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Rosana Steinke1
Maria Aparecida Leopoldino Tursi de Toledo2
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Graduada em História (UEM) e Ms. Arquitetura e Urbanismo (USP). Docente do Departamento de História
(UEM - Universidade Estadual de Maringá) e pesquisadora do Centro de Estudos das Artes e do Patrimônio
Cultural (CEAPAC/UEM) e do Grupo de Pesquisa Estudos históricos: memória, identidade e ensino de
História.
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(Historiadora, Drª. em História da Educação (PUC-SP). Docente do Departamento de Teoria e Prática da
Educação (DTP-UEM) e líder do Grupo de Pesquisa Estudos históricos: memória, identidade e ensino de
História – UEM).
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reconhecida nos círculos do poder à época. Em se tratando da revista A Pioneira, ela difundiu
não apenas o que deveria ser registrado, mas também sob que ângulos as ações e (quais)
atores sociais deveriam ser imortalizados em atitudes pioneiras, heróicas, de “modernidade”.
Uma modernidade que só era possível vencendo o inóspito sertão e implantando a civilização.
No caso de uma cidade planejada com os mais modernos recursos da planificação, era
necessário contrapor esses dois universos presentes na região.
O que se vê e lê nessas entrelinhas é que a mata cede lugar ao progresso, ou seja, a
mata é o atraso, a cidade é a modernidade. Um ideário que, na verdade, acabou servindo de
base para a apologia das companhias colonizadoras, justificando sua atuação, e contribuiu
para a construção do mito do pioneiro/desbravador a preencher e domar heroicamente tal
espaço.
As produções acadêmicas mais recentes, porém, imprimem um novo sentido a essa
visão, mostrando os inúmeros discursos elaborados ao longo do século XX sobre tal temática.
A presença de caboclos, safristas e posseiros, em período imediatamente anterior, denotam a
ocupação humana na região. Os conflitos pela posse da terra, acompanhados de sua violência
intrínseca, e a necessidade de constantemente garantir a regularidade dos títulos de
propriedade por parte das companhias colonizadoras, comprovam a presença humana e a
prática de atividades econômicas que já se desenvolviam na região, mesmo que de forma
isolada e de pouca expressão comercial.
Temos ainda os registros de séculos anteriores no qual figuram inúmeras expedições
que cruzaram a região onde hoje se situa o Paraná, em busca de riquezas minerais,
aprisionamento de índios e como caminho para atingir terras onde atualmente se situa o
estado do Mato Grosso, as terras paraguaias e as minas bolivianas e peruanas, então
pertencentes à Espanha. Seus registros materializaram-se, ainda no século XVI, na fundação
de cidades e na organização de várias reduções indígenas nos vales dos rios Ivaí, Tibagi,
Parapanema, Piquiri e Paraná (MOTA; NOELI, 1999; MOTA, 2005).
Conforme apontam estes mesmos estudos, é importante dizer que não há uma
continuidade étnica e cultural entre os maringaenses e as populações pré-históricas e
indígenas que viveram onde atualmente se encontram os limites do município. Para existir
Maringá e o “Norte do Paraná”, foi necessário expulsar, destruir e confinar as populações
indígenas que viviam nessas regiões (NOELLI; MOTA, 1999, p. 06). As evidências apontam,
portanto, dentro dessa discussão, na direção de que a idéia de “vazio demográfico” no Norte
do Paraná não pode ser assumida sem consideramos todos esses outros aspectos e que tal
construção do passado está determinada por ações de atores sociais comprometidos com a
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crença no progresso, com o passado como genealogia e como cronologia evolutiva, cuja teoria
supõe irrelevante a presença e a memória de outros atores sociais nesse processo.
Contrariamente a essa representação e uso do passado, podemos dizer que com a
expansão da economia capitalista no Brasil, a partir de 1930, de base industrial, exigia-se
igualmente a expansão da fronteira agrícola. Nesse aspecto, foi utilizada uma nova tática de
ataque às florestas, certamente mais rápida e mais completa: a divisão das terras em pequenas
propriedades e a ocupação de modo rápido e sistemático (DEAN, 1996). A cultura cafeeira
permitia, ainda, a produção de alimentos, cultivada entre as ruas de café. Essa produção foi
fundamental para a subsistência das famílias dos pequenos proprietários e colonos das
fazendas e gerava alguma renda com a venda dos excedentes nos núcleos urbanos, enquanto
os cafeeiros não se tornavam totalmente produtivos. Esses excedentes de alimentos foram
fundamentais para o abastecimento dos grandes centros e o controle da elevação de seus
preços, condições essenciais para a expansão do modelo de acumulação capitalista industrial
no Brasil.
Assim, a presença de pequenos agricultores no Norte do Paraná contribuiu e acelerou
o processo de devastação da floresta da região, mesmo que legalmente os contratos de compra
e venda de terras com as companhias colonizadoras exigissem a permanência de parte das
florestas como reserva. Na ânsia de modificar as difíceis condições de vida dos primeiros
agricultores, a derrubada da mata foi completa nas pequenas propriedades, o que explica o
fato dos remanescentes florestais estarem em grandes propriedades.
Um dos resultados desse grande desflorestamento foi que a grande oferta de madeiras,
nesses primeiros tempos, mantinha baixos os seus preços, ao ponto de, em certas épocas, o
preço da terra “limpa” ser maior do que o da terra com florestas. Peroba, cedro, pinho,
figueira, pau d’alho, caviúna, alecrim, canjarana e angico abasteceram as madeireiras que
acompanhavam a fronteira agrícola, além de um verdadeiro desperdício natural realizado, já
que se retirava apenas as espécies nobres, enquanto o restante apodrecia ou era queimado. Em
meio a tal contexto surge a cidade de Maringá. Fundada em 1947, é uma cidade nova
planejada, a exemplo de Belo Horizonte (1892), Goiânia (1933) e Brasília, em fins de 1950,
entre outras.
Do ponto de vista urbanístico, um outro aspecto da “modernidade” a ser considerado
nas publicações: o traçado desta cidade exibe referências clássicas como o boulevar e centro
cívico marcados pela monumentalidade. Já nos bairros residenciais a escolha recai para o
traçado informal de linhas orgânicas (STEINKE, 2007). O que se observa nas imagens
publicitárias analisadas é que Maringá é sempre referenciada como cidade construída com os
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Em 1925 é fundada, por um grupo de investidores ingleses, a C.T.N.P. Companhia de Terras Norte do Paraná,
sob os auspícios do governo de Arthur Bernardes. Durante a Segunda Guerra Mundial a empresa passa a ser de
acionistas brasileiros e seu nome é mudado para C.M.N.P. Companhia Melhoramentos Norte do Paraná. Ao
todo, tal empreendimento comercializou 545 mil alqueires de terras na região norte paranaense.
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empresas colonizadoras difundiram a noção dessa região lugar desabitado, lugar de terras
virgens e intocadas, terras devolutas e desconhecidas, vasto sertão, ilimitado deserto humano
e vazio absoluto (MOTA, 2005).
Outro exemplo é a contracapa de uma edição anterior, na qual se lê: “Sinta a alegria de
viver e prospere no Norte do Paraná” (A Pioneira, 1941). Mais emblemática ainda é a
contracapa da revista datada de 1951, cuja imagem de uma enorme figueira contrasta com a
escala humana, ao apresentar alguns homens em pé junto ao seu caule e, logo em seguida, o
destaque para o texto que exalta o porte da figueira branca e a associa ao padrão de terras
boas.
O reclame ressalta que “Nas matas virgens do Paraná, constituídas por árvores altas e
grossas, encontram-se em abundância as melhores terras boas (...)” (Revista A Pioneira,
1951). Por fim, dois textos, em pequenos quadros paralelos informam: 1) Vantajosa produção
de café, cereais, fumo, algodão, cana-de-açúcar, mandioca, trigo, etc.; 2) No assombroso e
rápido progresso da região se encontra a afirmação da fertilidade da terra.
Nas páginas publicitárias nas quais figuram imagens de Maringá, na sua grande
maioria, com a conotação de cidade que vinha crescendo rapidamente e sem precedentes
podem ser observados inúmeros dos discursos elaborados nesse ideário. Portanto, ao eleger as
imagens onde são exibidas árvores centenárias com bravios colonos as derrubando, clareiras
abertas na mata, o uso de fotografias panorâmicas que buscavam dar a impressão de uma
cidade nascendo, e, mais que isso ainda, em pleno crescimento, se pode ler nas entrelinhas o
discurso da modernidade.
Ao empregar a fotografia como documento para contar a história de uma cidade do
interior e consequentemente da região, é importante não perdermos de vista a intencionalidade
com que a fotografia foi produzida. A análise de tal documento poderá contribuir no
enriquecimento do trabalho com história local, pois a imagem tem a capacidade de instigar,
desafiar, de despertar algumas reflexões.
Pode-se considerar que a construção de um imaginário sobre a floresta contribuiu para
a radicalidade do desmatamento na região. A identificação da floresta como área inculta, não
zelada, como um “nada”, com sua “desorganização” natural foi associada ao atraso, à
preguiça, à falta de trabalho. Desmatar, limpar, era garantir o direito de posse e propriedade,
de exaltar a nobreza do trabalho, a vitória sobre o inóspito e a grandeza da racionalidade da
produção, da perspectiva de enriquecimento e de melhores condições de vida material
(CARVALHO; NODARI, 2007).
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Referências Bibliográficas
GONÇALVES, José Henrique Rollo. Quando a imagem publicitária vira evidência factual:
versões e reversões do norte (novo) do Paraná – 1930/1970. In: DIAS, Reginaldo Benedito;
GONÇALVES, José Henrique Rollo (Orgs.). Maringá e o Norte do Paraná: estudos de
história regional. Maringá: Eduem, 1999. p.87-121.
HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Cia. Das Letras, 2003.
MOTA, Lucio Tadeu; NOELLI, Francisco Silva. Exploração e guerra de conquista dos
territórios indígenas nos vales dos rios Tibagi, Ivaí e Piquiri. In: DIAS, Reginaldo Benedito;
GONÇALVES, José Henrique Rollo (Orgs.). Maringá e o Norte do Paraná: estudos de
história regional. Maringá: Eduem, 1999. p.21-50.
NOELLI, Francisco Silva; MOTA, Lucio Tadeu. A pré-história da região onde se encontra
Maringá, Paraná. In: DIAS, Reginaldo Benedito; GONÇALVES, José Henrique Rollo
(Orgs.). Maringá e o Norte do Paraná: estudos de história regional. Maringá: Eduem,
1999. p.5-19.
STEINKE, R. Ruas curvas versus ruas retas. A trajetória do urbanista Jorge de Macedo
Vieira. Maringá-Paraná: EDUEM, 2007.