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um narniano
Joe Rigney
Como amante de longa data de Lewis e do mundo de Nárnia, li inúmeros
livros sobre ambos. Viva como um narniano, de Joe Rigney, é um dos
melhores. Ele transborda de um autêntico senso de brilho, sabedoria e
admiração narnianos. Rigney parece igualmente à vontade com a ficção e a
não ficção de Lewis e faz uma bela combinação das duas, com verdade e
imaginação. Recomendo muito este livro delicioso!
— Randy Alcorn, autor de Heaven e If God Is Good; Diretor do Eternal
Perspectives Ministries.
Joe Rigney é um escritor que realmente sabe como amar algo. Fico feliz em
saber que ele ama Nárnia.
— Douglas Wilson, autor de O que aprendi em Nárnia, Alegria no limite das
forças e Persuasões. Pastor da Christ Church, Moscow, Idaho, EUA.
Em nossa jornada para o País de Aslam, tendemos a olhar para os lados a fim
de ver quem está vindo conosco. Há muito o que partilhar, e, nessa partilha,
sentimos a plenitude da resolução e a resolução da plenitude. Este livro está
repleto daqueles momentos essenciais do “Aha!” narniano, que nos mantêm
ansiosos pela próxima página (inclusive nos momentos em que a gente
sussurra para si mesmo). Aposto que Viva como um narniano se mostrará um
companheiro confiável para os futuros narnianos que lerão e relerão as
crônicas por gerações.
— Gloria Furman, autora de Glimpses of Grace, filha de Eva e rainha de
Nárnia.
Alguém já disse que o que Lewis pensou sobre tudo estava secretamente
presente no que ele escreveu sobre nada, então não é nenhuma surpresa
descobrir em Nárnia a cosmovisão impetuosa que ele detalhou em sua obra
de não ficção. O mundo que Lewis criou está permeado de riquezas
teológicas, colocadas ali como veios de ouro correndo pelas montanhas do
Colorado. Por muito tempo esperei por um livro breve que se empenhasse em
escavar os principais temas teológicos de Nárnia em um formato simples e
claro, que invocasse os escritos de não ficção de Lewis como comentário para
iluminar as histórias narnianas e, acima de tudo, um livro sobre essa criatura
dourada e radiante mais terrível e bela do que qualquer coisa em toda a
Nárnia e este mundo juntos. A espera acabou. Viva como um narniano, de
Joe Rigney, é um feito magistral.
— Tony Reinke, autor de Lit! Um guia cristão para leitura de livros e
estrategista de conteúdo do desiringGod.org
Viva como um narniano tem a qualidade que toda boa escrita se esforça para
ter: é perspicaz e prazeroso. Joe Rigney captura não apenas o poder e a
pungência da amada série de C. S. Lewis, mas também sua diversão e alegria.
— Devin Brown, autor de A Life Observed: A Spiritual Biography of C. S.
Lewis; Professor de inglês na Asbury University.
O efeito imediato de Viva como um narniano sobre mim foi querer viver
como um. Escrito num estilo divertido, vigoroso e forte, ele convence tanto
como obra popular de crítica literária quanto como chamado legível para
seguir Aslam até o fim. Se quiser recuperar a sabedoria e a beleza da Nárnia
original, aquela visão que cativou tantos de nós na juventude e que continua
operando sua magia edificante, comece com esta empolgante introdução de
Joe Rigney.
— Owen Strachan, Professor assistente de Teologia cristã e História da
Igreja no Boyce College; autor de Risky Gospel: Abandon Fear and Build
Something Awesome.
Copyright @ 2013, de Joe Rigney
Publicado originalmente em inglês sob o título
Like Like A Narnian
pela Eyes & Pen Press,
Mineápolis, MN, EUA.
1ª edição, 2020
PROIBIDA A REPRODUÇÃO POR QUAISQUER MEIOS, SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.
Rigney, Joe
Viva como um narniano: Discipulado cristão nas Crônicas de Lewis / Joe Rigney, tradução
Leonardo Bruno Galdino — Brasília, DF: Editora Monergismo, 2020.
ISBN 978-65-990000-6-5
CDD 230
Para Sam e Peter
Que vocês sejam sempre filhos verdadeiros de Arquelândia
Os primeiros a chegar, os últimos a sair, e os que riem mais alto
Sumário
Agradecimentos
Uma palavra ao leitor
Introdução: Aprendendo a respirar a atmosfera narniana
Capítulo 1: Magia Profunda — e ainda mais profunda
Capítulo 2: A guerra da Feiticeira contra a alegria
Capítulo 3: Seremos quem estamos nos tornando
Capítulo 4: A surpreendente obediência de Trumpkin
Capítulo 5: A arte perdida do cavalheirismo
Capítulo 6: A loucura do “nada-mais-queísmo”
Capítulo 7: Depois das trevas, luz
Capítulo 8: Pais, educratas e burocratas
Capítulo 9: Quebrando encantamentos com paulama queimado
Capítulo 10: A difícil lição de Shasta
Capítulo 11: Uma sociedade de gente vaidosa
Capítulo 12: O coração do rei que ri
Capítulo 13: Conte-me as suas tristezas
Capítulo 14: Um destino grandioso e solitário
Capítulo 15: As provações e tragédia de Tirian
Capítulo 16: A glória de uma rainha narniana
Epílogo
Apêndice
Agradecimentos
Este livro foi escrito em um período extraordinariamente curto (seis meses do
início ao fim), embora tenha ficado martelando em minha cabeça por alguns
anos. A rapidez do trâmite, da concepção à conclusão, significa que devo
agradecer a muitas pessoas. Em primeiro lugar, quero agradecer a C. S. Lewis
por escrever os livros, e a meus pais por me apresentá-los quando eu era
criança. Não recordo quando os li pela primeira vez, mas achei meus
exemplares da infância. As páginas estão bem gastas, como era de esperar.
Ninguém foi mais providencial para fazer com que este livro saísse da ideia
para impressão do que meu amigo David Mathis. Ele encorajou-me a assumir
o risco e, então, trabalhou ao meu lado — editando, estimulando, traçando
estratégias e promovendo o livro de inúmeras maneiras. Sou grato a Deus por
sua amizade (e a sua esposa Meg, por deixá-lo passar algumas noites lendo o
manuscrito). Matt Crutchmer é responsável pelo design do livro — capa,
diagramação, fonte —, e eu não poderia ficar mais satisfeito com o resultado.
Matt é um grande designer gráfico, teólogo cuidadoso e verdadeiro amigo de
Nárnia (embora seja fanático por futebol, que, como todo mundo sabe, é o
esporte nacional da Calormânia).
Brian DeWire ofereceu seu olhar competente na revisão das provas,
formatação e pesquisa das citações. Seu entusiasmo pelo projeto só serviu
para aumentar o meu próprio, e sou grato por sua disposição a ajudar. Tony
Reinke e Dave Clifford, no Desiring God, foram os primeiros e insistentes
incentivadores deste projeto. Tony lê e revisa uma porção de livros, e seu
endosso entusiasmado foi uma dádiva de Deus no momento certo. Dave foi
crucial em pensar estrategicamente sobre o livro e graciosamente permitiu
que eu o promovesse na Desiring God National Conference. Nesse espírito,
sou grato a John Piper e Scott Anderson, por me convidarem para falar sobre
Nárnia na conferência dedicada a C. S. Lewis. Sem esse convite, eu não
passaria todas aquelas noites e madrugadas escrevendo e reescrevendo este
livro.
Sou grato a Deus por meus colegas do Bethlehem College Seminary — Ryan
Griffth, Johnathon Bowers e Josh Maloney —, que me encorajaram a levar o
projeto adiante, a despeito de nossa agenda acadêmica movimentada. Nossa
equipe de professores é um lembrete de que, contra Miraz, é possível ter mais
de um rei por vez. Além disso, sou profundamente grato aos alunos do BSC,
que vieram à minha casa durante todas as semanas de abril e maio por causa
da “Pizza em Nárnia”. Durante aquelas noites, comíamos Little Caesars,[1] eu
lia os últimos rascunhos dos capítulos e os alunos faziam perguntas e davam
valiosos feedbacks. Sem aqueles “prazos” semanais, este livro não teria sido
escrito (se eu não escrevesse algo, teríamos de ficar à toa, olhando uns para
os outros em torno de uma pizza de cinco dólares). Então, a Nick
Aufenkamp, Eric Satterfield, Amber Doran, Alen Anthrayose, Wil Anderson,
Keith Kresge, Courtney Young, Clayton Hutchins, Ivy White, Andrew
Kasahara, Ren Carolino, James e Lexi Nelson, Tyler Pierson, James Carr,
Juan Abreu, Nick Sevier, Melissa O’Neill, Andrew Horning, Zack Melvin,
Ryan McLaughlin, Amanda Sutton, Mark O’Neill, à família Green, Christina
Hall, Cody e Whitney Sandidge (acho que não esqueci ninguém): obrigado!
Sou grato a outros que leram diversas variações deste livro e o incentivaram
ao longo do caminho: Zach e Betsy Howard, Jason Abell, Andy Naselli,
Doug Wilson, Matthew Lee Anderson, Owen Strachan, Devin Brown, Gloria
Furman, Randy Alcorn e Nick Laparra.
Minha esposa Jenny apoiou com entusiasmo este projeto, mesmo sabendo
que me “perderia” por muitas noites para que eu pudesse escrever, reescrever
e desempenhar milhares de outras atividades relacionadas a livros. Ela
também serviu de inspiração para o último capítulo sobre “A glória de uma
rainha narniana”, e quem o ler e conhecê-la, sem dúvida perceberá a
semelhança.
Por fim, sou grato a Deus por meus dois filhos, Sam e Peter, cavaleiros-em-
treinamento (ou, como eles gostam de dizer, “Os Protetores”). Para mim, foi
uma grande alegria ler O leão, a feiticeira e o guarda-roupa para Sam pela
primeira vez enquanto este livro estava sendo escrito. Os resumos noturnos
que ele fazia da história para minha esposa eram inestimáveis. Ler Nárnia e
escrever este livro só aumentaram meu desejo de criar meus filhos para serem
o tipo de homens que abraçam com alegria quaisquer aventuras às quais
Aslam os lance. É a eles que dedico este livro.
Uma palavra ao leitor
Este livro foi escrito para amigos de Nárnia. Na avaliação do autor, sua
utilidade é diretamente proporcional à familiaridade com as crônicas. Todos
os capítulos pressupõem que o leitor conheça os personagens dos livros, o
enredo básico de cada história, as principais cenas e citações, e assim por
diante. Embora, sem dúvida, alguns possam tirar proveito dele sem o
conhecimento prévio de Nárnia, eu não recomendaria isso, seja porque sem
esse conhecimento o leitor ficará confuso, seja porque não desejo prejudicar
os leitores que porventura venham a entrar no guarda-roupa sozinhos.
Acredito que o que escrevi aqui é verdadeiro e fiel às intenções de Lewis. No
entanto, prefiro que as pessoas leiam esses capítulos e digam “Sim! É
exatamente isso o que eu sempre pensei sobre essa cena, ou esse personagem
ou esse tema!” a que peguem as ideias que escrevi e saiam numa caçada por
elas em algum lugar do Ermo ocidental.
Àqueles que se consideram narnianos livres e filhos da Arquelândia — em
nome do Leão, bem-vindos. De forma alguma este livro pretende substituir a
leitura dos livros reais pela décima sétima vez (embora eu espere que ele
enriqueça a décima sétima leitura). Histórias são irredutivelmente histórias;
não podemos resumi-las em ensaios, por mais verdadeiros e precisos que
sejam (espero que os deste livro superem aqueles que Lewis critica em O
cavalo e seu menino). Flannery O’Connor disse, em algum lugar, que uma
história é uma maneira de dizer algo que não pode ser dito de outro modo, e é
preciso que cada palavra da história diga qual é o significado. Lewis é um
mestre dessa comunicação narrativa, tácita e implícita. Sua maneira de
“descrever” algo deixa uma impressão mais profunda do que qualquer ensaio
pode esperar conseguir.
Ao mesmo tempo, espero que esses capítulos façam com que algumas luzes
se acendam em sua alma (e talvez até um foguete seja lançado dentro de sua
cabeça). A propósito, alguns leitores podem achar a Introdução
excessivamente técnica e complicada. Se este é o seu caso, permito
alegremente que você avance e vá direto para os capítulos; eles são mais
divertidos, de todo modo. Além disso, vale ressaltar que, para acomodar as
várias edições de As crônicas de Nárnia, escolhi citar o livro e o número do
capítulo em vez do número da página. Como a maioria dos meus capítulos se
concentra em apenas uma crônica, muitas vezes você encontrará apenas um
número de capítulo entre parênteses. Espero que não seja muito confuso.
Por fim, embora eu não recomende que se dê este livro diretamente às
crianças (dê-lhes apenas Nárnia; quando forem mais velhas, elas poderão ler
estes capítulos para aprender um pouco do que Nárnia tem feito com elas),
espero que meus modestos esforços as beneficiem indiretamente. Em
particular, gostaria que os pais cristãos se mostrassem ansiosos para ler
intencionalmente essas histórias para seus filhos, na esperança de que outra
geração seja moldada, formada e amadurecida como homens e mulheres de
Deus semelhantes ao Leão de Nárnia e, portanto, portadores da imagem do
verdadeiro rei, Jesus Cristo.
Introdução: Aprendendo a respirar a
atmosfera narniana
O discipulado e o poder formador das histórias
Em 1956, após terminar o último livro de As crônicas de Nárnia, C. S. Lewis
escreveu um pequeno artigo no New York Times Book Review explicando
como um professor de literatura medieval e renascentista sem filhos passou a
escrever contos de fadas.
Recusando a ideia de um plano mestre para “dizer algo sobre o cristianismo
para crianças”, que o fizesse escolher o gênero do conto de fadas, pesquisar
sobre os hábitos de leitura das crianças, selecionar algumas doutrinas cristãs
e, então, escrever alegorias, Lewis escreve:
Tudo começou com imagens; um fauno segurando um guarda-chuva, uma rainha em um
trenó, um magnífico leão. No começo, nem havia nada de cristão sobre eles; esse
elemento apareceu por vontade própria. Fazia parte da ebulição.[2]
Essa “ebulição” produziu alguns dos mais queridos contos infantis de toda a
literatura. Milhares de criancinhas deitam na cama implorando aos pais “só
mais um capítulo”. Crianças mais velhas devoram livros inteiros (às vezes,
dois ou três ao mesmo tempo) durante um longo e preguiçoso sábado.
Estudantes universitários deixam de estudar para a prova quando observam
os livros na estante e partem em busca daquela linha sobre “não ser um leão
domesticado”. Até alguns adultos de meia-idade são conhecidos por sumirem
tardes inteiras apenas para surgir com suspiros de nostalgia de sabe-se lá
onde, murmurando algo sobre “Dique dos Castores, truta frita e rocamboles”.
Confesso ser todas essas pessoas (embora ainda esteja bem longe dos 50
anos), e acho que o tempo que passei lendo, sonhando, pensando e
conversando sobre faunos hospitaleiros, estrelas cantantes, feiticeiras
malvadas e um certo Leão não foi desperdiçado. E não apenas porque ler
histórias de ficção seja uma parte saudável da recreação e do descanso (o que
certamente é). Se Lewis tivesse escrito suas histórias nos dias de Moisés, não
tenho dúvida de que Nárnia teria sido leitura recomendada no Shabat.
Encontrando Deus em Nárnia
A razão por que considero minhas horas (e dias, e anos) em Nárnia um tempo
bem gasto é que creio firmemente que sou um marido melhor, um pai melhor,
um amigo melhor, um professor melhor, um filho e irmão melhor — em
suma, um homem e um cristão melhor — por causa dela. Viver em Nárnia
moldou profundamente a minha perspectiva de sociedade, cultura,
casamento, criação de filhos, educação e teologia. (E quando digo que Nárnia
me moldou, estou implicitamente incluindo outros escritos de Lewis, pois,
como certa vez disse seu amigo Owen Barfield — e espero demonstrá-lo
neste livro — “o que Lewis pensou sobre tudo estava secretamente presente
no que ele disse sobre nada”.[3])
Conheci Deus — o Deus verdadeiro, o Deus vivo, o Pai de Jesus Cristo —
nessa e por meio dessa ebulição que Lewis chamou de Nárnia, e cresci em
amor e afeição a Jesus ao respirar aquela atmosfera narniana. Na verdade,
acredito que isso é exatamente o que Lewis (e Deus) planejou.
Com isso, não estou sugerindo que as crônicas sejam equivalentes à
Escritura, ou que a leitura delas me fez negligenciar a Bíblia. Em vez disso,
meu amor por Jesus e o Livro que o revela aumentou devido ao empenho de
Lewis nas crônicas. O que estou sugerindo é que recebi de Nárnia o mesmo
tipo de graça, consolo, encorajamento e motivação que recebi da pregação, da
liderança de pequenos grupos, dos tomos de teologia e dos escritos
devocionais. Em resumo, fui discipulado como cristão fiel ao viver como um
narniano, e meu objetivo neste livro é encorajá-lo a fazer o mesmo. Em
outras palavras, quero defender o discipulado narniano, não apenas como um
subproduto fortuito da leitura das histórias de Nárnia, mas como um dos
principais objetivos de Lewis (e de Deus!) nas crônicas em si mesmas.
Reconheço que essa é uma pretensão ousada. Portanto, antes de prosseguir
com o restante dos capítulos, quero explorar o que são as crônicas. Para isso,
preciso dizer algo sobre o entendimento de Lewis acerca dos contos de fadas,
bem como a visão que ele tinha do discipulado. Com esse objetivo em mente,
portanto, retornemos àquelas imagens em ebulição.
Lewis, “O Homem”
Lewis escreve que, conforme as imagens borbulham, o autor nele começa a
ansiar para vê-las se aglutinando em uma Forma específica, seja em poesia,
romance ou peça. Com as imagens narnianas iniciais, a Forma que pareceu
mais adequada foi o conto de fadas. Ele descreve sua reação a esse
“casamento” de Imagens e Forma.
E, no momento em que pensei sobre isso, eu me apaixonei pela própria Forma: sua
brevidade, suas restrições severas à descrição, seu tradicionalismo flexível, sua
hostilidade inflexível a toda análise, digressão, reflexão e “conversa fiada”. Fiquei
apaixonado por ela.[4]
Lewis passa a descrever como “o Homem” nele (seu termo para a parte de
nós que avalia se devemos fazer o que nossos amores e desejos dizem para
fazermos), então, começou a funcionar. Voltarei a Lewis, o Homem, no final
desta Introdução. Por ora, pensemos com mais atenção sobre a Forma
particular que as histórias assumem.
Elas são alegorias?
Muitos leitores cristãos, ao descobrirem camadas adicionais de sentido nas
histórias narnianas, chegam imediatamente à conclusão de que as crônicas
são alegorias. Esses mesmos leitores ficariam surpresos ao saber que C. S.
Lewis negou várias vezes que suas histórias fossem alegorias. Em uma carta
a Sophia Storr, ele escreveu: “Mas elas não são, como alguns pensam, uma
alegoria”.[5] Em outro lugar, escreveu: “Você se engana quando pensa que
tudo nos livros ‘representa’ algo neste mundo. Isso acontece com O
Peregrino, mas não é assim que eu escrevo”.[6]
Lewis definiu alegoria como “uma composição (pictórica ou literária) na qual
realidades imateriais são representadas por objetos físicos simulados. Por
exemplo, a imagem de um cupido representa alegoricamente o amor erótico
(que, na realidade, é uma experiência, não um objeto que ocupa determinada
área no espaço) ou, como em Bunyan, um gigante representa o desespero”.[7]
Os dois principais componentes dessa definição são:
1. Alegorias são objetos físicos imaginados (“simulados”), e
2. Representam realidades não físicas (“imateriais”).
Ao negar que as histórias de Nárnia sejam alegorias, Lewis não nega, com
isso, o sentido cristão inerente a elas. Seu objetivo, porém, era mais nuançado
do que uma representação da realidade invisível; o recurso literário que ele
escolheu é mais apropriadamente chamado de “suposição”. Aqui estão as
palavras dele:
Eu não disse a mim mesmo “Vamos representar Jesus como ele realmente é em nosso
mundo por meio de um Leão em Nárnia”. Eu disse: “Vamos supor que houvesse uma
terra como Nárnia e que o Filho de Deus, que se tornou Homem em nosso mundo, virou
um Leão lá, e então imagine o que teria acontecido”. Se pensar direitinho, você verá que é
algo completamente diferente.[8]
Ou novamente:
Se Aslam representasse a Deidade imaterial, ele seria uma figura alegórica. Mas na
realidade ele é uma invenção dada a uma resposta imaginária à pergunta “Com o que
Cristo se pareceria se realmente houvesse um mundo como Nárnia e ele escolhesse
encarnar, morrer e ressuscitar nesse mundo, como de fato ele fez no nosso?”[9]
Essa distinção entre alegoria e suposição pode nos ajudar enquanto buscamos
ser disciplinados como verdadeiros narnianos. Embora figuras alegóricas
tornem mais concretas as realidades abstratas de nosso mundo, a ação,
contudo, acontece neste mundo. O Gigante Desespero simplesmente se torna
um nome para as nossas próprias lutas neste mundo. A ligação entre o mundo
narrativo e o mundo em que habitamos é tão estreita que nunca deixamos
verdadeiramente o nosso. (Estes comentários não devem ser entendidos como
uma crítica às alegorias, muito menos à obra-prima de Bunyan.)
Em contrapartida, uma “suposição” nos obriga a sair de nosso mundo e entrar
em outro, que é o que J. R. R. Tolkien, amigo de Lewis, descreveu como um
“mundo secundário”. Ao criar Nárnia, Lewis nos convida a deixar a nossa
própria pele para entrar na de Pedro, Susana, Edmundo e Lúcia (e depois
Caspian, Eustáquio, Jill, Shasta e os demais). Os desafios que enfrentamos
são desafios narnianos. As vitórias que conquistamos são vitórias narnianas.
Porém, nosso tempo em Nárnia não é um fim em si mesmo. Vamos até lá
para que consigamos viver melhor aqui. Ao nos tirar deste mundo, Lewis faz
com que nos tornemos algo que não éramos antes, algo maior e mais
grandioso, para que, ao retornar pelo guarda-roupa, enfrentemos nossos
Gigantes do Desespero de uma forma diferente. Para que os enfrentemos
como verdadeiros narnianos.
Os contos de fadas são adequados para crianças?
Logo, as histórias narnianas são “suposições”, um tipo de conto de fadas que
nos leva para um mundo imaginário a fim de moldar o tipo de pessoa que
somos. Se é este o caso, então devemos lidar com duas perguntas quase
opostas. Em primeiro lugar, será que os contos de fadas, com seu escapismo,
dragões e vilões, são realmente adequados para crianças? Segundo, se servem
para crianças, servem apenas para elas?
Lewis tinha ciência de que muitos consideravam os contos de fadas
inadequados até mesmo para crianças. Em “Três modos de escrever para
crianças”, ele defende os contos de fadas contra três objeções.
Objeção 1: Os contos de fadas dão às crianças uma falsa impressão do
mundo.
Pelo contrário, Lewis responde, os contos de fadas dão a elas uma impressão
realista do mundo. Na verdade, são as pretensas histórias “realistas” as mais
passíveis de enganar as crianças. “Todas as histórias em que as crianças
passam por aventuras e sucessos que são possíveis, no sentido de que não
rompem as leis da natureza, mas quase infinitamente improváveis, tendem
muito mais que os contos de fadas a criar falsas expectativas”.[10]
Objeção 2: Eles promovem escapismo nas crianças.
Lewis responde a isso destacando que tanto as histórias de fadas quanto as
realistas dedicam-se a “um mundo em que todos os desejos se realizam”.
Mas, na verdade, as histórias realistas são as mais mortais. Contos de fadas
despertam desejos nas crianças, mas a maior parte, em geral, não é um desejo
pelo mundo feérico em si mesmo. A maioria das crianças não quer realmente
que haja dragões na Inglaterra contemporânea. Pelo contrário, o desejo é pelo
que elas “não sabem o que é”. Esse desejo por “algo além” não esvazia o
mundo real, mas lhe dá uma nova dimensão de profundidade. “O menino não
despreza as florestas de verdade por ter lido sobre florestas encantadas: a
leitura torna todas as florestas de verdade um pouco encantadas”.[11]
Histórias realistas, por outro lado, são mais perigosas na medida em que
tendem a provocar ressentimento e ira. Uma criança que lê sobre um menino
que diz a verdade a despeito das dificuldades na escola e é aclamado por isso
provavelmente ficará desapontada quando ela fizer o mesmo e não receber os
mesmos elogios. Histórias sobre cenários realistas, mas altamente
improváveis, devolvem as crianças ao mundo real “com uma insatisfação
nem um pouco divina”. O menino sente-se frustrado, acreditando que as
coisas na história “teriam acontecido se o leitor tivesse a justa oportunidade”.
Objeção 3: Eles vão assustar as crianças.
Quanto a essa objeção, Lewis acredita que devemos definir cuidadosamente o
que queremos dizer com “assustar”. Se queremos dizer que não devemos
instilar “medos fantasmagóricos, debilitantes e patológicos” nas crianças,
tudo bem. O problema é que muitas vezes não sabemos o que desencadeará
essas fobias nelas (Lewis destaca que seus próprios pesadelos quando criança
se concentravam em insetos, algo que lhe veio do mundo real, não dos contos
de fadas).
No entanto, com essa objeção alguns querem dizer que “devemos tentar
manter a criança alheia ao fato de que [ela] nasceu num mundo onde há
mortes, violência, ferimentos físicos, aventura, heroísmo, covardia, onde há o
bem e o mal”. Contudo, diz Lewis, nascemos em um mundo assim, e
esconder isso das crianças é, de fato, mutilá-las. “Como é muito provável que
[as crianças] venham a encontrar inimigos cruéis, convém que pelo menos
ouçam falar de audazes cavaleiros e da coragem heroica. [...] Que venham os
reis malvados e as decapitações, as batalhas e as masmorras, os gigantes e os
dragões, e que os vilões morram todos, cabalmente, no final do livro”.[12]
De fato, Lewis argumenta que expor as crianças ao segundo tipo de medo
pode ajudá-las a vencer o primeiro tipo de fobia incapacitante.
E parece-me possível que, se você só deixar que seu filho leia histórias inocentes sobre a
vida infantil, em que nada assustador jamais acontece, além de não conseguir eliminar os
terrores, acabará por eliminar da vida dele tudo o que possa torná-los respeitáveis ou
suportáveis. Ora, nos contos de fadas, ao lado das figuras terríveis, encontramos os seres
radiantes, os eternos protetores e consoladores; e as figuras terríveis não são meramente
terríveis, mas também sublimes. Seria ótimo se nenhum menino, deitado em sua cama, ao
ouvir ou imaginar que ouviu um ruído, jamais sentisse medo. Mas, se o medo é
inevitável, é melhor que a criança pense em gigantes e dragões do que em meros ladrões.
E acho que São Jorge, ou qualquer outro paladino armado, é um consolo bem maior que a
ideia de polícia.[13]
Os contos de fadas são apenas para crianças?
Tendo estabelecido que devemos deixar (e estimular) que as crianças leiam
contos de fadas, levantamos outra questão premente agora: “Essas histórias,
com suas criaturas fantasiosas e ausência de realismo, servem apenas para
crianças? Não deveriam os adultos superar as ‘coisas de menino’?”.
Seguindo seu amigo Tolkien, Lewis notou que a associação entre contos de
fadas e crianças era um fenômeno relativamente recente e enganoso. De fato,
escreveu ele: “Inclino-me quase a afirmar como regra que uma história para
crianças de que só as crianças gostam é uma história ruim”.[14] De novo, “é
certamente minha opinião que um livro que vale a pena ser lido apenas na
infância não vale a pena ser lido”.[15]
Em resposta àqueles que consideram infantis e imaturos os adultos que amam
contos de fadas, Lewis vira o feitiço contra o feiticeiro e nos lembra de que a
obsessão em ser “adulto” é a marca da adolescência, não da maturidade.
“Quando me tornei homem, deixei para trás as coisas de menino, inclusive o
medo de ser infantil e o desejo de ser muito adulto”.[16] Crescer não significa
substituir amores antigos, mas adicionar novos. Assim, o amor por Aslam e
Nárnia não deve limitar-se a crianças, como se fosse indigno dos adultos. Na
verdade, os adultos devem ser capazes de descobrir mais coisas para amar
nas histórias (esta certamente tem sido a minha experiência) — especialmente
se o autor deseja que seus leitores sejam edificados, instruídos e disciplinados
por elas.
Lewis versus a educação moderna
Temos visto que Lewis amava contos de fadas e os considerava benéficos
tanto para crianças como para adultos. Ele teria partilhado da afirmação de
Peter Leithart sobre o poder que as histórias têm de moldar quem somos.
Existem muitos mistérios na tentativa de desvendar como a leitura molda o eu, e apenas
duas questões serão tratadas brevemente aqui: mímesis e metáfora. Mímesis, ou imitação,
é uma das realidades fundamentais na formação do eu. As crianças aprendem idioma,
costumes, gestos, criação de filhos (!) e uma miríade de outros hábitos e sentimentos com
seus pais, sem que um e outro façam muito esforço consciente para isso. E a dança da
mímesis não termina na infância: os discípulos tornam-se como os mestres, os soldados
são moldados por seus comandantes, e o jogador de basquete universitário (e muitos ex-
jogadores ruins) desejam “ser como Mike” [Michael Jordan]. É absurdo sugerir que
personagens fictícios, a quem a maioria dos leitores conhece mais intimamente que a seus
próprios pais, não tenham um efeito semelhante. Os críticos antigos partiam do
pressuposto de que a literatura, uma imitação da vida, apresenta modelos de imitação para
o leitor.[17]
Esse parágrafo pode nos fornecer uma ótima perspectiva sobre como
devemos ler as histórias de Nárnia. Não devemos começar tentando
identificar cada correspondência ou camada de sentido cristãs. Não devemos
impedir o processo de modelagem. Em vez disso (e isso é especialmente
importante ao apresentar as histórias para as crianças), devemos, primeiro,
mergulhar nas histórias enquanto histórias. Devemos aprender a viajar pelo
território narniano, mergulhar em seus mares, distinguir calormanos de
arquelandianos e entender a etiqueta dos centauros (convidar um centauro
para jantar é um negócio muito sério; eles têm dois estômagos). De fato,
devemos aprender a respirar a atmosfera narniana, uma metáfora que Lewis
usa alhures para descrever o que significa conhecer a Deus. Assim, depois de
estudarmos nossas estrelas narnianas e banquetearmos em Cair Paravel — em
outras palavras, depois de roubarmos os dragões atentos — podemos voltar a
nossa atenção para as camadas de sentido cristãs mais profundas, as texturas
da história que borbulharam da mente de Lewis.
Aliás, como Aslam diz a Lúcia em certa ocasião, “foi por isso que os levei a
Nárnia, para que, conhecendo-me um pouco aqui, venham a conhecer-me
melhor lá”.
Capítulo 1: Magia Profunda e magia ainda
mais profunda
A lei moral e o amor sacrificial
A presença da magia nas crônicas tem sido causa de preocupação entre
alguns pais cristãos. Eles se perguntam se a exposição dos seus filhos a
histórias que contêm magia despertará neles o desejo de buscar algo que a
Bíblia proíbe. Para alguns pais, essa preocupação assume a natureza de uma
convicção, e eles protegem seus filhos de qualquer ficção (incluindo as
crônicas) que retrate a magia em um sentido positivo. Até mesmo pais que
não proíbem as crônicas podem se perguntar como pensar de maneira correta
e bíblica sobre a presença da magia nas histórias de Lewis. O objetivo deste
capítulo é apresentar um breve panorama do que a Bíblia diz sobre magia e,
depois, um rápido exame do uso que Lewis faz dela em O leão, a feiticeira e
o guarda-roupa.
Em primeiro lugar, a Bíblia ensina que a magia é real. Simão, o mágico,
impressionava as pessoas em Samaria com sua mágica (Atos 8.9-11). Em
Isaías, Deus reconhece a “abundância” dos encantamentos dos feiticeiros do
Egito (Isaías 47.9). Os feiticeiros egípcios foram capazes de reproduzir os
sinais e prodígios de Moisés e Arão por meio de “ciências ocultas”: bordões
em serpentes (Êxodo 7.11-12), o rio Nilo em sangue (Êxodo 7.22) e a praga
das rãs (Êxodo 8.7). Portanto, não devemos considerar toda magia como
simples truques ou ilusões de ótica. Ela é uma característica do mundo real
que Deus fez.
Segundo, a Bíblia proíbe a feitiçaria, a prognosticação, a adivinhação e o
augúrio (Êxodo 22.18; Deuteronômio 18.19). Tais sortilégios são
frequentemente associados com outros pecados: idolatria (2 Reis 9.22;
Apocalipse 21.8); imoralidade sexual (Malaquias 3.5) e sacrifício de crianças
(2 Crônicas 33.6). A Bíblia deixa claro que os que praticam tais coisas não
herdarão o reino de Deus (Gálatas 5.19-21; Apocalipse 21.8; 22.15).
Terceiro, a despeito dessas proibições, crentes fiéis são contados entre os
magos nas cortes gentílicas. José é chamado para interpretar os sonhos de
Faraó quando os magos deste falham (Gênesis 41.8, 14-36). Daniel e seus
três amigos são contados entre os magos e encantadores da Babilônia (Daniel
1.20). Aliás, Daniel é o “chefe dos magos” (Daniel 4.9; 5.11). Como se sabe,
tanto José como Daniel são bem-sucedidos como homens sábios e magos
porque Deus lhes revela a interpretação dos sonhos e concede-lhes sabedoria
e entendimento (Gênesis 41.16; Daniel 2.28-30). Além desses homens, os
magos que trazem presentes ao bebê Jesus o fazem por causa de seu afã
astrológico em seguir a estrela de Belém (Mateus 2.1-12). A raiz semítica
magi é de onde tiramos a palavra magia.
Além disso, se adotarmos a definição padrão que os dicionários dão para
magia como “o poder aparente de influenciar o curso dos eventos mediante o
uso de forças misteriosas ou sobrenaturais”, então podemos pensar nos
milagres, sinais e prodígios como um tipo de “magia”. O embate mágico
entre Moisés e os magos do Egito indicariam isso. Um poder semelhante
ocorre em Atos 13. Elimas, o mágico, é um falso profeta judeu que se opunha
aos apóstolos e buscava desviar as pessoas da fé (Atos 13.6-8). Paulo, cheio
do Espírito, invocou o poder de Deus sobre aquele “filho do diabo” e
“inimigo de toda a justiça”, punindo-o com cegueira (Atos 13.9-11). A
diferença entre a magia negra dos magos egípcios e Elimas, de um lado, e
Moisés e Paulo, de outro, não era o que eles estavam fazendo, mas a fonte de
seu poder. De fato, o que distingue a feitiçaria, a bruxaria e a magia negra de
milagres, sinais e “magia branca” piedosos é a fonte do poder (Deus ou os
demônios) e o seu propósito (adorar o Deus verdadeiro e servir às pessoas, ou
adorar os ídolos e dominar as pessoas). Desse modo, a Bíblia está cheia de
histórias de profetas e homens de Deus fazendo o que pode ser mais bem
descrito como magia: pão mágico dos céus, machados flutuantes, andar sobre
as águas, restaurar a visão usando cuspe e lama, lenços que curam doenças,
nascimento virginal e ressurreição dos mortos.
Magia narniana
Então, de acordo com a Bíblia, o poder de influenciar o mundo usando forças
sobrenaturais (i.e., magia) é muito real. Quando usada para levar as pessoas à
idolatria e ao pecado ou para oprimir e escravizar outros, ela é proibida. Por
outro lado, quando admitimos que, em última instância, não controlamos
Deus e seu poder, e buscamos poder das mãos dele para o bem das pessoas,
os sinais e prodígios miraculosos de Deus por nosso intermédio podem ser
descritos como um tipo de magia boa.
Quando chegamos a O leão, a feiticeira e o guarda-roupa, vemos Lewis
operando dentro dessas categorias bíblicas. A magia negra é claramente
manifesta no encanto que a Feiticeira impôs sobre Nárnia: “Foi ela quem
encantou as terras de Nárnia, para que aqui seja sempre inverno, e o Natal
não chegue nunca” (Cap. 4). A Feiticeira invocou o encantado e viciante
manjar turco de uma pequena garrafa, e com sua vara ela era capaz de
transformar as pessoas em estátuas de pedra.
Ao mesmo tempo, há um tipo de magia branca nas histórias: um guarda-
roupa mágico que serve como um portal para outro mundo, assim como uma
“magia” na casa que despertou e atraiu as crianças para dentro de Nárnia
(Cap. 5). Essa magia é misteriosa e está além do controle das crianças; elas
não conseguem entrar em Nárnia a seu bel prazer.
Além dessa magia geral, há a magia de Aslam que desfaz o encantamento.
Quando ele está a caminho, a magia da Feiticeira enfraquece e o Papai Noel
consegue entrar em Nárnia (Cap. 10). A chegada de Aslam põe fim ao feitiço
escravizador da Feiticeira e estabelece o início feliz da primavera. Aslam
devolve a vida às estátuas de pedra por meio de seu sopro poderoso e
vivificante.
Portanto, em Nárnia, assim como no mundo real, há a magia negra, que
escraviza e oprime as pessoas, e a magia branca, que as liberta e restaura.
Magia negra é exercer o poder sobre o outro a fim de feri-lo. Magia branca é
exercer, sob a autoridade divina, poder para o bem do outro. Mas existem,
ainda, outras formas de magia em Nárnia, que Lewis emprega para nos
ensinar algo profundo sobre o nosso mundo.
Triunfa a magia ainda mais profunda
Após o exército de Aslam resgatar Edmundo da Feiticeira Branca, esta se
aproxima do leão e identifica Edmundo como um traidor que legalmente lhe
pertence e que deve ser condenado à morte por traição (Cap. 13). Ela baseia
sua reivindicação na Magia Profunda, que está escrita na Mesa de Pedra e
“gravada no cetro do Imperador de Além-Mar”, a magia que o imperador
colocou em Nárnia desde o princípio. A Magia Profunda é a lei do imperador,
a expressão do seu caráter, e conservá-la é essencial para a existência e
integridade de Nárnia. A própria sugestão de que Aslam enfrenta a magia do
imperador é recebida por ele com um cenho carregado e assustador, e
“ninguém mais tocou naquele assunto”.
Para Lewis, a Magia Profunda é a lei moral — aquilo que em A abolição do
homem ele chama de Tao —, a estrutura moral fundamental sobre a qual o
universo está baseado. Ela é um reflexo da ordem harmoniosa do próprio
Deus, os muros em torno da Cidade que tornam a vida dentro dela possível.
Como G. K. Chesterton nos lembrou, ordem e estrutura existem no mundo
para que coisas boas possam correr livres.
Porém, neste caso (adaptando o que diz o apóstolo Paulo), a Magia Profunda
que prometia vida provou-se morte para Edmundo. Ou, ao menos, assim
pareceu. No entanto, embora Aslam não enfrente a magia do Imperador de
Além-Mar, nem tudo está perdido para o jovenzinho condenado. Aslam
apresenta um caminho melhor e mais difícil. Pois, conquanto a Magia
Profunda exija sangue pela traição, ela também permite substitutos, e Aslam
voluntariamente se entrega no lugar de Edmundo para que a Feiticeira
abdique de seu direito pelo garoto e mate Aslam em seu lugar. Assim, a
Magia Profunda é cumprida.
Mas nem mesmo essa Magia Profunda exaure a visão de Lewis sobre o
mundo. Há, ainda, uma magia ainda mais profunda, e ela surge com o
amanhecer seguinte ao sacrifício de Aslam. A Mesa de Pedra se parte em
dois, e o corpo de Aslam não está mais lá.
— Mas que coisa é essa? Ainda será magia?
— Magia, sim! — disse uma voz forte, pertinho delas. — Ainda é magia. […] A feiticeira
pode conhecer a Magia Profunda, mas não sabe que há outra magia ainda mais profunda.
O que ela sabe não vai além da aurora do tempo. Mas, se tivesse sido capaz de ver um
pouco mais longe, de penetrar na escuridão e no silêncio que reinam antes da aurora do
tempo, teria aprendido outro sortilégio. Saberia que, se uma vítima voluntária, inocente
de traição, fosse executada no lugar de um traidor, a mesa estalaria e a própria morte
começaria a andar para trás. (Cap. 15)
Para que não pensemos que o ponto aqui são as festas intermináveis e as
opulentas demonstrações de prazer, os castores oferecem às crianças uma
refeição simples com peixe fresco, batatas amanteigadas, leite cremoso e
rocamboles. Depois disso, todos se encostam na parede e dão um “profundo
suspiro de satisfação” (Cap. 7). O ponto não é o tamanho ou o custo da
refeição, mas a atitude e a maneira como a recebemos.
Deleitando-se, como tem que ser
Não posso falar por todos, mas respirar esse tipo de atmosfera narniana tem
um efeito especial sobre mim, e penso que Lewis o planejou. Para começar,
as descrições que ele faz da comida tendem a me deixar com fome (apesar de
ter experimentado manjar turco, não vi graça; o fato de Edmundo solicitá-lo
é, para mim, um sinal de que ele já está inclinado para o lado da Feiticeira).
Porém, mais do que despertar a minha fome, respirar a atmosfera narniana
desperta o desejo de um tipo particular de refeição, uma com comida
apetitosa, conversa agradável, muita alegria, risos, folia e planos sobre como
derrotar a Feiticeira Branca.
Essa atmosfera faz-me comer o meu pão com alegria e beber meu vinho com
um coração contente, pois Deus o aprova (Eclesiastes 9.7). Ela faz-me querer
guardar meu coração contra a glutonaria e a avareza. Faz-me querer viver
para que os que têm corações secos e mentes geladas me acusem de
permissividade e desperdício. Ela também faz-me querer viver para que as
acusações sejam falsas.
Faz-me querer prestar atenção aos momentos de refeição, tanto à comida no
meu prato como aos amigos ao redor da mesa. Faz-me querer aproveitar
festanças em ocasiões apropriadas, comer refeições simples como se elas
importassem (porque importam), e ensinar a meus filhos, pelo exemplo, o
significado da diversão (dica: dançar é necessário).
A verdade gloriosa é que a visão lewisiana sobre festejar durante o inverno,
glorificar na primavera e resistir à monotonia sedutora do mundo da
Feiticeira não é apenas um conto de fadas, mas a maneira como o mundo
realmente é. Rios congelados derretidos e estátuas de pedra começaram a
reviver. O Filho do Homem veio comendo e bebendo, transformando água
em vinho como por magia e multiplicando pães e peixes num monte relvado.
Acusado de glutonaria e permissividade, ele resistiu ao escárnio e violência
de homens com gelo em suas veias. Morrendo por aqueles que se deliciavam
com a comida da Feiticeira, quebrou sua própria Mesa de Pedra e está, agora,
expulsando os ímpios e arrogantes para que os mansos possam herdar a terra
e assentar-se em tronos na grande ceia das bodas. Porque Jesus, como Aslam,
é Senhor da Festa.
Capítulo 3: Seremos quem estamos nos
tornando
Nossa direção determina nosso destino
Um tema recorrente em todos os livros de Nárnia é o relacionamento entre
nosso caráter e nossas ações, entre o tipo de pessoa que somos e a forma
como respondemos às nossas circunstâncias. De modo simples, quem você é
determina o que você ouve, como você pensa, como reage à tentação e ao
fracasso, como se porta diante de situações desagradáveis e como responde à
beleza e à glória. Ou, colocando em termos mais bíblicos, é do coração que
flui o que a boca fala, a mente pensa e o coração sente.
Edmundo em nosso mundo
Em O leão, a feiticeira e o guarda-roupa, Edmundo é um exemplo perfeito
dessa verdade. Quando o encontramos pela primeira vez, ele está cansado e
mal-humorado, resistindo ao incentivo de sua irmã mais velha para ir para a
cama. “Que direito você tem de me mandar dormir? Vá dormir você, se
quiser” (Cap. 1). Mais tarde, após Lúcia retornar de Nárnia e os outros não
acreditarem nela, somos informados de que “Edmundo costumava bancar o
mau”, e que “zombava de Lúcia, chateando-a o tempo todo”. Quando a vê
entrando no guarda-roupa, ele a segue “porque tinha vontade de continuar a
chateá-la com o seu mundo imaginário” (Cap. 3).
Ao entrar em Nárnia e descobrir que Lúcia está certa, ele grita um pedido de
desculpas para ela (que não está em canto algum que possa ser encontrada), e
ao ver que ela não responde, Edmundo mostra sua falta de sinceridade ao
dizer para si mesmo “Isso é mesmo coisa de menina. Embirrada num canto
por aí, não querendo aceitar minhas desculpas”. Quando, por fim, ele a
encontra, ele novamente fornece um exemplo perfeito de como não pedir
desculpas: “Pois é, vejo que você tinha razão: afinal o guarda-roupa é mesmo
mágico. [Posso pedir desculpas, se você quiser][21] (Cap. 4). Em ambos os
casos, suas desculpas não são orientadas por um arrependimento genuíno,
mas por um débil senso de obrigação e um desejo de salvar as aparências. É
somente como muita relutância que Edmundo, como veremos, busca perdão e
reconciliação.
Adiante, quando os dois retornam de Nárnia, Edmundo faz uma das coisas
“mais terríveis desta história”.
Até aquele instante, Edmundo tinha-se sentido maldisposto, mal-humorado, aborrecido
com Lúcia, porque ela estava certa: mas não tinha resolvido o que fazer. Porém, diante da
pergunta de Pedro, decidiu fazer a coisa mais mesquinha e mais ordinária de que se
poderia ter lembrado. Decidiu humilhar Lúcia. (Cap. 5)
Quando ouve que soprar a trompa também vai exigir que se enviem
mensageiros aos antigos lugares de Nárnia para esperar a ajuda, ele fica ainda
mais desdenhoso, uma vez que a “palhaçada” mágica custará ao exército dois
soldados. Então faz algo notável e totalmente inesperado. Ele se oferece
como um dos mensageiros.
— [...] Se quer que eu seja o mensageiro, Real Senhor, estou pronto para partir.
— Mas, Trumpkin, pensei que você não acreditava na trompa... — disse Caspian.
— E não acredito mesmo! Mas o que uma coisa tem a ver com a outra? Sei quando se
trata de dar um conselho ou de receber uma ordem. (Cap. 7)
“Quando explicasse algo, ela não aboliria esse algo”. “Os seus seguidores não
usariam livremente os termos somente e meramente”. É essa lição que
Eustáquio aprende em seu diálogo com Ramandu.
— Há muito que as vi — respondeu o velho. — Mas de uma grande altura. Não posso
lhes contar nada que tenha valor para os navegantes.
— Quer dizer que voou? — interrompeu Eustáquio.
— Estive muito acima do ar, meu filho. Sou Ramandu. Mas vejo que se entreolham
admirados e percebo que nunca ouviram este nome. Não é para menos, pois quando
deixei de ser estrela vocês ainda não existiam, e depois disso todas as constelações
mudaram.
— Caramba! — disse Edmundo entre os dentes. — É uma estrela aposentada.
— Não é mais uma estrela? — perguntou Lúcia.
— Sou uma estrela em repouso, minha filha. Quando era uma estrela velha e decrépita, a
tal ponto que vocês nem podem imaginar, trouxeram-me para esta ilha. Agora não sou tão
velho quanto antes. Todas as manhãs uma ave traz para mim um fruto de fogo dos vales
do Sol, e cada um desses frutos tira um pouco da minha idade. Quando estiver jovem
feito uma criança que tivesse nascido ontem, subirei de novo e, uma vez mais, entrarei na
grande dança do espaço.
— No nosso mundo — disse o judicioso Eustáquio — uma estrela é uma enorme bola de
gás inflamável.
— No nosso também, meu filho, mas isso é de que uma estrela é feita, não o que ela é.
(Cap. 14)
Em Nárnia, uma estrela é mais do que uma bola de gás inflamável. Estrelas
podem parecer como homens velhos ou princesas lindas. Podem se aposentar
por um período antes de se juntarem ao cortejo celestial. Aparentemente
podem cometer erros e ser punidas e restauradas. E, de acordo com Ramandu
(e Lewis), algo assim também é verdade em nosso mundo. Sim, estrelas de
fato são feitas de gás inflamável, queimando brilhantemente no firmamento
distante. Mas até mesmo as estrelas de nosso mundo transcendem suas
propriedades físicas.
Estrelas são de fato mais do que bolas de gás?
Para mim, a frase de Ramandu é enigmática e sugestiva, e levanta questões
assombrosas em meu coração e mente. Ela me leva a perguntar: “Se uma
estrela é mais do que uma bola de gás, então o que ela é?”. De modo
surpreendente, talvez, o leitor da Escritura descubra que nossas estrelas
podem ser mais como estrelas narnianas do que imaginávamos. Aqui estão
alguns indícios sugestivos.
No livro de Juízes, Débora e Baraque cantam um hino de guerra, celebrando
a vitória de Deus sobre o rei cananeu Sísera. Um dos versos da canção diz o
seguinte: “Lá do céu as estrelas lutaram; desde os lugares dos seus cursos
lutaram contra Sísera” (Juízes 5.20). Uma metáfora? Talvez. Mas nem
mesmo metáforas devem ser rotuladas com palavras como “só” e
“meramente”, como se fossem de alguma forma “inferiores” ao discurso não
metafórico. As metáforas bíblicas não são meramente meios criativos de se
comunicar; elas são profunda e fundamentalmente verdadeiras, analogias
divinamente concebidas para nos habilitar a entender mais plenamente Deus e
seu mundo. Então, no mínimo, não as denigramos nem as menosprezemos
como inferiores a nós em nossa era científica e “iluminada”. Descrever coisas
usando múltiplas metáforas e analogias é, em muitos casos, um modo bem
superior de entender algo de verdade, em vez de tentar eliminar todas as
características valendo-se de definições reducionistas. E, no caso de Sísera,
devemos também estar abertos à possibilidade de que o verso de Débora seja
muito mais história do que poesia.
Ainda mais provocativas são passagens como Jó 38.7, na qual “as estrelas da
alva, juntas, alegremente cantavam, e todos os filhos de Deus gritavam de
alegria” sobre o ato divino da criação (Lewis retrata uma versão narniana
dessa cena em O sobrinho do mago). Antes, no livro de Jó, os filhos de Deus
e Satanás se apresentam perante Deus no céu (Jó 2.6). Assim, parece
provável que as estrelas da alva e os filhos de Deus em Jó 38 sejam seres
angelicais. Essa identificação entre estrelas e anjos se encaixa na visão
celestial que Micaías tem em 1 Reis 22.19, na qual o profeta vê o Senhor em
seu trono “e todo o exército do céu estava junto dele, à sua direita e à sua
esquerda”. No Antigo Testamento, o “exército do céu” é uma designação
comum para estrelas e planetas (Deuteronômio 4.19; 17.3; Jeremias 8.2;
33.22; Neemias 9.6), mas também inclui os falsos deuses adorados pelas
nações (Isaías 24.21; 2 Reis 16.16; 21.3). No livro de Apocalipse, o dragão
arrasta um terço das estrelas do céu e as lança na terra (Apocalipse 12.4).
Portanto, a Bíblia novamente associa as estrelas a seres angelicais, neste caso
com anjos caídos que seguiram o diabo em sua rebelião.
Por fim, alguns estudiosos da Bíblia argumentam que a estrela de Belém é
mais bem entendida como um ser angelical que veio guiar os magos até a
casa onde Jesus estava (perceba que a estrela “chegando, parou sobre onde o
menino estava” [Mateus 2.9], o que é um feito notável se considerarmos que
ela é apenas uma bola de gás inflamável a anos-luz de distância). De modo
semelhante, quando o anjo anuncia o nascimento de Jesus aos pastores em
Lucas 2.9-12, ele se junta imediatamente a “uma multidão do exército
celestial” que canta louvores a Deus antes de “se afastarem deles e voltarem
para o céu” (Lucas 2.13-15). Talvez, como Ramandu, estrelas angelicais
sejam capazes de aparecer na terra em uma forma humana e depois retornar
para suas esferas resplandecentes de hidrogênio e hélio.
Abrindo-nos para mistérios maravilhosos
O ponto deste breve e sugestivo estudo bíblico é ecoar e afirmar a sabedoria
de Ramandu e instilar-nos a verdade de que o “nada-mais-queísmo” é
antibíblico e antinarniano. De qualquer modo, exploremos o mundo físico e
material, de maneira sábia e fiel, usando as ferramentas da ciência para
descobrir como o mundo funciona. Mas nunca sejamos presas do
reducionismo sedutor que explica as maravilhas do mundo de Deus.
Resistamos com todas as forças do nosso ser à banalidade de restringir a
realidade às coisas que podemos pesar e mensurar com nossos instrumentos
sofisticados.
Em vez disso, leiamos nossas histórias de fadas e aprendamos com elas,
como fez Chesterton. “Esses contos dizem que as maçãs eram douradas
apenas para relembrar o momento esquecido em que descobrimos que elas
eram verdes. Fazem os rios correr cheios de vinho só para que nos
lembremos, por um momento irrefletido, de que eles correm cheios de água”.
[27]
Ou novamente:
As únicas palavras que sempre me satisfizeram como descrições da natureza são os
termos usados nos contos de fada, “sortilégio”, “feitiço”, “encantamento”. Eles
expressam a arbitrariedade do fato e do mistério. Uma árvore dá frutos porque é uma
árvore mágica. A água corre morro abaixo porque está enfeitiçada. O sol brilha porque
está enfeitiçado.[28]
Pois isto também é o que significa ser um narniano. Significa saudar o mundo
da forma como saudaríamos uma estrela aposentada, ou decidir vê-lo como
Clyde Kilby, estudioso de Lewis, viu:
Está decidido:
1. Pelo menos uma vez ao dia vou olhar firmemente para o céu e lembrar que eu, um ser
pensante com uma consciência, estou em um planeta viajando pelo espaço com coisas
maravilhosamente misteriosas acima e em torno de mim.
[...]
6. Vou abrir meus olhos e ouvidos. Uma vez ao dia vou ficar apenas fitando uma árvore,
uma flor, uma nuvem ou uma pessoa. Não vou me preocupar nem um pouco em
perguntar o que elas são, mas apenas me alegrar em que elas sejam. Com alegria vou lhes
permitir o mistério daquilo que C. S. Lewis chama de sua existência “divina, mágica,
aterrorizante e extasiante”.
7. Às vezes vou recuperar o frescor da visão que tive na infância e tentar, ao menos por
um tempinho, ser, nas palavras de Lewis Carroll, a “criança pura, de olhar
despreocupado, e rosto sonhador de maravilhas”.[29]
Capítulo 7: Depois das trevas, luz
Vendo todas as coisas pela luz do Leão
Lewis foi um homem familiarizado com as trevas. Mais importante (e
trágico) ainda, essa familiaridade começou quando era criança. Sua mãe
morreu quando ele tinha nove anos, e esse evento o marcaria pelo resto da
vida. Na infância, Lewis sofreu de pesadelos noturnos, que ele chamava de
“um inferno particular”, e, portanto, era suscetível ao perigo de despertar
terror em crianças. Sobreviveu às trincheiras da França durante a Primeira
Guerra Mundial (embora tenha ficado ferido na batalha). Seu amigo íntimo
Paddle Moore não teve a mesma sorte. Mais tarde, Lewis perderia a sua
amada esposa Joy para o câncer (ele recorda sua luta com as trevas de sua
perda em A anatomia de uma dor). E, naturalmente, além das trevas da dor e
da perda estavam as trevas do pecado interior, esse “lagarto vermelho” que
nos tenta, nos combate e, por fim, nos destrói.[30]
Mais do que as trevas, porém, Lewis conheceu a Luz (ou, antes, foi
conhecido por ela). Seus olhos cegos foram abertos para que conseguisse ver
a luz do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo. Ele abraçou a
verdade de que “a luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram
contra ela” (João 1.5). Luz e Visão. É disso que trata A viagem do Peregrino
da Alvorada.
Dissipando as trevas com a luz de Aslam
Em primeiro lugar, a história toda é uma jornada para o leste, em direção ao
sol sempre crescente. Conforme se aproximam do Leste absoluto, os
personagens só conseguem suportar o brilho do sol porque bebem da água
doce do Mar Derradeiro. “Água potável” é como a chamam. Ela não apenas
lhes dá olhos de águia para verem o brilho do sol em todo seu esplendor, mas
faz com que eles mesmos brilhem (“suas próprias faces e corpos, tudo
resplandecia”, Cap. 15).
No entanto, a importância da Luz na história vai além da direção do bote e
dos raios do sol. O cerne da história está na crescente capacidade dos
personagens de verem luz na Luz de Aslam, de terem suas trevas dissipadas
pelo esplendor do grande Leão — não apenas para ver Aslam, mas para, a
partir dele, ver tudo o mais.
O exemplo mais óbvio do poder de Aslam de iluminar as trevas é o resgate
do lorde Rupe da Ilha Negra. A ilha onde os sonhos se tornam realidade não é
nenhum paraíso; é um pesadelo sem fim. Quando a tripulação percebeu o
significado da insistência do lorde Rupe de que sonhos — não devaneios,
mas sonhos de verdade — se tornam reais na ilha,
houve um minuto de silêncio. Depois, com um grande chocalhar de armaduras, toda a
tripulação correu pelas escadas e se atirou aos remos com toda a energia.
Drinian fez rodopiar o leme, e o contramestre aumentou o ritmo das remadas. Tinham
levado meio minuto lembrando certos sonhos que haviam tido, sonhos que nos fazem ter
medo de dormir outra vez... e imaginando o que seria estar num país onde esses sonhos se
tornassem realidade. (Cap. 12)
Longe está a rejeição fácil e quase irreverente da Ilha Negra e seus pesadelos.
Os terrores da noite não devem ser rejeitados com tanta facilidade. No
entanto, a alegria de acordar, a alegria da manhã, é quase suficiente para fazer
o pesadelo digno dela. Além disso, os efeitos de tais terrores podem persistir
durante o dia, mesmo que se tornem cada vez menores à medida que nos
afastamos deles.
Em ambos os casos, a Luz de Aslam é a causa de nossa libertação. Por causa
dele, não precisamos temer o terror noturno, nem a flecha que voa de dia,
nem a peste que se propaga nas trevas nem a mortandade que assola ao meio-
dia.
O poder da Luz do Leão em matar o pecado
Mas a Luz de Aslam não liberta só dos pesadelos e ilhas negras. Aslam, com
o luar brilhando em torno de si numa noite sem lua, desfaz o dragão em um
jovenzinho insuportável (Cap. 7). A visão do enorme leão, “brilhando como
se estivesse à luz do sol e não no crepúsculo”, liberta Edmundo e Caspian da
ganância e da disputa mortal nas Ilhas das Águas de Ouro (Cap. 8). Ver o
rosto radiante e o rugido de Aslam no livro mágico mata a vaidade e o desejo
cobiçoso de Lúcia por beleza física (Cap. 10). E o rosto dourado do Leão
censura e humilha a teimosia e o orgulho de Caspian, que, com uma postura
digna do seu tio Miraz, tentou abandonar seu posto de rei em busca de
aventuras particulares (Cap. 16).
Em todos esses exemplos, a visão do Leão Radiante e Resplandecente produz
arrependimento e restauração, dissipando as trevas do pecado e da
desobediência. Em Aslam está a Luz, e a sua luz é a luz dos homens,
resplandecendo nas trevas, impossível de ser vencida. Como Jesus, ele é a
Luz do Mundo, e em outro belo trecho dos escritos do apóstolo João, o
Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo, o Leão de Judá, que espalha
luz de sua juba, aquele que, com uma simples frase, responde a Edmundo
quando este pergunta se ele também está em nosso mundo:
“Estou”.
Capítulo 8: Pais, educratas e burocratas
O ataque sutil de Lewis contra o Progressismo
Alguns aspectos do discipulado narniano são óbvios, como o valor da
coragem e do sacrifício. Outros são mais sutis. Um dos objetivos mais sutis
de Lewis parece ser nos treinar (especialmente as crianças) para desconfiar
dos mitos modernos, particularmente o mito moderno do progresso. Central a
esse mito é o desenvolvimentismo, a aplicação da teoria da evolução a todas
as esferas da vida — física, social, política e religiosa — para que tudo não
esteja apenas mudando, mas eternamente se aperfeiçoando. O Mito do
Progresso rejeita a “moral tradicional”, a “razão prática” e a “lei natural” (que
Lewis às vezes chama de Tao) por julgá-las velhas e antiquadas. Em seu
lugar, o progresso erige a ciência (ou, mais precisamente, o cientificismo), o
estatismo e a teoria humanitária da condenação.
A tirania da teoria humanitária da condenação
A teoria humanitária da condenação abole as noções tradicionais de “castigo”
e “justiça retributiva” em favor da punição como dissuasão e cura. O crime é
visto em termos patológicos, uma doença que precisa de correção, em vez de
um ato mau que precisa de punição simplesmente. Essa perspectiva da
punição tem aparência de misericórdia, mas, na verdade, é completamente
falsa.
[...] a teoria humanitária deseja simplesmente abolir a justiça e substituí-la por
misericórdia. Isso significa ser “gentil” com as pessoas antes mesmo de considerar os
direitos delas e forçar-lhes supostas gentilezas que ninguém mais reconhece como
gentilezas — consideradas, na verdade, como crueldades abomináveis por quem as
recebe. É passar dos limites. A misericórdia desprovida de justiça deixa de ser
misericordiosa.[33]
Essa passagem encontra eco na descrição dos quatro grandes reis e rainhas de
Nárnia em O leão, a feiticeira e o guarda-roupa. O reinado de Pedro, Susana,
Edmundo e Lúcia foi longo e feliz, e uma das principais características que
Lewis salienta é que eles “fizeram leis justas, mantiveram a paz, [...]
acabaram com todos os importunos e intrometidos... as criaturas chatas. E
deram força para as pessoas comuns, que só querem viver e deixar que os
outros também vivam” (O leão, a feiticeira e o guarda-roupa, Cap. 17).
Na família Mísero, no Colégio Experimental e em Gumpas vemos a anti-
Nárnia, a alternativa distorcida que nos incita a buscar uma visão cristã mais
plena e robusta da família, da educação e da sociedade. A questão, para nós, é
se as crianças que leem Nárnia nos reconhecerão nos Míseros ou nos
Pevensie, no Colégio Experimental ou no Dr. Cornelius, em Gumpas ou no
lorde Bern. Pois viver como um narniano não é assunto da esfera individual;
nossas famílias, escolas, igrejas e comunidades também devem refletir a
nobreza, a liberdade, a ordem e a beleza de Aslam e seu povo.
Capítulo 9: Quebrando encantamentos com
paulama queimado
Defendendo a fé contra as fábulas modernas
Um dos feitos mais impressionantes dos livros de Nárnia é a habilidade de
Lewis de incorporar com perfeição argumentos de suas obras apologéticas
em todas as histórias. Um exemplo óbvio é a fala do professor Kirke
arrazoando sobre Lúcia em seu diálogo com Pedro e Susana em O leão, a
feiticeira e o guarda-roupa. Os irmãos mais velhos de Lúcia não acreditavam
que ela havia estado em Nárnia, e Edmundo, que esteve com ela depois, diz
que eles estavam apenas brincando. A reação infeliz de Lúcia leva os mais
velhos a concluírem que ela podia ter enlouquecido, então discutem o assunto
com o professor. Ouvindo que Lúcia geralmente fala a verdade e observando
que ela claramente não está louca, o professor choca as crianças com algumas
palavras surpreendentes.
— Lógica! — disse o professor para si mesmo. — Por que não ensinam mais lógica nas
escolas? — E dirigindo-se aos meninos declarou: — Só há três possibilidades: ou Lúcia
está mentindo; ou está louca; ou está falando a verdade. Ora, vocês sabem que ela não
costuma mentir, e é evidente que não está louca. Por isso, enquanto não houver provas em
contrário, temos de admitir que está falando a verdade. (Cap. 5)
Por fim, alguém pode achar que o argumento de Brejeiro faz concessões
demais, que é basicamente um salto no escuro, uma propensão a crer numa
fábula qualquer, embora falsa, desde que faça com que nos sintamos
confortáveis por dentro. Lewis, no entanto, rejeita tais racionalizações por
toda parte de seus escritos. “Se o cristianismo for falso, nenhum homem
sincero desejará crer nele, por mais proveitoso que seja; se for verdadeiro,
todos os homens sinceros desejarão crer, mesmo que ele não os ajude de
modo algum”.[48]
Como sabemos que Brejeiro é “um paulama honesto” (Rilian o chamou assim
imediatamente antes do discurso dele), então podemos concluir com
segurança que ele não está se apegando a Aslam enquanto concorda com a
feiticeira em que tudo isso é sem sentido. Em vez disso, ele está apresentando
um exemplo fantástico de como lembrar nas trevas o que conhecemos na luz.
Nárnia é real, e Brejeiro vivera a vida toda lá. Ele de fato tinha visto um céu
cheio de estrelas, o sol nascendo no mar e sumindo atrás das montanhas ao
cair da noite. Sua confissão sincera e obediente não é um salto cego, mas um
profundo compromisso com sua própria experiência da verdade do Mundo de
Cima, Nárnia e Aslam. Dessa forma, Brejeiro é um modelo para todos os
verdadeiros narnianos (e todos os cristãos verdadeiros) e demonstra, de
maneira bela, a verdade das palavras do Fitafuso ao seu sobrinho demoníaco:
Nunca a nossa causa corre tanto perigo como quando um humano que não deseja mais,
mas ainda assim tenciona fazer a vontade do nosso Inimigo, perscruta um universo do
qual Ele parece ter desaparecido sem deixar rastro, e pergunta por que foi abandonado, e
ainda obedece.[49]
Capítulo 10: A difícil lição de Shasta
Recebendo a recompensa por um trabalho bem feito
Como professor universitário numa pequena faculdade cujos valores centrais
incluem mentoria intencional e discipulado, com regularidade me pego
conversando com alunos sobre suas jornadas espirituais e planos para o
futuro. Quando ouço suas lutas, um refrão comum é a confusão que muitas
vezes se estabelece quando um período de espiritualidade seca resulta num
tempo de enorme crescimento.
A história básica é incrivelmente consistente: Deus os domina de um jeito
inesperado e transformador, e eles começam a crescer em graça com uma
rapidez surpreendente. As Escrituras ganham vida de maneira nova e
empolgante à medida que Deus começa a conformar suas almas à imagem do
seu Filho. A leitura da Bíblia e as orações acontecem quase naturalmente,
com grande deleite em vez de senso de obrigação, e a busca por santidade é
tão natural quanto respirar.
Inevitavelmente, a história muda de lado, mergulhando-os no vale das
sombras. A vitalidade espiritual seca, o zelo pelas Escrituras e pela oração
enfraquece e a santidade começa a parecer-se com o trabalho de Adão fora do
jardim, com o solo resistindo bravamente a todos os esforços de cultivá-lo. É
nesses momentos que eles normalmente vão até meu escritório, em busca de
esperança e ajuda para recuperar a alegria da salvação.
Em quase todos os casos, a principal luta é a mesma: O que eu fiz de errado
que me jogou neste fosso? O contraste entre a alegria ilimitada de sua antiga
experiência e o frustrante abatimento de sua presente condição leva-os a
supor o cometimento de algum pecado grave que levou Deus a remover-lhes
a sensação de sua presença. A sequidão e o cansaço espirituais e o torpor que
beira a depressão — seguramente esses são sinais do castigo e desprazer de
Deus.
Um estímulo doloroso e desconcertante
Ao me deparar com um aluno nesse estado, descobri que algumas sondagens
e apuração de fatos estão em ordem. Quero primeiro determinar se eles de
fato caíram em pecado grosseiro; nesse caso, sua forte sequidão é
provavelmente a obra disciplinadora de Deus, e o remédio adequado se
encontra na confissão e no arrependimento. No entanto, se o que eles estão
experimentando é sobretudo a tentação intensa de pecar, se se veem lutando
muito para resistir a ela e é essa a luta crescente que está ligada à sua atual
angústia, então geralmente volto à mesma sabedoria que me encorajou em
situações semelhantes.
Olho para o aluno confuso e em crise no meu gabinete e digo: “Parabéns.
Você foi promovido”.
Isso me leva à minha história narniana favorita: O cavalo e seu menino. Ela
tornou-se a minha favorita por uma variedade de razões, algumas das quais
ficarão evidentes nos capítulos seguintes. Mas uma razão principal é que me
vejo voltando a ela repetidas vezes em matéria de aconselhamento e
discipulado como uma forma de ajudar cristãos em crise a buscar a graça de
Deus e a continuar lutando o bom combate.
Após meus parabéns deparo com um olhar confuso e ligeiramente perplexo, e
então cito (ou parafraseio) de memória a seguinte passagem de O cavalo e
seu menino:
[Shasta] ainda não aprendera que a recompensa de uma boa ação é geralmente ter de fazer
uma outra boa ação, mais difícil e melhor. (Cap. 10)
A outra missão, mais difícil e melhor
Na história, Shasta e seus amigos acabaram de atravessar o deserto sufocante
com pouca comida, água e tudo o mais. A missão deles é advertir o rei Luna
da Arquelândia acerca do ataque iminente de Rabadash e seus dois mil
soldados calormanos. Depois de mal chegarem ao rio no desfiladeiro e
desmaiarem de exaustão, os quatro mensageiros (Shasta, Aravis, Bri e Huin)
se levantam e descobrem que Rabadash está mais perto do que eles
pensavam, e vão correndo até o rei Luna.
Em meio à cavalgada, um leão solta um rugido e começa a persegui-los,
complicando a já difícil tarefa do grupo ao infligir-lhes o medo de ser
comidos. Enquanto estão sendo perseguidos, Shasta pensa consigo mesmo:
“Não é justo! Achei que aqui estaríamos a salvo de leões”. O leão se
aproxima de Huin e Aravis, e Shasta, num instante de bravura instintiva, salta
de Bri e corre desarmado em direção ao leão, gritando “Vai para casa! Já para
casa!”. Surpreendentemente, suas palavras surtem o efeito desejado, e o leão
para de persegui-los após ferir Aravis.
Shasta dá meia-volta e corre até o portão do Eremita da Fronteira Sul,[50] onde
os cavalos e Aravis haviam desmoronado exaustos. O eremita cuida das
feridas de Aravis, ajuda-a a descer do cavalo e então diz a Shasta:
Não perca tempo com perguntas, meu filho. Obedeça. Esta senhorita está ferida. Seus
cavalos estão extenuados. Neste momento Rabadash está encontrando um vau no Flecha
Sinuosa. Se correr agora, sem parar para descansar, chegará a tempo de advertir o rei
Luna. (Cap. 10)
Essas não são meras palavras para o rei. Quando os portões de Anvar se
abrem durante a batalha com Rabadash, o rei Luna é o primeiro a sair para
enfrentar o inimigo. Ele sabe, no fundo do coração, que ser líder implica o
privilégio de morrer primeiro. Realeza e liderança, como nos mostram tanto
Aslam como Jesus, dizem respeito a amor e sacrifício, a negar
completamente a si mesmo por amor daqueles que estão sob os nossos
cuidados, ainda que resulte em morte.
Luna é um homem familiarizado com a dor e o sofrimento, que perdeu um
filho e uma esposa em algum momento do passado. Apesar dessas perdas
trágicas — que, dada a sua clara afeição por seus entes amados, sem dúvida
deixaram um buraco no coração grandioso do rei —, ele não é devorado pela
amargura, ressentimento ou pesar. Ele ainda é jovial, gentil, sábio, criterioso,
ativo, alerta, de olhos brilhantes e duro na queda.
Para mim, o rei Luna é um modelo, um maravilhoso retrato do que significa
ser um rei narniano e, portanto, do que significa ser um homem cristão. Volta
e meia me vejo citando sua descrição régia quando me dirijo a homens
universitários que estão tentando descobrir o chamado de Deus para as suas
vidas. Posso facilmente levar-me às lágrimas pensando em meus próprios
filhos e no quanto desejo ser para eles — e, portanto, que eles sejam — um
homem como o rei Luna da Arquelândia: estável e seguro, sacrificial e
generoso, corajoso e valente, de grande coração e grande alma, um homem
que conheceu a dor, mas que, com a profunda confiança de alguém cujos pés
estão solidamente firmados em uma rocha, ainda se ri do tempo que está por
vir.
Capítulo 13: Conte-me as suas tristezas
Buscando cura por meio de finais felizes
Como pai de dois meninos, uma das passagens mais comoventes das crônicas
encontra-se no Capítulo 11 de O cavalo e seu menino.
Shasta, Aravis e os dois cavalos haviam atravessado o deserto para alertar o
rei Luna. O leão os perseguiu e feriu Aravis, e Shasta aprendeu a difícil lição
de que a recompensa pela obediência é receber outra missão mais difícil. Ele
correu pelos montes e vales, encontrando o rei Luna e seu grupo de caçada, e
o alertou do ataque iminente de Rabadash. Os arquelandianos correm de volta
para o seu castelo, e Shasta fica para trás porque não sabe direito como
montar e conduzir um cavalo. Então, é forçado a sair da estrada pela cavalaria
de Rabadash e percebe que não pode chegar a Anvar com o exército
calormano entre ele e o castelo. Então ele pega a outra via na bifurcação da
estrada e simplesmente desce na esperança de encontrar um lugar para
descansar e comer.
Enquanto abre caminho pela montanha, uma névoa espessa cai e Shasta
começa a pensar em todas as provações e dificuldades que enfrentou.
“Devo ser o cara mais desgraçado de todo o mundo”, pensou. “Tudo dá certo com os
outros, comigo nunca. Os nobres e as damas de Nárnia conseguiram fugir de Tashbaan;
eu fiquei lá. Aravis, Bri e Huin estão no bem-bom com o velho eremita; fui o único a ter
de sair. O rei Luna e sua gente estão a salvo no castelo, com os portões bem fechados,
mas eu fiquei de fora”. (Cap. 11)
Observe o sofrimento de Lewis com nove anos pela ausência de sua mãe em
meio a sua própria enfermidade, depois a confusão de uma casa cheia de
médicos e o terrível diálogo com seu pai sobre a perda inimaginável que
estava diante deles. Logo em seguida, ele descreve como ele e seu irmão de
fato perderam a mãe antes de ela morrer: “Nós a perdemos de forma gradual,
à medida que ela lentamente se retirava de nossa vida, nas mãos de
enfermeiras, delírios e morfina, à medida que toda a nossa existência se
mudava em algo estranho e ameaçador, enquanto a casa era tomada de
cheiros esquisitos, ruídos no meio da noite e sinistras conversas sussurradas”.
[59]
Este último comentário lembra Digory bisbilhotando as conversas
abafadas dos médicos e empregados, e o tipo peculiar de terror infantil que é
criado com a agitação dos adultos. Lewis chega a comentar que “a visão da
tristeza e do terror adulto tem sobre as crianças um efeito meramente
paralisante e alienante”.
Foi durante esse período que Lewis fez as primeiras orações de sua vida: as
orações desesperadas — e não respondidas — de uma criancinha que não
queria que sua mãe morresse. Por fim, como se sabe, Lewis não lamenta
apenas a morte dolorosa de sua mãe, mas a perda emocional de seu pai, que
ele descreve assim:
[Meu pai] sempre fora uma pessoa nervosa, e suas emoções nunca foram das mais
contidas. Sob a pressão da ansiedade, sua fúria tornou-se constante; ele falava com
destempero e agia injustamente. Assim, por uma crueldade peculiar do destino, durante
aqueles meses esse homem infeliz, sem sequer o saber, perdia não só sua esposa, mas
também os filhos.
Passávamos, eu e meu irmão, a depender cada vez mais exclusivamente um do outro para
obter tudo aquilo que tornava a vida suportável; a ter confiança só um no outro. Acho que
nós dois (ou pelo menos eu) já estávamos aprendendo a mentir para ele. Tudo aquilo que
fazia daquela casa um lar agora nos faltava; tudo, exceto nós mesmos, um para o outro. A
cada dia ficávamos mais próximos (e esse foi o resultado positivo) — dois moleques
assustados e apertados um contra o outro em busca de calor num mundo frio.[60]
A história de Digory termina (pelo menos por enquanto) com uma obediência
difícil, mas verdadeira, uma mãe saudável, um pai que retorna, uma grande e
feliz casa de campo e a aprovação feliz do Grande Leão.
Shasta e o Leão Triúno
Retornando a Shasta, nós o deixamos em seu cavalo, cavalgando aterrado
com uma Coisa enorme respirando e suspirando ao seu lado, murmurando
uma pergunta assustada no escuro: “Quem é você?”
— Alguém que esperava por sua voz — respondeu a coisa. O tom não era alto, mas
amplo e profundo.
— Você é... um gigante?
— Pode me chamar de gigante — disse a grande voz. — Mas não me pareço com as
criaturas que você chama de gigantes.
— Não consigo vê-lo — falou Shasta, depois de muito tentar. Uma coisa terrível lhe
passou pela cabeça. Com a voz quase trêmula de choro, perguntou:
— Você não é... não é uma coisa morta... é? Vá embora, por favor. Nunca lhe fiz mal. Ó,
sou o sujeito mais desgraçado do mundo! (O cavalo e seu menino, Cap. 11)
Por fim, convém destacar a ligação histórica que Lewis faz entre a busca dos
cientistas por poder e a sede do bruxo por esse mesmo poder.
Dei o nome de “oferta do bruxo” ao processo pelo qual o homem cede objeto atrás de
objeto, e finalmente a si próprio, à Natureza, sempre em troca de poder. E foi exatamente
isso o que eu quis dizer. O fato de os cientistas terem obtido sucesso onde o bruxo
fracassou ergue entre eles um contraste tão forte no imaginário popular que a verdadeira
história do nascimento da ciência acaba por ser mal compreendida. É possível encontrar
até mesmo quem escreva sobre o século XVI dizendo que a bruxaria era então um
resquício medieval e que a ciência entrava em cena para expulsá-la. Os que estudaram o
período certamente são mais dignos de confiança. Havia muito pouca bruxaria durante a
Idade Média: os séculos XVI e XVII foram a época de esplendor dessa prática. O grande
esforço da bruxaria e o grande esforço científico são irmãos gêmeos: um deles era doente
e morreu, o outro era forte e sobreviveu. Mas eram gêmeos. Nasceram do mesmo
impulso.[66]
Mais adiante Lewis escreve:
Existe algo que une a bruxaria e a ciência aplicada ao mesmo tempo que as separa da
“sabedoria” dos tempos antigos. Para os sábios da antiguidade, o problema principal era
como conformar a alma à realidade, e a solução encontrada foi o conhecimento, a
autodisciplina e a virtude. Tanto para a bruxaria quanto para a ciência aplicada, o
problema é como subjugar a realidade aos desejos dos homens, e a solução encontrada foi
uma técnica; e ambas, ao praticarem essa técnica, se põem a fazer coisas até então
consideradas repulsivas e impiedosas — tais como desenterrar e retalhar cadáveres.[67]
A Rainha e o Mago: usando as pessoas em busca de poder
Com esse pano de fundo, agora estamos em condições de comparar tio
André, Jadis e Digory. Comecemos com os dois primeiros. Resta claro que
Lewis deseja que vejamos uma semelhança familiar entre o mago e a rainha.
Polly reconheceu que “havia alguma semelhança entre ela e ele, qualquer
coisa na expressão do rosto”, que o narrador identifica como a “marca” que
todos os magos maus têm (O sobrinho do mago, Cap. 6). Ambos são
descritos como tendo um “olhar esfomeado e cobiçoso” quando consideram a
ideia de exercer poder sobre outros. Ambos adquirem poder à custa de algo
importante para si. André teve que descobrir “algumas pessoas [diabólicas],
[68]
digamos, à margem da sociedade”, tendo que passar “por algumas
experiências muito, muito desagradáveis” (Cap. 2). Jadis paga “um terrível
preço” para aprender a Palavra Execrável (Cap. 5).
A semelhança mais profunda entre os dois é a sua total devoção ao poder e a
completa desconsideração pelos outros, exceto quando querem usá-los para
adquirir mais poder. Quando Digory mostra preocupação por Polly depois de
tio André enviá-la para fora do mundo, o mago responde: “Que mania de
bater sempre na mesma tecla! Como se isso fosse a coisa importante!”. Ele
pune Digory por “fugir do assunto” quando este se opõe ao uso de
porquinhos-da-índia como cobaias. Quando Digory o chama de covarde por
ter enviado uma garotinha para algum lugar que ele tinha medo de ir, tio
André explode num discurso bombástico.
— Bico calado! — ordenou tio André, dando um tapa na mesa. — Não admito que um
fedelho fale comigo dessa maneira. Você não entende nada. Eu sou o grande mestre, o
mago, o iniciado, o que está realizando a experiência. É claro que preciso de material para
executá-la. Daqui a pouco você vai me dizer que deveria ter pedido licença aos
porquinhos-da-índia antes de usá-los. Nenhuma alta sabedoria pode ser atingida sem uma
dose de sacrifício. Mas a ideia de que o sacrificado deva ser eu mesmo é completamente
ridícula. É como pedir a um general para lutar como um soldado raso. Suponhamos que
eu morresse... Que seria do trabalho de toda a minha vida? (Cap. 2)
Da mesma forma Jadis só repara nas pessoas quando quer usá-las, ignorando
Polly quando quer usar Digory e ignorando ambos a fim de usar tio André.
Quando Digory e Polly se espantam quando ela mata toda criatura viva em
Charn (incluindo gente comum, mulheres, crianças e animais) a fim de evitar
que sua irmã adquira poder, Jadis dá uma resposta arrepiante.
— Você não está entendendo. Escute, eu era a rainha; eles todos eram os meus súditos;
logo, só viviam para fazer a minha vontade. (Cap. 5)
Mais do que apenas parecer com seu tio, Digory está começando a
comportar-se como ele. Um pouco antes, tio André havia rejeitado o alerta de
Digory de forma semelhante, dizendo “Bem, bem, é natural que uma criança
pense dessa maneira, uma criança criada entre mulheres, como você” (Cap.
2). De igual modo, Digory e tio André ficam profundamente impressionados
com Jadis (“Digory ia pensando: ‘Que mulher mais corajosa! E como é forte!
É isso que eu chamo de uma rainha!’”, Cap. 5). E como se sabe, Digory,
assim como tio André, não mostra nenhuma consideração pela segurança de
Polly para fazer o que ele quer. Em tudo isso, Lewis pretende que
percebamos o grande perigo e tentação que está diante de Digory (e talvez
diante de nós também).
(Que devemos nos colocar no lugar de Digory torna-se evidente quando
lemos Lewis, em um de seus momentos mais didáticos nas crônicas,
colocando o seguinte alerta na boca de Aslam no Capítulo 15 [quando Polly
pergunta se a raça de Adão e Eva é tão ruim como as pessoas de Charn]:
“Ainda não, Filha de Eva. Ainda não. Mas estão caminhando para isso. Não é
impossível que um homem perverso de sua raça descubra um segredo tão
pavoroso quanto o da Palavra Execrável, e use esse segredo para destruir
todas as coisas vivas. Breve, muito breve, antes que envelheçam, grandes
nações em seu mundo serão governadas por tiranos parecidos com a
imperatriz Jadis: indiferentes à alegria, à justiça e ao perdão. Avisem seu
mundo deste grande perigo. E a ordem é esta: logo que puderem, tomem do
tio os anéis mágicos e os enterrem, para que ninguém volte a usá-los”.)
Vivendo dentro dos limites do Tao de Aslam
Embora Digory sucumba à sede de curiosidade no salão de imagens, no fim
ele consegue resistir à sede de poder e corrige as coisas. Diante do exemplo
dele, podemos aprender o que significa lutar contra a tentação como um
verdadeiro narniano.
Em primeiro lugar, Digory consegue compreender claramente o significado das
palavras imponentes de tio André sobre o destino grandioso e solitário. “Pensou:
‘Ele está querendo dizer é que pode fazer tudo o que quiser para obter tudo o
que desejar’” (Cap. 2). O primeiro passo para resistir à tentação é a capacidade
de reconhecer o mal por trás de seus muitos disfarces imponentes, e Digory
apresenta a mesma sabedoria expressa por Bunyan em O Peregrino, onde ele
diz “Um pensamento ardeu na minha mente: por mais que ele dissesse e por
mais que me lisonjeasse, vender-me-ia como escravo quando me tivesse em seu
poder” (Lewis inclui essa citação no terceiro capítulo de A abolição do homem).
Em segundo lugar, Digory vive dentro dos limites do Tao, dentro da estrutura
ordenada do universo conforme Deus o fez. Ele sente uma repulsa instintiva
pela insensibilidade de tio André para com animais e crianças, e é
inversamente atraído a virtudes como fidelidade, cumprimento de promessas,
compaixão e lealdade. O vínculo de amizade que ele mantém com Polly
ajuda a firmá-lo por toda a história.
Em terceiro lugar, quando confrontado por Aslam, Digory se recusa a encobrir
seus pecados (embora Aslam o estimule com um rugido baixo); em vez disso,
ele prontamente confessa sua responsabilidade por trazer a feiticeira para
Nárnia. Ele o faz sabendo que sua confissão pode arruinar qualquer esperança
de receber a cura para a doença da sua mãe (Cap. 11).
Em quarto lugar, conhecer Aslam solidifica sua submissão ao Tao, já que o
Tao é simplesmente a expressão da vontade de Aslam no mundo. O beijo do
Leão lhe dá nova força e coragem, fortalecendo sua decisão de obedecer e
consertar o que quebrou. O sopro de Aslam ordena suas afeições, de modo
que seu amor pela mãe é ajustado e adequado quando ele encara a tentação
diabólica da feiticeira. Digory consegue resistir porque, em seu encontro com
Aslam, aprendeu intuitivamente aquilo que Lewis expressou em uma carta a
Dom Bede Griffiths:
Coloquemos as primeiras coisas em primeiro lugar e as secundárias virão junto;
coloquemos as coisas secundárias em primeiro lugar e perderemos ambas. Nem mesmo o
prazer sensorial da comida é plenamente desfrutado, por exemplo, se formos gulosos.[72]
Com o sopro de Aslam pairando sobre si, Digory está fincado no Tao e, dessa
forma, preparado quando Jadis oferece vida e saúde a sua mãe à custa de sua
integridade. É significativo que seja o seu relacionamento com Polly a luz
que expõe as mentiras da feiticeira.
A mesquinharia da sugestão — deixar Polly sozinha — mostrava que as outras palavras
[da feiticeira] eram falsas e vazias. (Cap. 13)
Colhendo a recompensa
Portanto, viver no Tao de Aslam se parece com isto: reconhecer o mal,
confessar o pecado, cultivar amizades, não usar as pessoas, confiar na graça e
compaixão do Leão, e colocar as primeiras coisas em primeiro lugar. O fruto
dessa fidelidade é tão geracional quanto a sede dos manipuladores por poder.
Pois pela graça do Leão, Digory permanece firme no dia mau, recebendo o
elogio do Leão e plantando a semente da Árvore que protegerá Nárnia por
centenas de anos.
— Filho de Adão — falou Aslam —, você fez um bom trabalho. E vocês, narnianos,
cuidem, antes de tudo, desta árvore, que é o seu escudo. A feiticeira de que lhes falei
fugiu para o norte do mundo. Lá viverá e ficará mais forte em magia negra. No entanto,
enquanto esta árvore florir, jamais voltará a Nárnia. Não ousará aproximar-se cem
quilômetros da árvore, pois seu perfume, que é alegria, vida e saúde para vocês, é morte,
horror e desespero para ela. (Cap. 14)
Dessa forma, Lewis luta, como somente um homem pode lutar, para entender
e comunicar uma característica básica da glória feminina, bem como sua
imitação perversa e tola. A popularidade dos seus livros entre as mulheres e
meninas provam, até certo ponto, o seu sucesso.
A intuição das rainhas narnianas
Consideremos agora algumas qualidades que Lewis parece particularmente
associar às suas heroínas. A primeira e mais importante é o papel das
personagens femininas como a intuição ou sinais norteadores das histórias.
Vamos começar, naturalmente, com a favorita de Lewis, Lúcia Pevensie. De
todos os personagens narnianos, Lúcia é a mais sintonizada com Aslam.
Como diz Edmundo, “Lúcia sempre o vê” (A viagem do Peregrino da
Alvorada, Cap. 7), e em certo ponto o narrador comenta que ela “conhecia
alguns de seus estados de ânimo”[80] (Príncipe Caspian, Cap. 10).
À noite Aslam morre, e Lúcia é a primeira a mencionar a terrível sensação
que sentiu, “um pressentimento horrível, Susana, como se qualquer coisa
estivesse para acontecer com a gente. [...] É alguma coisa com Aslam. Ou
algo pavoroso está para acontecer com ele, ou é ele que vai fazer algo assim”
(O leão, a feiticeira e o guarda-roupa, Cap. 14). É ela e Susana que
consolam Aslam em sua caminhada triste e solitária até a Mesa de Pedra. Da
mesma forma, as duas meninas são as primeiras testemunhas de sua
ressurreição, ecoando os relatos dos evangelhos sobre Maria Madalena e as
outras mulheres, e como resultado elas desfrutam de uma corrida maravilhosa
com o Leão ressurreto.
Fugia, obrigando-as a correr pela colina, às vezes deixando que elas quase o agarrassem
pela cauda. Mergulhava entre as duas, atirava-as ao ar com as patas enormes e
aveludadas, para voltar a apanhá-las. Parava de repente, fazendo com que elas se
amontoassem no chão, rindo alegremente, numa confusão de braços, pernas e pêlos. Foi
uma algazarra daquelas, como não existe fora de Nárnia. Lúcia não sabia bem se estava
brincando com um gatinho ou com um furacão. (Cap. 15)
***
Tumnus: Professor Rigney, obrigado por dedicar um tempo para falar comigo
nesta manhã.
Rigney: O prazer é todo meu.
A ordem de leitura apropriada dos livros
Tumnus: Quero gastar um pouco do nosso tempo fazendo algumas perguntas
que frequentemente surgem sobre os livros de Nárnia. Em primeiro lugar,
qual você considera a ordem apropriada dos livros?
Rigney: A original, baseada na ordem de publicação:
O leão, a feiticeira e o guarda-roupa
Príncipe Caspian
A viagem do Peregrino da Alvorada
A cadeira de prata
O cavalo e seu menino
O sobrinho do mago
A última batalha
Tumnus: Por que, então, Lewis diz que os livros deveriam ser apresentados
na ordem cronológica?
Rigney: Gostaria de fazer essa pergunta a ele. Suspeito de que seja porque ele
se esquecera desses detalhezinhos, que eu acho que ele intentou que fossem
altamente influentes em criar um efeito particular em seus leitores. Gosto de
pensar que se alguém salientasse esses pontos que eu coloquei, ele se
retrataria sobre esse absurdo da ordem cronológica. Naturalmente, a questão
da ordem dos livros surge principalmente para os leitores. Sugiro
enfaticamente que se leia na ordem tradicional. Depois de ler nessa ordem,
volte e releia-os na ordem que bem entender.
O que fazer com Emeth, o soldado calormano?
Tumnus: Agora uma pergunta sobre teologia em Nárnia. Muitos cristãos
ficam se perguntando o que fazer com Emeth, o soldado calormano que
chega ao país de Aslam em A última batalha. O que você me diz?
Rigney: Então você já ouviu os cristãos, foi? E está por dentro de nossos
debates teológicos? Nada mau para um fauno. Já ouvi o Douglas Wilson
fazer excelentes observações sobre o lugar de Emeth nas histórias. Em
primeiro lugar, precisamos reconhecer que, embora Nárnia seja uma
“suposição” com forte temática cristã, não há uma correspondência de um
para um entre ela e o nosso mundo. Por exemplo, não há nenhuma Grande
Comissão, uma ordem de Aslam para ir por todo o mundo e fazer discípulos
de todas as nações. Nesse sentido, o mundo de Nárnia é muito mais como o
Antigo Testamento do que como o Novo. Você tem Aslam e seu povo em
Nárnia, outras nações que são distintas de Nárnia mas, ainda assim, aliadas de
Aslam (como a Arquelândia e as Ilhas), e então nações que cultuam outros
deuses (como a Calormânia). Parece bastante com Israel: nações como Tiro,
que, em vários momentos em sua história cultuam Yahweh (Hirão de Tiro
ajuda Davi e Salomão a construir o Templo), e depois as outras nações que
cultuam outros deuses falsos (como Moabe, Síria e Babilônia). Como se sabe,
no Antigo Testamento os gentios podiam cultuar Yahweh sem se tornarem
judeus (considere Melquisedeque, que é um sacerdote do Deus Altíssimo, e
Jó, que pode ter sido um rei edomita). Nesse sentido, Emeth poderia ser
alguém como a Rainha de Sabá, que acaba viajando até Israel por causa de
Salomão e é impelida pela bênção de Deus que ela diz “Bendito seja o
SENHOR, teu Deus, que se agradou de ti”.
Resumindo, Lewis pode não estar tão equivocado quanto parece à primeira
vista. Naturalmente, o problema é que Emeth é um sincero adorador de Tash,
e Aslam o aceita por todos os bons serviços prestados em nome de Tash, ao
passo que este aceita todos os serviços vis prestados em nome de Aslam. Isso
soa como se um adorador sincero de Baal que guarde seu juramento e se
mostre honroso seja acolhido por Yahweh. Isso, penso, seria muito
problemático a partir de um ponto de vista bíblico. Afinal de contas, o
empenho de Yahweh é para que seu nome seja conhecido entre as nações.
Mas até mesmo aqui devemos perceber que o nome de Emeth é a palavra
hebraica para “verdade”, e o caráter e ações dele são estranhos caso ele esteja
tomando Tash como exemplo. Tash é uma deidade sanguinária, cruel e vil
que aceita sacrifício humano. Emeth é nobre, fiel e corajoso. Este é um
estranho caso onde o adorador não se torna aquilo que adora.
Por fim, embora eu pense que meus comentários mitiguem alguns dos
problemas com Emeth, no entanto acho que Lewis não colocou direito essa
questão. Concordo com Wilson de que devemos considerar isso não como
uma falta para expulsão, mas pelo menos para um cartão amarelo.
Tumnus: Por que você acha que Lewis incluiria algo assim em seus livros?
Rigney: Acho que Lewis provavelmente acreditava em algo desse tipo. Pode
ser que essa seja sua tentativa de criar uma categoria para que os pagãos
nobres que ele amava (como Platão, Aristóteles e assim por diante) fossem
admitidos no céu. Existe uma longa tradição na igreja de teólogos tentando
arrumar um jeito de colocar filósofos como esses lá. Ou pode ser que Lewis
não quisesse que seus leitores ficassem com a impressão de que os
calormanos fossem todos maus e perversos, que lhes era possível chegar a
conhecer Aslam de alguma maneira real. E por último, acho que Lewis está
tentando mostrar que, como Aslam diz a Emeth, “todos encontram o que
realmente procuram”. O fato de que Emeth estava buscando algo de maneira
tão ansiosa e verdadeira indica que, talvez, ele só pudesse responder ao
chamado de Aslam. Como Aslam diz a Jill em outra ocasião, ninguém chama
por ele a menos que ele o chame primeiro.
Amor demasiado por Aslam?
Tumnus: Outra pergunta teológica. Alguns leitores se empolgam tanto com a
beleza de Aslam que alguns deles até temem amar mais o Leão de Nárnia do
que Jesus. O que você diria a essas pessoas?
Rigney: É uma excelente pergunta. De fato, o próprio Lewis foi questionado
uma vez, quando uma mãe lhe escreveu sobre seu filho Lawrence, que temia
amar mais Aslam do que Jesus. Lewis respondeu: “Laurence não pode
realmente amar mais Aslam do que Jesus, mesmo que ele sinta que é isso que
está fazendo. Pois as coisas que ele ama que Aslam faça ou diga são
simplesmente as coisas que Jesus realmente fez e disse. De modo que,
quando Lawrence pensa que está amando Aslam, ele está realmente amando
Jesus, talvez até mais do que nunca”.[86]
Isso combina perfeitamente com o que Lewis disse sobre “passar
sorrateiramente por esses dragões atentos”.[87] Todo seu objetivo em Nárnia é
fazer com que o evangelho de Jesus apareça em toda a sua pujança, de modo
que ao amarmos Aslam, amemos verdadeiramente Jesus. Se por alguma
razão você se vir profundamente movido por Aslam, mas tiver problemas em
transferir isso para Jesus, então eu oro para que Deus aperfeiçoe a sua
imaginação, para que você consiga fazer o salto de Aslam para Jesus. Afinal
de contas, Lewis quer que vejamos Aslam como Jesus. “Lá [ou seja, em
nosso mundo] eu tenho outro nome. Vocês têm de aprender a conhecer-me
por esse nome” (A viagem do Peregrino da Alvorada, Cap. 16). O que acho
encorajador nessa passagem é que Lewis espera que façamos a conexão entre
Aslam e Jesus, mas essa conexão nem sempre acontece automaticamente. É
algo que devemos “aprender”. Espero que este livro possa ajudar nesse
processo de aprendizagem.
Apresentando os livros às crianças
Tumnus: Muito útil, obrigado. Vamos voltar à questão de como apresentar os
livros às crianças. Qual a maneira certa de fazer isso?
Rigney: Não acho que exista apenas um jeito certo de apresentar os livros às
crianças, da mesma forma como não há um único jeito certo de apresentar
seus filhos a Jesus e ao evangelho. Afinal, nenhuma das crianças nas histórias
chega a Nárnia exatamente da mesma maneira: Lúcia chega lá atraída por sua
curiosidade, os outros enquanto se escondiam, Eustáquio por meio de um
quadro na parede, Jill porque pediu e Polly e Digory por usarem os anéis e os
lagos. Nenhuma é “melhor” ou “mais correta”. E como Aslam diz a Lúcia,
“as coisas nunca acontecem duas vezes da mesma maneira”.
Eu diria que é importante que os pais vivam como narnianos primeiro; essa é
uma das razões por que escrevi este livro. Você quer que seus filhos
reconheçam seu lar na vida, alegria e nobreza de Nárnia. Além disso, cabe a
você.
Devemos contar às crianças o sentido mais profundo?
Tumnus: Você tem filhos pequenos. Como planeja apresentá-los a Nárnia?
Vai contar-lhes tudo sobre o simbolismo cristão por trás das histórias?
Rigney: Sim, pensei em falar um pouquinho sobre Freud e Feuerbach; acho
que meu filho de quatro anos adoraria.
Para falar a verdade, meu plano é ler as histórias para eles simplesmente
como histórias, e resistir ao impulso de analisar todas as camadas, em
particular as camadas explicitamente cristãs. Pessoalmente, uma das grandes
alegrias da minha vida é o prazer da descoberta, da sacada, de ver algo com
meus próprios olhos e “por conta própria” (embora, na realidade, sempre
vejamos com ajuda). Gostaria de conceder esse dom da descoberta aos meus
meninos. Minha esperança é que um dia eles cheguem para mim e digam
algo como “Papai, Aslam é Jesus?”. Eu apenas sorriria e diria “Por que você
diz isso?”
Ao mesmo tempo, não tenho dúvidas de que recorrerei a certas qualidades e
características nos livros a fim de ajudá-los a navegar em suas próprias
jovens vidas: a necessidade de obediência em situações extremas, a
necessidade de se arrepender e confessar pecados com sinceridade, e assim
por diante. Certamente não acho que haja algo de errado com pais que desde
o início falam do aspecto cristão de Nárnia para seus filhos. Novamente, não
há um jeito certo universal.
Nárnia no cinema
Tumnus: Ainda sobre essa questão de apresentar as pessoas a Nárnia, o que
você acha das recentes adaptações cinematográficas?
Rigney (rosnando baixinho): Por favor, não comece.
Tumnus: Como nunca ouvi falar nessa “tia Nete” a que você se refere, nem
nesse Monte Yute Oob, poderia analisar o argumento de Boyer um pouco?
Rigney: Não vejo nenhum problema, embora minha recomendação seja de
que todos procurem o artigo e o leiam. O título completo do artigo é “Narnia
Invaded: How the New Films Subvert Lewis’s Hierarchical World” [Nárnia
invadida: como os novos filmes subvertem o mundo hierárquico de Lewis].
Boyer argumenta com razão que Lewis era aficionado por relacionamentos
hierárquicos e regulares. Sua analogia favorita para a hierarquia era “a
Dança”, e ele a reconhecia nos relacionamentos humanos, na ordem cósmica
e até mesmo em Deus. No tocante a este último aspecto, ele escreve:
[...] no cristianismo, Deus não é um ente estático — nem mesmo uma pessoa estática —,
mas uma atividade pulsante e dinâmica; é uma vida dotada de grande complexidade
interna. E quase — por favor, não me julguem irreverente — como uma dança. A união
entre o Pai e o Filho é algo tão vivo e concreto que ela mesma é também uma pessoa.[91]
Está coberto de razão. Tentei comunicar um pouco disso neste livro por meio
dos cavaleiros nobres, reis de coração generoso e servos fiéis e obedientes.
Na verdade, o amor de Lewis à hierarquia vale um livro próprio. Alguém
deveria escrevê-lo.
[1]
A terceira maior rede de pizzarias dos EUA. [N. do T.]
[2]
C. S. Lewis, “Por vezes, os contos de fadas podem dizer melhor o que deve ser dito”, em Sobre
histórias (Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2018), p. 92. Tradução de Francisco Nunes.
[3]
Owen Barfield, Owen Barfield on C. S. Lewis (Oxford, Inglaterra: Oxford Press UK, 2011), p. 121-
22.
[4]
C. S. Lewis, “Por vezes, os contos de fadas podem dizer melhor o que pode ser dito”, em Sobre
histórias (Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2018), p. 92-93. Tradução de Francisco Nunes.
[5]
C. S. Lewis, “Letter to Sophia Storr”, em The Collected Letters of C. S. Lewis, Vol. 3 (New York,
NY: HarperOne, 2007), p. 1113.
[6]
C. S. Lewis, Letters to Children (New York, NY: Scribner, 1996), p. 44-45.
[7]
Idem, p. 45.
[8]
C. S. Lewis, “Letter to Mrs. Hook”, p. 1004.
[9]
Letters to Children, p. 45.
[10]
C. S. Lewis, “Três maneiras de escrever para crianças”. Apêndice da edição em volume único de As
crônicas de Nárnia (São Paulo: Martins Fontes, 2009, 2ª ed), p. 746.
[11]
Idem, p. 747.
[12]
Idem, p. 748-49.
[13]
C. S. Lewis, “Três maneiras de escrever para crianças”. Apêndice da edição em volume único de As
crônicas de Nárnia (São Paulo: Martins Fontes, 2009, 2ª ed), p. 749.
[14]
Idem, p. 743.
[15]
“Por vezes, os contos de fadas podem dizer melhor o que pode ser dito”, em Sobre histórias, p. 94.
[16]
“Três maneiras de escrever para crianças”, em As crônicas de Nárnia, p. 744.
[17]
Peter Leithart, “Authors, Authority, and the Humble Reader”, em The Christian Imagination, ed.
Leland Ryken (New York, NY: Shaw Books, 2002), p. 217.
[18]
C. S. Lewis, A abolição do homem (São Paulo: Martins Fontes, 2012, 2ª ed.), p. 3-4. Tradução de
Remo Mannarino Filho.
[19]
“Por vezes, os contos de fadas podem dizer melhor o que deve ser dito”, em Sobre histórias, p. 93.
[20]
O autor está considerando o primeiro livro em ordem de publicação, que é O leão, a feiticeira e o
guarda-roupa. [N. do T.]
[21]
Na edição brasileira, o trecho em colchetes diz apenas “Desculpe”. [N. do T.]
[22]
Peter Leithart, Deep Comedy: Trinity, Tragedy, and Hope in Western Literature (Moscow, ID:
Canon Press, 2008).
[23]
A tradução da frase “his real old self again” foi omitida na edição brasileira. [N. do T.]
[24]
C. S. Lewis. “A necessidade do cavalheirismo”. Disponível em https://is.gd/vgd1mq. Tradução de
Roberto Vargas Jr. Acesso em 30/03/2020.
[25]
A abolição do homem, p. 68.
[26]
Idem, p. 75.
[27]
G. K. Chesterton, Ortodoxia (São Paulo: Mundo Cristão, 2012), edição Kindle, posição 986.
Tradução de Almiro Pisetta.
[28]
Idem, pos. 966.
[29]
John Piper, “Clyde Killby’s Resolutions for Mental Health and for Staying Alive to God In
Nature”, itálico do original. Disponível no site www.desiringgod.org. Acesso em 31/03/2020.
[30]
A imagem do lagarto vermelho é extraída de O grande abismo (São Paulo: Editora Vida, 2006).
Tradução de Ana Schäffer.
[31]
Esses trechos em negrito não constam na edição brasileira. [N. do T.]
[32]
Para mais comparações das duas versões dessa cena, ver o Apêndice 4, “Variances in the Ending of
Chapter Twelve, ‘The Dark Island’, in The Voyage of the Dawn Treader”, em Paul Ford, A Companion
to Narnia (New York, NY: HarperOne, 2005), p. 471-72.
[33]
C. S. Lewis, “A teoria humanitária da condenação”, em Deus no banco dos réus (Rio de Janeiro:
Thomas Nelson, 2018), p. 360. Tradução de Giuliana Niedhardt.
[34]
Idem, p. 357.
[35]
C. S. Lewis, “O progresso é possível?”, em Deus no banco dos réus, p. 384-85.
[36]
Essa informação sobre a Bíblia foi omitida na edição brasileira. Na edição em inglês, ela se
encontra num comentário marginal de Lewis, no Capítulo 1 de A cadeira de prata, após Eustáquio jurar
para Jill que não a estava fazendo de boba (“Juro que não estou! Juro por tudo que é sagrado!”, na
edição brasileira). Diz Lewis: “(When I was at school one would have said, ‘I swear by the Bible’. But
Bibles were not encouraged at Experiment House.)” [“Na minha época de escola o sujeito teria dito
‘Juro pela Bíblia’. Mas bíblias não eram incentivadas nos colégios experimentais”.] [N. do T.]
[37]
C. S. Lewis, “Delinquentes na neve”, em Deus no banco dos réus, p. 376.
[38]
C. S. Lewis, Cartas do inferno (São Paulo: Edições Vida Nova, 1964), p. 10-11. Tradução de
Roque Monteiro de Andrade. [Embora esgotada, esta é a única edição brasileira que traz este prefácio.
Nas demais menções deste livro, citamos conforme a edição da editora Martins Fontes, sob o título
Cartas de um diabo a seu aprendiz. (N. do T.)]
[39]
C. S. Lewis, “O progresso é possível?”, em Deus no banco dos réus, p. 388.
[40]
C. S. Lewis, Cristianismo puro e simples (São Paulo: Martins Fontes, 2009, 3ª ed.), p. 69-70.
Tradução de Álvaro Oppermann e Marcelo Brandão Cipolla.
[41]
Essa frase não consta na edição brasileira. [N. do T.]
[42]
O trecho em colchetes não consta na edição brasileira. [N. do T.]
[43]
Um bom resumo das visões de Feuerbach e Freud pode se encontrado em Richard Lints, “The Age
of Intellectual Iconoclasm: The Nineteenth-Century Revolt against Theism”, em Revolutions in
Worldview: Understanding the Flow of Western Thought, ed. W. Andrew Hoffecker (Phillipsburg, NJ:
P&R Publishing, 2007).
[44]
C. S. Lewis, “O peso de glória”, em O peso de glória (São Paulo: Editora Vida, 2008), p. 34.
Tradução de Lenita Ananias do Nascimento.
[45]
Cristianismo puro e simples, p. 181-82.
[46]
O peso de glória, p. 36-37.
[47]
C. S. Lewis, O problema do sofrimento (São Paulo: Editora Vida, 2009), p. 105-06. Tradução de
Alípio de Franca Neto.
[48]
C. S. Lewis, “Homem ou coelho?”, em Deus no banco dos réus, p. 137.
[49]
C. S. Lewis, Cartas de um diabo a seu aprendiz (São Paulo: Editora Martins Fontes, 2009, 2ª ed.),
p. 40 (Carta 8). Tradução de Juliana Lemos.
[50]
Na edição brasileira, apenas “eremita”. [N. do T.]
[51]
Cartas do Inferno, p. 10.
[52]
Essa frase não consta na edição brasileira. [N. do T.]
[53]
Cristianismo puro e simples, p. 169-70.
[54]
Idem, p. 170-71.
[55]
O trecho entre colchetes não consta na edição brasileira. [N. do T.]
[56]
O trecho entre colchetes não consta na edição brasileira. [N. do T.]
[57]
Na edição brasileira, a frase “you’ve been disappointed so often before” aparece como “Mas tinha
de ser verdade”. [N. do T.]
[58]
C. S. Lewis, Surpreendido pela Alegria (Viçosa: Editora Ultimato, 2015, 1ª ed.), p. 23. Tradução de
Eduardo Pereira e Ferreira.
[59]
Idem, p. 24.
[60]
Idem, p. 24.
[61]
Na edição brasileira, o trecho em colchetes foi omitido, fazendo com que a expressão “Eu mesmo”
se repita apenas duas vezes. Tal omissão ofusca a alusão que Lewis faz ao caráter trinitário de Deus e,
possivelmente, também à passagem de Êxodo 3.14 (“EU SOU O QUE SOU”), que Jesus aplica a si
mesmo três vezes no capítulo 8 do Evangelho de João (cf. Jo 8.24, 28 e 58). [N. do T.]
[62]
A abolição do homem, p. 53.
[63]
Idem, p. 55-56.
[64]
Idem, p. 58, 60.
[65]
Idem, p. 54.
[66]
Idem, p. 72.
[67]
Idem, p. 73.
[68]
Na edição brasileira, a palavra entre colchetes (“devilish”, no inglês) foi omitida. [N. do T.]
[69]
Na edição brasileira não consta o “feliz”. [N. do T.]
[70]
O trecho em que essa expressão aparece foi omitido na edição brasileira. Reproduzo-o aqui: “If
only Digory had remembered what he himself had said a few minutes ago, that this was an enchanted
room, he might have guessed that the enchantment was beginning to work. But he was too wild with
curiosity to think about that. He was longing more and more to know what was written on the pillar”.
[“Se tão-somente se tivesse lembrado do que dissera alguns minutos antes, de que aquilo se tratava de
um salão encantado, Digory poderia ter imaginado que o encantamento começava a agir. Mas ele
estava louco de curiosidade de pensar sobre isso. Estava cada vez mais ansioso para saber o que estava
escrito na coluna”]. [N. do T.]
[71]
O “bulverismo” é uma falácia lógica em que uma pessoa simplesmente assume que seu oponente
está errado e então começa a demonstrar isso explicando as origens de sua crença. Lewis explora essa
falácia no ensaio intitulado “Bulverismo”, em Deus no banco dos réus (p. 331-39).
[72]
C. S. Lewis, “Letter to Dom Bede Griffiths”, Collected Letters, vol. 3, p. 111.
[73]
C. S. Lewis, “O mito que se tornou realidade”, em Deus no banco dos réus, p. 83-84.
[74]
Cartas de um diabo a seu aprendiz, p. 40 (Carta 8).
[75]
C. S. Lewis, A anatomia de uma dor (São Paulo: Editora Vida, 2007), p. 32-33. Tradução de Alípio
Franca.
[76]
Idem, p. 67-68.
[77]
C. S. Lewis, “Clérigas na igreja?”, em Deus no banco dos réus, p. 288.
[78]
Na edição brasileira consta “jumentas” no lugar de “pérolas”. [N. do T]
[79]
C. S. Lewis, “Três maneiras de escrever para crianças”, em As crônicas de Nárnia, p. 743.
[80]
Na edição brasileira, a frase “said Lucy, who understood some of his moods” foi traduzida como
“disse Lúcia, ao entender tudo”. [N. do T.]
[81]
Cristianismo puro e simples, p. 149-50.
[82]
S. M. Hutchens, “Fixing Lewis”. Touchstone Magazine, Nov/Dez 2010.
[83]
Nas traduções originais de Paulo Mendes Campos, publicadas pela Editora Melhoramentos na
década de 1970, Eustáquio Mísero era Eustáquio Chatoba. [N. do T.]
[84]
O referido ensaio encontra-se no livro Sobre histórias, p. 101-02. [N. do T.]
[85]
O trecho em colchetes foi omitido na edição brasileira. [N. do T.]
[86]
C. S. Lewis, Letters to Children (New York, NY: Simon and Schuster, 1996), p. 52.
[87]
“Por vezes, os contos de fadas podem dizer melhor o que deve ser dito”, em Sobre histórias, p. 93.
[N. do T.]
[88]
Sobre histórias, p. 34-35. [N. do T]
[89]
Disponível em https://www.touchstonemag.com/archives/article.php?id=23-06-030-f. Acesso em
20 de abril de 2020. [N. do T.]
[90]
Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=UdhXXOeEgLQ. Acesso em 20 de abril de
2020.
[91]
Cristianismo puro e simples, p. 232.
[92]
Idem, p. 233-34.
[93]
“Membresia”, em O peso de glória, p. 160.
[94]
C. S. Lewis, “Equality”, em Present Concerns, ed. Walter Hopper (Orlando, FL: Harcourt Brace
Jovanovich Publishers, 1986), p. 18.
[95]
Douglas Wilson, O que aprendi em Nárnia (Brasília, DF: Monergismo, 2018). Tradução de
Leonardo Bruno Galdino. [N. do T.]
[96]
http://cdgweb-1213834064.us-east-1.elb.amazonaws.com/, seção “Curricula” → “Pillar Series”.
Acesso em 21 de abril de 2020. [N. do T.]