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Wrekmeister Harmonies
O carácter improvisado do álbum, ainda que claramente estruturado, remete para uma
experiência mais sensorial do que cerebral, tanto durante a sua escuta, como no processo de
criação. A música é relativamente estática, orbitando em torno de um corpo sonoro contínuo
durante a maioria da obra, pelo que este carácter (aparentemente) imóvel e repetitivo provoca
um efeito de relaxamento físico e mental, que proporciona a fruição sonora de forma
desprendida. Nesse sentido, há uma reação corporal, ainda que passiva, da qual resulta um
processo meditativo e no qual a mente tem oportunidade de “viajar” num universo pessoal.
Assim, há uma proximidade com o efeito da música de Orpheus, que Pitágoras temia por não
passar pelo intelecto. O “perigo” do prazer irracional, puramente sensorial, é aqui testado, na
medida em que a mente é guiada pelo som, aparentemente estático e repetitivo, ao invés de
estar no comando do seu efeito. Como Mariusz Kozak aborda no seu livro Enacting Musical
Time: Bodily Experience of New Music, a resposta corporal à música é uma forma de conhecer
a própria música. Durante a experiência, o corpo é parte integrante da relação com o som, e
essencial como meio de conhecimento do mesmo. A consciência do tempo é também
desenvolvida de forma física, através do apuramento dos sentidos, muito mais despertos do
que a mente. Esta perspectiva, contemporânea, está deveras próxima da música deste álbum,
bem como no seu efeito no ouvinte. O raciocínio lógico ou conceptual dá lugar a uma meditação
suportada pela música, que cria um continuum temporal evolutivo, sem fim nem início.
20 de dezembro de 2020