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You’ve Always Meant So Much to Me

Wrekmeister Harmonies

You’ve Always Meant So Much to Me é um álbum de 2013 do projecto Wrekmeister


Harmonies, do californiano JR Robinson. Enquadra-se no espectro do Metal, apesar de
apresentar, maioritariamente, sonoridades de “drone music” e música electrónica.

O carácter improvisado do álbum, ainda que claramente estruturado, remete para uma
experiência mais sensorial do que cerebral, tanto durante a sua escuta, como no processo de
criação. A música é relativamente estática, orbitando em torno de um corpo sonoro contínuo
durante a maioria da obra, pelo que este carácter (aparentemente) imóvel e repetitivo provoca
um efeito de relaxamento físico e mental, que proporciona a fruição sonora de forma
desprendida. Nesse sentido, há uma reação corporal, ainda que passiva, da qual resulta um
processo meditativo e no qual a mente tem oportunidade de “viajar” num universo pessoal.
Assim, há uma proximidade com o efeito da música de Orpheus, que Pitágoras temia por não
passar pelo intelecto. O “perigo” do prazer irracional, puramente sensorial, é aqui testado, na
medida em que a mente é guiada pelo som, aparentemente estático e repetitivo, ao invés de
estar no comando do seu efeito. Como Mariusz Kozak aborda no seu livro Enacting Musical
Time: Bodily Experience of New Music, a resposta corporal à música é uma forma de conhecer
a própria música. Durante a experiência, o corpo é parte integrante da relação com o som, e
essencial como meio de conhecimento do mesmo. A consciência do tempo é também
desenvolvida de forma física, através do apuramento dos sentidos, muito mais despertos do
que a mente. Esta perspectiva, contemporânea, está deveras próxima da música deste álbum,
bem como no seu efeito no ouvinte. O raciocínio lógico ou conceptual dá lugar a uma meditação
suportada pela música, que cria um continuum temporal evolutivo, sem fim nem início.

Musicalmente, não há nada que, objectivamente, transporte o ouvinte para um


determinado cenário, pelo que a presença de mimesis é escassa. Como referiu James Beattie
(1735-1803) a propósito do Concerto Grosso nº6 de Arcangelo Corelli, “It is not clear that the
author intended any imitation; and whether he did it or not is a matter of no consequence”. A
citação pode ser facilmente aplicada a esta obra, visto que, mesmo que haja intenção mimética
por parte do compositor, essa imitação é pessoal e imperceptível por parte do ouvinte. Apesar
disso, o álbum contém um título e uma capa, que não podem ser menosprezados no que toca
à experiência da sua audição.
A capa, criada por Simon Fowler, (onde, aqui sim, a ideia de mimesis está bem presente)
representa um glaciar, aparentemente a desabar. As únicas cores usadas são o branco e várias
tonalidades de azul, evidenciando o frio que se pretende transmitir. Por outro lado, o título
You’ve Always Meant So Much to Me, que é também o nome de todas as faixas (distinguidas
por numeração romana), carrega em si uma profundidade e intimidade que são, em oposição,
bastante calorosas. Apesar do título não ser descritivo, nem procurar colocar os ouvintes todos
no mesmo ponto de partida, a verdade é que tem um efeito distinto em cada um de nós. No
entanto, tal como a música do disco, não carrega em si a ideia de mimesis, por ser tão aberto e
indefinido. Adam Smith (1723 – 1790) referiu: “The effect of instrumental music upon the mind
has been called its expression...[but] whatever effect it produces is the immediate effect of that
melody and harmony, and not of something else which is signified and suggested by them: they
in fact signify and suggest nothing.” Esta afirmação integra-se perfeitamente com a música
deste disco. A música, tão plana e estática, não sugere emoções específicas, nem parece imitar
ou narrar nada em particular. Apenas harmonias e melodias que se representam a si próprias,
onde o ouvinte pode criar um conjunto de associações e cenários pessoais. No entanto, como
explicado anteriormente, a experiência musical, e não a música, do álbum pode ser influenciada
por outros fatores, como o nome e capa do álbum.
Nesse sentido, acredito que a música deste álbum é autónoma, na medida em que não
procura imitar ou sugerir qualquer elemento natural ou humano. No entanto, questiono se a
experiência da audição do disco poderá ser alheia à sua envolvência artística, em particular com
a imagem da capa.
Francisco Gomes
4170114

20 de dezembro de 2020

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