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Ignácio Gerber*
Parabéns a você!
Nesta data querida!
Muitas felicidades!
Muitos anos de !!....... (silêncio).
Penso que, embora não tantos quanto Fernando Pessoa, Bion também
são muitos; alguns leitores o acompanham até o final de sua peregrinação
em busca da verdade última, O; outros o acampam pelo caminho. O
renomado maestro e compositor Pierre Boulez disse, numa entrevista, ba-
seando-se numa citação de Ezra Pound, que, entre os compositores, exis-
tem os gênios, os criadores e os diluidores. Bach, Beethoven, na música, e
Freud, na psicanálise, estão certamente entre os gênios; a partir dos gênios,
os criadores se reproduzem em proporção aritmética e os diluidores em
proporção geométrica, mas penso que os diluidores não são obrigatoria-
mente pejorativos. Existem os “diluidores férteis”, que disseminam sem se
apossar, abrindo caminho para novos gênios e criadores. Existem, contu-
do, os “diluidores estéreis”, que se apropriam do nome e esterilizam a men-
sagem do gênio.
Estamos numa sala de concertos. A música começa com o som abafa-
do – o Bru-há-há – de tantas conversas e tosses contidas que nos envolvem,
às quais aos poucos se sobrepõe a melopeia da afinação e aquecimento dos
instrumentos, música aleatória agradabilíssima aos ouvidos, aquecendo-
nos para o que virá. Segue-se um silêncio ritual, o maestro ergue a batuta,
Ignácio Gerber
começa o concerto e imergimos na onda sonora. Confortavelmente senta-
dos em nossas poltronas, escutamos a música. Podemos ouvi-la de tantas
maneiras diferentes – e não me venha um purista preconceituoso ousar nos
dizer como devemos ouvi-la! Permitimo-nos transitar entre a “escuta críti-
ca” propugnada por Adorno e a “escuta livre” de John Cage. Assim, pode-
mos reconhecer uma sinfonia da fase madura de Beethoven, podemos
acompanhar a entrada dos temas e seu desenvolvimento na estrutura musi-
cal ou podemos nos fixar na execução de um solista relegando a massa
orquestral a um discreto fundo musical. Podemos ainda, enquanto ouvi-
mos, observar a técnica do violoncelista ou a gestualidade do maestro ou
até a dança dos braços alvíssimos daquela linda violinista na terceira es-
tante dos primeiros violinos! Em alguns momentos podemos aparentemen-
te nos distrair da música, relembrando episódios vividos naquele dia, ou
antecipando preocupações do dia seguinte, mas, mesmo assim, a música
está em nós, não percebida diretamente pelo Consciente mas captada total-
mente pelo Inconsciente, emprestando um fundo emocional a nossos pen-
samentos aparentemente dispersos. Podemos também devanear, dormir,
sonhar, por que não? Mas há momentos em que somos totalmente tomados
pela música; desaparecem todas as mediações: o autor, os intérpretes, a
sala de concertos, as teorias musicais, a história, e somos a música. Mais
ainda, desaparece qualquer sentido de propriedade ou de posse: a música é
tão nossa quanto de toda a humanidade: dissolvemo-nos nela. Proponho
que quem mais ouve em nós nesses momentos é nosso ID, nosso Incons-
ciente. Afinal, é através dele que fazemos parte essencial da humanidade,
da colmeia humana; Inconsciente não como uma qualidade, mas como um
modo de ser essencial, alma-seele. Parafraseando Bion, assim como o pen-
samento precede o pensador, a música preexiste ao seu criador. Enquanto
ouvimos a música, podemos também direcionar nossa atenção do conjunto
harmônico de frases musicais que se interpenetram para um arrepiante solo
da soprano, evocação da eterna “prima donna” ou para o som masculino e
profundo de violoncelos e contrabaixos. O que acontece nesse momento?
Proponho que estejamos transitando entre nossas audições Inconsciente e
Consciente, intensificando a ênfase neste último. Concentramos nossa per-
cepção infinita, reduzindo-a para uma percepção narrativa: uma coisa de-
pois da outra, assim como falamos. Uma metáfora visual: aquelas porten-
tosas cenas de batalhas campais de Kurosawa. Imaginem um exército de
milhares de guerreiros tomando toda a planície e tendo de atravessar um
desfiladeiro onde só podem passar em fila indiana, um atrás do outro: uma
tentativa visual de expressar essa passagem do Inconsciente para o Cons-
ciente. Já dizia Lacan, o desfiladeiro do significante.
Quem, de nós, ouve uma missa barroca a oito vozes ou mais? Por
exemplo, o Miserere, de Allegri, para dois coros e nove vozes, ou um
moteto a quarenta vozes de Thomas Tallis. Essa polifonia, em que tantas
diferentes linhas melódicas se interpenetram dentro de regras harmônicas,
que resultam numa apreensão totalizante, esteticamente prazerosa aos nos-
sos sentidos? Certamente não é apenas a escuta consciente, limitada por
uma seletividade narrativa. Nosso sistema consciente dificilmente conse-
gue acompanhar mais de duas narrativas simultâneas, tipo falar ao telefone
e acompanhar um programa de televisão. Dizem alguns estudiosos da mú-
sica que nosso limite de apreensão consciente seriam quatro narrativas.
Afinal, também só conseguimos emitir uma linha narrativa ao falar ou can-
tar, com algumas exceções, como aqueles estranhos sons duplos de mon-
ges tibetanos. É nosso sistema inconsciente, com sua capacidade de acessar
e processar infinitas mensagens simultâneas, que ouve e organiza em nós
essas múltiplas mensagens, mesmo no caso da música contemporânea, que
tantas vezes escapa a uma organização previsível da harmonia tradicional.
A escuta inconsciente é uma outra escuta com infinitas possibilidades si-
multâneas. O exercício de escuta musical e a experiência acumulada enri-
quecem nossa apreensão e nos permitem transitar com mais facilidade en-
tre a captação do conjunto das vozes e cada voz em particular. De certa
maneira, editamos a música ao nosso gosto; podemos fixar a atenção, fazer
realçar em nós a linha dos baixos ou fugazes duetos de sopranos e contral-
tos. Reelaboramos em nós a dinâmica, criando fortes e pianos ad libitum, à
nossa vontade. Nossa escuta é um instrumento musical no qual a obra se
Ignácio Gerber
completa. Já na música contemporânea somos convidados a abandonar os
padrões harmônicos reasseguradores e correr o risco do novo, do desco-
nhecido: a entrega a essa estranha beleza que às vezes parece nos agredir.
Quando transitamos dessa audição polifônica abrangente para uma audi-
ção linear concentrada, através de um esforço de atenção, estamos transi-
tando entre nossos dois modos de ser, do inconsciente para o consciente,
ou vice-versa. Reitero dois modos de ser como representação dualista
simplificada de um campo contínuo com infinitos modos de ser. Nossa
escuta psicanalítica transita entre cintilações de polifonia e melodia.
Do texto indispensável (s.d.), “Fundamentos de um Novo Pensar Mu-
sical”, de H. J. Koellreuter, transcrevemos as seguintes definições:
A – Prefixo grego denominado Alfa privativo. Dá ideia de transcen-
dência, privando o conceito de seu valor absoluto. Não é contrário nem
conforme; o alfa-privativo incorpora a determinado conceito outro de mai-
or abrangência. Ex. Atonal, Amétrico, Arracional.
Arracional (alfa-privativo) – Que não é contrário nem conforme ao
racional; que transcende o racional. Incorpora as formas do pensamento
tradicional (racional e irracional) em um pensar integrador.
Atonalidade (a = alfa-privativo) – Princípio de estruturação musical
que transcende o da tonalidade, ou seja, que integra o princípio tonal em
uma ordem sintática mais ampla.
Aconsciente [paráfrase minha] – Que não é contrário nem conforme
ao consciente. Transcende o consciente. A lógica aconsciente integra a ló-
gica consciente em uma ordem sintática mais ampla.
Retomando a contribuição de Freud à história do conhecimento pela
postulação do Inconsciente como um outro nível de realidade, talvez o
termo que melhor explicite a intenção freudiana seja A-consciente, onde o
prefixo A, alfa-privativo, conota um sentido de além, de transcendência.
Ou seja, não um prefixo In que conote negação no mesmo nível de realida-
de, mas o prefixo A, apontando para além do nível de realidade consciente.
Um Aconsciente em que o que é contraditório para a lógica aristotélica
consciente vive uma conciliação abrangente por meio da característica fun-
damental do inconsciente freudiano: a ausência do princípio da não-con-
tradição. Esse é o ponto de partida da obra inovadora de Ignacio Matte-
Blanco: a busca das leis estruturantes dessa outra lógica, contraditória e
paradoxal, que ele denominou lógica simétrica, e que, associada à nossa
lógica habitual consciente, nos engendra como seres bi-lógicos ou bi-
modais: diferentes níveis de realidade ou modos de ser. Lembremos que
Bion preferia a oposição complementar Finito-Infinito à Consciente-In-
consciente, e Matte-Blanco leva o conceito de Inconsciente freudiano às
últimas consequências em suas obras “O Inconsciente como Conjuntos In-
finitos” e “Pensar, Sentir e Ser”. Penso que as ideias de Bion e Matte-
Blanco se complementam e se harmonizam num contraponto não premedi-
tado. Sugiro ao leitor que aceite o convite de Matte-Blanco e se deixe con-
duzir por sua mão etérea e segura para que, juntos, transponham o espelho
da simetria e, qual Alice, penetrem no mundo da contradição, o Incons-
ciente; como prêmio pela ousadia, uma compreensão intuitiva maior da
sua lógica: uma Fé no Inconsciente.
O racional e o irracional são fatores do pensar tradicional consciente.
O novo, o desconhecido, o futuro são essencialmente arracionais, e nossa
única esperança de comunicação com eles é nosso o Inconsciente
arracional. O resto é Passado, domínio do consciente racional-irracional.
Do infinito fluxo de possibilidades aconscientes criamos uma singela linha
narrativa consciente e, como num misterioso milagre, ambos os códigos
convivem em nós e sua harmonização pode propiciar o estado de espírito
conhecido como “estar em paz”. Nosso desafio como psicanalistas na atu-
alidade é nos permitirmos pensar contraditoriamente. Deixar-nos envol-
ver, fascinar, perder, ganhar por essa outra lógica alógica. Relativizar o
racionalismo clássico que nos foi inoculado como sendo retrato fiel da
realidade e expandir nossas possibilidades assim como a teoria da relativi-
dade e a mecânica quântica transcenderam os limites da física clássica.
Arriscarmo-nos a perder a Razão, confiando no in(a)consciente. Isso sem-
pre estará lá expandindo e propiciando sentidos mais generosos e
abrangentes aos nossos “pequenos” dramas cotidianos.
Ignácio Gerber
O inconsciente é arracional, transcende. Uma transcendência do
finito ao infinito, como intuíram tantos místicos. Entre tantos... Buda,
Bach, Freud, Einstein... e, porque não, Bion, Matte-Blanco...
As occurs with dreams, Psychoanalysis and music are the royal roads to our
Unconscious. The id, the early unrepressed unconscious, is governed by the contradictory
and infinite logic of emotions; a practical exercise is proposed in this study for capturing
the unconscious through music and psychoanalysis.
Listening. Music. Unconscious.
Así como los sueños, el psicoanálisis y la música son vías regias para nuestro
inconsciente. El ello, inconsciente primordial no reprimido, es regido por la lógica
contradictoria e infinita de las emociones. Se propone, en este ensayo, un ejercicio práctico
de captación inconsciente mediante la música y el psicoanálisis.
Escucha. Inconsciente. Música.