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ARTIGO

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE CONFLITOS E


ADOLESCÊNCIAS

REFLECTIONS ABOUT CONFLICT AND ADOLESCENCE

RESUMO: Este artigo é um convite à reflexão ABSTRACT: This article invites to reflect upon MARÍA DEL ROCÍO
sobre os discursos que abordam as estratégias the discourses about family conflict resolution, CHAVESTE GUTIÉRREZ,
utilizadas na resolução de conflitos familiares por that some adolescents from the city of Merida in PH.D.
alguns adolescentes da cidade de Mérida, em Yu- Yucatan, Mexico, utilize; it also offers a view, from
Co-fundadora, diretora,
catán, México; a partir do Socioconstrutivismo, a socioconstructionist stance, of the institutionali- docente e supervisora clínica
oferecemos também um olhar sobre o discurso zed discourse on violence. We would like to share do Instituto Kanankil em
institucional da violência. Da mesma forma pre- the questions emerging from our reflections once Yucatán, México; Professora
tende compartilhar uma série de questionamen- we finished the initial research with Mexican youth Adjunta do Houston Galveston
tos surgidos de nossas reflexões ao terminar um and their families, conducted by different teams, Institute e Associada do
trabalho de pesquisa realizado por diferentes gru- in different cities in Mexico. Such research was Taos Institute. Doutora em
pos, em três cidades do México. A pesquisa ini- published, in December of 2010, as part of a book Psicologia Social, Licenciada
cial foi baseada em entrevistas semiestruturadas. en which the results of the three different loca- em Ciências Políticas e
tions were presented. The original research was Administração Pública, e
PALAVRAS-CHAVE: adolescentes, resolução based on semi-structured interviews. mestre em Administração de
de conflitos familiares, Socioconstrutivismo, Organizações, Comunicação
violência. KEY WORDS: adolescents, family conflict resolu- Política e Marketing Eleitoral, e
tions, Social Constructionism, violence em Terapia Familiar e de Casal.

MARÍA LUISA MOLINA


LÓPEZ, PH.D.
INTRODUÇÃO Diretora Executiva e
Professora do Instituto
Em agosto de 2010, a convite do professor Roberto Garda, da ONG “Homens pela Kanankil. Doutorado em
Administração Pública,
Equidade”, com sede na Cidade do México, D.F., o Instituto Kanankil de Mérida, Estudos Chicanos e Estudos
Yucatán, México, se somou a um projeto cujo objetivo foi analisar as estratégias de da Mulher e Mestrado em
resolução de conflitos a partir dos e das adolescentes e das diferentes pessoas que Educação e Desenvolvimento.
constituem um núcleo familiar.* As publicações e linhas de
pesquisa da Doutora Molina
A pesquisa original utilizou como instrumento um questionário elaborado por centram-se nas interseções
“Homens pela Equidade”, com perguntas estruturadas direcionadas a “observar” como entre gênero, raça, classe
os conflitos familiares se resolvem através de atos que podem ser caracterizados como e sexualidade. Atualmente
seu interesse também tem
violentos por algumas pessoas. Os participantes foram informados dos princípios da se voltado para novas m
confidencialidade e todos concordaram em participar, sabendo que seus nomes não de investigação a partir de
seriam utilizados e que os resultados seriam apresentados de forma global. Os adoles- uma postura dialógica e
centes foram entrevistados sem a presença, mas com a anuência de seus pais. colaborativa.
Entretanto, ao finalizar este exercício, nos restaram muitas perguntas. Por não ter Tradução de Marilia Souza
sido parte de um projeto maior, a análise inicial dos dados reunidos neste estudo teria Recebido em 18/10/2013
sido feita a partir de uma postura socioconstrutivista que observa a vida a partir da Aprovado em 13/01/2014
ideia de que a realidade se constrói no intercâmbio linguístico e se dá em uma relação * O projeto se estendeu a outras
social (Gergen, 1996). Portanto, os resultados deste momento, por não serem defi- duas cidades da república
mexicana. O resultado foi
nitivos nem permanentes, nos ofereceram a pauta para escrever este segundo artigo. publicado no libro Hormônios,
Alguns dos questionamentos emergentes se centraram em nossa própria trans- Razões e Violências (2010),
no artigo intitulado “Famílias,
formação ao longo do estudo; começamos a desconstruir o que terminamos Adolescências e Gêneros”

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denominando discurso institucional Algumas considerações sobre os
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da violência. Ao realizar as entrevistas conceitos de famílias e adolescência
aos membros dos diferentes núcleos fa-
miliares, nos perguntávamos: “A partir Tanto do ponto de vista sociológico
de que ponto estou enxergando isto?”, como do jurídico, a família é uma das
“O que estou buscando?”, “Como seria instituições mais antigas, mas também
entender a violência a partir da análise uma das que mais sofreram profundas
relacional?”, “Será que a resolução de mudanças. Parsons (1976) considera-
conflitos necessariamente se dá atra- va o equilíbrio como a característica
vés da violência em uma família?”. fundamental da família, cujo papel es-
Neste artigo, então, refletiremos so- sencial era a estabilização. Entre suas
bre os discursos dos e das adolescentes funções socializantes, se encontrava a
sobre as estratégias utilizadas na reso-
transmissão de valores, normas e mo-
lução de conflitos, e proporemos um
delos de comportamento estabelecidos,
olhar diferente sobre o discurso insti-
que se constituíam em um importante
tucional da violência. Este tipo de dis-
elemento para a autorregulação e a au-
curso muito raramente leva em conta
tossuficiência da sociedade, mantendo
as linguagens locais que são construí-
determinadas necessidades humanas,
das tanto nos diferentes grupos sociais
entre as quais se incluíam a preservação
como nas famílias com as quais intera-
da ordem social, o abastecimento de
gimos ao longo deste estudo.
bens e serviços e a proteção da infância.
Entretanto, em uma sociedade globa-
lizada que experimenta mudanças ra-
O estado de Yucatán e a cidade de
Mérida dicais como a de hoje é difícil manter
essas afirmações, já que muitas dessas
A população de Yucatán é de apro- funções foram assumidas por outros
ximadamente 1.955.577 habitantes atores sociais, entre eles, o Estado.
(INEGI, 2013). Destes, 67,5% vivem O mundo familiar é um espaço de
em famílias nucleares, 0,5% em fa- natureza hierárquica em que se gestam
mílias compostas, e o restante em fa- e reproduzem assimetrias sociais; é,
mílias ampliadas. E 20% da população por sua vez, âmbito de afetividade e
estatal estão na faixa média dos 10 e 19 solidariedade, de conflito e lutas in-
anos, sendo a porcentagem da popula- ternas. As famílias transmitem aos
ção masculina 48,3%. membros mais jovens bens, saberes e
O município de Mérida tem um patrimônio. Mas, além disso, ultrapas-
total de 777.615 habitantes (INEGI, sam as pautas de relação consideradas
2013), sendo 25,5% menor de 15 anos como recurso estratégico, tendo um
de idade e 96,8% residentes em loca- papel importante no processo de auto-
lidades urbanas de mais de 2.500 ha- nomização e integração social.
bitantes. A cidade de Mérida abriga O conceito de transmissão se relacio-
42,94% da população estatal. De acor- na com a ideia de que a família estendi-
do com o PNUD (2012), a entidade da (parentes ascendentes, descendentes
tem um índice de desenvolvimento e colaterais) delimita um espaço de
humano de nível médio-alto no Méxi- identidade concreto, mas também um
co. 11,5% da população maior de cinco território simbólico de relações pesso-
anos de idade na cidade de Mérida fa- ais e coletivas que influem nas formas
lam o idioma maia. de transferência dos bens materiais e

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também simbólicos (valores, identida- apenas algumas décadas, da família am- Algumas reflexões sobre
de e memória familiar) entre gerações. pliada à família biológica ou nuclear, nas conflitos e adolescências 97
María del Rocío Chaveste Gutiérrez
Bourdieu (1999) inclusive assina- uniões sem a instituição civil ou religio- María Luisa Molina López

la que as instituições que reafirmam sa matrimonial, em famílias nas quais o


este equilíbrio, até uma época recente, pai ou a mãe estão casados pela segunda
são três instâncias principais: a famí- vez ou divorciados, famílias sem filhos
lia, a igreja e a escola. Estas, objetiva- ou núcleos mono-parentais, e naquelas
mente orquestradas, tinham que atuar formadas por casais homossexuais.
conjuntamente sobre as estruturas Outros aspectos importantes, mas
não-conscientes a partir das quais se não os únicos a apontar seriam: as fa-
produzem os pensamentos, percep- mílias deixaram de ser unidades de pro-
ções e ações das pessoas. As famílias dução para se converter em unidades de
assumem sem dúvida um papel na consumo; o reconhecimento dos direi-
reprodução da dominação e a primei- tos da mulher permitiu uma mudança
ra experiência da divisão sexual do nos papéis desempenhados tradicio-
trabalho e na representação legítima nalmente pelo homem e pela mulher;
dessa divisão, assegurada pelo direito em alguns lugares, como no mundo
e inscrita na linguagem. ocidental, caiu o índice de natalidade;
O poder masculino hegemônico, muitas das funções tradicionais das fa-
como produto histórico da reprodução mílias, como a educação, foram privati-
cultural na sociedade, matiza cada rela- zadas. Assim como para Fogel (1993),
ção de diferente maneira e se manifesta nos parece que uma das poucas funções
em servidões e sujeições. As expressões que sobreviveram a todas as mudanças
de poder são diversas e variam do qua- é a de ser um lugar em que aprendemos
se imperceptível das linguagens verbal a construir relações afetivas.
e não verbal até a violência explícita Entretanto, a instituição social da
em qualquer de suas formas. Há enor- família segue constituindo, em muitos
mes diferenças na composição, ciclo de âmbitos o fundamento de um enfo-
vida, papéis paterno e materno e as cir- que global do processo de desenvol-
cunstâncias das famílias tanto dentro vimento social e é a base primordial
das sociedades como entre si mesmas, da criança e a proteção dos meninos
que põem em causa a capacidade das e meninas, assim como o primeiro ve-
famílias de cumprir não apenas seu ículo de transmissão de valores. Sem
papel socializador, mas também sua dúvida, o papel dos membros fami-
função educadora. Em muitos lugares, liares, independente de sua composi-
a falta de lar e a fome, a pobreza e as ção e características, continua sendo a
doenças, a carência de emprego e a ex- socialização primária tanto pela carga
clusão social, as violações aos direitos afetiva com a que se transferem valores
humanos, especialmente das mulheres como pela identificação com o mundo
e meninas, assim como a violência, não apresentado pelos adultos, que implica
são mais que alguns dos graves proble- algo mais que uma aprendizagem pu-
mas confrontados diariamente por nu- ramente cognitiva da realidade.
merosas famílias. Conforme proposto por Berger e
Atualmente as famílias estão sujeitas Luckam (1967), a afetividade e re-
à sua própria reorganização de acordo lacionalidade são necessárias para a
com o ritmo das transformações às quais construção social da realidade e tor-
se veem submetidas. Isso se manifesta nam o aprendizado significativo. Es-
nas mudanças nas quais vemos que, em tes autores igualmente sugerem que

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na socialização primária – no seio das diferentes concepções do fenômeno da
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famílias principalmente, a criança se adolescência. A Organização Mundial
relaciona com os outros em uma va- da Saúde (2009) a define como o pe-
riedade de formas emocionais que per- ríodo da vida no qual o indivíduo ad-
mitem a ela aceitar os “papéis” e atitu- quire maturidade reprodutiva, efetua a
des dos demais, apropriando-se deles, migração de padrões psicológicos da
de maneira que esta aprendizagem lhe infância à idade adulta e estabelece sua
serve para construir identidades sub- independência socioeconômica.
jetivamente coerentes e plausíveis. A adolescência pode, então, ser vista
Outro aspecto a considerar é que, no como uma categoria resultante de uma
contexto familiar, são recebidas as pri- construção social aceita tacitamente e
meiras lições das relações de gênero, a partir da qual os atores se conduzem
assim como das condutas associadas a em função dos papéis que se constro-
elas. Concebemos o conceito de gêne- em e transformam através das relações
ro como uma construção social, pro- estabelecidas. Por este motivo, não nos
duto de normas culturais interagindo podemos referir à “adolescência” sem
entre si no âmbito de instituições eco- considerar “cada adolescente” em seu
nômicas, sociais, políticas e religiosas. espaço, tempo e história de vida.
A partir desta postura poderíamos Portanto, falar dos e das adoles-
identificar exercícios diferenciados de centes não é uma novidade, mas uma
poder entre os sexos. Este poder, exer- necessidade, a de pluralizar: a neces-
citado a partir de uma perspectiva de sidade de conceber diferentes ado-
submissão, levaria à violência social- lescências, em um sentido amplo das
mente institucionalizada. heterogeneidades que se possam apre-
Entretanto, os significados de con- sentar e visualizar entre os e as ado-
flito e violência também se constroem lescentes. Os conceitos de adolescên-
a partir das relações estabelecidas nas cia e juventude correspondem a uma
famílias. Os conflitos são algo habitual construção social, histórica, cultural e
em nosso dia a dia; a violência não é relacional, que através das diferentes
necessariamente o resultado de um épocas e processos históricos e sociais
conflito. A violência é uma resposta foram adquirindo denotações e deli-
aprendida e, se pode ser aprendida, mitações diferentes em um processo
existem outras respostas possíveis de permanente de mudanças e ressignifi-
se aprender. É por isso que a cada vez cações. Bourdieu (1999) comenta que
se torna mais importante examinar o a juventude e a velhice não estão da-
contexto social, econômico e cultural das, mas se constroem socialmente na
nos quais tais relações se desenvol- luta entre jovens e velhos.
vem e ser cuidadosos antes de emitir A identidade social é resultado des-
definições essencialistas e categóricas ta interpretação que, neste caso, o e a
sobre a violência, que embora necessá- adolescente fazem de si mesmos em um
rias dentro de um marco jurídico, não contexto determinado e em um tempo
explicam sua complexidade. específico, mas não é um processo men-
tal individual, mas relacional, pois ema-
na dos discursos construídos através do
Adolescência intercâmbio comunal (Gergen, 1996).
Tais identidades se caracterizam por ser
Igualmente nos gostaríamos de de- relacionais, pois surgem e se afirmam
ter por um momento no exame das na relação com outras identidades;

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também possuem uma plasticidade que percebido como ponte geracional en- Algumas reflexões sobre
lhes permite adaptar-se, variar e recons- tre seus pais e seus filhos. conflitos e adolescências 99
María del Rocío Chaveste Gutiérrez
truir-se (Gendreau & Giménez, 2004). María Luisa Molina López

Definição de conflito…
De onde surgiram as conversas…
O conflito foi descrito pelas e pelos jo-
Efetuamos doze entrevistas semiestru- vens entrevistados como: “um mal-en-
turadas a adolescentes e aos familiares tendido; uma briga entre duas pessoas;
que vivem com eles, pertencentes a o fato de gostar de coisas diferentes e
onze famílias diferentes, autosselecio- não chegar a um acordo; problemas que
nadas na Cidade de Mérida, Yucatán, a uma família ou um grupo de pessoas
partir de um convite aberto. A amostra têm; repreensões ou chamadas de aten-
foi variada em relação ao lugar que ocu- ção, debate ou intercâmbio de ideias no
pam entre os irmãos e irmãs. As idades qual você defende seus princípios; algo
flutuaram entre os 12 e 17 anos; todos que acontece e se pode resolver.”
vão à escola e mais da metade estuda Alguns deles falaram de uma dife-
em instituições privadas da cidade. renciação entre problema e conflito:
As famílias são formadas por 3 a 6 “…o conflito é não resolver o problema,
membros, pertencentes à classe média dura mais tempo, é mais grave, gera
trabalhadora. As rotinas cotidianas con- agressões físicas, gritos, insultos.” Como
sistem em ir à escola, regressar ao lar exemplos de conflitos, citaram: “quan-
para alimentar-se, cumprir com as tare- do te obrigam a fazer coisas que você
fas escolares e interagir nas redes sociais não quer; falam de você pelas costas;
através do computador, além do repouso quando os pais não têm boa relação;
noturno. A maior parte das e dos ado- compartilhar a televisão ou computa-
lescentes entrevistados se alimenta ao dor com outros integrantes da casa.”
meio-dia diariamente acompanhada de Suas ideias sobre o conflito não são
pelo menos um membro de sua família muito distantes do que nos sugerem
e o domingo é a oportunidade de comer certos autores como Martínez Riquel-
com os membros da família extensa. me (1994), que se refere ao conflito
Os pais e mães desses adolescentes como um processo que expressa desa-
descreveram o entorno familiar como cordo de ideias, interesses ou princí-
tranquilo, sem graves conflitos, e caso pios entre pessoas ou grupos; ou Jares
estes surjam, sempre se resolvem sem (1999), que aborda o conflito como
violência de nenhum tipo, o que está de uma situação na qual as pessoas ou
acordo, de maneira geral, com o descri- grupos buscam ou percebem metas
to pelos e pelas jovens. Com relação aos opostas, ou seja, se constrói como um
conflitos, os descrevem como discus- fenômeno de incompatibilidade.
sões, estabelecimento de horários de
chegadas e saídas, e o uso da internet.
Nas famílias extensas, os pais e mães
dos e das adolescentes entrevistados Estratégias mais comuns de
comentaram sobre a autoridade dos enfrentamento ou resolução de conflitos
avós, particularmente das avós: as mu-
lheres apontam suas mães como pode- As estratégias descritas pelos e pe-
rosas influências sobre elas e os netos; las adolescentes podem ser descritas
o adolescente do sexo masculino é como: respostas verbalmente violentas:

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gritos, queixas por justiça, acusações; que classificamos como deixar passar,
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respostas conciliadoras: falar sem vio- como “logo falamos mas às vezes não
lência; conversar; respostas de “deixar solucionamos”, “faço como se não fos-
passar”: ignorar; falar depois; indife- se nada, não resolvo”. Falaram também
rença, ceder às vezes, deixar que passe; de estratégias de isolamento ou afasta-
isolamento ou afastamento: não dizer, mento expressas, como “me calo”, “não
fechar-se, pintar, escrever; busca por falo mais”, “vou para o meu quarto”.
conselho: conversar com amigos, falar Dois deles expressaram buscar conse-
com tias, conversar com minha mãe, lhos de seus amigos ou pedir perdão à
conversar com meus professores; res- pessoa ofendida e, por último, apenas
postas fisicamente violentas: bater; re- uma adolescente expressou que resol-
flexão e análise: falar comigo mesmo, ve conflitos batendo.
pensar, analisar; mudanças de ânimo: As estratégias que descreveram
fazer cara feia, ficar de mau humor. para resolver conflitos em relação às
As respostas mais recorrentes fo- pessoas adultas foram divididas por
ram as conciliadoras e “deixar passar”. nós em: respostas conciliadoras – es-
Entretanto se percebe entre os rapazes cuto o que me diz, falamos, conversa-
um uso mais generalizado de estra- mos sem gritos ainda que estejamos
tégias como respostas verbalmente com raiva; respostas de “deixar pas-
violentas e, paradoxalmente, as con- sar” – faço o que me dizem, me calo,
ciliadoras. As mulheres se inclinam dou razão para que me deixe em paz,
à busca de conselho e “deixar passar”, às vezes lhe faço caso, nunca resolve-
assim como à reflexão e à análise. mos nada; mudanças de ânimo – me
Foram percebidas algumas diferen- encho, me canso; isolamento – vou a
ças entre as estratégias mais frequen- outro lugar; obediência por medo de
tes na resolução de conflitos por tipo violência física – não falo com ele por-
de família. Monoparentais: busca de que diz que vai me bater, faço o que
conselho seguida de afastamento ou me diz porque senão me bate; não
isolamento; tradicionais: com a mes- reconhece conflitos.
ma frequência se encontram respos- Como resposta à pergunta de se
tas conciliadoras, respostas de “deixar queriam mencionar outras estratégias
passar” e análise e reflexão; extensas: para a resolução de conflitos, às e aos
com a mesma frequência se encon- adolescentes ocorreram coisas como:
tram respostas conciliadoras e de “dei- “falar, conversar, aprender a escu-
xar passar”. tar, ouvir os demais, falar sem agres-
Dos e das adolescentes entrevista- são, não gritar nem bater, resolver os
das, estes apontaram os irmãos/irmãs conflitos, pensar antes de falar, tomar
como as pessoas no interior da famí- conhecimento, pensar antes de agir,
lia com quem têm mais conflitos. As não dizer mentiras, não guardar as coi-
respostas para a resolução de conflitos sas, confiar na sua família, respeitar os
fraternos se dividiram da seguinte ma- pais, não ver apenas as diferenças que
neira, de acordo com sua frequência: tem com o outro.” A proposta mais
respostas verbalmente violentas, como mencionada pelas jovens é melhorar
“grito”, “discuto”, “digo coisas feias”; res- a comunicação entre os membros da
postas conciliadoras, como “falo para família. Os rapazes sugeriram analisar
não brigar”, “nos acalmamos e resol- e evitar qualquer tipo de agressão ou
vemos”, “deixamos de falar um pouco violência. Todas essas respostas nos fi-
mas logo nos resolvemos”; respostas zeram pensar que existia uma relação

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congruente entre o que dizem que se manifestam; os rapazes, em geral, re- Algumas reflexões sobre
deveria fazer e o que fazem de fato. querem um tempo de processamento. conflitos e adolescências 101
María del Rocío Chaveste Gutiérrez
Os e as adolescentes utilizam as res- Entretanto, mesmo quando alguns o María Luisa Molina López

postas conciliadoras como primeira fazem imediatamente e outros demo-


opção de resolução de conflitos, sen- ram um pouco mais, todos afirmaram
do os rapazes os que mais apontam resolvê-los através da fala.
utilizá-la. Imediatamente depois en- Nas famílias extensas se observa
contramos as respostas que chamamos uma maior possibilidade de prote-
verbalmente violentas: gritos. Entre as ção dos membros mais vulneráveis
jovens, “deixar passar” é utilizada com por parte dos outros integrantes, as-
a mesma frequência, seguida muito sim como suplência da ausência do
próxima por isolar-se ou afastar-se. pai ou da mãe por avós ou tios. Os
A busca por conselho é usada qua- pontos de conflito mais comuns são:
se exclusivamente pelas mulheres, as- a educação dos filhos, os limites do
sim como a análise e a reflexão. Mais espaço físico, as contribuições econô-
da metade dos e das entrevistados/as micas e as relações entre os parentes
reporta que a causa principal das di- não consanguíneos.
ficuldades fraternas são os ciúmes e a
competição pelo tempo e atenção dos
pais. A estratégia mais utilizada pelos Reflexões…
e pelas adolescentes para enfrentar os
ciúmes e/ou a competição é a resposta Desde que terminamos este estudo,
verbalmente violenta e a menos usada viemos conversando sobre este desejo
é a conciliação. de tornar públicos nossos pensamen-
Os ambientes familiares foram des- tos e reflexões sobre a construção so-
critos, pela maioria dos entrevistados, cial do conflito e da violência. Particu-
sem ou com muito pouco conflito; larmente nos chamou a atenção o fato
nesta linha, não notamos diferenças de que na linguagem dos entrevistados
significativas de gênero ou tipo de fa- não apareçam os conceitos de atos
mília, com exceção da maneira de so- violentos nem inclusive a palavra vio-
lucioná-los. Os familiares mais próxi- lência. Aparentemente, nas dinâmicas
mos reportaram que a estratégia mais dessas famílias, não se manifestam
utilizada para aproximar-se dos e das atos de violência ou a violência não se
adolescentes é dar conselho e possibi- define como tal.
litar a comunicação de maneira respei- De acordo com as entrevistas, a
tosa. Ela cria um ambiente de confiança Pesquisa Nacional de Juventude 2000
e cordialidade entre eles. Reafirmaram (2004) nos indica que, em Yucatán, a
que as interações desses adolescentes violência nas relações familiares aparen-
com seus irmãos mais velhos estão per- temente não existe ou não se manifesta.
meadas, sobretudo, por manifestações Os atos que se podem qualificar
de violência verbal e, ocasionalmente, como “violentos” descritos em nos-
física. As relações com seus pais e mães sas entrevistas têm relação com dis-
são bastante harmônicas e, com pessoas putas entre irmãos e irmãs, que são
externas à família, não são qualificadas resolvidas aos gritos; uma irmã mais
como conflituosas. velha que bate no irmãozinho e um ra-
Igualmente comentaram que as mu- paz que diz às vezes não responder ou
lheres tendem a falar mais de seus con- permanecer calado por medo do que
flitos e tentam resolvê-los assim que se lhe possa acontecer. Isso nos poderia

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indicar a existência de uma resposta que se apresentassem a partir do dis-
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violenta dos pais e mães aos filhos e curso oficializado.
filhas. Quais seriam então as linguagens lo-
Poderíamos supor que tudo isto cais da violência? De que tipo de discur-
tem a ver com um discurso? A partir so estamos nos utilizando ao falar sobre
de que tipo de discurso estamos que- as relações desta região da península de
rendo ver ou enquadrar este estudo? Yucatán? Como se conceitua a violên-
Se o enquadramento parte do discurso cia? O que significa, por exemplo, “dei-
oficial e institucionalizado da violên- xar passar” nas respostas dos adoles-
cia, muito provavelmente falaríamos centes como uma forma de solucionar
de uma violência encoberta e vincu- o conflito? E, culturalmente, o que está
lada à rigidez nos papéis de gênero. por detrás de “deixar passar”? Da mes-
Villagómez (2010) comenta que as ma forma teríamos que nos perguntar
desigualdades de gênero baseadas em sobre os significados de outras respos-
um sistema de representações sociais tas emitidas por eles, provavelmente
que determina culturalmente o mas- sem relação com o que se responde em
culino e o feminino e sua vinculação outros contextos. Como construímos,
com o poder, autoridade e hierarquia então, uma linguagem local para falar
são a base da violência na família. Em sobre a violência, os conflitos familia-
um sistema no qual se apresentam res, inclusive das próprias famílias?
relações não equânimes, como cos- Outro elemento a ser considerado é
tuma ocorrer no âmbito familiar, as que Yucatán é um estado em que 48% de
desigualdades de poder entre homens, nossa população fala maia e, dentre eles,
mulheres, meninos, meninas e pessoas um terço é monolíngue em maia (Ine-
da terceira idade geram uma série de gi, 2010). Neste estudo ainda não che-
acontecimentos e práticas de relação e gamos a esta população diretamente, é
convivência nas quais o conflito é ine- importante assinalar a situação da popu-
vitavelmente multidirecional. lação falante de maia: não apenas as pes-
Então a partir de um discurso soas que falam maia pertencem a essa
como o de Villagómez, que foi o que se etnia ou têm esta cosmovisão. Se com-
institucionalizou no México, a violên- preendemos a linguagem como uma
cia poderia ser definida dessa forma. maneira de entender nosso entorno, as
Mas quais seriam os outros discursos representações de resolução de conflitos
que poderíamos chamar para esta e de violência também são diferentes,
conversa a fim de observar o que está porque vêm dessa maneira particular de
acontecendo sem emoldurar fenôme- compreensão do contexto social.
nos a partir deste discurso institucio- A partir deste mesmo modelo, tal-
nalizado? Talvez se os pensássemos a vez fosse possível explicar que, nas
partir de outro lugar e escutássemos relações cotidianas, as pessoas em Yu-
ou simplesmente observássemos o que catán são amáveis uns com os outros,
as pessoas dizem nessas entrevistas ou apesar da violência estrutural que se
conversas, sugeriríamos que, dentro vive (Arifin-Cabo, 2010).
da dinâmica familiar, no caso dos e Parece que teríamos que nos per-
das adolescentes, na maneira de rela- guntar: “Qual seria a concepção da
cionar-se com seus progenitores, com violência em Yucatán nos adolescen-
seus irmãos e irmãs, com seus iguais, tes ou nas relações que se estabele-
não se apresentam os signos ou sinto- cem entre eles?”, “Como a violência é
mas de violência como esperaríamos concebida dentro do mundo maia?” e

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“Como isso repercutiu em toda a cena Deutsche Gesellchaft für Interna- Algumas reflexões sobre
relacional da península ou dos falan- tionale Zusammenarbeit . conflitos e adolescências 103
María del Rocío Chaveste Gutiérrez
tes de maia?”. Com relação a este úl- Berger, P., & Luckmann, T. (1967). The María Luisa Molina López

timo ponto, retomamos Arifin-Cabo Social Construction of Reality. USA:


(2010), que descreve que os proces- Anchor Books.
sos de práticas tradicionais maias Bourdieu, P. (1999). Language and
de resolução de conflitos asseguram Symbolic Power. USA: Harvard Uni-
que as fontes enraizadas de conflitos versity Press.
sejam expostas não apenas em ní- Chaveste, R., & Molina, M. (2010). Fa-
vel individual, mas também social e milias, Adolescencias y Géneros en
comunitário, restaurando relações e Hormonas, Razones y Violencias.
modificando atitudes muito próximas México: Hombres por la Equidad.
à nossa identidade espiritual. Fogel, A. (1993). Developing through
Quais seriam as diferenças, por relationships. Chicago: University of
exemplo, entre os discursos institucio- Chicago Press.
nalizados da violência e os discursos Gendreau, M., & Giménez, G. (2004).
locais, e como saber quais são estas di- Impacto de la migración y de los
vergências? Como seria falar de uma medios en las culturas regionales
maneira diferente de tudo isto? Pen- tradicionales. In M. Castillo, A.
samos que dadas as distintas situações Lattes, & J. Santibáñez. Migración y
dessas famílias, o conhecimento especí- fronteras. México: Plaza y Valdés.
fico de estratégias de solução de proble- Gergen, K. (1996). Realidades y relacio-
mas e a capacidade para aplicar diferen- nes: aproximaciones a la construc-
tes formas não violentas de resolução de ción social. Madrid: Paidós.
conflitos foram úteis para a construção Gergen K., & Aarhus, L. (2010). La te-
de uma cultura de paz nessas famílias. rapia como una construcción social.
Como ver o relacional no discurso, Dimensiones, deliberaciones, y di-
na ação? Desde o princípio, não com vergencias. Recuperado de: http://
o entendimento de que a vítima da www.swarthmore.edu/SocSci/kger-
violência é responsável pelo acontecido, gen/Psychodiagnostics/index.htm1,
mas pensando as relações como algo Mayo 25, 2010.
que vamos construindo e, desta manei- INEGI, (2010). Perfil sociodemográfico.
ra, realizando uma construção diferen- Censo de Población y Vivienda 2010.
te. Se partimos da ideia que a linguagem México: INEGI.
constrói realidades (Gergen, 1996), que Jares, X. (1999). Educación y conflicto.
tipo de linguagem ou de palavras pode- Guía de educación para la conviven-
ríamos começar a utilizar para começar cia. Madrid: Editorial Popular.
a modificar as relações e as identidades? Martínez, J. (1994). Identidad e intimi-
Acredito que seriam perguntas para dad en la adolescencia: ¿Procesos
continuarmos pesquisando. secuenciales o concomitantes? Es-
tudios de Psicología, 59 (45): 5.
Organización Mundial de la Salud,
REFERÊNCIAS (2009). Instrumentos de Evaluación
para los Sistemas de Salud Mental,
Arifín-Cabo, P. (2010). Prácticas Tradi- IESM – OMS, Versión 2.1. Ginebra,
cionales Maya de Resolución de Suiza: OMS.
Conflictos en los Territorios K‘iche, Parsons, T. (1976) El sistema social. Re-
Tzutujil y Kaqchikel. Alemanha: vista de Occidente. Madrid, España.

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