1ª Aula
2. Características da disciplina
a) Propedêutica
c) Enciclopédia e epistemológica
d) Caráter didático
A disciplina visa dar noções sociológicas, históricas e filosóficas e análise dos princípios
jurídicos fundamentais, indispensáveis ao raciocínio jurídico. Deve fornecer visão global do conjunto. Os
conceitos gerais, como o de direito, fato jurídico, relação jurídica, lei, justiça, segurança jurídica, por serem
aplicáveis a todos os ramos do Direito1.
Maria Helena Diniz assim define a respeito da finalidade da disciplina:
A Introdução à ciência do direito é uma matéria, ou um sistema de conhecimentos, que tem por
escopo fornecer uma noção global ou panorâmica da ciência que trata do fenômeno jurídico,
propiciando uma compreensão de conceitos jurídicos comuns a todas as disciplinas do currículo do
curso de direito e introduzindo o estudante e o jurista na terminologia técnico-jurídica.2
2. Características da disciplina
a) É propedêutica: ou seja, é um estudo preparatório, que visa dar uma noção panorâmica do conjunto;
b) Não possui objeto de estudo específico: como acontece nas outras disciplinas (ex. direito penal estuda a
pena, o crime, as leis contidas no Código Penal). Assim, resta a IED estudar3:
1
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 30ª Ed. Rio de
2
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 20ªEd. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 3.
3
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 3-ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 4.
1
a) os conceitos gerais do Direito;
b) a visão de conjunto do Direito;
c) os lineamentos da técnica jurídica.
c) Enciclopédia e epistemológica: inclusive já foi chamada tal disciplina de enciclopédia jurídica, que tem
por objeto a formulação da síntese de um determinado sistema jurídico, mediante a apresentação de
conceitos, classificações, esquemas, acompanhados de uma numerosa terminologia. Não se revelou como
disciplina, pois conduzia à memorização, e seu estudo era cansativo.
d) Caráter didático: com objetivo de oferecer uma visão lógica e sistemática a fim de desenvolver o
raciocínio jurídico.
O grande problema atual do ensino jurídico reside em fazer o estudante (e o operador do direito
em geral) entender o caráter humanista do direito, e não apenas entender o significado gramatical das leis.
Luiz Antonio Nunes aborda o problema de forma bastante interessante:
O problema é que o estudo do direito acabou por entrar em becos sem saída, e, muitas vezes,
produzia no estudante a ilusão de que pertencia a um ramo de uma ciência positiva. Como se,
aprendendo apenas o significado semântico de leis escritas, o estudante tivesse aprendido o
Direito. (...) De fato, faltava ao estudante – como ainda falta – uma visão mais ampla e global do
significado humanista do Direito, como corolário natural da existência do homem no mundo e de
sua relação consigo mesmo, com os outros, com as instituições e com a própria natureza.4
Não se deve desprezar a interpretação gramatical da norma. Sem dúvida esta é importante.
Porém, há muito mais a ser perseguido pelo estudante de Direito. Ex. “É proibido viajar com cachorros.”
(...) encontra-se revigorado por princípios e normas, que tutelam os direitos da personalidade,
impõem a ética nas relações, dão prevalência ao social e atribuem aos juízes um papel ativo na
busca de soluções equânimes. Em sua constante mutação, a fim de acompanhar a marcha da
história e conectar-se aos avanços da ciência, o direito pátrio, entretanto, por vários de seus
institutos, requer adequação à modernidade, desafiando, além da classe política e, em primeiro
plano, a comunidade de juristas, a quem compete oferecer ao legislador os modelos alternativos de
leis.5
Por isso, a disciplina de Introdução ao Estudo do Direito deve propiciar ao acadêmico um ponto
de equilíbrio entre o caráter técnico e o caráter humanista do direito. Apenas a formação técnica não é
suficiente.
4
NUNES, Luiz Antonio. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 8ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 4-5.
5
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 3-ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 1.
2
Rizzatto Nunes afirma no seguinte trecho do texto, ter sido este encontrado em um campo de
concentração após a 2ª Guerra Mundial:
Prezado Professor,
Sou sobrevivente de um campo de concentração.
Meus olhos viram o que nenhum homem deveria ver.
Câmaras de gás construídas por engenheiros formados.
Crianças envenenadas por médicos diplomados.
Recém-nascidos mortos por enfermeiras treinadas.
Mulheres e bebês fuzilados e queimados por graduados de colégios e universidades.
Assim, tenho minhas suspeitas sobre a Educação.
Meu pedido é: ajude seus alunos a tornarem-se humanos.
Seus esforços nunca deverão produzir monstros treinados ou psicopatas hábeis.
Ler, escrever e saber aritmética só são importantes
Se fizerem nossas crianças mais humanas.6
Apenas de não existir referência explícita ao Direito, é certo que a legalidade do sistema da
Alemanha de Hitler foi defendida por muitos operadores do direito na época. Pois afinal, estava previsto em
toda a legislação jurídica da Alemanha.
Do mesmo modo, muitas leis no Brasil são ilegítimas, injustas e inconstitucionais e, portanto, não
merecem uma pura e simples aplicação gramatical.
Sobre a forma e criação das leis no Brasil, interessante as palavras de Raimundo Farias Brito, as
quais foram proferidas em 1916, mas são bem atuais para a nossa época:
Também as leis se fabricam aqui com a mesma facilidade com que se fabrica manteiga ou sabão.
Quase todas copiadas do estrangeiro (...) por isto que as leis em nosso país se fazem e desfazem
com tanta facilidade. Tudo se reforma, tudo se modifica a todo momento e cada novo governo que
vem quer ter, em todos os ramos da administração, um sistema novo de leis.7
Além disso, nesta disciplina o acadêmico deverá obter uma compreensão panorâmica do direito,
sendo que os conhecimentos adquiridos serão utilizados no estudo de todas as disciplinas jurídicas.
A linguagem é muito importante para o direito. Veja-se trecho do texto abaixo de Miguel Reale:
Às vezes, as expressões correntes, de uso comum do povo, adquirem, no mundo jurídico, um sentido
técnico especial. Vejam, por exemplo, o que ocorre com a palavra ‘competência’ – adjetivo:
competente. Quando dizemos que o Juiz dos Feitos da Fazenda Municipal é competente para julgar
as causas em que a Prefeitura é autora ou ré, não estamos absolutamente apreciando a
‘competência’ ou o preparo cultural do magistrado. Competente é o juiz que, por força de
dispositivos legais de organização judiciária, tem poder para examinar e resolver determinados
casos, porque competência, juridicamente, é a ‘medida ou a extensão da jurisdição’. Estão vendo,
pois, como uma palavra pode mudar de significado, quando aplicada na Ciência Jurídica. Dizer
que um juiz é incompetente para o homem do povo é algo de surpreendente. ‘Como incompetente?
Ele é competentíssimo!’, disse-me certa vez um cliente perplexo. Tive de explicar-lhe que não se
tratava de valor, do mérito ou demérito do magistrado, mas da sua capacidade legal de tomar
conhecimento da ação que nos propúnhamos intentar.8
Contudo, linguagem técnica não significa vocabulário rebuscado, mormente quando utilizado
como mero dificultador do conhecimento.
6
NUNES, Rizzatto. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 8ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. IX.
7
Apud NUNES, Rizzatto. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 8ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 4.
8
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 8.
3
Poderá ser consultado o site http://www.direitonet.com.br/dicionario/, onde constam diversas
expressões jurídicas e ter sempre um bom dicionário ao lado é fundamental.
O acadêmico comprometido terá que se adaptar a compreensão da linguagem jurídica sob pena
de jamais dominar o ‘mundo jurídico’.
Em suma, a disciplina de Introdução ao Estudo do direito tem diversas finalidades, podendo ser
destacadas as seguintes: propiciar ao acadêmico uma formação equilibrada (técnica e humanista); permitir
uma visão geral da ciência jurídica e seus conceitos fundamentais; e, por último, familiarizar o aluno com a
linguagem jurídica.
Material de apoio: plano de ensino, texto: “Aos juristas de amanhã” (Paulo Nader).
9
Indica ensino preparatório, conjunto de atividades preparatórias para um ofício ou estudo.
10
Voracidade, desejo veemente, cobiça.
11
Expressão que significa navio sem rumo.
12
Modelo, padrão.
4
à palavra. O saber jurídico, sem os predicados éticos, não se impõe, não convence, pois
gera a desconfiança.
A implementação do jurista de amanhã se faz mediante muita dedicação. A leitura em geral,
especialmente na área de ciências humanas, se revela da maior importância. O desejável é
que o espírito se mantenha inquieto, movido pela curiosidade científica, pela vontade de
conhecer a organização social e política, na qual se insere o direito. Para os acadêmicos,
tão importante quanto a lição dos livros é a observação dos fatos, da lógica da vida, pois
eles também ensinam. O hábito de raciocinar é da maior relevância, pois nada aproveita
quem apenas se limita a ler ou a ouvir. Cada afirmativa, antes de assimilada, deve ser
avaliada, submetida à análise crítica.
O curso jurídico é um processo pedagógico, que visa a criar o hábito de estudo. A educação
jurídica requer perseverança; é obra do tempo. Ela amolda o espírito, orientando-o na
interpretação do ordenamento e na arte de raciocinar. A busca do saber é atividade que
apenas se inicia nos centros universitários; o seu processo é interminável. Por mais sábio
que seja o jurista não poderá abandonar os compêndios13. A renovação dos conhecimentos
há de ser uma prática diária, ao longo da vida.
Na vida universitária, que é toda de preparação, o estudo de línguas deve ser cultivado e a
partir da bela flor do Lácio14, que é instrumento insubstituível em nosso trabalho. Ao seu
lado, outras se revelam da maior importância para as pesquisas científicas, como a
espanhola, a francesa, a italiana e a alemã, entre outras. O conhecimento da língua inglesa
permitirá a participação do futuro jurista em conclaves internacionais.
Ao ingressar nas Faculdades, os estudantes devem ter em mente um projeto, visando a sua
formação profissional. Haverão de ser ousados em sua pretensão: por que não um jurista ou
um causídico de projeção? Um mestre ou um jurisconsulto de nomeada? O fundamental,
depois, será a coerência durante o período de aprendizado: a utilização de meios ou
instrumentos que transformem o projeto em realidade.
A nota que distingue o verdadeiro jurista, a meu ver, é a sua autonomia para interpretar as
novas leis; é a capacidade para revelar o direito dos casos concretos, sem a dependência
direta da doutrina e da jurisprudência. Estas são importantes instrumentos na definição das
normas e do sistema jurídico em geral, mas devem ser apenas coadjuvantes nos processos
cognitivos15. Dentro desta visão, o acadêmico há de preocupar-se mais com os princípios e
técnicas de decodificação do que propriamente em assimilar os conteúdos normativos.
Estes, muitas vezes, possuem vida efêmera16, pois as leis e os códigos estão em contínua
mutação, acompanhando a evolução da sociedade.
O ordenamento jurídico que o legislador oferece aos profissionais do Direito carece de
sistematização ou de coerência interna e apresenta importantes omissões, ditadas algumas
pelo avanço no âmbito das ciências da natureza, como a Biologia e a Física. Cabe ao
intérprete a tarefa de cultivar a harmonia do sistema e de propor o preenchimento de
lacunas.
A teoria, como se depreende, é importante, não a ponto de prescindir da experiência,
adquirida na análise de casos propostos. Não se formam juristas apenas pela leitura de
livros, no recolhimento das bibliotecas. Ressalvadas, pelo menos em nosso meio, as figuras
exponenciais de Pontes de Miranda e de Miguel Reale, desconheço a figura do jurista
precoce, daquele que domina o saber jurídico em plena juventude, antes mesmo de sua
colação de grau e de se afeiçoar aos embates forenses.
O jurista de amanhã se encontra, hoje, nas Faculdades de Direito. Este vir a ser depende,
preponderantemente, do esforço de cada acadêmico, de sua determinação em realizar o seu
projeto pessoal. Seus pais e mestres, com seu apoio, orientação e palavra de estímulo,
desempenham importante papel nesta conversão de potência em ato.
13
Significa: resumo, sinopse, síntese, sumário. In BARBOSA, Osmar. Grande Dicionário de Sinônimos e Antônimos. Rio de Janeiro: Ediouro,
2004. Disponível em: http://books.google.com.br/books?id=CywDnDRfbYUC&printsec=frontcover#v=onepage&q=&f=false.
14
A expressão "Última flor do Lácio" é o primeiro verso de um famoso poema de Olavo Bilac, poeta brasileiro que viveu no período de 1865 a
1918. Esse verso é usado para designar o nosso idioma: a última flor é a língua portuguesa, considerada a última das filhas do latim.
15
Capacidade de processas informações. Aquisição de conhecimento através da percepção.
16
Finita, passageira.
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