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Análise numérica de uma construção histórica de alvenaria de tijolos maciços do


século XVIII

Conference Paper · November 2019

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Cássio Garcia Araújo Marcos andrew Soeiro


Universidade de Fortaleza Universidade de Fortaleza
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Esequiel Mesquita
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T5 Patrimônio Histórico

ANÁLISE NUMÉRICA DE UMA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA


DE ALVENARIA DE TIJOLOS MACIÇOS DO SÉCULO XVIII
Numerical analysis of a historical construction of brick masonry of the
XVIII century
Marcos Andrew Soeiro(1), Cássio García Araújo(2),
Israel Nilton Lopes Sousa(3), Emanuel Henrique Adriano Araújo(4),
Renan Nogueira Paulo(5), Esequiel Fernandes Teixeira Mesquita(6)
(1) Mestre, UNIFOR, Universidade de Fortaleza, Brasil.
Correio eletrônico (contact autor): marcos@duosestruturais.eng.br
(2) Aluno, UNIFOR, Universidade de Fortaleza, Brasil.
Correio eletrônico: cassiogarcia93@gmail.com
(3) Aluno, LAREB, Universidade Federal do Ceará, 62900-000, Russas, Brasil.
Correio eletrônico: israelnlsousa@gmail.com
(4) Aluno, LAREB, Universidade Federal do Ceará, 62900-000, Russas, Brasil.
Correio eletrônico: emanuhenriqcivil@gmail.com
(5) Aluno, LAREB, Universidade Federal do Ceará, 62900-000, Russas, Brasil.
Correio eletrônico: renanpaulo2712@gmail.com
(6) Professor, Doutor, LAREB, Universidade Federal do Ceará, 62900-000, Russas, Brasil.
Correio eletrônico: emesquita@ufc.br

Resumo
O patrimônio histórico possui grande relevância na identidade cultural de um
determinada comunidade, uma vez que ele representa o próprio registro da
evolução cultural daquele povo. Muitos dos patrimônios materiais são edificações
construídas décadas ou até mesmo séculos atrás e apresentam sinais visíveis de
desgaste na sua estrutura, causados por intempéries ambientais, como abalos
sísmicos, por exemplo, ou falta de manutenção adequada. Portanto, é de
fundamental importância a preservação destes monumentos. O recurso da análise
estrutural via Método dos Elementos Finitos (MEF) é uma excelente ferramenta de
auxílio na avaliação do estado de segurança destas estruturas, uma vez que a
partir desta ferramenta podem-se obter respostas estruturais da edificação em
termos de esforços, deformações, deslocamentos, tensões, frequências naturais e
modos de vibração. Sendo assim, este trabalho apresenta uma análise estrutural
da Igreja de Nossa Senhora da Expectação, datada do século XVIII, construída de
alvenaria de tijolos maciços, sendo a construção mais antiga do conjunto
arquitetônico e urbanístico da cidade de Icó, localizada na região centro-sul do
estado do Ceará. Para tal, foi feita uma modelagem 3D, utilizando o software
ANSYS®, a partir de um levantamento geométrico realizado “in loco” e através de
registros fornecidos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN), e posteriormente, análises estáticas lineares e análises modais foram
realizadas, com o objetivo de obter as respostas estruturais da Igreja, identificando
as regiões da edificação que sofreram maiores deslocamentos nas três direções (X,
Y e Z), aonde se concentraram as maiores tensões de tração e compressão, além
da obtenção das frequências naturais e seus respectivos modos de vibração. Os
resultados deste trabalho contribuem para o entendimento do comportamento da
estrutura da edificação, servindo de auxílio para futuras adoções de medidas de
intervenção.
Palavras-chave: Análise Estrutural. MEF. Icó. Patrimônio Histórico. Conservação.

1. Introdução
Segundo [1], edificações históricas podem ser entendidas como todo e qualquer
bem material, natural ou imóvel com relevante importância artística, cultural,
religiosa, documental ou estética para uma determinada sociedade. Portanto, de
acordo com [2], a conservação de bens patrimoniais deve ter por objeto edificações
que tenham um significado coletivo para uma determinada comunidade, pois se
perpetua a memória de uma sociedade, preservando-se os espaços utilizados por
ela na construção de sua história.
No entanto, devido ao fato de que muitos dos patrimônios são edificações
construídas décadas ou até mesmo séculos atrás, época em que os materiais e
controle tecnológico empregado eram de origem duvidosa, estudos para um
adequado dimensionamento não eram tão avançados como hoje e a mão de obra,
muitas vezes escrava, não era devidamente treinada para realizar trabalhos na
construção civil [3], aliados à exposição às intempéries do meio natural, como
chuvas, umidade, ventos fortes, variações térmicas ou abalos sísmicos, muitas
destas construções apresentam visíveis desgastes em suas estruturas.
Estes desgastes podem comprometer o desempenho da estrutura, podendo torná-
la vulnerável, a levando à ruína nos casos mais graves, pois podem alterar ao longo
do tempo, a durabilidade, a segurança e o comportamento estrutural da edificação.
Sendo assim, a manutenção e a preservação destas construções são de suma
importância.
Para tal, em 2003, o ICOMOS (Conselho Internacional de Monumentos e Sítios),
estabeleceu alguns princípios a serem seguidos direcionados à conservação das
construções históricas. Um dos primeiros pontos abordados por [4], está
relacionado à caracterização estrutural da edificação, que possui grande relevância
no processo de conservação. Segundo [5] para a etapa de caracterização estrutural,
busca-se maiores informações sobre o funcionamento estrutural e sobre as
propriedades resistentes dos materiais da construção histórica que serão usados
como base para a modelagem numérica do edifício. Sendo assim, [4] sugeriu que
essa etapa fosse dividida em três subgrupos, nomeadamente: caracterização
geométrica, caracterização de danos e caracterização do material.
A caracterização geométrica é definida como a modelagem da construção histórica
com todos os detalhamentos dos elementos componentes do sistema estrutural. Já
na caracterização de danos, é feita a identificação da natureza dos danos (fissuras,
corrosão, deslocamentos etc.), a sua localização nos elementos estruturais e a
caracterização da sua intensidade [5]. Em relação à caracterização do material, de
acordo com [6], alguns parâmetros, se conhecidos, são essenciais para facilitar na
análise das propriedades do material de uma estrutura. Estes parâmetros podem
ser obtidos através de ensaios não destrutivos (END’s), e as propriedades obtidas
são, por muitas vezes, o módulo de elasticidade e as tensões resistentes do
material.
Tais etapas são necessárias para se obter um modelo numérico que represente
adequadamente o comportamento da estrutura, pois tal modelo servirá de base
para as análises computacionais, estáticas e/ou dinâmicas, nas quais obteremos
as respostas estruturais da edificação, tais como: deformações e deslocamentos,
tensões máximas e mínimas, além de suas frequências naturais e modos de
vibração.
Dentro do município de Icó, uma das edificações que necessitam desses cuidados
é a Igreja da Expectação (Figura 1).

Figura 1 – Igreja Nossa Senhora da Expectação nos dias atuais


A obra destaca-se por ser o templo mais antigo do município de Icó e pela sua
importância histórica, já que a partir de 1709, ano de sua construção, a cidade teve
seu início, uma vez que seu povoado cresceu em torno da Igreja [7]. Sendo assim,
este trabalho tem como objetivo realizar uma caracterização estrutural, estática e
dinâmica, além de reunir dados históricos relevantes para a sua conservação, de
forma a entender o estado atual da edificação, e contribuir assim com o meio tecno
científico.

2. Análise numérica de edificações em alvenaria


As análises estruturais são excelentes ferramentas de auxílio para caracterização
estrutural de uma edificação, sendo estas, muitas vezes, realizadas
computacionalmente com o uso de métodos numéricos, nos quais resolvem um
sistema de equações diferenciais parciais, obtendo soluções sobre o estado de
tensão e deformação de um determinado corpo [8].
Um dos principais métodos utilizados é o MEF (Método dos Elementos Finitos), que
devido aos avanços computacionais se tornou uma importante ferramenta para
caracterização estrutural. De acordo com [9], o método consiste em criar um modelo
estrutural no computador e dividir esse modelo em uma malha com pequenos
elementos finitos, nos quais são baseados em teorias estruturais, como a teoria das
vigas, e formulações matemáticas apropriadas. Assim, para cada caso de análise
poderá ser empregado um elemento finito apropriado, como os mostrados na Figura
2.

Figura 2 – Elemento finito poliédrico de 20 nós (esquerda) e elemento finito tetraédrico de 10 nós
(direita) [10]
Existem diversos tipos de análises estruturais que podem ser realizadas, como por
exemplo, análises estáticas, modais, espectrais, de flambagem, térmicas, entre
outras. No entanto, apenas as duas primeiras citadas foram executadas neste
trabalho, cabendo um embasamento teórico mais detalhado.
Segundo [11] a análise modal é definida como um processo de técnicas teóricas e
experimentais, que possibilitam a construção de um modelo matemático
representativo que simula o comportamento dinâmico da estrutura em estudo, com
o intuito de calcular os seus parâmetros modais, nomeadamente, as frequências
naturais, os modos de vibração e os fatores de amortecimento modal.
As frequências naturais representam a taxa de oscilação livre, ou seja, o quanto a
estrutura vibra após cessada sua excitação, sendo a frequência natural mais
importante, já que a estrutura pode vibrar em várias direções, a primeira, menor
entre todas, denominada frequência fundamental. Já os modos de vibração
caracterizam como a estrutura vibra, a partir de cada frequência natural. Por último,
o amortecimento é a propriedade interna de dissipar energia, em outras palavras, é
o fenômeno que dissipará a energia cinética inerente ao movimento da estrutura
após posta a vibrar [11][1].
Segundo [1], em se tratando de construções históricas, o emprego da
caracterização dinâmica é relevante não somente pelos dados coletados de
frequências naturais e modos de vibração, mas também por seu caráter não-
destrutivo, o que garante a repetibilidade dos ensaios sem danos ao patrimônio.
Já na análise estática, se analisa a deformação da estrutura em relação a carga
nela aplicada, permitindo a determinação dos deslocamentos, tensões e forças
atuantes na estrutura [12][13]. Diferentemente da análise modal, na análise estática
os efeitos inerciais são desprezados, pois o comportamento estrutural é estudado
quando as variações temporais dos deslocamentos ocorrem em intervalo de tempo
longo [1].
A análise estática pode ser considerada linear, quando a deformação varia
proporcionalmente com a carga aplicada, porém, é preciso garantir a rigidez da
estrutura enquanto a força é aplicada, e não linear, quando a rigidez varia com a
carga aplicada, não mais sendo mantida a proporcionalidade entre deformação e
força aplicada [12].
[13] define que para a modelagem de uma estrutura e que para serem feitas
análises estáticas lineares, algumas propriedades do material devem ser
conhecidas, tais como, o módulo de elasticidade (E) e o coeficiente de Poisson (ν),
que permitem estimar a rigidez dos elementos estruturais, além de sua
deformabilidade e distribuição de esforços, e o peso específico (w) do material, que
permite realizar o cálculo da parcela de carga correspondente ao peso próprio. Os
limites elásticos e de resistência do material, assim como o modelo constitutivo do
material, são apenas necessários para as análises estáticas não-lineares.
Estes parâmetros podem ser obtidos através de ensaios não destrutivos (END),
como, por exemplo, o método ultrassônico, onde são coletadas as velocidades
ultrassônicas e, a partir delas, obtido o módulo de elasticidade. Quando não se é
possível obter os valores dos parâmetros experimentalmente, usualmente utiliza-se
ou de tabelas fornecidas em normas técnicas, como a NTC (Norme Tecniche per le
Costruzioni) de 2008.
No caso das alvenarias, a determinação destas propriedades é mais difícil e
complexa, uma vez que são estruturas compostas por diferentes materiais, sendo
considerado como um material heterogêneo, anisotrópico e descontínuo,
essencialmente devido aos seus diferentes tipos de componentes, dificultando
assim, a determinação de suas propriedades através de representações numéricas
[14][1].
Sendo assim, [15] estabeleceu que a representação numérica da alvenaria pode ser
feita de três maneiras (Figura 3), nomeadamente: micromodelagem detalhada, onde
os blocos e a argamassa são representados como elementos contínuos e
separados, e a interface bloco-argamassa como um elemento descontínuo;
micromodelagem simplificada, onde as unidades são compostas pelo bloco e a
argamassa em volta dele juntos, e o comportamento das juntas entre as unidades
como um elemento descontínuo e a macromodelagem, onde os blocos de alvenaria
e a argamassa são representados como um único elemento contínuo.
No caso das edificações históricas, como as Igrejas, que possuem paredes sólidas
com grandes dimensões, garantindo adequadamente a distribuição de tensões
uniformemente, a macromodelagem se mostra mais prática, reduzindo o custo
computacional na análise.

Figura 3 – Técnicas de modelagem: (a) micro modelagem detalhada; (b) micro


modelagem simplificada; (c) macro modelagem [15]

3. Caracterização da Igreja da Expectação

A Igreja de Nossa Senhora da Expectação integra um dos mais de 300 imóveis


tombados como patrimônio histórico pelo IPHAN em 1998, pertencentes ao
Conjunto Arquitetônico e Urbanístico de Icó – CE (Figura 4). Construída em 1709,
originalmente com o nome de Capela de Nossa Senhora do Ó, foi escolhida como
a Igreja matriz em 1736, título que detém até hoje, quando o então Arraial da Ribeira
dos Icós elevou-se a categoria de vila [7].

Figura 4 – Localização da Igreja Nossa Senhora da Expectação [3]


A Igreja sofreu algumas ampliações e intervenções em sua estrutura ao longo dos
anos, antes de seu tombamento, entretanto, devido à escassez de documentos
históricos que descrevessem tais intervenções, não foi possível determinar quando
e nem quais mudanças a edificação sofreu. Em 1999, um ano após seu
tombamento, a Igreja passou por uma grande reforma, dessa vez documentada,
onde foram restauradas suas cores originais (paredes brancas e esquadrias verde
colonial) a escada de acesso ao coro e o madeiramento da cobertura.
Em 2004, uma intervenção foi realizada nos pilares devido a infiltração causada pela
alta concentração de salitre na composição do solo, além da pintura das paredes
externas, portas principais e substituição do sistema de iluminação.
A Igreja da Expectação integra um dos únicos conjuntos de obras no estilo barroco
no estado do Ceará, servindo como um exemplar de conservação histórica deste
estilo no Brasil. Outros exemplos que podem ser citados, quando se observam as
igrejas cearenses, são as Igrejas de Nossa Senhora da Conceição de Almofala, e
de Nosso Senhor do Bonfim, também localizada em Icó, pois segundo [16], elas
possuem a mesma assimetria de composição nas frentes das igrejas e a proporção
do escalonamento formado pelo campanário, frontão central e lateral são bastante
próximos.
Segundo [17], a Igreja possui um cruzeiro à sua frente e sua fachada é composta
por uma única torre à sua esquerda (Figura 5), medindo 18,07m de altura, com sino,
base octogonal e terminação piramidal, também octogonal. As três portas principais,
correspondentes à nave central, são almofadadas e as superiores são guarnecidas
por balcões de ferro e os vãos das portas principais possuem arco abatido. Os
frontões do corpo central e da área correspondente à circulação lateral direita são
triangulares, com cimalhas encurvadas e alteadas, volutas e coruchéus diversos.

Figura 5 – Fachada frontal e corte lateral [8]


A Igreja da Expectação possui uma nave principal, com bancos de madeira voltados
para o altar, e duas naves laterais, cada uma separada com quatro aberturas em
arco da nave principal, além de portas e janelas que dão acesso ao exterior.
A Igreja possui 45,47m de comprimento e 16,64m de largura, conforme indicado e
internamente, pode-se dividi-la em dez ambientes, de acordo com a Figura 6,
onde também estão indicadas suas dimensões. São eles: nave central (a), naves
laterais (b) e (c), altar (d), áreas de circulação (e) e (f), sacristia (g), secretaria (h),
capela (i) e depósito (j).
A estrutura da igreja é composta por alvenaria de tijolos maciços com espessuras
variando entre 46cm e 90cm e foi construída utilizando-se técnicas construtivas
locais com os materiais disponíveis na época, sendo o ajuste comum, o tipo de
amarração utilizado.
Figura 6 – Planta baixa (GARCIA e colab., 2019)

4. Modelo numérico

Um modelo tridimensional utilizando o software Ansys® foi construído a partir do


levantamento geométrico realizado “in loco” e com base em diversos desenhos em
formato cad elaborados pelo IPHAN, que prontamente nos disponibilizou. Procurou-
se, durante a criação do modelo, seguir fielmente as características geométricas
extraídas das plantas de arquitetura e visualizadas “in loco”. Entretanto, alguns
elementos tiveram sua representação simplificada no modelo, como os detalhes
arquitetônicos ao redor das portas, na região superior da fachada frontal e da torre
sineira, por exemplo, pois além de serem formas bastante complexas de se
modelar, julgou-se que sua influência na análise seria irrelevante. A cobertura, o
elemento espacial da torre e a laje do coro também não foram modelados, porém,
tiveram suas massas estimadas e consideradas na análise.
A Igreja possui estrutura formada por blocos cerâmicos e argamassa, dois
elementos com comportamentos e propriedades mecânicas distintas, cuja interação
entre eles é bastante complexa para a modelagem numérica. Portanto, foi adotada
a técnica da macromodelagem, e o modelo foi discretizado em uma malha de
300mm (Figura 7).

Figura 7 – Modelo numérico discretizado


Utilizou-se como elemento o SOLID 187, um tetraédrico de 10 nós com 3 graus de
liberdade cada nó. A modelagem considerou que a base da igreja é engastada no
solo, e desta forma, depois da discretização foram obtidos 94.843 elementos e
181.327 nós.

4.1 Propriedades do material

Levando em consideração que a Igreja possui mais de 3 séculos, e que a mesma


já passou por diversas reformas e intervenções, muitas destas sem registro histórico
algum, se torna bastante difícil determinar as propriedades mecânicas da
alvenaria que a compõe, haja vista a diversidade dos materiais empregados para
fabricar tanto os blocos quanto a argamassa, além das técnicas construtivas
empregadas pela mão de obra da época.
E como não foi possível, por ora, a realização de algum ensaio não destrutivo que
nos pudesse fornecer tais propriedades, recorreu-se à literatura para estimar as
propriedades mecânicas da alvenaria. Consultou-se a [19] de onde obteve os
valores do módulo de elasticidade (E) e peso específico (w), e resistência à
compressão (fc), já para o coeficiente de Poisson (ν), seguiu-se os valores adotados
por [1] e para a resistência à tração (ft) os valores adotados por [20]. Tais valores
estão apresentados na Quadro 1.
Quadro 1 – Propriedades mecânicas adotadas no modelo numérico

E (GPa) w (kN/m³) ν fc (MPa) ft (MPa)


1.5 18 0.2 3.2 0.16

4.2 Carregamentos adotados

Para a consideração das cargas da laje do coro, foi considerada a mesma como
sendo feita de madeira de Pinho, com altura média de 5cm, cujo peso específico
(w) é de 5kN/m³, conforme [21], este dado é necessário para o cálculo do peso
próprio do elemento. Para a carga acidental, considerando-se ainda que a [21] não
determina carga acidental para coro especificamente, foi adotado então um valor de
2kN/m².
O carregamento da cobertura, formada pelo madeiramento (ripas, caibros e
tesouras) e as telhas cerâmicas, teve seu valor adotado seguindo os mesmos de
[22] e para o carregamento de forro foi seguido os valores [23] (ver Quadro 2). Já
para a carga acidental de cobertura, adotou-se um valor 0.05kN/m² para tal. Todos
os carregamentos foram de cobertas e do coro, foram distribuídas nas alvenarias
que as apoiam.
Devido à complexidade arquitetônica do acabamento superior da torre sineira, o
mesmo não foi modelado, todavia, sua carga foi considerada, partindo que o
elemento espacial possui aproximadamente um volume 10,5m³, e todo em concreto,
e adotando o peso específico (w) de 25kN/m³, totalizamos uma carga aplicada de
262.5kN, distribuída na laje de topo da torre, de área aproximada de 13.5m².
Quadro 2 – Carregamentos adotadas no modelo numérico

Carga permanente Carga acidental


Elemento
(kN/m²) (kN/m²)
Coro 0.25 2.0
Forro 0.6 0.0
Cobertura 1.3 0.05
Torre 19.5 0.0

5. Resultados e discussões

Uma vez feita a modelagem numérica e inseridas no modelo as propriedades


mecânicas, duas análises foram realizadas, a primeira estática onde foram obtidos
as tensões máximas e mínimas, deslocamentos direcionais X, Y e Z e
deslocamentos totais, e a segunda modal, na qual foram extraídos os 20 primeiros
modos de vibração, além de suas respectivas frequências naturais, períodos e
deformações modais nas direções X, Y e Z. principais particularidades e novas
contribuições, assim como as suas implicações práticas.

5.1 Análise Estática

O comportamento estático da Igreja da Expectação quando esta é submetida


apenas a ação de suas cargas permanentes, eventuais sobrecargas adicionadas e
da força da gravidade, é primeiramente expresso em termos de seus deslocamentos
direcionais que indicam a direção das translações de partes da estrutura da
construção em relação ao sistema de eixos adotados.
Sendo assim, no eixo X, os maiores deslocamentos registrados foram na torre
sineira, sendo o seu valor máximo atingido na extremidade superior da torre, com
0.695 mm, conforme indicado em azul na Figura 8A. Os valores negativos indicam
que o deslocamento foi registrado no sentido negativo do eixo, e o seu sentido
positivo está representado no canto inferior da Figura 8.
Já na direção do eixo Y, o maior valor encontrado foi novamente na região superior
da torre sineira, no sentido negativo do eixo, com 1.574 mm. Os valores máximos
no sentido positivo foram encontrados nas bases das paredes, mas com valores
desprezíveis, uma vez que a mesma nesta região está engastada.
Analisando os deslocamentos no eixo Z, foi encontrado o valor máximo de 0.426mm
no sentido negativo do eixo na torre sineira, representado em azul na Figura 8C.
Analisando o sentido positivo do eixo, foram encontrados valores de
aproximadamente 0.1mm nas regiões indicadas em vermelho, como na parede da
fachada central, na lateral da nave direita, no encontro das paredes que separam a
nave principal da nave direita e a região do altar.

Figura 8 – Deslocamentos no eixo X (A), eixo Y (B) e eixo Z (C)


Em relação as tensões, a Figura 9A indica os valores de tensão em relação ao eixo
Y, considerando a aplicação de todas as cargas. Nota-se que a maior parte da
estrutura apresenta tensões de tração abaixo dos 0.16MPa que seria a tensão
máxima resistente do material, indicando que no geral a estrutura não sofrerá danos
por tração.

Figura 9 – Tensões normas eixo Y (A) e Detalhe concentração de tensão (B)


Porém, há uma região onde a tensão de tração ultrapassa este limite de 0.16MPa
(Figura 9B), na abertura inferior da torre sineira, neste local há uma preocupação
na ocorrência de aberturas de fissuras. As tensões máximas de compressão na
estrutura ficam variando em torno de 0.25MPa e 0.50MPa, sempre nas regiões mais
inferiores, como a base das paredes e dos pilares, no entanto, como a resistência
máxima a compressão é de 3.2MPa, a estrutura está segura para este tipo de
esforço.

5.2 Análise Modal

Uma vez realizada a análise modal, os 20 primeiros modos de vibração com suas
respectivas frequências foram obtidos, juntamente com a porcentagem de massa
modal efetiva para cada modo de vibração da Igreja da Expectação (Quadro 3).
Quadro 3 – Respostas modais

Frequência Período Massa modal efetiva


Modo
f (Hz) T (s) Ux (%) Uy (%) Uz (%)
1 2,870 0,348 0,006 0,000 3,460
2 3,026 0,330 0,297 0,001 18,185
3 3,052 0,327 0,217 0,001 0,283
4 3,185 0,313 0,583 0,003 1,538
5 3,347 0,298 0,146 0,000 0,949
6 3,620 0,276 11,516 0,003 1,088
7 4,055 0,246 1,053 0,000 0,303
8 4,791 0,208 5,219 0,000 0,001
9 4,858 0,205 0,049 0,000 0,002
10 5,176 0,193 1,019 0,000 0,035
11 5,582 0,179 0,846 0,000 0,000
12 5,713 0,175 0,002 0,000 0,041
13 5,970 0,167 0,033 0,000 2,128
14 6,376 0,156 0,008 0,000 6,604
15 6,644 0,150 0,010 0,000 0,915
16 6,691 0,149 0,002 0,000 0,946
17 6,822 0,146 0,002 0,000 0,342
18 6,989 0,143 1,259 0,000 0,060
19 7,139 0,140 0,002 0,000 4,639
20 7,433 0,134 0,001 0,000 0,038

Nas direções X, Y e Z, a soma das massas modais efetivas para estes 20 primeiros
modos, foram de 22.27%, 0.009% e 41.56%, respectivamente. Sendo assim, a
direção Z apresenta as maiores porcentagens, demonstrando uma grande
influência nas deformações modais nesta direção, como podemos observar na
Figura 10, complementadas pela Figura 11,onde os 5 primeiros modos possuem
deformações em Z muito maiores que nas demais direções, sendo o modo 2 o com
maior valor de massa modal efetiva, aproximadamente 18.2% (ver Quadro 3).
O eixo X também possui uma certa influência nos modos de vibração, sendo o modo
6 (Figura 11A) e o modo 8 (Figura 12B), com 11.52% e 5.22%, respectivamente, o
que equivalente a 75% de toda a massa modal efetiva nesta direção. Já na direção
Y, a massa modal efetiva foi aproximadamente zero, não gerando influência alguma
nos modos de vibração da estrutura.
A partir da análise do Quadro 3, verifica-se que conforme aumentamos o número
de modos de vibração, as frequências aumentam e os períodos diminuem
proporcionalmente. A frequência natural mais importante é a primeira, menor entre
todas, designada por fundamental, no valor de 2.870Hz, sendo importante
ressaltar que, em estruturas convencionais, a primeira frequência é sempre a mais
preponderante ao movimento oscilatório, e caso a frequência de excitação do
ambiente, como sismos e vento, iguale esta frequência podemos ter o fenômeno da
ressonância, que pode levar a estrutura à ruína.

19
17
Modo de vibração

15
13
11 Ux
9
7 Uy
5 Uz
3
1
-0,3 -0,2 -0,1 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7
Deformações modais

Figura 10 – Deformações modais nos eixos X, Y e Z


Analisando os 6 primeiros modos de vibração da Igreja da Expectação (Figura 11),
evidencia-se que a alvenaria externa lateral esquerda da Igreja tem seus
deslocamentos excitados para todos os modos de vibração, exceto o 6°, já a parede
externa lateral direita, para o 2°, 3°, 4° e 5° modos. As paredes laterais centrais
para o 1° ao 4° modo de vibração, e a torre para o 2°, 3°, 4° e 6° modos. A fachada
frontal teve seus deslocamentos excitados apenas no 6° modo de vibração.

Figura 11 – Modos de vibração: (A) 1° modo, (B) 2° modo, (C) 3° modo, (D) 4° modo, (E) 5°
modo, (F) 6° modo
Sendo assim, as paredes laterais internas e externas, além da torre, foram os
elementos que apresentaram a maior vulnerabilidade aos deslocamentos,
principalmente devido as grandes aberturas em arcos e a altura livre da torre, que
aumentam consideravelmente a esbeltez deles.
Analisando as maiores deformações modais, observa-se que o maior valor
encontrado foi de 0.633, referente ao modo 11, direção X (Figura 12C), onde apenas
uma das paredes traseira da Igreja foi solicitada. No entanto, a maioria das maiores
contribuições se encontram no eixo Z, os quais apresentam valores máximos de
0.344, 0.292 e 0.271, respectivamente para os modos 17 (Figura 12E), 15 (Figura
12D) e 19 (Figura 12F), todos com períodos muito baixo.

Figura 12 – Modos de vibração: (A) 7° modo, (B) 8° modo, (C) 11° modo, (D) 15° modo, (E)
17° modo, (F) 19° modo
No modo 17, as pequenas paredes laterais traseiras são solicitadas, assim como
no modo 15. Nenhum desses modos solicitou a torre sineira, exceto o modo 7
(Figura 12A), com 0.281 de deformação modal, demonstrando mais uma vez que
os primeiros modos de vibração são os mais importantes em uma análise dinâmica,
e que a torre e as paredes laterais externas e as internas com os arcos são os
principais elementos a serem analisados numa possível intervenção futura.

6. Conclusões

A Igreja de Nossa Senhora da Expectação é um monumento valiosíssimo para a


população icoense em vários aspectos, como histórico, arquitetônico, cultural e
religioso. Sendo assim, buscou-se neste trabalho representar fielmente através de
um modelo numérico o comportamento estático e dinâmico da estrutura. Porém,
devido à escassez de dados, não foi possível determinar as propriedades
mecânicas da alvenaria que compõe a estrutura, recorrendo-se então a literatura
para estimar tais valores. Com as plantas geométricas obtidas e visita técnica
realizada, foi possível realizar uma modelagem em 3D quase que fiel a estrutura,
garantindo-se assim maior exatidão nos resultados.
Na análise modal verificou-se que grande parte da massa da Igreja é deslocada no
sentido de Z, principalmente devido à falta de travamento nesta direção, o que na
prática ocorre com as coberturas. Uma outra parte da massa foi deslocada no
sentido de X, mas na direção de Y nenhuma massa se desloca.
Verificou-se que os 6 primeiros modos de vibração são os principais para análise,
pois eles possuem os maiores períodos e solicitam os elementos mais esbeltos da
estrutura com frequência.
Sugere-se como trabalho futuro que seja feito um ensaio não destrutivo pelo método
de vibração ambiental e/ou ultrassom, a fim de se obter as frequências naturais da
estrutura, possibilitando assim uma calibragem numérica do modelo para que sejam
encontradas as propriedades mecânicas reais da alvenaria utilizada na estrutura da
Igreja.
Em relação a análise estática, verificou-se que todos os deslocamentos ocorridos
possuem ordem de grandeza pequenas em relação ao tamanho da Igreja, tendo
como maior deslocamento o valor de 1.574mm na torre sineira. Em termos de
tensão de compressão, a segurança da Igreja está garantida, pois as tensões
encontradas são muito menores à resistente, porém, em termos de tensão de
tração, as aberturas de janelas, apresentaram valores próximos à tensão resistente,
e no caso da abertura na torre, este valor foi ultrapassado.
Por fim, conclui-se que a utilização da análise numérica como ferramenta de suporte
à segurança estrutural dos patrimônios históricos apresenta resultados bastante
satisfatórios, permitindo identificar regiões de vulnerabilidade e o comportamento
global da estrutura, auxiliando em tomada de decisões para futuras intervenções
que possam contribuir na preservação das construções.

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