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D o s s i ê

Sartre fotografo por Willy Ronis


SARTRE,
A TRANSPARÊNCIA E Reprodução

Manuel da Costa Pinto

O OBSTÁCULO
52 C u l t - maio/2000
HÁ VINTE ANOS MORRIA O ESCRITOR E
FILÓSOFO QUE DOMINOU A CENA
INTELECTUAL FRANCESA DO PÓS-GUERRA E
CUJA OBRA POLIÉDRICA MARCA O TRIUNFO DA
LITERATURA SOBRE OS ATAQUES SOFRIDOS
PELO EXISTENCIALISMO

Na página oposta, reunião no ateliê de Picasso, em Paris.


Em pé, da esquerda para a direita: Jacques Lacan, Dominique Éluard,
Pierre Reverdi, Louise Leiris, Picasso, Zance de Campan,
Valentine Hugo, Simone de Beauvoir e Brassaï.
Sentados Jean-Paul Sartre, Albert Camus,
Michel Leiris e Aubier.

A lbert Camus escreveu no ro- É esse aliás o título do mais impor- Africanos. Asiáticos. Vietnamitas da
mance A peste que uma “uma forma tante livro publicado no âmbito das tendência Île de Lumière e vietnamitas
cômoda de travar conhecimento com homenagens ao pensador da rive da tendência Ho Chi Minh – que gos-
uma cidade é procurar saber como se gauche: Le siècle de Sartre, do filósofo tariam de ter se evitado, mas que a
trabalha, como se ama e como se Bernard-Henri Lévy (editora Grasset). massa, que não se mete nesse tipo de
morre”. O mesmo é válido para os E a obra começa, justamente, pela cena querela, lançava uns contra os outros.
homens e, quando se celebra os vinte cinematográfica (e impensável em Rostos célebres. Anônimos. Casais que
anos de morte de uma personalidade qualquer outro país que não a França) o arrastão havia separado e que se fala-
como Jean-Paul Sartre, o acento recai de uma manhã de abril, luminosa e vam à distância antes de se perderem
necessariamente sobre suas exéquias friorenta, com grupos que se formavam de vista. Antigos adversários, o crânio
– pois elas revelam os extremos da diante do prédio em que Sartre vivera, luzente de um, o olhar melancólico
reverência apaixonada e do ódio no boulevard Edgar Quinet, e seguiam do outro – com um ar tão emocionado
respeitoso. O enterro do autor de A para o cemitério de Montparnasse: que por pouco teríamos esquecido os
náusea foi provavelmente o último “Esses milhares de homens e sarcasmos e a ferocidade de ontem. E
grande cortejo público de um inte- mulheres, talvez dezenas de milhares, também, é claro, afogados na multidão,
lectual francês, reunindo uma vindos de todas as regiões do mundo, sacudidos, às vezes arrastados pela tor-
multidão que incluía intelectuais, tinham em poucos minutos invadido rente, às vezes empurrados para fora
estudantes, políticos, operários, as aléias do cemitério. Esses viventes. do cortejo, o círculo dos íntimos, os
militantes e minorias de toda ordem. Esses fantasmas. Esses insurgentes e apóstolos, cujos nomes eram murmu-
A dignidade reservada e familiar que, esses pequenos burgueses misturados rados com a consideração respeitosa
apenas quatro anos depois, marcou o num zunzunzum contido. Esses que se dirige às testemunhas da
sepultamento de Michel Foucault – esquerdistas. Essas crianças. (...) O verdadeira fé – e mais longe ainda,
sucessor natural de Sartre no posto de grupo da NRF [Nouvelle Revue sentada sobre um banquinho portátil,
figura central da intelectualidade Française] e o da Associação dos Argeli- diante da cova aberta, com o turbante
francesa – mostra a singularidade do nos da França. Esses paparazzi à em desordem, atropelada e quase
escritor existencialista, seu status de espreita. Essas mulheres em lágrimas. brutalizada, apesar do fiel que tentava
estadista sem Estado que encarnava a Esses cachos de jovens que provavel- abrir aos socos um pouco de espaço
consciência e as contradições de uma mente não o tinham lido, mas que em torno dela, uma mulher bela e
era: o século de Sartre. estavam ali, pendurados nas árvores. triste, perdida em seu luto. Quem era

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O filósofo
Jean-Paul Sartre
nos anos 50

o homem capaz de produzir seme- com a Resistência, com o Partido bissexualismo de Castor (apelido de
lhante prodígio? Que misterioso poder Comunista, com os rebeldes de maio Simone de Beauvoir) e seu êxtase nos
de sedução havia feito com que uma de 68 e com os maoístas) – Lévy reto- braços de Nelson Algren (a editora
única vida fosse suficiente para reunir ma essa incandescência criativa, essa Nova Fronteira acaba de lançar um
fervores tão disparatados? Como, por voracidade intelectual, esse ativismo volume com suas cartas ao poeta norte-
que uma voz, uma única voz, a voz seca político e sexual para traçar não um americano) – enfim, toda uma minúcia
e metálica de Sartre, tinha conseguido retrato harmônico que seja a síntese de detalhes que fazem as delícias da
se fazer ouvir em tantas línguas e por dialética da tese-antítese ambulante imprensa marrom e dão munição à
tantos destinos singulares?” que foi Sartre, mas um instantâneo, baixeza de críticos que querem reduzir
Esse trecho inicial dá bem o tom sempre provisório, das diferentes uma obra a sublimações neurastênicas,
do livro de Lévy – um livro apaixo- personas que o coabitam. a sintomas de uma pretensa patologia
nado, explicitamente simpático a seu Na verdade, essa figura poliédrica erótica. O segundo veneno – muito
herói, aparentemente hagiográfico, criada por Lévy obedece a uma mais maligno – é aquele que quis
mas que na verdade é um panegírico preocupação legítima: formular um vestir o cadáver de Sartre com o fardão
da figura do intelectual total, do leitor antídoto para duas variedades de do humanista profissional, esclero-
onívoro e escritor polígrafo que autor veneno que começavam a se espalhar sado, nostálgico de totalizações e
de As palavras encarnou como nin- pela vida intelectual francesa logo após grandes sistemas filosóficos, cioso de
guém nesse século que assim podemos aquela manhã em que Paris enterrou sua autoridade de maître à penser.
considerar legitimamente o “século de seu último ídolo supremo. O primeiro Bernard-Henri Lévy consegue uni-
Sartre”. A cena do cemitério de Mont- veneno – no fundo inofensivo, é bem ficar essas duas formas de maledicência
parnasse concentra o desenvolvimento verdade – diz respeito à vida íntima num alvo comum, respondendo com o
das mais de 600 páginas seguintes. Lévy do filósofo. Com a publicação de A único argumento que nos fez e nos faz
retoma a vida conjugal ou as muitas cerimônia do adeus, por Simone de ler Sartre: a literatura, e não apenas
vidas conjugais que Sartre manteve, a Beauvoir, e com a publicação da sua ficção teatral e seus romances ou
partir do epicentro Simone de Beau- correspondência entre eles (Cartas au contos, mas a escrita sartreana, essa
voir, com inúmeras amantes; a obra Castor), o grande público teve acesso prosa ensaística ímpar, nem exclusi-
literária materializada em romances ao caráter das relações amorosas entre vamente conceitual, como nos filósofos
como A náusea e Os caminhos da liber- os dois: o caráter livresco, mais do que tradicionais, nem aquela “transmutação
dade e em peças teatrais como As mos- carnal, de sua cumplicidade conjugal; estética do desespero” que Starobinski
cas e As mãos sujas; a filosofia de O ser o caráter carnal, e partilhado em vê nos moralistas franceses e que po-
e o nada e Crítica da razão dialética; os epístolas libertinas, dos relaciona- demos ver também em Camus (o amigo
engajamentos sucessivos (suas ligações mentos extra-conjugais de ambos; o com o qual Sartre rompeu e que ho-

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Divulgação

Michel Foucault, sucessor de


Sartre no papel de estrela da
filosofia francesa

menageou, comovido, após o acidente bem – os livros que eles escreveram a Em O ser e o nada, Sartre havia pos-
de carro que o matou em 1960: sempre partir disso... –, não tivermos em mente tulado a existência de uma contrapo-
a morte a dar a última palavra sobre os o modelo precedente de Laclos... sição fenomenológica entre, de um
homens), mas tudo isso reunido numa ‘Adeus, minha encantadora Castor. Ela lado, a opacidade das coisas, dos entes
mesma “vertigem da letra”, no “duplo acaba de chegar e termino essa carta ou objetos do mundo, do ser-em-si,
romance da literatura e da vida”. sob seu olhar. Você conhece meus com sua viscosidade resistente ao sen-
“Duplo romance da literatura e da sentimentos, mas não ouso escrevê-los, tido; e, de outro, a consciência indi-
vida”. Não se trata de um jogo de pois poderiam ser lidos às avessas’: é vidual, esse nada, essa pura vacuidade
palavras de Lévy. Se é verdade que uma cena das Relações amorosas ou da para-si que se abre para a experiência
todo romancista nos passa, cifrada no vida de Casanova”, escreve Lévy sobre do objeto e o “nadifica”, transfor-
texto, a chave da gênese pessoal de o paralelismo entre Valmont/Sartre e mando sua opacidade em idéia, senti-
sua obra (uma obsessão, um rancor, um Marquesa de Meurteuil/Simone de mento – incluindo-se aí (e isso será
amor, uma nostalgia) e se podemos, Beauvoir. Mas o que importa nesse decisivo) até mesmo uma outra cons-
não obstante, aproveitar a obra sem paralelismo é o “programa de verdade”, ciência (um outro sujeito), que será
utilizar a senha de acesso a seu segredo a “transparência sem desejo de percebida também ela como objeto
(os estruturalistas e, antes deles, os pureza”, a elisão entre público e opaco e será “nadificada”. No encon-
formalistas russos nos ensinaram que privado, o conúbio “amor e liberdade” tro entre dois Nadas, entre duas cons-
a obra é tudo e a vida, quase nada), que perpassa essa história que encontra ciências, portanto, uma resistirá à
em Sartre tudo se passa como se vida na escrita a sua necessidade. tentativa da outra de transformá-la em
e obra existissem para arrancar a si O imoralismo, o desejo de transpa- objeto, em Ser do mundo, em contin-
mesmas de sua gratuidade. rência e a promiscuidade paradoxal- gência, postulando assim uma neces-
Vida vivida como obra: eis o sentido mente fiel de Sartre em relação a sidade (a determinação de uma cons-
das cartas trocadas entre Sartre e Beauvoir e vice-versa pertencem a uma ciência por outra) que, por brotar ao
Beauvoir. “Como não se surpreender, intuição primeira que governa sua vida mesmo tempo desse encontro inter-
no coração do século XX, mas no mais e sua filosofia – que governa sua vida subjetivo e da exigência de que a
puro estilo do século XVIII, com esta porque governa sua filosofia (e consciência resista a se tornar “puro
relação, ao mesmo tempo feliz e facilmente poderíamos aplicar a Sartre objeto para o outro”, implica também
perigosa, límpida e misteriosa, que tem o raciocínio de Merleau-Ponty sobre o reconhecimento de que “estamos
tanto de ‘casamento de almas’ quanto Cézanne: não devemos buscar as razões condenados à liberdade”.
de libertinagem? (...) Não com- dessa obra na sua biografia, mas A partir daí, os domínios do amor,
preenderemos nada da relação entre devemos ver, nos acontecimentos dessa da política e da arte adquirem em
Sartre-Beauvoir se, para o mal e para o vida, a biografia que essa obra exigiu). Sartre transformam-se em espaço de

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VIDA E OBRA DE

POULOU
CRONOLOGIA
1905 Nasce no dia 21 de junho em Paris.
1924-28 estuda na École Normale
Supérieure, na mesma turma de
Raymond Aron, Canguilhem e Paul
Nizan. Conhece Simone de Beauvoir.
1931 É nomeado professor de filosofia
em Havre.
1933 Leciona do Instituto Francês de
Berlim.
1934 Volta à França, onde leciona em
diversos liceus.
1939 Com a eclosão da Segunda Guerra,
é mobilizado pelo exército francês.
feiúra física e a condescendência com
1940 É preso pelos alemães em Padoux que era tratado pelos adultos, estão na
(Lorena). gênese de uma trajetória intelectual
1941 É libertado e volta para a França. marcada pela idéia de desalienar-se
1942-44 Professor de khâgne (curso S artre, de Denis Bertholet (editora de si mesmo que começa a ser formulada,
preparatório paea a École Normale Plon, 600 págs.), não é certamente uma objetivamente, com seu ingresso na
Supérieure) no liceu Condorcet, em Paris. biografia tão reveladora quanto aquela prestigiosa École Normale Supérieure, em
1943 Publica O ser e o nada. de Camus escrita por Olivier Todd (que que o jovem Jean-Paul conviveu com
mostrava o fundo de desespero do nomes que seriam igualmente famosos,
1945 É colocado em licença por prazo
donjuanismo solar do autor de O mito de como os de Raymond Aron, Paul Nizan
indeterminado. Funda, com Maurice
Sísifo) – talvez porque a vida pública de (que morreu na Segunda Guerra), o
Merleau-Ponty, a revista Les Temps
Sartre seja demasiado conhecida. Mas é filósofo da ciência Georges Canguilhem e,
Modernes. Viaja aos EUA como jornalista.
de qualquer forma um trabalho minucioso sobretudo, Simone de Beauvoir.
1952 Adere ao Partido Comunista. em que Bertholet (autor de uma obra sobre A partir daí, Bertholet oferece um
1960 Publica Crítica da razão dialética. Visita a vida de Paul Valéry) estabelece um afresco da vida parisiense da era
o Brasil. diálogo cerrado com As palavras – a existencialista, com a corte de Sartre
1964 Publica As palavras. Recusa o Prêmio fascinante autobiografia em que Sartre sendo progressivamente engrossada por
Nobel de Literatura. fala do seu sentimento de desenraizamento uma infinidade de discípulos e (a cada
1965 Adota Arlette El Kaïm. do mundo em função da morte de seu pai, representação de suas peças teatrais...)
quando ele ainda era um recém-nascido atrizes que se transformam em amantes –
1968 Engaja-se no movimento estudantil de
(o que justificaria a famosa frase “Eu não pano de fundo pessoal para suas viagens
maio. Condena a invasão da
tenho super-ego” e explica sua obsessão e oscilações políticas, para suas polêmicas
Tchecoslováquia pelos tanques soviéticos.
com a idéia de gratuidade, de não- amizades (Camus, Merleau-Ponty) e
1970 Apóia o grupo maoísta “Esquerda determinação das coisas e de si mesmo, que para o retrato íntimo de um homem
Proletária” e torna-se diretor do jornal A ele tentou corrigir pela literatura, com a entediado com a política (embora
Causa do Povo, evitando assim represálias a qual o escritor justapõe um universo convencido de sua responsabilidade cívica
seus editores. necessário ao mundo contingente que o e filosófica), generoso, desprendido do
1973 Assume a direção do jornal esquerdista cerca). dinheiro e das glórias literárias (ele
Libération. Fica totalmente cego e deixa de As vicissitudes do pequeno Poulou, sua recusou o Nobel em 1964) e cuja vida foi,
escrever. dupla experiência de reinar absoluto num acima de tudo, conseqüente com sua
1980 Morre em Paris no dia 15 de abril. lar burguês e descobrir a um só tempo sua filosofia e seus livros.

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Reprodução
exercício da pura liberdade, que
procura constantemente escapar do
desarrazoado da contingência por
meio de cristalizações, instâncias do
mundo que criam sua própria neces-
sidade – mas que podem freqüente-
mente afogar a consciência na espes-
sura do acontecimento, reduzindo-a
um objeto (“o importante não é o que
fazem aos homens, mas o que estes
fazem com que quiseram fazer deles”),
ou simplesmente derivar para a má-fé
(que em Sartre nada tem a ver com o
sentido ético-moral do linguajar cor-
riqueiro, referindo-se antes à atri-
buição, aos fatos, de uma causalidade
que nos desvia de nossa responsabi-
lidade sobre eles), dando início a uma
nova cadeia de cristalizações que reali-
zem e constituam, no plano dos seres, O escritor Louis-Ferdinand Céline
o desígnios desse espírito que se lança
no turbilhão que ele mesmo cria.
sentes em Dos Passos, Joyce e Céline, circunferência em nenhuma – é por
A volubilidade amorosa de Sartre
é, assim, o contraponto de seus múl- mas – o que é ainda surpreenden- tudo isso que ele é capaz de reinventar,
tiplos engajamentos políticos, aparen- temente! – atribui as ousadias formais na esteira dos americanos, e depois de
temente contraditórios – seu antico- de livros como A náusea e Os caminhos Proust e Céline, o romance polifônico
munismo inicial, depois sua adesão ao da liberdade à essência de sua filosofia à francesa.”
PC e finalmente sua condenação do (e não à emulação desses vanguar- Conferindo valor literário, demiúr-
regime soviético e a simultânea defesa distas): gico, à filosofia sartreana, Lévy põe um
do marxismo, que encontra no “Só existem ali mônadas que valor positivo nessa ficção filosófica
maoísmo uma última possibilidade, interferem umas sobre as outras, sem (usualmente tida como didática, mera
uma última cristalização. Na política que qualquer uma delas possa pre- ilustradora de meditações metafísicas).
como no amor haverá, porém, um tender ter um privilégio ontológico”, Com isso, finalmente, a própria
centro fixo, haverá Castor e essa escreve Lévy sobre a ausência de ponto concepção do literário em Sartre ga-
intuição fenomenológico-existencial de vista dominante em Os caminhos da nha outras cores – e Lévy restitui a
aos quais sempre retornam suas repre- liberdade. “E é esse ponto de sua seu devido e merecido lugar um livro
sentações, seus textos, ensaios filosó- doutrina filosófica que é fonte de tão erroneamente lido quanto Que é a
ficos, romances ou meras correspon- originalidade técnica e literária; é essa literatura? (usualmente tido como um
dências – afastando assim de Sartre a aposta metafísica que torna possível panfleto conclamando os escritores ao
sombra do humanista entronizado não somente a passagem de um engajamento partidário):
num sistema filosófico e contrapondo narrador a outro, mas também a “O conceito de engajamento não é
a esse clichê a imagem de um Rousseau ausência de hierarquia na sucessão de um conceito político que insiste sobre
do século XX, furioso, engagé e enragé, narrativas; é porque Sartre é filósofo os deveres sociais do escritor; é um um
utopista da transparência que não se que Com a morte na alma pode abrir conceito filosófico que assinala os
detém diante dos maiores obstáculos, páginas em que vemos se entrelaçarem poderes metafísicos da linguagem.
mas se lança neles sem medo de sujar seis perspectivas sobre a mesma situação Falar de engajamento não significa
as mãos na história e assumindo a (...); é porque ele é esse filósofo, ‘requisitar’ os homens da pena, mas
responsabilidade por seus atos e porque ele produz, filosoficamente, significa lembrá-los daquilo que sabem
sobretudo por seus erros. esse conceito de um mundo estilhaçado ou deveriam saber: que cada ato de
No livro de Lévy, a obra de Sartre numa infinidade de consciências que nominação ‘se integra no espírito
ganha estatuto literário, criando seu são, cada uma delas, um universo objetivo’; que, fazendo isso, ele con-
próprio mundo e as representações absoluto; porque ele é, numa palavra, fere à palavra e à coisa uma ‘nova di-
que o habitam. A tal ponto que, ao esse leibniziano sem Deus ou esse mensão’; que cada palavra pronun-
comentar a literatura sartreana, Lévy pascaliano sem fé imaginando o ciada contribui para ‘desvelar’ o mun-
estabelece um paralelo surpreendente universo como uma totalidade quebrada do e que desvelar é e será sempre
entre procedimentos estilísticos pre- cujo centro está em toda parte e a ‘mudar’ esse mundo.”

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METAFÍSICA E
HISTÓRIA
Franklin Leopoldo e Silva
NO ROMANCE DE SARTRE
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OS ROMANCES A NÁUSEA E DE OS
CAMINHOS DA LIBERDADE ENCARNAM
LITERARIAMENTE AS DUAS DIMENSÕES DA
LIBERDADE PRESENTES NA OBRA SARTREANA,
ENCENANDO A PASSAGEM DE UMA LIBERDADE
ABSOLUTA, QUE CONSTITUI METAFISICAMENTE
O SUJEITO, PARA SUA REALIZAÇÃO NA
EXISTÊNCIA, QUE É SEMPRE HISTÓRICA

Com alguma frequência encontra- da família. Se simplificássemos drasti- cendente nas imbricações concretas
mos, entre os estudiosos de Sartre, camente a relação entre esses dois que fazem do homem uma questão
uma interpretação orientada pela momentos, poderíamos dizer que a para si mesmo.
divisão de seu pensamento em duas diferença está sobretudo na passagem Dada a evidente impossibilidade
fases: na primeira, sob a influência de da Metafísica para a História. O pró- de acompanhar exaustivamente as
Husserl e Heidegger, predominariam prio Sartre por vezes corroborou essa articulações dessa continuidade na
os temas existenciais tratados pelo viés visão, ao analisar retrospectivamente obra de Sartre enquanto filósofo, es-
fenomenológico e que teriam encon- as diversas preocupações presentes ao critor e crítico, procurarei apenas fazer
trado sua expressão definitiva em O longo de seu percurso. Contudo, creio algumas breves indicações a respeito,
ser e o nada, um tratado de ontologia ser possível ver aí uma continuidade, tomando como fio condutor a relação
caracterizado por uma atitude de marcada por uma diversidade de de Sartre com a literatura. Como se
decidida inversão na reconstrução e ênfase, o que nos permitiria encontrar, sabe, essa relação define uma linha de
tratamento de questões tradicionais da na chamada “segunda fase”, um reflexão que esteve presente em
filosofia. Numa segunda fase, a aproxi- aprofundamento histórico dos temas Sartre durante toda a sua trajetória,
mação do marxismo teria feito com que metafísicos, de cujo tratamento desde os comentários escritos nos anos
Sartre se voltasse inteiramente para a anterior, aliás, a história não estava 30, que buscam a compreensão de
história, prevalecendo então a busca inteiramente ausente. Se admitirmos Faulkner, Dos Passos, Mauriac, Camus,
das determinações e mediações por via essa diferença de ênfase, o enlace Giraudox, entre outros, até a inter-
das quais os grandes temas da cons- entre os dois momentos seria dado pretação inacabada de Flaubert, pas-
ciência e da liberdade, antes visados precisamente pela concepção sartriana sando pelo ensaio Que é a literatura?,
na esfera do absoluto, fossem tratados de Metafísica: esta não seria um cujas idéias centrais são retomadas nas
como a constituição de processos pelos conjunto de preocupações marcado conferências de 1965 sobre a função
quais a singularidade humana se pela distância que se abre entre a do intelectual. Ao mesmo tempo,
contrapõe dialeticamente à totalidade existência humana e a Substância ou deve-se considerar a atividade do
histórica. o ser enquanto ser, mas um mergulho ficcionista, que se inicia com a novela
Essa interpretação se sustenta na profundo na própria existência, não A náusea e a coletânea de contos
notável diferença existente entre O com a finalidade de transcendê-la, mas intitulada O muro e se interrompe com
ser e o nada e os escritos posteriores, de superar a obscuridade e a opaci- a publicação do terceiro volume de Os
indicando uma inflexão reflexiva que dade com que ela a princípio nos apa- caminhos da liberdade (Com a morte na
atingiria seu ponto mais definido na rece, para que possamos então encon- alma), ao qual deveria seguir-se um
Crítica da razão dialética e em O idiota trar o absoluto, o universal e o trans- quarto, que permaneceu inacabado. E

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Reprodução

Albert Camus

ainda haveria que considerar a obra ao seu projeto intelectual, mas tam- Aquilo que não pode acontecer numa
teatral, extensa e complexa. Redu- bém no que concerne a toda a sua vida, existência efetiva acontece, então, com
zindo, portanto, mesmo no interior do um paradoxo insuperável: o essencial o que se faz dessa existência, desde
universo literário, as nossas preten- é a contingência; tudo que é que isso que se faz seja inoculado de
sões, vamos apenas tomar aqui como necessário revela-se como gratuito. necessidade: uma canção, uma nar-
pretexto alguns aspectos, sumaria- Não há um encadeamento objetiva- rativa, um romance, sempre algo que,
mente referidos, da construção das mente verificável que dê razão de brotando de uma existência individual
personagens principais de A náusea e qualquer fato da existência, porque e contingente, esteja fora dela. Algo
de Os caminhos da liberdade. ela mesma é pura factualidade, isto é, que não exista, porque o que existe é
A história contada em A náusea é a a sequência de acasos que não podem, inevitavelmente contingente, sem
da descoberta da contingência por de direito, constituir a vida na uni- razão. Não estaria aí, portanto, a
Antoine Roquentin, um historiador dade e coerência com que a deseja- salvação? Não demonstra isso que a
que vive em disponibilidade, preen- mos. Existir é um fato bruto, não lapi- nossa existência é contingente justa-
chendo a sua vida com o projeto de dado por categorias ou razões, sem mente por lhe faltar a instância desse
biografia de uma personagem secun- fundamento, sem “nada por trás”, narrador que tudo ordenasse?
dária da história francesa do século como conclui Roquentin. Não há o Ater-se a esse prodígio que faz
XVIII, razão pela qual se dirige a uma que se possa fazer a esse respeito, mas nascer do mais contingente o mais
pequena cidade do interior da França, o desespero produz uma saída: talvez necessário pode representar, no
em cuja biblioteca se encontram os se possa fazer algo a partir desse nada; entanto, muito mais a ilusão do que a
arquivos de que necessita. Esse tra- se a vida não é necessária, talvez se salvação. Sartre não nos relata o
balho, de cujo caráter inócuo Ro- possa, com ela, construir algo dotado destino de Roquentin, o que ele fez
quentin tem uma consciência difusa, de necessidade. O seu gosto pela depois de ter julgado entrever a saída.
serve entretanto de única referência música, pelos blues que ouve nos cafés, Mas sabemos o que lhe falta, e
para a sua existência. Essa ambi- o alerta para a necessidade construída podemos avaliar a impossibilidade de
güidade nos mostra algo como o signi- na arte. A música é uma totalidade que ela seja preenchida, mesmo que
ficado da gratuidade: A personagem necessária, ela ocorre sempre da Roquentin viesse a escrever o romance
apega-se ao que há de mais contin- mesma maneira, na mesma sequência que o imortalizaria. A contingência é
gente como se fosse a razão essencial gravada para sempre no disco. Aquele como a face exterior e objetiva da
da sua vida. Ao mesmo tempo, é que a fez, a cantora que a interpreta, liberdade. Descobrir que se existe
impossível que o trato cotidiano com certamente são seres contingentes, são contingentemente é descobrir que se
o contingente não o faça revelar-se vidas gratuitas; mas a canção, isto é, a vive em liberdade. E uma coisa é tão
como tal. O fastio que a gratuidade obra, escapa de tudo isso. E essas vidas, inelutável quanto a outra. Minha vida
do trabalho provoca em Roquentin faz se estão de alguma forma vinculadas a não é um romance de aventuras bem
com que ele o abandone; mas com isso essa permanência, também escapam encadeado e cuidadosamente narrado
se vê também abandonado pela única indiretamente ao nada, deixam de porque o que me constitui é a minha
possibilidade de sentido da sua vida. estar condenadas ao confinamento no liberdade e não a ordem narrativa da
Percebe então, não apenas em relação passado, apavorante para Roquentin. minha existência. Percebe-se então

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Reprodução

William Faulkner

que o que o herói de A náusea real- confrontar-se com a história. A guerra existencial e metafisicamente o
mente deseja é construir fora de si o o colhe no torvelinho do absurdo e, sujeito. É aquela na qual “o homem
sentido que não pode achar em si: um pela primeira vez, ele se encontra está condenado a ser livre” porque a
sentido determinado. E então poderá numa situação de compromisso, mes- sua consciência se identifica com a
agarrar-se a ele e beneficiar-se dele, mo que não a tenha buscado ou liberdade, e esse é o único absoluto
como alguém que se serve de um apoio escolhido. Eis a oportunidade. Ele está real. Outra, em que essa dimensão
para não cair no vazio. O horror da inevitavelmente posto diante da absoluta tem que se concretizar para
contingência é também a angústia instância objetiva na qual poderá pro- realizar-se de fato na existência que é
diante da liberdade. O limiar entre var a sua subjetividade, experimen- sempre histórica. É o plano em que a
essas duas coisas, que no entanto são tando-a no limite, vivendo a comunhão liberdade significa libertação, o esforço
idênticas, tornou-se o limite que conflituosa entre as consciências, na que cada um faz para tornar-se livre. A
Antoine Roquentin não transpôs. vertigem do acontecimento. Mas para relação entre as duas dimensões é
Já Mathieu, o herói de Os caminhos isso haveria que assumir-se como evidente. Só pode aspirar à liberdade
da liberdade, vive, à sua maneira, a sujeito histórico, não basta ter sido aquele que já a traz dentro de si, ainda
liberdade. Essa maneira pode ser surpreendido pela história. Teria que que vivendo-a como impossibilidade.
definida como a preservação da liber- interiorizar moralmente as circuns- O escravo luta pela liberdade porque,
dade. Para ele, a liberdade se opõe ao tâncias e exteriorizá-las em ação, nele, o homem é livre. Ao mesmo
compromisso. Não é inteiramente o deixar-se contaminar pela dinâmica tempo, essa liberdade permaneceria
amante; nem o amigo; não assume inerente à dor dos processos humanos, abstrata se fosse apenas atributo desse
objetivamente qualquer posição de que a guerra é tão eloquente homem universal e indeterminado.
política; recusa a moralidade burguesa testemunha. Não o faz, não pode fazê- Assim, muito embora o ser da
do irmão, mas não a afronta; não lo por não se sentir responsável pela consciência se defina como liberdade,
reprime seus desejos mas também não guerra, pela dor, nem merecedor da isto é, a pluralidade indefinida das
os realiza; sua liberdade, da qual ele eventual purgação que tudo isso possibilidades de existir, a liberdade
tem consciência, o coloca no entanto poderia proporcionar. Mesmo quando somente se realiza quando o sujeito
numa disponibilidade muito próxima suas ações se mostram corajosas e assume, no redemoinho das vicissitu-
à de Roquentin. A diferença é que não heróicas, são ainda as reações pessoais des históricas, a tarefa de tornar-se
quer saltar sobre a liberdade para que predominam: a frustração, a raiva, aquilo que já é. Esse paradoxo –
salvar-se; prefere esperar indefinida- a vingança vividas na particularidade tornar-se aquilo que já é – deriva da
mente que ela se realize, mas recusa de uma consciência que ao cabo se dá contradição fundamental entre a
assumir concretamente qualquer conta de que não quis e não soube espontaneidade da consciência e as
opção. Por isso se pergunta, nos correr verdadeiramente os riscos. Não determinações históricas, contradição
momentos de aprofundamento da aproveita o Sursis que a história lhe aprofundada na vigência da sociedade
lucidez, para que serve essa liberdade. oferece. capitalista, na qual a liberdade está
Outra diferença, e esta mais signifi- Diante disso já podemos ensaiar submersa na opressão, da destituição
cativa, entre as duas personagens, é algumas conclusões. Há duas dimen- da liberdade histórica do outro. É essa
que Mathieu se vê obrigado a sões da liberdade: uma que constitui irracionalidade fundamental que

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Reprodução

Sartre e Simone de Beauvoir


desembarcam no Brasil em 1960

impõe a conquista da liberdade por paradoxo da vida histórica. De um pela singularidade subjetiva que as
meio do conflito, já que a ausência do lado, a consciência identificada à incorporou e viveu. O movimento
conflito seria a anulação da possibi- liberdade; de outro a liberdade dialético que assim se constitui destrói
lidade da liberdade. definida pela sua realização histórica. os mitos da exterioridade objetiva
Podemos avaliar agora aquilo que Essas duas dimensões da existência neutra e da interioridade subjetiva
Roquentin e Mathieu não conseguem não se opõem para um pensamento irredutível ao seu contexto de reali-
perceber. A contingência não é supe- que recusa a lógica da identidade abso- dade.
rável porque o estar-no-mundo é, fun- luta, a unidade plenamente positiva Ora, se a ciência não pode dar
damental e originariamente, factuali- e a ausência total de fissuras no tecido conta desse movimento, a literatura o
dade contingente. Nada do que o da realidade humana. Mas, por isso faz, quando nos mostra que o sentido
homem faça permitirá que escape mesmo, as ciências que se servem do de uma vida depende da forma como
dessa questão sempre aberta: ele é o aparato analítico para constituir um a totalidade está presente na particu-
ser para quem o seu próprio ser estará saber acerca do homem inevitavel- laridade, como o indivíduo refigura as
constantemente em questão. A liber- mente deixam escapar as articulações determinações que o produzem, num
dade implica que o homem será sem- contidas nesse paradoxo constitutivo. trabalho da consciência que nunca
pre incompleto e que sua existência Pois se de um lado vigora a exigência termina, porque se trata de um tipo
nunca se fechará num conjunto de de universalidade, totalidade e de saber que consiste na elaboração
possibilidades realizadas. Por outro necessidade, características de todo permanente da questão. Só a literatura
lado, a liberdade não é um estado de saber, de outro lado nos é dada a sin- – e mais especificamente o romance –
espírito, sereno ou inquieto. O estóico gularidade como valor absoluto pode representar o homem, na sua
Epiteto não é livre, apesar de assim o encarnado na individualidade livre. individualidade histórica, como o
pensar na serenidade isolada do seu Não se trata de escolher entre um saber singular universal, colocando em ten-
espírito. Tampouco Mathieu, que e um não-saber, ou entre a racionali- são criadora a particularidade dos fatos
experimenta as inquietações de sua dade formal e a irracionalidade vivida. da vida e as estruturas universais que
relação com o tumulto histórico. Pois Trata-se de compreender como, num eles ao mesmo tempo limitam e mani-
nenhum homem existe antes e à parte movimento de interiorização das festam. Isso significa que o trabalho
de sua existência histórica. E no determinações que representam o do escritor tem como resultado a
entanto o homem é livre. Ele como que universal, o sujeito as acolhe e se faz produção de um universal. A especi-
desfruta de uma liberdade que ainda mediador de um outro movimento, ficidade da literatura está no modo de
está por se realizar, que ele deve que é a exteriorização dessas mesmas produção desse universal. Do ponto
realizar. Trata-se, diz Sartre, de um determinações, agora transfiguradas de vista objetivo e conceitual, o escri-

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BIBLIOGRAFIA

Obras de Sartre publicadas no Brasil (datas


das edições originais na França):
1936 A imaginação (ensaio), editora Bertrand
Brasil
1938 A náusea (romance), editora Nova
Fronteira
1939 O muro (contos), editora Nova Fronteira
1940 O imaginário (ensaio), editora Ática
1943 O ser e o nada (ensaio filosófico), editora
Vozes
1945 A idade da razão (primeira parte do
romance inacabado Os caminhos da
liberdade), editora Nova Fronteira; Sursis
(segunda parte do romance inacabado Os
caminhos da liberdade), editora Nova
Fronteira
1949 Com a morte na alma (terceira parte
do romance inacabado Os caminhos da
liberdade), editora Nova Fronteira
tor nada tem a dizer. Sartre alerta para dessa reunião de liberdades nascerá o 1952 Saint Genet, ator e mártir, editora Nova
o perigo de se transformar a literatura sentido da obra. Os sentidos podem Fronteira
numa sociologia ou numa psicologia ser múltiplos, mas a referência única 1963 Que é a literatura? (ensaio), editora Ática
amadorísticas. A representação lite- será a liberdade. Daí a necessidade de
1964 As palavras (autobiografia), editora
rária, a partir da qual se pode conside- que essa transitividade da palavra
Nova Fronteira
rar o romance como um “espelho permita que o leitor encontre a uni-
crítico” do indivíduo e da sociedade, versalidade do humano numa cum- 1965 Em defesa dos intelectuais
passa pela concepção da transitividade plicidade histórica com o escritor. E (conferência), editora Ática
essencial da palavra no âmbito da este convida à cumplicidade, falando
narrativa. Esse aspecto é acentuado por aos homens do seu tempo sobre Principais obras de Sartre na França
Sartre em “Que é a Literatura”. A questões do seu tempo, convocando- (não mencionamos os títulos já
posição do objeto imaginário – a os para o exercício da liberdade de publicados no Brasil)
criação literária – é possível graças à leitura, contraparte da liberdade da 1943 Les mouches (teatro), editora Gallimard
liberdade que o artista tem de negar escrita. Sartre esperava que ambas 1945 Huis clos (teatro), editora Gallimard
o mundo existente. A recíproca dessa constituíssem os prolegômenos da 1946 L’existencialisme est un humanisme
negação é a construção de um outro liberdade de ação. (ensaio), editora Nagel; Morts sans sépulture
mundo que, como espelho crítico, A literatura tem, pois, a função de e La putain respectuese (teatro), editora
reflete o mundo real mas de modo a despertar a consciência dos vínculos Gallimard
que o leitor seja remetido não às entre o indivíduo e a comunidade
1947 Baudelaire (ensaio), editora Gallimard
determinações que comumente o humana, mas jamais a cumprirá através
alienam, mas à liberdade necessária da subordinação a um partido ou a uma 1948 Les mains sales (teatro), editora
para julgar a si mesmo e ao mundo, doutrina. Sua tarefa é dramatizar a Gallimard
recompondo-os num esforço estético condição metafísica da existência, 1951 Le diable et le bon dieu (teatro), editora
de compreensão. Para que isso mostrando como o homem constrói o Gallimard
aconteça, a palavra, no caso do Homem nos embates incertos e cruéis 1960 Critique de la raison dialectique (ensaio
romance, deve ser, nos diz Sartre, que fazem nascer a singularidade indi- filosófico), editora Gallimard
“sacrificada”: ela deve morrer em vidual diante da história. É o que Sartre
1971 L’idiot de la famille – tomos I e II (ensaio
benefício da vida do significado, pois nos mostra, na representação da liber-
sobre Flaubert), editora Gallimard
somente este cumprirá a função de dade falhada de seus anti-heróis.
conduzir o leitor à liberdade pela qual 1973 L’idiot de la famille – tomo III (ensaio
Franklin Leopoldo e Silva
ele irá compactuar com o escritor, e sobre Flaubert), editora Gallimard
professor do Departamento de Filosofia na USP

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