urna simples volta atrás), o voraz na medida mesma da abundância
ros velhos remodelados ?... É um fato que que, por exemplo, apesar de tudo, vai no ilimitada do mercado. Em conseqüência,
se volta a expressóes artísticas que pare - sentido da história. De um progresso sus - corno mostra Adorno, o mito do Novo volta -
ciam esgotadas, mas seria urna pura e sim- peito? Talvez, mas será só isto? É neces- se contra ele mesmo, a negatividade do
ples retomada, sem maior significaçäo? É sário inclusive explorar também em relaçäo moderno passa para o inimigo. Estas ini-
em parte esta a perplexidade dos artistas e a esta produçäo artística as contradiçóes, ciativas oficiais ou semi -, como as Bienais e
críticos hoje (e nao só no Brasil). Uma coila as ambigüidades, que näo sao um privilégio os Salóes, sempre dominadas pelos "mar -
entretanto nos parece certa: como dizia da arte de vanguarda embora as deter- chands", comportaram -se como verdadei-
Mário Pedrosa, o "revivalismo" é urna falsa minaçóes extrínsecas aqui sejam maiores e ros vampiros. E é contra a falta de sangue
soluçäo e este como sabemos é um dos mais evidentes. Os comprometimentos des- novo que o mercado se rebela. ,

traços mais marcantes desta produçäo cha- ta arte, em geral bem comportada, estäo
mada "pós-moderna" (especialmente na É um dado: que passou a onda novida-
muito à mostra para que se possa aceitá -la
sem mais, mas é total ingenuidade ou pu- deira. Nao se trata obviamente de consa-
arquitetura). f grar o velho ou de bendizer a crise como
rismo igualmente suspeito nao querer dar -
É evidente que pouco sobrou da irreve- lhe importância (como se esta dependesse forma de sabotar o mercado. Sabemos per-
rencia dos anos 60, e que toma corpo no de nós...), discuti -la, interpretó -la (para feitamente que ele dispóe de meios sufi-
mundo inteiro esta tendência, predomi- inclusive desmistificá -la nos seus "huma- cientes para absorvê -la e, mais urna vez,
nante nos EEUU, e que também já se faz nismos" e que tais...). Ficamos muitas seguramente, em detrimento da arte, redu-
sentir nas outras artes: de revalorizaçäo da vezes patinando na anti- critica, tao ultra - zida a valor de troca. Aliás nao há dúvidas
obra de arte, em oposiçäo a todos os van- passada quanto a anti -arte. que ele já retomou o pulso, ou até mesmo
guardistas anti- ou under-; revalorizaçäo que, dado o esgotamento do novo, tenha
da beleza, em oposiçäo ao feio, à arte de

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Desta, há uma evidente saturaçäo, e, por-

-
tomado a iniciativa de pôr em circulaçäo o

15
.

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velho. Mas nao é somente à luz do jogo do consumo, numa pretensa depurado da dor consagrada pela sociedade burguesa,
mercado e de suas leis que podemos dar arte dos países menos avançados o que isto é, pelo mercado capitalista visando,
conta do que está ocorrendo no plano das acaba por reforçar e reproduzir o status como afirmavam Resende e Ronaldo Brito,
artes, no Brasil e no mundo. quo. Como o internacionalismo, estes re- no artigo "Mamäe Belas Artes ", de 77,
gionalismos operam corn totalidades abs- além do "código perceptivo ", o próprio
Ainda aqui é preciso evitar os reducionis- tratas e enganosas. Novamente aqui, como "estatuto das Belas Artes ". f o programa
mos. Acreditando que o que se passava no observamos em relaçäo aos anos 60, nao se vanguardista que aparentemente é reto-
Brasil era apenas um decalque do que ocor- trata de identidade absoluta ou de dife- mado no entanto, os próprios autores
ria no mundo, esquerda e direita feagiram rença radical, sob pena de nos encerrarmos descartam esta identificaçäo ao denunciar,
recorrendo a um nacionalismo no mais das numa visäo paralisante da arte, e da his- no mesmo texto, a teleologia idealista que
vezes simplista: na ilusäo de recuperar a tória. está na base da formulado das vanguar-
identidade, apenas aprofundam as distân- das.3° O que pretendem, isto sim, é assu-
cias, introjetando a ótica do colonizador Além disso, nem tudo caminha num mes - mir integralmente a precariedade e a gra-
reforçam uma postura passadista, o subde- mo sentido, e outras tendências, bastante tuidade do fazer ou do gesto artístico.
senvolvimento, ou levam a urna folclori- diversas, continuam coexistindo aqui mes -
zaçäo da cultura. Politica cultural que aca- mo, no Brasil, algumas delas, em conti- Ronaldo Brito, ao apresentar as obras de
ba alimentando o mercado de arte dos paí- nuaçäo à problemática da arte marginal ou Resende, exportas na Bienal de Paris de
ses desenvolvidos com exotismos estereoti- contra- cultural do inicio da década pas 80, define -as como mera "interrogaçäo" 31
pados. O discurso de esquerda, novamente sada e, no limite, deitando raízes nos movi- em oposiçäo ao caráter afirmativo das van -
emergente, combina -se com "A politica na- mentos dos anos 60. E o caso de boa parte guardas e ao apelo que faziam ao público,
cional de cultura" dò governo (1974) do grupo que deu origem à revista Mala - esta arte pretenderia explicitar o vazio a
é a memória nacional filtrada pelos inte- sartes, em 75 e que continua até hoje numa que chegaram, nao no sentido de exorcizá-
resses do Poder, a "imagem- Brasil" folcló- produçäo similar p. ex., Tunga, Wal- lo, mas de levar o fenômeno do esgota-
rica, de que falava Hélio Oiticica. Ora, nao tércio, Resende, Zilio, etc. Para eles a ques- mento da arte até o limite da vertigem,
há como escamotear as influências exter- täo central ainda é a da contemporanei- em que todas as certezas se desvanecem.
nas, como o fazem justamente as posiçöes dade, embora nao estejam mais preocu- Detendo -se no texto, ou percorrendo a ex-
referidas ao proporem urna arte nacional, pados exclusivamente corn a "eficiência na posiçäo, algumas contradiçöes, no mínimo
mas, à diferença do que vai ocorrer em relaçäo arte /sociedade, mas em discutir a intrigantes, surgem. Esta arte parece -se
certas áreas (especialmente no cinema), é pertinência do discurso da arte frente a esta como um "monumento à dispersäo", isto é,
no setor das artes plásticas, talvez por seu relaçäo'. Na época da revista eles se pro nao querer provocar nem o olho nem a
caráter marginal /elitista (I...), que, mais punham "produzir formas nao ortodoxas atençäo: passa -se ao largo, "olhar de pas-
urna vez (apesar de parecer paradoxal), de veiculaçäo, permitindo contatos mais ou sagem, sem memória ", portanto, nem par
urna maior autonomia é preservada; ou menos estranhos da produçäo corn o pú- ticipaçäo nem contemplado. Tratar -se-ia
melhor, ai, os interesses do mercado (que blico" o que, conforme reconheciam, de urna arte cool, distanciada, a jogar ex-
tern que satisfazer um certo gosto cosmo- era possível somente até um certo ponto; clusivamente corn a distraçäo. Mas a inca -
polita e exigente), parecem possuir certa mas mais do que isto, propunham "investir pacidade de fruir a obra como objeto único
especificidade, nao coincidindo exata- sobre as formas de veiculaçäo existentes um que pareceria ser o resultado da des -
mente com os interesses de propaganda do questionamento estranho a elas".27 Na truiçäo definitiva de sua "aura" nao é
governo o atributo "qualidade" (eviden- ocasiäo, pretendiam que estávamos enfren- também a característica primordial do con-
temente também ideológico) parece sobre- tando um "momento de transiçäo ", urna sumo massificado? E nesta medida, le-
pujar este outro (aparentemente mais es- "relativa irrealidade do mercado de arte ", vada a urna substancial neutralizado e
púrio), o de propaganda. É o outro lado da etc. e que seria preciso "medir e intervir formalizado, nao estaria a arte que
"neutralidade" mercantil: a "competên- no real desta irrealidade".28 A soluçäo, perdeu sua unicidade, autenticidade e dis-
cia" que faz com que, mesmo na arte apa- contudo, nao estaria na criaçäo de um cir- tância (conforme expressöes de Benjamin)
rentemente a mais sintônica com os mo- cuito paralelo ou numa atuaçäo direta so- reduzida a meros signos intercambiá-
delos e os padröes internacionais, se descu- bre o mercado nao se trata exclusiva- veis, indiferentes, sujeitos As leis e aos rit-
bram fórmulas originais e que, quem sabe mente de urna alterado do lugar das trocas mos da lógica consumistica? Aliás, repos-
mesmo, extravasem em parte os interesses simbólicas, mas de urna alterado destas. tos em circulaçäo pela Bienal ou pela Ga-
económicos ou politicos. Aliás, a interna-i Partiam eles da problemática do mercado lería, dal para a casa do colecionador, estes
, cionalizaçäo do mercado, e da cultura atra para deslocá -la para o eixo linguagem -lei- objetos quaisquer nao retomariam a con -
vés dos media, torna cada vez mais obsoleta turas, no sentido de produzir nao apenas diçäo de obra de arte, objeto único, assi-
esta oposiçäo nacional X internacional e i novas linguagens mas também novas lei - nado, etc.? Ao mesmo tempo: até onde isto
ilusória, senäo conservadora, toda pro- turas. O espaço em que a arte vai se ins- que se pretende indiferenciado/indiferente
posta de urna "arte de resistencia". E pre- crever rua ou galeria foi se tornando " quase nada" nao reinstaura urna
ciso pensar as particularidades do interior para eles sempre mais indiferente,29 o im- nova categoria estética, täo discutível
das articulaçöes que as geram, nao esca- portante é que ela continuasse a questionar quanto a de Beleza, e que, ao contrário de
moteando pois as relaçöes de produçäo e permanentemente a relaçäo arte /especta- se confundir com tudo o mais como pre-

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tende, esconde um perigoso aspecto iniciá- tância crítica, impedindo qualquer mani- .v. do "born gosto "? Talvez se possa dizer,
tico? E como se a obra necessitasse, spe- pulaçao catártica, ou novamente atitude , como Maldonado a propósito do "born de-
sar das intençóes do Ronaldo, de "resgate meramente contemplativa? De fato o es- senho": urna coisa é indubitável, estes ob-
verbal" ainda urna vez: a dar sentido pectador fica paralisado diante destes obje- jetos elegantes póem de manifesto os limi-
àquilo que parecia nao pretender mais ter tos porque algo neles impede a transgres- tes reais da discordância da gute Form 33 i

sentido. A reviravolta se opera no próprio säo sao de urna beleza construtiva a riva- o que é possivelmente muito pouco diante
texto: a desatençäo transforma -se em dis- lizar corn o melhor da tradiçäo concreta. do programa (anti- programa ?) "redigido".
persividade ativa da obra, a questionar a si Outra dificuldade: referidos à História da E que, também, seguramente nao é tudo
própria, a tudo que a cerca, e a criar urna Arte, estes objetos nem por isto sao despro- nestas obras, no mínimo estimulantes à
instabilidade que atinge o próprio especta- vidos de qualquer referencial; assim, é mui- reflexäo nao há dúvida de que nos fazem
dor; ela o convoca sem permitir que inter - to evidente o conteúdo simbólico, erótico cogitar, interrogar... por isto as utilizei,
fira por isso "vacilamos, ansiamos, ma- ao mesmo tempo, contudo, estando ex- a titulo de exemplo final (nao devido ao
quinamos". Ronaldo chega a dizer que cluida de suas intençóes a mobilizaçao das destaque na Bienal ou à proximidade da
"ela nos prende na rede de suas inquie- paixóes do público, é como se nos fosse ofe- exposiçao).34 Embora nao se trate aqui de
taçóes". A arte que "desatenta" e "descon- recida uma imagem deserotizada da sexua- fazer opçóes ou apontar caminhos, excluin-
sidera" o mundo passa a seduzir... Atraçao lidade. Estes objetos asceticamente cons- do outros que possam ter também sua vali-
. (a expressäo é de Ronaldo) e, ao mesmo truidos sexo anemizado, asseptizado, dade na tentativa de resolver os impasses
tempo, rejeiçäo: o espectador nao pode estilizado estariam ai postos, impossibi- criados corn o fim, mesmo aqui no Brasil,
aproximá -la, nao pode tocá -la sob pena de litando a "representaçao" dos nossos dese - daquilo que se convencionou chamar "mo-
desmontá -la em seu equilibrio instável; só jos. Portanto o oposto da sexualidade des - dernidade", ou talvez, corn mais rigor,
pode desmanchá-la virtualmente de- sublimada da sociedade de consumo? Ou "vanguardismo ".
creta o texto. Apesar da instabilidade dos simplesmente urna reduplicaçäo /explicita-
objetos eles estao rigorosamente arruma- . çäo da sublimaçao repressiva? "Elegância
dos, obedecem a uma ordern precisa, que .. perversa", como pretende Ronaldo, ou per-
nao pode, que nao deve ser burlada. Dis- versa() dentro dos limites bem comportados Sao Paulo, junho de 81 /fevereiro de 83

1) S. Ferro, "Vale tudo ", in Arte em Revista n? 2, sil", in Artes Plásticas, a crise da hora atual, Rio de da Folha, ao referir-se à linguagem neo - figurativa (que
1979, p. 26. Janeiro, Paz e Terra, 1975, p. 95. Este texto (esgotado) é chama de "neo- expressionista ') da atual pintura, bem
2) H. Oiticica, "Situaçào da vanguarda no Brasil ", in multo útil, oferecendo um panorama bastante completo como aos painéis de Dominique Gautier e de artistas
ibid., p. 31. da produçào do periodo, situando -a no quadro social e americanos. Tratar- se -ia, segundo ala, de urna "huma-
3) Cf. "Esquemageral da Nova Objetividade", in Catá- politico da época. nizaçAo" da arte: arte com dimensbes socials, ligada à
logo Urna Nova Objetividade Brasileira, MAM, RJ, 12) Cf. Baudrillard, A sociedade de consumo, trad. cidade, etc.
abril/1967. Reproduzido no catálogo Objeto na arte, Artur Morào, Lisboa, Planéte, ediçbes 70, 1975, pp. 26) Referido no mesmo artigo.
Brasil anos 60, FAAP, SP, 1978, especialmente p. 80. 184 a 197. 27) Carlos Zilio, José Resende, Ronaldo Brito, Wal-
4) Do texto: "PARANGOLE: da anti -arte is apropria- 13) S. Ferro, "Os limites da denúncia ', in Rex Time, tércio Caldas Jr., "O boom, o pós -boom e o des- boom",
çbes ambientais de Oiticica". GAM n? 6, RI, malo/ n? 4. Reproduzido em Arte em Revista, n? 1, p. 84/85. in Opinido, 3, Set., 1976, p. 28.
1967. Reproduzido no cat.Objeto... , p. 82. 14) Cf. "Declaraçào dos principios básicos da van- 28) José Resende e Ronaldo Brito, "Mamie Belas
5) Cf. as análises de Mário Pedrosa sobre a produçào guarda" janeiro de 1967. Reproduzido in Objeto..., Artes ", in O Beijo n? 2, Rio de Janeiro, 1977.
da época. Cf. também um texto posterior a esta confe- p. 73. 29) Embora ainda pareça urna questào importante em
rência "Da antropofagia à tropicália', de Carlos 15) Tafuri, "Por una critica de la ideologia arquitetô- textos como "Auséncia de escultura" e "Formaçào do
Zilio que propbe uma leitura sintônica corn a nossa; nica ', in Tafuri, Cacciari, Dal Co, De la a la artista no Brasil", de José Resende (publicados, respec-
como o texto detém -se na análise da produçào teórica e metropoli, trad. Barcelona, ETS, Gustavo Gili, 1972, tivamente, em Malasartes 3 e 1), 5 anos mais tarde, em
artistica de Hélio Oiticica, analisa também um material pp. 46/47. .
debate realizado conosco no CEAC, dirá que é absolu-
que muitas vetes é comum ao nosso. (Sao Paulo, Brasi- 16) Sanguinetti, Por una vanguardia revolucionaria, tamente supérflua, pois o importante nào é "onde ?"
liense, 1982.) trad. Buenos Aires, Editorial Tiempo Contemporaneo, mas "como ?" o que nos permite perguntar: até onde
6) Cf. sobre o periodo nosso texto, "Mario Pedrosa, um 1972, pp. 31/32. o primeiro nào impbe limites ao segundo?
capitulo brasileiro da teoria da ", in Discurso, 17) Marc Le Bot, "Arte /Design ", in Malasartes n? 3, 30) "Mamie Belas Artes ".
n? 13, SP, dez. /1982, pp. 95 a 114; Ronaldo Brito, p. 24. 31) Catálogo do espaço ABC.
"Neoconcretismo", in Malasartes, n? 3, 1976, RJ, pp. 9 18) "Brasil Diarréia", 1969. Reproduzido in Arte em 32) Repele -se aqui o que Baudrillard já denunciava,
a 13. Revista n? 5, 1981, SP, pp. 44/45. relativamente à categoria da "banalidade ", na pop'art.
7) "Esquema geral da Nova Objetividade", in Obje- 19) Rio, Civilizado Brasileira, 1969, pp. 37/38. Op. cit. , p. 191.
to..., p. 75. 20) Sanguinetti, op. cit. , p. 95. 33) Maldonado, El diseño industrial reconsiderado,
8) Mário Pedrosa, "Do pop americano ao sertanejo 21) Roberto Schwarz, O pai de Familia e outros esta- Barcelona, Gustavo Gili, 1977, (col. Punto e Linea),
Dias", in Dos murais de Portinari aos espaços de Bra- dos, Paz e Terra, 1978, pp. 87/88. p. 77.
silia, Sao Paulo, Perspectiva, 1981, pp. 217 a 221 22) Théorie Esthétique, trad. Marc Jimenez, Paris, 34) Referência à exposiçào realizada na Galeria Ba-
p. 221. Klinksieck, 1974, pp. 298/99. benco no 1? semestre de 81.
9) Depoimento a Cacilda Teixeira da Costa, in Wesley 23) Op. cit. , p. 74.
Duke Lee, Rio, MEC /FUNARTE, 1980 (col. ABC), 24) Cf. "As possibilidades do crelazer/Barracào/
p. 29. LDN ", 1969, publicados na Revista Votes n? 6, 1970.
10) Cit. p/ Flávio de Aquino, "A louca arte dos nossos Reproduzidos in Arte em Revista n? 5, pp. 47/48.
jovens artistas", in cat. Objeto, pp. 83/84. 25) A expressào é utilizada, por exemplo, por Radhá (Corn pequenas alteraçbes, este texto é reproduçào de
11) Frederico Morais, "A crise da vanguarda no Bra- Abramo, ao comentar a Bienal de Paris de 80, em artigo umaconferência ministrada na FAU em j unho de 1981.)

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