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A FORMAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL

BRASILEIRO E A REPRODUÇÃO DO
“MARXISMO SEM MARX”.
Tereza Cristina Cardoso Costa
Graduação em Serviço Social – UFAM
Mestranda do PPGSS- UFAM
therezacristhina@hotmail.com

Resumo:

Palavras-chave: Teoria Crítica. Marxismo. Serviço Social.

1 INTRODUÇÃO

2 A FORMAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO

De “damas da caridade” a profissão inserida na divisão social e técnica do


trabalho, o Serviço Social traça a sua história repleta de avanços, estagnações e
retrocesso em sua constituição e formação profissional.
No Brasil, desde a criação da primeira Escola de Serviço Social (1936), essa
profissão também foi marcada, por lutas, rupturas e construções em sua trajetória de
formação. De formato tradicional o Serviço Social, esteve a princípio arraigado nas
doutrinas da Igreja Católica e assim como em outros países, a profissão está
estritamente ligada à “questão social”, papel de fundo para a prática da profissão.

O CEAS se ocupa da formação de quadros especializados para a ação


social e a difusão da doutrina social da Igreja. Como pretende atingir “moças
católicas” para intervir junto ao proletariado, cria as primeiras escolas de
Serviço Social em 1936 e 1937, em São Paulo e Rio de Janeiro,
respectivamente, orientando a profissão por um viés moralizador, pautado
na “doutrina social da Igreja”. (SANTOS, 2009, p. 31)

A Igreja, o Estado e o Serviço Social europeu, moldaram a prática do Serviço


Social desse período. Tornou-se um misto de técnica e moral, mas sempre tendo o
cuidado de sua prática ser mais de cunho moral doutrinário que técnico, resultado do
poder da Igreja nas ações do Estado.

Neste período de gênese do Serviço Social no Brasil – sob a influência da


doutrina social da Igreja aliada ao Estado e do Serviço Social europeu–, a
profissão adquiriu uma formação moral e técnica, ambas de substrato
humanista, calcada na filosofia aristotélico-tomista. Tinha-se o cuidado de
não deixar que a preocupação com a “técnica” profissional fosse maior do
que com a “moral doutrinária”. (SANTOS, 2009, p. 32)

Assim, o Serviço Social, finca suas raízes dentro do sistema capitalista que, a
autora Santos (2009), bem define: “O processo de surgimento do Serviço Social nos
países cêntricos, segundo Netto (1992), está intimamente ligado ao agravamento da
“questão social” por ocasião da passagem do capitalismo concorrencial para o
capitalismo monopolista”. (NETTO, 1992 apud SANTOS, 2009, p. 29)
Seguindo a trajetória do tempo, em 1940 o Serviço Social brasileiro começa a
se “camuflar” sobre a perspectiva do Serviço Social norte-americano, avançando na
década de 1950 e 1960. Devido a ligação Brasil e Estados Unidos, o ano de 1960 foi
marcado pelo fortalecimento e hegemonia dos modelos norte-americano de atuação
no Brasil.
Como uma receita pronta e acabada, desde o currículo de formação a prática
da profissão em Serviço Social, tudo recebia influência desse modelo norte-
americano” importado”:
A influência do Serviço Social norte-americano no Brasil, iniciada em
meados da década de 1940, se fortalece na década de 1950 e 1960,
tornando-se hegemônica nesta última. Essa influência impugna um caráter
mais técnico-científico ao Serviço Social, embasado no referencial teórico
funcionalista – sem romper, porém, com a herança católica-européia – e na
interação com as Ciências Sociais, trazendo para dentro da profissão uma
preocupação com o conhecimento da realidade através da Sociologia,
Filosofia, Antropologia e Psicologia Social, e adquirindo, das Ciências
Sociais, seu cariz tecnocrático, de neutralidade. (SANTOS, 2009, p. 38)

As referências tecnicistas desse período, mantinham o Serviço Social em solo


tradicional, desprovido de crítica e subjugado aos domínios da ordem econômica
vigente, sendo mero executor da hegemonia, como bem pontua Santos (2009):
“Identifica-se, neste período, então, a interface entre uma ideologia dominante,
fundada no positivismo, e os preceitos da doutrina cristã católica, cabendo ao
Serviço Social uma ação que materializasse essa ideologia”. (SANTOS, 2009, p. 34)
A década de 1960, também marca o período de distanciamento da formação
profissional do Serviço social com os direcionamentos católicos, e com o avanço dos
setores empresariais, essa profissão ganha espaço no mercado de trabalho, logo as
origens pautadas na “caridade” assumem o caráter de profissão.
Assim para Santos (2009),

O surgimento das grandes instituições executoras de políticas sociais


constituiu o mercado de trabalho do Assistente Social, cujas bases de
legitimação foram se deslocando para o Estado e setores empresariais da
sociedade, permitindo, assim, que se deflagrasse um processo de
distanciamento na formação profissional com suas origens católicas que só
se concretizaria mais tarde, na década de 1960. Foi tal processo que
legitimou a profissão na “divisão social e técnica do trabalho”. (SANTOS,
2009, p. 35)

Ao se distanciar da doutrina católica, o Serviço Social vai de encontro ao


conservadorismo, pois não se encontra mais em seu papel de “menor idade”,
precisa avançar e romper com antigos modelos que, o deixavam inertes e mero
executores de práticas que apenas fortaleciam os ideais hegemônicos.
O fazer parte do processo trabalho neste momento, o chamava para uma
nova postura reflexiva de sua formação e prática. Cabe destacar, que nesse período
o Brasil passava pela efervescência de movimentos que, não aceitava os caminhos
de repressão em que a sociedade estava vivendo.
Com a intenção de ruptura e permeada pelo arcabouço de pensamentos intelectuais
de revolução, o Serviço Social se viu instigado a também assumir papel de
revolucionários dentro de sua prática e saberes.

Para Netto, a única perspectiva que vai de encontro ao conservadorismo é a


“intenção de ruptura”. Apesar dessa perspectiva, em seu momento inicial –
década de 1970 –, ter sido atravessada por equívocos, ao incorporar uma
leitura “enviesada” de Marx, o que acarretou a assimilação da concepção
neopositivista de influência althusseriana, em seus momentos posteriores
tenta romper com os mesmos, principalmente na década de 1980, que foi
determinante para esse processo. (SANTOS, 2009, p. 50)

Como Santos (2009), pontua esse processo de extinguir as amarras do


passado, foi realizada às avessas, primeiro pela compreensão equivocada da teoria
de Marx, e depois pela circunstância de repressão que acometia o país. Esse
processo de ruptura esteve limitado nesse momento a academia, porém emanava
da elite intelectual a necessidade de fortalecer essa base de pensamento crítico.

Devido à ditadura militar, inicialmente o processo de renovação em sua


direção de intenção de ruptura ficou restrito à academia. Com a abertura
política, esse processo ampliou-se para a categoria em meados de 1980.
Desde então, há um amadurecimento das reflexões sobre a concepção
marxista, buscando-se ampliar os conhecimentos sobre Marx a partir de
leituras do próprio autor e de autores marxistas, como Lukács e Gramsci.
(SANTOS, 2009, p. 51)

A década de 1980, foi crucial para que a profissão aliada a outros movimentos
sociais de lutas pela redemocratização, firmasse de que lado estava na luta de
classes. A iniciativas de ruptura, nesse momento estavam mais consagradas, e logo
os velhos conceitos de trabalho, abririam espaço para um novo projeto ético-político
da profissão.
Porém, não entraremos nessa abordagem, pois o que direciona o nosso
estudo versará sobre o papel da teoria de Marx na profissão do Serviço Social e o
porquê da indagação de “marxismo sem Marx”, no entanto para isso seguiremos
com os conceitos básicos da teoria social de Marx e partes importantes do legado
marxista.

3 DA TEORIA SOCIAL DE MARX AO MARXISMO

O autor de uma teoria social, capaz de tirar o sossego da burguesia europeia,


Karl Marx tornou-se um fantasma, que causava ojeriza aos detentores do poder, das
máquinas, do dinheiro e da igreja.
“Um espectro ronda a Europa – o espectro do comunismo. Todas as
potências da velha Europa uniram-se numa santa caçada a esse espectro: o papa e
o czar, Mettrnich e Guizot, radicais franceses e policiais alemãs” (MARX, 1818-1883:
2011, p.38). Os pensamentos radicais de Karl Max, renderam um certo terror nas
elites conservadoras de Europa, resultando em 1845 sua expulsão de Paris.
O jovem Marx, teve como mentor ideológico Hegel, mas essa iniciação
filosófica e política, não foi seguida de forma estrita, porém o pensamento de Hegel,
serviu de “ponte” para a construção de sua teoria, como bem pontua as autoras Forti
e Guerra (2009): “Hegel, em seu idealismo, traz importante avanço para o
pensamento, uma vez que o historiciza, o que é fundamental para o salto
materialista dado pelo pensamento de Marx”. (FORTI; GUERRA, 2009, p. 15)
O teor de seus pensamentos, “dotado de uma inteligência crítica, ao qual
examina sem complacência das ideias e as coisas” (MARX, 1818-1883: 2017), de
fato o tornaram inimigo de um sistema burguês – baseado na exploração de uma
classe sobre a outra – pois, sua teoria social, desmistificava as bases de exploração
desse modelo capitalista.
Essa maneira de analisar as ideias e as coisas, através de um método, que
buscava resposta que ultrapasse a aparência, podendo penetrar na essência das
coisas. Marx (1818-1883: 2017), assim descrevia o seu método:

“Meu método dialético, em seus fundamentos, não é apenas diferente do


método hegeliano, mas exatamente seu oposto. Para Hegel, o processo de
pensamento, que ele, sob o nome de Ideia, chega mesmo a transformar
num sujeito autônomo, é o demiurgo do processo efetivo, o qual constitui
apenas a manifestação externo do primeiro. Para mim, ao contrário, o ideal
não é mais do que o material, transposto e traduzido na cabeça do homem”
(MARX, 2017, p. 90)

A concepção materialista da história formulada por Marx e Engels, está


permeada por uma análise crítica do legado teórico-cultural de seu tempo, porém
estritamente ligado “... ao legado da tradição iluminista, a ontologia do ser social que
se funda na práxis formulada por Marx realiza uma crítica de conjunto do mundo
burguês”. (Netto, 1989:92 apud GUERRA, 2012, p.12).
De fato, o romper com os grilhões da supremacia não é fácil em qualquer
momento da história, porém Marx não detinha palavras para expor uma sociedade
desigual, pactuada pela exploração em detrimento da riqueza, tornando-se um
fantasma que ronda os processos da burguesia.

Toda sua elaboração visa compreender o modo de ser e de se constituir do


ser social burguês. Marx inaugura um modo de explicação do real no qual “a
história aparece como o próprio constitutivo da reflexão teórica e a tensão
entre razão e história se resolve no seu plano mesmo: a razão se historiciza
e a história se torna racional” (Netto, 1989:92 apud GUERRA, 2012, p.12).

Assim, funda-se a teoria social de Marx, seguida por pensadores no decorrer


da história, e suas interpretações de mundo alinhadas, receberam o nome de
marxismo, que apoiam seus pensamentos na teoria crítica e no método materialismo
histórico- dialético.
O marxismo, por ser uma corrente de pensamento que vai de encontro com
os pensamentos tradicionais, e com a supremacia da burguesia tem seu papel
ontológico parcialmente aceito na filosofia. “Na história da filosofia, como se sabe,
raramente o marxismo foi entendido como uma ontologia. (LUKÁCS, 1968, p.2)
No entanto, há uma ontologia marxiana que, se difere do pensamento lógico-
dedutivo de Hegel e de qualquer elemento teleológico, parte de um ato materialista
definido da seguinte forma:
Em primeiro lugar, o ser em seu conjunto é visto como um processo
histórico; em segundo, as categorias não são tidas como enunciados sobre
algo que é ou que se torna, mas sim como formas moventes e movidas da
própria matéria: "formas do existir, determinações da existência". (LUKÁCS,
1968, p.3)

Assim, entre as décadas de 1970 e 1980 o legado da teoria social de Marx e


os aprofundamentos do marxismo começaram a interagir no Serviço Social
brasileiro, lógico essa aproximação não aconteceu de forma pacífica.
No primeiro momento, houve a resistência das bases conservadoras do
Serviço Social doutrinado pela Igreja e também pela forma pragmática que moldava
a profissão até esse dado momento. Posteriormente, houve um equívoco na
interpretação desse pensamento, e que perdura até os dias atuais na formação
teórica e prática do Serviço Social que, será tratado a seguir.

4 A POSSIBILIDADE DE CORREÇÃO DO “MARXISMO SEM MARX” NO


SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO
Há um crescente debate no dilema de “na prática a teoria é outra”, que nos
remete em seguida o possível “marxismo sem Marx” no Serviço Social brasileiro. As
autoras como Valéria Forti, Yolanda Guerra, Marilene A. Coelho e Claúdia Mônica
dos Santos tratam dessa questão prática e teoria em seus trabalhos, porém em
nosso estudo o aprofundamento está em o porquê desse dilema e a apontar sua
relação com o chavão “marxismo sem Marx, além de propor estratégia de superação
do cariz conservador que perpassa a profissão do Serviço Social, desde de a
década de 1930 até os dias atuais.
Assim na academia, o dilema de prática e teoria sobrevive entre os docentes,
e a prática profissional do “marxismo sem Marx” é atuante por uma parcela que
compõe a profissão. Mas, se desde a ruptura até a efetivação do Projeto Ético do
Político do Serviço Social datado na década de 1993, a profissão firmou suas bases
na teoria crítica do materialismo histórico-dialético, por que ainda nos deparamos
com docentes e profissionais adeptos ao conservadorismo, ou equivocados em sua
formação?
As respostas poderiam ser práticas e simples, as amarras do neoliberalismo
perduram e amarram a profissão a tradição conservadora, ou poderíamos ir além, as
mudanças foram tomadas de interpretações equivocadas.
Mas, o Serviço Social não pode ser imediatista, caso transforme sua prática
como mero executores de atividades sem reflexão serão fadados a sucumbir diante
do sistema hegemônico ao qual estamos inseridos.
Então pontuamos possíveis atitudes que possibilitem a ruptura e a efetivação
de uma formação crítica e desvelada do que prende o homem em situação de
submissão:
 A mudança no currículo de formação – as bases do ensino precisam
mediar a interpretação sem equívocos da teoria social de Marx e sua
contribuição para o exercício crítico do Serviço Social;
 Ampliação de espaços de debates frente aos mecanismos de
revolução tão necessários para a emancipação política de fato, rumo a
emancipação humana;
 Estratégias de aproximação continuada e permanente dos assistentes
sociais no espaço acadêmico, vislumbrando uma educação crítica
permanente, evitando que o imediatismo torne-se consolidado em sua
prática profissional.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

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