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Genetica de Populacoes Humanas
Genetica de Populacoes Humanas
Editora SBG
Sociedade Brasileira de Genética
Ribeirão Preto, SP
Ilustração da capa:
William Smellie, A Sett of Anatomical Tables, 1754.
“Courtesy of Historical Collections & Services, Claude
Moore Health Sciences Library, University of Virginia.”
Capa
cubo multimidia
Beiguelman , Bernardo
235p.
BERNARDO BEIGUELMAN
Para Sylvinha, nossos filhos Giselle, Evane, Lílian e Luciano Heitor (in memoriam)
e nossos netos Mayara, Noam Rafael, Amir, Luciana e Nicolle Beatriz.
GENÉTICA DE POPULAÇÕES HUMANAS
Índice
INTRODUÇÃO..........................................................................................................................................................8
8
CAPÍTULO 1. A LEI DE HARDY E WEINBERG
Oito anos depois da redescoberta das leis de Mendel (1908), Wilhelm Weinberg
e Godfrey Harold Hardy chegaram independentemente, e quase que simultaneamente,
às mesmas conclusões a respeito daquilo que é considerado o fundamento da Genética
de Populações, isto é, o ramo da Genética que visa à investigação da dinâmica dos
genes nas populações naturais, buscando a elucidação dos mecanismos que alteram a
sua composição gênica (efeito de fatores evolutivos, isto é, mutações, seleção natural,
deriva genética e fluxo gênico de populações migrantes) ou apenas a freqüência
genotípica pelo aumento da homozigose (efeito dos casamentos consangüíneos ou da
subdivisão da população em grandes isolados). As conclusões concordantes a que
chegaram esses dois autores passaram a ser conhecidas como a lei do equilíbrio de
Hardy e Weinberg ou, mais simplesmente, lei de Hardy e Weinberg .
Hardy foi um importante matemático inglês (1877-1947), mas sua contribuição à
Genética restringiu-se ao assunto deste capítulo. Em oposição, Weinberg (1862-1937),
além de ter sido um dos criadores da Genética de Populações, deu contribuições
notáveis e pioneiras ao estudo de gêmeos, à correção de distorções causadas pelo tipo de
averiguação, e à solução de numerosos problemas de estatística médica. O espantoso é
que Weinberg conseguiu harmonizar seu duro trabalho de clínico geral e obstetra (mais
de 3.500 partos), que exerceu durante 42 anos em Stuttgart, Alemanha, com suas
atividades de criação científica original, reunidas em mais de 160 publicações.
1
9
3. A população está em panmixia, isto é, todos casam e os casamentos ocorrem
aleatoriamente, não existindo, por conseguinte, casamentos preferenciais entre
indivíduos por causa de seu genótipo, fenótipo, estratificação social ou
consangüinidade. Aliás, por serem os casamentos realizados aleatoriamente,
os casamentos consangüíneos podem existir, desde que ocorram
aleatoriamente.
4. Todos os casais da população são igualmente férteis e geram o mesmo número
de filhos.
5. Não há sobreposição de gerações na população, isto é, elas não se imbricam ao
longo do tempo, porque todos os indivíduos devem ter a mesma idade ao
casar.
6. Os genes da população não sofrem mutação.
7. A população não está sob pressão de seleção natural, porque todos os
indivíduos são igualmente viáveis, não existindo fatores que aumentem ou
diminuam a sobrevivência de indivíduos com determinado genótipo.
8. A população não recebe nem emite um fluxo gênico capaz de alterar a sua
composição gênica original, porque ela não sofre miscigenação com uma
população imigrante que apresenta freqüências gênicas diferentes da dela, nem
há emigração diferencial, isto é, a saída de grupos de indivíduos com
freqüência gênica distinta do resto da população.
Consideremos, agora, que, nessa população teórica, os genótipos AA, Aa e aa,
decorrentes de um par de alelos autossômicos A,a, se distribuem com a mesma
freqüência nos indivíduos de ambos os sexos. As freqüências dos alelos A e a podem ser
calculadas facilmente se tomarmos como ponto de partida os gametas que produziram
os indivíduos da geração atual dessa população. Assim, o número de gametas com o
alelo A deve ser igual ao dobro do número de indivíduos homozigotos AA dessa geração
somado ao número de indivíduos heterozigotos Aa, pois cada indivíduo AA foi
originado por dois gametas com o alelo A e cada indivíduo Aa foi formado por um
gameta com o gene A e outro com o seu alelo a. Por raciocínio análogo conclui-se que o
número de gametas com o alelo a que produziram os indivíduos da geração em estudo é
igual ao dobro do número de indivíduos aa somado ao número de indivíduos
heterozigotos Aa.
Em vista do exposto, se chamarmos as freqüências dos alelos A e a na população
respectivamente de p e q =1 - p, e simbolizarmos as freqüências dos indivíduos com
2
10
genótipos AA, Aa e aa por AA, Aa e aa, poderemos escrever que as freqüências p e q
dos alelos A e a na geração em estudo são:
2AA + Aa
p=
(2AA + Aa) + (2aa + Aa)
2aa + Aa
q=
(2AA + Aa) + (2aa + Aa)
Visto que o denominador dessas fórmulas, que representa a freqüência total dos
alelos, isto é, A + a, pode ser escrito como 2(AA+Aa+aa), e considerando que
AA+Aa+aa = 1 ou 100%, pode-se escrever, também, que:
2AA + Aa 1
p= = AA + Aa
2 2
2aa + Aa 1
q= = aa + Aa ou q = 1 - p
2 2
Assim, por exemplo, se na geração inicial dessa população teórica os genótipos
em discussão tivessem freqüências AA = 0,30, Aa = 0,50 e aa = 0,20, as freqüências p
do gene A e q de seu alelo a, nessa geração, seriam iguais, respectivamente, a 55% e
45%, pois:
p = 0,30 + 0,25 = 0,55
q = 0,20 +0,25 = 0,45 ou q = 1 – 0,55 = 0,45
3
11
que, nessa geração inicial, A = p = 0,60 e a = q = 0,40. Considerando, ainda, que, por
hipótese, a população teórica em apreço está em panmixia, as freqüências dos diferentes
tipos de casais segundo os genótipos AA, Aa e aa serão aquelas calculadas na segunda
coluna da Tabela 1.1-A. Por outro lado, levando em conta que todos os casais dessa
população são, por hipótese, igualmente férteis, as proporções genotípicas esperadas
entre os filhos dos diferentes tipos de casais são aquelas expressas nas três últimas
colunas da Tabela 1.1-A, as quais mostram um total de 36% de indivíduos AA, 48%
de indivíduos Aa e 16% de indivíduos aa. Esses totais permitem concluir pela validade
de uma parte da lei de Hardy e Weinberg, isto é, daquela que diz que as freqüências
gênicas se mantêm constantes ao longo das gerações de uma população teórica como a
que estamos considerando.
Tabela 1.1. Demonstração da equação do equilíbrio de Hardy e Weinberg partindo de
uma população teórica panmíctica na qual, na geração inicial, os genótipos AA, Aa e aa
ocorrem com freqüências iguais, respectivamente, a 30%, 60% e 10%.
Lembrete: Para o cálculo da freqüência de casais com genótipos diferentes (AA × Aa, AA × aa e
Aa × aa), multiplicamos por dois o produto das freqüências desses genótipos porque temos que levar em
conta o sexo dos cônjuges. Assim, por exemplo, no caso dos casais AA × Aa temos que levar em conta a
probabilidade de o casal ser composto por marido AA e mulher Aa, bem como a probabilidade de o casal
incluir marido Aa e mulher AA.
4
12
alteradas. Assim, as freqüências dos genótipos AA, Aa e aa que eram, respectivamente,
iguais a 30%, 60% e 10% passaram a ser iguais a 36%, 48% e 16%. Entretanto, as
freqüências gênicas continuaram com os valores iniciais de 60% e 40%, pois:
1
p = AA + Aa = 0,36 + 0,24 = 0,60
2
1
q = aa + Aa = 0,16 + 0,24 = 0,40
2
5
13
Aa = 2pq = 2 × 0,60 × 0,40 = 0,48
aa = q2 = 0,40 × 0,40 = 0,16
Do mesmo modo imediato é possível verificar na Tabela 1.1.B que a distribuição
AA : Aa : aa :: p2 : 2pq : q2 se mantém inalterada na segunda geração filial, pois nessa
geração AA = 0,26, Aa = 0,48 e aa = 0,16.
Tabela 2.1. Distribuição das famílias de uma população teórica que está em equilíbrio
de Hardy e Weinberg em relação aos genótipos determinados por um par de alelos
autossômicos A,a com freqüencias iguais respectivamente a p e q = 1 - p.
Casais Filhos
Tipo Freqüência AA Aa aa
2 2
AA × AA p .p = p4 p4 - -
2 3
AA × Aa 2(p .2pq) = 4p q 2p3q 2p3q -
2 2
AA × aa 2(p .q ) = 2p2q2 - 2p2q2 -
2 2 2 2
Aa × Aa 2pq.2pq = 4p q pq 2p2q2 2 2
pq
2 3
Aa × aa 2(2pq.q ) = 4pq - 2pq3 2pq3
2 2
aa × aa q .q = q4 - - q4
Total (p+q)4 = 1 p2 2pq q2
A Tabela 2.1, por sua vez, generaliza a distribuição das famílias em uma
população teórica que está em equilíbrio de Hardy e Weinberg em relação aos genótipos
determinados por um par de alelos autossômicos A,a cujas freqüências são iguais,
respectivamente, a p e q = 1 - p. Nessa tabela é fácil constatar que a soma das
freqüências dos diferentes tipos de casais da população é igual a 1 ou 100%, pois
sabemos que p+q = 1 e que essa soma pode ser escrita como (p+q)2(p+q)2 = (p+q)4 = 1.
Também não é difícil verificar na Tabela 2.1 que as somas das freqüências dos
indivíduos com genótipos AA, Aa e aa na geração filial resultam, respectivamente, em
p2, 2pq e q2. De fato, lembrando que p2+2pq+q2 = 1, tem-se nas somas das três últimas
colunas da Tabela 2.1:
p4 + 2p3q + p2q2 = p2(p2 + 2pq +q2) = p2
2p3q + 4p2q2 + 2pq3 = 2pq(p2 + 2pq +q2) = 2pq
p2q2 + 2pq3+ q4 = q2(p2 + 2pq +q2) = q2
6
14
Em outras palavras, se houvesse essa obediência, as populações humanas mostrariam
uma fixidez genética, isto é, uma inércia evolutiva, pois não estariam sujeitas a uma
série de fatores que serão estudados em detalhe em capítulos vindouros. Tais fatores são
os fatores evolutivos, ou seja, aqueles capazes de alterar as freqüências gênicas
(mutações, seleção natural, fluxo gênico de populações migrantes e deriva genética) e
os fatores que causam o aumento de homozigose (endocruzamento ou, como nos
referimos na espécie humana, casamentos consangüíneos, e subdivisão da população
em grandes isolados).
Evidentemente, as oito condições estabelecidas para a obtenção do equilíbrio de
Hardy e Weinberg não são satisfeitas completamente por nenhuma população real, seja
ela humana ou não. Aliás, o que torna possível explicar o processo evolutivo dos seres
vivos em termos mendelianos é, justamente, essa desobediência ao modelo teórico
apresentado no tópico anterior. Apesar de nenhuma população humana obedecer às
premissas enumeradas no tópico anterior, a prática tem demonstrado, num aparente
paradoxo, em numerosas populações humanas e em relação a um grande número de
caracteres monogênicos que não suscitam casamentos preferenciais, como é o caso dos
grupos sangüíneos, que os genótipos se distribuem de acordo com a lei de Hardy e
Weinberg. Para exemplificar, tomemos os dados obtidos em amostras de cinco
populações humanas a respeito dos grupos sangüíneos M (genótipo MM), MN (genótipo
MN) e N (genótipo NN) do sistema MNS (Tabela 3.1).
Tabela 3.1. Comparação entre as proporções genotípicas do sistema sangüíneo MNS
observadas com o emprego de dois anti-soros (anti-M e anti-N) em várias amostras de
populações e as esperadas em equilíbrio de Hardy e Weinberg. Os valores percentuais
foram registrados entre parênteses.
* 1- Wiener e Wexler, 1958; 2- Saldanha et al., 1960; 3-Race e Sanger, 1962; 4- Neel et
al., 1964; 5- Beiguelman, dados não publicados.
7
15
As freqüências dos alelos M e N das cinco amostras reunidas na Tabela 3.1
podem ser estimadas a partir dos percentuais assinalados nessa tabela ou por contagem
dos indivíduos. Assim, por exemplo, no caso da população norte-americana mencionada
nessa tabela, a freqüência p e q dos alelos M e N pode ser obtida por intermédio de:
p = MM + ½ MN = 0,317 + 0,245 = 0,562
q= NN + ½ MN = 0,193 + 0,245 = 0,438 ou q = 1 – 0,562 = 0,438
ou, por intermédio de:
(2 × 125) + 193
p= = 0,562
2 × 394
(2 × 76) + 193
q= = 0,438
2 × 394
pq
O desvio padrão desses alelos é calculado por intermédio de σ = onde n é
2n
o número de indivíduos, sendo, portanto, 2n o total de alelos.
Os valores de χ2 calculados para cada uma das amostras da Tabela 3.1 tornam
evidente que as diferenças entre números observados e esperados não são significativas,
podendo todas as amostras serem consideradas como extraídas de populações em
equilíbrio de Hardy e Weinberg quanto aos genótipos MM, MN e NN.
Aqui é importante chamar a atenção do leitor para o fato de os qui-quadrados da
Tabela 3.1 terem apenas um grau de liberdade, apesar de existirem três classes
esperadas. É que para o cálculo das classes esperadas são necessárias duas informações,
isto é, o tamanho da amostra e a freqüência de um dos alelos. Sabendo-se que o número
8
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de graus de liberdade do qui-quadrado é igual ao número de classes esperadas menos
o número necessário de informações da amostra para o cálculo das proporções
nessas classes, tem-se, no caso presente, que esse número é igual a um, pois 3 - 2 = 1.
Os exemplos apresentados nas Tabela 3.1, aliados a uma infinidade de outros
mencionados na literatura pertinente, servem para demonstrar de modo inequívoco que,
apesar de a lei de Hardy e Weinberg ser baseada em um modelo teórico, ela descreve
suficientemente bem o que ocorre com grande número de genótipos nas populações
reais, pelo menos em um determinado intervalo de tempo. Evidentemente, quando não
se consegue demonstrar que uma amostra representa uma população em equilíbrio de
Hardy e Weinberg, somos obrigados a investigar a(s) causa(s) desse desvio entre os
fatores evolutivos e entre aqueles que alteram as freqüências genotípicas, como é o caso
dos casamentos consangüíneos.
O aparente paradoxo da aceitação da hipótese de equilíbrio de Hardy e Weinberg
nas populações humanas, apesar de elas estarem sabidamente expostas a fatores que
deveriam afetar esse equilíbrio, encontra explicação na acomodação relativamente
rápida dessas populações em um novo equilíbrio genético, toda a vez que elas são
expostas à atuação de fatores evolutivos. Por outro lado, considerando que as taxas de
mutação são bastante baixas, é de se prever que, durante um intervalo relativamente
longo, a maioria das características monogênicas que não servem para estimular
casamentos preferenciais deve mostrar equilíbrio de Hardy e Weinberg em grandes
populações, que vivem em um ambiente relativamente estável, não sujeitas a migrações
intensas, nem apresentando alta taxa de casamentos consangüíneos.
9
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conseguinte, a freqüência com que ocorrem nessa população os indivíduos com fenótipo
dominante que são heterozigotos. Vejamos como isso pode ser feito.
Consideremos um par de alelos autossômicos A,a e que, em uma amostra
aleatória de n indivíduos, x apresentam o fenótipo recessivo determinado pelo genótipo
aa, enquanto y apresentam o fenótipo dominante determinado pelos genótipos AA ou
Aa, o qual pode ser, por isso, representado por A_. Se aceitarmos que a população da
qual foi extraída a amostra está em equilíbrio de Hardy e Weinberg em relação aos
genótipos AA, Aa e aa, ou seja, se admitirmos que AA = p2, Aa = 2pq e aa = q2 teremos
x
que = aa = q2.
n
Nesse caso, a raiz quadrada dessa proporção estimará a freqüência q do alelo a,
x
podendo-se escrever, portanto, ser q = e calcular o desvio padrão de q por
n
1- q2
intermédio de σ = , de acordo com Neel e Schull (1954) e Li (1972). Visto que
4n
p+q = 1, a freqüência p do alelo A será estimada a partir de p = 1-q e as freqüências dos
heterozigotos Aa e dos homozigotos AA serão facilmente obtidas, já que Aa = 2pq e
AA = p2.
Para demonstrar a aplicação dessas fórmulas tomemos um exemplo numérico a
respeito dos grupos sangüíneos D-positivo e D-negativo do sistema Rh, também
conhecidos como Rh-positivo e Rh-negativo. A presença do antígeno D é condicionada
por um gene D do loco RHD situado no braço superior do cromossomo número 1, mais
precisamente em 1p36.2-p34.3 (Cherif-Zahar et al., 1999). Em conseqüência de
deficiências (deletions, em inglês) ou de outras alterações no gene D (Colin et al.,
1991), tem-se como resultado a ausência de atividade desse gene, a qual pode ser
simbolizada pelo alelo d. Os indivíduos com genótipo DD ou Dd possuem fenótipo
dominante D-positivo ou Rh-positivo, enquanto que aqueles com genótipo dd possuem
o fenótipo recessivo D-negativo ou Rh-negativo.
Uma amostra da população do Estado de São Paulo, constituída de 2.039
indivíduos cujas hemácias foram testadas com um anti-soro anti-D (anti-Rho) revelou
que, dentre os indivíduos examinados, 1.848 eram D-positivo e 191 D-negativo
191
(Beiguelman, 1963). Em vista disso, podemos dizer que, nessa amostra, = 0,0937
2..039
10
18
1.848
ou 9,37% eram homozigotos dd e que = 0,9063 ou 90,63% tinham genótipo
2..039
D_, isto é, os homozigotos DD e heterozigotos Dd constituíam 90,63% da amostra.
Com base nesses dados, para estimar a freqüência de heterozigotos Dd na
população da qual procede a amostra em questão, estimamos, inicialmente, a freqüência
q do alelo d como abaixo:
dd = q2 = 0,0937
d = q = 0,0937 = 0,306
1 − 0,0937
σ= = 0,011
4 × 2.039
e, a partir daí, resolvemos:
D = p = 1- 0,306 = 0,694
Dd = 2pq = 2 × 0,694 × 0,306 = 0,4274 ou 42,47%.
Lembrando que p pode ser substituído por 1- q, pode-se escrever, também, que:
2q
P( Dd| D_ ) =
1+ q
Usando os dados numéricos de nosso exemplo, tem-se que, na população
estudada, a freqüência de heterozigotos dentre aqueles que são D-positivo pode ser
2 × 0,306
estimada em 46,86%, pois = 0,4686.
1 + 0,306
Em vista do exposto, se quisermos estimar qual a probabilidade de um casal
constituído por cônjuges D-positivo gerar uma criança D-negativo, teremos que
considerar a probabilidade de tais cônjuges serem heterozigotos Dd, dado que eles são
D-positivo (D_). Considerando que os casais heterozigotos Dd × Dd têm probabilidade
igual a ¼ de gerar uma criança D-negativo (dd), tem-se que a probabilidade de um casal
constituído por cônjuges D-positivo gerar uma criança D-negativo é calculada a partir
da expressão:
11
19
2
1 2q 2q 1 q2 q
P(Dd|D_).P(Dd|D_). = . . = =
4 1+ q 1+ q 4 (1 + q) 2 1+ q
12
20
fenilcetonúria é recessiva autossômica, podemos simbolizar o genótipo por aa e
escrever:
1
aa = q2 =
20.000
1 1
q= ≅ ≅ 0,0071
20.000 141
140
o que permite estimar a freqüência p do alelo “normal” como sendo p = 1 – q = e
141
obter um desvio padrão muito pequeno (σ = 0,0016).
140
Levando em conta que é semelhante à unidade, a freqüência de
141
heterozigotos Aa poderá ser estimada pelo dobro da estimativa da freqüência do alelo a,
1
isto é, Aa = 2q ≅ . Em outras palavras, por causa da freqüência muito alta do alelo A,
70
140 1
não é necessário calcular 2pq = 2 ⋅ ⋅ para estimar a freqüência de heterozigotos,
141 141
1
já que, calculando Aa = 2q = 2 ⋅ o resultado que se obtém é, praticamente, o mesmo,
141
1
isto é, semelhante a .
70
O valor obtido por intermédio de 2q também serve para estimar a probabilidade
de um indivíduo normal da população ser heterozigoto de um gene raro que, em
homozigose, determina uma anomalia. Em outras palavras, para estimar essa
2q
probabilidade não é necessário calcular a probabilidade condicional P(Aa|A_) = ,
1+ q
porque, por intermédio dessa fórmula, chegar-se-á a uma estimativa semelhante àquela
que é dada por 2q. De fato, empregando os dados de nosso exemplo sobre fenilcetonúria
clássica, tem-se que, se a probabilidade de um indivíduo normal da população for
2q 1
calculada a partir de P(Aa|A_) = , obter-se-á um número muito semelhante a :
1+ q 70
2
141 = 2 = 1
1 142 71
1+
141
13
21
diminui a freqüência do alelo determinador do fenótipo recessivo, maior se torna a razão
Aa
entre a freqüência de heterozigotos e homozigotos recessivos, isto é, a razão .
aa
14
22
p 0 0 , 5 1 , 0
q 1 , 0 0 , 5 0
1 , 0 1 , 0
a a A A
A a
0 , 5 0 , 5
0 0
p 0 0 , 5 1 , 0
q 1 , 0 0 , 5 0
15
23
Tabela 4.1. Comparação das cinco amostras da Tabela 3.1 quanto às proporções dos alelos
M e N.
AMOSTRA M N TOTAL
N.- americanos 443 345 788
Holandeses 192 192 384
Ingleses 1.360 1.198 2.558
Xavantes 112 46 158
Brasileiros 110 90 200
Total 2.217 1.871 4.088
χ2(4) = 22,896; P <0,001
Visto que todas as amostras da Tabela 3.1 estão em equilíbrio de Hardy e
Weinberg, chegaríamos a um resultado semelhante ao da análise feita na Tabela 4 se
tivéssemos comparado a distribuição genotípica dessas amostras. Assim, também
concluiríamos que as cinco amostras não podem ser reunidas em uma única
(χ2(8) = 25,897; P<0,01), mas que retirando os xavantes da comparação, as outras quatro
amostras não mostrariam diferença significativa entre elas (χ2(6) = 5,710; 0,30<P<0,50).
Nos casos em que queremos comparar várias amostras quanto a fenótipos
resultantes de um par de alelos que mostram relação de dominância e recessividade não
temos alternativas, pois o único modo de compará-las é em relação à distribuição
fenotípica. Assim, por exemplo, se quiséssemos comparar amostras de caucasóides,
afro-descendentes e descendentes de japoneses quanto à freqüência de indivíduos Rh-
positivo (D_) e Rh-negativo (dd) apresentadas na Tabela 5.1, teríamos que comparar as
proporções ali apresentadas e concluir, em vista do alto valor do qui-quadrado com dois
graus de liberdade, que elas diferem significativamente.
16
24
QUESTÕES E RESPOSTAS
Q 1. O sangue de 200 indivíduos coletados aleatoriamente em uma população foi
estudado eletroforeticamente no intuito de determinar os tipos de haptoglobina, tendo-se
observado as seguintes freqüências genotípicas:
Hp1Hp1 = 32%; Hp1Hp2 = 46%; Hp2Hp2 = 22%
Com base nesses dados estimar as freqüências dos alelos autossômicos Hp1 e
Hp2 na população representada por essa amostra e o desvio padrão.
R 1. Hp1 = p = 0,32 + 0,23 = 0,55
Hp2 = q = 1 – 0,55 = 0,45
σ = 0,025
Q 2. A amostra da questão anterior pode ser considerada como representativa de uma
população em equilíbrio de Hardy e Weinberg?
R 2. Sim, porque χ2 (1) = 0,999; 0,30<P<0,50.
17
25
Visto que esses grupos sangüíneos são caracteres autossômicos e correspondem aos
genótipos MM, MN e NN quer-se saber quais as estimativas das freqüências dos alelos
M e N a partir dessa amostra e o seu desvio padrão.
R 5. M = p = 0,52; N = q = 0,48; σ = 0,035
Q 6. Pode-se considerar que a amostra da questão anterior representa uma população em
equilíbrio de Hardy e Weinberg quanto aos grupos sangüíneos M, MN e N?
R 6. Não, porque χ2(1) = 7,955; P< 0,01.
128 1 − 0,64
R 8. Se q2 = = 0,64, tem-se q = 0,64 = 0,80 e σ = = 0,021.
200 800
Q 9. A freqüência de indivíduos Rh-negativo (dd) em uma população é estimada em
9%. Qual a estimativa da freqüência de mulheres Rh-positivo heterozigotas (Dd) nessa
mesma população?
R 9. 42%, porque sendo d = q = 0,09 = 0,30 e D = p = 1 – 0,30 = 0,70, tem-se que
Dd = 2pq = 2 × 0,70 × 0,30 = 0,42.
Q 10. Em uma população cuja freqüência de indivíduos Rh-negativo (dd) é estimada em
16%, quer-se saber qual a probabilidade de um casal Rh-positivo ter um filho Rh
negativo?
2
1 0 ,40
R 10. 8,16%, porque q = 0,16 = 0,40 e P(Dd|D_).P(Dd|D_). = = 0,0816.
4 1,40
Q 11. Em uma cidade constituída basicamente por caucasóides de origem européia
mediterrânea estima-se que 1% das crianças manifestam anemia de Cooley (talassemia
β homozigótica). Sabendo-se que, nessa população, a taxa de casamentos
18
26
consangüíneos é desprezível, quer-se saber, sem fazer o rastreamento de heterozigotos,
qual a estimativa da freqüência, nessa população :
a) do gene da talassemia β?
b) de heterozigotos desse gene?
c) de casais heterozigotos da talassemia β?
19
27
probabilidade igual a 2/3 de ser heterozigoto do gene da hemoglobina siclêmica. Por
outro lado, tendo em mente que a freqüência q do gene da hemoglobina siclêmica é a
raiz quadrada de q2 = 0,0016, isto é q = 0,04, conclui-se que a freqüência de
heterozigotos desse gene na população geral é igual a 2pq = 2×0,96×0,04 = 0,0768.
Finalmente, lembrando que um casal de heterozigotos corre o risco de ¼ de gerar um
filho homozigoto tem-se:
2/3 × 0,0768 × ¼ = 0,0128 ou cerca de 1: 78
porque levamos em conta a probabilidade de um(a) irmão(ã) de um paciente com
anemia falciforme ser heterozigoto, a probabilidade de o cônjuge clinicamente normal
oriundo da mesma população ser heterozigoto, e a probabilidade de, sendo ambos
heterozigotos, gerarem uma criança homozigota.
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Wiener, A.S. & Wexler, I.B. Heredity of the blood groups. Grune and Stratton, N. York, 1958.
20
28
CAPÍTULO 2. EXTENSÃO DA LEI DE HARDY E
WEINBERG AO POLIALELISMO AUTOSSÔMICO
21
29
aa1 =2qr =2 × 0,10 × 0,60 = 0,12
Tabela 1.2. Distribuição dos genótipos decorrentes de trialelismo após uma única
geração de uma população teórica em panmixia. A geração inicial é constituída por
indivíduos homozigotos AA (30%), aa (10%) e a1a1 (60%).
Casais (geração inicial) Primeira Geração Filial
Tipo Freqüência AA aa a1a1 Aa Aa1 aa1
AA × AA 0,30 × 0,30 = 0,09 0,09 - - - - -
AA × aa 2 × 0,30 × 0,10 = 0,06 - - - 0,06 - -
AA × a1a1 2 × 0,30 × 0,60 = 0,36 - - - - 0,36 -
aa × aa 0,10 × 0,10 = 0,01 - 0,01 - - - -
aa × a1a1 2 × 0,10 × 0,60 = 0,12 - - - - - 0,12
a 1a 1 × a 1a 1 0,60 × 0,60 = 0,36 - - 0,36 - - -
Total 1,00 0,09 0,01 0,36 0,06 0,36 0,12
(p2) (q2) (r2) (2pq) (2pr) (2qr)
Tabela 2.2. Distribuição das famílias em uma população teórica que está em equilíbrio
genético em relação aos genótipos determinados por três alelos autossômicos A, a e a1
cujas freqüências são p, q e r.
Casais Filhos
Tipo Freqüência AA aa a 1a 1 Aa Aa1 aa1
AA × AA p2.p2 = p4 p4 - - - - -
AA × aa 2p2.q2 =2p2q2 - - - 2p2q2 - -
AA × a1a1 2p2.r2 =2p2.r2 - - - - 2p2.r2 -
AA × Aa 2p2.2pq=4p3q 2p3q - - 2p3q - -
AA × Aa1 2p2.2pr=4p3r 2p3r - - - 2p3r -
AA × aa1 2p2.2qr=4p2qr - - - 2p2qr 2p2qr -
aa × aa q2.q2 =q4 - q4 - - - -
aa × a1a1 2 q2.r2 =2q2r2 - - - - - 2q2r2
aa × Aa 2 q2.2pq =4pq3 - 2pq3 - 2pq3 - -
aa × Aa1 2 q2.2pr=4pq2r - - - 2pq2r - 2pq2r
aa × aa1 2 q2.2qr=4q3r - 2q r3
- - - 2q3r
a1a1 × a1a1 r2.r2 = r4 - - r4 - - -
a1a1 × Aa 2 r2. 2pq=4pqr2 - - - - 2pqr2 2pqr2
a1a1 × Aa1 2 r2. 2pr=4pr3 - - 2pr3 - 2pr3 -
a1a1 × aa1 2 r2. 2qr=4qr3 - - 2qr3 - - 2qr3
Aa × Aa 2pq. 2pq=4p2q2 p2q2 2 2
pq - 2p2q2 - -
Aa × Aa1 2.2pq. 2pr=8p2qr 2p2qr - - 2p2qr 2p2qr 2p2qr
Aa × aa1 2.2pq. 2qr=8pq2r - 2pq r2
- 2pq2r 2pq2r 2pq2r
Aa1 × Aa1 2pr. 2pr=4p2r2 p2r2 - pr2 2
- 2p2r2 -
Aa1 × aa1 2.2pr. 2qr=8pqr2 - - 2pqr2 2pqr2 2pqr2 2pqr2
aa1 × aa1 2qr. 2qr=4q2r2 - q2r2 q2r2 - - 2q2r2
Total (p+q+r)4 =1 p2 q 2
r2 2pq 2pr 2qr
22
30
CÁLCULO DA FREQÜÊNCIA GÊNICA EM CASOS DE POLIALELISMO
AUTOSSÔMICO QUANDO EXISTE CODOMINÂNCIA
23
31
Se levássemos em conta o número de indivíduos, as freqüências p, q e r dos
alelos Pa, Pb e Pc seriam calculadas como abaixo.
(2 × 35) + 161 + 8
p = Pa = = 0,249 ou 24,9%
2 × 480
(2 × 256) + 161 + 20
q = Pb = = 0,722 ou 72,2%
2 × 480
8 + 20
r = Pc = = 0,029 ou 2,9%
2 × 480
Levando em conta as freqüências relativas dos fenótipos, que correspondem aos
genótipos, chegaríamos aos mesmos resultados a partir das operações abaixo:
(2 × 0 ,073) + 0 ,335 + 0 ,017
p = Pa = = 0,249 ou 24,9%
2
(2 × 0 ,533) + 0 ,335 + 0 ,042
q = Pb = = 0,722 ou 72,2%
2
0 ,017 + 0 ,042
r = Pc = = 0,029 ou 2,9%
2
Para investigar se a amostra estudada representa uma população em equilíbrio de
Hardy e Weinberg basta calcular o número de indivíduos nas seis classes fenotípicas
esperadas segundo A = np2; B = nq2; C = nr2; AB = n2pq; AC = n2pr; BC = n2qr.
O qui-quadrado resultante tem três graus de liberdade, porque para calcular as seis
classes esperadas são necessárias três informações, ou seja, o total da amostra e a
freqüência de dois dos três alelos, visto que, conhecendo as freqüências de dois deles, a
do terceiro alelo será automaticamente conhecida, pois p+q+r = 1. Em decorrência do
qui-quadrado obtido (2,396) com três graus de liberdade, pode-se concluir que a
amostra analisada representa uma população em equilíbrio de Hardy e Weinberg quanto
aos genótipos da fosfatase ácida eritrocitária.
Valor A B C AB AC BC Total
Observado (o) 35 256 0 161 8 20 480
Esperado (e) 29,8 250,2 0,4 172,6 6,9 20,1 480
(o − e) 2 0,907 0,134 0,4 0,780 0,175 0,0005 χ2(3) = 2,396
0,30<P <0,50
e
24
32
produção do antígeno A, o gene B a produção do antígeno B, enquanto o gene O,
quando em homozigose, é responsável pela falta dos antígenos A e B. Esses alelos,
sabe-se atualmente, pertencem a um loco situado no braço inferior do cromossomo 9,
mais precisamente em 9q31.3-qter (Cook et al., 1978; Narahara et al., 1986). Os alelos
A e B mantêm uma relação de codominância entre si, de modo que os heterozigotos AB
são responsáveis pelo grupo sangüíneo AB. Esses dois alelos apresentam relação de
dominância sobre o alelo O. Por isso, os indivíduos homozigotos AA ou os
heterozigotos AO apresentam grupo sangüíneo A, aqueles com genótipos homozigoto
BB e heterozigoto BO apresentam grupo sangüíneo B, enquanto os indivíduos do grupo
sangüíneo O são os homozigotos OO.
Designando as freqüências dos alelos A, B e O por, respectivamente, p, q e r, as
proporções genotípicas e fenotípicas do sistema ABO esperadas nas populações em
equilíbrio genético estável são aquelas calculadas por intermédio da expansão do
trinômio (p + q + r)2, o que permite apresentar um quadro como o da Tabela 3.2.
Tabela 3.2 Freqüências genotípicas e fenotípicas do sistema ABO clássico que são
esperadas em populações em equilíbrio genético estável, sendo p, q e r as freqüências
dos genes A,B e O.
Grupo
Freqüência Freqüência
Sangüíneo Genótipos
Genotípica Fenotípica
(Fenótipo)
A AA p2 p2 + 2pr
AO 2pr
B BB q2 q2 + 2qr
BO 2qr
AB AB 2pq 2pq
O OO r2 r2
25
33
de sua simplicidade.
No método de Bernstein parte-se do princípio de que, se a amostra representar
uma população em equilíbrio de Hardy e Weinberg, ter-se-á (p+q+r)2 = 1 e, para obter
a freqüência do alelo O, basta extrair a raiz quadrada da freqüência observada de
p = 1 − B + O = 1 − q 2 + 2qr + r 2 = 1 − (q + r )
q = 1 − A + O = 1 − p 2 + 2 pr + r 2 = 1 − ( p + r )
Visto que a soma dessas estimativas raramente fornece um valor exatamente
igual a 1, elas são chamadas de estimativas preliminares e representadas por p’, q’ e r’.
Para corrigi-las deve-se calcular o desvio (D) entre a unidade e a soma das estimativas,
isto é, é necessário obter:
D = 1 – (p’+ q’+ r’)
e calcular as estimativas corrigidas p, q e r por intermédio de:
D
p = p ' (1 + )
2
D
q = q ' (1 + )
2
D D
r = (r '+ )(1 + ) ou r = 1 – (p+q)
2 2
26
34
Para verificar se a distribuição dos fenótipos na amostra estudada está de acordo
com a hipótese genética, isto é, se a amostra representa, realmente, uma população em
equilíbrio de Hardy e Weinberg, existe a alternativa de calcular um qui-quadrado a
partir da razão entre o quadrado do desvio D e a sua variância. Visto que a variância do
1
desvio D é σ2(D) = onde n é o tamanho amostral, o qui-quadrado pode ser
r
2n1 +
pq
χ 2
=
[A − ( p + 2 pr )n
2
+
] [
2
B − (q 2 + 2qr )n
+
]
(AB − 2 pqn) + O - r 2 n
2 2
( )2
( p 2 + 2 pr )n (q 2 + 2qr )n 2 pqn r 2n
onde A, B, AB e O são os números observados de indivíduos em cada um desses grupos
sangüíneos. Assim, teríamos:
(1001 − 1007,93) 2 (250 − 256,70) 2 (92 − 85,86) 2 (1228 − 1220,51) 2
χ2 = + + + = 0,707
1007,93 256,70 85,86 1220,51
Como se pode constatar, os dois valores de qui-quadrado obtidos são idênticos, o
que indica que qualquer das duas alternativas para calcular o qui-quadrado pode ser
aceita. A primeira alternativa é menos trabalhosa, mas, nos casos em que a amostra não
representa uma população em equilíbrio genético, a segunda alternativa é melhor do que
a primeira porque permite detectar qual(ais) o(s) grupo(s) sangüíneo(s) que mostram
27
35
uma diferença significativa entre o observado e o esperado. Assim, por exemplo, se a
amostra estudada não estivesse em equilíbrio por causa de um excesso de indivíduos do
grupo sangüíneo AB, a aplicação da fórmula da primeira alternativa indicaria apenas
que a amostra não representa uma população em equilíbrio genético, mas nada
informaria a respeito do número excessivo observado de indivíduos do grupo sangüíneo
AB.
Um bom expediente para facilitar o cálculo do qui-quadrado usando a segunda
alternativa é o de trabalhar apenas com as freqüências relativas, deixando de multiplicá-
las pelo tamanho da amostra (n) mas não se deve esquecer, ao final das operações, de
multiplicar o valor do qui-quadrado obtido pelo tamanho amostral, porque o valor
obtido é igual ao do qui-quadrado dividido por n. Assim, usando os dados de nosso
exemplo, teríamos:
(0,3893 − 0,3920) 2 (0,0972 − 0,0998) 2 (0,0358 − 0,0334) 2 (0,4776 − 0,4747) 2
+ + + = 0,000276
0,3920 0,0998 0,0334 0,4747
Freqüência Freqüência
Fenótipo Genótipo
Genotípica Fenotípica
A1 A1A1 p 12
A 1A 2 2p1p2 p12+2p1(p2+r)
A1O 2p1r
A2 A2A2 p 22 p2(p2+2r)
A2O 2p2r
B BB q2 q(q+2r)
BO 2qr
A1B A1B 2p1q 2p1q
A2B A2B 2p2q 2p2q
O OO r2 r2
28
36
r’= O
Depois de determinar o desvio (D) entre a unidade e a soma das estimativas
preliminares, isto é, depois de calcular:
D = 1 – (p1’+ p2’+ q’+ r’)
as estimativas corrigidas p1, p2 e q das freqüências dos genes A1, A2 e B serão obtidas
pela multiplicação das estimativas preliminares p1’, p2’ e q’ por 1 + . A estimativa
D
2
calculando r ′ + 1 + .
D D
2 2
Depois de calcular o desvio D = 1 (p1’+ p’int + p2’+ q’+ r’), todas as estimativas
corrigidas, com exceção de r, serão obtidas pela multiplicação das estimativas
Não é raro termos que lidar com anomalias recessivas resultantes da homozigose
ou heterozigose de diferentes mutações. Em outras palavras, não é raro nos depararmos
com várias mutações, que poderemos designar por a, a1, a2, a3 etc. de um gene “normal”
A e que tanto os homozigotos aa, a1a1, a2a2 ou a3a3 quanto os heterozigotos aa1, aa2,
aa3, a1a2, a1a3 ou a2a3 determinem um quadro patológico semelhante. Em situações
como essa, em que os diferentes genótipos podem ser detectados por técnicas de
genética molecular, mas que, do ponto de vista clínico, resultam em um quadro
semelhante, podemos, para fins de epidemiológicos, reunir os homozigotos aa, a1a1,
29
37
a2a2 , a3a3 e os heterozigotos aa1, aa2, aa3, a1a2, a1a3 e a2a3 em uma única categoria,
designada por aa.
Para exemplificar, consideremos o caso da fibrose cística, que é o defeito
genético mais freqüente em populações caucasóides, decorrente de muitas mutações
caracterizáveis por técnicas de estudo de DNA. Considerando, porém, que essas
mutações em homozigose ou em heterozigose dos diferentes mutantes resulta num
quadro patológico de fibrose cística, podemos tratá-las em conjunto para fins
epidemiológicos. Assim, numa população caucasóide na qual a fibrose cística ocorre em
4 de cada 10.000 nascimentos, poderíamos estimar que, dentre cerca de 25 indivíduos
dessa população, um seria portador (heterozigoto) de um alelo mutante responsável pela
fibrose cística. Realmente, a partir do conhecimento da incidência de fibrose cística,
calcularíamos q = 0,0004 = 0,02 e p = 1 – 0,02 = 0,98. Isso nos permitiria estimar a
freqüência de portadores como sendo 2pq = 0,0392 ou 1: 25,5 ≅ 1: 25.
30
38
Tabela 6.2. Comparação das três amostras da Tabela 5.2 quanto às proporções dos
alelos Pa, Pb e Pc.
Amostra Pa Pb Pc Total
População 1 92 164 4 260
População 2 36 62 2 100
População 3 65 115 8 188
2
χ (4) = 3,402; 0,30<P<0,50
31
39
0,829
probabilidade será = 0,0829. Tais valores serão representados graficamente na
10
mesma escala utilizada para indicar os valores de p e de q.
Tabela 7.2. Elementos para o cálculo de raios de círculos equivalentes que incluem 80%
e 95% de probabilidade em função da freqüência r do gene O do sistema ABO.
r 80% 95%
0,5 0,581 0,793
0,6 0,596 0,813
0,7 0,607 0,829
0,8 0,617 0,842
0,9 0,626 0,854
1,0 0,634 0,865
32
40
Tabela 8.2. Distribuição de cinco amostras segundo os grupos sangüíneos do sistema
ABO clássico e estimativas corrigidas das freqüências dos alelos A, B e O. Entre
parênteses estão assinalados os valores em porcentagem. 1. Brasileiros caucasóides com
ancestrais brasileiros até bisavós; 2. brasileiros negróides; 3. italianos e brasileiros
descendentes não-miscigenados de italianos; 4. espanhóis e brasileiros descendentes não
miscigenados de espanhóis; 5. japoneses e descendentes não miscigenados de japoneses.
Amostra A B AB O Total p q r
1 228 52 15 314 609 0,225 0,057 0,718
(37,44) (8,54) (2,46) (51.56) (100)
2 56 23 8 93 180 0,196 0,090 0,714
(31,11) (12,78) (4,44) (51,67) (100)
3 276 69 33 334 712 0,247 0,074 0,679
(38,76) (9,69) (4,64) (46,91) (100)
4 47 13 5 67 132 0,221 0,071 0,708
(35,60) (9,85) (3,79) (50,76) (100)
5 111 68 40 81 300 0,293 0,198 0,509
(37,00) (22,67) (13,33) (27,00) (100)
Tabela 9.2. Elementos para a construção dos círculos equivalentes de 80% e 95% de
probabilidade das amostras descritas na Tabela 7.
33
41
Fig.2.2. Círculos equivalentes de 80% de probabilidade das cinco amostras relacionadas
na Tabela 8.2.
34
42
QUESTÕES E RESPOSTAS
Q 1. Um sistema genético é constituído por quatro alelos autossômicos designados
pelas letras A, B, C e D. Se em uma população as freqüências desses alelos forem
A = 10%, B = 20%, C = 30% e D = 40% quais as freqüências genotípicas esperadas em
equilíbrio genético?
R 1.
AA = 0,01 AC = 0,06
BB = 0,04 AD = 0,08
CC = 0,09 BC = 0,12
DD = 0,16 BD = 0,16
AB = 0,04 CD = 0,24
R 2. a) Amostra 1 Amostra 2
p’ = 1 − 0 ,0969 + 0 ,4691 = 0,2477 p’ = 1 − 0 ,0854 + 0 ,5156 = 0,2248
q’ = 1 − 0 ,3876 + 0 ,4691 = 0,0744 q’ = 1 − 0 ,3744 + 0 ,5156 = 0,0566
r’ = 0,4691 = 0,6849 r’ = 0,5156 = 0,7181
D = -0,0070 D = 0,0005
35
43
R 3. Tendo em vista a inexistência de diferença significativa entre as amostras
estudadas pode-se calcular:
4 + 50 + 1 236 + 50 + 9 0 +1+ 9
p= = 0,153 q= = 0,819 r= = 0,028
360 360 360
36
44
Q 5. As hemácias de 862 indivíduos da população de Monte Negro, RO, foram tratadas
com os anti-soros anti-Fya e anti- Fyb do sistema sangüíneo Duffy, tendo sido observado
o seguinte resultado:
Fenótipo Fy(a+b-) Fy(a-b+) Fy(a+b+) Fy(a-b-)
Genótipo FyaFya ou FybFyb ou FyaFyb FyFy
FyaFy FybFy
No. 236 328 243 55
% 27,38 38,05 28,19 6,38
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38
46
CAPÍTULO 3. OUTROS TIPOS DE EQUILÍBRIO GENÉTICO
GENES DO CROMOSSOMO X
Na espécie humana, a esmagadora maioria das mulheres tem dois cromossomos X em seu
cariótipo, de modo que, quando a população atinge equilíbrio genético, apenas elas podem
apresentar os genótipos se distribuindo segundo (p + q)2 = 1, nos casos de dialelismo, ou segundo
(p + q + r + ...+ x)2 = 1 nos casos de polialelismo. Isso não pode acontecer nos homens, visto que
eles, na esmagadora maioria, possuem cariótipo com um único cromossomo X, de modo que os
genes desse cromossomo ficam em hemizigose. Como teremos oportunidade de constatar neste
capítulo, se houver equilíbrio genético em relação aos caracteres monogênicos ligados ao sexo, as
freqüências dos genótipos na população masculina deverão ser iguais às dos alelos que os
determinam.
Um outro ponto interessante que deve ser levado em conta é que a estabilidade da
distribuição genotípica em relação a genes do cromossomo X somente é atingida após uma única
geração em panmixia quando, na geração inicial, as freqüências genotípicas dos homens
correspondem às freqüências gênicas da população. Se isso não ocorrer serão necessárias várias
gerações em panmixia para que a estabilidade da distribuição genotípica seja alcançada.
Para ilustrar essas afirmações consideremos um par de alelos A,a do cromossomo X e uma
amostra de 110 mulheres e 100 homens de uma população teórica que apresente na geração inicial a
seguinte distribuição genotípica:
Mulheres Homens
Valor
XAXA XAXa XaXa TOTAL XAY XaY TOTAL
No. 56 20 34 110 60 40 100
% 50,9 18,2 30,9 100 60 40 100
47
39
cromossomos X nos gametas que deram origem à amostra. Esse número, evidentemente, é dado
pela soma do total de indivíduos do sexo masculino (M) ao dobro do total de indivíduos do sexo
feminino (F). Empregando os dados de nosso exemplo teríamos, pois:
X A Y + X A X a + 2X A X A 60 + 20 + (2 × 56)
p= = = 0,60
M + 2F 100 + (2 × 110)
Para estimar a freqüência q do alelo a ligado ao cromossomo X poderíamos calcular
q = 1- p = 1- 0,60 = 0,40 ou seguir o mesmo tipo de contagem anterior, isto é, calcular:
X a Y + X A X a + 2X a X a 40 + 20 + (2 × 34)
q= = = 0,40
M + 2F 100 + (2 × 110)
Por ser o desvio padrão das freqüências desses alelos estimada por intermédio de
pq 0,60 × 0,40
σ= , teríamos em nosso exemplo que σ = = 0,027
2F + M 220 + 100
Um outro modo de estimar as freqüências dos alelos A e a ligados ao cromossomo X é
aquela baseada nas freqüências dos diferentes genótipos. Para isso, levamos em conta que a
freqüência de cada genótipo masculino multiplicada pelo total de homens é o número de homens
com cada um dos genótipos. Por outro lado, levamos em conta, também, que a freqüência de
mulheres heterozigotas multiplicada pelo total de mulheres é o número de mulheres heterozigotas e
que o dobro do total de mulheres multiplicado pela freqüência de mulheres homozigotas é o dobro
do número de mulheres com esse genótipo. Em vista disso, fica claro que as fórmulas de cálculo da
freqüência p mencionada acima poderia ter sido escritas como abaixo:
M ⋅ X AY + F ⋅ X A X a + 2F ⋅ X A X A
p=
M + 2F
Lembrando, porém que ao trabalharmos com porcentagens, é claro que tornamos o tamanho
da amostra masculina artificialmente igual ao da feminina, pois, em ambos os casos a soma de todas
as freqüências parciais é 1 ou 100%. Pode-se, portanto, escrever que, ao lidarmos com freqüências
tem-se M = F e, portanto, a última fórmula pode ser escrita como:
F ⋅ X AY + F ⋅ X A X a + 2 F ⋅ X A X A
p=
3F
a qual, depois de simplificada, passa a ser escrita como:
X A Y + X A X a + 2X A X A
p=
3
Aplicando raciocínio análogo, a freqüência q do alelo a pode ser calculada pela fórmula
abaixo:
X aY + X A X a + 2 X a X a
q=
3
48
40
ou, mais facilmente, por intermédio de q = 1 - p.
Usando os dados de nosso exemplo teríamos :
0 ,60 + 0 ,182 + (2 × 0 ,509)
p= = 0,60 ; q = 1- p = 1 – 0,60 = 0,40
3
Como se vê, a freqüência genotípica dos homens corresponde exatamente à freqüência
gênica, mas a distribuição genotípica entre as mulheres difere significativamente daquela esperada
em equilíbrio genético estável, ou seja, XAXA = Fp2; XAXa= F2pq; XaXa = Fq2. De fato,
comparando as proporções genotípicas esperadas com as observadas, apenas entre as mulheres,
tem-se:
49
41
o equilíbrio genético não seria atingido após uma única geração de panmixia, como se pode
verificar na Tabela 2.3. Tal equilíbrio demoraria a ser atingido porque, apesar de as freqüências dos
0 ,70 + 0 ,24 + 0 ,86
alelos A e a serem as mesmas da população anterior, isto é, p = = 0,60 e
3
q = 1 - 0,60 = 0,40, elas diferem das freqüências genotípicas observadas nos homens da geração
inicial.
Tabela 2.3. Demonstração de que a distribuição genotípica estável não é alcançada após panmixia
de uma geração inicial composta por homens XAY (70%) e XaY (30%) e mulheres XAXA (43%),
XAXa (24%) e XaXa (33%).
A Tabela 3.3, por sua vez, generaliza o que foi discutido acima ao mostrar a distribuição
familial em uma população teórica que está em equilíbrio genético em relação aos genótipos
decorrentes de um par de alelos A,a do cromossomo X, com freqüências p e q = l - p.
Tabela 3.3. Distribuição das famílias de uma população teórica que está em equilíbrio genético
estável em relação aos genótipos determinados por um par de alelos A,a do cromossomo X, que
ocorrem com freqüências p e q = 1 - p, respectivamente.
Nos casos de polialelismo ligados ao sexo que não mostram relações de dominância a
estimativa das freqüências gênicas também pode ser feita levando em conta a contagem do número
50
42
de cromossomos X com esses alelos nos gametas que serviram para constituir essa geração inicial
ou a freqüência dos genótipos. Assim, num caso de trialelismo em que são analisados os alelos A, a
e a1 de um loco do cromossomo X, poderemos estimar a freqüência p, q e r desses alelos a partir de:
X A Y + X A X a + X A X a1 + 2X A X A
p=
M + 2F
X a Y + X A X a + X a X a1 + 2X a X a
q=
M + 2F
X a1 Y + X A X a1 + X a X a1 + 2X a1 X a1
r= ou r = 1 – (p+q)
M + 2F
Se levarmos em conta as freqüências relativas dos diferentes genótipos, essas freqüências
gênicas poderão ser estimadas a partir das fórmulas baixo, onde os símbolos em negrito indicam as
freqüências relativas:
X A Y + X A X a + X A X a1 + 2 X A X A
p=
3
X aY + X A X a + X a X a 1 + 2 X a X a
q=
3
X a1 Y + X A X a1 + X a X a1 + 2 X a1 X a1
r= ou r = 1 – (p+q)
3
51
43
Com base nesses dados podemos calcular as freqüências gênicas e as freqüências
genotípicas esperadas para compará-las com as observadas, obtendo:
0 ,943 + 0 ,085 + 1,820
p = B+ = = 0,949
3
q = B- = 1- p = 1 – 0,949 = 0,051
σ = 0,009
Mulheres Homens
Valores
B+B+ B+B- B -B - Total B+ B- Total
Observados (o) 182 17 1 200 198 12 210
Esperados (e) 180,1 19,4 0,5 200 199,3 10,7 210
(Fp2) (F2pq) (Fq2) (Mp) (Mq)
(o − e) 2 χ2(2) = 0,983
0,020 0,297 0,5 0,008 0,158 0,50<P<0,70
e
O valor do qui-quadrado com dois graus de liberdade (0,983) permite-nos, pois, concluir que
a amostra representa uma população em equilíbrio genético quanto aos genótipos estudados.
Consideremos, agora, um exemplo de trialelismo ligado ao sexo, analisando os resultados de
estudos eletroforéticos de G-6PD em africanos (141 homens e 100 mulheres), nos quais se observou
a seguinte distribuição:
Homens: A+ = 31 (22%), B+ =79 (56%), A- = 31 (22%)
Mulheres: A+= 4, B+ = 31, A- = 4, A+B+ = 28, A+A- = 10, A-B+ = 23.
Com essas dados podemos calcular as freqüências p, q e r dos alelos A+, B+ e A- e as
freqüências genotípicas esperadas para compará-las com as observadas, como abaixo:
0 ,22 + 0 ,28 + 0 ,10 + 0 ,08
p = A+ = = 0,227
3
0 ,56 + 0 ,28 + 0 ,23 + 0 ,62
q = B+ = = 0,563
3
r = A- = 1 – (0,227+0,563) = 0,210
Mulheres Homens
Valores A+A+ B+B+ A-A- A+B+ A+A- A-B+ Total A+ B+ A- Total
Obs. (o) 4 31 4 28 10 23 100 31 79 31 141
Esp. (e) 5,2 31,7 4,4 25,6 9,5 23,6 100 32 79,4 29,6 141
(o − e) 2 0,277 0,015 0,036 0,225 0,026 0,015 0,031 0,002 0,066 χ2(5) =0,693
0,98<p<0,99
e
O valor do qui-quadrado obtido (0,693) com cinco graus de liberdade, pois são necessárias
quatro informações (a freqüência de dois alelos e os totais de homens e de mulheres) para calcular
as nove classes esperadas, permite concluir que as amostras de homens e mulheres estudadas
representam uma população em equilíbrio genético quanto aos genótipos estudados.
52
44
ESTIMATIVA DAS FREQÜÊNCIAS DE GENES DO CROMOSSOMO X QUANDO EXISTE
RELAÇÃO DE DOMINÂNCIA ENTRE OS FENÓTIPOS FREQÜENTES NA POPULAÇÃO
53
45
Essa última equação permite o cálculo da estimativa da freqüência de Xa, porque uma das
− b + b 2 − 4ac
raízes de q em uma equação do segundo grau é q = . Pode-se, pois, escrever que a
2a
freqüência q de Xa pode ser estimada por intermédio de:
2
− M A + M A − 4( 2 F + M)( 2 Fa a + M a )
q=
2( 2 F + M)
enquanto que a freqüência p de XA pode ser calculada por intermédio de p = 1 – q. O desvio padrão
será calculado, de acordo com Neel e Schull (1954) pela fórmula abaixo:
1
σ =
4F M
2
+
1− q pq
Para ilustrar a aplicação dessas fórmulas consideremos os dados de Noades et al. (1966) a
respeito de 2.082 indivíduos (1.013 homens e 1.069 mulheres) caucasóides da Grã-Bretanha cujas
hemácias foram testadas com um anti-soro contendo anticorpos anti-Xga, o qual é capaz de
classificar os seres humanos em Xg(a+) e Xg(a-), conforme as suas hemácias aglutinem ou não após
a ação desse anti-soro e da prova indireta da antiglobulina humana (prova indireta de Coombs).
Dentre os 1.013 homens examinados por Noades e colaboradores (1966), 667 foram classificados
como Xg(a+) e 346 como Xg(a-), enquanto que das 1.069 mulheres 967 foram classificadas como
Xg(a+) e 102 como Xg(a-).
Sabendo-se que a reação Xg(a-) é determinada pelo alelo Xg do cromossomo X em
hemizigose nos nos homens (Xg) e em homozigose nas mulheres (XgXg), enquanto que a reação
Xg(a+) é determinado pelo alelo Xga em hemizigose nos homens (Xga) e em homozigose ou
heterozigose nas mulheres (XgaXga ou XgaXg), podemos estimar as freqüências dos alelo Xg e Xga
na população da Grã-Bretanha a partir desses dados. Assim, tem-se:
MA = 667 Faa = 102
Ma = 340 F = 1.069
M = 1.013 2Faa = 204
2F = 2.138
p = 1 – 0,3251 = 0,6749
1
σ= = 0,0103
4 × 1.069 1.013
+
1 − 0 ,106 0 ,675 × 0 ,325
54
46
Com base nessas estimativas podemos dizer que o número esperado de mulheres
heterozigotas na amostra estudada é igual à freqüência 2pq multiplicada pelo total de mulheres, isto
é F2pq = 1.069 × 0,4388 = 469,1. Além disso, podemos dizer, também que o dizer que o número
esperado de homens e mulheres com os grupos sangüíneos Xg(a+) e Sg(a-) deve ser calculado
como abaixo:
Homens Xg(a+) = Mp = 1.013 × 0,6749 = 683,7
Homens Xg(a-) = Mq = 1.013 × 0,3251 = 329,3
Mulheres Xg(a+)= F(p2+2pq) = 1.069 × 0,8943 = 956
Mulheres Xg(a-) = Fq2 = 1.069 × 0,1057 = 113
Esses números esperados permitem pôr à prova a hipótese nula de que a amostra estudada
pode ser considerada como extraída de uma população em equilíbrio genético por intermédio de um
qui-quadrado com um grau de liberdade. Isso porque existem quatro classes esperadas e são três as
informações da amostra necessárias para calculá-las (o total de homens, o total de mulheres e a
freqüência de um dos alelos). A análise dos dados de nosso exemplo feita na Tabela 4.3 permite
concluir pela aceitação dessa hipótese, já que o qui-quadrado obtido (2,453) indica que as
diferenças entre as proporções observadas e esperadas não são significativas.
Tabela 4.3. Verificação de que a amostra estudada por Noades et al. (1966) pode ser considerada
como extraída de uma população em equilíbrio genético.
Sexo Grupo Número Número (o − e) 2
Sangüíneo Observado Esperado
e
Xg(a+) 667 683,7 0,408
Masculino Xg(a-) 346 329,3 0,847
Xg(a+) 967 956 0,127
Feminino Xg(a- 102 113 1,071
Total 2.082 2.082 χ2(1) = 2,453
0,10<P<0,20
Do mesmo modo que em relação aos genes autossômicos é bem mais simples estimar a
freqüência de heterozigotas de genes do cromossomo X quando o fenótipo recessivo é raro. Quando
isso acontece, aceitamos que a população está em equilíbrio genético, de modo que consideramos a
freqüência dos homens que exibem o fenótipo recessivo raro em estudo como sendo a estimativa da
freqüência q do alelo que o determina. Não há a necessidade de levar em conta o número de
mulheres homozigotas desse gene porque a sua ocorrência eventual, como é sabido, pode ser
desprezada.
Em vista do exposto, tem-se que, em uma população como a de Porto Alegre, RS, na qual a
freqüência de homens com hemofilia A, que apresentam deficiência do fator VIII de coagulação
55
47
(globulina anti-hemofílica), foi estimada em 1: 10.000 (Roisenberg, 1968), pode-se aceitar ser esse
valor a estimativa da freqüência q do gene da hemofilia A, ou melhor, das diferentes mutações
tomadas em conjunto, que resultam na hemofilia A (q = 0,0001). A freqüência das mulheres
heterozigotas do gene alterado em Porto Alegre pode, pois, ser estimada em 1: 5.000 seja a partir de
Aa = 2pq ou de Aa = 2q, pois a freqüência p = 1- q do alelo que condiciona níveis normais do fator
VIII é, praticamente, a unidade (p = 0,9999). Em outras palavras, em relação a um alelo raro do
cromossomo X, a proporção de mulheres portadoras desse alelo (heterozigotas) será, praticamente,
o dobro da freqüência dos homens que possuem tal alelo em populações em equilíbrio genético.
56
48
alcançado. Em outras palavras, é necessário que os nove genótipos possíveis ocorram com as
freqüências abaixo, as quais foram calculadas levando em conta que, sendo p1 = p2= 0,50 e
q1 = q2= 0,50 é possível escrever p1 = p2= p e q1 = q2= q.
AABB = p2 . p2 = p4 = 0,0625
AABb = p2 . 2pq = 2 p3q = 0,1250
AAbb = p2 . q2 = p2q2 = 0,0625
AaBB = 2 pq . p2 = 2 p3q = 0,1250
AaBb = 2 pq .2pq= 4p2q2 = 0,2500
Aabb = 2pq . q2 = 2pq3 = 0,1250
aaBB = q2 . p2 = p2q2 = 0,0625
aaBb = q2 . 2pq = 2pq3 = 0,1250
aabb = q2 . q2 = q4 = 0,0625
Na Tabela 5.3 pode-se constatar que a primeira geração filial, resultante da panmixia da
geração inicial em discussão, continua em equilíbrio apenas em relação a cada par de alelos
considerados isoladamente, mas não em relação aos dois pares analisados em conjunto. Assim, os
genótipos AA, Aa e aa continuam se distribuindo segundo 25%, 50% e 25%, o mesmo ocorrendo
com os genótipos BB, Bb e bb. Na distribuição genotípica levando em conta os dois pares de alelos
verifica-se na Tabela 5.3 que certos genótipos aparecem com freqüência menor que as esperadas em
equilíbrio genético, ocorrendo o inverso com outros. Mais algumas gerações em panmixia serão
necessárias, portanto, para que a distribuição genotípica estável seja alcançada.
Se dois pares de alelos A,a e B,b pertencerem a um mesmo grupo de ligação e ocorrerem
com freqüências p1, ql e p2, q2, poderemos supor que na geração inicial de uma população teórica
somente existissem indivíduos com os genótipos AB/AB, AB/ab e ab/ab. Se esses dois pares de
57
49
alelos se recombinarem em conseqüência de permuta cromossômica na gametogênese dos
indivíduos duplamente heterozigotos AB/ab, tais indivíduos introduzirão novas combinações
gênicas na população, ou seja, as combinações Ab e aB, inexistentes anteriormente. Em
conseqüência disso, além dos indivíduos com os genótipos AB/AB, AB/ab e ab/ab, a população
passará a conter aqueles com genótipos AB/Ab, AB/aB, ab/Ab, ab/aB, Ab/Ab, aB/aB e Ab/aB.
É evidente que os indivíduos com genótipo Ab/aB poderão reintroduzir as combinações
gênicas originais na população, isto é, as combinações AB e ab, por intermédio de permutas durante
a gametogênese. Mas é claro, também, que esse processo deverá ser menos intenso, pelo menos no
início, já que a freqüência de indivíduos com genótípo Ab/aB deverá ser pequena. De qualquer
modo, a estabilidade da distribuição genotípica, isto é, o equilíbrio genético será atingido quando as
freqüências das combinações AB, Ab, aB e ab ocorrerem aleatoriamente na população, isto é,
quando
AB =p1p2, Ab =p1q2, aB =q1p2 e ab =q1q2
Nesse caso, a freqüência dos indivíduos duplamente heterozigotos com genótipo AB/ab será
igual à daqueles com genótipo Ab/aB, pois:
2(p1p2) (q1q2) = 2(p1q2) (p2q1)
e a distribuição estável dos genótipos se fará como se houvesse segregação independente, isto é
segundo:
(p1 + q1)2(p2+q2)2
QUESTÕES E RESPOSTAS
Q 1. As hemácias de uma amostra de 350 indivíduos de uma população foram testadas com um
anti-soro anti-Xga, observando-se a seguinte distribuição:
Sexo No. Xg(a+) Xg(a-)
Masculino 150 90 (60%) 60 (40%)
Feminino 200 178 (89%) 22 (11%)
Estimar a freqüência dos alelos Xga e Xg na população representada por essa amostra e
calcular o desvio padrão das freqüências gênicas.
58
50
Q 2. No concernente ao sistema sangüíneo Xg a amostra da questão anterior pode ser considerada
como em equilíbrio genético?
R 2. Sim, porque o qui-quadrado obtido com um grau de liberdade (1,749) indica que não há
diferenças significativas entre as proporções observadas e as esperadas nas quatro classes.
Sexo Fenótipo Obs. Esp (o − e) 2
. e
M Xg(a+) 90 96 0,375
Xg(a-) 60 54 0,667
F Xg(a+) 178 174 0,092
Xg(a-) 22 26 0,615
χ2 = 1,749; 0,10<P<0,20
Q 3. O gene responsável pela produção de distrofina, uma proteína que se localiza na membrana das
fibras musculares estriadas e cardíacas das pessoas normais, está localizado no braço superior do
cromossomo X, na região Xp21.2. Várias mutações nesse gene podem impedir a produção dessa
proteína e, como conseqüência, determinar a distrofia muscular do tipo Duchenne, que afeta os
indivíduos do sexo masculino e os impede de atingir a idade reprodutiva. Numa população na qual a
incidência dessa heredopatia ligada ao sexo tem incidência igual a 4 por 100.000 nascimentos, quer-
se saber qual a estimativa da freqüência de mulheres heterozigotas do gene da distrofina alterado.
R 3. Tendo em mente que no caso das heredopatias recessivas ligadas ao sexo aceitamos que elas
estão em equilíbrio genético, a freqüência dos homens com uma doença ligada ao cromossomo X é
aceita como sendo a freqüência do gene alterado. Em nosso caso, portanto, q = 0,00004. Por outro
lado, considerando que, em equilíbrio genético, a freqüência de mulheres heterozigotas é 2pq
teríamos em nosso caso que essa freqüência pode ser estimada em, aproximadamente, 8 por
100.000 nascimentos ou 1 por 12.500 nascimentos.
Q 4. Um caráter poligênico é determinado por dois pares de alelos A,a e B,b. Em uma certa
população as freqüências dos alelos A e a são respectivamente p1 = 0,60 e q1 = 0,40, enquanto as
dos alelos B e b são respectivamente p2 = 0,30 e q2 = 0,70. Se essa população estiver em equilíbrio
genético em relação ao caráter em questão, qual será a distribuição esperada das freqüências
genotípicas?
R 4. AABB = 0,0324 AaBB = 0,0432 aaBB = 0,0144
AABb = 0,1512 AaBb = 0,2016 aaBb = 0,0672
AAbb = 0,1764 Aabb = 0,2352 aabb = 0,0784
Q 5. Quando dois caracteres estão em ligação, a associação entre eles é sempre observada ao nível
familial, populacional ou em ambos os níveis?
R 5. Somente a associação familial é sempre observada.
Q 6. Sabemos que os grupos sangüíneos dos sistemas Duffy e Rh são determinados por genes do
cromossomo número 1. Empregando os anti-soros anti-Fya, anti-Fyb e anti-D, as seguintes
59
51
freqüências gênicas foram estimadas em uma certa população Fya = 0,43 e Fyb = 0,57 no sistema
Duffy, e D = 0,60 e d = 0,40 no sistema Rh. Se a população em apreço estiver em equilíbrio
genético qual será a freqüência esperada de indivíduos duplamente heterozigotos FyaD/Fybd e
Fyad/FybD ?
R 6. A freqüência esperada de cada tipo de heterozigotos deve ser 11,76% pois deve-se ter
2(p1p2) (q1q2) = 2(p1q2) (p2q1), isto é, 2 (0,43×0,60)(0,57×0,40) = 2 (0,43×0,40)(0,57×0,60) = 0,1176.
Q 7. As freqüências dos genes M e N determinadores dos grupos sangüíneos M, MN e N foram
estimadas em 60% e 40% em uma população. Nessa mesma população as freqüências dos genes Lua
e Lub, responsáveis pela produção dos antígenos Lua e Lub do sistema sangüíneo Lutheran foram
estimadas, respectivamente, em 6% e 94%. Na hipótese de equilíbrio genético, qual a porcentagem
de indivíduos com o fenótipo MN Lu(a+b+), isto é, com genótipo MN LuaLub que se espera nessa
população?
R 7. 5,41% pois (2 × 0,60 × 0,40) (2 × 0,06 × 0,94) = 0,0541.
REFERÊNCIAS
Neel, J.V. & Schull,W.J. Human Heredity. Univ. Chicago Press, Chicago, 1a. ed., 1954.
Noades, J., Gavin, J., Tippett, P., Sanger, R. & Race, R.R. The X-linked blood group system Xg. Tests on British,
Northern American and Northern European unrelated people and families. J. Med. Genet. 3: 162-168, 1966.
Roisenberg, I. Hemofilia e estados hemofilóides no Rio Grande do Sul. Tese de Doutoramento, Univ. Fed. R.G.do Sul,
1968.
60
52
CAPÍTULO 4. A ANÁLISE FAMILIAL DE
POLIMORFISMOS
Atualmente aceita-se que um gene com freqüência entre 1% e 99% deve ser
classificado como gene polimorfo, aquele com freqüência inferior a 1% deve ser
denominado gene idiomorfo, enquanto um gene com freqüência superior a 99% deve ser
classificado como gene monomorfo (Morton, 1976/1977). Entretanto, é conveniente deixar
bem claro que um loco polimórfico pode incluir entre os alelos a ele pertencentes um ou
vários genes idiomorfos. Assim, por exemplo, se os alelos A, a e a1 de determinado loco
tiverem freqüências gênicas iguais, respectivamente, a 0,600, 0,395 e 0,005 diremos que os
alelos A e a são polimorfos, enquanto o alelo a1 será dito idiomorfo. Por sua vez, os
caracteres que resultam de locos que incluem pelo menos dois alelos polimórficos são
denominados polimorfismos genéticos ou sistemas genéticos polimórficos.
No presente capítulo discutiremos os métodos clássicos de análise familial de
caracteres polimórficos para testar uma hipótese monogênica que explique a associação
familial de um par de fenótipos alternativos, um dos quais mostra dominância sobre o
outro. O final deste capítulo será dedicado a uma abordagem da metodologia utilizada para
o estudo familial de caracteres complexos.
53
61
Fig. 1.4. Dados a respeito de 50 famílias cujos
elementos foram classificados segundo a
capacidade de secretar substâncias grupo-
específicas do sistema ABO na saliva. Os
indivíduos secretores estão representados por
símbolos escuros e os não-secretores por
símbolos claros.
54
62
em homozigose (sese), enquanto que o fenótipo secretor resulta de seu alelo Se em
homozigose ou heterozigose (Se_), isto é, de genótipos SeSe ou Sese.
A hipótese de que os genes devem ser autossômicos resulta da constatação de que as
proporções de secretores e de não-secretores observadas nos indivíduos do sexo masculino
não diferiram significativamente daquelas verificadas nos indivíduos do sexo feminino. De
fato, nos 50 casais que constituíram a amostra, 36 homens eram secretores e 14 não-
secretores, e 39 mulheres eram secretoras e 11 não-secretoras (χ2(1) = 0,480; 0,30 < P < 0,50).
Por outro lado, de acordo com a Tabela 1.4, pode-se concluir que, também entre os filhos
dos diferentes tipos de casais da amostra, não houve diferença sexual significativa quanto
às proporções de secretores e de não-secretores. Isso permite, pois, analisar os dados a
respeito da geração filial sem distinção de sexos (M + F).
Além disso, podemos reunir em um só grupo os dados a respeito das famílias
constituídas pelos casais com fenótipos diferentes porque o número de casais secretor ×
não-secretora (7) e o de casais não-secretor × secretora (10) não diferem
significativamente (χ2(1) = 0,529; 0,30< P <0,50), do mesmo modo que não diferem
significativamente as proporções de secretores e de não-secretores dos filhos desses dois
tipos de casais (χ2(1) = 0,142; 0,70< P <0,80).
Tabela 1.4. Verificação de que entre os filhos dos diferentes tipos de casais da Fig. 1.4 não
há diferença sexual significativa quanto às proporções de secretores e de não-secretores.
Filhos
Casais Sexo Secret. Ñ-Secret. Total χ2(1)
M 39 7 46
Secretor × Secretora F 30 7 37 0,200; 0,50<P<0,70
(29) M+F 69 14 83
M 9 7 16
Secretor × Não-Secret. F 3 3 6 0,069;0,70<P<0,80
(7) M+F 12 10 22
M 10 7 17
Não-secret. × Secretora F 5 3 8 0,031;0,80<P<0,90
(10) M+F 15 10 25
M - 4 4
Não-Secret × Não-Secret. F - 7 7
(4) M+F - 11 11
M 58 25 83
Total (50) F 38 20 58 0,299;0,50<P0,0,70
M+F 96 45 141
55
63
Tendo em vista essas considerações, podemos testar a hipótese monogênica
autossômica, isto é, a hipótese de que os caracteres em estudo são determinados um par de
alelos autossômicos Se,se. Para facilitar a notação, denominemos de A ao alelo Se e de a ao
alelo se e consideremos que eles ocorrem na população com freqüências iguais,
respectivamente, a p e q, sendo p + q = 1. Consideremos, ainda, que o gene a somente se
manifesta em homozigose (aa) e que os genótipos AA e Aa se expressam de modo idêntico
(fenótipo dominante A_). Se a população estiver em equilíbrio de Hardy e Weinberg em
relação aos genótipos AA, Aa e aa, é claro que os indivíduos A_ ocorrerão com freqüência
p2+2pq, enquanto aqueles com o fenótipo recessivo (aa) serão encontrados com freqüência
q2.
Na população será possível a distinção de três tipos de casais quanto aos fenótipos
A_ e aa, ou seja, casais A_× A_ , A_× aa e aa× aa, com freqüências que dependerão das
freqüências dos dois fenótipos alternativos em discussão. Assim, a probabilidade de sortear
um casal da população que seja do tipo A_ × A_ é:
P(A_ × A_) = (1 - q2)2
porque P(A_) = p2 + 2pq = 1 – q2 .
A probabilidade de sortear um casal da população que seja do tipo A_× aa, o qual
tanto pode ser constituído por homem A_ e mulher aa ou homem aa e mulher A_ é:
× aa) = P(A_×
P(A_× × aa) + P(aa×
× A_) = 2q2 (1 - q2)
pois sabemos que P(aa) = q2 e P(A_) = 1 - q2.
Obviamente, a probabilidade de sortear um casal da população que seja do tipo
aa × aa é:
P(aa × aa) = q2 . q2 = q4
Em vista do exposto pode-se dizer que, ao lidarmos com um caráter polimórfico
determinado por um par de alelos autossômicos com relação de dominância, se tomarmos
uma amostra aleatória de N casais da população, os números observados dos três tipos de
casais não deverão diferir significativamente dos valores calculados a partir das fórmulas:
A_× A_ = N (1 - q2)2
A_× aa = 2Nq2 (1 – q2)
aa × aa = Nq4
56
64
Portanto, quando se trabalha com uma amostra de famílias, o primeiro passo para
pôr à prova uma hipótese monogênica autossômica, a fim de explicar a associação familial
de um par de fenótipos alternativos, um dos quais mostrando dominância sobre o outro,
consiste em comparar a distribuição observada de casais com aquela esperada segundo os
cálculos apresentados acima. Evidentemente, esse passo somente deve ser dado depois de
demonstrar, como foi feito acima, que as proporções de cônjuges do sexo masculino que
manifestam os fenótipos dominante e recessivo não diferem significativamente daquelas
observadas entre os cônjuges femininos, bem como, que o número de casais constituídos
por homem A_ e mulher aa não difere significativamente do número de casais compostos
por homem aa e mulher A_.
Aqui é importante tecer algumas considerações sobre a maneira de estimar a
freqüência q do alelo a e, por diferença, a freqüência p do alelo A, visto que p = 1 – q.
Muitos autores têm estimado a freqüência q a partir da própria amostra de famílias por eles
coletadas. Assim, com base em uma amostra de N famílias, contendo n1 casais A_× A_, n2
casais A_× aa, n3 casais aa× aa e um total de f filhos, parte dos quais tem o fenótipo
recessivo (faa) e os restantes o fenótipo dominante (fA_), esses autores têm estimado a
2n 3 + n 2 + f aa
freqüência q do alelo a a partir de q = . Outros pesquisadores têm levado em
2N + f
conta apenas as 2N pessoas que constituem os N casais, de sorte que estimam a freqüência
2n 3 + n 2
q do alelo a a partir de q = . Obviamente, em ambos os casos a estimativa da
2N
57
65
Apesar de ser mais correto estimar as freqüências dos alelos a partir de uma amostra
aleatória da população da qual procedem as famílias, é importante ressaltar que, se a
amostra das famílias for grande e a freqüência dos genes for alta não se correrá o risco de
estimar erradamente as freqüências gênicas, a partir dos próprios casais coletados.
Retomando, agora, os dados de nosso exemplo, consideremos que em uma amostra
aleatória de 100 indivíduos procedentes da população na qual foram coletadas as 50
famílias da Fig. 1.4, constatou-se que 73 eram secretores e 27 não-secretores. Isso permite
escrever que q2 = 0,27 e, a partir daí estimar q = 0,27 = 0,52 e p = 1 – q = 0,48. Temos,
pois, os elementos para calcular a distribuição esperada de casais segundo os fenótipos
secretor e não-secretor, de acordo com a hipótese monogênica, como abaixo:
Se_× Se_ = N(1-q2)2 = 26,64
Se_× sese = 2Nq2(1-q2) = 19,71
sese × sese = Nq4 = 3,65
O segundo passo a ser dado para pôr à prova uma hipótese monogênica
autossômica, a fim de explicar a associação familial de um par de fenótipos alternativos,
58
66
um dos quais mostrando dominância sobre o outro, consiste em comparar a distribuição
fenotípica observada entre os elementos que constituem as irmandades geradas pelos três
tipos de casais (A_× A_ , A_× aa e aa × aa), com aquela esperada de acordo com a hipótese
monogênica. Para tal investigação o geneticista pode valer-se de métodos simples, como os
sugeridos por Snyder (1932) e por Fisher (1939).
O MÉTODO DE SNYDER
No método de Snyder (l932) considera-se que se f1 for o número total de filhos dos
casais A_× A_ da amostra, e se q for a freqüência do alelo a, determinador do fenótipo
recessivo aa, o número esperado de indivíduos com o fenótipo recessivo entre os filhos de
2
q
casais A_× A_ deve ser, de acordo com a hipótese monogênica. De fato, sabemos
1+ q
1
que a probabilidade de um casal A_ × A_ gerar um filho aa é igual a da probabilidade de
4
os dois cônjuges serem Aa, dado que são A_, isto é,
2
1 2q 2q 1 q
P(Aa|A_).P(Aa|A_). = =
4 1 + q 1+ q 4 1+ q
2
q
Multiplicando essa probabilidade por f1, isto é, f1, obtém-se o número
1+ q
q
Assim, multiplicando essa probabilidade por f2, isto é, f2, obtém-se o número
1+ q
59
67
homozigotos aa. A Tabela 2.4 apresenta de modo sucinto as freqüências esperadas dos
diferentes tipos de casais e de seus filhos quando se analisa a distribuição familial de dois
fenótipos alternativos de um caráter polimórfico determinado por um par de alelos com
relação de dominância e recessividade.
Tabela 2.4. Distribuição familial esperada numa amostra aleatória de N famílias, segundo
os fenótipos A_ e aa determinados por um par de alelos autossômicos A,a com freqüências
p e q, sendo p + q =1. Presume-se que a população da qual procede a amostra está em
equilíbrio de Hardy e Weinberg.
Casais Filhos
Tipo No. aa A_ Total
2 2
q q
A_ × A_ N (1 – q2)2 f1 f1 - f1 f1
1+ q 1+ q
2 2 q q
A_× aa 2Nq (1 – q ) f2 f2 - f2
1+ q 1+ q f2
4
Nq
aa × aa f3 - f3
Voltemos, agora, ao nosso exemplo numérico da Fig. 1.4, para comparar, pelo
método de Snyder (1932) as proporções observadas com as esperadas de filhos secretores e
não-secretores nos três tipos de famílias. Essa comparação pode ser feita dispondo os dados
como na Tabela 3.4, na qual os valores observados foram obtidos na Tabela 1.4 e os
esperados foram calculados a partir das fórmulas apresentadas na Tabela 2.4.
Tabela 3.4. Aplicação do método de Snyder aos dados familiais da Fig. 1.4.
Filhos Não-
Secretores
Filhos
Secretores Total
χ2(1)
Casais
OBS. ESP. OBS. ESP.
Secretor × Secretora 14 9,7 69 73,3 83 2,158; 0,10 < P < 0,20
Secret × Não-Secret. 20 16,1 27 30,9 47 1,437; 0,20 < P < 0,30
Não-Secret × Não-Secret. 11 11 - - 11
60
68
na população. Nessa análise não se aplicou um teste estatístico em relação aos filhos dos
casais não-secretor × não-secretora porque se tem, no caso, uma única classe esperada
(filhos não-secretores), o que impede o cálculo do qui-quadrado. Se, por acaso, entre os
filhos dos casais não-secretor × não-secretora tivesse sido detectada um pequeno número
de secretores sua ocorrência poderia ser explicada pela admissão de hipóteses tais como
ilegitimidade, falta de penetrância ou erro na determinação do fenótipo. Entretanto, se a
proporção de indivíduos secretores entre os filhos de casais não-secretores tivesse sido
alta, seria necessário buscar outras explicações para poder aceitar a hipótese monogênica.
Vejamos, agora, no próximo tópico, como aplicar o método de Fisher (1939) aos
dados a respeito das irmandades.
O MÉTODO DE FISHER
O método de Fisher (1939) para pôr à prova a hipótese monogênica pela
investigação das irmandades geradas pelos três tipos de casais considera que, se a hipótese
monogênica puder ser aceita para explicar a associação familial dos fenótipos A_,
dominante, e aa, recessivo, os casais A_ × A_ incluirão três grupos de casais quanto ao
genótipo (AA × AA, AA × Aa e Aa × Aa) e os casais A_ × aa incluirão dois grupos (AA × aa
e Aa × aa).
Em vista disso, a probabilidade de um filho de um casal A_ × A_ manifestar o
fenótipo A_ dependerá da probabilidade de tal casal ser Aa × Aa dado que ele é Aa × Aa
bem como de isso não ser verdadeiro, isto é, da probabilidade de esse casal ser AA × AA ou
AA × Aa, dado que ele é A_ × A_. Ora, sabendo que a probabilidade de um casal ser Aa × Aa
2
2q
dado que ele é A_ × A_ é igual a quando q é a freqüência do alelo a, pois
1+ q
2q
P(Aa|A_) = , tem-se que a probabilidade de isso não ocorrer, ou seja, de o casal não ser
1+ q
2
2q
Aa × Aa porque é AA × AA ou AA × Aa dado que é A_ × A_ será igual a 1 - .
1+ q
61
69
conclui-se que a probabilidade de um filho de um casal A_ × A_ manifestar o fenótipo
dominante A_ será, de acordo com a hipótese monogênica, igual a
2 2
2q 3 2q
1 - +
1+ q 4 1+ q
2q
P(Aa|A_) = . Se o cônjuge com fenótipo dominante for homozigoto, é evidente que o
1+ q
filho do casal A_× aa terá, certamente, fenótipo dominante. Se, entretanto, o cônjuge com o
fenótipo dominante for heterozigoto é claro, também, que a probabilidade de um filho do
1
casal A_× aa ter fenótipo dominante será igual a . Portanto, pode-se dizer, que a
2
62
70
probabilidade de um filho de um casal A_× aa manifestar fenótipo dominante é, de acordo
p 1 2q
com um a hipótese monogênica igual a + ⋅ .
1+ q 2 1+ q
com n irmandades de i irmãos gerados por casais A_× aa é óbvio que o número esperado
daquelas constituídas somente por indivíduos com o fenótipo dominante será calculado a
partir de:
p 1 2q
i
n +
1 + q 2 1 + q
Em uma amostra que inclua irmandades de diferentes tamanhos, geradas por casais
A_× aa calcular-se-á o número esperado daquelas compostas somente por indivíduos com o
fenótipo dominante por intermédio de
p 1 2q
i
Σn +
1 + q 2 1 + q
2q p
pois é igual a 1 − .
1+ q 1+ q
O número esperado de casais A_× aa, com pelo menos um filho apresentando o
fenótipo recessivo aa, será obtido pela diferença entre o número total de irmandades
geradas pelos casais A_× aa e o número esperado daquelas que têm apenas indivíduos com
o fenótipo dominante A_.
Podemos, agora, analisar a geração filial pelo método de Fisher (1939), dispondo os
dados da Figura 1.4 como na Tabela 4.4. Nessa tabela os números esperados de irmandades
geradas por casais Se_× Se_ e por casais Se_× sese que deveriam ser constituídas por
indivíduos Se_ foram calculados com o emprego das fórmulas mencionadas neste tópico.
Assim, por exemplo, para obter o número esperado de irmandades constituídas por dois
63
71
Tabela 4.4. Análise dos dados familiais da Fig.1 pelo método de Fisher (1939). i - tamanho
da irmandade; n = número de irmandades de tamanho i; P - probabilidade de uma
irmandade de tamanho i ser constituída somente por secretores (Se_); ESP. - número
esperado de irmandades constituídas apenas por indivíduos secretores; OBS. – número
observado de irmandades compostas apenas por indivíduos secretores.
Casais i n P Esp. Obs.
2 14 0,795 11,130 10
3 8 0,729 5,832 6
Se_ × Se_ 4 5 0,680 3,400 3
5 1 0,643 0,643 -
6 1 0,615 0,615 1
Total 29 21,620 20
2 8 0,487 3,896 3
3 6 0,402 2,412 4
Se_ × sese 4 2 0,359 0,718 1
5 1 0,337 0,337 1
Total 17 7.363 9
2 3
sese × sese 5 1
Total 4
64
72
Multiplicando a probabilidade 0,487 por 8 que, em nosso caso, é o número total de
irmandades com dois filhos, obtém-se o número esperado daquelas constituídas apenas por
indivíduos secretores (3,896). Operações análogas foram realizadas para obter o número
esperado de irmandades com 3, 4 e 5 indivíduos.
De acordo com os valores de qui-quadrado expressos na Tabela 4.4, tem-se,
portanto, que, também pelo método de Fisher (1939), pode-se aceitar a hipótese
monogênica para explicar a distribuição dos fenótipos secretor e não-secretor nas
populações e nas famílias.
Para finalizar o presente tópico é importante salientar que o método de Fisher (1939)
deve ser usado, de preferência ao de Snyder (1932), quando as amostras de famílias não são
grandes, nem constituídas por irmandades de poucos indivíduos. Isso porque as pessoas
com fenótipo dominante ou recessivo que compõem a geração familial não são amostras
independentes de uma população homogênea, mas dependem da composição genética da
geração paterna. Em outras palavras, as proporções de indivíduos com os fenótipos
alternativos entre os filhos de casais do tipo A_× A_ dependem das proporções de casais
AA × AA, AA × Aa e Aa × Aa existentes entre esses últimos. Do mesmo modo, as
proporções fenotípicas observadas entre os filhos de casais do tipo A_× aa dependem da
proporção de casais AA × aa e de casais Aa × aa entre eles.
65
73
e as mulheres, Isso porque as probabilidades de tais casais serem sorteados da população
serão as seguintes:
P(XAY × XAX-) = p(1 – q2)
P(XAY × XaXa) = pq2
P(XaY × XAX-)= q(1 – q2)
P(XaY × XaXa)= q3
66
74
4. Se o número total de filhos do sexo masculino gerados pelos casais XAY × XAX-
for m e a freqüência do gene a for q, o número esperado de filhos XaY desses casais não
qm
deve desviar-se significativamente de . Isso porque consideramos que a probabilidade
1+ q
de um filho de um casal XAY × XAX- ser XaY é igual à metade da probabilidade de sua mãe
ser heterozigota, dado que ela tem o fenótipo dominante. De fato, a probabilidade de uma
1
mulher heterozigota XAXa transmitir o cromossomo Xa a um filho é , enquanto que a
2
2pq 2q
probabilidade de uma mulher XAX- ser heterozigota é P(XAXa | XAX- ) = = .
2
p + 2pq 1+ q
1 2q q
Portanto, . = .
2 1+ q 1+ q
qm
filhos com esse fenótipo será , pelas mesmas razões expostas no item anterior. Os
1+ q
números esperados de filhos e de filhas com o fenótipo dominante serão obtidos pelas
diferenças entre f e m e os números esperados de indivíduos com o fenótipo recessivo de
cada sexo. A Tabela 5.4 resume o que foi discutido até agora no presente tópico.
67
75
monogênica, consiste em comparar os números observados e esperados de irmandades
constituídas apenas por indivíduos com o fenótipo dominante, bem como aquelas que
incluem pelo menos um indivíduo com o fenótipo recessivo, por intermédio,
respectivamente, de
p i
1 p p i
1 p
∑ n + 1 −
1 + q 2 1 + q
e ∑ ∑n− n + 1 −
1 + q 2 1 + q
68
76
De fato, a sugestão de que esses fenótipos dependem do sexo dos indivíduos é dada
pelo fato de que o grupo sangüíneo Xg(a+) é mais freqüente nas mulheres. Assim, levando
em conta apenas os casais da Figura 2.4 tem-se que, 33 dentre os 50 homens (66%) eram
Xg(a+), ao passo que, dentre 50 mulheres, 46 manifestavam esse grupo sangüíneo (92%).
Por outro lado, fala a favor de que o grupo sangüíneo Xg(a-) é um caráter recessivo ligado
ao sexo. a verificação, na Figura 2.4, de que:
1. O único casal Xg(a-) × Xg(a-) gerou uma filha e dois filhos Xg(a-).
2. Todas as filhas de pai Xg(a+) eram Xg(a+).
3. Todos os filhos de mãe Xg(a-) eram Xg(a-);
Para pôr à prova a hipótese em discussão precisamos, evidentemente, da estimativa
das freqüências dos supostos alelos Xga e Xg. Assim, partindo de dados de Mann et al.
(1962) que, em 342 caucasóides (154 homens e 188 mulheres), encontraram 95 homens
Xg(a+), 59 homens Xg(a-), 167 mulheres Xg(a+) e 21 mulheres Xg(a-), podemos estimar a
freqüência q do alelo Xg em 0,356, pois:
o que equivale a dizer que a estimativa da freqüência do gene Xga é p = 1 - 0,356 = 0,644
Com base nas estimativas p e q calculamos a distribuição esperada dos diferentes
tipos de casais e seus filhos, de acordo com a hipótese monogênica, dispondo os dados
como na Tabela 6.4. Nessa tabela os números observados foram obtidos a partir da Figura
2.4 e os esperados foram calculados segundo as fórmulas expressas na Tabela 5.4.
69
77
Podemos, agora, comparar as proporções observadas e esperadas dos diferentes
tipos de casais por intermédio de um qui-quadrado com três graus de liberdade, já que as
quatro classes esperadas são obtidas a partir de uma única informação da amostra, isto é, o
número N de casais. Assim, obtemos χ2(3) = 1,174; 0,70 < P < 0,80, que satisfaz a hipótese
monogênica.
No concernente à geração filial temos que comparar apenas as proporções
observadas e esperadas de filhos dos casais Xg(a+) × Xg(a+) e de filhas e filhos dos casais
constituídos por marido Xg(a-) e mulher Xg(a+). Tais comparações nos fornecem,
respectivamente:
χ2(1) = 1,156; 0,20 < P < 0,30
χ2(1) = 1,889; 0,10 < P < 0,20
χ2(1) = 0,144; 0,70 < P < 0,80
70
78
quando os caracteres sob investigação são congênitos, isto é, já se expressam ao
nascimento, pois o trabalho pode ser facilmente executado dentro de maternidades.
Tabela 7.4. Análise das irmandades geradas pelos casais Xg(a+) × Xg(a+) levando em
conta apenas os indivíduos do sexo masculino, e das irmandades geradas pelos casais
constituídos por homem Xg(a-) e mulher Xg(a+). i - tamanho da irmandade; n – número de
irmandades de tamanho i; P- probabilidade de uma irmandade de tamanho i ser constituída
somente por indivíduos Xg(a+).
Casais i n P Esp. Obs.
1 13 0,738 9,594 8
Marido Xg(a+) 2 7 0,606 4,242 4
×
Mulher Xg(a+) 3 1 0,541 0,541 -
5 1 0,491 0,491 -
Total 22 14,868 12
1 7 0,738 5,166 4
Marido Xg(a-) 2 5 0,606 3,030 2
×
Mulher Xg(a+) 3 3 0,541 1,623 1
4 1 0,508 0,508 1
Total 16 10,327 8
Na Tabela 8.4 foram reunidos quatro quadros que mostram as freqüências esperadas
dos pares mãe-filho(a) em uma população em equilíbrio genético. Para exemplificar o
modo pelo qual foram construídos os quadros da Tabela 8.4 calcularemos as freqüências
dos pares de mãe-filho que devem ser encontrados quando a mãe é homozigota de um gene
autossômico A (mãe AA). Evidentemente, as mães homozigotas AA não podem gerar filhos
aa, mas apenas filhos AA e Aa com freqüências que dependerão das freqüências com que
ocorrem os genótipos AA, Aa e aa na população.
Assim, se p for a freqüência do gene A, e q a do seu alelo a, ter-se-á em uma
população em equilíbrio de Hardy e Weinberg que os casais compostos por mulher AA e
marido AA, Aa ou aa deverão ocorrer nas seguintes proporções:
71
79
mulher AA × marido AA = p4
mulher AA × marido Aa = 2p3q
mulher AA × marido aa = p2q2
Tabela 8.4. Freqüências dos tipos de pares mãe-filho(a) em uma população em equilíbrio
genético, levando-se em conta caracteres autossômicos e ligados ao sexo, com e sem
relação de dominância.
A. Caracteres autossômicos sem dominância.
F i l h o (a)
Mãe AA Aa aa Total
AA p3 pq2
- p2
Aa p2q pq pq2 2pq
aa - pq2 q3 q2
Total p2 2pq q2 1,0
72
80
Portanto, a freqüência total de filhos AA de mães AA será p4 + p3q = p3(p + q) = p3 e
o de filhos Aa dessas mães será p2q2 + p3 q = p2q (p + q) = p2q, pois p + q = 1.
Para demonstrar como a análise dos dados de pares mãe-filho(a) poderia ser
utilizada no estudo de um caráter supostamente autossômico monogênico, consideremos na
Figura 1.4 apenas as mães e o primeiro indivíduo de cada irmandade. Com tal conduta,
obtemos os dados necessários à construção da Tabela 9.4 na qual os valores esperados são
obtidos a partir das fórmulas expressas na Tabela 8.4-B. As estimativas de p e q são aquelas
obtidas por intermédio de dados populacionais (q = 0,520 e p = 0,480).
73
81
A ANÁLISE FAMILIAL DE CARACTERES COMPLEXOS
74
82
herdabilidade (H). Nesse modelo, as probabilidades de os genótipos AA, Aa e aa
transmitirem o alelo A, simbolizados por τAA, τAa e τaa, não são estimadas, e sim fixadas em,
respectivamente, 1, ½ e 0, mas num outro modelo, aqui chamado de misto completo, as
probabilidades de os genótipos AA, Aa e aa transmitirem o alelo A são parâmetros
estimados. No modelo misto completo, portanto, estimam-se sete parâmetros. Num outro
modelo, oposto ao modelo misto completo, considera-se que as probabilidades de os
genótipos AA, Aa e aa transmitirem o alelo A não diferem entre si, razão pela qual estima-
se a mesma probabilidade para os três genótipos, isto é, τAA = τAa = τaa. Neste modelo são,
pois, cinco os parâmetros estimados. Dependendo do caráter analisado pode-se empregar
variações do modelo misto completo, ao deixar de estimar o grau de dominância (d ) e(ou)
a herdabilidade (H).
Em outros modelos, usados para comparação com o modelo misto, o número de
parâmetros estimados é menor. Assim, no modelo que prega a inexistência de um gene
principal, denominado modelo sem gene principal, o único parâmetro estimado é a
herdabilidade. No modelo sem componente multifatorial são três os parâmetros estimados
(d, t e q), enquanto que no modelo esporádico, nenhum parâmetro é estimado. Há ainda
outros modelos usados para comparação com o modelo misto, a saber, o modelo recessivo,
o modelo aditivo e o modelo dominante. Nesses modelos tanto os parâmetros τAA, τAa e τaa
quanto o grau de dominância e a herdabilidade são fixados em consonância com o que eles
pregam, de sorte que os parâmetros estimados são apenas dois ( t e q).
Os testes das hipóteses realizados são avaliados por intermédio do quociente de
verossimilhança (q.v.) o qual é menos duas vezes o logaritmo natural da verossimilhança
máxima, isto é q.v.= -2lnL. O quociente de verossimilhança também pode ser representado
por q.v. = -2lnL+c, sendo c uma constante, que consiste no menor dos q.v. calculados. Em
qualquer caso o q.v. pode ser lido como um qui-quadrado. Também se deve levar em conta
a probabilidade de averiguação (π) das famílias estudadas.
Para melhor entender o método unificado de análise de segregação, tomemos um
exemplo tirado do trabalho de Feitosa et al. (1996) sobre reação de Mitsuda, que é o nome
dado à resposta tardia, lida 28 a 30 dias após a inoculação intradérmica de 0,1 ml de uma
suspensão autoclavada de Mycobacterium leprae, extraído de hansenomas de pacientes
virgens de tratamento ou de tecidos de tatus infectados por M. leprae. Essa suspensão é
75
83
denominada lepromina ou mitsudina e a reação por ela provocada depende dos eventos que
sucedem a fagocitose dos bacilos pelos macrófagos da pele (histiócitos). A ausência de
resposta clínica após 30 dias da inoculação da lepromina é denominada reação negativa,
enquanto que uma infiltração franca, pápula ou nódulo com mais de 3 milímetros de
diâmetro é denominada reação positiva, a qual, de acordo com a intensidade da resposta
pode ser classificada como + (3 a 5 mm), ++ (mais de 5 mm) e +++ (infiltração nodular
ulcerada). Um infiltração discreta com menos de 3 milímetros de diâmetro é considerada
duvidosa (±).. No estudo de Feitosa et al. (1996), do qual foi extraída a Tabela 1.4 foram
consideradas apenas duas classes de reação de Mitsuda, a reação negativa (- e ±) e a
positiva (+, ++ e +++).
A reação de Mitsuda tem grande importância em hansenologia porque a resposta
positiva indica imunidade à hanseníase do tipo virchowiano (lepra lepromatosa). Aliás, a
resposta negativa ao teste de Mitsuda é característica dos pacientes virchowianos. O leitor
interessado em maiores informações sobre essa reação e o seu valor prognóstico e
diagnóstico pode consultar Beiguelman (1999, 2001).
Estudos feitos na década de 60 já haviam mostrado que a reação de Mitsuda
apresentava associação familial tanto em famílias sem hanseníase (Beiguelman, 1962;
Beiguelman e Quagliato, 1965) quanto em famílias de hansenianos (Beiguelman, 1965).
Essas análises familiais indicaram que a reação de Mitsuda positiva (≥ +) era o fenótipo
dominante sobre a resposta negativa (- e ±), mas, com os recursos estatísticos existentes à
época em que foram realizados tais trabalhos, a interpretação monogênica ficava sujeita a
críticas. Vejamos, pois, o que resultou da retomada do estudo dessa reação por Feitosa et al.
(1996) com o emprego do método unificado de análise de segregação (Lalouel et al., 1983).
Os dados da análise de segregação reunidos na Tabela 10.4 permitem várias
comparações levando em conta as diferenças entre os quocientes de verossimilhança
(q.v.), os quais, como foi mencionado, são lidos como qui-quadrado, sendo obtidos os
graus de liberdade de cada qui-quadrado pela diferença entre os parâmetros estimados dos
modelos comparados. Visto que o modelo mendeliano misto pressupõe que, para a
manifestação do caráter em estudo, devem ser levadas em conta as contribuições
independentes de um loco principal, de um componente multifatorial e do efeito do
ambiente, está claro que esse modelo também prega a existência de agregação familial do
76
84
caráter em estudo. Isso porque, embora a associação familial não implique,
obrigatoriamente, na hereditariedade de um caráter, o oposto é verdadeiro, isto é, todo o
caráter hereditário é familial. O q.v. do modelo mendeliano misto deve, por isso, ser
comparado com o q.v. do modelo esporádico, que propõe a inexistência de agregação
familial e, em seguida, com o q.v. do modelo que prega a inexistência de um gene principal
e com o q.v. do modelo que fala a favor da inexistência de um componente multifatorial.
Tabela 10.4. Análise de segregação da reação de Mitsuda, levando em conta 544 famílias
nucleares com 2.925 indivíduos.
d = grau de dominância; t = deslocamento; q = freqüência do alelo a; H = herdabilidade;
τAA,, τAa e τaa = probabilidades de os genótipos AA, Aa e aa transmitirem o alelo A;
q.v. = quociente de verossimilhança (-2lnL+c), P.E. = parâmetros estimados; G.L. = graus
de liberdade. Em itálico negrito foram assinalados os parâmetros estimados. (Modificado
de Feitosa et al., 1996).
77
85
Na segunda comparação, feita entre o q.v. do modelo mendeliano misto (modelo
No. 1) e o q.v. do modelo que propõe a inexistência de um gene principal (modelo No. 3), a
hipótese nula é a de que não há gene principal contra a alternativa de que ele existe. Por ser
o q.v. do modelo sem gene principal igual a 27,87 e o do modelo mendeliano misto igual a
0,07, tem-se χ2(3) = 27,87 - 0,07 = 27,80; P< 0,001, possuindo esse qui-quadrado 3 graus de
liberdade, porque o modelo mendeliano misto tem 4 parâmetros estimados enquanto o
modelo que prega a inexistência de um gene principal tem um único (4 - 1 = 3). Esse valor
de qui-quadrado também fala a favor da rejeição da hipótese nula e pela aceitação da
hipótese alternativa, que prega a existência de um gene principal.
Na terceira comparação, feita entre o q.v. do modelo mendeliano misto (modelo
No.1) e o q.v. do modelo que prega a inexistência de um componente multifatorial (modelo
No.4), a hipótese nula é a de que não existe componente multifatorial e a alternativa é a de
que ele existe. Por serem os q.v.s de ambos modelos iguais a 0,07, e por ter o modelo que
propõe a inexistência de um componente multifatorial 3 parâmetros estimados, a hipótese
nula pode ser aceita, isto é, pode-se rejeitar a importância da participação de um
componente multifatorial na manifestação do caráter em estudo, pois χ2(1) = 0,07 - 0,07 = 0;
P ≅ 1.
A coerência dos resultados apresentados na Tabela 1.40 é ressaltada pelo fato de que
a hipótese nula de transmissão mendeliana do modelo que chamamos de misto completo
(modelo No. 5) é facilmente aceita quando o seu q.v. é comparado ao q.v. do modelo
mendeliano misto (modelo No. 1), fornecendo um pequeno qui-quadrado com três graus de
liberdade (χ2(3) = 0,07 - 0,0 = 0,07; P > 0,99), pois, levando em conta os parâmetros
estimados, tem-se 7 – 4 = 3. Na Tabela 1.40 é fácil constatar que, no modelo misto
completo, os valores estimados de τAA, τAa e τaa ficaram muito próximos daqueles fixados
pela teoria nos modelos No.s 1, 4, 7, 8 e 9, isto é, muito semelhantes a 1, ½ e 0. Em
oposição, a hipótese nula que afirma não haver transmissão mendeliana de um gene
principal (modelo No. 6) contra a hipótese de que ela existe (modelo No. 5) é facilmente
rejeitada (χ2(2) = 198,28 - 0,00 = 198,28; P << 0,001).
Finalmente, comparando os valores dos q.v.s dos modelos estritamente recessivo
(modelo No.7), aditivo (modelo No.8) e dominante (modelo No. 9) com o q.v. do modelo
mendeliano misto (modelo No.1) conclui-se que as hipóteses propostas por esses três
78
86
modelos devem ser rejeitadas. De fato, levando em conta os valores de qui-quadrado, todos
com 2 graus de liberdade, porque no modelo No. 1 foram estimados 4 parâmetros enquanto
que nos outros três modelos só foram estimados 2 parâmetros, verifica-se que o modelo
estritamente recessivo não pode ser aceito porque χ2(2) = 35,52 – 0,07 = 35,45; P<0,001 e o
modelo mendeliano aditivo deve ser rejeitado porque χ2(2) =13,56 – 0,07 = 13,49; P<0,01.
O modelo estritamente dominante também não pode ser aceito porque χ2(2) = 9,15 – 0,07 =.
9,08; P<0,02 o que permite aceitar o modelo mendeliano misto, que fala a favor de um
efeito parcialmente dominante da reação Mitsuda-positivo sobre a reação Mitsuda-negativo,
com d = 0,81 e desvio padrão estimado em 0,041.
QUESTÕES E RESPOSTAS
Q 1. Ao estudar 304 famílias dinamarquesas com o auxílio do anti-soro anti-P1,
Henningsen (1950) encontrou a distribuição apresentada na tabela abaixo. Nessa tabela os
indivíduos do grupo sangüíneo P1 são aqueles cujas hemácias aglutinam quando suspensas
no anti-soro anti-P1, sendo os do grupo P2 aqueles em que isso não ocorre.
Casais Filhos
Tipo No. P1 P2 Total
P1 × P1 194 471 53 524
P1 × P2 93 169 71 240
P2 × P2 17 1 38 39
79
87
R 1. Pode-se aceitar a hipótese de que os grupos sangüíneos P1 e P2 decorrem de um par de
alelos autossômicos sendo o fenótipo P1 dominante. De fato, se q2 = 0,2025, tem-se
q= 0,2025 = 0,45 e, comparando, inicialmente, as proporções observadas dos três tipos de
Casais
Filhos P1 Filhos P2 χ2(1)
Obs. Esp. Obs. Esp.
P1 × P1 471 473,7 53 50,3 0,160; 0,50<P<0,70
P1 × P2 169 165,5 71 74,4 0,225; 0,50<P<0,70
P2 × P2 1 0 38 39,0
80
88
Considerando que, na população da qual procedem essas famílias a freqüência de
indivíduos não-secretores pode ser estimada em 29%, teste a hipótese de que os fenótipos
secretor e não-secretor decorrem de um par de alelos autossômicos e que o fenótipo
secretor é dominante, empregando o método de Fisher (1939).
Para tanto, parta do pressuposto de que já foi demonstrado que:
a) As proporções de indivíduos secretores e não-secretores entre os cônjuges do
sexo masculino não diferem significativamente das observadas entre os do sexo feminino.
b) O número de casais constituídos por marido secretor e mulher não-secretora e o
de casais compostos por marido não-secretor e mulher secretora não diferem
significativamente.
c) A proporção de indivíduos secretores e não-secretores entre os filhos dos
diferentes tipos de casais é independente do sexo.
81
89
.Q 3. Um pesquisador verificou que os seres humanos podiam ser classificados em um
grupo positivo ou negativo conforme as suas hemácias aglutinassem ou não quando
suspensas em um anti-soro por ele descoberto. As proporções de homens e de mulheres
com respostas positiva (+) e negativa (-) não diferiram significativamente, permitindo
estimar que 36% dos indivíduos dão resposta positiva e 64% resposta negativa. Os casais
positivo × positivo geraram filhos positivos e negativos, mas os casais negativo × negativo
geraram apenas filhos com resposta negativa.
O referido pesquisador estudou a freqüência do caráter em questão, analisando 100
pares de mães e filhos(as), entre os quais anotou 25 pares ++, 9 pares +-,10 pares -+ e 56
pares --. Verificar se é possível aceitar a hipótese de que os grupos positivo e negativo têm
determinação monogênica autossômica, sendo o grupo negativo recessivo em relação ao
grupo positivo.
R 3. Pode-se aceitar a hipótese de que o caráter em questão tem determinação monogênica
autossômica e que o grupo negativo é recessivo, porque:
q2 = 0,64; q = 0,8; p = 1 - 0,8 = 0,2.
Mães Filhos + Filhos - Total
+ 25 (23,2) 9 (12,8) 34
- 10 (12,8) 56 (51,2) 66
Total 35 65 100
82
90
hipótese de que esses fenótipos são determinados por um par de alelos do cromossomo X, e
que o fenótipo normal é dominante nas mulheres?
p = 1 - 0,11 = 0,89
Marido× Mulher Obs. Esp.
Normal × Normal 87 87,9
Normal × Deficiente 1 1,1
Deficiente × Normal 12 10,9
Normal × Deficiente - 0,1
2
χ (3) = 0,229; 0,95<P<0,98
REFERÊNCIAS
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Beiguelman, B. The genetics of the resistance to leprosy. Internat. J. Lepr. 33: 808-812, 1965.
Beiguelman, B. & Quagliato, R. Nature and familial character of the lepromin reactions. Internat.J. Lepr. 33:
800-807, 1965.
83
91
Beiguelman B. A reação de Mitsuda oitenta anos depois. Hansen. Internat. 24: 144-16, 1999.
Feitosa, M., Krieger, H., Borecki, I., Beiguelman, B. & Rao, D.C. Genetic epidemiology of the Mitsuda
reaction in leprosy. Hum. Hered. 46: 32-35, 1996.
Fisher, R.A. em Taylor, G.L. & Prior, A.M. Blood groups in England. III-Discussion of the family material.
Ann. Eugen. 9: 18-44, 1939.
Lalouel, J.M., Rao, D.C., Morton, N.E. & Elston, R.C. A unified model for complex segregation analysis. Am.
J. Hum. Genet. 35: 816-826, 1983.
Li, C.C. - Population genetics. Univ. Chicago Press, Chicago, 7a. reimpressão, 1972.
Mann, J.D., Cahan, A., Gelb, A.G., Fisher, N., Hamper, J., Tippett, P., Sanger, R. & Race, R.R. A sex-linked
blood group. Lancet 1: 8-10, 1962.
Schiff, F. & Sasaki, H. Der Ausscheidungstypus, ein auf serologischen Wege nachweisbares mendelndes
Merkmal. Klin. Wschr 11: 1426-1429,1932.
Snyder, L.H. Studies in human inheritance. IX. The inheritance of taste deficiency in man. Ohio J. Sci. 32:
436-440, 1932.
84
92
CAPÍTULO 5. O EFEITO DA CONSANGÜINIDADE
85
93
ele impede, também, o casamentos de parentes afins em linha reta, o casamento do(a)
adotante com o cônjuge do(a) adotado(a) e do(a) adotado(a) com o cônjuge do(a) adotante,
bem como o casamento do(a) adotado(a) com o filho(a) superveniente ao pai ou à mãe
adotiva. Evidentemente, ao impedir esses casamentos entre parentes afins o Legislador
tinha em mente apenas a organização e a proteção da família.
Nem sempre, porém, os critérios adotados para o impedimento de casamentos entre
parentes têm uma base lógica. Assim, por exemplo, durante cerca de um milênio a Igreja
Católica proibiu o casamento entre parentes até o sétimo grau, com base no preceito bíblico
de que o mundo foi criado em sete dias. Mais tarde, ela passou a proibir os casamentos até
o quarto grau tomando como base os quatro elementos, terra água, ar e fogo (Almström,
1958).
Nos países atingidos pelo movimento luterano, as leis canônicas foram abolidas e a
proibição dos casamentos entre parentes consangüíneos passou a ser feita de acordo com o
Levítico (18:6-18). Dessa maneira, tais proibições atingiram alguns consangüíneos (pai ×
filha, mãe × filho, irmão × irmã, meio-irmão × meia-irmã, avô × neta, tio × sobrinha, tia ×
sobrinho) e alguns não-consangüíneos com afinidade próxima (filho × madrasta, sobrinho ×
esposa do tio, sogro × nora, cunhado × cunhada). Visto que a Bíblia, surpreendentemente,
não faz restrição aos casamentos entre primos, verificou-se, nos países que aceitaram a
reforma da Igreja, que a freqüência de casamentos entre primos em primeiro grau aumentou
rapidamente a partir do século dezesseis.
Apesar de existirem restrições aos casamentos consangüíneos, mesmo em
sociedades primitivas, existe um fenômeno que nos leva a ter que admitir a sua existência,
em alta proporção, em épocas remotas da história da humanidade. É o chamado fenômeno
da perda dos ancestrais. De fato, se não existissem casamentos consangüíneos todo
indivíduo deveria ter dois genitores, quatro avós, oito bisavós, 16 trisavós, 32 tetravós, e, de
uma maneira geral 2n ancestrais, sendo n o número de gerações que antecedem o indivíduo.
Se aceitarmos que em cada século houve, em média, quatro gerações, tem-se que admitir a
existência de 40 gerações em um milênio, e, também, que, há mil anos, o número de
ancestrais de um indivíduo da época atual deveria ser igual a 240, isto é, 1.099.511.627.776.
Essa estimativa, entretanto, é inverossímil, em vista das informações que temos
sobre a pequena população humana terrestre há um milênio. Portanto, a hipótese da
86
94
existência de casamentos consangüíneos em alta proporção em eras pregressas é aquela que
melhor serve para explicar o fenômeno da perda de ancestrais. Assim, por exemplo,
enquanto os filhos de não-consangüíneos têm oito bisavós, os filhos de primos em primeiro
grau têm seis e os filhos de primos duplos em primeiro grau têm quatro bisavós. O
fenômeno da perda dos ancestrais nos leva, pois, a concluir com Stern (1960) que, do ponto
de vista evolutivo, a fraternidade da espécie humana não é um mero conceito espiritual,
mas uma realidade genética.
No Levítico existem indicações de que entre os povos anteriores e contemporâneos
dos antigos hebreus os casamentos incestuosos poderiam não ter sido circunscritos apenas
às famílias reais, como as de algumas dinastias do Egito (Figura 1.5). É o que se depreende
das restrições que a Lei Mosaica faz no Levítico, 18:26-27, aos casamentos consangüíneos
e a outras uniões, com a advertência: "Guardai as minhas leis e os meus mandamentos, e
não cometais nenhuma dessas abominações, tanto os naturais quanto os estrangeiros entre
vós. Porque todas essas execrações cometeram os que foram, antes de vós, habitantes desta
terra, e a contaminaram". Curiosamente, o casamento entre irmãos também foi a regra entre
os reis incas (Rothhammer e Cruz-Coke, 1977). Assim, nas onze gerações que antecederam
à do rei Huáscar, que Pizarro mandou assassinar em 1532, nove foram de casamentos entre
irmãos, uma de casamento de primos em primeiro grau e uma de tia com sobrinho (Figura
2.5).
Quando as populações são muito pequenas, os casamentos consangüíneos podem
ocorrer não porque sejam preferenciais, mas porque o tamanho reduzido da população faz
com que aumente a probabilidade de parentesco consangüíneo próximo entre os cônjuges.
Isso tem sido observado em aldeias localizadas em ilhas, em tribos beduínas e em pequenas
comunidades religiosas. Existem comunidades pequenas, entretanto, como as encontradas
nos Alpes suíços, em que a freqüência de casamentos consangüíneos é bem menor do que a
esperada ao acaso, o que indica que, nesses agrupamentos humanos, tais uniões são
evitadas.
No cômputo geral, porém, predominam as evidências de que os casamentos
consangüíneos não ocorrem aleatoriamente na maioria das populações humanas (Haldane e
Moshinsky, 1939; Hajnal, 1963). No Brasil, por exemplo, constatou-se que, entre os casais
de primos em primeiro grau, aqueles em que o pai do marido é irmão do pai da mulher
87
95
ocorrem mais freqüentemente do que aqueles em que a mãe do marido é irmã da mãe da
mulher, o que fala a favor da influência direta ou indireta dos genitores masculinos no
casamento de seus filhos (Freire-Maia, 1958; Freire-Maia e Freire-Maia, 1961).
96
É difícil analisar os fatores que determinam a prevalência de casamentos
consangüíneos nas populações humanas, mas os de ordem econômica devem influir de
modo prioritário, mormente em comunidades rurais, com a finalidade de manter a
integridade da propriedade na família sem herdeiros do sexo masculino. Essa solução, aliás,
não deixa de ser bíblica, como se pode ler em Números, 36: 10-12: "E as filhas de Salfaad
fizeram como lhes tinha sido mandado e Maala, e Tersa, e Helga, e Melca, e Noa, casaram
com os filhos de seu tio paterno, da família de Manassés, que foi filho de José; e a
possessão que lhes tinha sido adjudicada permaneceu na tribo e família de seu pai”.
Na maior parte dos países, entretanto, a tendência atual é a diminuição acelerada das
taxas de casamentos consangüíneos, em decorrência do processo de urbanização, com a
formação de grandes aglomerados humanos, das conquistas femininas, que tornam a
mulher cada vez mais independente, e das facilidades de locomoção e comunicação, que
propiciam maior contato entre pessoas de origem diversa. Assim, por exemplo, a
Arquidiocese de Florianópolis, que registrava 4,5% de casamentos consangüíneos em 1920,
passou a assinalar 1 % desses matrimônios em 1980 (Agostini e Meireles-Nasser, 1986).
89
97
Fig. 3.5. Heredograma de uma genealogia com primos em primeiro grau (III-1 e
III-2).
Se o alelo autossômico a presente em III-1 lhe tivesse sido transmitido por seu avô
(I-1), tal gene teria percorrido o caminho I-1 → II-2 → III-1. Se esse avô tivesse
transmitido idêntico gene a III-2, está claro que o caminho percorrido seria I-1 → II-3 →
III-2.
O alelo autossômico a presente em III-1 poderia, entretanto, ter-lhe sido transmitido
por sua avó (I-2) e, nesse caso, esse gene teria percorrido o caminho I-2 → II-2 → III-1.
E se essa avó tivesse transmitido o mesmo gene a III-2, tal alelo teria percorrido o caminho
I-2 → II-3 → III-2.
Considerando que cada passagem de um gene de uma geração a outra é chamado de
passo genético ou, simplesmente, passo, pode-se dizer que cada um dos quatro caminhos
apontados para a transmissão do gene a inclui dois passos. Tendo em mente que cada passo
1 1
tem probabilidade , pois é a probabilidade de o alelo a passar de uma geração a outra,
2 2
fica claro que a probabilidade de o gene a ter sido transmitido pelo avô I-1 aos seus netos
4
III-1 e III-2 é igual a =
1 1
, pois são quatro os passos existentes nos dois caminhos
2 16
que esse gene teria que percorrer. Pelo mesmo motivo, tem-se que a probabilidade de o
1
gene a ter sido transmitido pela avó I-2 aos seus netos III-1 e III-2 também é igual a .
16
Pode-se, pois, concluir que a probabilidade de o gene autossômico a ter sido transmitido
1 1 1
por um ou outro ancestral comum aos dois primos em primeiro grau é igual a + = .
16 16 8
Visto que essa é a probabilidade de dois primos em primeiro grau herdarem o mesmo alelo
90
98
de um ancestral comum a ambos, pode-se dizer, também, que o coeficiente de
1 1
consangüinidade de primos em primeiro grau é , ou seja, r = .
8 8
Quando existem mais de dois ancestrais em comum, todos eles devem ser levados
em conta no cálculo do coeficiente de consangüinidade. Assim, por exemplo, no caso de
primos duplos em primeiro grau devemos considerar que tais primos têm quatro ancestrais
em comum (I-1, I-2, I-3 e I-4 da Fig. 4.5) e que existem quatro passos que devem ser
1
levados em conta em relação a cada um deles. Desse modo, r = para primos duplos em
4
4 4 4 4
primeiro grau, porque r = + + + =
1 1 1 1 4 1
= .
2 2 2 2 16 4
Fig. 4.5. Heredograma de uma genealogia com primos duplos em primeiro grau
(III-1 e III-2)
único ancestral comum a ambos (pai ou mãe) e os meio-irmãos estão ligados a ele por dois
passos genéticos.
91
99
Usando o mesmo raciocínio para parentes consangüíneos colaterais com outros
1
graus de consangüinidade concluímos que o coeficiente de consangüinidade de irmãos é ;
2
de tios e sobrinhos é igual ao de meio-irmãos ou de primos duplos em primeiro grau, isto é,
1 1
; de tios e meio-sobrinhos é , como no caso de primos em primeiro grau; de primos em
4 8
1 1
segundo grau é ; de primos em terceiro grau é ; e assim por diante.
16 32
92
100
Essa discordância entre a Genética e o Direito é que faz com que, por exemplo, os
meio-irmãos, os primos duplos em primeiro grau e os tios e sobrinhos, com o mesmo
parentesco genético, pois possuem, em média, a mesma quantidade de genes idênticos por
1
origem comum (r = ) sejam classificados diferentemente em Direito. Assim, no Direto
4
Civil e no Direto Canônico, os meio-irmãos são parentes colaterais em segundo grau, os
primos duplos em primeiro grau são parentes em quarto grau e os tios e sobrinhos são
parentes colaterais em terceiro grau. Por outro lado, de acordo com o Direito Civil
brasileiro e com o Direito Canônico não existe diferença quanto ao grau de parentesco entre
1 1
irmãos (r = ) e os meio-irmãos (r = ), que são tratados como parentes em segundo grau.
2 4
1 1
Os primos em primeiro grau (r = ) e os primos duplos em primeiro grau (r = ), são,
8 4
também, tratados do mesmo modo, já que, em ambos os casos, são considerados como
parentes em quarto grau.
COEFICIENTE DE CONSANGÜINIDADE
E RISCO DE ANOMALIAS RECESSIVAS
Uma das maneiras de demonstrar numericamente que os casais consangüíneos
estão, de fato, sujeitos a um risco maior do que os outros de gerar uma criança com uma
anomalia recessiva baseia-se no conhecimento do coeficiente de consangüinidade. Assim,
por exemplo, consideremos um indivíduo heterozigoto de um gene autossômico a, isto é,
Aa, que, em homozigose (aa), determina uma anomalia rara, com incidência estimada em 1
por 40.000. Suponhamos, ainda, que esse heterozigoto deseja casar com uma mulher que
não é sua parente consangüínea e quer saber qual a probabilidade de gerar com ela uma
criança com a anomalia recessiva determinada pelo genótipo aa.
Se a taxa de casamentos consangüíneos na população da qual procede o
heterozigoto for desprezível, diremos que tal probabilidade é estimada em 1/400, pois a
1 1
freqüência estimada do gene a é q = = , de sorte que a freqüência estimada de
40.000 200
1
heterozigotos na população é 2pq = . Sabendo-se que um casal Aa × Aa tem
100
1
probabilidade igual a de gerar uma criança homozigota aa, levamos, portanto, em conta
4
93
101
a probabilidade de a mulher ser heterozigota como o seu futuro marido que, com certeza
(probabilidade 1) é Aa, bem como a probabilidade de um casal Aa × Aa gerar uma criança
1 1 1 1
aa ( ). Calculamos, por isso, 1. . = ou 0,0025.
4 4 100 400
0 ,03125
estaria sujeito se casasse com uma mulher não-consangüínea dele, pois = 12,5.
0 ,0025
em primeiro grau gerar uma criança homozigota aa, dado que um dos cônjuges é, com
1 1 1
certeza Aa, resolvendo 1. . = . Ao calcularmos, desse modo, a probabilidade de um
4 8 32
filho do casal consangüíneo ser homozigoto, dado que um dos cônjuges é, sabidamente,
heterozigoto, estamos, pois, na realidade, admitindo a possibilidade de ele ser o que se pode
chamar de autozigoto ou isozigoto, isto é, um homozigoto que possui dois alelos idênticos,
derivados de um único gene herdado de um de seus ancestrais.
Se a anomalia recessiva aa tivesse freqüência bem menor na população, digamos a
metade (1 : 80.000), a probabilidade de o heterozigoto Aa gerar com sua prima em primeiro
grau um filho com o genótipo aa seria, proporcionalmente, ainda maior (17,6 vezes),
quando comparada àquela que ele teria em se casando com uma mulher que não lhe é
1
consangüínea. Isso porque essa última teria probabilidade praticamente igual a de ser
141
94
102
heterozigota, de modo que a probabilidade de ela gerar uma criança aa com o heterozigoto
1 1 1 0 ,03125
Aa seria igual a . = = 0,00177, o que fornece = 17,6.
4 141 564 0 ,00177
Esse último exemplo serve para ressaltar que a razão entre a probabilidade de
encontrar um gene em homozigose em filhos de consangüíneos e a de encontrá-lo desse
modo em filhos de não-consangüíneos aumenta com a raridade do gene. Evidentemente,
essa razão também aumenta com o grau de consangüinidade dos casais, visto que aqueles
com grau de consangüinidade mais próximo têm coeficiente de consangüinidade mais alto.
Mais adiante, no tópico sobre "O equilíbrio de Wright", neste mesmo capítulo, teremos a
oportunidade de chegar a essas mesmas conclusões a partir de um modelo mais geral.
A essa altura, o leitor atento deve ter percebido que um heterozigoto de um
determinado gene autossômico, casado com uma de suas primas em primeiro grau, tem
probabilidade muito maior de não gerar um filho homozigoto por autozigose de tal gene do
que de gerá-lo. Realmente, já vimos que tal indivíduo terá probabilidade de 3% de gerar
1
uma criança autozigota desse gene, pois ≅ 0,03, o que equivale a dizer que a
32
probabilidade de isso não acontecer será de 97%, porque 1 – 0,03 = 0,97. Entretanto,
quando lembramos que as pessoas são heterozigotas em relação a um grande conjunto de
genes, tem-se que a probabilidade de um indivíduo, que é casado com uma de suas primas
em primeiro grau, não gerar um autozigoto de pelo menos um dos genes do conjunto
diminui à medida que o número dos genes desse conjunto aumenta. Assim, se um indivíduo
é heterozigoto de n genes autossômicos e é casado com uma prima em primeiro grau, a
probabilidade de nenhum de tais genes estar em autozigose em um dos filhos desse casal é
n n
31 31
e a de pelo menos um desses genes ser encontrado nesse estado é 1 - , pois a
32 32
distribuição dos genótipos dos filhos desse casal em relação a esses genes será dada pelo
n
binômio + .
31 1
32 32
95
103
determinadas por esses genes, ainda que tais genes sejam muito raros na população, pois a
probabilidade de que pelo menos um deles ocorra em autozigose será 14,7%, pois
5
1 -
31
= 0,147.
32
Fig. 5.5. Heredograma de uma genealogia na qual houve ocorrência de uma anomalia
recessiva autossômica (III-1).
No heredograma da Figura 5.5, que descreve uma genealogia na qual ocorreu uma
anomalia recessiva autossômica monogênica manifestada pela mulher III-1 (aa), fica
evidente que o gene a entrou duas vezes em tal genealogia, pois a homozigose de III-1 não
teria sido possível se o gene a não estivesse presente em heterozigose tanto em II-1 quanto
em II-2, que não têm parentesco consangüíneo entre si. A mulher III-1 é, pois, uma
homozigota, mas não uma autozigota. Em vista do exposto, para calcularmos a
probabilidade de III-3 ter o gene a em heterozigose, não poderemos tomar o coeficiente de
consangüinidade do casal III-2 × III-3, mesmo porque não sabemos se III-2 é ou não
heterozigoto Aa. O que devemos fazer, então, é usar o coeficiente de consangüinidade de
II-2 e III-3, isto é da tia, reconhecidamente heterozigota Aa, e de sua sobrinha, o qual é,
1
como sabemos, . Por outro lado, visto que não sabemos se o cônjuge III-2 é heterozigoto,
4
temos que calcular a probabilidade de ele ser Aa, dado que ele é filho normal de um casal
96
104
reconhecidamente heterozigoto, pois gerou uma filha aa. Tal probabilidade é, como
2
sabemos, (probabilidade condicional). Portanto, se o casal III-2 × III-3 quisesse saber
3
qual a probabilidade de gerar uma criança homozigota aa, a qual pode ser autozigota ou
1 1 2 1 1
não, responderíamos , pois calcularíamos . . = ≅ 0,04 ou 4%.
24 4 3 4 24
COEFICIENTE DE ENDOCRUZAMENTO
O coeficiente de endocruzamento, geralmente simbolizado pela letra F, indica a
probabilidade de um indivíduo ser homozigoto, em decorrência do encontro, nele, de um
par de alelos idênticos, derivados de um único gene herdado de um de seus ancestrais. Em
outras palavras, o coeficiente de endocruzamento indica a probabilidade de um indivíduo
ser autozigoto de um gene qualquer presente em um de seus ancestrais. Para entendermos o
cálculo do coeficiente de endocruzamento tomemos o caso de um indivíduo que é filho de
um casal de primos em primeiro grau, como o indivíduo IV.1 da Figura 6.5. Consideremos
um par de alelos autossômicos B,b e suponhamos que o indivíduo IV. 1 é homozigoto
recessivo bb.
97
105
dos dois autossomos homólogos A do bisavô I-1, os quais poderemos representar por A1 e
A2, bem como a possibilidade de tal alelo estar em um dos dois autossomos homólogos A
da bisavó I-2, os quais poderão ser representados por A3 e A4.
Se o alelo b estivesse localizado no cromossomo A1, a probabilidade de o filho de
1
primos em primeiro grau IV-1 da Figura 6.5 ser autozigoto bb seria igual a , porque
64
1
sendo essa probabilidade o coeficiente de endocruzamento desse indivíduo (F = ).
16
98
106
1
c) tios(as) e meia(o)-sobrinhas(os) é igual a , como no caso de filhos de primos em
16
primeiro grau;
1
d) primos em segundo grau é igual a ;
32
1
e) primos em terceiro grau é igual a .
64
Comparando os valores dos coeficientes de endocruzamento com os coeficientes de
consangüinidade é fácil concluir que o coeficiente de endocruzamento em relação a genes
autossômicos pode ser calculado rapidamente quando se conhece o coeficiente de
r
consangüinidade dos genitores de um indivíduo, pois F = . O coeficiente de
2
endocruzamento também pode ser calculado com base na contagem do número de passos
nas linhas de consangüinidade que unem um indivíduo a cada um dos ancestrais comuns a
seus genitores. Assim, designando o número de tais passos por N, resolve-se a fórmula
N −1
F = Σ
1
No caso de filhos de primos em primeiro grau, por exemplo, tem-se
2
5 5
F = + = , pois há dois ancestrais comuns a seus genitores e seis passos nas
1 1 1
2 2 16
linhas que os unem a esses ancestrais. No caso de filhos de primos duplos em primeiro
5 5 5 5
grau, F = + + + =
1 1 1 1 1
porque são quatro os ancestrais comuns a seus
2 2 2 2 8
genitores e existem seis passos em cada uma das quatro linhas que os unem a eles.
Chamando de a o número de ascendentes que existem nas linhas que unem um filho
de consangüíneos a cada um dos ancestrais comuns a seus pais, o valor de F também
a
poderá ser calculado por intermédio de F = Σ pois a = N -1, quando N é o número de
1
2
passos nas linhas de consangüinidade que unem um indivíduo a um ancestral comum a seus
genitores.
Quando um ancestral de um filho de consangüíneos também é filho de
consangüíneos, o coeficiente de endocruzamento desse último (Fa) também deve ser levado
em conta na fórmula geral. Assim, em relação a tal ancestral deve-se calcular
N −1 a
(1+ Fa) ou (1+Fa) .
1 1
2 2
99
107
Na Figura 7.5 foram reunidos heredogramas de genealogias com alguns tipos de
casamentos consangüíneos e assinalados os coeficientes de consangüinidade desses casais,
bem como os coeficientes de endocruzamento de seus filhos em relação a genes
autossômicos.
100
108
graus de consangüinidade pelos respectivos coeficientes de endocruzamento de seus futuros
filhos ou, mais simplesmente, a partir da soma dos produtos das freqüências dos casais com
diferentes graus de consangüinidade pelos respectivos coeficientes de endocruzamento de
seus futuros filhos.
Para exemplificar, consideremos uma cidade brasileira qualquer (A) na qual, num
determinado período, tivessem ocorrido 1.000 casamentos, dos quais 853 (85,3%) entre
1
não-consangüíneos (F = 0), 50 (5%) entre primos em terceiro grau (F = ), 35 (3,5%)
64
1 1
entre primos em segundo grau (F = ), 60 (6%) entre primos em primeiro grau (F= ) e 2
32 16
1
(0,2%) entre tios(as) e sobrinhas(os) (F = ). Com base nesses dados estimaríamos o
8
101
109
COEFICIENTE DE ENDOCRUZAMENTO E GENES DO CROMOSSOMO X
Quando o coeficiente de endocruzamento diz respeito a genes do cromossomo X é
óbvio que se deve levar em conta apenas as filhas de consangüíneos, pois somente elas
possuem, normalmente, dois cromossomos X em seu cariótipo, o que lhes dá a
oportunidade de apresentar esses genes em homozigose. Para entender o cálculo do
coeficiente de endocruzamento em relação aos genes do cromossomo X, que é, geralmente,
simbolizado por F’, consideremos os quatro tipos de casamento entre primos em primeiro
grau (Figura 8.5).
Fig. 8.5. Coeficientes de endocruzamento das filhas de primos em primeiro grau em relação
a genes do cromossomo X.
102
110
Já na genealogia representada pelo heredograma 1 da Figura 8.5 essa probabilidade
1
é igual a , pois existe a certeza de que o cromossomo X do bisavô I-1 foi transmitido às
8
suas filhas II-2 e II-3, podendo-se, ainda, dizer que, se tal cromossomo tiver sido herdado
pelo indivíduo III-1, ele será, com certeza, transmitido à mulher IV-1. Portanto, aos passos
I-1→ II-2, I-1→ II-3 e III-1→ IV-l corresponde uma probabilidade 1. A cada um dos três
1
passos restantes dos caminhos 1 e 2 corresponde, evidentemente, uma probabilidade de o
2
cromossomo X do bisavô I-1 ter sido transmitido. Com isso, tem-se que a probabilidade de
a mulher IV-l do heredograma 1 da Figura 8.5 ter os genes do cromossomo X de seu bisavô
3
I-1 em autozigose é igual a = .
1 1
2 8
103
111
5
igual a =
1 1 1
, pois existem cinco passos com probabilidade nos caminhos 3 e 4
2 32 2
1
Por isso, recordando que . é a probabilidade de os dois cromossomos X dessa
8
mulher serem do bisavô I-1, tem-se que as filhas de casais de primos em primeiro grau do
tipo 1 da Figura 8.5 têm coeficiente de endocruzamento em relação a genes do cromossomo
3 1 `1 `1 3
X igual a , pois F’ = + + = . Aplicando o mesmo raciocínio na análise da
16 8 32 32 16
genealogia representada pelo heredograma 2 da Figura 8.5, concluiremos que o valor de F'
1 1 1 1
da mulher IV-1 nele representada é igual a , pois F’= 0 + + = .
8 16 16 8
n
O valor de F' pode ser obtido por intermédio da fórmula F' = Σ(1+Fa) na qual n
1
2
104
112
Fig. 9.5. Heredogramas de genealogias que incluem casais consangüíneos, inclusive
incestuosos, e coeficientes de endocruzamento em relação a genes do cromossomo X das
filhas desses casais. 1- pai × filha; 2- mãe × filho; 3- irmãos; 4, 5- meio-irmãos;
6, 9 – tia × sobrinho; 7,8 – tio × sobrinha; 10, 11- primos duplos em primeiro grau; 12,13 –
tio × meia-sobrinha; 14,15- tia × meio sobrinho.
105
113
probabilidade de esse indivíduo ser autozigoto AA. Assim, por exemplo, se o casal
consangüíneo fosse composto por primos em primeiro grau e a freqüência do alelo A fosse
1
igual a 0,80, essa probabilidade seria igual a 0,05, porque Fp = .0,80 = 0,05. Se o casal
16
consangüíneo fosse composto por primos duplos em primeiro grau e a freqüência do alelo A
1
continuasse a mesma, teríamos Fp = . 0,80 = 0,10.
8
106
114
P(Aa) = (1 - F)2pq
De fato, o gene A pode estar presente em um dos ancestrais comuns ao casal
consangüíneo (probabilidade p), não se encontrar por autozigose com um alelo A idêntico
no filho desse casal (probabilidade 1 - F), mas encontrar-se com um alelo a (probabilidade
q). A probabilidade de isso acontecer, isto é, de haver heterozigose, é, pois, (1- F)pq. Por
outro lado, o gene a pode estar presente em um dos ancestrais comuns ao casal
consangüíneo (probabilidade q), não se encontrar por autozigose com um alelo a idêntico
no filho desse casal (probabilidade 1 - F), mas encontrar-se com um alelo A (probabilidade
p) havendo, também neste caso, probabilidade (1 - F)pq de heterozigose. Portanto, a
probabilidade total de heterozigose Aa de um filho de um casal com um determinado tipo
de consangüinidade passa a ser P(Aa) = (1 -F)pq + (1 -F)pq = (1 -F)2pq, como havíamos
assinalado acima.
As expressões que indicam as probabilidades de homozigose AA e aa, e de
heterozigose Aa de um filho de um casal com determinado tipo de consangüinidade
também podem ser apresentadas como abaixo:
107
115
primos em primeiro grau corre o risco sete vezes mais alto do que os filhos de casais não-
consangüíneos de manifestar a anomalia recessiva em questão. Realmente, enquanto os
filhos desses últimos correm o risco de 1:10.000 de manifestar a anomalia recessiva em
apreço (q2 = 0,0001), um filho de primos em primeiro grau está sujeito a um risco de
0,0007 de manifestar essa mesma anomalia, pois
1
P(aa) = q2 + Fpq = 0, 0001 + × 0,99 × 0,01 = 0,0007
16
Um filho de primos duplos em primeiro grau correria risco mais alto de manifestar a
anomalia em questão porque, nesse caso
1
P(aa) = 0,0001 + × 0,99 × 0,01 = 0,0013
8
O EQUILÍBRIO DE WRIGHT
As considerações feitas no tópico anterior podem ser generalizadas para populações
humanas que tiverem coeficiente médio de endocruzamento ( F ) maior do que zero. Assim,
em relação a uma população com F diferente de zero não se afirmará que os genótipos AA,
Aa e aa decorrentes de um par de alelos autossômicos A,a com freqüências p e q,
respectivamente, se distribuem segundo a lei de Hardy e Weinberg, isto é, com AA= p2,
Aa = 2pq e aa = q2. Levando em conta o valor de F , tais genótipos se distribuirão de
acordo com a lei do equilíbrio de Wright, isto é, do seguinte modo:
AA = p2 + F pq, Aa = 2pq -2 F pq e aa = q2 + F pq.
Esse tipo de equilíbrio genético, que tem seu nome associado ao do insigne
geneticista norte-americano Sewall Wright, permite estabelecer duas conclusões
importantes para a Genética de Populações. A primeira conclusão é a de que os casamentos
consangüíneos são capazes de alterar as freqüências genotípicas, sem afetar, por si só, as
freqüências gênicas, pois, se não existir seleção preferencial contra ou a favor de algum
genótipo, as freqüências gênicas manter-se-ão constantes, independentemente do
coeficiente médio de endocruzamento da população.
Para demonstrar essa conclusão consideremos um par de alelos autossômicos A,a
com freqüências, respectivamente, p = 0,99 e q = 0,01 em uma população que está em
equilíbrio de Hardy e Weinberg, isto é, com F = 0. Em tal população, portanto, os
genótipos decorrentes desses alelos serão encontrados com freqüências AA = p2 = 0,9801,
Aa = 2pq = 0,0198 e aa = 0,0001. Se em uma geração dessa população os casamentos
108
116
consangüíneos começarem a ocorrer de modo a provocar um coeficiente médio de
endocruzamento F = 0,01, a distribuição genotípica em relação aos alelos A,a passará a ser
AA = p2 + F pq = 0,9802, Aa = 2pq -2 F pq = 0,0196 e aa = q2 + F pq = 0,0002. Se o
coeficiente médio de endocruzamento continuar aumentando, de modo a atingir F = 0,03, a
distribuição genotípica passará a ser AA = 0,9804, Aa = 0,0192 e aa = 0,0004.
Como se vê, apesar de, na população utilizada para exemplo, as freqüências dos
alelos A e a serem sempre as mesmas, isto é p = 0,99 e q = 0,01, as freqüências genotípicas
ficaram alteradas com a elevação do coeficiente médio de endocruzamento. Essa alteração
consiste no aumento dos homozigotos AA, cuja freqüência passou de 0,9801 para 0,9802 e,
em seguida, para 0,9803, e dos homozigotos aa, cuja freqüência passou de 0,0001 para
0,0002 e, depois, para 0,0004, bem como na diminuição dos heterozigotos Aa, cuja
freqüência passou de 0,0198 para 0,0196 e para 0,0192.
A segunda conclusão que se pode tirar do equilíbrio de Wright é a de que a
freqüência de homozigotos de um determinado gene é diretamente proporcional ao
coeficiente médio de endocruzamento e inversamente proporcional à freqüência desse gene.
Realmente, no exemplo utilizado, se nos reportarmos ao alelo raro (a) e compararmos a
freqüência de homozigotos aa quando F = 0,01 com aquela que a população mostrou
quando F = 0, notaremos que a primeira freqüência é duas vezes mais alta do que a
2 F pq
segunda, pois q + 2F pq =
0,0002
= 2. Em outras palavras, considerando que 2 mede o
q 0,0001 q
aumento relativo de homozigotos que uma população apresenta quando F = 0 passa a F >0,
pode-se dizer que na população de nosso exemplo os homozigotos aa aumentaram 100%
F pq
quando F passou de zero a 0,01, pois = 1 ou 100%. Quando F cresceu para 0,03, a
q2
freqüência de homozigotos aa passou a ficar quatro vezes mais alta do que a apresentada
pela população com F = 0, isto é, houve um aumento de 300% dos homozigotos, porque
q 2 + F pq 0,0004 F pq 0,0003
2
= =4 e 2 = = 3 ou 300%.
q 0,0001 q 0,0001
109
117
F pq 0,0001
aumento relativo de apenas 0,01% porque 2
= = 0,0001 ou 0,01%. Em razão da
q 0,9801
freqüência alta do gene A, o aumento relativo foi desprezível mesmo quando F = 0,03, pois
F pq 0,0003
foi igual a 0,03%, visto que = = 0,0003 ou 0,03%.
q2 0,9801
110
118
De fato, mesmo que a amostra fosse constituída por 9.000 indivíduos, dos quais
2.573 fossem do grupo M, 4.394 do grupo MN e 2.033 do grupo N, não seria possível
rejeitar a hipótese de que a população da qual foi extraída a amostra está em equilíbrio de
2.573 + 2.197
Hardy e Weinberg porque, com esses dados, estimaríamos p = = 0,53 e q = 1 –
9.000
111
119
AA = p2 + F pq = p2 +p(1-p)= p
Aa = 2pq -2 F pq = 2pq -2pq = 0
aa = q2 + F pq = q2 + (1 -q)q = q
Evidentemente, a fixação dos homozigotos ocorrerá não apenas em relação a um par
de alelos, mas afetará todos os locos gênicos. Assim, por exemplo, se considerarmos um
outro par de alelos (B,b), encontraremos, quando houver fixação completa, apenas os
genótipos BB e bb e, quando eles forem analisados simultaneamente com os alelos A,a
poderemos encontrar os genótipos AABB, AAbb, aaBB e aabb, mas não os genótipos AABb,
AaBB, AaBb, Aabb nem aaBb.
A diminuição dos heterozigotos em conseqüência da endogamia é o princípio
empregado na produção de linhagens isogênicas de animais e vegetais, porque, a menos
que haja mutações, tem-se, numa população estritamente endogâmica, que cada indivíduo
acabará por gerar uma prole cujos genes são idênticos aos dele. É o caso das raças de
animais de laboratório, obtidas a partir do acasalamento de irmãos durante muitas gerações.
Desse modo, fica aumentada não apenas a probabilidade de identidade genética dos
indivíduos, isto é, sua isogenicidade, mas, também a sua homozigosidade. Está claro,
porém, que o sistema de acasalamento entre irmãos requer maior número de gerações do
que a autofecundação para se conseguir o desaparecimento dos heterozigotos.
Aqui é importante lembrar que a manutenção da isogenicidade dos animais de
laboratório tem importância crucial para a interpretação dos resultados de pesquisas que
visam à avaliação dos efeitos do ambiente, pois, trabalhando com tais animais, os diferentes
resultados obtidos serão atribuídos às variações do ambiente, às técnicas adotadas etc., e
não às variações genotípicas. Na espécie humana, os gêmeos monozigóticos, também se
prestam a esse tipo de estudo por causa de sua isogenicidade, mas a isogenicidade de tais
gêmeos não é comparável à das linhagens isogênicas animais e vegetais, porque nos
gêmeos monozigóticos ela não implica em homozigosidade.
Conhecendo-se o fenômeno da fixação, é possível apresentar o equilíbrio de Wright,
não como um desvio da panmixia, como se fez até agora, mas como um desvio da fixação
completa, quando AA = p e aa = q. De fato, consideremos uma população teórica, com
F = 1, a qual passasse a apresentar um coeficiente médio de endocruzamento entre zero e a
unidade (0 < F < 1). Nesse caso, a freqüência de homozigotos AA deixaria de ser p, pois
112
120
diminuiria para p - (1 - F )pq, enquanto a freqüência de homozigotos aa passaria de q para
q - (1 - F )pq. Disso resulta que a freqüência de heterozigotos Aa cresceria de zero para
2(1 - F )pq.
É simples demonstrar que as expressões das proporções genotípicas sob a forma de
desvio da fixação e de desvio da panmixia se equivalem, como se pode ver abaixo:
AA = p - (1- F )pq = p – pq + F pq = p - (1- p) p + F pq = p2 + F pq
Aa = 2 (1 - F )pq = 2pq -2 F pq
aa = q - (1 - F )pq = q -pq + F pq = q - (1 -q)q + F pq = q2 + F pq
Um outro modo de expressar o equilíbrio de Wright pode ser conseguido quando
consideramos, simultaneamente, o grau de endogamia da população, isto é, o seu
coeficiente médio de endocruzamento ( F ) e o seu grau de panmixia, indicado por 1 - F .
Dessa maneira, pode-se avaliar um componente fixo, decorrente de F , e um componente
panmíctico (1 - F ) da população em estudo. Isso pode ser obtido por intermédio das
transformações abaixo:
AA = p2 + F pq = p2 + F p(1 - p) = p2 + F p - F p2 = F p + (1- F )p2
Aa = 2pq -2 F pq = 2 (1 - F )pq
aa = q2 + F pq = q2 + F q (1 -q) = q2 + F q - F q2 = F q + (1 - F )q2
A Tabela 1.5 resume a maior parte das considerações feitas neste tópico.
Tabela 1.5 Freqüências genotípicas esperadas em uma população panmíctica ( F = 0) , com
fixação completa ( F = 1) e com 0< F <1. Nesse último caso são indicados os três modos de
representar o equilíbrio de Wright.
Genótipo ( F = 0) ( F = 1) 0< F <1
Panmixia Fixação Componente Fixo e
Desvio da Panmixia Desvio da Fixação
Panmíctico
AA p2 p p2 + F pq p – (1- F )pq F p + (1- F )p
2
113
121
entre os filhos de consangüíneos, cujo coeficiente de endocruzamento é F, que a
probabilidade de homozigose aa pode ser calculada por intermédio de Fq + (1 -F)q2.
Portanto, entre os filhos de casais com determinado grau de consangüinidade que ocorrem
com freqüência c e cujos filhos têm coeficiente de endocruzamento F, a freqüência
esperada de homozigotos aa deve ser c[Fq + (1 -F)q2]. Por outro lado, se a população em
estudo apresentar coeficiente médio de endocruzamento F , ela deverá conter uma
freqüência de homozigotos aa que não deve desviar-se significativamente de
2
F q + (1 - F )q . Daí se pode concluir que, para estimar a proporção esperada de filhos de
k=
[
c Fq + (1 − F)q 2 ] = c[F + (1 − F)q]
F + (1 − F )q
2
F q + (1 − F )q
114
122
3. inversamente proporcional ao coeficiente médio de endocruzamento da
população.
Tabela 2.5. Fórmulas para calcular a proporção k esperada de filhos de casais com
diferentes graus de consangüinidade entre os homozigotos de um gene autossômico a com
freqüência q.
Casal F Alto F Baixo
Pai × Filha c(1 + 3q) c(1 + 3q)
k= k=
Mãe × Filho 4[ F + (1 − F )q] 4( F + q)
Irmãos
Meio irmãos c(1 + 7q) c(1 + 7 q)
Tio(a) × Sobrinha(o) k= k=
8[ F + (1 − F )q] 8( F + q)
Primos duplos em 1o. grau
o
Primos em 1 . grau c(1 + 15q) c(1 + 15q)
Tio(a) × Meia(o) sobrinha(o) k= 16[ F + (1 − F )q] k=
16( F + q)
c(1 + 31q) c(1 + 31q)
Primos em 2o. grau k= k=
32[ F + (1 − F )q] 32( F + q)
c(1 + 63q) c(1 + 63q)
Primos em 3o. grau k= k=
64[ F + (1 − F )q] 64( F + q)
Tabela 3.5. Proporções esperadas (k) de filhos de primos em primeiro grau entre os
homozigotos de um gene autossômico com diferentes freqüências q, segundo várias taxas
de casamento entre primos em primeiro grau (c) e diferentes valores de coeficiente médio
de endocruzamento ( F ).
c = 0,005 c = 0,01 c = 0,02
q
F = 0,005 F = 0,01 F = 0,02 F = 0,005 F = 0,01 F = 0,02 F = 0,005 F = 0,01 F = 0,02
0,001 0,0529 0,0290 0,0152 0,1058 0,0580 0,0304 0,2116 0,1155 0,0605
0,005 0,0338 0,0226 0,0136 0,0677 0,0452 0,0271 0,1347 0,0899 0,0540
0,01 0,0242 0,0182 0,0122 0,0481 0,0361 0,0241 0,0962 0,0722 0,0482
0,02 0,0163 0,0136 0,0103 0,0326 0,0273 0,0205 0,0653 0,0545 0,0410
0,05 0,0100 0,0092 0,0080 0,0200 0,0184 0,0159 0,0400 0,0368 0,0317
0,10 0,0075 0,0072 0,0066 0,0150 0,0143 0,0132 0,0299 0,0287 0,0265
unidade. A investigação dessa razão com base nos dados da Tabela 3.5 permite notar que,
k
para um determinado coeficiente médio de endocruzamento, a razão é muito mais alta
c
115
123
freqüência de casamentos consangüíneos ser alta ou baixa. Além disso, à medida que
k
aumenta a freqüência do gene sob análise, a razão tende para a unidade.
c
Realmente, usando os dados da Tabela 3.5, verifica-se que, numa população com
coeficiente médio de endocruzamento F = 0,005, ter-se-á, independentemente de a
freqüência de casais de primos em primeiro grau na população ser igual a 0,5 %, 1 % ou
2%, isto é, c = 0,005, c = 0,01 ou c = 0,02, que a proporção k de filhos de primos em
primeiro grau entre os homozigotos de um gene com freqüência q = 0,001 será 10,6 vezes
maior do que a freqüência de casais consangüíneos nessa mesma população, porque:
k 0 ,0529 0 ,1058 0 ,2116
= = = = 10 ,6
c 0 ,005 0 ,01 0 ,02
116
124
c − 16k F
q=
16k − 15c
Outra grande aplicação do conhecimento do valor de k em Genética Médica é a de,
por intermédio dele, muitas vezes, podermos obter a indicação de que uma heredopatia
recessiva autossômica monogênica, aparentemente homogênea, é, na realidade constituída
por mais de uma entidade genético-clínica, isto é, por duas ou mais genocópias. Para
demonstrar isso, consideremos uma população com coeficiente médio de endocruzamento
F= 0,002 e taxa de casamentos entre primos em primeiro grau c = 0,01, na qual a
freqüência de recém-nascidos com uma anomalia recessiva autossômica é igual a 1:10.000.
Consideremos, também, que 17% dos indivíduos afetados pela anomalia em discussão são
filhos de primos em primeiro grau.
Se a análise das irmandades com essa anomalia recessiva apoiar a hipótese
monogênica, o nosso primeiro impulso será o de considerar a existência de um único gene
(a) responsável por ela e o de estimar que a sua freqüência é q = 0,009. De fato, com base
nos dados à nossa disposição, e a partir da equação aa = F q+ (1- F )q2 , podemos calcular:
0,0001 = 0,002q + 0,998q2
0,998q2 + 0,002q - 0,0001 = 0
− 0 ,002 + 0 ,000004 + 0 ,0003992
q= = 0,009
1,996
Como explicar, então, o encontro de tão alta taxa de filhos de primos em primeiro
grau entre os recém-nascidos que apresentam a anomalia em discussão? Uma hipótese que
poderia ser aventada é a de que a taxa estimada de casais de primos em primeiro grau na
população (c = 0,01) está errada, isto é, que ela constitui uma sub-estimativa do valor real.
Assim, se o valor de c estivesse entre 0,026 e 0,027, o valor de k, obtido pela fórmula acima
seria 17%. Tal hipótese, contudo, deve ser rejeitada porque ela conduz a um raciocínio
incoerente. Realmente, se o valor de c fosse mais alto, isso significaria que na população
existem grupos endogâmicos, responsáveis pela ocorrência da anomalia na população.
117
125
Entretanto, se isso fosse verdadeiro, dever-se-ia aceitar que a freqüência do gene em
discussão é mais alta do que a estimada, pois para obter essa estimativa somente
deveríamos levar em conta esses grupos endogâmicos nos quais o eventual gene a ocorre e
não a população geral. Mas, se a freqüência do gene a fosse alta, o valor de k esperado
deveria ser baixo e não tão alto como o encontrado, o que invalida o raciocínio anterior.
O melhor, portanto, é aceitar uma outra hipótese, segundo a qual se supõe a
existência de genocópias responsáveis pela manifestação da anomalia em discussão. Assim,
por exemplo, se considerássemos que a anomalia recessiva autossômica em apreço é
determinada por dois genes não alelos (a e b) em homozigose, que ocorrem com igual
freqüência na população (q1 = q2), teríamos que a incidência de recém-nascidos aa seria
igual a 1: 20.000 ou 0,00005, o mesmo ocorrendo com a incidência de recém-nascidos bb.
Em conseqüência disso, diríamos que ql = q2 = 0,006, pois:
aa = bb= F q+ (1- F )q2
0,00005 = 0,002q + 0,998q2
0,998q2 + 0,002q -0,00005 = 0
− 0,002 + 0 ,000004 + 0 ,0001996
q= = 0,006
1,996
118
126
primos em primeiro grau, costuma-se aceitar que, nas populações com coeficiente médio de
endocruzamento baixo, a maioria dos casais consangüíneos é de primos em primeiro grau.
Tendo isso em mente, quando não é possível conhecer o valor do coeficiente médio
de endocruzamento de uma população, apesar de desconfiarmos que ele é baixo, poderemos
obter uma estimativa da proporção k de filhos de casais de primos em primeiro grau sem
levar em conta o valor de F . Tal estimativa será tanto mais próxima daquela obtida com o
concurso de F quanto menor for o coeficiente médio de endocruzamento da população.
Para demonstrar como isso pode ser feito, suponhamos que conhecemos a freqüência c com
que os casais de primos em primeiro grau ocorrem na população, bem como a freqüência q
de um gene autossômico a que, em homozigose, determina uma anomalia. Visto que a
probabilidade de um filho de primos em primeiro grau ser homozigoto de um gene com
q
freqüência q é ( 1 + 15q) porque:
16
q 15 2 q
Fq + (1 -F)q2 = + q = ( 1 + 15q)
16 16 16
cq(1 − q) + 16q 2
expressão essa que pode ser reduzida a .
16
119
127
cq
(1 + 15q)
c(1 + 15q)
k = 16 =
cq(1 − q) + 16q c(1 − q) + 16q
16
Evidentemente, essa fórmula também pode servir para estimar a freqüência de genes
responsáveis por anomalias recessivas autossômicas, bastando, para isso, resolvê-la em
função de q. Assim, por exemplo, consideremos que tivéssemos observado que 7,5% dos
pacientes com uma determinada anomalia recessiva são filhos de casais de primos em
primeiro grau (k = 0,075) e que, na população à qual pertencem esses pacientes, esses
casais de primos ocorrem com freqüência igual a 0,6% (c = 0,006). Se não soubéssemos
que o coeficiente médio de endocruzamento dessa população é F = 0,0004, poderíamos
resolver
c(1 − k)
q=
16k − (15 + k)c
mesma estimativa.
Consideremos, agora, uma situação em que o valor de F não é tão baixo, digamos
F = 0,005, e que 13,5% dos pacientes com uma determinada anomalia recessiva são filhos
de casais de primos em primeiro grau (k = 0,135), enquanto na população geral a freqüência
desses casais é 2% (c = 0,02). Nesse caso, o desconhecimento do coeficiente médio de
endocruzamento conduziria a uma estimativa muito alta da freqüência do gene, pois, por
intermédio da fórmula que não leva em conta F obteríamos q = 0,009, enquanto que pela
fórmula que leva em conta o coeficiente médio de endocruzamento obteríamos q = 0,005.
O problema de estimar a proporção de filhos de casais de primos em primeiro grau
entre homozigotos, quando não se conhece o coeficiente médio de endocruzamento, pode
ser tratado de outra forma. Para demonstrá-la, consideremos um gene autossômico a que,
em homozigose, determina uma anomalia rara. Se esse gene tiver freqüência q e seu alelo A
tiver a freqüência p = 1 - q, poderemos escrever que a probabilidade de ocorrência de um
heterozigoto Aa na população será 2pq e que a probabilidade de um primo desse
120
128
1
heterozigoto ser, também, heterozigoto do gene raro a é , que é o coeficiente de
8
Entre os casais não consangüíneos, que aceitamos como tendo freqüência 1- c, por
considerarmos que, praticamente, todos os casais consangüíneos são de primos em primeiro
grau, a probabilidade de um casal ser heterozigoto (Aa×Aa) e ter um filho homozigoto aa é,
1
como, se sabe, 2pq.2pq. = p2q2. Portanto a freqüência esperada de homozigotos aa
4
gerados por casais não consangüíneos passa, nesse caso, a ser estimada por intermédio de
(1 - c)p2q2, enquanto que a freqüência total de homozigotos aa esperada na população passa
cpq
a ser estimada por + (1-c)p2q2.
16
cpq
16 c
porque k = = .
cpq c + 16 pq( 1 − c )
+ p 2 q 2 (1 − c)
16
121
129
l6q2(kc - k) + l6q(k - kc) -c(l - k) = 0
Usando os mesmos dados do exemplo em que k = 0,075 e c = 0,006 numa
população em que F= 0,0004, a raiz positiva dessa equação nos forneceria,
aproximadamente, q = 0,005, isto é, a mesma estimativa que obteríamos com a fórmula que
leva em conta o valor de F . Contudo, se F não for tão baixo, mas, digamos, F = 0,005,
como no exemplo dado anteriormente, o desconhecimento desse coeficiente conduzirá a
uma super-estimativa da freqüência do gene em estudo. Assim, por exemplo, no caso de
k = 0,135 e c = 0,02, a freqüência do gene a seria estimada como q = 0,008, ao passo que,
levando em conta F = 0,005, obtemos q = 0,005.
EQUIVALENTE LETAL
Os casamentos consangüíneos não são incluídos entre os fatores evolutivos
(mutação, seleção, deriva genética, migração) porque eles não podem por si só contribuir
para o aumento ou a perda de genes de uma população. De fato, visto que os casamentos
consangüíneos apenas alteram as freqüências genotípicas, mas não as gênicas, eles não
podem contribuir para a evolução de uma espécie, pois a evolução implica,
obrigatoriamente, na substituição de um conjunto gênico de uma espécie por outro
conjunto.
É evidente, porém, que, ao aumentar a probabilidade de homozigose, os casamentos
consangüíneos aumentam a probabilidade de eliminação de genes que, ao determinar
doenças recessivas, ficam sujeitos à seleção mais intensa do que seus alelos, promovendo,
assim, indiretamente, alterações das freqüências gênicas. Foi o conhecimento dessa
realidade que levou o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 1946, o geneticista norte-
americano Hermann Joseph Muller, a utilizar os casamentos consangüíneos para estimar,
pela primeira vez, o número de genes que os seres humanos possuem em heterozigose e
que, quando em homozigose, determinam a morte de um indivíduo (Muller, 1948, 1956).
A estimativa de Muller baseou-se em dados familiais coletados por Arner (1908),
nos quais constatou que 83,2% dentre 672 filhos de casais de primos em primeiro grau
alcançaram os 20 anos de idade, atingindo, portanto, idade reprodutiva, ao passo que uma
porcentagem maior (88,4%) de 3.184 filhos de casais não-consangüíneos chegou até essa
idade. Esses filhos de casais não-consangüíneos tomados para comparação eram sobrinhos
122
130
dos cônjuges consangüíneos, para que os efeitos do ambiente pudessem ser considerados
como equivalentes nos dois grupos estudados.
Comparando a taxa de sobrevivência dos filhos de primos em primeiro grau com a
dos filhos de não-consangüíneos, estimou Muller (1948,1956) que a viabilidade relativa dos
83,2
primeiros era 94%, pois = 0,94. Isso equivale a dizer, portanto, que 6% dos filhos de,
88,4
1
que observou entre os filhos desses casais seriam causados pela autozigose de dos genes
16
123
131
Tabah (1952,1953) sobre natimortalidade e mortalidade neonatal, infantil e juvenil dos
filhos de casais de primos em primeiro grau e de casais não-consangüíneos, além dos dados
de Arner (1908) e de informações ainda mais antigas (Bemiss, 1858), obtidas nos Estados
Unidos. Esse trabalho de Morton, Crow e Muller (1956), no qual foi criada a designação
equivalente letal, permitiu-lhes estimar que os seres humanos possuiriam, em média, de 3 a
5 equivalentes letais em heterozigose. Posteriormente, Morton (1960) criou o conceito de
equivalente detrimental, para designar o efeito de genes detrimentais que produzem
anomalias, mas que não são avaliados pela mortalidade. Nesse trabalho, após analisar dados
obtidos por Schull (1958) no Japão, Sutter (1958) na França, Slatis, Reis e Hoene (1958)
nos Estados Unidos, Bõõk (1957) na Suécia, além de dados mais antigos obtidos por
Bemiss (1858) nos Estados Unidos, Morton chegou à conclusão de que nos seres humanos
existem, em média, 3 equivalentes detrimentais por zigoto.
124
132
número médio de equivalentes letais e detrimentais por gameta que se expressam nos filhos
de consangüíneos e F é o coeficiente de endocruzamento. Nas populações com alto nível de
vida, nas quais a taxa de mortalidade infantil e juvenil é muito baixa, pode-se aceitar que A
seja a estimativa do dano genético sofrido pelos filhos de não-consangüíneos.
Tendo em mente que A + BF é uma regressão, na qual A é o intercepto e B é o
coeficiente de regressão, pode-se estimar, para diferentes valores de F, o aumento do risco
de mortalidade precoce e morbidade ao qual estão sujeitos os filhos de consangüíneos, em
conseqüência de homozigose de genes deletérios. Para isso basta obter a diferença entre 1 -
e-(A +BF) e 1 - e-A.
Tomemos um exemplo numérico para ilustrar essa afirmação, considerando os
dados de Freire-Maia (1984) sobre a população brasileira de classe média e alta, para a qual
estimou B = 2, pois aceitou a existência de 1,5 equivalente letal e 0,5 equivalente
detrimental por gameta, e A = 0,22. Com base nesses dados podemos informar aos casais de
1
primos em primeiro grau (F = ) que seus filhos correm um risco de mortalidade precoce
16
Aos casais formados por primos duplos em primeiro grau ou por tio(a)-sobrinha(o),
1
isto é, com F = , podemos informar, com base nesses mesmos dados, que seus filhos
8
correm um risco de mortalidade precoce e morbidade 18% mais alto do que o dos filhos de
não-consangüíneos, porque, nesse caso, calculamos
1
(1 -e-(0,22 + 2. 8 )) -(1 - e-0,22) = 0,3750 - 0,1975 = 0,1775 ≅18%.
125
133
Segundo ele, esse risco para os filhos de casais normais não-consangüíneos é de 1,2%,
enquanto que para os filhos de primos em primeiro grau, também normais, é de 6,2 %.
O EFEITO WAHLUND
O termo isolado é comumente empregado em Genética para definir um conjunto
humano que está separado dos outros por alguma barreira, seja ela geográfica, política,
sócio-econômica, religiosa ou cultural, que impede ou dificulta a troca de genes com outro
conjunto, por intermédio do casamento de seus elementos. Nessa definição está implícito,
pois, que, na espécie humana, também existem mecanismos de isolamento que impedem o
intercâmbio de genes entre populações que vivem na mesma área geográfica.
Os efeitos genéticos resultantes do isolamento dependem do tamanho dos isolados.
Se uma população for dividida em isolados grandes, o resultado desse isolamento (efeito
Wahlund) será semelhante ao dos casamentos consangüíneos, isto é, haverá aumento da
freqüência de homozigotos na população (Wahlund, 1928). Em outras palavras, quando a
população é dividida em grandes isolados, o isolamento não terá efeito evolutivo, pois
somente haverá alteração das freqüências genotípicas, mas não das freqüências gênicas.
Para demonstrar o efeito Wahlund consideremos uma população na qual os alelos
autossômicos A,a tenham freqüências po e qo, respectivamente, e que essa população tenha
sido dividida em n isolados grandes e panmícticos , de sorte que, em cada um deles, os
genótipos AA, Aa e aa se distribuam de acordo com a lei de Hardy e Weinberg.
Suponhamos, ainda, que, nesses n isolados os alelos A e a tenham freqüências diferentes,
designadas por p1, p2, p3, ..., pn e q1, q2, q3, ..., qn .
Evidentemente, as freqüências médias p e q dos alelos A e a nos n isolados serão
iguais às freqüências gênicas da população antes de sua divisão em subpopulações. Assim,
se os n isolados tiverem o mesmo tamanho, poderemos escrever que as freqüências médias
dos alelos A e a serão
Σp Σq
p = po = e q = qo = ou q = q o = 1 − p
n n
Por outro lado, a variância de q , que é igual a variância de p , será obtida por
Σq 2
intermédio de − q2 porque:
n
126
134
(Σq) 2
Σq 2 − 2
Σ(q − q) 2 2 2
n = Σq − Σq = Σq − q 2
=
n n n n n
No caso de os isolados terem tamanhos diferentes e x1, x2, x3, .... xn representarem
as suas proporções, as freqüências médias dos alelos A e a serão médias ponderadas, isto é,
serão obtidas a partir de
p = po=Σxp e q = qo = Σxq ou q = qo = 1 - p
127
135
Os exemplos numéricos da Tabela 4.5 servem bem para ilustrar o que foi
mencionado até agora. Na Tabela 4.5- A temos uma população subdividida em quatro
grandes isolados de mesmo tamanho, nos quais as freqüências dos alelos autossômicos A,a
mostram grande variação. Nos dados dessa tabela, as freqüências médias desses alelos ( p e
q ), que são, também, é claro, as freqüências desses mesmos alelos antes de a população
ser dividida em quatro grandes isolados (po e qo), são p = po = 0,6 e q = qo = 0,4, mas as
freqüências médias dos genótipos não se distribuem segundo
AA = p 2 = 0,36 Aa =2 p q = 0,48 aa = q 2 = 0,16
mas, segundo:
Σp 2 Σ2 pq Σq 2
AA = = 0,41 Aa = = 0,38 aa = = 0,21
n n n
A diferença entre as freqüências genotípicas nessas duas distribuições é,
exatamente, a variância, no caso de cada genótipo homozigoto (0,05), e o dobro da
variância no caso do genótipo heterozigoto (0,10). Pode-se, pois, escrever que a população
de nosso exemplo, quando dividida em quatro grandes isolados de mesmo tamanho, passará
a ter a distribuição genotípica AA = 0,36 +0,05 = 0,41; Aa = 0,48 – 0,10 = 0,38;
aa = 0,16 + 0,05 = 0,21, mas as freqüências gênicas iniciais não sofrerão qualquer
alteração, porque A = 0,41 + 0,19 = 0,60 e a = 0,21 + 0,19 = 0,40.
Na Tabela 4.5.B a população na qual os alelos A,a mostravam, inicialmente, as
freqüências po = 0,6 e qo = 0,4, também foi subdividida em quatro isolados grandes, com a
mesma variação das freqüências gênicas observada na Tabela 4.5.A. Na Tabela 4.5.B,
entretanto, os isolados têm tamanhos diferentes, correspondendo, os de números 1 e 4, cada
qual, a 30% da população total (x = 0,3), e os de números 2 e 3, cada qual, a 20% da
população total (x = 0,2). 0 efeito final é, contudo, semelhante ao observado na Tabela
4.5.A, porque as diferenças entre os tamanhos dos isolados não foram muito acentuadas.
Tendo em mente que, nas populações subdivididas em grandes isolados, o aumento
da freqüência de homozigotos depende do valor da variância das freqüências gênicas, está
claro que, nessas populações, tal aumento será tanto mais pronunciado quanto maior for a
variação da freqüência gênica dos isolados, pois é essa variabilidade que determina o valor
da variância. A Tabela 4.5.C ilustra isso de modo claro. De fato, apesar de essa tabela
referir-se a uma população com as freqüências gênicas iniciais idênticas às da Tabela 4.5.A
e de ela também ter sido subdividida em quatro isolados de mesmo tamanho, as freqüências
128
136
de homozigotos na população da Tabela 4.5.C são menores do que as da Tabela 4.5.A,
porque as freqüências gênicas variaram menos nos isolados da população da Tabela 4.5.C.
C. Os isolados têm o mesmo tamanho, mas as freqüências gênicas variam menos do que em
A e B.
Isolado p Q p2 2pq q2
1 0,8 0,2 0,64 0,32 0,04
2 0,7 0,3 0,49 0,42 0,09
3 0,5 0,5 0,25 0,50 0,25
4 0,4 0,6 0,16 0,48 0,36
População dividida 0,6 0,4 0,385 0,430 0,185
População inicial 0,6 0,4 0,360 0,480 0,160
Diferença 0,025 -0,050 0,025
(σ2) (-2 σ2 ) (σ2)
129
137
concluiremos logo que é possível comparar o acréscimo de homozigotos que resultam
desses dois processos em relação às freqüências esperadas em equilíbrio de Hardy e
Weinberg. Em outras palavras, pode-se comparar a variância resultante do efeito Wahlund
com Fpq, que é o acréscimo de p² e de q², o que permitirá avaliar a qual valor de F
corresponde o aumento da freqüência de homozigotos por efeito do isolamento.
Tomemos para exemplo os dados da Tabela 4.5.A. Se o acréscimo na freqüência de
cada genótipo homozigoto (σ²) fosse igual ao acréscimo Fpq, observado nas populações em
equilíbrio de Wright, teríamos σ² = Fpq. Nos dados da Tabela 4.5.A tem-se σ² = 0,05,
enquanto que p e q correspondem, respectivamente, a po = p = 0,6 e qo = q = 0,4 pois são
as freqüências dos alelos autossômicos A,a na população sem subdivisão em grandes
isolados. Em vista disso, extrairíamos o valor de F a partir da igualdade σ² = Fpq, obtendo:
σ2 0 ,05
F= = =0,21
pq 0 ,6 × 0 ,4
1
isto é, um valor próximo de 0,25 ou .
4
1
Lembrando que é o coeficiente de endocruzamento de filhos de irmãos, ou de
4
pais e filhas ou de mães e filhos, podemos, pois, dizer que o aumento de homozigotos por
efeito do isolamento na população da Tabela 4.5.A corresponde àquele que seria
conseguido se, praticamente, todos os casamentos da população fossem incestuosos. Como
se vê, a subdivisão da população em grandes isolados com freqüências gênicas diferentes é
mais eficiente do que os casamentos consangüíneos para aumentar as freqüências dos
genótipos homozigotos. Essa eficiência será tanto maior quanto maior for a variância da
freqüência dos genes.
130
138
QUESTÕES E RESPOSTAS
Q 1. O pai de João é irmão da mãe de Maria e a mãe de João é irmã do pai de Maria. João e
Maria querem casar. Considerando que eles são normais e sem antecedentes dignos de nota,
e supondo que João é heterozigoto de cinco genes autossômicos muito raros com efeito
deletério em homozigose, qual o risco que João e Maria correm de gerar uma criança com
pelo menos uma das cinco anomalias determinadas pelos genes autossômicos deletérios?
5
R 1. O risco é de 27,58% porque 1 - = 0,2758.
15
16
Q 2. João e Maria são casados. A mãe de João e a mãe de Maria são irmãs. A avó materna
de João e Maria é filha de primos em primeiro grau e o avô materno de João e Maria é filho
de primos duplos em primeiro grau. Qual a probabilidade de João e Maria gerarem uma
criança autozigota de um gene autossômico?
5 5
R 2. A probabilidade é estimada em 6,8% porque (1+ ) + (1+ ) =0,068.
1 1 1 1
5 8 2 16
Q 3. O pai de João tem um irmão gêmeo monozigótico, que é casado com a irmã da mãe de
João, a qual, por sua vez, é gêmea monozigótica de sua mãe. João casou com sua prima
Maria, que é filha do irmão gêmeo de seu pai com a irmã gêmea de sua mãe. A que
equivale o parentesco genético entre João e Maria?
R 3. Ao parentesco entre irmãos.
Q 4. Se na questão anterior João for heterozigoto de um gene autossômico raro que
determina uma doença recessiva, qual o risco de João e Maria gerarem uma criança com tal
anomalia?
1 1 1 1
R 4. O risco é de , pois ⋅ = .
8 2 4 8
Q 5. Se na questão 3 o pai e o tio de João fossem gêmeos dizigóticos, mas a mãe e a tia de
João fossem monozigóticas, a que equivaleria o parentesco genético entre João e Maria?
3
R 5. A um parentesco maior do que o existente entre meio-irmãos comuns, pois r = .
8
Q 6. Se na questão 3 tanto o pai e o tio de João, quanto a sua mãe e sua tia fossem gêmeos
dizigóticos, a que equivaleria o parentesco genético entre João e Maria?
R 6. Ao parentesco entre primos duplos em primeiro grau.
131
139
Q 7. Em amostras de 1.000 casamentos ocorridos durante o mesmo período em duas
populações (A e B) foram constatadas as distribuições abaixo. Quais os coeficientes médios
de endocruzamento dessas duas populações?
Casais População A População B
Não-consangüíneos 970 967
Primos em 3o. grau - 2
o
Primos em 2 . grau 4 2
Primos em 1o. grau 15 17
Primos duplos em 1o.grau 6 8
Tio e meia-sobrinha 2 -
Tia e meio-sobrinho 1 2
Tio e sobrinha 1 2
Tia e sobrinho 1 -
5 15
( = 3,3 na população A e = 8,8 na população B).
1,5 1,7
132
140
2 5 10
R 9. a) ; b) ; c) ou 1,3%.
3 64 78
Q 10. Se o casal A × B da questão anterior já tivesse gerado uma menina com síndrome
adrenogenital, qual seria o risco de ele gerar outra criança com deficiência de 21-
hidroxilase?
R 10. O risco seria de 25%.
Q 11. Um casal que tem ancestrais normais gerou quatro filhos, três dos quais normais e
um com a doença de Tay-Sachs. A irmã do marido quer casar com o irmão da mulher e
deseja saber qual o risco que correm de gerar uma criança com essa doença. Antes de fazer
a pesquisa para verificar se a irmã do marido e o irmão da mulher são heterozigotos do
gene que, em homozigose, causa a doença de Tay-Sachs, qual é esse risco? Depois de fazer
essa pesquisa e constatar que os dois eventuais cônjuges são heterozigotos do gene em
questão, qual é esse risco?
1 1 1 1 1
R 11. Antes da pesquisa é 6,25%, pois ⋅ ⋅ = ou 0,0625. Depois da pesquisa é , pois
2 2 4 16 4
133
141
Primos em primeiro grau.
Tio × meia-sobrinha.
Tio × sobrinha.
1
R 13. Tio × sobrinha porque seu coeficiente de consangüinidade é r = .
4
Q 15. Qual o aumento relativo do risco de ocorrência dessa anomalia entre os filhos de
casais de primos em primeiro grau da população da questão anterior?
1 0 ,000443
R 15. 869% porque q = = 0,000051 e Fpq/q2 = = 8,69.
19.600 0 ,000051
Q 17. Em uma população os alelos autossômicos A,a têm freqüências iguais a p = 0,9 e
q = 0,1, respectivamente. Quais as freqüências esperadas dos genótipos AA, Aa e aa nessa
população no caso de: a) panmixia?
b) fixação completa?
c) F = 0,02?
134
142
R l7.
Genótipos a) b) c)
AA 0,81 0,9 0,8118
Aa 0,18 - 0,1764
aa 0,01 0,1 0,0118
135
143
a) levando em conta o coeficiente médio de endocruzamento dessa população, que é F =
0,0035.
b) sem levar em conta o coeficiente médio de endocruzamento.
R 20. a) k = 0,0237 ou 2,37%.
b) k = 0,0246 ou 2,46%.
Q 21. Em uma cidade, na qual a freqüência de casamentos entre primos em primeiro grau é
igual, praticamente, a 2%, e na qual o coeficiente médio de endocruzamento é estimado em
F = 0,005, verificou-se que 10% dos pacientes fenilcetonúricos eram filhos de primos em
primeiro grau. Qual a freqüência do gene da fenilcetonúria que podemos estimar para essa
cidade?
0,02-16 × 0,10 × 0,005
R 21. 0,9% porque = 0,009.
(16 × 0,10) − (15 × 0,02)
Q 22. Um pediatra estudou uma anomalia que se manifesta na infância e que ocorre na
população com uma freqüência de, praticamente, 1: 19.600. Essa anomalia tem transmissão
hereditária recessiva autossômica monogênica e é considerada como uma entidade
genético-clínica única. Tendo em vista que, na casuística estudada pelo pediatra, 25 % dos
pacientes eram filhos de primos em primeiro grau, enquanto que na população da qual eles
procedem, e que tem coeficiente médio de endocruzamento F = 0,0015, a freqüência
desses casais é 1,5%, pergunta-se:
a) Qual a freqüência esperada do gene determinador da anomalia em questão, no caso de
ela constituir, de fato, uma entidade genético-clínica?
b) Os dados do pediatra permitem aceitar a hipótese de que a anomalia por ele estudada é
uma entidade genético-clínica única?
1
R 22. a) 0,006, valor obtido a partir de 0,0015q + 0,9985q2 = ;
19.600
136
144
coeficiente médio de endocruzamento é baixo, qual a estimativa da freqüência do gene da
fenilcetonúria nessa cidade?
0,015(1 − 0,10)
R 23. 1 %, porque q = = 0,0098 ≅ 0,01.
16 × 0,10 − (15 + 0,10)0,015
Q 24.Se tivéssemos constatado que, dentre 1.250 filhos de primos duplos em primeiro grau
e de casais formados por tio(a) e sobrinha(o), 338 (27%) faleceram antes de atingir a idade
reprodutiva, enquanto que, dentre 2.500 filhos de não-consangüíneos, 250 (10%) foram a
óbito antes de atingir essa idade, qual o número médio de equivalentes letais por indivíduo
que poderíamos estimar com base nesses dados?
R 24. Três equivalentes letais por indivíduo, porque a viabilidade relativa dos filhos desses
73
casais consangüíneos seria estimada em 81%, pois, = 0,81. Visto que tais indivíduos
90
1
possuem F = e sendo 1-0,81 = 0,19, tem-se que o número de equivalentes letais por
8
gameta é estimado em 8 × 0,19 = 1,52 ≅1,5, de sorte que o número médio desses
equivalentes por zigoto é estimado em 3.
Q 25. Uma população de uma certa área geográfica está subdividida em três isolados
genéticos (A, B e C), constituídos, respectivamente, por 1.200, 1.800 e 3.000 indivíduos em
idade reprodutiva. Investigando a distribuição dos grupos sangüíneos M, MN e N nesses
três isolados foi possível estimar as freqüências dos genes M e N em M = 0,70 e N = 0,30
no isolado A; M = 0,60 e N = 0,40 no isolado B, e M = 0,50 e N = 0,50 no isolado C.
Calcular as estimativas das freqüências dos:
a) genes M e N na população total da área geográfica estudada;
b) genótipos MM, MN e NN na população total da área geográfica estudada;
c) genótipos MM, MN e NN na população da área geográfica estudada, na hipótese de
ocorrência de uma quebra completa dos isolados, com panmixia.
R 25.Visto que o isolado A constitui 20% da população da área estudada e que os isolados
B e C compõem, respectivamente, 30% e 50% dessa população, conclui-se:
137
145
NN = (0,20 × 0,09) + (0,30 × 0,16) + (0,50 × 0,25) = 0,191
c) MM = (0,57)2 = 0,325
MN = 2 × 0,57 × 0,43 = 0,490
NN = (0,43)2 = 0,185
Q 26. Verificar se, nos isolados da questão anterior, o aumento de homozigotos por efeito
do isolamento pode ser considerado igual, superior ou inferior ao que seria conseguido se
todos os casamentos tivessem ocorrido entre primos em terceiro grau.
R 26. Tendo em mente que as diferenças abaixo indicam que a variância da freqüência do
σ2 0 ,06
gene M, ou do gene N é 0,006 conclui-se que F= = = 0 ,0245 .
pq 0,57 × 0,43
MM MN NN
0,331 0,478 0,191
0,325 0,490 0,185
0,006 -0,012 0,006
1
Lembrando que F = = 0,0156 é o coeficiente de endocruzamento de filhos de primos em
64
terceiro grau, conclui-se, também, que o aumento de homozigotos por isolamento é maior
do que aquele que seria obtido se todos os casais fossem primos em terceiro grau.
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140
148
140
140
149
141
preservação das variações favoráveis e a supressão das prejudiciais, definição essa que
continua a ser aceita. Em outras palavras, a permanência na população dos alelos surgidos por
mutação depende da ação seletiva exercida pelo ambiente contra os portadores desses alelos.
Parece claro, pois, que as duas questões – mutação e seleção - estão ligadas indissoluvelmente,
sendo essa a razão de ambas serem discutidas em conjunto. Antes, porém, vale a pena breves
comentários sobre mutações espontâneas e induzidas, e sobre mutações somáticas e gaméticas.
141
150
142
Em oposição, as mutações gênicas gaméticas têm grande importância genética, porque
elas podem introduzir novas formas alélicas na população, pois podem ser transmitidas
hereditariamente. Em outras palavras, se o zigoto que contém a mutação for viável e der origem a
um indivíduo, todas as células de tal indivíduo apresentarão a mutação em apreço, a qual poderá
ser transmitida a seus descendentes por intermédio dos gametas desse indivíduo. Já a maioria das
aberrações cromossômicas que ocorrem na linhagem germinativa não tem importância do ponto
de vista genético, porque, geralmente, não são transmissíveis hereditariamente, a exemplo das
mutações somáticas.
142
151
143
delas são natimortos ou em óbito neonatal, 3% falecem na infância, 20% sobrevivem até a idade
adulta, mas não casam nem deixam descendentes e, dentre os que casam, 10% não têm filhos.
Para o cálculo do valor adaptativo, que é um número que varia de zero a um, o mais
correto é levar em conta apenas os filhos que alcançaram a idade reprodutiva. Assim, por
exemplo, se os indivíduos com uma determinada anomalia genética tiverem, em média, 1,5 filhos
que alcançaram a idade reprodutiva, enquanto os indivíduos de uma amostra controle tiverem,
em média, 4 filhos que atingiram essa idade, diremos que o valor adaptativo dessa anomalia é
1,5
0,375, porque f = = 0,375.
4
O valor adaptativo de uma anomalia também pode ser calculado tomando-se como
referência a estimativa do número médio de filhos de casais da população geral que alcançam a
idade de 20 anos. Assim, por exemplo, admitamos que se estima em 2,5 o número médio de
filhos dos casais da população geral e que 80% dos indivíduos dessa população atingem 20 anos
de idade. Aceitemos, também, que os indivíduos com uma determinada heredopatia deixam, em
média, 1,5 filhos, e que a taxa de sobrevivência até os 20 anos dos indivíduos com essa doença é
20%. Nesse caso, calcularíamos o valor adaptativo das anomalia em estudo por intermédio de
1,5 × 0,20
f= =0,15.
2,5 × 0,80
GENES LETAIS
Se uma mutação produzir um alelo que confere a seus portadores um valor adaptativo
nulo (f = 0), deixando-os, portanto, sujeitos à seleção total (s = 1), tal alelo será denominado
143
152
144
gene letal. Evidentemente, sua freqüência na população será baixa e mantida apenas pela taxa de
mutação. Os genes letais não têm, obrigatoriamente, que provocar a morte precoce de seus
portadores, porque a seleção natural pode operar em vários níveis, como já mencionamos acima,
de sorte que o efeito deletério de uma mutação pode manifestar-se nos gametas, nos zigotos,
no embrião, nos recém-nascidos ou em qualquer outro momento do desenvolvimento do
indivíduo. Por isso, do ponto de vista genético, tanto os genes que causam esterilidade quanto os
que impedem seus portadores de alcançar a idade reprodutiva são considerados letais, pois,
nessas situações s = 1.
Obviamente, tanto os genes letais quanto as mutações que conferem baixo valor
adaptativo a seus portadores serão encontrados em proporção muito pequena na população. Essa
a razão pela qual a esmagadora maioria dos genes que determinam efeitos deletérios são genes
idiomorfos, isto é, têm freqüências inferiores a 1%, e não chegam a ser genes polimorfos, que
atingem freqüências entre 1% e 99%.
PERSISTÊNCIA MÉDIA
Se um mutante puder ser considerado um gene neutro, isto é, se, praticamente, os seus
portadores não estiverem sujeitos à seleção (s = 0), ele permanecerá indefinidamente ou quase
indefinidamente na população. Por isso, se um mutante conferir a seus portadores maior
adaptabilidade ao ambiente do que seus alelos mais antigos, a sua freqüência passará a aumentar
na população, enquanto a freqüência dos alelos mais antigos diminuirá.
Para tornar mais compreensíveis essas afirmações, consideremos um alelo surgido por
mutação, que tenha efeito dominante e penetrância completa. A persistência média desse gene,
simbolizada por i, indica o número médio de gerações que esse mutante permanecerá na
população, e é inversamente proporcional ao coeficiente seletivo de seus portadores, podendo-se,
1
pois, escrever i = . Se esse alelo surgido por mutação for letal, isto é, se o coeficiente seletivo
s
de seus portadores for s = 1, a persistência média desse gene na população também será a
1
unidade (i = = 1), ou seja, ele somente conseguirá permanecer na população durante uma única
1
geração, sendo, por isso, a sua freqüência igual à taxa dessa mutação. Se, ao contrário, o alelo
surgido por mutação for neutro, de modo a conferir valor adaptativo f = 1, isto é, s = 0 a seus
1
portadores, esse gene permanecerá indefinidamente na população porque i = = ∞.
0
A introdução de modificações no ambiente pode fazer com que um alelo, que, até então,
conferia pouca adaptabilidade a seus portadores, passe a sofrer pouca seleção. Desse modo,
aumentará a persistência média de tal alelo e, em conseqüência, a sua freqüência na população. A
144
153
145
Medicina moderna está se tomando um poderoso agente anti-seletivo, já que, por intermédio dos
recursos que ela vem utilizando, numerosos defeitos genéticos que provocavam morte precoce ou
que, de algum outro modo, diminuíam as possibilidades matrimoniais dos portadores desses
defeitos estão sendo corrigidos atualmente.
O EQUILÍBRIO ENTRE MUTAÇÃO E SELEÇÃO
A aceitação da existência de um equilíbrio entre mutação e seleção não é difícil, se
partimos do princípio de que, se tal equilíbrio não existisse, as heredopatias monogênicas que
ocorrem atualmente deveriam ter freqüências muito altas entre os nossos ancestrais mais
distantes.
Assim, por exemplo, uma anomalia dominante autossômica sujeita a um coeficiente
seletivo s = 0,80, isto é, com valor adaptativo f = 0,20, deveria, na ausência de mutação e de
alterações sérias do ambiente, ter a sua freqüência diminuída de 80% em cada geração. Desse
modo, aceitando a existência de quatro gerações humanas em cada século, ter-se-ia, em apenas
dois séculos, que a freqüência de tal anomalia ficaria reduzida a f 8 = (0,2)8 = 0,00000256 de seu
valor original. Em outras palavras, teríamos que contrariar as evidências históricas e admitir o
absurdo de que, há alguns séculos, numerosas anomalias dominantes autossômicas teriam
freqüências centenas ou milhares de vezes mais altas do que as que apresentam atualmente.
Como corolário, teríamos, ainda, que admitir estarem essas anomalias em processo de extinção.
Visto que essa hipótese deve ser rejeitada, a melhor alternativa é a admissão da existência de um
equilíbrio entre o processo de eliminação dos genes com efeito deletério (seleção) e a sua taxa de
mutação, isto é, a freqüência com a qual eles são introduzidos na população em cada geração.
Analisemos, agora, de modo muito simplificado, a maneira pela qual esse equilíbrio
dinâmico é atingido. Para tanto admitamos a existência de uma população teórica vivendo em um
ambiente que não sofre alterações. Consideremos, ainda, que essa população mantém um número
constante de um milhão de indivíduos em cada geração, e aceitemos que na geração inicial todos
os indivíduos têm genótipo aa e que a taxa de mutação (µ) do gene a para o seu alelo A, cujo
efeito em estudo é dominante, é igual a 1:50.000 ou 0,00002. Finalmente, admitamos que os
indivíduos Aa estão sujeitos a um coeficiente seletivo s = 0,80.
Visto que a população em apreço tem um milhão de indivíduos por geração, pode-se
dizer que na geração inicial existiriam dois milhões de genes a e que tal geração transmitiria à
1
seguinte × 2.000.000 = 40 genes mutantes A. Tendo em vista o alto coeficiente seletivo ao
50.000
qual estão sujeitos os indivíduos Aa, é claro que essa primeira geração filial não transmitiria os
40 mutantes para a segunda, mas apenas 8 deles, pois o valor adaptativo dos indivíduos Aa é f
=1-s = 0,20, de sorte que se tem 0,2 × 40 = 8. Em conseqüência disso, e não levando em conta,
145
154
146
para facilidade de cálculo e exposição, que a primeira geração filial tem 2.000.000 - 40 =
1.999.960 alelos a, mas considerando que ela e todas as seguintes continuam a ter dois milhões
desses genes, concluiríamos que a segunda geração filial deveria conter 48 alelos A, ou seja, 8 da
geração anterior e 40 novos mutantes.
Lembrando que, por hipótese, o coeficiente seletivo contra os portadores do gene A se
mantém constante, tem-se, então, que a terceira geração filial conteria 49,6 genes A, pois ela
receberia 40 novos mutantes da segunda geração filial, 8 dos mutantes originários da primeira
geração filial (0,2 × 40) e 1,6 mutantes oriundos da geração inicial (0,2 × 8). Operando de modo
análogo nas gerações seguintes chega-se à conclusão de que, na população teórica em apreço, o
número de alelos A tenderia para o valor fixo de 50 alelos, ou seja, para a freqüência
50 µ 0,00002
p= = 0,000025, o que equivale a p = = = 0,000025.
2.000.000 s 0,80
Ainda em relação ao mesmo exemplo, é fácil constatar que se o coeficiente seletivo que
opera contra os portadores do mutante A fosse menor, a freqüência atingida por esse alelo, no
momento em que fosse alcançado o equilíbrio entre a taxa de mutação e a seleção, seria mais alta
do que as mencionadas anteriormente. Assim, se o coeficiente seletivo fosse igual ao valor
adaptativo, isto é, se s = f = 0,5, a freqüência do alelo A tenderia para o valor p = 0,00004
quando a taxa de mutação fosse 1:50.000, e para o valor p = 0,00002 quando ela fosse
1:100.000. Por outro lado, se a seleção fosse total (s = 1) é claro que a freqüência do alelo A na
população seria igual à taxa de mutação. Em outras palavras, se a taxa de mutação for constante e
a seleção natural aumentar, a freqüência do gene mutante diminuirá, ocorrendo o oposto quando
houver um relaxamento do processo seletivo.
Do exposto, portanto, pode-se concluir que, em relação a uma heredopatia dominante
autossômica monogênica, que é mantida somente por mutação, a freqüência p do gene que a
condiciona atingirá, no máximo, o valor dado pela razão entre a taxa de mutação (µ) e o seu
µ
coeficiente seletivo (s), ou seja, p = .
s
Por analogia se conclui que, no caso de uma anomalia recessiva autossômica, isto é,
quando o mutante tem efeito detrimental apenas em homozigose, a freqüência q de tal gene
µ
atingirá, no máximo, o valor dado por q = . De fato, considerando que, no caso das anomalias
s
146
155
147
recessivas autossômicas mantidas por mutação, são eliminados os homozigotos, que devem
µ µ
ocorrer com freqüência q², tem-se q²= , de onde se tira q = .
s s
3µ
O mais correto, na realidade, seria escrever q ≅ porque a taxa de mutação de um gene ligado
s
ao cromossomo X pode não ser idêntica nas mulheres (µF) e nos homens (µM), o que conduz a
2µ F + µ M
q= , porque as mulheres têm dois cromossomos X e os homens apenas um. Como se
s
3µ
vê, somente quando µF = µM tem-se q = .
s
podemos escrever que µ = sp, ou, ainda, que no caso das anomalias autossômicas dominantes µ é
calculado segundo:
sx
µ=
2
A essa mesma conclusão se pode chegar por intermédio de outro tipo de raciocínio.
Assim, consideremos que N é o número de indivíduos de uma população composta
predominantemente por pessoas com o genótipo aa, isto é, por homozigotos de um gene
autossômico a, µ é a taxa de mutação do gene a para A, que condiciona uma anomalia
dominante (Aa) sujeita a um coeficiente seletivo s, x é a incidência de tal anomalia e xN é o
número de recém-nascidos com a anomalia dominante.
Nesse caso, N-xN será o número total de indivíduos homozigotos aa entre os
recém-nascidos; 2(N-xN) será o número de genes dos indivíduos homozigotos aa e xN será tanto
o número de genes a, quanto o de genes A dos indivíduos Aa. Portanto, em uma geração, o
147
156
148
número de genes a capazes de produzir alelos A por mutação será N(2-x) pois 2(N-xN) + xN =
2N - 2xN + xN = 2N - xN = N(2-x), de sorte que µN(2-x) será o número de novos mutantes por
geração. Lembrando, porém, que x tem valor muito baixo pode-se escrever que tal número será
obtido por intermédio de 2Nµ.
Visto que, dos xN anômalos de cada geração, sxN são eliminados, e considerando a
existência de equilíbrio entre o número de mutações introduzidas na população e aquelas
sx
eliminadas, chega-se à igualdade 2Nµ = sxN, da qual se extrai µ = .
2
µ
No caso das anomalias recessivas autossômicas já vimos no tópico anterior que q²= e,
s
tendo em mente que a freqüência x de anômalos recessivos corresponde a q² conclui-se, pois que
µ= sx.
3µ
No concernente às anomalias recessivas ligadas ao sexo sabemos que q = , sendo q,
s
praticamente, igual à freqüência x dos homens anômalos. Em vista disso, a estimativa da taxa de
sx
mutação passa a ser obtida por intermédio de µ = .
3
Apesar da validade teórica dessas fórmulas, elas estão sujeitas a muitos riscos de erro,
pois, para a sua aplicação é necessário que entre os casos anômalos não sejam, incluídas
fenocópias, genocópias, nem filhos ilegítimos. Além disso, os genes ou genótipos em estudo
devem ter penetrância completa. De fato, em relação às doenças dominantes, tanto a sua
penetrância incompleta nos genitores dos anômalos quanto as mutações em locos diferentes que
produzem fenótipo semelhante (genocópias) provocariam super-estimativas das taxas de
mutação. Os riscos de erro são, evidentemente, maiores no caso das doenças recessivas
autossômicas, pois sabemos que muitos dos genes que as causam exercem um efeito seletivo
também nos heterozigotos. Por outro lado, pelo fato de as populações humanas estarem,
atualmente, quebrando os isolados de modo muito intenso, em conseqüência das maiores
facilidades de comunicação e transporte, é fácil vislumbrar que elas não estão em equilíbrio em
relação a muitos genes. Por isso, a possibilidade de decréscimo da freqüência de homozigotos
recessivos entre elas, impedindo a sua averiguação e eliminação, teria que ser levada em conta.
Em resumo, pode-se dizer, portanto, que das fórmulas citadas acima para estimar a taxa de
mutação, a que fornece maior risco de erro é aquela que pretende calcular a taxa de mutação de
genes autossômicos responsáveis por anomalias recessivas.
Para calcular a taxa de mutação, no caso das doenças dominantes autossômicas, não é
necessário aplicar o método indireto aqui descrito, podendo-se, para esse fim, empregar o método
direto, que consiste em calcular a metade da incidência dos casos esporádicos que ocorrem em
148
157
149
um determinado intervalo de tempo. Evidentemente, o emprego do método direto não exclui os
riscos de erro do método indireto, ou seja, a inclusão de fenocópias, de genocópias e de filhos
ilegítimos, bem como a inclusão, entre os mutantes, de filhos de pessoas nas quais o gene não se
expressou clinicamente, isto é, não teve penetrância.
Para demonstrar a aplicação dos métodos direto e indireto de cálculo da taxa de mutação
de genes com efeito dominante, suponhamos que, em 100.000 nascimentos ocorridos numa
população, em um determinado período, tenha sido diagnosticada uma anomalia autossômica
dominante em 6 crianças, duas das quais representado casos familiais, isto é, com um dos
genitores manifestando a mesma anomalia. Visto que os quatro recém-nascidos restantes são
casos esporádicos, isto é, gerados por genitores normais, a incidência desses casos pode ser
estimada em 4: 100.000 ou 0,00004.
Aceitando-se a hipótese de que, nos casos esporádicos, a anomalia dominante foi
determinada por um único gene autossômico raro com penetrância completa e resultante de
mutação, consideramos cada caso esporádico como oriundo de um zigoto no qual o mutante
estava acompanhado de um alelo condicionador de normalidade. Com isso, a taxa da mutação
que determina a anomalia em estudo passa a ser estimada em 0,00002, pois devemos levar em
0,00004
conta a metade da freqüência de anômalos, isto é, µ = = 0,00002 ou µ =2×10 –5. Isso
2
equivale a dizer que, em cada geração, 2 em cada 100.000 gametas apresentariam a mutação em
apreço.
Para calcular a taxa de mutação que origina um gene responsável por uma anomalia
dominante empregando o método indireto, precisamos, inicialmente, estimar o valor adaptativo
da anomalia, o que é feito pela comparação da fecundidade média dos anômalos com a
fecundidade média de uma amostra controle. Suponhamos que tivéssemos constatado que 100
indivíduos com a anomalia em estudo tiveram um total de 63 filhos que alcançaram a idade
reprodutiva, enquanto que 400 pessoas normais de uma amostra controle geraram 840 filhos que
ultrapassaram a maioridade. Nesse caso, a fecundidade média dos anômalos seria estimada em
63 840
0,63, pois = 0,63, e a dos normais seria estimada em 2,10, pois = 2,10, o que, por sua
100 400
0,63
vez, permite estimar o valor adaptativo da anomalia em 0,30, pois f = = 0,30. Isso equivale a
2,10
149
158
150
conseqüência, a taxa de mutação do gene da anomalia passa a ser estimada em, praticamente,
sx 0,7 × 0,00006
2×10-5 porque µ = = = 0,000021.
2 2
razão entre as mutações eliminadas e as produzidas seria estimada em s = 0,90. Nesse caso, o
intervalo de confiança de 95% de probabilidade que contém o valor do coeficiente seletivo está
entre 0,84 e 0,96, pois o desvio padrão de s é estimado em 0,03, visto que
0,90 × 0,10
σ= = 0,03.
100
Se a seleção for total (s =1) e a penetrância do gene autossômico for completa (P =1), a
freqüência da anomalia dominante por ele determinada será, evidentemente, igual apenas à taxa
de mutação que re-introduz esse gene na população, pois os mutantes não terão oportunidade de
deixar prole. Cada gene resultante de mutação persistirá por uma única geração, pois i = 1.
Se a seleção for total (s = 1), mas a penetrância do gene autossômico que determina a
anomalia dominante não for completa (P<1), a velocidade com que essa anomalia será eliminada
da população dependerá apenas do valor da penetrância do gene. Assim, por exemplo,
consideremos dois genes mutantes determinadores de anomalias autossômicas dominantes e que
um deles (A) tem penetrância igual a 70% e o outro (B) penetrância igual a 90%. Se ambos
estiverem sujeitos a seleção total (s=1), a anomalia determinada pelo gene B será eliminada mais
rapidamente da população do que aquela determinada pelo gene A, porque a penetrância do gene
B, sendo maior, propiciará persistência média menor dos mutantes. De fato, enquanto a
150
159
151
1
persistência média do gene A é estimada em 1,43 gerações, pois i= , a do gene B é estimada
0,7
1
em 1,11 gerações, visto que i = .
0,9
Se a seleção não for total (s < 1), mas a penetrância do gene autossômico que determina a
anomalia dominante for completa (P=1), é claro que a velocidade de eliminação dessa anomalia
dependerá apenas do valor de seu coeficiente seletivo. Assim, por exemplo, consideremos dois
genes mutantes (A e B) com penetrância completa (P = 1), que determinam anomalias
autossômicas dominantes. Se o gene A estiver sujeito a coeficiente seletivo s = 0,8 e o gene B a
s = 0,4, a anomalia determinada pelo gene A será eliminada mais rapidamente da população
1
porque a persistência média desse gene será i = = 1,25, enquanto que a do gene B será
0,8
1
i= = 2,5.
0,4
Quando não há seleção total (s <1) contra um gene sem penetrância completa (P< 1) que
determina uma anomalia autossômica dominante, a velocidade de eliminação dessa anomalia
será inversamente proporcional ao produto dos valores dessas duas variáveis. Para exemplificar,
consideremos dois genes autossômicos resultantes de mutação (A e B) que determinam anomalias
dominantes, e aceitemos que o mutante A, com penetrância de 60%, confere
s = 0,6 a seus portadores, ao passo que o mutante B, com penetrância de 90%, confere a seus
portadores s = 0,4. Nesse caso, as duas anomalias serão eliminadas com a mesma velocidade,
pois os dois mutantes terão a mesma persistência média na população (2,78 gerações). De fato,
1 1
em relação ao gene A, i = = 2,78, e, em relação ao gene B, i = = 2,78.
0,6 × 0,6 0,4 × 0,9
151
160
152
Partindo de uma geração inicial na qual as freqüências genotípicas se distribuem segundo
AA = p², Aa = 2pq, aa = q² ter-se-á que, na primeira geração filial, a freqüência do alelo a
dependerá da proporção de indivíduos com genótipo Aa nas gerações seguintes. A freqüência q
q
do alelo a na primeira geração filial será, então, q1 = , pois
1+ q
1
Aa
pq q q q
q1 = 2 = 2 = = =
AA + Aa p + 2 pq p + 2q (1 − q) + 2q 1 + q
Se o mesmo processo seletivo continuar na primeira geração filial é óbvio que, não
levando em conta a ocorrência de mutações, a freqüência do alelo a na segunda geração filial
q
q p1 q1 q 1+ q q
será calculada por intermédio de q 2 = , pois q 2 = 2 = 1 = = .
1 + 2q p1 + 2 p1 q1 1 + q1 q 1 + 2q
1+
1+ q
Essa fórmula permite estimar, também, o número de gerações necessárias para que a
freqüência q do alelo a na geração inicial baixe para uma determinada freqüência qn, bastando,
para isso, resolvê-la em função de n, obtendo
q − qn
n=
qq n
Além disso, pode-se concluir que, não levando em conta a taxa de mutação, a freqüência
de um gene que condiciona uma anomalia recessiva autossômica sujeita a seleção total somente
1
ficará reduzida à metade quando o número de gerações (n) for igual a , pois, quando isso
q
q
acontece, qn = .
2
Assim, por exemplo, lembrando que, em média, existem quatro gerações humanas por
século, e não levando em conta a taxa de mutação, que é sempre muito baixa, tem-se que, para
reduzir a incidência de uma anomalia autossômica recessiva monogênica de
1: 10.000 para 2,5: 100.000 seriam necessárias 100 gerações, isto é, 2.500 anos de seleção total.
Somente assim a freqüência do gene responsável pela anomalia baixaria de 0,01 para 0,005.
A pouca eficiência da seleção natural sobre as anomalias recessivas autossômicas se
acentua sensivelmente quando ela não é total ou quando a penetrância é incompleta. Realmente,
se a seleção dos homozigotos aa não for total, ter-se-á, em uma geração inicial, que as
152
161
153
freqüências genotípicas que devem ser levadas em conta para estimar a freqüência do gene a na
geração seguinte serão Aa = 2pq e aa = q² - sq² . Desse modo, a freqüência q1 do alelo a na
q − sq 2
primeira geração filial será obtida por intermédio de q1 = , pois:
1 − sq 2
pq + q 2 − sq 2 (1 − q)q + q 2 − sq 2 q − sq 2
q1 = = =
1 − sq 2 1 − sq 2 1 − sq 2
De acordo com essa fórmula tem-se, por exemplo, que um gene condicionador de uma
anomalia recessiva, sujeito a um coeficiente seletivo s = 0,10 necessitaria de 1.007 gerações para
reduzir a sua freqüência de 0,01 para 0,005 pois:
0,01 − 0,005 0,01 × 0,995
+ 2,303 log 10
0,01× 0,005 0,05 × 0,99
n= = 1.007
0,10
A seleção natural opera de modo mais eficiente quando as heredopatias recessivas são
determinadas por genes do cromossomo X. Realmente, se uma anomalia recessiva ligada ao sexo
ficar sujeita à seleção total, tem-se, na hipótese de ausência de mutação, que o gene com efeito
letal eliminaria, em cada geração, um terço dos genes da geração anterior.
153
162
154
Se nessa geração inicial os genótipos decorrentes desses dois pares de alelos estiverem
distribuídos segundo a lei de Hardy e Weinberg ter-se-ia, pois, que as freqüências genotípicas
esperadas seriam as seguintes:
AABB = p12 p 22 = q4 AaBB = 2p1q1 p 22 = 2q4 aaBB = q12 p 22 = q4
AABb = 2 p12 p2q2 = 2q4 AaBb = 4p1q1p2q2 = 4q4 aaBb =2 q12 p2q2 = 2q4
AAbb = p12 q 22 = q4 Aabb =2p1q1 q 22 =2q4 aabb = q12 q 22 = q4
Visto que os indivíduos com genótipo aabb, que ocorrem com freqüência q4 = 6,25% na
geração inicial, estão sujeitos a seleção total é evidente que eles não poderão contribuir com seus
genes para a geração seguinte. Desse modo, a população geneticamente ativa passará a contar
com 1 - q4 indivíduos, dentre os quais, apenas os seis tipos de casais apresentados na Tabela 1.6
poderão dar origem a indivíduos aabb na primeira geração filial.
Tabela 1.6. Freqüências dos casais que dão origem a indivíduos aabb e dos filhos com tal
genótipo quando existe seleção completa contra eles. Nesse exemplo A = a = B = b = q .
Casais Filhos aabb
Proporção
Tipo Freqüência Freqüência
familial
16q 8 1 q8
AaBb× AaBb 16
(1 − q 4 ) 2 (1 − q 4 ) 2
16q 8 1 2q 8
AaBb× Aabb 8
(1 − q 4 ) 2 (1 − q 4 ) 2
16q 8 1 2q 8
AaBb× aaBb 8
(1 − q 4 ) 2 (1 − q 4 ) 2
4q 8 1 q8
Aabb× Aabb 4
(1 − q 4 ) 2 (1 − q 4 ) 2
8q 8 1 2q 8
Aabb× aaBb 4
(1 − q 4 ) 2 (1 − q 4 ) 2
4q 8 1 q8
aaBb× aaBb 4
(1 − q 4 ) 2 (1 − q 4 ) 2
9q 8
Com base nos dados da Tabela 1.6, na qual a soma da última coluna fornece
(1 − q 4 ) 2
conclui-se, pois, que, na população utilizada para exemplo, a freqüência de indivíduos com o
genótipo aabb baixará, após uma geração na qual há seleção total contra eles, de 6,25% para 4%,
9q 8 9 × 0,003906
visto que 4 2
= = 0,04. Entretanto, a freqüência dos genes a e b não sofrerá
(1 − q ) (1 − 0,0625) 2
decréscimo tão grande, pois cada um deles passará a ser encontrado na primeira geração filial
q − q4 0,4375
com freqüência igual a 46,67% visto que 4
= = 0,4667.
1− q 0,9375
154
163
155
A partir dessa geração o resultado do processo seletivo será cada vez menos marcante,
mesmo que prevaleçam as condições de seleção total contra os indivíduos com genótipo aabb.
Assim, por exemplo, na segunda geração filial, a freqüência dos alelos a e b passará a ser
44,01%, na terceira 41,83%, na quarta 39,99% e assim por diante. Em outras palavras, a
diminuição relativa da freqüência dos alelos a e b, que na primeira geração filial é de 6,66%, pois
0,5 − 0,4667
= 0,0666, passará a ser de 5,70% na segunda geração filial, 4,95% na terceira geração,
0,5
4,40% na quarta, e assim por diante, sendo, por isso, muito difícil a eliminação de tais genes.
Essa demonstração serve, portanto, de argumento poderoso para falar contra o valor que
as medidas drásticas de esterilização de indivíduos com anomalias recessivas com determinação
poligênica teriam para as populações humanas. De fato, mesmo supondo que essas medidas
pudessem ser aplicadas a todos os anômalos, o que é pouco provável, seria remota a
possibilidade de extinguir novos casos nas gerações seguintes, porque sempre haveria uma alta
proporção de portadores dos genes cuja eliminação se pretende. Em nosso exemplo, pode-se
constatar que a grande maioria dos indivíduos da população inicial possui os genes a ou b em
heterozigose, pois 1 - (AABB + aabb) = 1 - (0,0625 + 0,0625) = 0,875 ou 87,5%.
155
164
156
Com base no exposto não é difícil demonstrar que a eliminação do gene a pela seleção
que opera contra os heterozigotos será tanto mais eficiente, quanto maior for a freqüência de
heterozigotos em que esse gene se expressa (h), e quanto menor for a freqüência desse alelo na
população. De fato, a relação entre os efeitos da seleção por intermédio dos heterozigotos Aa e
sh 2 pq 2hp
homozigotos aa permite escrever 2
= .
sq q
Por outro lado, sabendo que essa razão exprime a comparação entre a seleção contra os
zigotos Aa (numerador) e os zigotos aa (denominador), tem-se que a eliminação gamética, isto é,
de genes, será igual à metade desse valor. Isso permite escrever que a eliminação do gene a pelos
hp
heterozigotos Aa em comparação aos homozigotos aa se faz segundo . Essa relação pode ser
q
h 0,5
= = 50. Se, nesse exemplo, o valor de h fosse menor é evidente que a eliminação por
q 0,01
intermédio dos heterozigotos seria menos intensa. Assim, se h fosse igual a 25% ter-se-ia
hp 0,25 × 0,99 h 0,5
= = 24,75 ou = = 25. Consideremos, agora, que a freqüência do gene a é
q 0,01 q 0,01
q = 0,005. Nesse caso, para valores de h = 0,5 e h = 0,25 teríamos que a eliminação do gene a por
h
intermédio dos heterozigotos seria mais eficiente que no exemplo anterior, pois passa a ser
q
156
165
157
a eliminação de cada heterozigoto haverá a eliminação simultânea dos dois alelos, isto é, não
haverá seleção preferencial de um deles. Contudo, se p > q ou p < q, a seleção contra os
heterozigotos tenderá a eliminar o alelo com menor freqüência na população, pois a taxa de
seleção será a mesma em relação a alelos que ocorrem com freqüências diferentes.
Para exemplificar, consideremos que um par de alelos autossômicos A,a ocorra com
freqüência p = 0,70 e q = 0,30 em uma população em equilíbrio genético, de sorte que AA =
0,49, Aa = 0,42, aa = 0,09. Se os heterozigotos Aa passarem a sofrer seleção total, tem-se que,
em uma geração, a freqüência do alelo a passará de q = 0,30 para q1 = 0,1552 porque, com a
0,09
eliminação dos heterozigotos, a freqüência de aa será = 0,1552 enquanto que a freqüência de
0,58
0,49
AA será relativamente maior, isto é, = 0,8448. Se o processo de seleção total dos
0,58
157
166
158
psicológica de gerar muitos filhos, para compensar a perda daqueles com eritroblastose fetal.
Assim, as mulheres Rh negativo casadas com heterozigotos Dd teriam, a possibilidade de repor
os alelos d, perdidos por intermédio dos heterozigotos Dd, ao gerar mais filhos Rh negativo (dd).
Finalmente, apesar de não existir qualquer evidência a favor, existe a hipótese de que a
taxa de mutação do gene D para seu alelo d seria alta.
de sorte que a diminuição da freqüência desse alelo após uma geração de seleção poderá ser
q − s2 q 2 pq ( s 2 q − s1 p )
escrita como q- q1 = q- 2 2
ou, mais simplificadamente, q - q1 = .
1 − ( s1 p + s 2 q ) 1 − ( s1 p 2 + s 2 q 2 )
s2
pode escrever, é claro, s1p = s2 (1 - p) de onde se extrai p = .
s1 + s 2
158
167
159
µ
população será atingido quando a freqüência do alelo a for q = . Assim, por exemplo, se a
µ+v
taxa de mutação de A para a fosse = 1,4 ×10-6 e a taxa de mutação inversa fosse v = 1,1 ×10-6, o
equilíbrio genético estável seria atingido quando a freqüência do alelo a fosse igual a 56%, pois
1,4
q= = 0,56.
1,4 + 1,1
159
168
160
Por outro lado, admitindo a ação da deriva genética no passado, deveríamos observar nas
populações humanas atuais variação muito maior das freqüências gênicas dos sistemas
polimórficos estudados. A clássica análise feita por Alice Brues (1954), a respeito da limitação
da distribuição das freqüências dos genes A e B do sistema sangüíneo eritrocitário ABO em 251
populações, serve bem para ilustrar essa afirmação. A representação gráfica da distribuição
dessas freqüências na Figura 1.6 evidencia logo que somente cerca de 20% da área do triângulo
correspondente às freqüências possíveis dos alelos A e B, foram ocupados pelas freqüências
observadas, o que não deixa de ser surpreendente. Uma situação semelhante foi assinalada por
Saldanha (1964) em relação ao polimorfismo da reação gustativa à feniltiouréia, pois a
freqüência do gene responsável pela insensibilidade a essa substância nunca ultrapassa 60%.
Em conseqüência desses argumentos, aventou-se a hipótese de que a existência e a
manutenção dos genes polimórficos que não produzem efeito anormal evidente também
deveriam ser conseqüência de um processo seletivo. Em outras palavras, os polimorfismos
neutros não existiriam, porque os portadores de genes polimórficos que, aparentemente, não têm
efeito anormal, também estariam sujeitos à seleção, apesar de o processo seletivo contra eles não
ser tão drástico quanto o que opera contra os portadores de genes responsáveis por anomalias.
Fig. 1.6.Variação das freqüências dos genes A e B do sistema sangüíneo eritrocitário ABO
observadas em 215 populações, dentro da área correspondente à variação possível (Brues,1954)..
Essa hipótese começou a ganhar força quando se constatou que os grupos sangüíneos do
sistema ABO mostravam associação com doenças, isso indicando que, entre os efeitos
pleiotrópicos desses genes, estaria incluída a predisposição a diversas moléstias. A associação do
grupo sangüíneo A com carcinoma gástrico e outros tipos de câncer, e com a anemia perniciosa,
ou a associação do grupo O com a úlcera gástrica e a úlcera duodenal (Aird et al., 1953; Roberts,
160
169
161
1957) não resultariam em efeito seletivo, porque essas doenças incidem, geralmente, em pessoas
que já ultrapassaram a idade reprodutiva. Entretanto, a associação do grupo sangüíneo A e a
hanseníase virchowiana (lepromatosa) e do grupo O com a hanseníase tuberculóide (Beiguelman,
1963, 1964a; Yankah, 1965; Vogel e Chakravartti, 1966) resultariam em efeito seletivo, porque a
hanseníase pode causar esterilidade dos indivíduos do sexo masculino, em conseqüência de
orqui-epididimite.
Situações semelhantes foram observadas no polimorfismo da reação gustativa à
feniltiouréia. Assim, em pacientes com bócio nodular, a proporção de insensíveis à feniltiouréia
foi significativamente mais alta do que a esperada (Harris et al., 1949; Kitchin et al., 1959), ao
passo que os sensíveis a essa tiouréia foram mais freqüentes do que se esperava em indivíduos
com bócio difuso, em tuberculosos, em hansenianos e em hanseníase com tuberculose (Saldanha,
1956, 1964; Kitchin et al., 1959; Beiguelman, 1962b, 1964b, 1964c).
Outras observações falaram a favor de que forças seletivas de pouca intensidade
operariam sobre os alelos aparentemente neutros de vários sistemas. Assim, por exemplo, em
relação ao sistema sangüíneo ABO, verificou-se que dos casais compostos por mulher sem
anticorpos séricos correspondentes aos antígenos ABH das hemácias dos maridos, isto é, dos
casais compatíveis no sistema ABO resultaram mais filhos do que dos casais incompatíveis
nesse sistema (Tabela 2.6).
Visto que os casais incompatíveis podem gerar filhos com antígenos eritrocitários para os
quais as mães têm anticorpos séricos correspondentes, a maior taxa de abortos desses casais
poderia ser explicada por incompatibilidade sangüínea materno-fetal no sistema ABO. Assim, no
Japão, verificou-se que a taxa de mortes intra-uterinas antes do sexto mês de gestação foi de
11,8% nos casais constituídos por marido O e mulher A, enquanto que nos casais compostos por
marido A e mulher O essa taxa foi de 17,1% (Matsunaga, 1955; Matsunaga e Itoh, 1958).
161
170
162
Apesar dos argumentos aqui expostos, existe, atualmente, a tendência a aceitar a
ocorrência de polimorfismos neutros mutacionais, porque um gene pode ser considerado neutro
se o produto do coeficiente seletivo de seus portadores pelo tamanho efetivo da população for
muito inferior à unidade (Kimura,1968). Desse modo, um mesmo gene pode ser neutro ou
praticamente neutro em uma população com pequeno tamanho efetivo e não ser neutro em outra,
com grande tamanho efetivo.
Um outro tipo de polimorfismo neutro, que sempre teve aceitação fácil, é o polimorfismo
neutro migratório. Realmente, não existem obstáculos à admissão de que uma população
composta, apenas ou quase totalmente, por homozigotos de um gene neutro qualquer A se tome
polimórfica porque recebe alta proporção de um alelo a, cujos portadores têm o mesmo valor
adaptativo do gene A, em decorrência de miscigenação com outra, que possui o alelo a em
proporção elevada. Assim, por exemplo, nas populações européias ou de origem européia, com
exceção dos judeus sefaraditas da Turquia, a freqüência de indivíduos com o antígeno
eritrocitário Dia do sistema Diego pode ser considerada nula. Em índios, japoneses e chineses,
entretanto, esse antígeno é polimórfico, pois pode atingir freqüências iguais a 36% em índios, 8%
a 12% em japoneses e 2,5% em chineses (Layrisse et al., 1955; Layrisse e Arends, 1956; Lewis
et al., 1956). A presença do gene Dia em freqüência alta nas populações caucasóides de alguns
países das Américas é, sem dúvida, o resultado do fluxo gênico de índios nessas populações.
164
173
165
falciparum, o qual, eventualmente, poderia encontrar obstáculos ao seu desenvolvimento nas
hemácias dos heterozigotos do gene da talassemia beta.
A ocorrência de populações com alta freqüência de indivíduos com deficiência de G-6PD
também foi atribuída à malária causada pelo P. falciparum (Motulsky, 1960a,1960b), por causa
da grande correlação entre a distribuição geográfica das antigas áreas malarígenas e das
populações com alta freqüência de homens com deficiência de G-6PD. Essa correlação chega a
ser tão grande que, na Sardenha, a freqüência de homens com deficiência de G-6PD é
relativamente baixa nos locais montanhosos (3% a 4%) e muito alta no litoral dessa grande ilha
(Siniscalco et al., 1961), onde a malária foi endêmica, podendo atingir 35%. Além disso, nas
populações africanas, a freqüência da variante A- de G-6PD mostra forte correlação positiva com
o gene da hemoglobina S e, de modo análogo, na Sardenha, a freqüência da variante
mediterrânea de G-6PD está correlacionada positivamente com a do gene da talassemia beta
(Siniscalco et al., 1961;Motulsky, 1964). Essas correlações ganham grande significação pelo fato
de que a deficiência de G-6PD é ligada ao sexo, ao passo que as hemoglobinopatias em discussão
são autossômicas.
A maior preservação dos portadores da deficiência de G-6PD pelo P. falciparum talvez
seja uma conseqüência de esse parasito desenvolver-se nas hemácias mais velhas, as quais, nos
indivíduos com a variante africana deficiente de G-6PD, são as que mostram enzimopenia.
Assim, sabendo-se que as hemácias deficientes de G-6PD podem ter níveis muito baixos de
glutatião reduzido (Beutler, 1959), que o P. falciparum se utiliza da via oxidativa direta da
glicólise (Geiman,1951), que tal parasito requer glutatião reduzido para crescer in vitro
(McGhhee e Trager,1950) e que 50% desse glutatião das hemácias contribuem para a produção
da cisteína necessária a ele (Fulton e Grant,1956), pode-se supor que o P. falciparum, por causa
de suas necessidades nutricionais, também tenha preservado não só os homens deficientes de G-
6PD, mas, também, as mulheres heterozigotas, do gene da deficiência, já que elas possuem duas
populações de hemácias (normais e deficientes de G-6PD). Num ambiente com P. falciparum, as
mulheres heterozigotas poderiam ter uma vantagem seletiva em relação aos homens com
deficiência de G-6PD porque estes estariam sujeitos a crises hemolíticas e elas não.
Os polimorfismos equilibrados, decorrentes da seleção a favor dos heterozigotos não
implicam, obrigatoriamente, em maior valor adaptativo dos heterozigotos em todos os ambientes,
ou, o que dá no mesmo, em um ambiente constante (polimorfismo equilibrado univalente). De
fato, se os homozigotos de um dos alelos de um par autossômico A,a forem favorecido em um
grupo de nichos ecológicos, enquanto os homozigotos do outro alelo forem favorecidos em outro
grupo de nichos, pode acontecer que, apesar de os heterozigotos não terem o maior valor
adaptativo em nenhum dos nichos ecológicos, a média ponderada da viabilidade dos
165
174
166
heterozigotos será, no conjunto, superior à dos homozigotos. Nesse caso, o polimorfismo será
dito polimorfismo equilibrado ambivalente e será classificado como espacial se as diferenças
seletivas se distribuírem no espaço e estacional ou sazonal se elas se distribuírem no tempo
(Saldanha, 1964).
Contrastando com o que ocorre nos polimorfismos adaptativos do tipo equilibrado, que
são mantidos por um mecanismo homeostático, existem os polimorfismos adaptativos que são
fadados à extinção (polimorfismos transitórios). Um polimorfismo transitório poderá existir
quando os heterozigotos estão em desvantagem seletiva em relação aos homozigotos e os alelos
têm freqüências diferentes. Nesse caso, como sabemos, o alelo menos freqüente desaparecerá da
população. Um polimorfismo transitório pode, também, ser conseqüência de mutações
recorrentes, tendo o mutante vantagem seletiva sobre seu alelo. Durante a fase de substituição do
alelo mais antigo pelo mutante existirá o polimorfismo. É importante assinalar, porém, que nem
sempre um polimorfismo transitório deve ser adaptativo. Realmente, pode-se supor que um
polimorfismo transitório seja conseqüência de deriva genética ou de migração diferencial, sem
que essas causas estejam associadas, obrigatoriamente, a um processo seletivo.
166
175
167
2. A DERIVA GENÉTICA
No tópico final do capítulo sobre “Efeito da consangüinidade” foi frisado que os efeitos
genéticos resultantes do isolamento dependem do tamanho dos isolados. Nessa ocasião, tivemos
oportunidade de verificar que, se uma população for dividida em isolados grandes, o efeito do
isolamento é semelhante ao dos casamentos consangüíneos, isto é, há aumento da freqüência de
homozigotos na população (efeito Wahlund). Nesse caso, portanto, o isolamento não tem efeito
evolutivo, pois somente há alteração das freqüências genotípicas, mas não das gênicas.
Nos isolados pequenos, contudo, o isolamento tem efeito evolutivo porque tais
grupamentos não conseguem manter um equilíbrio estável da distribuição genotípica, segundo a
lei de Hardy e Weinberg, mesmo supondo panmixia na ausência de migração, mutação e seleção.
Nessas pequenas subpopulações, a variação aleatória das freqüências gênicas ao longo das
gerações pode provocar a eliminação ou, ao contrário, a fixação casual de um gene,
independentemente de seu coeficiente seletivo. Em outras palavras, nos pequenos isolados, um
gene com alto valor adaptativo pode desaparecer, enquanto outro, com baixo valor adaptativo
pode ser fixado. Tal fenômeno, que, em inglês, é denominado genetic drift, foi chamado, em
português, durante algum tempo, de oscilação genética, e depois, renomeado, mais
apropriadamente, por Freire-Maia (1974), de deriva genética.
Não é difícil demonstrar, algebricamente, que ao longo das gerações de uma pequena
população possa ocorrer a eliminação ou a fixação completa de um gene como decorrência,
simplesmente, da variação casual de sua freqüência. De fato, cada geração pode ser considerada
como uma amostra aleatória de 2n gametas retirados da geração precedente de n indivíduos
geneticamente ativos. Desse modo, por exemplo, se os alelos A e a estiverem presentes em uma
geração de uma população, com freqüências p e q=1-p, respectivamente, eles terão 95% de
probabilidade de se apresentar na geração seguinte com freqüências contidas nos intervalos
praticamente iguais a dois desvios padrão acima e abaixo das freqüências p e q, ou seja, nos
intervalos p ± 2σ e q ± 2σ. (O desvio padrão de p ou de q é calculado por intermédio de
pq pq
σ = , no caso de os alelos serem autossômicos, ou por intermédio de σ = se eles
2n 3n
167
176
168
que, entre uma geração e outra, ocorram desvios significativos das freqüências p e q em relação
às da geração anterior.
Com a finalidade de ilustrar essa discussão consideremos uma geração inicial de duas
populações teóricas (A e B), nas quais os alelos autossômicos A e a têm freqüências p= q = 0,5.
Consideremos, ainda, que as populações A e B são constituídas por um número constante de
casais igualmente férteis, que geram o mesmo número de filhos ao longo das gerações, mas que o
número de casais da população A é 500.000, enquanto na população B existem apenas 25 casais.
Visto que na população A n =1.000.000 e na população B n = 50, sendo n a população
geneticamente ativa, tem-se, portanto, que, na primeira, o desvio padrão de q será
0 ,5 × 0,5 0,5 × 0 ,5
σ= = 0,00035, enquanto na segunda ele será estimado como σ = = 0,05.
2 × 1.000.000 2 × 50
Diante do exposto, não é difícil vislumbrar que, se o mesmo processo continuar, pode-se
chegar à extinção do gene a, com a conseqüente fixação de seu alelo A. Por outro lado,
considerando a possibilidade de ocorrência de um aumento casual do gene a, pode-se imaginar,
também, um fenômeno oposto, ou seja, a fixação desse gene e a eliminação de seu alelo A.
Quanto menor o isolado, maior será a probabilidade de as variações casuais das freqüências
gênicas provocarem a extinção ou a fixação de um dos alelos, podendo-se dizer que nos isolados
pequenos as flutuações de amostragem deixam as freqüências gênicas sujeitas a variações
aleatórias comparáveis às alterações de rumo de um barco abandonado à deriva. Além disso,
pode-se dizer que nos pequenos isolados ocorre uma queda da variabilidade genética, pois
parte dos alelos é fixada e parte é eliminada, sendo a probabilidade de eliminação igual à de
fixação.
É evidente que nas populações reais o fenômeno da deriva genética pode ser um processo
bem mais drástico do que aquele apresentado em nosso exemplo, baseado em populações
168
177
169
teóricas. Isso porque nas populações reais, além de ter que levar em conta a influência do
número de casais férteis, devemos considerar a ocorrência de outros fatores, um dos quais, por
exemplo, é o tamanho das famílias. Realmente, se dois pequenos isolados, A e B, tiverem o
mesmo número de casais e o mesmo número médio de filhos por casal, mas se no isolado A
metade dos casais tiver 2 filhos e a outra metade 6, enquanto no isolado B todos os casais
tiverem quatro filhos, este último terá maior probabilidade de apresentar maior heterogeneidade
genética do que o primeiro.
Um outro fator importante que deve ser levado em conta é o sistema de casamentos da
população, isto é, se ele é monogâmico ou poligâmico, ou se a monogamia está restrita ou não a
uma parcela da população ou, ainda, se a monogamia é constante ou se ela se alterna com
períodos de promiscuidade sexual como acontecia com os esquimós do Alaska. Além disso,
deve-se levar em conta a existência ou não de fatores que favorecem o aumento da
consangüinidade entre os cônjuges. Obviamente, tanto a poligamia quanto o aumento da
consangüinidade entre os cônjuges favorecem a queda da variabilidade genética.
Tendo em vista a influência desses fatores foi que Wright (1931) criou o conceito de
tamanho efetivo da população. Assim, o tamanho efetivo da população, obtido por intermédio
de fórmulas que levam em conta tais fatores, informará que ela se comporta como se fosse uma
população na qual existem n indivíduos reprodutores, com o mesmo número de homens e de
n
mulheres ( ) que se acasalam de modo aleatório, onde a variância do desvio das freqüências de
2
pq 1
genes autossômicos é ( ) e a queda da variabilidade genética é . Tais fórmulas permitiram
2n 2n
1
verificar que o tamanho efetivo das populações humanas varia em torno de do seu tamanho
4
1 1
total, havendo estimativas desde até desse tamanho.
6 3
equivale a dizer que, após 92 gerações, toda a população seria constituída por homozigotos.
A distribuição das freqüências de certos genes em algumas populações humanas tem
grande probabilidade de ter sido conseqüência da deriva genética, a qual deve ter tido papel
evolutivo muito mais relevante do que a seleção natural nas populações primitivas, constituídas
169
178
170
por pequenos isolados genéticos, cujo tamanho efetivo não deveria exceder a 100. Nesses
pequenos isolados existia a possibilidade de um único indivíduo, altamente fecundo, ou com
descendentes muito fecundos, provocar a predominância de um ou mais genes na população
originária de tais isolados, ainda que um desses genes conferisse baixo valor adaptativo a seus
portadores. Quando se reconhece a existência desse processo, costuma-se falar em efeito do
fundador.
Nas populações primitivas também era freqüente a diminuição abrupta de seu tamanho,
pela redução do número de pessoas em conseqüência de guerras, epidemias, fome e outras
catástrofes, dizimando famílias, independentemente do valor adaptativo de seus genes. As
freqüências gênicas dos sobreviventes nem sempre correspondiam à da população original, de
sorte que a população oriunda deles podia mostrar uma composição genética diversa da que
existia anteriormente. Esse efeito, decorrente do “estreitamento da passagem” de genes de uma
população original para outra por intermédio de uma geração reduzida por uma catástrofe, que
afetou uma parte do isolado e que, evidentemente, nada tem a ver com o processo de seleção
natural, costuma ser denominado efeito do gargalo.
Dentre os exemplos de possíveis conseqüências de deriva genética pode-se mencionar o
caso dos indígenas sul-americanos não miscigenados, os quais apresentam, praticamente, apenas
o grupo sangüíneo O. Assim, por exemplo, todos os 1.622 índios do Amazonas e do Mato
Grosso estudados por vários pesquisadores (Biocca e Ottensooser, 1944; Ottensooser e
Pasqualin, 1949; Lima, 1950; Junqueira e Wishart, 1956) mostraram ser do grupo sangüíneo O.
A ausência dos genes A e B do sistema ABO entre eles poderia ser explicada como conseqüente
de deriva genética ocorrida nos pequenos grupos que compunham as gerações ancestrais que lhes
deram origem.
Existem, entretanto, outros exemplos em que o efeito da deriva genética está bem mais
evidente, porque os genes que se manifestam com alta freqüência conferem a seus portadores
valor adaptativo baixo. É o caso da porfiria hepática do tipo sul-africano (dominante
autossômica), que é rara na maioria das populações humanas, mas ocorre em alta proporção nos
africânderes (cerca de dois milhões de descendentes de pequeno número de holandeses e de
franceses, que se estabeleceram na África do Sul em fins do século XVII). As investigações
genealógicas realizadas levam a crer que a maioria dos casos de porfiria hepática entre os
africânderes seja constituída por descendentes de um holandês que chegou à Cidade do Cabo em
1686.
Outro caso interessante é o da população dos atóis de Pinguelape e Moki1 e de seus
migrantes para a ilha vizinha de Ponape. Nessas ilhas, que fazem parte das Ilhas Carolinas, a
freqüência da acromatopsia associada à miopia é altíssima, pois está em torno de 5%. A
170
179
171
explicação para tão alta freqüência dessa anomalia autossômica recessiva baseia-se no
conhecimento de que a população atual dessas ilhas descende dos poucos sobreviventes (cerca de
30) que restaram na ilha de Pinguelape depois que, em 1775, o tufão Lengkieki e o período de
fome que a ele se seguiu devastaram a ilha, matando a maioria dos seus habitantes. Um desses
sobreviventes (Muahuele), que deve ter sido heterozigoto do gene raro que produz acromatopsia,
deixou prole exageradamente grande, fazendo com que tal alelo se acumulasse na população e
aparecesse na forma homozigótica após cinco gerações (Morton, 1973; Maumenee, 1976).
A alta freqüência de albinos entre os habitantes da Ilha de Lençóis, no Maranhão (Freire-
Maia e Cavalli, 1972,1973) tem, também, todas as características de ser conseqüência de deriva
genética, pois num local tão ensolarado como essa ilha o albinismo tem, evidentemente, valor
adaptativo muito baixo.
Do mesmo modo que a deriva genética, as migrações têm um efeito evolutivo porque são
capazes de promover alterações das freqüências gênicas tanto nas populações da qual se originam
os imigrantes, quanto naquelas que os recebem. De fato, se de uma população X emigrar um
grupo que não é uma amostra representativa dessa população no concernente a certas freqüências
gênicas, esse grupo emigrante poderá, dependendo do seu tamanho e da intensidade da corrente
migratória, passar a acusar as perdas gênicas provocadas pela emigração. Por outro lado, se o
grupo que emigra da população X se estabelecer no território ocupado por uma população Y e
diferir desta última quanto à freqüência de certos genes, tal situação também provocará uma
alteração da freqüência desses genes na população que recebe os imigrantes.
Para exemplificar essas afirmações consideremos o caso de uma corrente migratória de
uma população X para o território ocupado por uma população Y, que é incentivada pelas
autoridades governamentais dessa última, as quais, entretanto, a troco do incentivo, exigem a
seleção médica dos imigrantes. Suponhamos, que na população X existe uma freqüência
apreciável dos genes da talassemia beta e da deficiência de G-6PD, e que na população Y tais
genes estejam ausentes ou, praticamente ausentes.
Se as autoridades da população Y somente autorizarem a imigração de pessoas que estão
livres dos genes da talassemia beta e da deficiência de G-6PD, é evidente que as freqüências
desses genes crescerão ainda mais na população X, já que ela sofrerá emigração diferencial. O
grupo migrante, por sua vez, poderá passar a constituir um grupo racial diverso do original,
mesmo que não entre em miscigenação com outras populações. De fato, ele será um conjunto
humano que difere da população da qual procede em relação às freqüências de certos genes. Se,
171
180
172
entretanto, a seleção mencionada não existisse, estabelecer-se-ia um fluxo de genes da talassemia
beta e da deficiência de G-6PD da população X para a população Y.
Os resultados do fluxo gênico de um grupamento humano em outro, pode ser detectado
facilmente em populações de áreas nas quais as barreiras geográficas, sócio-culturais, políticas e
religiosas são pouco acentuadas. Esse ingresso de genes também pode ser apreciado em
populações humanas separadas por grandes distâncias geográficas, desde que as diferenças
gênicas entre elas sejam acentuadas e que essas distâncias sejam ocupadas por populações pelas
quais os genes possam fluir. Assim, por exemplo, a freqüência do gene que determina a produção
de antígeno B nas hemácias é mais alta nas populações mongólicas do que nas populações
caucasóides européias, ocorrendo o inverso em relação ao gene da insensibilidade gustativa à
feniltiouréia (PTC). Entretanto, quando se examina a distribuição das freqüências do gene B nas
populações européias e asiáticas, pode-se notar um gradiente que diminui no sentido da Ásia para
a Europa, e um gradiente no sentido oposto no concernente ao gene da insensibilidade gustativa à
PTC. As invasões mongólicas a partir do ano 500 poderiam explicar essas observações.
Nas populações em que há miscigenação com grupos imigrantes, o efeito do fluxo gênico
oriundo desses últimos depende, evidentemente, da diferença entre as freqüências gênicas das
populações que se miscigenam, bem como do tamanho relativo delas. Para exemplificar,
consideremos uma cidade predominantemente caucasóide do Estado de São Paulo, na qual se
estabeleceu um isolado japonês, que passou a constituir 10% de sua população. Tomemos como
marcadores genéticos dessas populações o gene d, responsável, quando em homozigose, pelo
grupo sangüíneo Rh-negativo, e o gene t que, em homozigose, determina a insensibilidade
gustativa à feniltiouréia. Sabendo-se que as freqüências dos genes d e t nos caucasóides de São
Paulo são estimados, respectivamente, em 0,304 e 0,497, enquanto que nos japoneses desse
Estado são estimados em 0,055 e 0,356, respectivamente (Beiguelman e Marchi, 1962;
Beiguelman,1962, 1963, 1964), vejamos o que aconteceria na população da cidade de nosso
exemplo se nela houvesse miscigenação completa.
Visto que o componente caucasóide corresponde a 90% da população total e o japonês a
10% dela, é claro que as freqüências dos genes d e t passariam a ser iguais a 27,9 % e 48,3 %,
pois o valor médio da freqüência do gene d é q = Σxq = (0,9 ×0,304) + (0,1 × 0,058) = 0,279,
enquanto o valor médio da freqüência do gene t é q = Σxq = (0,9 x 0,497) + (0,1 x 0,356) = 0,483. No
cálculo da freqüência do gene d não levamos em conta a possibilidade de efeito seletivo
resultante da incompatibilidade sangüínea materno-fetal, porque no Estado de São Paulo as
mulheres Rh-negativo que geram uma criança Rh-positivo têm o direito de receber a globulina
anti-D para impedir sua sensibilização pelo antígeno D.
172
181
173
Quando uma população é o resultado da miscigenação de duas outras, que diferem entre
si quanto à freqüência de um determinado gene, é evidente que a freqüência desse gene na
população miscigenada ( q ) será obtida por intermédio de q = xql + (1-x)q2, onde ql e q2
representam as freqüências do gene nas populações originais, enquanto x e 1-x representam as
proporções com que cada urna delas participou para a formação da população miscigenada. Por
isso, conhecendo-se as freqüências gênicas q , ql e q2 pode-se estimar as proporções x e 1-x, pois
q = xql + q2 - xq2
q - q2 = x(ql - q2)
q − q2
x=
q1 − q 2
o que nos levar a estimar que, para a constituição da população afro-brasileira, os caucasóides
contribuíram com, praticamente, 55%. Visto que o componente caucasóide da população afro-
norte-americana varia entre 10% e 30%, pode-se, pois, concluir que os afro-brasileiros são mais
caucasóides do que os afro- norte-americanos.
Com base na informação de que os índios brasileiros, do mesmo modo que outros índios
sul-americanos, eram todos do grupo sangüíneo O, pode-se empregar um método muito simples
(Beiguelman, 1980) para estimar em que proporção os índios, os africanos negros e os
caucasóides participaram da composição das populações do nordeste brasileiro, sabidamente
tri-hibridas.
Se as freqüências dos genes A, B e O do sistema ABO dos caucasóides e dos negros
africanos que contribuíram para a formação das populações nordestinas forem designadas,
respectivamente, por pl , ql e rl, e p2, q2, e r2, entre os índios deveremos levar em conta apenas a
freqüência r3 = 1, pois os índios não miscigenados não possuem os genes A e B. Na população
nordestina atual as freqüências dos genes A, B e O devem, pois, ser representadas por p , q e r .
173
182
174
Se as proporções de caucasóides, africanos e índios que entraram na composição dessa população
forem indicadas, respectivamente, por x1, x2 e x3, poderemos escrever:
p = x1 p1 + x2 p2
q = x1 q1 + x2 q2
r = x1 r1 + x2 r2 + x3 r3
Na primeira equação x2 pode ser substituído por seu significado obtido a partir da segunda
q − x1 q1
equação, isto é, por x2 = , o que permitirá estimar a contribuição da população caucasóide
q2
Esses percentuais estão muito próximos daqueles obtidos por Saldanha (1962),
empregando outro método (48% de caucasóides, 34% de negros africanos e 18% de índios). Esse
174
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175
método consistiu em avaliar a contribuição desses três grandes grupos raciais a partir de um
marcador genético ausente em caucasóides e negros africanos, mas presente em índios (gene Diª
do sistema sangüíneo Diego), e de outro praticamente ausente em caucasóides e em índios, mas
muito freqüente em africanos (gene R ou combinação cDe do sistema Rh). Desse modo,
q − q2
Saldanha (1962) pôde tratar a população como di-híbrida, usando a fórmula x = e
q1 − q 2
176
185
177
2i(i-1) primos em primeiro grau e i(i - 1) primos em primeiro grau do sexo oposto, dentre os
quais poderá escolher seu cônjuge.
Desse modo, a probabilidade c de ocorrência casual de um casamento entre primos em
i (i − 1) 2i (i − 1) n
primeiro grau será c = = se n for o tamanho do isolado e for o número de
n n 2
2
indivíduos do sexo oposto dentre os quais um indivíduo escolhe o seu cônjuge. Por isso,
resolvendo a última fórmula em relação a n, o tamanho do isolado é calculado, segundo Dahlberg
2i (i − 1)
(1929), a partir de n = .
c
médio de filhos por casal i = 2,2, mas a taxa de casamentos entre primos em primeiro grau fosse
menor, c = 1%, por exemplo, diríamos que o isolado cresceu porque n passaria a ser constituído
2 × 2,2 ×1,2
por 528 nubentes, já que n = = 528.
0,01
Para ilustrar a aplicação dessa última fórmula, consideremos que, no exemplo anterior,
soubéssemos que o número de indivíduos nas irmandades geradas pelos casais desse isolado
varia de 1 a 5, e que tais irmandades ocorrem na população com freqüências iguais,
respectivamente, a 30%, 35%, 25%, 5% e 5%. Diante dessas informações operaríamos como no
quadro abaixo e concluiríamos que o isolado em questão teve, nos dois períodos, tamanho maior
2 × 3,8
do que o calculado segundo a fórmula de Dahiberg, pois no primeiro período n = =152 e no
0,05
2× 3,8
segundo n = = 760.
0,01
x i xi xi(i-1)
0,30 1 0,30 -
0,35 2 0,70 0,70
0,25 3 0,75 1,50
0,05 4 0,20 0,60
0,05 5 0,25 1,00
1,00 2,20 3,80
177
186
178
.
Quando essas técnicas de mensuração dos isolados são aplicadas a pequenos grupos
humanos bem definidos (populações de pequenas ilhas, pequenas comunidades rurais isoladas,
ou pequenos grupos religiosos) é claro que o tamanho do isolado dá unia idéia de uma entidade
real. Contudo, quando essas mesmas técnicas são aplicadas a isolados de limites indefinidos,
como é o caso das subpopulações estratificadas que constituem os grupamentos urbanos, também
é óbvio que as medidas do tamanho dos isolados devem ser aceitas como mensurações de
entidades abstratas. Essa é a razão pela qual, nesses casos, se fala em tamanho médio dos
isolados.
Outras fórmulas, que levam em conta outros tipos de casamentos consangüíneos, também
foram apresentadas na literatura especializada com a finalidade de estimar o tamanho dos
isolados. Entretanto, a sua aplicabilidade é muito pequena, seja porque é mais difícil obter dados
censitários a respeito de casais com consangüinidade distante (primos em terceiro grau e em
graus superiores), seja porque se referem a casamentos entre colaterais de gerações diferentes
(casamentos entre tios(as) e sobrinhas(os) ou entre primos em segundo grau, por exemplo).
A crítica mais importante que se faz ao emprego das fórmulas aqui apresentadas para
estimar o tamanho dos isolados é a de que elas partem do princípio de que os casamentos
consangüíneos podem ser considerados como ocorrendo aleatoriamente, quando, na realidade,
eles não ocorrem ao acaso (Morton, 1955). Assim, em populações nas quais existam fatores
favorecendo os casamentos entre primos em primeiro grau, a aplicação dessas fórmulas
conduzirá a sub-estimativas do tamanho dos isolados, pois c terá valores altos. Em oposição, nos
isolados constituídos por imigrantes, onde as possibilidades matrimoniais entre consangüíneos
podem ficar diminuídas pela redução do número de parentes, as fórmulas em discussão darão
super-estimativas do seu tamanho.
QUESTÕES E RESPOSTAS
178
187
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qual a taxa de mutação que pode ser calculada para o gene determinador da anomalia em
questão?
1 1
R 2. 3,9 × 10-5 porque q2 = ;µ = sq2 = 0,98. = 0,000039.
25.000 25.000
1000 0,3
indivíduos normais é = 2, pode-se calcular s = 0,85, pois f = = 0,15.
500 2
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180
R 8. Não, porque novos casos surgirão, por mutação.
Q 9. Numa população os alelos autossômicos A,a têm freqüências iguais, respectivamente, a
p = 0,80 e q = 0,20. Se em uma determinada geração dessa população, e na seguinte, ocorrer
seleção completa dos homozigotos aa antes da idade reprodutiva, qual será a distribuição dos
genótipos AA, Aa e aa entre os recém-nascidos da segunda geração filial?
R 9. AA = 73,96%, Aa = 24,08% e aa = 1,96% porque
1
q2 = = 0, 14 e, portanto p2 = 0,86.
1 + (2 × 0,2)
Q 10. Se na população da questão anterior, em vez de seleção completa dos homozigotos aa,
ocorresse seleção completa contra os dois tipos de homozigotos (AA e aa), qual seria a
distribuição dos genótipos AA, Aa e aa entre os recém-nascidos da segunda geração filial?
R 10. AA = 25%, Aa = 50% e aa = 25%, pois apenas os indivíduos Aa se reproduziriam.
Q 11. Numa população de negros africanos, a freqüência de indivíduos com anemia falciforme
que alcançam a idade reprodutiva é nula. Nessa mesma população, a incidência do traço
siclêmico é 10%. Se 8 % dos indivíduos com o traço siclêmico não atingirem a idade reprodutiva
por causa de complicações decorrentes da hemoglobina S, a eliminação do gene da hemoglobina
S por intermédio dos heterozigotos será mais eficiente do que aquela feita por intermédio dos
homozigotos?
0,10
R 11. Sim, porque ela será 1,52 vezes maior. De fato, q = = 0,05 e p = 0,95, de sorte que
2
hp 0,08 × 0,95
= = 1,52.
q 0,05
Q 12. Suponha que um caráter é condicionado por dois pares de alelos autossômicos (A,a e
B,b), cujas freqüências em uma população em equilíbrio de Hardy e Weinberg são A = p1 = 0,90;
a = q1 = 0,10; B = p2 = 0,50; b = q2 = 0,50. Se os indivíduos duplamente homozigotos aabb dessa
população passassem a sofrer seleção completa antes da idade reprodutiva, qual seria a
freqüência dos genes a e b após a primeira geração de seleção natural?
0,10 − (0,01 × 0,25) 0,50 − (0,01 × 0,25)
R 12. a = 0,0977; b = 0,4987, porque a = = 0,0977 e b = =
1 − (0,01× 0,25) 1 − (0,01 × 0,25)
0,4987.
Q 13. Considere um par de alelos autossômicos A,a em uma população, e que os homozigotos
estejam sujeitos a um mesmo processo seletivo, enquanto os heterozigotos estão sujeitos ao
dobro da seleção que opera contra os homozigotos AA e aa. Se a freqüência do gene A for p e a
do gene a for q, o que deve acontecer com essas freqüências gênicas se:
a) p > q
b) p < q
c) p = q
180
189
181
R 13. a) A freqüência do gene a deve diminuir.
b) A freqüência do gene A deve diminuir.
c) Não deve haver alteração das freqüências dos alelos A e a.
Q 14. Suponha uma região, na qual a malária por Plasmodium falciparum é endêmica, habitada
por uma população na qual o gene da hemoglobina S está presente. Se nessa população se tiver
observado que chegaram à idade reprodutiva:
a) 540 dentre 1.000 indivíduos com hemoglobina normal (AA);
b) 600 dentre 1.000 indivíduos com o traço siclêmico (AS);
c) Nenhum indivíduo com anemia falciforme (SS);
Qual deverá ser a estimativa da freqüência do gene S na população em equilíbrio genético sob
seleção natural?
R 14. Pode-se estimar a freqüência do gene S em 9%. De fato, o valor adaptativo dos
homozigotos AA pode ser estimado em 0,54, o dos heterozigotos AS em 0,60 e a dos
homozigotos SS pode ser considerado nulo. Desse modo, se o valor adaptativo dos heterozigotos
for considerado como a unidade de comparação, o valor adaptativo dos homozigotos AA passará
0,54
a ser = 0,9 de sorte que seu coeficiente seletivo será estimado em 0,1. Visto que o
0,60
0,1
coeficiente seletivo dos homozigotos SS é l, pode-se calcular q = = 0,09 ou 9%.
0,1 + 1
Q 15. Um gene determina uma anomalia neurológica dominante autossômica, que se manifesta
por volta dos 30 anos de idade e causa a morte do seu portador por volta dos 40 anos de idade.
Tal gene pode ser considerado letal?
R 15. Não, porque ele permite a reprodução de seu portador, podendo, por isso, ser transmitido
às gerações futuras.
Q 16. Existem genes com coeficiente seletivo praticamente igual a 1, que são considerados
como determinadores de anomalias dominantes autossômicas. De que decorre a aceitação desse
padrão de herança?
R 16. A aceitação desse padrão de herança decorre do estudo dos descendentes de alguns poucos
casos esporádicos que alcançam a idade reprodutiva.
Q 17. Os poucos casos de epilóia que se reproduzem indicam que essa anomalia é determinada
por um gene autossômico e que ela é transmitida de modo dominante. Isso nos permite concluir
que a esmagadora maioria dos casos de epilóia é constituída por mutantes.?
R 17. Sim.
181
190
182
Q 18. A distrofia muscular do tipo Duchenne, determinada por um gene do cromossomo X,
impede, como se sabe, que os indivíduos do sexo masculino hemizigotos desse gene cheguem à
idade reprodutiva. Isso nos permite concluir que a esmagadora maioria nos casos de distrofia
muscular do tipo Duchenne é composta por mutantes?
R 18. Não, porque esses casos podem ser gerados por mulheres heterozigotas.
Q 19. Em uma pequena comunidade tribal africana, completamente isolada de outras por
barreiras geográficas, viviam, em uma determinada época, 10 casais. Dentre eles, 8 eram
constituídos por cônjuges com hemoglobina normal do adulto (AA × AA), um era composto por
um cônjuge com o traço siclêmico e outro com hemoglobina normal do adulto (AS × AA) e um
era composto por cônjuges com o traço siclêmico (AS × AS). Os 8 casais AA × AA geraram um
total de 40 filhos que chegaram à idade reprodutiva, o casal AS × AA gerou três filhos que
chegaram à idade reprodutiva, todos com hemoglobina normal, enquanto o casal AS × AS
revelou-se estéril, em conseqüência de uma orqui-epididimite infecciosa que afetara o cônjuge
masculino. Pergunta-se:
a) Qual a freqüência do gene que condiciona a produção da cadeia βS de hemoglobina na
geração paterna?
b) Qual a freqüência do gene que condiciona a produção da cadeia βS de hemoglobina na
geração filial?
c) O que ocorreu com os genes A e S na comunidade tribal em apreço?
d) Qual a causa dessa ocorrência?
3 0,15
R 19. a) 7,5 %, pois AS = = 0, 15, de modo que S = = 0,075.
20 2
b) Nula.
c) O gene A foi fixado e o gene S foi eliminado da população que constitui o isolado.
d) A deriva genética.
Q 20. Se, na questão anterior, não soubéssemos o que ocorreu na geração filial, nem tivéssemos
informações sobre a orqui-epididimite que afetou um dos indivíduos AS da geração paterna, o
que se poderia prever a respeito da freqüência do gene responsável pela produção das cadeias βS
de hemoglobina?
R 20. A eliminação do gene S, a manutenção de sua freqüência original ou o aumento de sua
freqüência, pois, na geração paterna, o desvio padrão da freqüência do gene S é estimado em 4%
0,925 × 0,075
porque σ = = 0,04.
40
182
191
183
Q 21. Um isolado A é constituído por 260 habitantes e tem tamanho efetivo de 42 indivíduos.
Outro isolado B, de estrutura genética, social e econômica similar a A é constituído por 150
habitantes e tem tamanho efetivo de 60 indivíduos. Se as mesmas condições de isolamento
persistirem nos dois isolados, qual deles mostrará maior velocidade de diminuição da
variabilidade genética? Por que?
R 21. O isolado A, porque, nele, a queda da variabilidade genética por geração é feita na taxa de
1 1
1,19 %, pois = 0,0119, enquanto que no isolado B essa taxa é de 0,83%, pois = 0,0083.
84 120
Q 22. O papel da deriva genética nas populações humanas deve ter sido mais importante no
passado ou no presente?
R 22. No passado, porque as populações humanas eram menores e o isolamento genético mais
acentuado.
Q 23. Dois isolados, A e B, têm o mesmo tamanho efetivo, mas no isolado A o sistema de
casamentos é poligâmico, enquanto no isolado B ele é monogâmico. Em qual dos dois o aumento
da homozigose se fará mais rapidamente?
R 23. No isolado A, porque a poligamia favorece a identidade genética dos descendentes desses
casamentos.
Q 24. Em uma pequena povoação de uma ilha isolada do continente verificou-se que 8% dos
casais são constituídos por primos em primeiro grau. Nessa povoação as irmandades variam de
um a seis indivíduos e são encontradas segundo o percentuais abaixo:
Irmandades %
1 25
2 40
3 15
4 10
5 5
6 5
Estimar o tamanho do isolado dessa ilha segundo as fórmulas de:
a) Dahlberg.
b) Frota-Pessoa.
R 24. a) 88,8 nubentes.
b) 135 nubentes.
Realmente, operando como abaixo, tem-se:
i x xi xi(i-1)
1 0,25 0,25 -
2 0,40 0,80 0,80
3 0,15 0,45 0,90
4 0,10 0,40 1,20
5 0,05 0,25 1,00
6 0,05 0,30 1,50
Total 2,45 5,40
183
192
184
2 × 2,45 × 1,45 2 × 5,40
n= = 88,8 n= = 135
0,08 0,08
Q 27. Uma pequena cidade recebeu um contingente de imigrantes que equivalia a cerca de 20%
da população receptora. O exame dos grupos sangüíneos de uma amostra aleatória de 100
indivíduos da população imigrante e de 100 da população receptora revelou a seguinte
distribuição quanto aos grupos sangüíneos M, MN e N:
População M MN N
Receptora 35 50 15
Migrante 40 40 20
184
193
185
com a A em uma proporção tal que A constitua 20% da população total, qual será a freqüência da
anomalia em discussão na população híbrida?
R 28. 0,08: 10.000 porque:
q²A = 0,0001; qA = 0,01
q²B = 0,000001; qB = 0,001
q = (0,20 × 0,01) + (0,80 × 0,001) = 0,0028
2
q = 0,000008
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187
196
CAPÍTULO 7. EFEITO DA PREVENÇÃO DE DOENÇAS
GENÉTICAS SOBRE AS FREQÜÊNCIAS GÊNICAS
197
ter optado por uma medida eugênica e o segundo por uma solução disgênica, tem-se que, em
ambos os casos o aconselhamento genético atingiu seu objetivo, visto que os dois casais do
exemplo, além de terem demonstrado ampla compreensão de todas as implicações do defeito
genético em discussão, tomaram decisões racionais em relação à procriaçao.
Diferentemente do que ocorre no aconselhamento genético, os programas de prevenção
de heredopatias têm, infelizmente, em graus variados, cunho diretivo que pode chegar à
coerção, como é o caso da Lei de Proteção à Saúde Materna e Infantil, promulgada no dia 1o.
de junho de 1995 na República Popular da China. Tais programas de prevenção, que
pretendem um resultado eugênico, podem resultar, ao contrário de sua intenção, em efeito
disgênico, como tentaremos demonstrar no presente capítulo.
DOENÇAS AUTOSSÔMICAS
Para iniciar, consideremos um par de alelos autossômicos A,a e que o genótipo
homozigoto aa determina uma heredopatia recessiva, cuja gravidade do quadro clínico impede
àqueles(as) que as manifestam de chegar à idade reprodutiva. Visto que essas pessoas aa não
atingem a idade reprodutiva, está claro que somente existirão três tipos de casais na população
no que diz respeito aos alelos A,a (AA × AA, AA × Aa e Aa × Aa) e que os homozigotos aa
serão gerados apenas pelos casais heterozigotos (Aa × Aa).
Admitamos, ainda, que o diagnóstico dos homozigotos aa é possível in útero e que os
casais Aa × Aa podem ser detectados em exame pré-nupcial. Se tais casais, que planejaram
ter um determinado número de filhos, interromperem a gestação toda a vez que o feto gerado
for homozigoto aa e, em oposição, permitirem a geração de um feto não-aa, isto é, com
genótipo AA ou Aa, haverá compensação reprodutiva, porque as perdas dos fetos aa serão
repostas pela gestação de crianças com genótipo AA ou Aa. Essa prevenção da doença causada
pelo genótipo aa poderá provocar um efeito disgênico, pois é fácil demonstrar que a
freqüência do alelo a na população diminuirá menos rapidamente do que quando não se
tomam medidas preventivas.
Realmente, quando os casais Aa × Aa não interrompem a gestação de fetos
homozigotos aa, eles podem gerar crianças com genótipo AA, Aa ou aa com probabilidades
1 1 1
respectivamente iguais a , e , sendo os homozigotos aa geneticamente inativos, pois
4 2 4
189
198
interromper a gravidez toda a vez que é gerado um feto com genótipo aa, mas permitem a
gestação de fetos com genótipo AA ou Aa, a probabilidade de esses casais gerarem um feto
1 2
com genótipo AA passa a ser e a de gerar um feto Aa passa a ser . De acordo com as
3 3
Tabelas 1.7 e 2.7, os casais Aa × Aa que optam por interromper a gestação após diagnóstico
pré-natal de um homozigoto aa e a fazer compensação reprodutiva, ao permitir a gestação de
indivíduos AA e Aa, transmitem maior quantidade de genes a para a geração seguinte do que
aqueles que geram o mesmo número de filhos, mas não adotam essa medida preventiva.
Assim, por exemplo, casais Aa × Aa com três crianças, que adotaram compensação
reprodutiva depois de interromper a gestação de fetos aa detectados por diagnóstico pré-natal,
transmitirão dois alelos a à geração seguinte (Tabela 2.7) enquanto os casais com o mesmo
número de filhos, que não se valem de medidas preventivas, transmitem 1,5 alelos a (Tabela
1.7). As Tabelas 1.7 e 2.7 permitem constatar, ainda, que a quantidade de alelos a transmitida
à geração seguinte aumenta com o número de filhos.
Tabela 1.7. Número de alelos a transmitidos por casais Aa × Aa a seus filhos quando as
gestantes não se submetem ao diagnóstico pré-natal.
190
199
Tabela 2.7. Número de alelos a transmitidos por casais Aa × Aa a seus filhos quando esses casais
adotam a compensação reprodutiva depois do diagnóstico pré-natal e interrupção da gestação de fetos
aa.
os casais Aa × Aa optarem por interromper a gravidez toda a vez que for gerado um feto com
genótipo aa, com reposição por um feto com genótipo AA ou Aa, a freqüência do gene a
191
200
Tabela 3.7. Distribuição de famílias numa população teórica na qual se leva em conta um par
de alelos autossômicos (A,a) e um dos genótipos (aa) está sob seleção total. Estima-se a
freqüência do alelo a quando os casais não tomam medidas preventivas e quando eles fazem
compensação reprodutiva depois de interromper a gestação de fetos aa.
Filhos
Casais Sem medidadas Com medidas
Preventivas preventivas
AA Aa aa AA Aa aa
AA × AA (D2) D2 - - D2 - -
AA × Aa (2DH) DH DH - DH DH -
Aa × Aa (H2) H2 H2 H2 H2 2 H2 -
4 2 4 3 3
Freqüência do (DH) H 2 D H DH 1 2 H
2
D H
alelo a na geração + = H + + ⋅ = H +
2 4 2 4 2 2 3 2 3
filial
0,12
a (%)
0,1
0,08
0,06
0,04
0,02
0
0 1 2 3 4 5 6 7 G8 erações
9 10
192
201
autossômicas será menor se a identificação dos casais Aa × Aa somente for feita depois de
haver nascido uma criança com genótipo aa. A Tabela 4.7 exemplifica essa situação, ao levar
em conta o que ocorreria no caso de casais Aa × Aa que planejaram ter dois ou três filhos
(Tabelas 4.7-1 e 4.7-2), optando por interromper a gestação de fetos aa após o nascimento do
primeiro filho com esse genótipo e de permiti-la no caso de o feto não ser aa (AA ou Aa).
Nelas fica claro que o aumento da transmissão do alelo a é menor do que nas irmandades
correspondentes da Tabela 2.7, oriundas de casais Aa × Aa identificados pré-
matrimonialmente. Parece evidente, também, que, para a elaboração da Tabela 4.7 aceitou-se
que a manifestação do genótipo aa se dá ao nascimento. Se isso não ocorrer, é claro que o
efeito disgênico desse tipo de prevenção de heredopatias recessivas diminuirá à medida que
aumentar o tempo transcorrido entre ao nascimento e a manifestação da heredopatia.
193
202
Tabela 4.7 Número médio de alelos a transmitidos a irmandades com dois ou três indivíduos
gerados por casais Aa × Aa que, depois de gerarem uma criança homozigota aa, decidem
interromper a gestação de um próximo feto se ele for homozigoto aa e a adotar compensação
reprodutiva.
Total 1,04
natal para a interrupção da gestação toda a vez que for identificado um feto masculino com
genótipo XaY e fizerem compensação reprodutiva de modo a gerar uma filha (XAXA ou XAXa)
ou um menino com genótipo XAY, ocorrerá um efeito disgênico, pois as filhas heterozigotas
194
203
XAXa dessas mulheres transmitirão, em média, 0,667 gene a para a geração seguinte, como se
pode constatar na Tabela 6.7.
Tabela 5.7. Pares de irmãos que podem ser gerados por heterozigotas de um alelo a ligado ao
sexo (XAXa) que impede os hemizigotos XaY de alcançar a idade reprodutiva. Número médio
de alelos a transmitidos por intermédio das filhas heterozigotas na ausência de medidas
preventivas.
Alelos a de filhas Alelos a
Pares de irmãos Probabilidade
heterozigotas transmissíveis
XA XA - XA XA (1/4)(1/4) = 1/16 - -
XA XA -XA Xa 2(1/4)(1/4)=2/16 1 2/16
XA Xa - XA Xa (1/4)(1/4) = 1/16 2 2/16
XA XA - XA Y 2(1/4)(1/4)=2/16 - -
XA XA - Xa Y 2(1/4)(1/4)=2/16 - -
XA Xa - XA Y 2(1/4)(1/4)=2/16 1 2/16
XA Xa - Xa Y 2(1/4)(1/4)=2/16 1 2/16
XA Y - XA Y (1/4)(1/4) = 1/16 - -
XA Y - Xa Y 2(1/4)(1/4)=2/16 - -
Xa Y - Xa Y (1/4)(1/4) = 1/16 -
Total 8/16 = 0,5
Tabela 6.7. Pares de irmãos que podem ser gerados por heterozigotas de um alelo a ligado ao
sexo (XAXa) que impede os hemizigotos XaY de alcançar a idade reprodutiva. Número médio
de alelos a transmitidos por intermédio das filhas heterozigotas quando os casais optam por
compensação reprodutiva após a interrupção da gestação de fetos XaY.
Consideremos, agora, o caso em que os fetos hemizigotos XaY não podem ser
detectados por diagnóstico pré-natal. Se os casais em que a mulher é heterozigota XAXa e que
pretendem ter dois filhos, não querendo ter um filho com a doença ligada ao sexo em
discussão, optarem por interromper a gravidez toda a vez que gerarem um feto masculino, o
número médio do gene a transmitido para a geração seguinte dobrará, pois tais casais passam a
gerar apenas filhas XAXA ou XAXa, tendo cada um desses genótipos probabilidade de
1
ocorrência igual a (Tabela 7.7).
2
195
204
Tabela 7.7. Pares de irmãs que podem ser geradas por heterozigotas de um gene a ligado ao
sexo (XAXa) que impede os hemizigotos XaY de atingir a idade reprodutiva. Número médio de
alelos a transmitidos por intermédio das filhas heterozigotas quando os casais optam por
compensação reprodutiva após interrupção da gestação de fetos masculinos.
for gerado um feto masculino com genótipo XaY, com compensação reprodutiva para gerar
uma filha ou um filho com genótipo XAY, a freqüência do gene a ligado ao cromossomo X na
2H
geração seguinte será estimada a partir de , como se pode constatar na Tabela 9.7
3(3 + H)
196
205
Tabela 8.7. Distribuição de famílias e freqüência de um alelo a ligado ao sexo em uma
população teórica na qual nào se tomam medidas preventivas e os hemizigotos XaY não
atingem a idade reprodutiva, sofrendo, portanto, seleção total.
Filhas Filhos
Casais A A A a
X X X X XAY XaY
D D
XAXA×XAY (D) - -
2 2
H H H H
XAXa ×XAY (H)
4 4 4 4
D H H D H H
Total ao nascer + +
2 4 4 2 4 4
Total ao casar, H H
D+ 1 -
segundo o sexo 2 2
Freqüência do alelo a 1 H H
na geração filial
⋅ =
3 2 6
Filhas Filhos
Casais
X XA XAXa
A
XAY
D D
XAXA×XAY (D) -
2 2
H H H
XAXa ×XAY (H)
3 3 3
D H H D H
Total ao nascer + +
2 3 3 2 3
Total ao casar, 3D + 2H 2H
1
segundo o sexo 3D + 4H 3D + 4H
Freqüência do alelo a 1 2H 2H
⋅ =
na geração filial 3 3D + 4H 3(3 + H)
197
206
Tabela 10.7. Distribuição de famílias e freqüência de um gene a ligado ao sexo numa
população teórica na qual os hemizigotos XaY sofrem seleção completa. Os casais optam por
compensação reprodutiva após interromper a gestação de fetos masculinos.
Filhas Filhos
Casais
XAXA XAXa XAY
D - D
XAXA×XAY (D)
2 2
H H -
XAXa ×XAY (H)
2 2
D+H H D
Total ao nascer
2 2 2
Total ao casar, 1 H
1
segundo o sexo 1+ H 1+ H
Freqüência do alelo a H
na geração filial 3(1 + H)
Fig. 2.7 Intensidade de eliminação de um gene ligado ao sexo que tem efeito deletério em
hemizigose (XaY) quando os casais não tomam medidas preventivas (♦ ♦) e quando os casais
optam por compensação reprodutiva depois de interromper a gestação de fetos XaY (●) ou de
fetos do sexo masculino (▲).
198
207
COMENTÁRIOS
Se a prevenção baseada no diagnóstico pré-natal de uma determinada heredopatia
recessiva monogênica, autossômica ou ligada ao sexo, incluísse a interrupção da gestação dos
heterozigotos do gene causador dessa heredopatia, o problema da queda da eliminação desse
gene, como resultado do programa de prevenção, certamente deixaria de existir. Entretanto,
essa prática é absurda no aspecto lógico e indefensável do ponto de vista ético, porque a
expectativa é a de que os heterozigotos serão saudáveis. Do ponto de vista científico ela é
irracional, porque todos os seres humanos são, com probabilidade confinante à certeza,
heterozigotos de vários genes deletérios. Desse modo, a eliminação de um feto heterozigoto de
um determinado gene a, pode resultar, após compensação reprodutiva, na gestação de um
outro indivíduo que, embora não sendo heterozigoto do gene a, pode ser heterozigoto de um
ou mais genes não-alelos de a (b, c, d, e, etc.), com efeitos muito mais graves do que o desse
gene, quando se expressam em homozigose.
A exposição feita até aqui pode dar a impressão de que estamos preocupados com o
efeito disgênico advindo de programas de prevenção de doenças genéticas. Nada mais falso.
Temos plena consciência de que a medicina atual age em oposição à seleção natural e que o
efeito disgênico resultante dos programas de prevenção de heredopatias monogênicas
recessivas é semelhante àquele alcançado quando se consegue tratamento clínico ou cirúrgico
para elas. De fato, consideremos, novamente, para exemplificar, um par de alelos
autossômicos A,a com freqüências iguais, respectivamente, a p e q = 1-p. Suponhamos, ainda,
que os homozigotos aa não atingem a idade reprodutiva ou, mesmo que a atinjam, não se
reproduzem. Em situações como essa, não levando em conta a ocorrência de mutações e
supondo que os heterozigotos Aa não têm vantagem reprodutiva, é fácil demonstrar que, após
q
n gerações, a freqüência q do alelo a baixaria até qn = , onde qn é a freqüência desse
1 + nq
199
208
heterozigotos Aa, a freqüência do alelo a deveria alcançar um patamar mais elevado, cujo
valor ficaria na dependência da freqüência de alelos a surgidos por mutação do gene A para
seu alelo a na taxa µ, isto é, µp, e na de alelos A surgidos por mutação inversa, na taxa ν, ou
seja νq.
No caso das heredopatias monogênicas dominantes, o efeito disgênico decorrente da
possibilidade de tratamento clínico ou cirúrgico dos indivíduos afetados será tanto mais
acentuado quanto maior for a diferença entre o coeficiente seletivo a que esses indivíduos
estavam sujeitos antes e depois da criação do tratamento. Para exemplificar, consideremos
uma heredopatia dominante que determina óbito precoce ou que impossibilita a reprodução
dos indivíduos afetados por ela, o que, do mesmo modo, resulta em inatividade genética.
Nesse caso, está claro que todos os indivíduos com essa heredopatia que surgem na população
são portadores do gene que sofreu mutação, o qual fica sujeito a seleção completa (s = 1,
sendo s o coeficiente seletivo). A persistência média desse gene, simbolizada por i, isto é, o
número médio de gerações que ele permanece na população, e que é inversamente
1
proporcional ao coeficiente seletivo (i = ), será, pois, igual a uma única geração, pois, com
s
s = 1 tem-se, também, i = 1. Em outras palavras, a freqüência desse gene será igual à taxa de
mutação.
Se, em decorrência da criação de um tratamento, o valor do coeficiente seletivo
diminuir, a persistência do gene aumentará, podendo, até, permanecer indefinidamente na
população. Essa situação extrema acontecerá, evidentemente, quando os portadores desse gene
alcançarem valor adaptativo máximo, ou seja, quando o coeficiente seletivo for nulo. De fato,
1
quando s = 0 ter-se-á i = = ∞.
0
Conscientes que estamos da ação anti-seletiva da medicina atual, claro está que o
presente capítulo não pretende posicionar-se contra o efeito disgênico resultante da prevenção
de heredopatias recessivas, já que, nele, não se questionam as decisões que redundam em
efeito disgênico, quando elas são tomadas por casais, após aconselhamento genético não-
diretivo. Além disso, esse efeito não deve ser preocupante, porque o desenvolvimento
espetacular das aplicações da genética molecular coloca-nos muito próximos do momento em
que a substituição de genes com efeito deletério será um recurso comum do arsenal terapêutico
à disposição dos clínicos.
200
209
Ao escrever o presente capítulo sobre um assunto que já foi abordado de modo diverso
por Fraser (1972), a intenção foi a de enfatizar que a suposta finalidade eugênica, usada como
argumento para a realização dos programas de prevenção de doenças genéticas é totalmente
equivocada, mormente quando são programas coercivos. Nada justifica o ferimento do
princípio da autonomia, pois ninguém deve violar o direito das pessoas de tomar decisões
conscientes sobre seu estado de saúde e sobre sua reprodução ou impedir a recusa a exames
genéticos e a detecção pré-sintomática de doenças, mesmo as que expõem os indivíduos a
risco de morte precoce. Nenhum resultado de teste genético pode ser utilizado para influenciar
a interrupção da gravidez e ninguém é obrigado a saber o resultado de um exame genético.
Nada justifica a violação do princípio da privacidade, pois a informação genética e os
resultados dos exames das pessoas devem ser confidenciais e continuar como tais mesmo após
a morte. Nada justifica a violação do princípio da justiça porque as crianças, os deficientes
mentais, os deficientes culturais, aqueles com problemas psiquiátricos, enfim, todas as pessoas
juridicamente incapazes devem ter seus direitos preservados. Esperamos estar próximos do dia
em que o equilíbrio justo entre o direito dos indivíduos que compõem a sociedade humana e os
deveres individuais perante a saúde coletiva venham a reger o comportamento ético de todos
aqueles dedicados à genética médica e constituir a meta primordial desses profissionais em
todo o mundo.
REFERÊNCIA
Fraser, G.R.- The implications of prevention and treatment of inherited disease for the genetic future of mankind.
J. Génét. Hum. 20: 185-205, 1972.
201
210
CAPÍTULO 8. MOLÉSTIAS INFECCIOSAS E
CONSTITUIÇÃO GENÉTICA DO HOSPEDEIRO
202
211
assistência médico-sanitária exemplar a taxa de óbitos até os 12 meses é menor, ainda, do
que 10 por mil nascimentos.
Os dados oficiais brasileiros mostram grandes variações regionais da mortalidade de
crianças até um ano de idade, as quais são um reflexo das diferenças sócio-econômicas
entre as regiões do País. Assim, no ano 2000, a taxa de óbitos até os 12 meses de idade na
região sul do Brasil era pouco menor do que a média geral dessa taxa no Brasil (cerca de 30
por mil nascimentos), enquanto que no nordeste do País essa taxa de óbitos era,
praticamente, o dobro da observada no sul do Brasil. Apesar de a taxa de mortalidade
infantil no Brasil mostrar uma forte tendência de queda, é constrangedor verificar que, em
relação a esse importante indicador, ainda estamos distantes de países com economia muito
inferior à do Brasil, como é o caso de Cuba e de Costa Rica, onde a taxa de mortalidade
entre as crianças até um ano de idade varia entre 6 e 8 por mil. As diferenças regionais
observadas no Brasil não são mantidas, entretanto, quando se analisam apenas as famílias
com rendimento mensal acima de 10 salários mínimos, porque, nessas famílias, a proporção
de partos institucionais é comparável à dos países os mais desenvolvidos, girando em torno
de 99% em todas as regiões do Brasil (Faúndes et al., 1987).
A ação seletiva das moléstias infecciosas, contudo, não tem se manifestado nos
seres humanos apenas por intermédio da mortalidade antes da idade reprodutiva. No caso
de infecções crônicas elas conseguem atuar como agentes seletivos por intermédio da
diminuição da capacidade reprodutiva dos indivíduos por ela afetados, seja por causas de
ordem biológica, que determinam esterilidade ou diminuição da fecundidade, seja por
injunções sociais que restringem as possibilidades matrimoniais dos afetados. A
hanseníase, por exemplo, além de poder provocar esterilidade masculina em conseqüência
de orqui-epididimite (Beiguelman et al., 1966), durante muitos anos manteve contra si
grande preconceito, o que limitava as possibilidades matrimoniais dos hansenianos com
pessoas sem hanseníase.
203
212
lado, além da variação do ambiente e da variabilidade genética do organismo infectado,
deve-se levar em conta a variação genética dos microrganismos infectantes. A simples
consideração do binômio organismo infectado e microrganismo patogênico já torna o
problema bastante complexo, pois sabemos que, dentre os microrganismos de uma
determinada espécie, aqueles que provocam menos complicações patológicas serão
selecionados favoravelmente, em virtude de sua benignidade favorecer a sobrevivência do
organismo hospedeiro. O esquema tridimensional apresentado na Fig. 1.8 ilustra bem a
complexidade do problema, quando se considera a taxa de sobrevivência do organismo
hospedeiro como uma função do seu grau de resistência a uma bactéria patogênica que, por
sua vez, apresenta diferentes graus de patogenicidade.
Fig. 1.8. Modelo ilustrativo do efeito da interação da constituição genética de uma bactéria
infectante com a do organismo hospedeiro sobre a sua taxa de mortalidade em
conseqüência da infecção (Adaptado de Gowen, 1952).
204
213
animal infectado e inflamações purulentas das pálpebras, que o cegam. No coelho sul-
americano (Sylvillagus brasiliense), que é o hospedeiro natural do vírus, a doença é benigna
e caracterizada por nódulos cutâneos. Essa ação seletiva da mixomatose em coelhos
europeus havia sido notada em 1898 pelo microbiologista italiano Giuseppe Sanarelli
(1864-1940), quando ele trabalhou no Uruguai.
O coelho europeu, que foi introduzido na Austrália no século 19, proliferou tanto
nessa região, que passou a constituir uma verdadeira praga para os agricultores e a
preocupar seriamente a população. Em vista disso, o médico e pesquisador brasileiro
Henrique Beaurepaire de Aragão (1879-1956), do Instituto Oswaldo Cruz do Rio de
Janeiro, sugeriu que as autoridades australianas empregassem o vírus da mixomatose para
controlar a multiplicação dos coelhos (Aragão, 1927). Tal conselho, dado antes de 1927,
entretanto, somente foi seguido em 1950. Nessa ocasião, o vírus se espalhou rapidamente
na Austrália, tendo o mosquito por vetor natural, e atingiu proporções panzoóticas,
destruindo 95% dos coelhos infectados.
Após a instalação da mixomatose na Austrália verificou-se que, na região do lago
Urana, na Nova Gales do Sul, passou a ocorrer, por ocasião de cada verão (setembro a
novembro), uma epizootia espontânea, que incidia sobre os descendentes dos sobreviventes
das epizootias anteriores. Analisando, anualmente, o efeito da mixomatose nos coelhos que,
na Austrália, têm tempo médio de vida igual a um ano, pôde-se constatar um decréscimo da
taxa de mortalidade por essa afecção, ano após ano. Tais estudos demonstraram que a
diminuição da taxa de mortalidade decorria de duas causas, isto é, do efeito da seleção
sobre o vírus, produzindo uma linhagem menos virulenta, e do efeito da seleção sobre os
coelhos, produzindo uma linhagem mais resistente à infecção.
O efeito seletivo sobre os vírus pôde ser constatado pela comparação da virulência
daqueles colhidos após cada surto, com o vírus-padrão, a qual mostrou, claramente, uma
atenuação do efeito. Por outro lado, a seleção de uma linhagem resistente de coelhos ficou
demonstrada pelos seguintes fatos:
a) houve uma relação inversa entre a taxa de mortalidade dos coelhos e o número de
epizootias ocorridas entre os ancestrais desses animais;
205
214
b) os coelhos sobreviventes de cada epizootia, quando inoculados com o
vírus-padrão da mixomatose, mostraram um aumento da resistência, proporcional ao
número de surtos de mixomatose entre os seus ancestrais;
c) os cruzamentos entre os descendentes de ancestrais sujeitos a maior número de
epizootias produziram prole mais resistente à mixomatose do que os cruzamentos entre
descendentes de ancestrais sujeitos a poucas epizootias.
Uma outra fonte de dificuldades para os estudos dos mecanismos genéticos que
interferem na determinação da suscetibilidade e resistência às infecções é conseqüência da
falta de diferenciação, em numerosas situações, entre o que é resistência genética e o que é
resistência ou imunidade adquirida. Tal problema adquire maior complexidade quando se
lembra que é possível reconhecer a atuação de fatores genéticos que interferem no
desenvolvimento da imunidade adquirida.
Em outras palavras, é difícil diferenciar a proteção total ou parcial contra
determinada moléstia infecciosa, independentemente de contato prévio com seu agente
causal (resistência genética) daquela adquirida permanente ou temporariamente, ativa ou
passivamente (imunidade adquirida). A imunização ativa é aquela que depende de contato
com o agente causador da infecção, enquanto que a imunização passiva é aquela adquirida
pela simples introdução de anticorpos no organismo, como acontece, por exemplo, no caso
das gestantes, que transmitem anticorpos a seus filhos.
206
215
3. Maior concordância da manifestação da moléstia infecciosa em gêmeos
monozigóticos do que em dizigóticos.
4. Risco empírico de contrair a moléstia infecciosa correlacionado ao coeficiente de
consangüinidade entre os comunicantes e o foco.
5. Variação racial da prevalência ou da incidência da moléstia infecciosa.
6. Possibilidade de sobrepor os resultados da experimentação em animais a
observações na espécie humana
7. Associação entre polimorfismos e moléstias infecciosas.
É recomendável que, ao investigar a participação de um componente genético do
hospedeiro na manifestação de uma moléstia infecciosa, essas condições sejam satisfeitas,
pelo menos em parte, antes de submeter os dados familiais a respeito da doença em estudo
a uma análise de segregação como a mencionada no tópico sobre “Análise familial de
caracteres complexos” (Lalouel et al., 1983) do capítulo sobre “A análise familial de
polimorfismos”. De fato, se uma moléstia infecciosa não obedecer à maioria das condições
aqui enumeradas, será pouco provável que a análise de segregação traga resultados
indicadores da participação de um componente genético importante do hospedeiro na
manifestação dessa moléstia.
1. Ocorrência de indivíduos com resistência ao contágio
Evidentemente, a primeira condição que deve ser satisfeita para poder supor a
existência de indivíduos geneticamente suscetíveis e de outros geneticamente resistentes a
uma infecção, seja ela crônica ou aguda, é o encontro de pessoas que, aparentemente, sem a
interferência de fatores exógenos, não se contagiam, mesmo após exposição prolongada ao
agente infeccioso.
A hanseníase é um bom exemplo para demonstrar a obediência a essa condição,
mas, antes, é necessário que se faça um comentário, ainda que muito breve, sobre as
diferentes formas dessa doença, pois ela não é monomórfica, apesar de depender de um
único agente etiológico, o Mycobacterium leprae, descoberto por Hansen em 1874. Assim,
dependendo do cortejo fisiopatológico que suceder a infecção por esse bacilo, o hanseniano
poderá ser classificado em um dos dois tipos polares da moléstia, isto é, no tipo
virchowiano (lepra lepromatosa) ou no tipo tuberculóide, ou, ainda, em um dos dois
grupos, isto é, no grupo indeterminado ou no grupo dimorfo.
207
216
As lesões dos pacientes virchowianos mostram diferenças antitéticas em relação às
dos pacientes tuberculóides, pois enquanto as primeiras são infiltrados nos quais
predominam as células de Virchow, ricas em bacilos de Hansen, as lesões tuberculóides são
infiltrados do tipo sarcóide ou folicular, freqüentemente bacteriologicamente negativos. Em
outras palavras, os macrófagos dos indivíduos com hanseníase virchowiana transformam-se
em células de Virchow porque são incapazes de destruir o M. leprae que fagocitam e
permitem sua proliferação e acúmulo de gordura no interior da célula. Tal incapacidade está
restrita especificamente ao M. leprae pois, regra geral, os macrófagos de pacientes
virchowianos são capazes de destruir outras micobactérias após sua fagocitose
(Beiguelman, 1968b).
Em oposição, os macrófagos dos pacientes com hanseníase do tipo tuberculóide têm
a capacidade de destruir os bacilos de Hansen que fagocitam, razão pela qual as lesões
tuberculóides, quando examinadas ao microscópio, mostram-se abacilares ou
paucibacilares. A diferença fundamental quanto à resistência tecidual à infecção hanseniana
observada nesses dois tipos de hanseníase explica a contagiosidade dos pacientes
virchowianos que, na ausência de tratamento, se tornam bacilíferos, bem como a falta de
contagiosidade dos pacientes do tipo tuberculóide, que, regra geral, são abacilíferos. Foi por
causa dessas diferenças e pelo fato de os pacientes virchowianos não poderem transformar-
se em tuberculóides e vice-versa, isto é, pelo fato de eles se manterem estáveis, que essas
duas formas de hanseníase foram denominadas tipos polares.
O grupo dimorfo inclui os pacientes que mostram similaridade com o tipo
virchowiano ou com o tipo tuberculóide da hanseníase, mas não podem histologicamente
ser classificados em um desses tipos polares, porque suas lesões mostram características
tanto da hanseníase virchowiana quanto da hanseníase tuberculóide em reação. Os
pacientes desse grupo interpolar oferecem risco de contágio porque são bacilíferos.
Alguns pacientes dimorfos, que manifestam episódios reacionais sucessivos,
podem, ao final desses episódios, apresentar-se transformados clínica e histologicamente
em pacientes virchowianos. Tais pacientes são os responsáveis pelo conceito de
instabilidade atribuído à hanseníase dimorfa, o que faz considerá-la como um grupo e não
como um tipo. Opromolla (1981), entretanto, é de opinião que os dimorfos também
deveriam constituir um tipo porque, segundo suas observações, quando um paciente
208
217
dimorfo se transforma em virchowiano, essa transformação não é definitiva, pois, se depois
de curados recidivarem eles voltarão a exibir lesões dimorfas e não lesões virchowianas.
O grupo indeterminado é composto por pacientes que apresentam as manifestações
iniciais da hanseníase. Suas lesões são infiltrados inflamatórios simples, compostos
basicamente por linfócitos, e localizados, geralmente, em torno dos pequenos filetes
nervosos cutâneos e músculos arrectores pilorum. Nesses infiltrados os bacilos de Hansen
são raros ou não demonstráveis. Quando não tratados, os pacientes indeterminados, regra
geral, podem evoluir para um dos tipos polares de hanseníase ou para o grupo dimorfo, ao
passo que aqueles sob tratamento podem sarar ou permanecer no grupo indeterminado
durante anos. Como se vê, a designação indiferenciado para esse grupo, dada por Rabello
(1976) parece mais adequada.
Em uma amostra de 430 cônjuges de hansenianos do tipo virchowiano, que
conviveram com esses pacientes durante mais de cinco anos após o início da doença, o
autor pôde constatar que apenas 4% manifestaram esse tipo de hanseníase. Dos cônjuges
restantes, 86,7% não exibiram qualquer sinal dessa moléstia, enquanto que 9,3%
manifestaram formas abacilíferas, pois 5,8% eram do tipo tuberculóide e 3,5% pertenciam
ao grupo indeterminado (Beiguelman, 1971, 1972). Ora, tendo em mente que um indivíduo
que se mantém sadio após cinco anos de contato íntimo com um hanseniano bacilífero tem
pouca probabilidade de vir a se contagiar (Quagliato, 1957), os dados a respeito da
manifestação da hanseníase em cônjuges de pacientes virchowianos são uma forte
indicação de que a grande maioria das pessoas exibe uma resistência tecidual à proliferação
do M. leprae. Realmente, além da alta porcentagem de cônjuges de hansenianos que não se
contagiaram (86,7%), observou-se que 5,8% manifestaram o tipo tuberculóide de
hanseníase. Dito de outro modo, ainda que todos os cônjuges com hanseníase
indeterminada (3,5%) evoluíssem para o tipo virchowiano da doença, o que não é
verossímil, poderíamos afirmar que 92,5 % das pessoas mostram, seguramente, resistência
tecidual à proliferação do M. leprae.
Os insucessos das numerosas tentativas de infecção experimental de hanseníase em
anima nobile realizadas no século 19 (Miguez-Alonso, 1966; Peterson e Skinsnes, 1973)
falam, igualmente, a favor da hipótese de que a maioria dos seres humanos apresenta
resistência à infecção pelo M. leprae. Nessas tentativas foram utilizados fragmentos de
209
218
hansenomas, sangue, exsudato pleural e pús de úlceras hansenóticas, que eram injetadas ou
mantidos em contato com áreas escarificadas da pele de indivíduos submetidos ao
experimento. De todas essas tentativas, a única inoculação que resultou em contágio foi
feita em um indivíduo que era parente consangüíneo de hansenianos. Tratava-se de um
assassino havaiano condenado à morte, de nome Keanu, que, aos 48 anos de idade, em
1864, optou por ser submetido a uma experiência de inoculação experimental de
hanseníase, feita por Edward Arning (1854-1936), como alternativa para não ser executado.
Em 1887 Keanu mostrou sinais de hanseníase virchowiana, vindo a falecer em 1892.
Muito ilustrativo da resistência tecidual que a maioria dos seres humanos oferece à
proliferação do bacilo de Hansen são, também, os casos de inoculação acidental desse
bacilo, que resultaram em hanseníase do tipo tuberculóide. Assim, por exemplo, é bem
conhecido o relato a respeito de dois soldados norte-americanos, que haviam sido tatuados
no antebraço esquerdo, num mesmo dia de junho de 1943, por um mesmo tatuador de
Melbourne, Austrália (Porrit e Olsen, 1947). No período de janeiro a junho de 1946
apareceu no local das tatuagens dos dois soldados, uma lesão anestésica e eritematosa, com
estrutura tuberculóide típica, sendo interessante ressaltar que um dos soldados já tinha
outras tatuagens, mas a lesão tuberculóide somente apareceu naquela feita em Melbourne.
Terencio de Ias Aguas (1967), por sua vez, descreveu a manifestação de hanseníase do tipo
tuberculóide em um par de gêmeas com três anos de idade, que haviam recebido três
transfusões de sangue de um doador virchowiano quando tinham a idade de 20 meses.
2. Associação familial
A constatação de que uma moléstia infecciosa apresenta associação familial não
constitui argumento forte para apoiar a hipótese de existência de um importante
componente genético dos seres humanos, responsável pela resistência ou suscetibilidade ao
microrganismo infeccioso, visto que essa associação pode depender mais da exposição
diferencial ao agente etiológico da doença do que de uma predisposição hereditária à
infecção. Contudo, apesar de a associação familial de uma doença infecciosa não ser
condição suficiente, ela é necessária para poder supor a participação de um componente
hereditário humano na sua manifestação.
Os dados da Tabela 1.8, extraídos de Stern (1960), com modificações, a respeito da
freqüência de tuberculose pulmonar em filhos de casais sem e com essa doença em um ou
210
219
nos dois cônjuges, mostra, claramente, que a tuberculose é uma doença familial. De fato, a
proporção de doentes entre os filhos de pai tuberculoso e mãe sadia (14%) não difere
significativamente daquela observada entre os filhos de pai sadio e mãe tuberculosa
(13,5%) porque χ2(1) = 0,106; 0,70 < P < 0,80. Contudo, a proporção de tuberculosos entre
os filhos de casais com um dos cônjuges tuberculoso (13,5%) é significativamente maior
χ2(1) = 16,229; P < 0,001) do que a observada entre os filhos de casais sadios (8,3 %) e
significativamente menor χ2(1) = 36,660; P < 0,001 do que a observada entre os filhos de
pai e mãe tuberculosos (35,7 %).
Tabela 1.8. Distribuição familial da tuberculose pulmonar.
Genitor Filhos
tuberculoso No. Tuberculosos
Nenhum (327) 1.501 125 ( 8,3%)
Pai (88) 372 52 (14,0%)
Mãe (122) 492 65 (13,5%)
Pai e Mãe (27) 115 41 (35,7%)
211
220
Na Tabela 2.8 fica logo evidente que, ao lidar com o risco intrafamilial de contágio
da hanseníase, devemos distinguir os tipos e grupos dessa doença. Realmente, se tal
distinção não tivesse sido feita seríamos induzidos a concluir que a taxa de contágio da
hanseníase entre cônjuges (13,3%), com contato íntimo e prolongado, não difere
significativamente daquela observada em filhos de pai (14,9 %) ou de mãe (15,7 %) com o
tipo virchowiano da doença. Entretanto, quando se levam em conta os tipos e grupos de
hanseníase torna-se claro que os parentes consangüíneos de pacientes virchowianos têm
maior probabilidade de mostrar o mesmo tipo polar de hanseníase (9,3 %) do que os
cônjuges (não-consangüíneos) desses pacientes (4%), apesar do maior contato entre esses
últimos. Essa conclusão foi confirmada por Smith et al. (1978), que observaram ser a
hanseníase virchowiana, em famílias filipinas, cerca de três vezes mais prevalente em
indivíduos com pai ou mãe virchowianos do que em filhos de pais sem hanseníase. Essa
diferença não foi constatada quando os filhos de pacientes com outras formas de hanseníase
foram comparados aos filhos de casais não-hansenianos.
Outra conclusão que pode ser extraída dos dados da Tabela 2.8 é que a freqüência
de hanseníase virchowiana nos filhos de casais com um dos cônjuges afetado por esse tipo
de hanseníase não depende do sexo do genitor hanseniano. Por coincidência, a proporção
de indivíduos virchowianos nas famílias em que o pai manifestava hanseníase virchowiana
foi exatamente a mesma observada nos casos em que o genitor virchowiano era a mãe
(9,3%).
A freqüência significativamente mais alta de pacientes virchowianos entre os filhos
de pai e mãe virchowianos (23,2%) está de acordo com a hipótese de que deve existir um
componente genético do hospedeiro responsável pela proliferação do M. leprae. Entretanto,
está claro que esses dados também podem ser usados para enfatizar a importância que a
maior exposição ao M. leprae teria para a manifestação da hanseníase virchowiana.
A associação familial de uma moléstia infecciosa, em uma população que habita
uma região onde ela tem prevalência alta, também pode ser demonstrada pelo estudo de
irmandades que incluem pelo menos um indivíduo com a doença (Beiguelman, 1968a).
Esse tipo de análise leva em conta que, nas irmandades, se a probabilidade de encontro de
um indivíduo com a moléstia infecciosa em estudo for semelhante à prevalência dessa
doença na população, então o número observado de irmandades com um e com mais de um
212
221
caso afetado por tal doença não deve diferir daquele esperado numa distribuição binomial
truncada. Desse modo, em N irmandades com um determinado tamanho n, o número
N (np n −1q )
esperado daquelas com somente um doente será S = , enquanto que o número
1 − pn
N [1 − ( p n + np n −1q )]
esperado de irmandades com mais de um doente será M = . Nessas
1 − pn
213
222
Essa conclusão não pôde ser confirmada por Morton et al. (1972), que estudou
irmandades do Atol de Pinguelape, na Micronésia, onde a prevalência da hanseníase era
extremamente alta, pois, de acordo com Sloan et al. (1972) ela era de 66: 1.000 e, de acordo
com Morton et al. (1972), ela atingia 81,6: 1.000. De fato, na Tabela 4.8 pode-se constatar
que a hipótese nula de recorrência aleatória da hanseníase nas irmandades estudadas por
Morton et al. (1972) tem que ser aceita, uma vez que as proporções observadas não se
desviam significativamente, seja quando se emprega q = 0,066, seja quando se usa
q = 0,0816, isto é, quando se tomam as prevalências citadas, respectivamente, por Sloan et
al. (1972) e por Morton et al. (1972).
Tabela 4.8. Distribuição de 79 irmandades da Micronésia com pelo menos um hanseniano
(n = Tamanho da irmandade; N = número de irmandades; q = prevalência da moléstia).
Dados de Morton et al. (1972).
214
223
2. nas famílias de pacientes virchowianos a probabilidade de encontro daquelas com
mais de um hanseniano é o dobro da estimada para hansenianos com outra forma da
moléstia (Kapoor, 1963);
parece plausível supor que a discrepância entre os resultados observados em Campinas e no
Atol de Pinguelape possam ser conseqüência da menor proporção de pacientes
virchowianos na população dessa ilha da Micronésia.
De qualquer modo, atualmente, todos os trabalhos que se seguiram a esses aqui
mencionados vieram a confirmar a existência de associação familial na hanseníase.
3. Maior concordância da moléstia infecciosa em gêmeos monozigóticos do que em
dizigóticos
Quando se constata que a proporção de pares de gêmeos concordantes quanto a uma
moléstia constitucional é significativamente mais alta entre os monozigóticos do que entre
os dizigóticos, aceita-se logo que tal doença depende de um componente genético
importante. Essa conclusão a respeito da participação de um componente genético
importante dos seres humanos também pode ser estendida a muitas moléstias infecciosas
que apresentam maior concordância em pares monozigóticos do que em dizigóticos. Assim,
por exemplo, em dados a respeito de 308 tuberculosos que tinham um irmãos gêmeo
verificou-se que 78 eram monozigóticos e 230 dizigóticos (Kallmann e Reisner, 1943). Ao
constatar que 68 dos 78 pares monozigóticos (87,2%) eram concordantes quanto à
tuberculose, enquanto apenas 59 dos 230 pares dizigóticos (25,6%) mostravam
concordância quanto a essa doença, ficava fácil concluir que a suscetibilidade e a
resistência ao Mycobacteriutn tuberculosis dependem de um componente genético
importante dos seres humanos, porque χ2 = 90,997; 1 g.l.; P << 0,001.
Os dados a respeito da poliomielite paralisante em gêmeos (Herndon e Jennings,
1951) também permitem concluir a favor da importância de um componente genético
humano para a manifestação dessa doença, pois a proporção de concordância de
poliomielite paralisante em 14 pares monozigóticos foi de 35,7%, enquanto que em 33
pares dizigóticos apenas 6,1 % foram concordantes.
O método dos gêmeos não pode, entretanto, ser estendido a todas moléstias
infecciosas, sem que sejam tomadas algumas cautelas. De fato, em relação a doenças como
a hanseníase, que se manifestam sob diferentes expressões clínico-patológicas, os estudos
de gêmeos não podem ficar restritos a uma simples comparação da proporção de
215
224
concordância da moléstia em pares de gêmeos monozigóticos e dizigóticos coletados
aleatoriamente, sendo necessário que essa coleta obedeça algumas condições (Beiguelman,
1972, 1974, 1978)
A primeira dessas condições é a de que tanto os pares monozigóticos quanto os
dizigóticos tenham as mesmas oportunidades de exposição ao agente infeccioso. A melhor
maneira de satisfazer essa condição é, pois, averiguar os gêmeos a partir de pacientes que
oferecem risco de contágio. Se a doença estudada fosse a hanseníase, os gêmeos deveriam
ser averiguados a partir de pacientes bacilíferos. Os pacientes virchowianos são a melhor
opção para servirem de caso-índice, porque os dimorfos são instáveis. Os pacientes com
hanseníase tuberculóide em reação, apesar de poderem mostrar alto índice baciloscópico,
também não podem ser considerados como caso-índice, porque muitos deles podem ficar
bacteriologicamente negativos sem tratamento (Bechelli e Guinto, 1970).
Se a moléstia infecciosa ocorrer mais freqüentemente em indivíduos de um dos
sexos, como é o caso da hanseníase, que, pelo menos em pessoas com mais 14 anos, incide
mais freqüentemente naquelas do sexo masculino (Beiguelman, Silva e Dall’Aglio, 1968),
deve-se comparar pares masculinos monozigóticos e dizigóticos separadamente dos
femininos. Os pares de gêmeos dizigóticos de sexos diferentes não devem ser incluídos
para comparação.
A terceira condição de importância fundamental é a de incluir somente pares
informativos na amostra de pares monozigóticos e dizigóticos a serem investigados quanto
à concordância da moléstia infecciosa. No caso da hanseníase, os pares de gêmeos que
incluem pelo menos um paciente com hanseníase indeterminada ou dimorfa não podem ser
considerados como informativos, porque a concordância ou discordância observada pode
ser espúria, visto que tanto os pacientes indeterminados quanto os dimorfos são instáveis.
Além disso, os pacientes com hanseníase indeterminada não podem ser incluídos entre os
casos-índice para estudo de gêmeos, porque apresentam índice baciloscópico baixo, não
sendo, por isso, contagiosos.
Os pares compostos por gêmeos com hanseníase tuberculóide também não podem
ser utilizados para comparação da proporção de concordância da hanseníase, seja por causa
de seu baixo índice baciloscópico, seja pelo viés que podem provocar. Realmente, pelo fato
de que, às vezes, as lesões tuberculóides não são percebidas, os casos de hanseníase
216
225
tuberculóide que são esporádicos são menos freqüentemente detectados do que aqueles que
ocorrem em famílias com mais de um hanseniano. Por isso, certas situações de amostragem
poderiam propiciar um excesso de pares concordantes em um ou outro grupo de gêmeos, o
que distorceria as conclusões em um ou outro sentido, sendo essa distorção impossível de
ser avaliada.
A essa altura parece claro que, no caso da hanseníase, os gêmeos devem ser
averiguados a partir de pacientes virchowianos, sendo incluídos para estudo apenas os pares
que têm um gêmeo do mesmo sexo afetado por hanseníase virchowiana ou tuberculóide.
Quando os dois elementos de um par são virchowianos eles são classificados como
concordantes, sendo discordantes os pares compostos por um gêmeo virchowiano e outro
tuberculóide. Também podem ser classificados como discordantes os pares de gêmeos que
incluem um paciente virchowiano e um indivíduo sadio, desde que este último tenha
convivido com o doente durante mais de cinco anos após o início da hanseníase. É claro
que a inclusão desses pares para análise depende, também, da gravidade da hanseníase
virchowiana e da regularidade do tratamento do paciente, visto que a contagiosidade
depende desses fatores.
Lamentavelmente, os estudos de gêmeos para investigar a importância da
variabilidade genética humana na determinação da suscetibilidade à infecção pelo M.
leprae, além de poucos (Spickett, 1962; Mohamed-Ali, 1965; Mohamed-Ali e Ramanujam,
1966; Chakravartti e Vogel, 1973, 54), não levaram em consideração os requisitos aqui
apresentados.
Antes de encerrar este tópico sobre estudo de gêmeos é importante assinalar que, se
a proporção de concordância de pares monozigóticos for alta em relação a uma moléstia
infecciosa, mas não diferir significativamente daquela observada nos pares dizigóticos, isso
não servirá para concluir que não existe um componente genético importante na
determinação dessa moléstia. Realmente, se a grande maioria dos indivíduos de uma
população tiver um componente genético que confere suscetibilidade a um certo agente
infeccioso, o fato de os gêmeos monozigóticos terem o mesmo genótipo terá pouca
influência sobre os resultados, pois os dizigóticos também terão alta probabilidade de
possuir o genótipo que determina suscetibilidade à infecção.
217
226
4. Risco empírico de contrair a moléstia infecciosa correlacionado ao coeficiente de
consangüinidade entre o comunicante e o foco.
Se o risco empírico de um indivíduo contrair uma moléstia infecciosa, que é uma
probabilidade calculada com base nas freqüências observadas, for proporcional ao grau de
parentesco consangüíneo entre ele e o foco, esse resultado poderá ser utilizado como um
argumento a favor da existência de um componente genético importante que intervém no
condicionamento da suscetibilidade à infecção em estudo. Contudo, não podemos ignorar
que a consanguinidade próxima está quase sempre associada com a contigüidade estreita e
com período mais longo de coabitação.
5. Variação racial da prevalência ou da incidência da moléstia infecciosa
Visto que as diferenças raciais decorrem da diversidade das freqüências gênicas, a
variação racial da prevalência ou da incidência de uma moléstia infecciosa poderá ser um
indício da existência de um componente genético importante na determinação da
suscetibilidade a seu agente etiológico, mormente se os diferentes grupos raciais analisados
viverem em um mesmo habitat e não houver diferenças sócio-culturais e econômicas entre
eles. Por isso, os dados a respeito da incidência média anual de poliomielite no Havaí,
durante o período entre 1939 e 1947, juntamente com os estudos de gêmeos, falam a favor
da existência de um componente genético determinador da suscetibilidade ao vírus
causador dessa doença (Sabin, 1951). Assim, entre crianças que viviam na mesma
vizinhança e frequentavam escolas sem segregação racial foram constatados os seguintes
valores de incidência por 100.000: caucasóides = 10,2; parcialmente havaianos = 9,0;
japoneses = 3,9; chineses = 2,7; filipinos = 1,6; havaianos = 1,3.
Em relação à tuberculose é bastante conhecido o fato de que os judeus asquenazitas
(oriundos da Europa central) apresentavam menor taxa de mortalidade por tuberculose do
que os não-judeus que com eles conviviam, apesar de os dois grupos mostrarem a mesma
proporção de positividade à prova tuberculínica (Perla e Marmorston, 1941). O mesmo,
entretanto, não ocorre com os judeus de origem iemenita, cuja alta suscetibilidade à
tuberculose é atribuída ao fato de não terem estado sujeitos à pressão seletiva dessa doença,
que grassou durante séculos nos guetos europeus (Dubos e Dubos, 1952).
Igualmente conhecida é a baixíssima resistência que as populações indígenas das
Américas tinham à varíola, atribuindo-se a essa doença a responsabilidade pela dizimação
de cerca da metade dos Aztecas. Acredita-se, inclusive, que a varíola tenha sido transmitida
218
227
a esse povo em 1520 por um dos soldados de Cortez e que um dos primeiros exemplos da
guerra biológica tenha sido dado por colonizadores norte-americanos no século 19.
Conhecendo a alta suscetibilidade dos índios à varíola, alguns desses colonizadores teriam
distribuído, propositalmente, mantas infectadas por indivíduos variolosos aos indígenas,
causando, com isso, o extermínio de grande número de índios Mandan, Assinboin e Crow
(Motulsky, 1960).
A observação de que uma moléstia infecciosa ocorre com freqüência elevada ou que
ela causa maior taxa de mortalidade em populações que constituem pequenos isolados
genéticos, não só pode falar a favor de que existe a intervenção de um componente genético
na determinação da suscetibilidade à moléstia, mas que o mesmo pode ser recessivo. Isso
porque nos isolados de pequeno tamanho o coeficiente médio de endocruzamento é
elevado, proporcionando, assim, maior probabilidade de encontro de homozigotos. Os
dados a respeito das altas taxas de contágio, de óbito e de paralisia causadas pela
poliomielite em isolados canadenses da Groenlândia e em algumas ilhas vêem ao encontro
das sugestões de recessividade da suscetibilidade ao vírus dessa enfermidade que foram
apresentadas na literatura pertinente a partir de estudos familiais (Addair e Snyder, 1942;
Aycock, 1942; Sabin, 1951).
Foi a observação de que entre os negros africanos era altíssima a proporção
daqueles que mostram resistência completa à malária causada pelo Plasmodium vivax que
conduziu à pesquisa da causa genética dessa resistência. Sabendo-se, também, que em
caucasóides é um acontecimento raro o encontro de indivíduos sem os antígenos Fya e Fyb
do sistema sangüíneo Duffy, isto é, com o grupo sangüíneo Fy(a-b-), decorrente do
genótipo FyFy, e que em negros africanos a freqüência desse grupo sangüíneo é muito alta,
podendo atingir valores, muitas vezes até de 100%, como se pode constatar nos dados
coletados por Mourant et al. (1976), passou a ser de crucial importância investigar a
participação desse sistema sangüíneo na determinação da resistência ao P. vivax.
Graças ao trabalho de Miller et al. (1976) ficou-se sabendo que a presença dos
antígenos Fya ou Fyb ou de ambos na superfície das hemácias é condição necessária para
que os merozoítos penetrem nessas células. Desse modo, os indivíduos com genótipo,
FyFy, isto é, com grupo sangüíneo Fy(a-b-) ficam preservados da malária por P. vivax, pois
suas hemácias não oferecem receptores aos merozoítos. Essa proteção somente é
219
228
encontrada em indivíduos homozigotos FyFy, mas não em heterozigotos do gene Fy,
conforme ficou demonstrado numa investigação dos grupos sangüíneos do sistema Duffy
ao nível molecular em uma área de malária endêmica (Cavasini et al., 2001).
Apesar de a infecção de indivíduos saudáveis pelo P. vivax raramente resultar em
morte, pode-se supor que ela tivesse provocado óbito ao afetar crianças subnutridas e
sujeitas a outras doenças infecciosas endêmicas, como é o caso, até hoje, de numerosas
crianças africanas. Desse modo poder-se-ia explicar a eliminação dos genes Fya e Fyb das
populações negras da África e o aumento do alelo Fy, até o P. vivax desaparecer dessa
região. É claro, porém, que esse fenômeno notado na África pode ter outra versão. Assim,
pode-se supor que as populações negras africanas eram quase todas Fy(a-b-) e que, por isso,
não foi possível à malária causada pelo P. vivax tomar-se endêmica entre elas (Livingstone,
1984).
Aqui parece importante assinalar que o reconhecimento da explicação monogênica
para a resistência dos seres humanos à infecção pelo P. vivax ajudou a abalar a tendência de
generalizar a interpretação poligênica para todos os mecanismos de resistência e
suscetibilidade às moléstias infecciosas, que existia entre os geneticistas. Por sinal, essa
tendência era descabida, visto que os estudos de experimentação em animais, ao demonstrar
que algumas infecções em mamíferos dependiam de sistemas monogênicos dos animais
experimentais, permitiam supor que o mesmo mecanismo pudesse atuar nos seres humanos.
Realmente, de há muito já se sabia que a inoculação intracerebral do vírus da febre
amarela em camundongos de quatro semanas provoca 100% de mortalidade nos da
linhagem Swiss e nenhuma letalidade nos da linhagem Pri (Sabin, 1952). Tal inoculação
também não provoca mortalidade nos camundongos obtidos por cruzamento Swiss × Pri
(geração F1), nem naqueles obtidos dos cruzamentos com os da linhagem Pri. Contudo, a
inoculação da mesma dose provoca uma proporção de mortalidade que não se desvia
significativamente de 25% nos filhos de híbridos de Swiss com Pri cruzados entre si
(geração F2), e de 50% nos híbridos de F1 cruzados com Swiss. Como se vê, tais resultados,
resumidos na Tabela 5.8, permitem aceitar que a suscetibilidade ao vírus da febre amarela
nos camundongos é determinada monogenicamente e supor que uma situação semelhante
exista na espécie humana.
220
229
Tabela 5.8. Resultados da inoculação intracerebral de 10.000 vírus de febre amarela
(linhagem UD) em camundongos de quatro semanas (Sabin, 1952).
Camundongos Mortalidade (%) Genótipo
Linhagem No. Obs. Esp. Pais Prole
Swiss 300 100 100 aa × aa aa
Pri 100 - - AA × AA AA
F1 51 - - aa × AA Aa
F2 213 28,2 25 Aa × Aa AA: 2Aa: aa
F1 × Pri 79 - - Aa × AA AA: Aa
F2 × Swiss 90 50 50 Aa × aa Aa: aa
Outro dado interessante obtido da experimentação animal e que pode ser estendido à
espécie humana diz respeito ao fato de que certos fatores hereditários conferem resistência
a vários microrganismos filogeneticamente relacionados. Assim, por exemplo, o gene que
condiciona o fator depressor da multiplicação de vírus no camundongo protege-o contra
todo um grupo de vírus afins (febre amarela, febre oriental do Nilo, encefalite St. Louis e
encefalite tumoral primaveril), mas não lhe dá proteção a infecções por outros vírus que
atacam o sistema nervoso central (encefalomielite oriental e ocidental, poliomielite, raiva,
meningite linfocícita, herpes vírus e febre do Rift Valley (Sabin, 1954).
221
230
enquanto que nas cidades onde a ocorrência de peste havia sido recente a taxa de
mortalidade era de 10%.
Se essa conclusão for extrapolada para as populações humanas, as observações de
que na África do Sul os descendentes de europeus são mais resistentes à peste pulmonar do
que os negros, e estes mais resistentes do que os de origem asiática, poderiam ser
interpretadas como uma decorrência de causas genéticas. Assim, os descendentes de
europeus seriam aqueles cujos ancestrais passaram pelo crivo da seleção natural causada
pela peste que, no século 14, exterminou, no mínimo, um quarto da população européia.
Essa interpretação, entretanto, pode ser criticada, pois as condições sócio-econômicas das
populações caucasóides e não-caucasóides da África do Sul são bem diferentes.
0 trabalho de Lurie e de sua escola (Lurie et al., 1952), a respeito da seleção de
linhagens de coelhos resistentes e suscetíveis à tuberculose, permitem tomar os resultados
dessa experimentação como modelo para interpretar a suscetibilidade à tuberculose no
homem. De acordo com esses trabalhos, as linhagens de coelhos altamente resistentes ao
Mycobacterium tuberculosis cruzadas com as linhagens altamente suscetíveis ao bacilo,
produziram uma geração F1 com resistência intermediária. O retrocruzamento dos
indivíduos da geração F1 com os da linhagem altamente resistente deu origem a indivíduos
com resistência semelhante a essa última, enquanto que o retrocruzamento dos indivíduos
da geração F1 com os da linhagem suscetível deu origem a indivíduos mais resistentes do
que os da linhagem ancestral suscetível. Lurie e seus colaboradores concluíram que na
resistência natural à tuberculose intervêm fatores múltiplos, complexos e cumulativos, mas
que os fatores que condicionam resistência à tuberculose podem ser interpretados como
dominantes em relação àqueles que condicionam suscetibilidade.
7. Associação entre polimorfismos e moléstias infecciosas
A investigação de possíveis associações entre polimorfismos genéticos e moléstias
infecciosas é uma linha de trabalho que já foi mais utilizada por geneticistas do que ela o é
hoje. Nesse tipo de pesquisa, o objetivo principal pode ser o de investigar se uma
determinada moléstia infecciosa estaria incluída entre as forças seletivas que,
eventualmente, contribuem para a manutenção de um ou de mais polimorfismos, ou pode
ser o oposto, isto é, o de averiguar se é possível explicar a suscetibilidade e a resistência a
222
231
uma certa moléstia infecciosa por intermédio da associação entre ela e um determinado
polimorfismo genético.
Aparentemente, deveria dar na mesma ser um ou outro o objetivo principal desse
tipo de trabalho, porque a metodologia de investigação é idêntica. Isso, porém, não é
verdade, porque o nível de exigência em relação aos resultados difere muito segundo a
finalidade da pesquisa. De fato, no primeiro caso, a detecção de uma associação, ainda que
pequena, entre o polimorfismo e a moléstia, desde que significativa, já satisfaz o
pesquisador, porque tal resultado pode contribuir para elucidar a manutenção do
polimorfismo estudado. Entretanto, quando o objetivo principal é o encontro de uma
explicação para a suscetibilidade ou resistência a uma moléstia infecciosa, a associação
entre o polimorfismo que está sob análise e a doença deve, evidentemente, ser muito alta,
para que tal associação possa ter valor diagnóstico e(ou) prognóstico.
As pesquisas que perseguiram esses objetivos mostraram um número apreciável de
resultados negativos ou contraditórios (Beiguelman, 1967, 1982, 1983) porque, na maioria
das vezes, os polimorfismos genéticos investigados foram escolhidos aleatoriamente, isto é,
sem que houvesse qualquer indicação lógica de que a suscetibilidade à doença estudada
pudesse depender dos genes polimórficos sob análise. Isso não significa, é claro, que
mesmo quando se tem uma indicação lógica para investigar a associação entre um
polimorfismo e uma doença infecciosa deve-se esperar, obrigatoriamente, o encontro de um
resultado positivo.
Realmente, sabe-se, por exemplo, que muitos microrganismos têm especificidades
serológicas semelhantes aos aglutinógenos A, B e H do sistema sangüíneo ABO. Seria
lógico, pois, que as pessoas do grupo sangüíneo A ou AB fossem mais suscetíveis a
infecções por microrganismos com antígenos A-símiles, porque elas são incapazes de
produzir aglutinina anti-A e, dessa maneira, se defender dessas infecções. Por razões
análogas, as pessoas do grupo sangüíneo B ou AB deveriam ser mais suscetíveis a
microrganismos com antígenos B-símiles, e as do grupo sangüíneo O às bactérias com
antígenos H-símiles. Essas hipóteses, no entanto, não puderam ser comprovadas, talvez
porque os microrganismos têm múltiplas especificidades antigênicas dentre as quais as A,
B e H-símiles não são, necessariamente, as mais importantes (Springer e Wiener, 1962).
223
232
Um outro tipo de abordagem, no campo de estudos aqui em discussão, é o de
procurar averiguar se um dentre os vários caracteres que definem a norma de reação dos
seres humanos a um agente infeccioso constitui um polimorfismo genético (Beiguelman,
1967). Esse enfoque, que requer o conhecimento da fisiopatologia da moléstia, deu certo na
hanseníase, pelo estudo da distribuição familial da reação de Mitsuda (Beiguelman, 1962,
1965, 1971, 1982, 1983; Beiguelman e Quagliato, 1965; Feitosa et al., 1996), como
tivemos oportunidade de verificar no capítulo sobre “A análise familial de polimorfismos”
ao estudarmos essa reação cuja positividade indica resistência à hanseníase virchowiana
(Dharmendra e Chatterjee, 1955; Quagliato, 1962).
224
233
Se o microrganismo X for introduzido no ambiente em que vive a população teórica
em apreço, várias situações poderão ser vislumbradas. A mais extrema é aquela na qual
todos os indivíduos AA e Aa são eliminados da população em uma única geração, após uma
epidemia que exterminaria praticamente 75% dos indivíduos que a compõem, pois
admitimos que os alelos A e a têm freqüências idênticas (p = q = 0,5). Outras situações que
podemos entrever levam em conta a possibilidade de o coeficiente seletivo contra os
portadores do gene A não aumentar de s = 0 para s = 1, mas que s tome valores
intermediários (0 < s < 1) em conseqüência de:
a) terapêutica que impeça a mortalidade de parte dos portadores do gene A, mas não
impeça as seqüelas da doença provocada pelo organismo X em parte ou em todos os
indivíduos AA e Aa;
b) ocorrência de mutantes do microrganismo X, que provocam uma moléstia sem as
características de malignidade do microrganismo original;
c) distribuição geográfica ou estratificação da população, capaz de proporcionar
diferentes oportunidades de contágio aos portadores do alelo A.
Nessas condições, é evidente que a freqüência do gene A diminuiria mais
lentamente, sendo o processo seletivo sustado somente após a erradicação do
microrganismo X ou pela vacinação de todos os indivíduos suscetíveis.
Consideremos, agora, que, na população de nosso exemplo, o gene a fosse o
responsável pela suscetibilidade à infecção fatal provocada pelo microrganismo X. Nesse
caso, admitindo seleção total de todos os indivíduos homozigotos aa, ter-se-ia, no momento
em que se iniciasse o processo seletivo, que a eliminação do gene a seria feita com grande
intensidade durante as primeiras gerações de seleção. Entretanto, à medida que esse gene
diminuísse a sua freqüência, o efeito da seleção seria menos intenso, como se pode verificar
na Figura 2.8. Assim, duas gerações após a inicial a freqüência do alelo a se reduziria à
q
metade, pois passaria de q = 0,5 para q2 = = 0,25. Já, por exemplo, a diferença da
1 + 2q
freqüência do alelo a entre a 10a e a 11a geração sob seleção total dos indivíduos aa seria
mínima porque q10 = 0,0833 e q11 = 0,0769, o que equivale a dizer que a freqüência do alelo
a na 11a geração corresponderia a 92% da observada na geração anterior.
225
234
Se admitirmos a atuação de fatores que tornem a seleção dos indivíduos aa
incompleta, concluiremos que tais fatores serão mais eficazes para a preservação do gene a
do que para a preservação do alelo A quando os portadores de A estão sujeitos a processo
seletivo. Em condições semelhantes, a seleção contra portadores de genes com efeito
dominante é mais eficiente do que aquele que opera contra indivíduos com um fenótipo
recessivo.
Figura 2.8. Efeito da seleção total, durante 20 gerações, contra um gene que somente se
expressa em homozigose e que, na geração inicial, ocorre com alta freqüência na
população.
226
235
decorrência da lentidão da eliminação dos genes de sistemas poligênicos, haverá mais
tempo para o desenvolvimento de mutantes do microrganismo X que provocam infecções
com características benignas.
Ao considerar a segunda alternativa, isto é, a de que somente os indivíduos aabb são
resistentes à infecção fatal pelo microrganismo X, tem-se que, em uma população na qual
os genes A,a e B, b ocorrem com a mesma freqüência (p1 = q1 = p2 = q2 = 0,5) haveria uma
verdadeira catástrofe quando esse microrganismo fosse introduzido na população. De fato,
em uma única geração poderia haver a eliminação de 93,75% dos indivíduos, porque
1 - q4 = 1 - 0,0625 = 0,9375.
É óbvio que as conclusões a respeito de dois pares de alelos podem ser extrapoladas
para situações em que se deve aceitar a participação de mais de dois pares. Desse modo,
considerando a primeira alternativa, isto é, a de que somente os indivíduos homozigotos em
relação a todos os pares de alelos estariam sujeitos a seleção, ter-se-ia que, em relação a um
grande número de pares de alelos, a seleção seria tanto menos eficiente quanto maior fosse
o número desses pares. Levando em conta a segunda alternativa, isto é, a de que somente os
homozigotos em relação a todos os pares de alelos seriam preservados, ter-se-ia que os
resultados seriam tanto mais catastróficos quanto maior fosse o número de pares de genes
em jogo na determinação do fenótipo. Evidentemente, é possível vislumbrar outras
situações que levam em conta a seleção contra vários estados heterozigóticos.
REFERÊNCIAS
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poliomyelitis. J. Hered. 33: 307-309, 1942.
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