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ALGUNS ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS DA MORTALIDADE POR

ACIDENTES DE TRÂNSITO DE VEÍCULO A MOTOR NA CIDADE


DE SÃO PAULO, BRASIL

Ruy LAURENTI *
Maria Ap. T. GUERRA **
Regina Ap. BASEOTTO **
Maria T. KLINCERVICIUS **

RSPSP-147
INTRODUÇÃO
LAURENTI, R. et al. — Alguns aspectos
epidemiológicos da mortalidade por Em todo o mundo, os acidentes de
acidentes de trânsito de veículo a trânsito, e em especial aqueles causados
motor na Cidade de São Paulo, Bra-
sil. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 6: por veículos a motor, vem assumindo
329-41, 1972. destaques cada vez maior como causa
RESUMO: Foram estudadas algumas de morte, sendo que, em inúmeros paí-
características dos óbitos por acidentes ses, quanto à magnitude, a mortalidade
de trânsito de veículos a motor, no mu- por essa causa figura entre as primeiras.
nicípio de São Paulo, ocorridos entre 1.° O fato de incidirem principalmente so-
de janeiro a 31 de dezembro de 1970. bre os jovens e os adultos jovens tem
Todas as características do falecido e do
acidente foram coletadas a partir dos da- sido destacado para chamar a atenção
dos registrados nos laudos de necrópsias quanto à necessidade de, contra eles,
existentes no Instituto Médico Legal. O serem tomadas medidas preventivas efi-
estudo evidenciou que a mortalidade por cazes. A primeira morte, por essa causa
acidentes de veículo a motor é alta,
maior no sexo masculino, aumenta com nos Estados Unidos, ocorreu em 1899 e
a idade, sendo que o maior coeficiente a intensidade do problema foi tal que
foi para maiores de 60 anos. A zona da em 1951 foi ali registrado o milionésimo
cidade com maior número de acidentes caso; por outro lado, sabe-se que atual-
é a zona Sul, existindo áreas (distritos
policiais) e vias públicas preferenciais mente, em todo o mundo, morrem mais
quanto a ocorrência,, em todas as 4 zo- de cem mil pessoas por acidentes de
nas do município; a maior ocorrência de veículo a motor 7.
acidentes foi aos sábados e domingos;
os pedestres compreendem a grande Já há muitos anos, em inúmeros paí-
maioria dos falecidos; proporção apre- ses, a mortalidade por acidentes de
ciável dos falecidos recebeu atendimento
hospitalar após o acidente. Foram rela- veículo a motor ultrapassou aquela con-
cionados também o número total de aci- seqüente a outras causas ou grupo de
dentes, vítimas e mortes mostrando que causas, como por exemplo, as doenças
para cada 100 acidentes ocorreram 62,50
vítimas e 5,13 mortes, e para cada 100 infecciosas. Até mesmo em áreas ou paí-
vítimas, 18, 22 mortes. ses em desenvolvimento, esses acidentes
UNITERMOS: Acidentes de trânsito *; tem sido motivo de preocupação, visto
Veículos a motor *; Mortalidade *; Epi- que os mesmos vêm aumentando pro-
demiologia. gressivamente. Na Nigéria, um estudo

715 —
* Do Departamento de Paulo,S.P.,
SãoEpidemiologia Brasil.
da Faculdade de Saúde Pública da USP — Av. Dr. Arnaldo,
** Acadêmicas de Medicina do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina
da USP - Av. Dr. Arnaldo, 455 — São Paulo,S.P., Brasil.
sobre acidente na infância9 evidenciou nia e quase tanto quanto a tuberculose
que aqueles causados por veículos a pulmonar.
motor são ali vinte vezes mais perigosos
Na cidade de São Paulo, em 1950, o
que os mesmos considerados nos Esta-
risco de morrer por acidente de veículo
dos Unidos e dez vezes mais que na In- a motor foi aproximadamente cinco ve-
glaterra. FÁVEROS 3 estudando a epidemio- zes menor do que o devido à tuberculose
logia dos acidentes de trânsito em Ri- (respectivamente 12,2 e 60,0/100.000 habi-
beirão Preto refere que os mesmos, pelo tantes) e em 1967, os acidentes mataram
número de pessoas lesadas e de óbitos cerca de 1,4 vezes mais do que a tuber-
que provocam, constituem sério proble- culose (respectivamente 24,2 e 17,3/100.000
ma de saúde. O autor, além de seus pró- habitantes). De 1950 para 1960 os níveis
prios dados, reporta-se a uma pesquisa de mortalidade causada por esse tipo de
da Repartição Sanitária Panamericana, acidente permaneceram mais ou menos
mostrando que em Ribeirão Preto, nos estacionários. A partir da década de 60,
anos de 1962 e 1963, na mortalidade de porém, a mortalidade aumentou bastan-
indivíduos entre 15 e 74 anos, os aciden- te, atingindo em 1970, valor que repre-
tes de trânsito mataram mais do que a senta quase que o dobro do verificado
diabetes mellitus, que a broncopneumo- em 1960. (Tabela 1).

A mortalidade pela causa aqui consi- blema em São Paulo foi o motivo deste
derada atingiu, nos últimos anos para estudo, do ponto de vista de sua epide-
os quais se dispõe de dados, os mesmos miologia. Inicialmente, pensou-se em
níveis observados em países desenvolvi- uma análise mais ampla a respeito do
dos. Assim, por exemplo, em anos pró- mesmo, a partir dos "Boletins de Ocor-
ximos a 1968 ela foi de 26,4/100.000 habi- rência" feitos pelas autoridades policiais.
tantes no Canadá, 22,4 na Dinamarca, Como se sabe, entre nós, praticamente
21,4 na Itália, 22,2 na Holanda, 31,6 no todos os acidentes de veículo a motor, e
Luxemburgo e 24,5 na Suissa1. principalmente aqueles que ocasionam
A gravidade que vem assumindo o pro- lesões em pedestres ou ocupantes dos
veículos, tem sua ocorrência registrada causas violentas ou acidentes são
pela autoridade policial da circunscrição submetidos à necrópsia no Instituto
(distrito policial) em que aconteceu o Médico Legal e esse órgão não utiliza o
acidente. Esse registro é feito no chama- modelo internacional do atestado de
do "Boletim de Ocorrência", o qual con- óbito. Desconhece-se, portanto, a causa
tem dados extremamente valiosos para básica, ou seja, no caso, as circunstân-
um estudo epidemiológico bem detalha- cias do acidente. Os atestados de óbito
do, pois são anotadas informações co- fornecidos pelo Instituto Médico Legal
mo: local e tipo de acidente, tipo de só apresentam a causa externa da lesão,
veículo, número e características das ví- o que torna impossível um estudo como
timas, além de outras tais como tipo de o proposto. Levando-se em conta o fato
infração, licença para dirigir, residência de que todos os óbitos por acidente são
das pessoas envolvidas, procedência do necropsiados, mesmo aqueles em que as
veículo (se de São Paulo ou de fora). vítimas tenham falecido em hospitais
aos quais foram encaminhadas após a
Um estudo desse tipo justificava-se ocorrência, uma boa maneira de estudar
plenamente, pois poderiam ser obtidas o problema seria através dos laudos de
informações várias tendo-se em vista necrópsias. Deve ser acrescentado que as
uma programação que visasse à preven- mesmas são solicitadas pelas autorida-
ção dos acidentes. O que se objetivava era des policiais e que na requisição cons-
analisar os acidentes, as vítimas (pes- tam vários itens de importância para a
soas lesadas) e as mortes, segundo vá- caracterização das vítimas e do aci-
rias características. Assim, por exemplo, dente.
alguns dados oficiais divulgados pelas
autoridades responsáveis pelo trânsito, in- Sendo então possível o estudo deste
material, juntamente com algumas in-
formam, entre outros, índices e coefi-
formações coletadas no Departamento
cientes de feridos e mortos por habitan-
Estadual de Trânsito (DETRAN), foi
tes e o mesmo por veículos; sabe-se, po-
proposta esta análise epidemiológica des-
rém, que muitas pessoas feridas ou mor-
critiva dos óbitos causados por aciden-
tas não são residentes em São Paulo, e tes de veículos a motor na cidade de
como não é feita a correção necessária, São Paulo.
o risco de morrer da população fica
superestimado, da mesma forma que a MATERIAL E MÉTODOS
morbidade e a letalidade não são medi-
das corretamente. Isso não tem apenas
Para acidentes de trânsito de veículo
valor epidemiológico descritivo teórico,
a motor foi adotado o conceito da Clas-
mas do ponto de vista prático poderia
sificação Internacional de Doenças (8.a
dar uma contribuição importante visan- Revisão — 1965), segundo a qual é "qual-
do a medidas preventivas, desde que as quer acidente com veículo a motor ocor-
características dos acidentes e das víti- rido na via pública. É considerado como
mas fossem analisadas com mais rigor. ocorrido na via pública se houver suce-
Dadas algumas dificuldades surgidas dido inteiramente, originado ou termi-
para a tabulação e análise dos "Boletins nado nela ou se houver atingido um
de Ocorrência", o estudo limitou-se ape- veículo situado parcialmente na via pú-
nas às mortes. A maneira mais simples blica. O acidente é considerado de via
seria a análise dos atestados de óbito pública se não for especificado outro
lugar".
que, por si mesmos, poderiam dar infor-
mações importantes. Ocorre, porém, que Serão analisados nesta apresentação
todos os casos de óbitos decorrentes de somente os acidentes causados por veí-
culo a motor tipo automóvel, ônibus ou Tabela 2 que a maior proporção de aci-
caminhão, não sendo incluídas motoci- dentes ocorreu na zona sul (32,86%),
cletas e bicicletas motorizadas. Assim, vindo a seguir a zona leste (22,49%).
quando na apresentação dos resultados Quanto às áreas correspondentes aos
for referido "motociclista" ou "ciclista", distritos policiais, o maior número de
deverá o fato ser entendido como aci- mortes foi verificado na Cidade Ademar,
dente de automóvel, caminhão ou ôni- vindo a seguir São Miguel Paulista, Vi-
bus com uma motocicleta ou bicicleta la Mangalot, Santo Amaro e Lapa, dis-
motorizada ou não. tritos nos quais se verificaram 25,58%
de todas as mortes. Na Tabela 2, os ca-
Para o estudo proposto foram revis- sos que constam como ignorados são
tos todos os laudos de necrópsia do Insti- aqueles nos quais a informação não cons-
tuto Médico Legal referentes a mortes tava no livro de registro do Instituto
por acidentes ocorridos de 1.° de janeiro Médico Legal.
a 31 de dezembro de 1970; aqueles re-
ferentes a acidentes de veículos a motor Quanto à distribuição dos óbitos se-
foram separados, não se incluindo na gundo os meses do ano, foi observada
análise aqueles cujo local de ocorrência uma média de 145 por mês, sendo que o
tivesse sido fora da cidade de São Paulo. maior número foi verificado em julho e
(O Instituto realiza necrópsias de mor- o menor em fevereiro. Além de julho,
tes violentas ocorridas em alguns muni- os meses de maio, junho, agosto, no-
cípios vizinhos, que não dispõem de ser- vembro e dezembro ultrapassaram a mé-
viço médico legal). Para aqueles casos dia mensal. (Tabela 3).
em que o acidente ocorreu no municí-
pio de São Paulo foram anotados: dia Os acidentes (fatais ou não), por sua
da semana, mês, zona da cidade e dis- vez, foram mais freqüentes em agos-
trito policial da ocorrência, se a vítima to (10,09%) e, excluindo-se fevereiro
recebeu atenção médica (isto é, se hou- (6,22%), que é o mês mais curto, obser-
ve hospitalização), qualidade da vítima vou-se que julho foi o que teve menor
(pedestre, motorista, passageiro, etc.), número de acidentes. Comparando-se
e o fato de ser ou não residente em com o observado para o número de mor-
São Paulo. tes, vemos que julho, com menos aci-
dentes, produziu o maior número de
As informações sobre o total de aci- mortes. Na Tabela 3, onde estão expos-
dentes de veículo a motor ocorridos na tos esses dados, estão calculados tam-
cidade, e não só aqueles que causaram bém os riscos de um acidente produzir
mortes, assim como alguns outros da- vítimas (pessoas lesadas), de ocasionar
dos pertinentes, foram coletados no mortes e também o risco de uma vítima
DETRAN. de acidente vir a falecer. Como se pode
observar, verifica-se que em 1970, na
RESULTADOS cidade de São Paulo, em média, cada 100
acidentes provocaram 62,5 pessoas feri-
Foram realizadas 1883 necrópsias refe- das e 5,13 mortes. Por outro lado, para
rentes a mortes causadas por veículos a cada 100 pessoas feridas, em média,
motor, das quais 1746 ocorreram no ocorreram 8,22 mortes.
município de São Paulo. A análise re-
fere-se a estes 1746 casos. Em relação aos dias da semana veri-
ficou-se que, em média, ocorrem 138
Quanto ao local dos acidentes, segun- mortes por dia da semana no curso do
do as zonas da cidade e os respectivos ano, sendo aos sábados e domingos,
distritos policiais, pode-se observar na observados o maior número (32,43%
dos óbitos). Por outro lado, 4.a feira é No tocante à qualidade do falecido,
o dia que, em média, verifica-se o me- evidenciou-se grande proporção de pe-
nor número, vindo a seguir a 3.a feira destres, que corresponde a 86,00% de to-
(Tabela 4). das as mortes; a seguir aparecem os
motoristas de carros porém em propor-
ção apreciavelmente menor, pois para
cada morte de um destes, morreram
aproximadamente 20 pedestres. Não se
constatou nenhuma morte de motorista
de ônibus.

Os tipos de acidentes de veículo a


motor mais freqüentes foram as coli-
sões e os atropelamentos, respectivamen-
te 48,27% e 44,64%. O capotamento é o
3.° tipo de acidente mais freqüente, po-
rém com uma freqüência bem menor
que os anteriormente citados (Tabela 5).

Para as 1746 mortes estudadas foi


possível averiguar o local da residência
em 1545 casos, dos quais 1328 (85,95%)
eram residentes na cidade de São Paulo
e 217 (14,05%) o eram em outros muni-
cípios. Para 201 casos não foi possível
saber se a residência era ou não em
São Paulo.
O conhecimento do número de mor-
tes de residentes na área de estudo per-
mitiu calcular o coeficiente de mortali-
dade por acidentes de veículo a motor.
Esse coeficiente é no mínimo 22,4/100.000
habitantes, relacionando-se os 1328 cer-
tamente residentes, e no máximo 25,8/
100.000 habitantes se todos os 201 casos
em que não se conseguiu saber o ende-
reço fossem residentes em São Paulo.
O coeficiente de mortalidade do sexo
masculino foi aproximadamente 3,5 ve-
zes maior do que o do sexo feminino, e
em todos os grupos etários a mortali-
dade masculina foi maior. Em ambos
os sexos, a mortalidade aumenta pro-
gressivamente, à medida que aumenta a
idade, exceto para o grupo 30 a 40 anos.
Os resultados referentes à residência dos
falecidos, sexo e idade encontram-se na
Tabela 7.
Na Tabela 8 estão expostos os resul-
tados dos coeficientes de mortalidade
por idade e sexo.

Quanto ao fato de o falecido ter ou COMENTÁRIOS


não sido hospitalizado após o acidente,
isso foi verificado pelo local onde ocor- A mortalidade por acidentes de trân-
reu o óbito, não tendo sido medido o sito de veículo a motor na cidade de
São Paulo, medida pelo coeficiente de
tempo médio de hospitalização. Verifi-
mortalidade, tal como está apresentada
cou-se que 65,41% foram hospitalizados, na Tabela 1 foi sempre superestimada,
8,59% faleceram no próprio local do aci- dado que não é feita a correção para a
dente e os restantes 26,00% faleceram residência do falecido. O Instituto Mé-
em trânsito para o hospital (Tabela 9). dico Legal realiza as necrópsias de todos
os casos de óbito por acidentes ocor- Zona Oeste, também a Lapa aparece com
ridos na cidade de São Paulo (residen- número significativo de mortes, possivel-
tes ou não) e também aqueles ocorridos mente relacionado às vias de saída ru-
em alguns municípios vizinhos, como mo às rodovias acima citadas.
Taboão, Embu, Cotia, Guarulhos e ou-
tros. Como esses óbitos são registrados Na Zona Leste, destaca-se o distrito
na Capital, são computados para o policial de São Miguel Paulista onde
cálculo da mortalidade dessa área. As- ocorreram 5,73% de todas as mortes por
sim, em 1970 foram realizadas 1883 ne- acidentes de veículo a motor ocorridos
crópsias de óbitos pornúmero
no município, somente
esse tipo de aci-inferior
ao verificado na Cidade Ademar (6,12%).
dente, o que dá um coeficiente de
31,7 x 100.000 habitantes. Ocorre porém, Uma análise detalhada de ruas, aveni-
como se viu na Tabela 7, que os resi- das, cruzamentos e estradas, onde ocor-
dentes foram somente 1328 ou no má- reram os acidentes que produziram
ximo 1328 mais 201 se se admitir que mortes, não foi possível, pois essa espe-
todos os de domicílio ignorado fossem cificação nem sempre existia, principal-
residentes. Dessa maneira, teríamos uma mente nos casos de vítimas que perma-
mortalidade real de no mínimo 22,4 e neceram algum tempo internadas em
no máximo 25,8/100.000 habitantes em hospitais. A especificação para a área
1970, relacionando-se à população resi- da ocorrência correspondente ao distri-
dente na área (5.921.796, dado do Censo). to policial não foi conseguida em 456
Mesmo com essa correção, a mortali- casos. Porém, a distribuição para os
dade por essa causa é bastante alta, o 1290 em que isso foi possível dá uma
que é um fato interessante, pois, se por boa idéia das áreas ou zonas de maior
um lado isso pode ser comparável aos ocorrência de acidentes fatais. As Ave-
padrões de mortalidade que se observam nidas ou ruas Rubén Berta, 23 de Maio,
em áreas desenvolvidas, por outro te- Radial Leste, Estrada S. Miguel Paulista,
mos ainda problemas comuns às áreas Marginais Tietê e Pinheiros, Interla-
menos desenvolvidas, como por exemplo gos, do Estado, Rangel Pestana, São
a alta mortalidade infantil e mesmo a João, aparecem freqüentemente como
mortalidade por algumas doenças in- locais de acidentes mortais. Um aspecto
fecciosas. importante que deverá ser levado em
Quanto às regiões da cidade de maior conta em um estudo desse tipo é a lo-
ocorrência de acidentes fatais, desta- calização dos pontos preferenciais dos
ca-se a zona Sul com 32,86% das mortes acidentes, mortais ou não, pois essas in-
observadas. Nessa região está situada a formações trazem valiosa contribuição
área do distrito policial onde se verifi- quando se pensa em prevenção. Entre
cou a maior proporção de mortes que nós, entretanto, um estudo desse tipo
foi a Cidade Ademar, e nesta destaca- só poderá ser feito com os dados con-
ram-se como vias de maior número de tidos nos "Boletins de Ocorrência".
acidentes a Av. Interlagos, Av. Cupecê e Quanto à distribuição mensal dos
a Estrada de Parelheiros. óbitos, os meses de maio, agosto e de-
As zonas Norte e Oeste foram onde se zembro foram aqueles com maior nú-
verificou menor número, porém nesta mero; fevereiro apresentou o menor
última, no bairro de Vila Mangalot, número de óbitos, mesmo fazendo-se a
observou-se grande número de mortes. correção para 30 dias. Este mês foi tam-
As ocorrências aí foram registradas em bém o que apresentou o menor número
grande parte na Via Anhanguera e tam- de acidentes registrados e também de
bém na Rodovia Castelo Branco. Na vítimas, o que se deve, possivelmente,
ao fato de constituir período de férias, áreas do município atravessadas por es-
ocasião em que o número de pessoas tradas, como são os inícios das Vias
que sai de São Paulo é muito grande. Dutra, Anhanguera, Castelo Branco, Ra-
Em janeiro, que também é mês de fé- poso Tavares, Anchieta, Fernão Dias,
rias, foi observado maior número de aci- Regis Bittencourt e outras menos impor-
dentes, porém o número de mortes foi tantes.
inferior à média mensal. Quanto à qualidade do falecido, 86,00%
Relacionando-se os acidentes, as víti- foram pedestres e os restantes 14,00%:
mas e os óbitos podem ser medidos de- passageiros de carro, ônibus e caminhão,
terminados riscos: assim, o risco de ser motoristas de carro e caminhão, motoci-
vitimado em um acidente de trânsito é clistas e acompanhantes e ciclistas. O
em média 62,50%, ou seja, cada 100 aci- fato de a maioria das mortes ter sido
dentes ocasionam, no ano, 62,5 vítimas. de pedestres parece indicar a grande
Por outro lado, para cada 100 aciden- falta de segurança que as vias públicas
tes, em média, ocorrem 5,13 mortes oferecem aos mesmos. Medidas deveriam
e cada 100 vítimas resultam, em média, ser adotadas no sentido de uma melhor
8,22 mortes. Verificou-se que no mês de sinalização, faixas de segurança, e prin-
julho os acidentes provocaram um nú- cipalmente, a nosso ver, educação no
mero de vítimas pouco inferior à média sentido de obediência a essas medidas,
mensal, vítimas essas que provocaram quer por parte dos pedestres, quer por
um número de mortes superior a média parte dos motoristas, o que, ousamos
mensal, sendo que o risco da vítima fa- dizer, em São Paulo é praticamente
lecer foi o maior observado nos 12 me- inexistente!
ses. Julho seria então o mês de maior
gravidade dos acidentes. Quanto à mortalidade por idade e sexo
observou-se que o coeficiente para o
Em relação a fevereiro, que foi como sexo masculino é aproximadamente 3,5
se disse o mês com menor número de vezes maior comparado ao sexo femi-
acidentes, de vítimas e de mortes, veri- nino. Para todos os grupos etários con-
ficou-se um maior risco, entre todos os siderados, a mortalidade foi bem maior
meses, de um acidente produzir vítimas no sexo masculino chegando, por exem-
(63,89%). Porém, um dos menores ris- plo, no grupo etário 20 a 30 anos ser
cos do acidente ocasionar mortes aproximadamente 5 vezes maior.
(4,63%) e do vitimado vir a falecer
(7,40%). Essa predominância observada no se-
No tocante aos dias da semana, a xo masculino poderia ser explicada pela
maior proporção de mortes ocorre aos maior exposição ao risco, pois os ho-
sábados e domingos, fato aliás já eviden- mens se locomovem mais na cidade,
ciado em alguns trabalhos3,5. De uma principalmente pela mobilização no tra-
maneira geral, pode-se dizer que o balho. A maior mortalidade no sexo
maior número de mortes registradas masculino tem sido verificada também
nos fins de semana, em outros países, em outras áreas 2,3,6 .
está relacionado aos acidentes ocorridos A mortalidade por acidentes de veí-
em estradas, devido ao grande movi- culo a motor específica para grupos etá-
mento. rios evidenciou um aumento com a ida-
Pode-se considerar que os fins de sema- de, chegando no grupo acima de 60 anos
na são relativamente calmos quanto ao a 138,8 e 44,4/100.000 habitantes, respecti-
trânsito, em relação aos outros dias e o vamente nos sexos masculino e femini-
que poderia estar ocorrendo são tam- no. Tendo-se em vista que 86,00% dos
bém acidentes de estradas naquelas mortos foram pedestres, poder-se-ia atri-
buir isso ao fato de as pessoas mais demanda hospitalar. Nos Estados Uni-
idosas serem aquelas menos ágeis nas dos, cerca de duas mil pessoas são hos-
"corridas" ao atravessar as vias públi- pitalizadas por ano devido a todos os
cas, muitas vezes transformadas em tipos de acidentes, dos quais 15% são
verdadeiras pistas. Já em 1962/63, um por veículos a motor4.
estudo realizado em São Paulo 8 eviden-
ciava a maior mortalidade nas idades As informações do DETRAN referem
de 55 a 64 e 65 a 74 anos, em ambos os que em 1970 havia no município de São
sexos; neste mesmo estudo foi compa- Paulo 520.981 veículos licenciados. O cál-
rada a mortalidade verificada em dez culo de uma taxa de acidentes, de feri-
cidades latino-americanas, incluindo São dos e de mortos relacionado com o nú-
Paulo, e duas cidades de língua inglesa mero de veículos licenciados supra cita-
(Bristol na Inglaterra e S. Francisco na do parece totalmente fora de propósito,
California).. No grupo etário, mais jo- pois o número de veículos procedentes
vem — 15 a 24 anos — os pedestres re- de outros municípios e que causam tam-
presentavam apenas 4,00% dos óbitos em bém acidentes, feridos e mortes é muito
Bristol e São Francisco e 70,00% nas ci- grande e esse número é impossível de
dades latino-americanas. No grupo etário ser conhecido. Assim, o DETRAN cal-
mais velho compreendido no estudo — culou para 1970, no município de São
65 a 74 anos — estas proporções foram Paulo, para cada dez mil veículos exis-
respectivamente 86,00% e 92,00%. Os óbi- tentes: 652 acidentes, 244 acidentes so-
tos nas cidades latino-americanas, mesmo mente com danos, 371 feridos e 36 mor-
nas idades jovens, apresentaram maior tos. Estes cálculos, porém, levam em
proporção de pedestres, proporção esta consideração somente os veículos licen-
que aumentava nas idades mais velhas. ciados no município não sendo feita cor-
Também nas duas cidades de língua reções para veículos de fora. Seria mui-
inglesa, seguramente com maior tradi- to interessante uma análise deste ponto
ção automobilística, nos grupos etários de vista, pois pode-se imaginar a pro-
mais avançados, a grande maioria dos porção apreciável de acidentes causados
falecidos nos acidentes foi de pedestres por veículos não pertencentes ao mu-
e não de passageiros, motoristas ou nicípio. Pensando-se em prevenção de
outros. acidentes, este é um aspecto que deve
ser considerado.
De todos os óbitos ocorridos em São
Paulo, 65,41% tiveram atendimento hos- Este trabalho teve por finalidade sa-
pitalar. Não foi pesquisado o tempo de lientar alguns aspectos da mortalidade
internação, porém, uma análise deste por acidentes de veículo a motor na ci-
tipo seria bastante interessante, pensan- dade de São Paulo, chamando a atenção
do-se em termos de disponibilidade de para a gravidade do problema. Não foi
leitos, permanência média e outros re- possível uma análise mais minuciosa
cursos hospitalares, além dos gastos visto não se dispor de todas as infor-
que isso representa. O número dos que mações necessárias; além do mais, um
receberam atendimento hospitalar foi estudo epidemiológico sobre o assunto,
1142, considerando-se apenas os que fale- para ser completo, deveria abranger to-
ceram, porém muitos daqueles feridos dos os acidentes, mortais ou não. Toda-
em acidentes também tiveram hospitali- via, os aspectos que foram aqui descri-
zação. Dessa maneira, se dos 21.235 feri- tos para os acidentes mortais refletem
dos registrados em 1970, 50% tivessem o que ocorreu com todos os acidentes
sido internados, pode-se fazer uma idéia de veículo a motor, qualquer que tenha
do que isso representaria em termos de sido o dano causado.
CONCLUSÕES cidence is higher in the South part of
the city and mainly on Saturdays and
A mortalidade por acidentes de trân- Sundays. A reasonable proportion of the
sito de veículo a motor no Município de deceaseds mainly pedestrians, was
São Paulo no ano de 1970: attended at a hospital. The total number
1) foi alta, mesmo fazendo-se a cor- of accidents, victims and deaths showing
that for each 100 accidents there were
reção considerando-se somente os resi- 62,50 victims and 5,13 deaths and for
dentes; each 100 victims, 8,22 deaths.
2) a zona onde ocorreu o maior nú-
mero de mortos foi a Sul (32,86% dos UNITERMS: Accidents, Traffic*; Vehi-
cles, motor *; Mortality *, Automobile
casos); em todas as zonas observaram-se driving; Epidemiology.
algumas áreas (distritos policiais) com
maior número de casos, destacando-se
nas áreas algumas vias públicas; AGRADECIMENTOS
3) observou-se que, em média, cada Ao Dr. Arnaldo Siqueira, diretor do
100 acidentes ocasionaram 62,50 vítimas Instituto Médico Legal, pelas facilidades
e 5,13 mortes e para cada 100 vítimas concedidas para consulta dos laudos de
necrópsia.
ocorreram 8,22 mortes;
4) alguns meses destacaram-se pela REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
maior freqüência de acidentes, de víti- 1. DEMOGRAPHIC YEARBOOK, 1969. N.
mas ou de mortes. Aos sábados e do- York, United Nations, 1970.
mingos o número de mortes é maior; 2. DONALD, F. H. & GIKAS, P. W. — Cau-
ses of deaths in automobile accidents.
5) os pedestres representaram 86% J. Amer. med. Ass., 203:7, 1963.
dos mortos; 3. FAVERO, M. — Estudo epidemiológico
6) o coeficiente de mortalidade do dos acidentes de trânsito em Ribeirão
sexo masculino é aproximadamente 3,5 Preto. Ribeirão Preto, 1971. [Tese de
doutoramento — Faculdade de Medicina
vezes maior que no sexo feminino; em de Ribeirão Preto].
ambos os sexos aumenta com a idade, 4. ISKRANT, A. P. & JOLIET, P. V. —
sendo maior acima dos 60 anos; Accidents and homicide. Cambridge,
7) 65,41% dos falecidos receberam Harvard University Press, 1968.
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