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O MUSEU HISTÓRICO DA CIDADE DE CRUZEIRO DO OESTE: UMA

DISCUSSÃO DE HISTÓRIA LOCAL E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL

Nanci Edilani Correa (SEED-PR PDE)1


Rosana Steinke (DHI-UEM)2

RESUMO
A inserção da História Local nas Diretrizes Curriculares para o Ensino de
História nos Anos Finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio do Estado
do Paraná vem ao encontro da necessidade de maior interação entre o aluno e
a história da sua comunidade. Tal proposta apresenta inúmeras possibilidades
e desafios ao professor de História ao inserir o aluno enquanto sujeito do
processo histórico, possibilitando diversos olhares sobre sua localidade. Neste
processo, o contato com diferentes documentos históricos é importante para
que os alunos possam percebê-los como lugar de memórias e mesmo de
contradições. No projeto, cujas reflexões se apresentam neste artigo, foi
utilizado o acervo de fotografias de um museu local, bem como o próprio
museu edificado, buscando ampliar a discussão sobre o passado e as
diferentes memórias da comunidade. A partir de um estudo de caso, ao
analisar um acervo local, apontando as leituras de suas diversas memórias,
buscou-se ampliar as discussões para se trabalhar a história local, a memória e
o patrimônio.

Palavras-chave: História Local; Memória; Educação patrimonial.

ABSTRACT
The insertion of Local History in the Curricular Guidelines for History Teaching
in the Final Years of Elementary and High School of Paraná State takes in
consideration the necessity of a bigger interaction between students and their
community’s history. Such proposal presents various possibilities and

1
Professora de História da Rede Estadual de Ensino do Paraná. Turma PDE 2008.
Orientada pela professora Rosana Steinke da Universidade Estadual de Maringá.
2
Orientadora. Profª assistente do Depto de História, Mestra em Arquitetura e
Urbanismo(USP). Doutoranda em História (UFPR).
challenges to the History teacher upon inserting the student as subject of the
historical process, making possible diverse observations on their localities. In
this process, the contact with different historical documents is important so the
students can perceive them as place of memories and even of contradictions. In
the project, in which we present the reflections of this article, a local museum
bank of photographs was used, as well as the whole museum building itself,
searching to widen the discussion about the past and the community’s different
memories. Starting from a study case, the analysis of a local collection, the
widening of different readings of different memories, of memory and heritage
were intended.

Key-words: Local History; Memory; Heritage education.

1. Educação patrimonial: uma breve introdução.

O presente artigo tem a finalidade de refletir sobre possibilidades


pedagógicas do uso de um museu histórico local a partir do seu acervo
iconográfico. O objetivo é estimular nos alunos e na comunidade em geral o
senso de preservação da memória social coletiva, como condição
indispensável à construção de uma nova cidadania e identidade nacional plural
(ORIÁ, 2005).
A opção em eleger tal temática no Projeto de Intervenção estabelecido
pelo Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) da Secretaria Estadual
de Educação do Paraná (SEED - PR) reside no fato de que a imagem por si só
tem a capacidade de despertar o interesse imediato do observador, oferecendo
assim inúmeras possibilidades para uma ampla discussão do seu valor como
objeto de estudo historiográfico. Deve-se levar em conta, porém, que “a
fotografia que parecia falar por si, revela que é daquele que a avista que deve
partir os significados que lhes dão sentido. Só assim poderá tornar-se um
relato” (ROCHA JUNIOR, 2007, p.03).
Ao se discutir educação patrimonial, é imprescindível que se fale da
memória e da história local. Entre os autores que discutem a questão podemos
citar Maurice Halbwachs e Pierre Nora. Halbwachs, ao falar da memória
coletiva, enfatiza a força dos diferentes pontos de referência que estruturam a
memória e que a inserem na memória da coletividade a que o indivíduo
pertence; Nora analisa os monumentos, o patrimônio arquitetônico e seus
estilos, como lugares da memória, bem como as paisagens, datas e
personagens históricas, de cuja importância se lembra constantemente;
também insere a discussão sobre as tradições e os costumes, por meio do
folclore, música e tradições culinárias, entre outros (POLLAK, 1989, p. 3).
Conforme Saballa:

A proposta da Educação Patrimonial é promover a integração


de diferentes grupos societais constituintes de uma dada
comunidade, objetivando a motivação de ações que
possibilitem a emergência de diferenciadas proposições e
estabelecimento da defesa e ativação da memória. O que se
busca é a tomada de consciência das comunidades sobre a
relevância da geração, valorização e resguardo de patrimônios
culturais locais. É a recorrência ao cultivo da sensibilidade da
população como forma de instrumentalizá-la dentro de seus
universos comuns para identificação, entendimento e préstimo
ao patrimônio cultural no seu âmbito de atuação (SABALLA
2007, p. 23).

A educação patrimonial, embora atualmente seja um tema candente,


contemplado direta ou indiretamente nas diretrizes curriculares, é ainda um
assunto novo para os professores do Ensino Médio e Fundamental. Tal valor
pode ser observado na defesa da inserção de temas como a história local e
cultural de diferentes populações/comunidades. No Brasil, tal conceito começa
a ser discutido ainda nos anos de 1970 por alguns segmentos da sociedade.
No entanto, apenas na década de 1980 é que começa a se firmar uma política
cultural de preservação no Brasil.
Segundo Pelegrini:

A educação patrimonial formal e informal constitui uma prática


educativa e social que visa à organização de estudos e
atividades pedagógicas interdisciplinares e transdisciplinares.
O objetivo da interdisciplinaridade centra-se na tentativa de
superar a excessiva fragmentação e linearidade dos currículos
escolares. A transversalidade, alcançada por meio de projetos
temáticos, é um recurso pedagógico que visa auxiliar os alunos
adquirir “uma visão mais compreensiva e crítica da realidade”,
bem como “sua inserção e participação na realidade”
(PELEGRINI, 2009, p. 36).

Conforme Horta, o patrimônio cultural é um conjunto de bens e valores


tangíveis e intangíveis, expresso em palavras, objetos, monumentos e sítios,
ritos e celebrações, hábitos e atitudes (HORTA, 1999, p. 29). Assim, pode-se
dizer que o objetivo da educação patrimonial é colaborar para que os sujeitos
tomem contato com os patrimônios locais, afirmando sua identidade cultural,
com apropriação e valorização de heranças materiais e imateriais. Portanto, os
fundamentos das mesmas estão vinculados com a preservação dos bens
culturais e resgate da memória, sendo uma ação social na medida em que
colabora na construção da identidade e da diversidade regional, bem como da
manutenção da ativação das tradições locais (SABALLA, 2007, p. 23).
Como uma práxis educativa e social, permite trabalhar com tal conceito,
buscando a consciência cidadã, proporcionando um debate acerca das
memórias, da importância dos sujeitos comuns, bem como da socialização da
memória coletiva, buscando desconstruir a “memória-poder” por meio das
experiências compartilhadas por grupos plurais (SABALLA, 2007;
HALBWACHS, 1990; HORTA, 1999).

2. História local e educação patrimonial: costurando algumas possibilidades.

A valorização da história local tem ocorrido concomitantemente ao


interesse pela história social. Ressalta-se que a produção historiográfica atual
tem buscado recuperar a história das pessoas comuns e apesar das muitas
críticas, entre elas de que as obras sobre história local reportam à história de
pequenas localidades, escritas por pessoas de diferentes segmentos sociais,
não necessariamente historiadores (SCHIMIDT; CAINELLI, 2005, p. 111), esse
interesse, especialmente no que se refere ao ensino de História, tem crescido à
medida que:
Trata-se de uma forma de abordar a aprendizagem, a
construção e a compreensão do conhecimento histórico com
proposições que podem ser articuladas com os interesses do
aluno, suas aproximações cognitivas, suas experiências
culturais e com a possibilidade de desenvolver atividades
diretamente vinculadas à vida cotidiana (CAINELLI, 2005,
p.113).

Trabalhar a história da comunidade, do bairro ou pequenos povoados e


cidades, facilita, por parte dos alunos, a compreensão de
mudanças/permanências e (des) continuidades que se estabelece ao longo dos
processos históricos, promovendo a identificação do aluno com o mesmo.
Estes fatores têm entusiasmado muitos professores a trabalharem sob esse
aspecto. Porém, ao trabalharmos a história local na perspectiva de que ela
aproxima a História do aluno, despertando o seu interesse, devemos estar
atentos para que a realidade imediata não venha a ser a única e importante
fonte de motivação de conhecimentos e instigadora de problematizações. Faz-
se necessário, portanto, sempre que possível, a interação da história local, com
outras localidades e até mesmo com ações históricas mais amplas, só assim a
experiência histórica do aluno ganha significado. É refletindo sobre seus
pressupostos que poderemos nos ater a uma seleção de conteúdos coerentes,
que venha ao encontro dos objetivos centrais da disciplina.
O ensino da história local pode ser extremamente instigante, à medida
que ela cumpre plenamente uma das principais finalidades da disciplina de
história.
Assim, um dos objetivos do ensino de história consiste em
fazer o aluno como partícipe do processo histórico. Tal
compreensão, de um lado, deve levá-lo a entender que sua
história individual resulta de um movimento processual e, de
outro, a compreender que também ele faz a história
(SCHMIDT; CAINELLI, 2005, p.125).

Ao entrelaçar pessoas de diversos segmentos sociais, muitas


aparentemente sem importância, a história local estabelece um vínculo com a
história do cotidiano, trazendo a tona um modo de vida, modo de morar e se
relacionar de pessoas que compuseram a vida de determinada comunidade na
qual o aluno está inserido. Ao perceber o contexto histórico e social em que
desenvolveu a história de sua localidade e a dinâmica desse contexto, o aluno
tem a possibilidade, a partir dessa experiência, de observar, questionar e
comparar os processos históricos de outras sociedades.
Pessoas comuns que compuseram o dia a dia de pequenas localidades
não foram pinçadas do seu cotidiano como meros elementos da curiosidade
alheia. Na verdade, histórias de vida por vezes consideradas singelas demais
para serem alçadas ao patamar de personagem histórico estão entrelaçadas a
um contexto histórico e social que merece uma reflexão sobre o seu papel
naquele espaço e momento histórico que está sendo objeto de estudo.
Falar de história local é falar da memória, como pontua Bittencourt
(2008) “a questão da memória impõe-se por ser a base da identidade, e é pela
memória que se chega à história local”. A memória oferece elementos para a
construção histórica das localidades, é através do exercício de rememorar que
se faz o elo entre passado e presente “A memória é, pois, imprescindível na
medida em que esclarece sobre o vínculo entre a sucessão de gerações e o
tempo histórico que as acompanha” (ORIÁ, 2005, p.139).
Porém, memória e história não devem ser confundidas e para que se
faça uma reflexão é necessário que haja confronto e análise: “as memórias
precisam ser evocadas e recuperadas e merecem ser confrontadas”
(BITTENCOURT, 2008, p.170). Confrontar memórias individuais e coletivas
com outras fontes historiográficas abre o caminho para a composição da
história local.
Nessa perspectiva, os “lugares de memória” são de suma importância
para uma sociedade que tem perdido os referenciais históricos, que tem
relegado ao esquecimento o seu patrimônio histórico e cultural. Pode-se até
questionar o que tem sido preservado, de que segmentos sociais falam esses
lugares de memória, mas ignorá-los é também ignorar o próprio contexto
histórico e social que fizeram com que esses lugares fossem preservados em
detrimento de outros.
No início deste projeto havia o questionamento: como falar de “lugares
de memória” em uma pequena localidade com uma história recente?
Excetuando-se a bucólica igrejinha, os poucos referenciais históricos não
parecem tão antigos para que mereçam um olhar mais atento. Partiu-se, pois,
do princípio de que a participação da escola, através da educação patrimonial é
de vital importância para que o aluno perceba esses lugares como parte da sua
identidade cultural e exercício da sua cidadania.

O termo Patrimônio Cultural relaciona-se com a cultura e a


memória de um povo, sendo os principais fatores de sua
coesão e identidade, os responsáveis pelos liames que unem
as pessoas em torno de uma noção comum de
compartilhamento e identidade, noção básica para o senso de
cidadania. (SPIAZZI, 2006, p.02)

Sendo assim, a escola como ambiente propício ao desenvolvimento das


noções de cidadania poderá, através da educação patrimonial, despertar no
aluno o interesse em conhecer não só o patrimônio edificado, mas também
toda produção cultural, o que inclui o conhecimento, as técnicas, o saber-fazer
das gerações passadas e assim refletir sobre a sua dinâmica.
Os estudos dos remanescentes do passado motivam-nos a
compreender e avaliar o modo de vida e os problemas
enfrentados pelos que nos antecederam, as soluções por eles
encontradas para enfrentar esses problemas e desafios, e a
compará-las com as soluções que encontramos hoje, para os
mesmos problemas (moradia, saneamento, abastecimento de
água, iluminação, saúde, alimentação, transporte, e tantos
outros aspectos). Podemos facilmente comparar essas
soluções, discutir as causas e origens dos problemas
identificados e projetar as soluções ideais para o futuro, num
exercício de consciência crítica e de cidadania (HORTA; 2003).

O objeto de estudo deste trabalho é um museu localizado na cidade de


Cruzeiro do Oeste, com aproximadamente 20 mil habitantes, região noroeste
do Paraná. Vale ressaltar que escassos são os trabalhos dedicados ao estudo
da memória do município e pouco o uso que se tem feito do acervo fotográfico
do museu da cidade, e da própria casa/museu como local de análise e reflexão
por professores e alunos, justificando o trabalho empreendido.
O município em questão foi um dos maiores, em extensão territorial, do
Paraná e o segundo maior em população. Foi também lugar habitado por
índios e caboclos. A partir de 1950, a região foi loteada e comercializada por
empresas imobiliárias como Companhia Melhoramentos Norte do Paraná e
Companhia Sul Brasileira. A região noroeste foi, a partir de 1930, foco de
abertura de estradas, criação de inúmeras cidades e plantação de cafezais na
área rural. O processo de ocupação capitalista também foi o responsável pela
devastação sem precedentes.
Assim, como em outras cidades, Cruzeiro do Oeste também teve uma
rápida ocupação e derrubada da mata. Da mesma forma que outras cidades da
região, uma intensa propaganda foi feita. Os cartazes e propagandas da época
atestam tal histórico, ao reafirmarem Cruzeiro do Oeste como a verdadeira
cidade do futuro. Entre as inúmeras campanhas publicitárias podemos destacar
as frases abaixo, do acervo do próprio museu: “era a cidade que mais cresce
no norte do Paraná” e “com alguns cruzeiros todos podiam ser proprietários em
Cruzeiro do Oeste”. Durante a década de 1960 e até meados da década
seguinte, a cidade cresceu em número de habitantes e foi ocupada pela
cafeicultura de forma muito rápida, até começar seu declínio, cujo marco foi a
“geada negra” de 1975 e a conseqüente erradicação dos cafezais. Tal como
outros tantos municípios do norte paranaense, Cruzeiro do Oeste entrou em
um processo de empobrecimento e êxodo rural.
A memória da cidade está permeada por alguns mitos e construções que
abarcam a história da região norte paranaense. Na maioria das vezes, o
discurso justifica a derrubada da mata e a implantação da cafeicultura,
mitificando o pioneirismo e corroborando para um discurso sobre o vazio
demográfico (DIAS; GONÇALVES, 1999; MOTA, 1999).

Imagem 1: Propaganda da cidade de Cruzeiro do Oeste. Fonte:


Arquivo Museu Histórico Dr. Carlos dos Anjos.

Ao trabalhar com a história de uma pequena localidade, é importante


que se faça o exercício de reflexão sobre o modus vivendis da comunidade em
questão. Por isso, ao utilizar o acervo iconográfico do Museu Histórico Dr.
Carlos dos Anjos para contar parte da história da colonização da região
noroeste do Paraná, é impossível ignorar a própria casa/museu onde se
localiza o referido acervo, pois reconhecer sua identidade sócio-cultural é
essencial para a preservação da memória do modo de morar da sociedade de
então. Mas se os mais velhos podem contar com o recurso da memória afetiva,
como atrair o olhar dos jovens para uma casa modesta, aparentemente sem
grandes atrativos? Como outros objetos, a casa pode ser entendida como um
documento histórico que merece ser investigado, questionado, para que se
faça um exercício de reflexão sobre a sociedade que o produziu. Sua
arquitetura, seus cômodos, a matéria prima com que foi edificada, trazem em si
a marca do cotidiano de pessoas que por muito tempo não eram percebidas
como agentes históricos pela história tradicional.

Imagem 2: Museu Histórico Dr. Carlos dos Anjos de Cruzeiro


do Oeste. Foto: a autora.

É também por meio do acervo imagético do museu que se abre uma rica
possibilidade para que se possa compreender a história da colonização da
cidade e da região, utilizando a imagem como documento para a reflexão sobre
a memória da localidade.

3. Se não me falha a memória...

O uso da fotografia remonta o século XIX, não sendo obra de um só


autor, mas a somatória de processos que evoluíram ao longo do tempo. A
possibilidade de registrar em papel o instante entusiasmou e assombrou a
sociedade da época. Muitos foram os aficcionados por essa invenção, inclusive
o segundo monarca do Brasil- império. D. Pedro II sempre incluía fotógrafos
em suas viagens e deixou vários registros do cotidiano da realeza, inclusive
registros raros seus e de sua família em viagens pelo Egito, Oriente Médio e
Europa.
Obviamente o imperador fez uso dessa nova tecnologia como forma de
divulgação de sua imagem perante o império, mesmo que essa imagem não
estivesse acessível a toda população. Imagem esta de um homem atento às
inovações técnicas e científicas do século XIX. Buscava-se construir também o
imaginário de uma memória, de uma identidade nacional por meio da
divulgação da vida da nobreza concomitantemente com a elite cafeeira.
A fotografia foi utilizada em expedições científicas dando maior
credibilidade àquilo que estava sendo investigado, à medida em que substituía
o caderno de anotações do viajante informando de forma detalhada aquilo que
poderia custar várias folhas de explicações escritas. Acreditava-se que a
fotografia era um documento frio e objetivo.
Faz-se necessária uma reflexão sobre a imagem fotográfica, como
documento, como formuladora e ativadora da memória. Mas afinal o que deve
ser lembrado? O que deve ser esquecido? A resposta a essas perguntas pode
variar de acordo com a época ou os interesses de grupos sociais. É sabido que
ao longo da história governantes usaram todos os meios e artifícios para
construir ou desconstruir a memória coletiva, exaltando ou renegando fatos ou
acontecimentos que viessem corroborar ou não com seus objetivos, seja na
construção de uma identidade nacional ou na afirmação de uma dinastia.

Tornar-se senhores da memória e do esquecimento é uma das


grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos
que dominaram e dominam as sociedades históricas.(LE
GOFF, 2003, p.422)

Assim entende-se que “a nacionalização da memória coletiva e sua


transmissão pelo Estado são fatos importantes de nossa história” (HORTA,
2005; PRIORE, 2005, p.7).
Na interpretação de Mary Del Priore “a fotografia é plural e suas
abordagens são igualmente múltiplas” (DEL PRIORE, 2008, p.91). Assim, da
ideia tão presente no século XIX da fotografia como imagem pronta e acabada
da realidade, até as considerações atuais da imagem, como produto de sua
época, que deve ser questionada dentro de um contexto, a fotografia percorreu
um longo caminho.
Porém, contraditoriamente a fotografia enfrentou a resistência dos
historiadores quando requisitada como documento histórico. Durante muito
tempo utilizada em livros didáticos apenas como ilustração, a imagem ficou
relegada ao status de uma espécie de “documento de segunda categoria”, pois
toda credibilidade era dada apenas aos documentos escritos (BURKE, 2004).
Muito se fala sobre a objetividade da fonte documental, porém da
mesma forma que um documento escrito, a fotografia também é produzida com
uma intenção: do enquadramento da imagem, a iluminação, a posição do
fotografado, suas vestimentas, o mobiliário, as habitações, o ângulo que se
busca de determinada rua, enfim, se há intencionalidade na produção de uma
imagem, também existe na produção de um documento escrito e assim como
todo documento devem ser questionado, analisado, dentro do seu próprio
contexto.
Ao explorar as imagens deve-se estar atento aos seus significados e
representações. Entende-se que a imagem “não é neutra”, antes ela fala, tem
um discurso próprio a partir do momento que é entendida como um documento
historiográfico. O próprio ato de escolher entre uma fotografia e outra, aquelas
que fariam parte da pesquisa, percebe-se como a neutralidade é impraticável
dentro de um campo de pesquisa. Os valores, os objetivos, a vivência do
pesquisador professor, refletem indubitavelmente durante o processo de
construção do saber histórico com os seus alunos.

Portanto, para se chegar àquilo que não foi imediatamente


revelado pelo olhar fotográfico, há que se perceber as relações
entre signo e imagem, aspectos da mensagem que a imagem
fotográfica elabora; e, principalmente, inserir a fotografia no
panorama cultural, no qual foi produzida, e entendê-la como
uma escolha realizada de acordo com uma dada visão de
mundo.(CARDOSO; MAUAD, 1997, p.406)

A fotografia tem imensa capacidade de despertar a memória de quem


viveu aquele momento ali “congelado”, muitas vezes quase apagado da
lembrança. E se a memória falha, a fotografia revela. Aquele instante ali
registrado, suas significâncias, suas falas e seus silêncios podem nos ajudar a
compor a sociedade que produziu as imagens em questão. Afinal, como bem
lembra Mary Del Priore “a fotografia, em suas diferentes formas, pode fornecer
informações importantes sobre fatos históricos e, mais amplamente, ajudar a
compreensão da evolução de uma sociedade” (DEL PRIORE, 2008, p.93).
Toda memória humana, é assim, memória de alguém (HORTA, 2005;
DEL PRIORE, 2005, p.4) a partir desse pensamento, surgiu a ideia de tirar a
memória das paredes do museu, ali esmaecida, esquecida e despertar no
jovem o desejo de conhecer mais, pois segundo Del Priore:

[...] uma das qualidades da imagem fotográfica reside


precisamente neste poder de evocação, no fato de que ela
pode suscitar, naquele que observa, o desejo de conhecer
mais, de imaginar, de reconstituir interiormente, a partir da
visão de um desses momentos, o conjunto de uma vida (DEL
PRIORE, 2008, p. 94).

É a partir desse momento que se trava o diálogo entre o observador e o


objeto de estudo, e a fotografia se presta bem a esse diálogo “se for investida
por um leitor que lhe dê interpretação, operando desta maneira, uma re-
criação, uma re-escritura” (DEL PRIORE, p.92). É a partir da fotografia como
documento que o professor pode levar o aluno a uma maior percepção daquilo
que está sendo observado. Rocha Junior, em suas reflexões a respeito das
significações das imagens e das suas relações com a história e a memória,
observa que “uma imagem do passado não é um fragmento dele, é um relato,
uma memória. É, portanto uma intervenção do sujeito, no presente, sobre o
passado”. (ROCHA JUNIOR, 2007, p.79).

4. História Local, memória e educação patrimonial: entrelaçando a prática à


teoria.

Foi escolhida para a implementação do projeto uma turma da 1ª série do


curso de Formação de Docentes, com idade entre 14 e 15 anos, estudantes do
Colégio Anchieta de Cruzeiro do Oeste. Esse grupo de alunos, como tantos
outros, trouxe algumas ideias pré-concebidas da História como algo distante e
que certamente não lhe diz respeito; podia-se perceber nos discursos que a
maioria não se sentia um sujeito histórico ou partícipe do processo histórico.
Contudo, ao notar que o projeto tinha como objeto central recuperar a história
da localidade, trabalhando com imagens, notou-se certa curiosidade acentuada
do grupo em questão.
Primeiramente, foram apresentados à referida turma alguns
questionamentos, tanto na forma de explanação oral, como questionário. Tal
investigação proporcionou ao professor ter uma idéia mais aproximada sobre o
conhecimento dos alunos, por meio de uma resposta mais elaborada ou ainda
por meio do senso comum. Lembranças fragmentadas de relatos dos familiares
logo vêm à tona e a história tantas vezes ignorada passa a fazer algum
sentindo. Tais percepções vêm ao encontro da afirmação de Schmidt e Cainelli
ao destacarem que o trabalho com a história local pode produzir a inserção do
aluno na comunidade da qual faz parte, criar suas próprias historicidade e
identidade (SCHIMDT; CAINELLI, 2005, p.113).
O próximo passo do projeto foi trabalhar com os alunos a imagem como
documento. Em tempos de imagem digital, o uso da fotografia tem se tornado
corriqueiro, fato que pode ajudar a anular a percepção do observador, situação
que complica a leitura das imagens (SCHMIDT e CAINELLI (2005).
Entendendo a fotografia como uma representação do real, foi necessário
juntamente com os alunos desconstruir as imagens para que pudessem refletir
a sociedade que as produziu, despertando no educando não só o olhar de
curiosidade, mas também de múltiplo interesse pela sociedade ali retratada.
Como material didático pedagógico foi utilizado um CD-ROM com imagens da
ocupação do município, material esse produzido (dentro deste projeto) também
como parte do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE). Dentre as
inúmeras fotografias e recursos propagandísticos que cobrem as paredes da
casa/museu, optou-se em escolher aqueles mais significativos para a
percepção do discurso oficial em contraposição aos meandros do discurso.
Entre as imagens eleitas, toma-se aqui como exemplo fotografias de índios
Xetá, cujas imagens colocam em xeque o mito do “vazio demográfico”
construído pelas companhias colonizadoras, ao reafirmarem o discurso de que
a região era uma “imensa floresta despovoada” quando as terras foram
loteadas e vendidas para os colonos que chegaram posteriormente. O silêncio
sobre os povos que habitavam a região antes de meados do século XX foi uma
informação com a qual os alunos se sentiram visivelmente intrigados à medida
em que tomaram conhecimento da existência de várias etnias ao longo de
milhares de anos nesta região.
Muitos estudiosos que contribuíram para o conhecimento da
região norte-paranaense, e mesmo aqueles que apenas se
referem a ela, entregaram-se ao discurso dominante que omite
ou desqualifica a presença indígena na região.(TOMAZI, 1999,
p.52)

A imagem abaixo é extremamente simbólica: um representante dos


primeiros habitantes da região, ladeado por representantes da Igreja Católica e
de uma Companhia que colonizou a região.

Imagem 3: Fotografia que registra o 5º aniversário de


Cruzeiro do Oeste. Destaque para o índio Natal, no meio
de Paulo Bittencourt, Diretor da Companhia Sul
Brasileira e um auxiliar do Frei Gaspar. Fonte: Acervo:
Museu Dr. Carlos dos Anjos.

Sobre isso, é oportuna a reflexão a respeito da memória: afinal, o que


interessa ser lembrado ou ser esquecido? Como a memória coletiva pode ser
construída de acordo com o interesse de diferentes grupos sociais? É visível,
por meio da análise da iconografia disponibilizada no referido museu, que a
permanente construção de memórias foi recurso largamente utilizado ao longo
do processo de ocupação da região.
Utilizar a imagem como fonte documental amplia as possibilidades de
uso de outros documentos, além dos escritos, no processo de aprendizagem
da história. Como instituem as Diretrizes Curriculares de História, diversos tipos
de fontes devem ser contempladas para ampliação da visão histórica por parte
de alunos e professores.
Ao confrontar fotografias antigas e atuais de uma mesma localidade, os
alunos puderam perceber as mudanças e permanências de sua comunidade.
Hábitos os mais costumeiros, festas locais, os tipos de habitação, com uma
arquitetura singular, os meios de transportes, entre outros aspectos, puderam
ser comparados e analisados com a paisagem rural e urbana atual de Cruzeiro
do Oeste. No entanto, sempre tomando o cuidado para que o aluno percebesse
essas mudanças – ou permanências - não como “atraso”, mas fruto de uma
época em que sua localidade estava inserida.

Imagem 4: Hotel Marília. 1955.Rua Imagem 5: Banco Bradesco. 2008. Rua Peabiru
Peabiru. Fonte:Museu Histórico Dr. (mês(mesmo local). Foto: a autora.
Carlos dos Anjos.

Nas imagens acima observam-se dois momentos de um mesmo local: o


hotel que reflete o grande afluxo de pessoas na região naquele período e hoje
substituído pelo banco, instituição financeira símbolo da sociedade capitalista a
qual a sociedade de Cruzeiro do Oeste está inserida.
Como parte das atividades do projeto, os alunos também participaram
da Semana Nacional dos Museus organizada pela Secretaria Municipal de
Cultura de Cruzeiro do Oeste. Entre esses eventos, estava o Museu Itinerante
nas escolas. Os alunos do projeto participaram efetivamente, organizando as
peças expostas e também atuando como monitores. Essa experiência serviu
para que refletissem a respeito de algumas questões sobre os museus: Quem
escolheu os objetos a serem expostos? Quais os critérios dessa escolha? Que
leitura os colegas, ao visitarem a exposição, fizeram desses objetos?
Os alunos envolvidos no projeto e que participaram do Museu Itinerante
puderam perceber entre outras coisas que o mesmo conceito que tinham
formado de que museu é um depósito de coisas velhas e ultrapassadas,
também se fazia presente na cabeça dos colegas que vinham visitar o museu.
O olhar desinteressado pelas peças foi a princípio decepcionante para os
monitores que estavam ali prontos para acompanhar e informar a respeito dos
objetos e imagens em exposição. Logo, porém, ao atuarem como monitores,
conseguiram expressar de forma satisfatória a noção de construção da
memória num sentido plural, da qual todos faziam parte, de alguma forma.
Nota-se, com tal experiência, que é de suma importância que a visita ao
museu seja preparada com antecedência pelos professores e, no caso do
Museu Itinerante, é interessante que se faça um trabalho em conjunto com
todos os educadores, não só com o professor de História ou de Artes. Para que
isso ocorra, é indispensável um trabalho de educação patrimonial envolvendo
toda a comunidade escolar, para que as pessoas possam rever sua visão pré-
concebida a respeito do museu e seu acervo.
Outra atividade do projeto que merece destaque foi a visita dos alunos a
alguns pontos históricos da cidade, em parceria com a Secretaria da Cultura do
Município. A ideia de visitar in loco alguns lugares que eles tinham visto nas
fotografias foi bem recebida por todos. A igrejinha construída na década de 50
e a Estrada Boiadeira, carregada de simbologia na construção da identidade
local, fizeram, entre outros sítios históricos, parte deste roteiro. A proposta era
que os alunos pudessem desenvolver um “olhar histórico” sobre lugares até
então despercebidos no seu cotidiano. Ao voltarem, muitos alunos
comentavam como foi interessante conhecer a história de lugares que eles
nunca tinham observado, inclusive, aspectos históricos do bairro onde alguns
residiam.

Imagem 6: Capela Imaculada Conceição, localizada no Bairro Cafeeiros, em Cruzeiro do Oeste,


Paraná. Foto tirada no dia da implementação do projeto PDE. Foto: da autora.

Esse olhar, essa percepção dos “lugares de memória” foi possivelmente


uma das grandes contribuições que o projeto trouxe para a ampliação da
consciência histórica dos jovens alunos.
Segundo Saballa
Aos indivíduos é permitida a realização da leitura do mundo no
qual se inserem, percebendo-se como parte integrante de um
grupo. A noção de pertença leva à mobilização, concebendo o
sentido da participação e integração pelo elaborado e projetado
na coletividade, pelo valor partilhado, restabelecendo assim, o
passado através de objetos pertencentes ao seu universo,
percebendo-se sujeitos da História. Como agentes
transformadores elegem os patrimônios que tem sentido para o
conjunto e buscam o sentido coletivo do reconhecimento da
similitude (SABALLA, 2007).

5. GTR - Grupo de Trabalho em Rede

O crescente interesse por uma história social, a busca pelo


conhecimento de uma “história dos anônimos”, fez com que a produção
historiográfica atual lançasse um novo olhar sobre a história das localidades.
O reflexo desse novo enfoque está contido nas DCEs (Diretrizes
Curriculares Estaduais) da disciplina de História, que destaca a importância da
história local em suas páginas “O estudo das histórias locais é uma opção
metodológica que enriquece e inova a relação de conteúdos a serem
abordados, além de promover a busca de produções historiográficas diversas”
(PARANÁ, 2008). Como estratégia pedagógica possibilita ao aluno uma melhor
análise dos diferentes níveis da realidade: social, político econômico e cultural
(SCHIMDT; CAINELLI, 2005, p.113).
A ideia de que o trabalho com espaços menores possibilita a
compreensão histórica por parte do aluno, a importância de se valorizar o seu
entorno, de criar uma identidade com o assunto abordado, são razões
suficientes para que o professor de História se sinta entusiasmado e desafiado
a trabalhar sob essa perspectiva. Porém, esse entusiasmo tende a se arrefecer
à medida em que encontra a sua disposição pouco ou nenhum material nem
mesmo fontes historiográficas que o amparem em seu cotidiano escolar.
Foi dentro desse contexto que nasceu o projeto de utilizar o acervo
fotográfico do museu de uma pequena cidade paranaense, como ponto de
partida para o estudo de sua história. Mais uma forma de abordar a história
local e oferecer ao professor uma pequena contribuição na abordagem de um
tema tão complexo.
Compartilhar esse trabalho com os professores da rede pública de
educação do Paraná estava entre os objetivos traçados pelo PDE (Programa
de Desenvolvimento Educacional), através do GTR (Grupo de Trabalho em
Rede). O grupo formado a princípio por oito professores (sete professoras e um
professor) foi extremamente enriquecedor e desafiador. O interesse em utilizar
a imagem como documento historiográfico, o desafio em trabalhar com a
história local logo ficaram patentes, bem como as dificuldades em se encontrar
fontes diversas e material de apoio sobre o assunto.

“Ao trabalhar com vestígios na aula de História, é indispensável


ir além dos documentos escritos, trabalhando com os
iconográficos, os registros orais, os testemunhos de história
local, além de documentos contemporâneos, como: fotografia,
cinema, quadrinhos, literatura e informática” (PARANÁ, 2008).

Dentre os professores que faziam parte do grupo, apenas três eram


moradores de Cruzeiro do Oeste. No entanto, o que a princípio poderia parecer
um entrave dada a especificidade da pesquisa, tornou-se um diálogo
extremamente fecundo: as dificuldades foram postas, as experiências
compartilhadas, o debate aberto, o que contribuiu posteriormente para o
enriquecimento na aplicação do projeto em sala de aula.
A importância da abordagem da história local em criar um sentimento de
pertença, de reavivar a memória de recriar vínculos pode ser sentido no relato
de uma professora participante do GTR o qual transcrevemos a seguir:

“Fiquei maravilhada com a proposta, pois revivi tantos


acontecimentos da minha própria história local, principalmente
ao ver aquela foto dos caminhões de toras. Pois pude
reconstruir uma história adormecida na minha memória, que
por falta de tempo ou simplesmente por comodismo deixei de
compartilhar com meus entes queridos. Olhando aquela foto,
pude ver claramente meu pai contando sobre seu trabalho de
motorista de um caminhão de transporte de madeira (seu
primeiro trabalho aqui na região, quando veio de São Paulo,
1954). Percebi que quando nos identificamos com a história,
ela se torna presente,nova,intensa...É isso que preciso
despertar nos meus alunos!!!!!”.( professora de História).

Existe, portanto um vastíssimo campo de possibilidades a serem


exploradas quando o assunto é história local e ensino de História. A utilização
de fontes variadas só vêm a acrescer esse trabalho como ponto de partida para
a compreensão, por parte do aluno, do processo histórico que tem se
desdobrado ao logo do tempo.
A possibilidade do aluno se sentir parte integrante da história e não
apenas um mero expectador, perceber que aquela história ali recuperada é
parte integrante da vida dos seus pais e avós, também foi bem definida nas
palavras de uma professora participante do GTR:

“Todos somos produtores de memória e temos histórias para


contar". Na maior parte das vezes lembrar não é apenas
reviver, mas sim refazer, reconstruir, repensar com imagens e
ideias de hoje, as experiências do passado. A ideia de
valorização da história local, aproxima o aluno da nossa
disciplina, pois nesse trabalho destaca-se o processo histórico
que é marcado por nomes anônimos, números e
patrimônios que também ajudaram na construção da História
de um povo.Transformar os anônimos da comunidade em
construtores e protagonistas de sua própria história, é
fundamental para que o interesse pela História seja
algo prazeroso”.

A troca de experiências, o debate, os questionamentos feitos ao longo


do trabalho em grupo permitiu que o GTR cumprisse o seu objetivo de travar
um diálogo interessante e necessário sobre a história local bem como a
utilização da iconografia como opção enriquecedora desse tema.
A importância da educação patrimonial também foi um assunto que
possibilitou vários questionamentos, pois ao trabalhar o entorno de uma
pequena localidade, consequentemente falou-se de “lugares de memória” e de
sua importância na preservação da história local. Lugares antes pouco
percebidos passam a ter um significado autêntico à medida em que ele está de
alguma forma ligado aos acontecimentos e fatos vividos pela comunidade em
questão.
CONCLUSÃO

Uma História que desperte o interesse de quem ouve, um documento


que nos fale através dos seus silêncios, tudo o que pode fazer da História algo
mais que uma “disciplina do passado” é o que tem permeado a mente da
maioria dos professores de História em seu cotidiano na sala de aula.
As novas abordagens históricas tem por sua vez oferecido um leque de
opções na procura de uma História mais “palpável” e significativa. Mas, com
tantas possibilidades que se desenham a frente do professor, é natural certa
angústia ao buscar novos caminhos e sentir-se um tanto desamparado na
carência de fontes e material de embasamento teórico que o auxiliem em seu
trabalho na sala de aula. Nesse sentido, o trabalho que ora se conclui procura
ser uma pequena contribuição na reflexão que se faz da história local, da
memória e do patrimônio histórico- cultural.
O desafio de trabalhar esse assunto com uma turma de adolescentes
com idades entre 14 e 15 anos se fez sentir ao longo da implementação do
projeto: as ideias pré-concebidas sobre museus e memória, o pouco
conhecimento sobre a história da sua localidade foram sendo substituídos por
questionamentos, curiosidades e construção de um conhecimento mais
elaborado dos assuntos abordados. Destaca-se aqui o interesse pela história
da etnia xetá, pouquíssimo conhecida por parte dos alunos. Ao confrontarem
as imagens fotográficas de alguns representantes dessa etnia com o discurso
do “vazio demográfico” criado em parte pelas companhias colonizadoras da
região, os alunos puderam ter consciência de que entre uma memória oficial
que se impõe, existem outras memórias, ignoradas, prontas a serem
recuperadas desde que feita a análise e reflexão sobre documentos muitas
vezes esquecidos e pouco valorizados. Esse confronto entre a história oficial e
aquilo que eles puderem observar e analisar, através dos documentos, a leitura
que se fez para além dos recursos propagandísticos dos quais lançavam mão
os organismos colonizadores, foi de extrema importância para a percepção por
parte do aluno do processo de construção histórica. Percepção essa que
extrapola os limites regionais e leva o aluno a uma reflexão de como se dá a
construção histórica, de que matéria ela se compõe, a quem ela tem se
prestado e talvez o mais importante, a percepção de que a história é feita por
pessoas reais, “de carne e osso”, de vidas que se entrelaçaram em
determinado momento, influenciaram e foram influenciadas por
acontecimentos, circunstâncias muitas vezes alheias a esses indivíduos.
Por se tratar de uma região com uma história de ocupação relativamente
recente existe ainda uma ampla possibilidade de estudos mais aprofundados
da história que aqui se desenrolou. Seus personagens, seus lugares de
memória, a leitura que a sociedade tem feito do seu passado recente, as
implicações atuais na configuração social, política e econômica dos municípios
que compõem a região conhecida como norte novíssimo do Paraná, merecem
ainda que mais pesquisadores possam se debruçar sobre sua história e com a
utilização de fontes variadas possam contribuir na composição das várias
nuanças de uma história que ainda está para ser desvendada.
Assim, acredita-se que ao se eleger a história do lugar como objeto para
discutir a memória e a educação patrimonial, dá-se um passo adiante nos
estudos sobre os processos históricos, abarcando novas perspectivas nesta
temática e colocando a mesma como um importante instrumento na discussão
e preservação das identidades locais.
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Arquivos pesquisados:
Museu Histórico Dr. Carlos dos Anjos de Cruzeiro do Oeste

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