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SOBRE O ÓDIO
Resumo: Discute-se o ódio como uma forma de gozo; já definido por Montaigne como
uma paixão; considerando o primado do objeto sobre o sujeito, apontando para as
consequências da formulação, tanto de Freud quanto de Lacan, segundo a qual o objeto
da psicanálise é um objeto perdido. A função lógica do objeto perdido permite a
formação das massas onde o ódio é o correlato do amor. A conjugação das massas, na
contemporaneidade, com o ódio faz dele, do ódio, um fato histórico.
Os homens, sobretudo quando estão diluídos em uma massa, não são movidos
por decisões racionais e sóbrias conformes à vontade. Eles se movem pelo turbilhão dos
afetos, vale dizer, pelo imaginário, e pelas paixões, sendo o ódio, como expressão da
pulsão de morte, talvez a principal delas. O ódio articulado a uma formação de massa se
torna uma das forças políticas mais importantes da história contemporânea. A partir da
política, o ódio faz história. Como se articulam, o ódio e as massas? O ódio é uma
paixão e uma paixão é um padecer diante de um objeto que arrebata o EU. O objeto abre
Boletim do Tempo Presente - ISSN 1981-3384
Boletim do Tempo Presente, nº 04, de 08 de 2013, p. 1 - 5, | http://www.seer.ufs.br/index.php/tempopresente
A mitologia dos gregos tem uma tradição dessa passagem, do amor ao ódio. A
essa tradição se junta a psicanálise. Na psicanálise, o ódio coexiste ao amor na formação
do Complexo de Édipo. O menino ama... ama até que irrompe o ódio por aquele que lhe
interdita o corpo da mãe e que é destinatário do seu desejo. O ódio irrompe quando o
menino se dá conta de que o desejo da mãe está endereçado a outro lugar. A menina
sofre o mesmo processo, sendo que o ódio irrompe quando atribui à mãe a
responsabilidade por ela não ter um pênis e estar reduzida a uma vagina sem um
significante que a represente no inconsciente. O pai, até então amado, é transformado
em „ideal do eu‟ e seu amor, o amor ao pai, guardará, para sempre, essa marca de ódio
que acompanha os ideais. Não há amor sem um rastro de ódio. O que nos interessa é o
ódio como instrumento da política e a política como instrumento do ódio.
O objeto
A libido, como sabemos, é a força da pulsão sexual, pulsão de vida que nos
mantém seguindo a dinâmica de uma economia psíquica que faz do sistema psíquico
uma “máquina de gozo”. Podemos dizer que a paixão é um gozo? Certamente uma
espécie de arrebatamento. A psicanálise é uma práxis que supõe, epistemologicamente,
que o objeto esteja perdido para que um modo de produção se estabeleça como estrutura
sobre a qual o drama histórico vai se localizar. O drama é histórico, a estrutura é da
linguagem. O modo do inconsciente operar é uma construção lógica de Freud, daí que o
objeto desde sempre perdido não é um acontecimento, mas uma necessidade lógica.
A perda não é dramática, mas lógica. Isso quer dizer que não há empiricamente
o momento da perda, mas há a necessidade lógica da perda. Tem uma frase de Lacan no
Seminário ...ou Pire que define bem a função lógica: “O objeto da lógica é o que se
produz da necessidade de um discurso” (LACAN, 2011, p.40)
Referências
CANETTI, Elias. Massa e Poder. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
D‟ÁVILA, Santa Teresa. Livro da vida. São Paulo: Penguin Classics Companhia das
Letras, 2010.
FREUD, Sigmund. Psicologia de las Massas y análisis del yo. In: ___. Más allá del
principio de placer, Psicología de las masas y análisis del yo y otras obras. Vol.
XVIII. Buenos Aires: Amorrortu, 1994.
LACAN, Jacques. Le Séminaire, livre XIX: ... ou Pire. Paris: Seuil, 2011.
MONTAIGNE, Michel de. Da Cólera, cap XXXI. In: ____. Os Ensaios. Vol II. São
Paulo: Martins Fontes, 2000.
Notas