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Maria Luiza Gava Schmidt

Organizadora

Dicionário temático de saúde/doença


mental no trabalho: principais conceitos
e terminologias

São Paulo
FiloCzar
2020
Copyright © 2020 by FiloCzar
Editores: César Mendes da Costa e Monica Aiub da Costa
Revisão: Monica Aiub
Projeto Gráfico: Editora FiloCzar
Foto de capa: Helen Paola Vieira Bueno

Conselho Editorial: João Paulo de Sousa Areosa (ESCE-IPS); Ludmila


Candida de Braga (UNESP); Maria Candida Soares Del Masso (UNESP);
João de Fernandes Teixeira (UFSCar); Liana Gottlieb (ECA-USP); Mauro
Araújo de Souza (Fundação Santo André).

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www.editorafiloczar.com.br
Dedicamos este dicionário a todos os trabalhadores e trabalhadoras.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ........................................................................................ 17
Maria Luiza Gava Schmidt
CONCEITOS INTRODUTÓRIOS................................................................ 19
José Manoel Bertolote

VERBETES
ABSENTEÍSMO-DOENÇA – FATORES ASSOCIADOS.......................... 29
Juliana de Almeida Prado
ACEITAÇÃO ................................................................................................ 30
Helen Paola Vieira Bueno
ADIÇÃO AO TRABALHO (WORKAHOLISM) ........................................ 31
Ana Carolina Perroni
AFETIVIDADE E RELAÇÕES COM A SAÚDE MENTAL NO
TRABALHO.................................................................................................. 32
Mário Sérgio Vasconcelos; Paulo Roberto Ribeiro Marinho
AGEISMO ..................................................................................................... 35
Lucia Helena de Freitas Pinho França; Juliana Seidl
ALIENAÇÃO MENTAL............................................................................... 38
Fabiana Travaglini de Abreu Silva
ALIENAÇÃO NO TRABALHO E IMPACTOS NA SAÚDE MENTAL
DOS TRABALHADORES............................................................................ 42
Daniele Almeida Duarte
ANGÚSTIA (NA RELAÇÃO COM O TRABALHO) ................................. 44
Marcos Mariani Casadore
APOSENTADORIA (NA PERSPECTIVA PSICOSSOCIAL) .................... 46
Lucia Helena de Freitas Pinho França; Thaysa Maria Ribeiro Garcia
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ IMPACTOS NA SAÚDE MENTAL
DO TRABALHADOR................................................................................... 49
Eduardo Costa Sá
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO E SAÚDE
MENTAL NO TRABALHO ......................................................................... 50
Eduardo Costa Sá
ARTE E SAÚDE MENTAL: POSSIBILIDADES NA ÁREA DE SAÚDE
DO TRABALHADOR................................................................................... 53
Maria Luiza Gava Schmidt
ARTETERAPIA SOCIPSICODRAMÁTICA NO CAMPO DA SAÚDE
MENTAL E TRABALHO............................................................................. 57
Maria Luiza Gava Schmidt
ASSÉDIO MORAL (NO TRABALHO): REPERCUSSÕES NA SAÚDE
MENTAL DOS TRABALHADORES .......................................................... 60
Hugo Ferrari Cardoso
ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO E
CONSEQUÊNCIAS À SAÚDE MENTAL DOS TRABALHADORES...... 63
Mateus Bender
ATITUDES EVASIVAS NO TRABALHO (CONSEQUÊNCIAS À SAÚDE
MENTAL DOS TRABALHADORES)......................................................... 65
Hugo Ferrari Cardoso
ATIVIDADES SAZONAIS E IMPACTOS NA SAÚDE MENTAL E
TRABALHO.................................................................................................. 68
Cassiano Ricardo Rumin
AUTOCONFRONTAÇÃO............................................................................ 70
Deivis Perez
AUTOCONTROLE E SAÚDE MENTAL NO TRABALHO ...................... 72
Mário Lázaro Camargo
AUTOEFICÁCIA .......................................................................................... 75
Flavinês Rebolo; Sylvio Takayoshi Barbosa Tutya; Lidia Carolina Rodrigues
Balabuch; Dâmaris de Oliveira Antunes
AUTOESTIMA.............................................................................................. 77
Flavinês Rebolo; Sylvio Takayoshi Barbosa Tutya; Lidia Carolina Rodrigues
Balabuch; Dâmaris de Oliveira Antunes
AUTOGESTÃO E SAÚDE MENTAL NO TRABALHO............................ 79
Cassiano Ricardo Rumin
AUTONOMIA E SAÚDE MENTAL E TRABALHO ................................. 81
Roberto Heloani; Margarida Barreto
BEM-ESTAR NO TRABALHO ................................................................... 83
Flavinês Rebolo; Liliana Andolpho Magalhães Guimarães
CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL E SAÚDE NO TRABALHO............... 86
Alessandra Laudelino Neto; Helen Paola Bueno Vieira
CARGA DE TRABALHO............................................................................. 88
Nilson Rogério Silva
CENTRALIDADE DO TRABALHO E SAÚDE MENTAL........................ 90
Bruno Chapadeiro
CLIMA ORGANIZACIONAL (IMPACTOS NA SAÚDE MENTAL NO
CONTEXTO LABORAL)............................................................................. 92
Hugo Ferrari Cardoso
CLÍNICAS DO TRABALHO........................................................................ 96
Guilherme Elias da Silva
COACHING - CORRELAÇÕES COM A SAÚDE MENTAL NO TRABALHO......... 99
Rosângela de Oliveira Rosa Zarza
COERÇÃO NO TRABALHO ..................................................................... 102
Marcos Mariani Casadore
COMPETÊNCIAS LABORAIS E SAÚDE MENTAL NO TRABALHO (1) .......104
Dinael Corrêa de Campos
COMPETÊNCIAS LABORAIS E SAÚDE MENTAL NO TRABALHO (2) .......106
Mateus Bender
COMPORTAMENTO CONTRAPRODUCENTE NO TRABALHO........ 108
Maria Aparecida Balduíno Canale; Maria Elisa de Lacerda Faria; Sylvio
Takayoshi Barbosa Tutya
COMPORTAMENTO NO TRABALHO.................................................... 111
Helen Paola Vieira Bueno
COMPORTAMENTO PROATIVO NO TRABALHO .............................. 112
Eduardo Espíndola Fontoura Junior; Flaviany Aparecida Piccoli Fontoura;
Maria Elisa de Lacerda Faria
CONDIÇÕES DE TRABALHO: IMPACTOS NA SAÚDE MENTAL DOS
TRABALHADORES................................................................................... 115
Maria Teresa Pires Costa
CONDIÇÕES DE TRABALHO: REPERCUSSÕES NA SAÚDE PSÍQUICA
DOS TRABALHADORES.......................................................................... 118
Carlos Roberto Campos
CONFLITO DE VALORES E IMPACTOS NA SAÚDE MENTAL NO
TRABALHO................................................................................................ 120
Daniele Almeida Duarte
CONFLITO FAMÍLIA-TRABALHO ......................................................... 122
Marianne Ramos Feijó
CONTEXTO DE TRABALHO ................................................................... 126
Mário César Ferreira
CONTROLE (MECANISMOS) E REPERCUSSÕES NO COTIDIANO
LABORAL................................................................................................... 128
Daniele Almeida Duarte
CONTROLE DE QUALIDADE TOTAL E IMPACTOS NA SAÚDE
MENTAL DOS TRABALHADORES ........................................................ 130
Maria Luiza Gava Schmidt
CONTROLE E LATITUDE DE DECISÃO ............................................... 133
João Massuda Junior; Ana Carolina Perroni;
Liliana Andolpho Magalhães Guimarães
COPING (ESTRATÉGIAS PARA SAÚDE MENTAL NO TRABALHO) ... 135
Diana Pancini de Sá Antunes Ribeiro; Mariana Neves Gonçalves de Souza
CRIATIVIDADE E SAÚDE MENTAL NO TRABALHO ........................ 137
Maria Luiza Gava Schmidt
DEMANDAS PSÍQUICAS NO TRABALHO............................................ 140
Mário Lázaro Camargo
DEPRESSÃO – CORRELAÇÕES COM O AMBIENTE DE TRABALHO.........142
Maria Luiza Gava Schmidt
DESAMPARO............................................................................................. 146
Alessandra Laudelino Neto; Helen Paola Vieira Bueno;
Jorge Miguel Soares Rodrigues
DESEQUILÍBRIO ESFORÇO-RECOMPENSA (SIEGRIST)................... 147
Tânia Maria de Araújo
DESIGN THINKING NA PERSPECTIVA SOCIONÔMICA EM PROL DA
SAÚDE ORGANIZACIONAL E DOS TRABALHADORES ................... 150
Maria Luiza Gava Schmidt
DIAGNÓSTICO FUNCIONAL .................................................................. 155
Fabiana Travaglini de Abreu Silva
DIAGNÓSTICO NOSOGRÁFICO............................................................. 159
Fabiana Travaglini de Abreu Silva
DIGNIDADE E EFEITOS À SAÚDE MENTAL NAS RELAÇÕES DE
TRABALHO................................................................................................ 165
Mateus Bender
DOR PSÍQUICA.......................................................................................... 167
Luziane de Fátima Kirchner; Lidia Carolina Rodrigues Balabuch;
Maria Elisa de Lacerda Faria
EMOÇÕES .................................................................................................. 169
Matheus Viana Braz
EMPATIA.................................................................................................... 172
Márcia Pereira Bernardes
ENGAJAMENTO LABORAL E SAÚDE MENTAL NO TRABALHO ... 174
André Luis Amorim Silva Filho; Michelle Morelo Pereira
ENIGMA DO TRABALHO – CONTRIBUIÇÕES DA PSICODINÂMICA
DO TRABALHO ......................................................................................... 176
Laerte Idal Sznelwar; Selma Lancman; Cláudio Marcelo Brunoro;
Juliana O. Barros; Seiji Uchida
ENTREVISTA............................................................................................. 180
Sandra Fogaça Rosa Ribeiro
ENTRINCHEIRAMENTO ORGANIZACIONAL..................................... 182
Elaine Cristina Vaz Vaez Gomes; Liliana Andolpho Magalhães Guimarães;
Maria José Chambel
ERGOLOGIA, SAÚDE MENTAL E TRABALHO ................................... 184
Milton Athayde; Jussara Brito; Wladimir Ferreira de Souza
ERGONOMIA DA ATIVIDADE E RELAÇÕES COM A SAÚDE
MENTAL NO TRABALHO ....................................................................... 186
Laerte Idal Sznelwar; François Hubault; Cláudio Brunoro; Ivan Bolis
ESGOTAMENTO PROFISSIONAL E IMPACTOS NA SAÚDE MENTAL.......190
Gracielle Pereira Aires Garcia; Maria Helena Palucci Marziale
ESPONTANEIDADE E SAÚDE MENTAL NO TRABALHO (NA
VERTENTE SOCIONÔMICA) .................................................................. 192
Maria Luiza Gava Schmidt
ESTILO DE VIDA E SAÚDE MENTAL ................................................... 195
Lidia Carolina Rodrigues Balabuch; Maria Elisa de Larcerda Faria;
Sylvio Takayoshi Barbosa Tutya; Thamyres Ribeiro Pereira
ESTRATÉGIAS PARA A PRESERVAÇÃO DA SAÚDE MENTAL NO
TRABALHO................................................................................................ 197
Maria Elizabeth Antunes Lima
ESTRESSORES OCUPACIONAIS ............................................................ 199
Marianne Ramos Feijó
EXIGÊNCIAS DO TRABALHO E IMPACTOS NA SAÚDE MENTAL
DOS TRABALHADORES.......................................................................... 202
Bruno Chapadeiro
FADIGA ...................................................................................................... 205
Ana Carolina Perroni Lima; Elaine Cristina Vaz Vaez Gomes;
João Carlos Messias; Vanusa Meneghel
FATORES PSICOSSOCIAIS E IMPACTOS NA SAÚDE DOS
TRABALHADORES................................................................................... 207
André de Figueiredo Luna; Sônia Maria Guedes Gondim
FELICIDADE .............................................................................................. 214
Márcia Pereira Bernardes; Narbal Silva
FLEXIBILIZAÇÃO DO TRABALHO E REPERCUSSÕES NO PROCESSO
SAÚDE/DOENÇA MENTAL NO TRABALHO ....................................... 216
Bruno Chapadeiro
GÊNERO – TRABALHO E SAÚDE.......................................................... 219
Marianne Ramos Feijó
GLOBALIZAÇÃO E O PROCESSO SAÚDE-DOENÇA NO TRABALHO........223
Cassiano Ricardo Rumin
GRUPALIDADE (CONCEITO) E CORRELAÇÕES COM A SAÚDE
MENTAL NO TRABALHO ....................................................................... 225
Hilda Alevato
GRUPO FOCAL.......................................................................................... 227
Sandra Fogaça Rosa Ribeiro
HABILIDADES SOCIAIS E SAÚDE MENTAL NO TRABALHO (1).... 229
Dinael Corrêa de Campos
HABILIDADES SOCIAIS E SAÚDE MENTAL NO TRABALHO (2).... 231
Mateus Bender
HABITABILIDADE.................................................................................... 232
Mara Sampaio
HARDINESS ................................................................................................ 235
Helen Paola Vieira Bueno; Fernando Faleiros de Oliveira;
Márcia Regina Teixeira Minari
HIPERATIVIDADE LABORAL ................................................................ 237
Matheus Viana Braz
HUMANIZAÇÃO ....................................................................................... 240
Renato Salviato Fajardo; Flávia Cristina Santiago de Oliveira;
José Luiz Riani Costa; Adriana Cristina Zavanelli
IDENTIDADE E TRABALHO ................................................................... 242
Marcos Mariani Casadore
INCERTEZA NO TRABALHO (1) ............................................................ 244
Frederico Gomes; Leonardo Gomes
INCERTEZA NO TRABALHO (2) ............................................................ 247
Fernando Faleiros de Oliveira; Helen Paola Vieira Bueno;
Márcia Regina Teixeira Minari
INCIDÊNCIA .............................................................................................. 249
Geovani Gurgel Aciole
INDIVIDUALISMO.................................................................................... 251
Matheus Viana Braz
INJUSTIÇA SOCIAL E PROCESSO DE ADOECIMENTO NA RELAÇÃO
COM O TRABALHO.................................................................................. 254
Mateus Bender
INSTRUÇÃO AO SÓSIA ........................................................................... 256
Deivis Perez; Ruchelli Stanzani Ercolano
INTENÇÃO DE ABANDONO LABORAL ............................................... 258
Mary Sandra Carlotto; Sheila Gonçalves Câmara
INVISIBILIDADE NO TRABALHO - IMPACTOS NA SAÚDE MENTAL
DOS TRABALHADORES.......................................................................... 260
Alice Dias Paulino
LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO AMBIENTE DE TRABALHO ....... 263
Mário César Ferreira
LIDERANÇA: IMPACTOS NA SAÚDE MENTAL DOS
TRABALHADORES................................................................................... 265
Rodney Querino Ferreira-Costa; Nelson Pedro-Silva
LOCUS DE CONTROLE............................................................................ 267
Miryam Cristina Mazieiro Vergueiro da Silva
MAL-ESTAR NO TRABALHO (1) ........................................................... 269
Mário César Ferreira
MAL-ESTAR NO TRABALHO (2) ........................................................... 272
Flavinês Rebolo; Liliana Andolpho Magalhães Guimarães
MECANISMOS DE DEFESA .................................................................... 274
Matheus Viana Braz
MEDICINA DO TRABALHO – CONTRIBUIÇÕES PARA SAÚDE
MENTAL DO TRABALHADOR ............................................................... 276
João Silvestre Silva-Junior
METODOLOGIA QUALITATIVA............................................................ 278
Sandra Fogaça Rosa Ribeiro
MOBILIZAÇÃO SUBJETIVA ................................................................... 281
Guilherme Elias da Silva
MODELO TEÓRICO METODOLÓGICO EFFORT REWARD
IMBALANCE- ERI....................................................................................... 283
Márcia Regina Teixeira Minari; Liliana Andolpho Magalhães Guimarães
MODELO TEÓRICO METODOLÓGICO
JOB DEMANDS-RESOURCES ................................................................... 285
Liliana Andolpho Magalhães Guimarães; João Massuda Júnior
MODERNIDADE REFLEXIVA................................................................. 288
Mateus Bender
MODOS DE GESTÃO ................................................................................ 290
Maria Aparecida Canale Balduíno; João Massuda Júnior;
Fernando Faleiros de Oliveira; Liliana Andolpho Magalhães Guimarães
MODOS DE GESTÃO E SUPERVISÃO: AS REPERCUSSÕES NA
SAÚDE MENTAL NO TRABALHO ......................................................... 292
Cassiano Ricardo Rumin
MONOTONIA............................................................................................. 294
Leandro A. Todesqui Tavares
MOTIVAÇÃO E OS IMPACTOS NA SAÚDE MENTAL DOS
TRABALHADORES................................................................................... 298
Antônio Alves Filho; Luciana Bezerra de Souza Gianasi
NEUROTICISMO ....................................................................................... 300
Leandro A. Todesqui Tavares
NEUROTÓXICO......................................................................................... 304
Glória Stefania Alves Siqueira; Flávia Heloísa Santos
NEXO DE CAUSALIDADE POR TRANSTORNOS MENTAIS E
COMPORTAMENTAIS.............................................................................. 306
Fabiana Travaglini de Abreu Silva
OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE ............................................................. 314
Sandra Fogaça Rosa Ribeiro
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E SAÚDE MENTAL ....................... 316
Pedro F. Bendassolli; Fellipe Coelho-Lima; Laura Kyvia de Almeida Soares
ORGANIZAÇÕES PROMOTORAS DE SAÚDE...................................... 318
Andréa Claudia de Souza; Joceli Drummond
PERCEPÇÃO DE SUPORTE ORGANIZACIONAL ................................ 320
Mauricio Robayo Tamayo
PERÍCIA MÉDICA EM SAÚDE MENTAL E TRABALHO .................... 322
Marcos Henrique Mendanha
POLIVALÊNCIA ........................................................................................ 324
Dâmaris de Oliveira Antunes; Elaine Cristina Vaz Vaez Gomes;
João Carlos Messias; Vanusa Meneghel
PRESENTEÍSMO E ADOECIMENTO NO TRABALHO......................... 327
Heloisa Campos Paschoalin
PREVALÊNCIA.......................................................................................... 329
Geovani Gurgel Aciole
PREVENÇÃO PRIMÁRIA, SECUNDÁRIA E TERCIÁRIA.................... 331
Alessandra Laudelino Neto; Helen Paola Vieira Bueno;
Liliana Andolpho Magalhães Guimarães
PROCESSOS PSICOSSOCIAIS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO E
SAÚDE ........................................................................................................ 333
Mateus Bender
PROCRASTINAÇÃO ................................................................................. 334
Valdiney V. Gouveia; Mônica de Fátima Batista Correia
PROMOÇÃO DE SAÚDE MENTAL E TRABALHO .............................. 337
Alessandra Laudelino Neto; João Massuda Junior;
Liliana Andolpho Magalhães Guimarães
PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL NO TRABALHO
(ESTRATÉGIAS DE...)............................................................................... 339
Miryam Cristina Mazieiro Vergueiro da Silva
PROTOCOLO DE INTERVENÇÃO INDIVIDUAL DE ESTRESSE
OCUPACIONAL......................................................................................... 342
Fátima Cristina Macedo; Fernando Faleiros de Oliveira;
Márcia Regina Teixeira Minari
PSICODINÂMICA DO TRABALHO ........................................................ 344
Marcos Mariani Casadore
PSICOLOGIA AMBIENTAL E SAÚDE MENTAL NO TRABALHO .... 346
Matheus Fernandes de Castro
PSICOLOGIA DA SAÚDE OCUPACIONAL: CONTRIBUIÇÕES PARA O
CAMPO DA SAÚDE MENTAL E TRABALHO ...................................... 349
Fernando Faleiros de Oliveira; Liliana Andolpho Magalhães Guimarães
PSICOLOGIA DO TRABALHO E SAÚDE MENTAL NOS CONTEXTOS
LABORAIS.................................................................................................. 351
Lucas Martins Soldera
PSICOPATOLOGIA (NA ABORDAGEM DA PSICODINÂMICA DO
TRABALHO) .............................................................................................. 354
Mateus Bender
PSICOPATOLOGIA DO TRABALHO...................................................... 355
Maria Elizabeth Antunes Lima
PSICOSSOCIOLOGIA E SAÚDE MENTAL NO TRABALHO............... 357
Livia de Oliveira Borges; Sabrina Cavalcanti Barros
PSYCHOSOCIAL SAFETY CLIMATE - APRESENTAÇÃO DO MODELO ........ 359
João Massuda Júnior; Liliana Andolpho Magalhães Guimarães
QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO (QVT) E SAÚDE MENTAL..... 361
Mário César Ferreira
QUARTEIRIZAÇÃO .................................................................................. 363
Cássio Adriano Braz de Aquino
READAPTAÇÃO PROFISSIONAL – RESSIGNIFICAÇÃO COM O
TRABALHO E SAÚDE MENTAL ............................................................ 366
Maria Luiza Gava Schmidt; Walnei Fernandes Barbosa;
Silvia Cristina Camargo Pinceli
RELAÇÃO TRABALHO-FAMÍLIA .......................................................... 368
Ednéia Albino Nunes Cerchiari; João Carlos Messias
RELAÇÕES INTERPESSOAIS E CORRELAÇÕES NO PROCESSO
SAÚDE – DOENÇA DO TRABALHADOR.............................................. 370
Andréa Claudia de Souza; Joceli Drummond
RESILIÊNCIA E CORRELAÇÕES COM A PROMOÇÃO DA SAÚDE
MENTAL NO TRABALHO ....................................................................... 372
Silmar Maria da Silva; Patrícia Campos Pavan Baptista;
Sandra das Dores Souza
RETORNO AO TRABALHO APÓS AFASTAMENTO POR
TRANSTORNO MENTAL ......................................................................... 375
Carla Júlia Segre Faiman
SATISFAÇÃO PSICOSSOMÁTICA (DEFINIÇÃO) NAS RELAÇÕES
COM O TRABALHO E SAÚDE ................................................................ 377
Mateus Bender
SAÚDE E NOVAS CONDIÇÕES DE TRABALHO ................................. 379
Fellipe Coelho-Lima; Pedro F. Bendassolli
SAÚDE MENTAL E TRABALHO ............................................................ 382
Holmes Antonio Vieira Martins; Fernando Freitas
SAÚDE MENTAL POSITIVA OCUPACIONAL (SMPO) ....................... 387
Julio César Vázquez-Colunga
SAÚDE ORGANIZACIONAL ................................................................... 389
Sinésio Gomide Júnior
SELF: RELAÇÕES COM O TRABALHO E SAÚDE ............................... 392
Mateus Bender
SENTIDO DO TRABALHO E SAÚDE MENTAL.................................... 394
Camila Teixeira Heleno; Livia de Oliveira Borges
SÍNDROME DE BURNOUT – FATORES ASSOCIADOS ....................... 396
Mary Sandra Carlotto; Sheila Gonçalves Câmara
SOCIODINÂMICA DO TRABALHO E SAÚDE MENTAL .................... 398
Hilda Alevato
SOCIODRAMA NAS ORGANIZAÇÕES E SAÚDE MENTAL NO
TRABALHO................................................................................................ 400
Andréa Claudia de Souza; Joceli Drummond
SOCIOLOGIA CLÍNICA............................................................................ 402
Matheus Viana Braz
SOFRIMENTO CRIATIVO NO TRABALHO (NA ÓTICA DE
CHRISTOPHE DEJOURS) ......................................................................... 405
Ana Cláudia Almeida Machado; Emílio Peres Facas
SOFRIMENTO PATOGÊNICO NO TRABALHO (NA ÓTICA DE
CHRISTOPHE DEJOURS) ......................................................................... 407
Ana Cláudia Almeida Machado; Emílio Peres Facas
SOFRIMENTO PSÍQUICO (DEFINIÇÃO) NA RELAÇÃO COM O
TRABALHO................................................................................................ 410
Lucas Martins Soldera
SOFRIMENTO PSÍQUICO E RELAÇÃO COM O TRABALHO............. 412
Sandra Fogaça Rosa Ribeiro
SOFRIMENTO SOCIAL E OS IMPACTOS NA SAÚDE MENTAL DO
TRABALHADOR ....................................................................................... 415
Rosangela Werlang
SUBLIMAÇÃO ........................................................................................... 416
Leandro A. Todesqui Tavares
SUBJETIVIDADE E SAÚDE MENTAL NO TRABALHO...................... 420
Guilherme Elias da Silva
SUPORTE SOCIAL (NO TRABALHO) E EFEITOS À SAÚDE MENTAL
DOS TRABALHADORES.......................................................................... 422
Hugo Ferrari Cardoso
TECNOESTRESSE ..................................................................................... 425
Mary Sandra Carlotto; Sheila Gonçalves Câmara
TECNOLOGIA OFF-SHORE E IMPACTOS NA SAÚDE MENTAL DOS
TRABALHADORES .................................................................................. 427
Alexandre de Carvalho Castro; Luís Henrique da Costa Leão
TECNOLOGIAS DIGITAIS CONECTADAS À INTERNET E OS
IMPACTOS NA SAÚDE DO TRABALHADOR ...................................... 430
Matheus Fernandes de Castro
TELEATENDIMENTO (CONCEITO) - IMPACTOS NA SAÚDE
MENTAL DO TRABALHADOR ............................................................... 432
Patricio Nusshold
TRABALHO, EMOÇÕES E SAÚDE MENTAL ....................................... 434
Emanuel Missias Silva Palma; Ana Lucia Teixeira Hirschle;
Sonia Maria Guedes Gondim
TRABALHO PRESCRITO E TRABALHO REAL.................................... 438
Paulo Antonio Barros Oliveira
TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO E RELAÇÕES COM
O TRABALHO............................................................................................ 440
Luiziana Souto Schaefer; Christian Haag Kristensen
TRANSTORNO DEPRESSIVO MAIOR – REPERCUSSÕES SOBRE A
SAÚDE MENTAL DOS TRABALHADORES.......................................... 442
Juliana de Almeida Prado
TRANSTORNO MENTAL NÃO ORGÂNICO RELACIONADO AO
TRABALHO................................................................................................ 444
Eduardo Costa Sá
TRANSTORNO MENTAL ORGÂNICO RELACIONADO AO
TRABALHO................................................................................................ 446
Eduardo Costa Sá
TRANSTORNOS ANSIOSOS (TA) ........................................................... 448
Ana Carolina Esteca
TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE ................................................ 449
Fabiana Travaglini de Abreu Silva
TRANSTORNOS DO CICLO VIGÍLIA-SONO RELACIONADOS AO
TRABALHO................................................................................................ 453
Elaine Cristina Marqueze; Frida Marina Fischer
TRANSTORNOS PSICÓTICOS (TP) ........................................................ 454
Ana Carolina Esteca
UTILIDADE NO TRABALHO................................................................... 456
Leandro A. Todesqui Tavares
VIGILÂNCIA EM SAÚDE MENTAL DO TRABALHADOR ................. 458
Luís Henrique da Costa Leão
VIOLÊNCIA ORGANIZACIONAL........................................................... 461
Roberto Heloani; Margarida Barreto
SOBRE OS AUTORES E COAUTORES DOS VERBETES..................... 465
SOBRE A ORGANIZADORA.....................................................................487
APRESENTAÇÃO
Este dicionário temático reúne conceitos e terminologias que
abordam aspectos do binômio saúde/doença mental no trabalho. Sua
elaboração está alicerçada numa equipe de pesquisadores e
profissionais que cotidianamente atuam engajados em prol das ações
voltadas a identificação dos fatores de riscos à saúde mental dos
trabalhadores e também no estabelecimento de proposições, visando
prevenir adoecimento e promover a saúde na relação trabalhador-
trabalho. Os autores e coautores são profissionais de várias áreas do
conhecimento que atuam em diferentes instituições.
O êxito dessa grande empreitada para concretização deste
trabalho coletivo, dependeu, todavia, do comprometimento dos
envolvidos, aos quais registramos aqui nossos sinceros agradecimentos.
Almejamos que o conteúdo que compõe este dicionário sirva
de guia para subsidiar ações em prol de melhor qualidade de vida à
população trabalhadora e que contribua para avanços no Campo da
Saúde Mental e Trabalho, sobretudo na prevenção dos riscos que
afetam a saúde psíquica dos trabalhadores em diferentes contextos.
Buscamos na organização desta obra reunir os principais
conceitos contemporâneos associados ao binômio saúde-doença
mental na relação com o trabalho, abordando aqueles essenciais e
consagrados para a compreensão deste fenômeno.
Dada a dinâmica das transformações do mundo do trabalho,
este dicionário não pode ser considerado uma obra concluída, trata-se
de um agrupamento de alguns conceitos temáticos que respondem
questões neste momento histórico da relação trabalhador-trabalho. A
tarefa de organização do dicionário foi uma construção muito
prazerosa, a cada verbete recebido tínhamos a confirmação de que a
ideia inicial era promissora.
Atuando como docente na Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” - Unesp, esperamos com este dicionário
contribuir para o letramento científico no Campo da Saúde Mental e
Trabalho mediante a difusão do conhecimento propiciado pelo
conteúdo publicado nesta obra coletiva.

Maria Luiza Gava Schmidt


CONCEITOS INTRODUTÓRIOS
José Manoel Bertolote

O Dicionário Temático de Saúde/Doença Mental no


Trabalho: Principais Conceitos e Terminologias, elaborado com a
colaboração de diversos autores e pesquisadores do campo da Saúde
Mental e Trabalho, contribuirá certamente para aprofundar e fundamentar
conceitos e termos muitas vezes empregados segundo referenciais
teóricos próprios.
A coerência da proposta requer percorrer um caminho inicial de
apresentação, clarificação e aprofundamento de conceitos, originalmente
médicos, que, por vezes, podem ser confundidos pela diversidade de
profissionais e pesquisadores que atuam no campo da Saúde Mental e
Trabalho, cada vez mais multidisciplinar e multiprofissional. Desse
modo, neste texto inicial apresentamos alguns conceitos introdutórios
com o propósito de auxiliar na compreensão dos verbetes empregados
reiteradas vezes no eixo estruturante do dicionário.
Iniciamos com os conceitos de síndrome, doença e transtorno.
Síndrome (ou síndroma) é um conjunto de sinais e sintomas que
caracterizam uma entidade mórbida, que, contudo, não chegam a
constituir uma doença ou enfermidade. Por exemplo, síndrome febril,
síndrome de abdome agudo, síndrome hemorrágica. É a atribuição de
uma etiologia específica a uma síndrome, com um dado curso e um certo
prognóstico, que constitui o construto médico de doença. Os exemplos
citados anteriormente poderiam, eventualmente, uma vez identificada
uma etiologia específica, ser diagnosticados como doença: dengue,
peritonite devida a perfuração consequente a traumatismo abdominal,
hemofilia, respectivamente. Aliás, uma síndrome hemorrágica pode se
apresentar tanto na doença dengue (etiologia infecciosa) como na doença
hemofilia (etiologia constitucional, genética).
Assim:
sinais + sintomas = síndrome
síndrome + etiologia específica = doença
Sinal. Em Propedêutica Médica, algo que se percebe no
examinando através dos órgãos dos sentidos (mais frequentemente da
visão, do tato e da audição). São evidenciados diretamente através dos
quatro tempos clássicos do exame físico: 1. Inspeção, 2. Palpação, 3.
Percussão e 4. Ausculta. Como exemplos de sinais clínicos físicos
temos: rubor, temperatura elevada, pulso acelerado, massa tumoral,
abdome distendido etc.
No exame psíquico, os sinais são evidenciados através das
funções psíquicas mais importantes, a saber, consciência, atenção,
memória, humor, volição, comportamento e pensamento. Como
exemplo de sinais psíquicos temos: letargia, distraibilidade, amnésia de
fixação ou de evocação, labilidade afetiva, incontinência emocional,
pensamento acelerado, desagregação do pensamento, fuga de ideias,
inquietação motora etc. Note-se que a maioria dos resultados de exames
auxiliares laboratoriais ou de imagem também corresponde a um sinal e
não a um diagnóstico, como muitas vezes se crê.
Sintoma. Em Propedêutica Médica, sintoma é tudo aquilo que
o examinando sente, percebe, pensa ou imagina, em decorrência de uma
alteração funcional ou anatômica. Ao passo que é relativamente fácil
distinguir sinais físicos de sinais psíquicos é mais difícil separar
sintomas físicos de sintomas psíquicos. Como exemplos de sintomas
temos dor (de diversas naturezas e com características variáveis),
sensação de corpo quente, palpitação, cansaço, angústia, tristeza,
irritabilidade, dificuldade para mover uma determinada parte do corpo.
Um exemplo da importância da distinção entre sinal e sintoma,
na área da Saúde do Trabalhador, é encontrado de forma proeminente
nos diagnósticos de SIMULAÇÃO e de DISSIMULAÇÃO. Esses dois
diagnósticos, em geral, são baseados predominantemente em validação
externa, seja do exame físico, seja de exames laboratoriais subsidiários,
que, a rigor, são sinais (observados do exterior, e passíveis de validação
por outro observador independente), todavia, a maioria das queixas dos
pacientes constitui sintomas (estritamente do campo existencial interno
do examinando e, portanto, imune à validação por outro observador
independente). À maioria dos sintomas correspondem sinais, porém
não devemos confundir uns com outros e ter sempre em mente que uma
mesma causa pode gerar tanto sinais quanto sintomas.
Exemplos de correspondência entre alguns sinais e sintomas
Sinal Sintoma
Febre Corpo quente
Taquicardia Palpitação
Edema Dor
Rubor Corpo quente, dor
Inquietação psicomotora Ansiedade, angústia
Labilidade emocional Tristeza
Letargia Sonolência
Marcha claudicante Dor

20
Doença é um termo bastante restritivo que designa um estado
caracterizado por sinais e sintomas causados por uma etiologia
específica. Em geral, etiologias específicas são identificadas quase
que exclusivamente no caso de doenças infecciosas e algumas
neoplasias; nas demais – sobretudo nos casos de transtornos mentais –
, o que temos são conjuntos de concausas, de tal forma articuladas que
quase nunca é possível atribuir-se um peso específico a cada uma
delas. Nesse sentido, o meio ambiente pode, no máximo, ser
considerado um fator facilitador, não uma causa.
Como exemplo, na Doença de Chagas, a etiologia específica é
o protozoário Trypanosoma cruzi, e nenhuma outra; mesmo o barbeiro
(Panstrongylus megistus), que o transmite, não é causa dessa doença,
é um mero vetor. Similarmente, na doença da dengue, a etiologia
específica (causa) é um arbovírus (tipos 1, 2, 3 ou 4), não o mosquito
(Aedes aegypti), cuja picada pode transmitir essa doença, entre outras.
Em ambos casos, o meio ambiente pode ser (e é) um fator facilitador,
mas, não etiologia.
Já Enfermidade é um termo genérico que designa qualquer
“desarranjo na disposição natural do corpo”, segundo Miguel Couto.
Na linguagem popular diz-se “Fulano adoeceu”. “Tal condição de
trabalho é causa de adoecimento”. Muito embora vox populi, vox Dei,
essas expressões, do ponto de vista técnico, são imprecisas, uma vez
que se referem ao processo de enfermar e não ao de adoecer, devendo,
por isso mesmo, ser evitadas em documentos e relatórios técnicos.
Talvez a síndrome mais citada em Saúde do Trabalhador seja a
síndrome de burnout, incluída na CID-10 (OMS, 1997), como Z73.0
Esgotamento, na categoria Z73 Problemas relacionados a dificuldades
com a organização do modo de vida.
Essa síndrome é o que se chama de síndrome complexa, por
ser composta de outras síndromes, a saber, síndrome depressiva,
síndrome de despersonalização e síndrome de distanciamento
emocional. Foi descrita originalmente, em si mesmo e em outros
voluntários que trabalhavam numa clínica para dependentes de drogas,
pelo psicanalista alemão Hebert J. Freudenberg (1974).
A CID-10 não apresenta critérios diagnósticos para as
categorias incluídas no Capítulo Z, uma vez que ele engloba motivos
para Exame Médico e Consulta Com Finalidades Administrativas, o
que confirma que Z73.0 não é uma doença e, sim, uma síndrome.
Embora seja diagnóstico bastante comum em Saúde do
Trabalhador, o sinônimo dado pela OMS para essa síndrome é Estado
de exaustão física e emocional, uma vez mais sem reconhecer para
esse estado nenhuma etiologia específica.
21
Para que essa síndrome fosse alçada à categoria de doença,
seria preciso identificar seu agente etiológico específico e, com vimos
anteriormente, o ambiente de trabalho pode ser considerado um fator
facilitador, nunca uma causa.
Ressalte-se ainda a importância da diferenciação entre distúrbio
e disfunção. Em Medicina, distúrbio, significa a alteração de uma dada
função ou conjunto de funções, p. ex.: distúrbio visual, distúrbio da
atenção, distúrbio digestivo. Neste sentido, é sinônimo de disfunção e
tem menor abrangência que transtorno (veja adiante). Na sequência
temporal natural possível das alterações fisiopatológicas, temos:

disfunção (ou deficiência) > incapacidade > invalidez

Obviamente, nem sempre a disfunção ou deficiência se


transforma em incapacidade (o que depende fundamentalmente da
atividade a ser exercida, logo, do meio ambiente), nem está em invalidez
(o que depende sobretudo na natureza e do grau da afecção que gerou a
deficiência, de seu tratamento e dos processos de reabilitação).
Ainda no terreno da Semiologia, transtorno é outra palavras que
se presta a inúmeros equívocos e desentendimentos. Em Medicina, é
usado fundamentalmente no terreno da Psiquiatria. Na Classificação de
Doenças e Causas de Morte, acima mencionada, é empregada apenas no
Capítulo F, que cobre os Transtornos Mentais e Comportamentais.
Transtorno significa a alteração mórbida física ou mental,
relativamente complexa, que tampouco chega a caracterizar uma
doença ou enfermidade. É um termo genérico empregado quando não
se quer ou não se pode caracterizar precisamente a natureza da
condição mórbida como uma doença. Assim, pode-se falar de um
transtorno hepático diante de uma condição na qual se observam
alterações da função hepática, ainda sem maiores especificações ou
informações; posteriormente, esse diagnóstico pode ser reformulado
para, por exemplo, cirrose hepática alcoólica ou infecciosa (doenças
específicas). Similarmente, em Psiquiatria, podemos diagnosticar,
inicialmente, um transtorno do humor, posteriormente identificado
como uma reação depressiva.
Nesse sentido, a expressão transtornos de personalidade
designa um conjunto de alterações dos comportamentos e do modo de
ser que, no dizer clássico de Kurt Schneider, fazem sofrer seus
portadores ou a sociedade, sem, no entanto, constituírem doenças
(SCHNEIDER, 1968). Similarmente, os estados deficitários
congênitos da inteligência (retardo mental, na CID-10) são condições
que não são consideradas doenças, mas, sim, transtornos.
22
Outro conceito importante, cujo conteúdo merece ser esclarecido,
diz respeito à comorbidade. Esta palavra ainda não está consignada em
nenhum bom dicionário da língua portuguesa; todavia, ela vem sendo
empregada com crescente frequência, derivada de comorbidity, que, em
inglês, designa a ocorrência concomitante de mais de uma condição
mórbida, independentemente da natureza (física ou mental) de cada uma
delas e sem, necessariamente, uma relação de reciprocidade ou
correspondência entre elas (p. ex.: diabetes tipo II e hipertensão arterial,
depressão e asma). Em Psiquiatria emprega-se a expressão “doença dual”
em geral para designar a coocorrência de um transtorno por uso de
substâncias com outro tipo de transtorno mental (p. ex.: dependência de
álcool e esquizofrenia).
Na prática clínica cotidiana, sobretudo após a transição
epidemiológica, associada ao aumento da expectativa de vida, é cada vez
mais raro ver-se um paciente com apenas uma afecção, síndrome ou
doença. Via de regra, as pessoas, com o prolongar da vida, vão
acumulando problemas de saúde. Todavia, em virtude (ou vício) da
crescente especialização e hiperespecialização médica, cada vez mais os
profissionais de saúde dedicam-se a problemas específicos delimitados
nosologicamente. Ainda na prática cotidiana, mormente da Saúde do
Trabalhador, tanto os diagnósticos de problemas osteomusculares quanto
os de transtornos depressivos, estão entre os mais frequentes. E, se
examinarmos mais de perto os pacientes com esses diagnósticos,
observaremos que, com altíssima frequência, ocorrem concomitantemente.
Aliás, uma das principais consequências da transição
epidemiológica é a predominância crescente de doenças crônicas
(mais frequentemente crônico-degenerativas) sobre as agudas
(infectocontagiosas, em sua maioria). Com isso, temos instalado o
fenômeno da cronicidade, que, em Medicina, designa a característica
ou estado daquilo que é crônico, na maior parte das vezes doenças ou
condições de longa duração, que persistem por muito tempo, em
contraposição às doenças ou condições agudas.
Alguns transtornos mentais estão, ao lado de algumas afecções
osteomusculares (todas elas caracterizadas pela cronicidade), entre as
principais causas de concessão de auxílio doença por agências
previdenciárias. Dentre eles destacam-se os Transtornos de adaptação
(F43.2, da CID-10), os Transtornos fóbico-ansiosos (F40), Outros
transtornos ansiosos (F41) e Transtornos depressivos (F32 e F33).
Em princípio, as prevalências de transtornos mentais vistos na
Saúde do Trabalhador deveriam corresponder àquelas observadas na
população geral de onde provêm os trabalhadores. Todavia dois
fatores contribuem para uma discrepância entre essas prevalências.

23
Em primeiro lugar, a natureza do trabalho já opera uma
espécie de seleção natural dos transtornos observados nos distintos
ambientes de trabalho: há mais acidentes e quedas entre trabalhadores
da construção civil do que entre bancários, exatamente o contrário do
observado quanto aos transtornos ansiosos, em geral. Esta variação é
observada em praticamente todos os ambientes de trabalho.
Em segundo lugar, a falta de uma adequada organização do
trabalho – ou de ergonomia efetiva – em locais de trabalho específicos pode
grandemente contribuir para o aumento da ocorrência de determinados
transtornos mentais, notadamente dos Transtornos de adaptação.
Finalmente, no campo da Saúde, em geral, e nos da Saúde
Mental e do Trabalhador, mais particularmente, nos deparamos
constantemente com situações que envolvem as Substâncias
Psicoativas. Devido à considerável influência e impacto dessas
substâncias na saúde dos trabalhadores, consideramos também de
importância alguns esclarecimentos conceituais.
Substâncias Psicoativas são drogas exógenas que, uma vez
introduzidas por qualquer via no organismo, podem provocar
alterações da consciência, das emoções, dos afetos, do pensamento, do
raciocínio, do juízo ou do comportamento. Atualmente, reconhecem-
se dez classes de substâncias psicoativas, a saber: álcool,
alucinógenos, canabinoides, cocaína, estimulantes (inclusive cafeína),
sedativos/hipnóticos, solventes voláteis. Dependendo do padrão de
uso (quantidade, frequência e variabilidade) de substâncias de cada
uma dessas classes, elas podem provocar diversos tipos de transtornos
(Transtornos por Uso de Substâncias - TUS), os mais importantes das
quais incluídos na CID-10 são (i) a intoxicação aguda, (ii) o uso
nocivo e (iii) a síndrome de dependência.
Via de regra, a epidemiologia dos TUS entre os trabalhadores
reflete a epidemiologia das populações de onde provêm os
trabalhadores; seu impacto tampouco apresenta especificidades entre
trabalhadores, à notável exceção da queda da produtividade no
trabalho, mais evidente entre estes.
Em 2017, no Brasil, de todos os auxílio-doença concedidos pelo
INSS por transtornos devidos ao uso de substâncias, 65% foram devidos
ao álcool, 32,4% devidos à cocaína (aspirada ou fumada) e 3,6% a todas
as demais substâncias psicoativas (PREVIDÊNCIA SOCIAL, 2017).
Esperamos com a revisão destes conceitos contribuir para esta
obra coletiva, que apresenta uma ampla diversidade de termos que
refletem aspectos relevantes do binômio saúde/doença na relação
trabalhador-trabalho, tenha seu entendimento uniformizado e facilitado.

24
Referências
FREUDENBERGER, H. J. Staff burnout. Journal of Social Issues. 1974,
30: 159–165.
MINISTÉRIO DA FAZENDA. Secretaria da Previdência. Acompanhamento
Mensal dos Benefícios Auxílios-Doença Previdenciários Concedidos segundo
os Códigos da CID-10 - Janeiro a Dezembro de 2017. Disponível em:
https://www.gov.br/previdencia/pt-br/images/2018/03/Auxilio-Doena_a-
Previdenciarioa_2017a_completoa_CID.pdf. Acesso em 21nov. 2020.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. CID-10 Classificação
Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde.
10a. rev. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1997.
SCHNEIDER, K. Clinical Psychopathology. New York: Grune and
Stratton. 1959. / Psicopatologia clínica. São Paulo: Mestre Jou, 1968.

25
VERBETES
ABSENTEÍSMO-DOENÇA – FATORES ASSOCIADOS
Juliana de Almeida Prado
O absenteísmo-doença é definido como o período de ausência do
trabalho atribuído a uma incapacidade do indivíduo por motivo de doença
ou acidente (ILO, 1986). Trata-se de fenômeno complexo e
multideterminado que apresentou aumento importante da prevalência no
último século a despeito da melhora dos parâmetros de saúde da
população mundial, tornando-se um importante indicador epidemiológico.
A compreensão deste fenômeno tem sido objeto de estudo em
vários países, principalmente pelos altos custos diretos e indiretos para
toda a sociedade (ANDRADE et al., 2008). Sugere-se que o absenteísmo-
doença seja uma das consequências do fenômeno da transição
epidemiológica, ou seja, da substituição das doenças infectocontagiosas
pelas doenças crônicas e incapacitantes, imprimindo, assim, mudanças no
perfil de morbidade das populações trabalhadoras (DUIJTS et al., 2007).
Sob uma perspectiva dinâmica, o absenteísmo-doença
representa a perda do equilíbrio entre a pessoa e seu ambiente de
trabalho. Dito de outra forma, o absenteísmo-doença surge como
resultado de uma discrepância entre a carga de trabalho (exigências e
necessidades) e a capacidade laboral do trabalhador modificada pela
presença da doença e influenciado, ainda, por determinantes sociais,
culturais e políticos (RODRIGUES et al., 2013; LERNER et al., 2008).
A partir, então, dessa perspectiva, os fatores associados ao
absenteísmo-doença devem ser analisados multidimensionalmente e
derivam dos seguintes domínios:
1. características do trabalhador: idade, ciclo de vida e estágio
do processo de envelhecimento, sexo, escolaridade, estrutura física,
condições de saúde física e mental, personalidade, motivação,
expectativas, habilidades pessoais para enfrentamento de dificuldades,
natureza e severidade da doença, presença de comorbidades, se a doença
é aguda ou crônica, tipo de tratamento instituído, uso de medicações,
necessidade de procedimentos de reabilitação, entre outras;
2. características do trabalho: conteúdo e natureza das tarefas,
carga e ritmo de trabalho, horário e flexibilidade no cumprimento do
trabalho, presença de fatores físicos/químicos/biológicos nocivos à saúde,
autonomia e controle sobre o processo de trabalho, cultura organizacional
e sistemas de avaliação por desempenho injustos, qualidade das relações
interpessoais no trabalho, entre outras;
3. características contextuais: interface trabalho-casa
(demandas cumulativas entre o trabalho e a vida pessoal e pouco apoio
social), direitos trabalhistas, cenário social e político, acesso e qualidade
do tratamento específico para a sua morbidade, suporte familiar.

29
A relação entre a doença e o absenteísmo não é direta e o
trabalhador doente não necessariamente se ausenta do trabalho. O
processo de adoecer, faltar do trabalho, melhorar e retornar ao trabalho
é determinado por uma complexa interação dinâmica dos fatores
associados e estes devem ser dimensionados em cada caso.
Referências
ANDRADE, T.B.; SOUZA, M.G.; SIMÕES, M.P.; ANDRADE, F.B.
Prevalência de absenteísmo entre trabalhadores do serviço público. Scientia
Médica (Porto Alegre), out/dez 18 (4), pp. 166-171, 2008.
DUIJTS, S.F.A.; KANT, I.; SWAEN, G.M.H.; VAN DEN BRANDT, P.A.;
ZEEGERS, M.P.A. A meta-analysis of observational studies identifiers
predictors of sickness absence. Journal of Clinical Epidemiology, v 60, pp.
1105-1115, 2007.
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION (ILO). Psychosocial
Factors at work: recognition and control. Reporto f the Joint ILO/WHO
Committe on Occupational Health. Ninth Session. Geneva, 18-24, 1986.
LERNER, D.; HENKE, R.M. What does research tell us about depression,
job-performance and work productivity? J Occup Environ Med. 50 (4), pp.
401-410, 2008.
RODRIGUES, C.S, FREITAS, M.F, MEDEIROS, A.M. Absenteísmo-
doença segundo auto-relato de servidores municipais de Belo Horizonte.
Rev. Bras. Est. Pop. Rio de Janeiro, v. 30, Supl. 1, pp. 135-154, 2013.

ACEITAÇÃO
Helen Paola Vieira Bueno
Aceitar, de acordo com o dicionário Houaiss (2001), é
concordância, consenso, acolhimento, receptividade, conformação,
resignação. Na Psicologia, dependendo da abordagem terapêutica, o
termo aceitação aparece com um significado diferente.
Na Acceptance and Commitment Therapy (ACT) - Terapia de
Aceitação e Compromisso, a aceitação tem como objetivo focalizar
os relacionamentos da pessoa com suas experiências interiores
(HAYES et al., 2012).
A Integrative Behavioral Couple Therapy (IBCT) – Terapia
Comportamental Integrativa de Casal, o objetivo é trabalhar a
aceitação dos sentimentos em relação ao outro (JACOBSON &
CHRISTENSEN, 1996).
Na Dialectical Behavior Therapy (DBT) - Terapia
Comportamental Dialética, enfatiza a aceitação de incoerências de
eventos interiores (LINEHAN, 1993).
Segundo Hayes e colaboradores (2012) a aceitação pode ser a
anuência em acolher e tolerar sentimentos dolorosos. Para autores
como Vandenberghe e Valadão (2013), a aceitação não é um propósito
30
final, mas sim um processo terapêutico. E para Linehan (1993) aceitar
sentimentos confusos ou dolorosos de forma ativa nos permite agir
com mais controle sobre nossos sentimentos.
As organizações de trabalho estão passando por diferentes e
constantes processos de mudanças e adaptações para atender as novas
exigências advindas do mundo globalizado e do capitalismo. O
sentimento de aceitação nas organizações de trabalho pode funcionar
como um preditor de saúde/doença nesses ambientes, se revelando
como um sinal de maturidade do sujeito, ainda mais na
contemporaneidade, onde o ambiente corporativo enfrenta grandes e
profundas transformações, distanciando o sujeito de um emprego
estável, permanente e com qualidade de vida.
Referências
HOUAISS, A.; VILLAR, M. de. Minidicionário Houaiss da Língua
Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
LINEHAN, M. Cognitive-behavioral treatment of borderline personality
disorder. New York: Guilford, 1993.
JACOBSON, N. S., & CHRISTENSEN, A. Integrative couple therapy:
promoting acceptance and change. New York: Norton, 1996.
HAYES, S. C., STROSAHL, K. D., WILSON, K. G. Acceptance and
commitment therapy: the process and practice of mindful change (2nd
ed.). New York: Guilford Press, 2012.
VANDENBERGHE, L.; VALADÃO, V. C. Aceitação, validação e
mindfulness na psicoterapia cognitivo-comportamental contemporânea.
Revista Brasileira de Terapias Cognitivas. 9(2), pp. 126-135, 2013.

ADIÇÃO AO TRABALHO (WORKAHOLISM)


Ana Carolina Perroni
Adição ao trabalho ou workaholism é o vício relacionado ao
trabalho, refere-se a uma necessidade excessiva e incontrolável de
trabalhar, comparando-se a outros vícios, como o alcoolismo. São
apontados cinco aspectos do comportamento do adicto ao trabalho:
1) trabalhar para além do que lhe foi solicitado; 2) autoestima por
conta da elevada produtividade; 3) abdicação das necessidades
pessoais e relacionamentos; 4) perfeccionismo; 5) constante
preocupação mental com o trabalho (SALANOVA, DEL LÍBANO,
LIORENS & SCHAUFELI, 2007).
Uma pessoa viciada em trabalho realiza atividades muito além
das propostas, não as fazendo porque é solicitada, mas por acreditar
que são necessárias e acaba se atrapalhando em suas rotinas diárias
pelas elevadas expectativas depositadas sobre si, demonstrando falta
de controle sobre as horas dedicadas ao trabalho e sobre o próprio
labor. O vício se desenvolve de maneira gradual, o indivíduo vai

31
perdendo o controle sobre suas atividades, trabalhando de maneira
compulsiva e excessiva (KILLINGER, 1991).
Na perspectiva de Shimazu e Schaufeli (2009) a adição ao
trabalho caracteriza-se por uma força interna à qual o indivíduo não
consegue resistir ao trabalho, caracterizado por um comportamento
excessivo e persistente com consequências negativas. A partir dessa
constatação, definiu-se duas dimensões desse constructo: (i) trabalho
excessivo (dimensão comportamental) e (ii) trabalho compulsivo
(dimensão cognitiva). Para haver adição ao trabalho se faz necessária
a combinação das duas dimensões.
Clark (2016) aponta que a adição ao trabalho está associada a
efeitos negativos sobre o indivíduo, a família e organização,
reforçando ainda que adição ao trabalho não tem correlação com
engajamento ao trabalho e alto desempenho, desmistificando que o
trabalho excessivo corresponde a trabalhadores comprometidos e com
desempenho elevado.
Segundo a American Psychological Association (APA, 2017)
o vício é uma doença crônica com fatores biológicos, psicológicos,
sociais e ambientais que influenciam seu desenvolvimento e
manutenção, acentuada quando permeada por fatores psicológicos,
sociais e ambientais, comprometendo as funções cerebrais, podendo
causar danos irreversíveis.
Referências:
AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION – APA. Addiction, 2017.
CLARK, M. A. Workaholism: It’s not just long hours on the job.
Psychological Science Agenda, 2016.
KILLINGER, B. Workaholic: the respectable addicts. New York: Simon
& Schuster, 1991.
SALANOVA, M., DEL LÍBANO, M., LIORENS, S. & SCHAUFELI, W. B.
La adicción al trabajo. Nota Técnica de Prevención, 759, 22ª Serie.
Instituto Nacional de Seguridad e Higiene en el Trabajo, 2007.
SHIMAZU A, SCHAUFELI W.B. Is workaholism good or bad for employee
well-being? The distinctiveness of workaholism and work engagement
among Japanese employees. Ind Health, 2009.

AFETIVIDADE E RELAÇÕES COM A SAÚDE MENTAL NO


TRABALHO
Mário Sérgio Vasconcelos; Paulo Roberto Ribeiro Marinho
As teorias organizacionais e do trabalho durante muito tempo
não consideraram a afetividade como uma dimensão psicológica
fundamental para a saúde e desempenho do trabalhador. No entanto,
nas últimas décadas, o avanço das pesquisas no campo do
comportamento organizacional revelou a importância do papel das
emoções, sentimentos e das relações afetivas no mundo do trabalho.
32
Resultados indicam que a dimensão afetiva pode influenciar as
condições motivadoras para o trabalho, a saúde mental do trabalhador
e o desenvolvimento organizacional (GONDIN & SIQUEIRA, 2014).
Os termos afetividade, emoções e sentimentos quase sempre
são utilizados como sinônimos nos mais diferentes contextos. A
maioria dos pesquisadores que estuda tais conceitos destaca as
relações de interdependência entre os termos, porém ressalta que
possuem diferentes funções e significados.
Para o neurologista Antonio Damásio (2013), as emoções, em
sua origem, são conjuntos complexos de reações químicas e neurais,
determinadas biologicamente, que afetam a operação dos circuitos
cerebrais e têm importante papel de regulação no funcionamento
corporal e psíquico do ser humano. Emoções como alegria, tristeza,
raiva, ciúmes, tensão, entre outras, fazem parte de reguladores
filogenéticos que visam nossa sobrevivência e bem-estar. Já os
sentimentos possuem uma dimensão historicamente ampliada e
distinta por serem emoções que, por meio de mecanismos conscientes
ou mesmo inconscientes, são influenciadas e assimilam conteúdos e
significados culturais (ARAÚJO, 2003). O medo e o amor, por
exemplo, envolvem várias emoções, porém se configuram por meio de
sentimentos que tomam formas diferentes em diferentes culturas.
E a afetividade, o que a distingue das emoções e dos
sentimentos? O elemento diferencial da afetividade se constitui no
plano das interações, principalmente nas relações interpessoais. O ser
humano, ao se relacionar com o ambiente exterior, traz, em sua
estrutura corporal e funcional, um conjunto de emoções e sentimentos.
Ao interagir com objetos, pessoas e ideias, as emoções e os
sentimentos afetam e são afetados pelo meio e se reorganizam
internamente em “vínculos afetivos” permeados por valores
socioculturais. Vínculos com a família, com o trabalho e com valores
sociais e morais passam a fazer parte da organização psíquica das
pessoas. Relações com objetos e pessoas da família são significativas
para a construção das identidades individuais. No trabalho, pessoas e
ambientes empáticos são indispensáveis para que o trabalhador possa
se sentir bem, acolhido e saudável. Valores como cooperação e
solidariedade retratam ideias e afetos fundantes para sujeitos que
visam o bem-estar social. Dessa forma, na complexidade de interações
do indivíduo com o meio físico e sociocultural em que vive, o ser
humano constrói sua dimensão afetiva indissociada de outros
elementos de sua organização psíquica, como as emoções,
sentimentos, cognição, pensamentos e valores.

33
Embora as pesquisas contemporâneas tenham contribuído para
que pudéssemos compreender melhor a importância da dimensão
afetiva na conduta humana, ainda hoje, em muitos contextos
institucionais, prevalece uma concepção reducionista e cartesiana de
ser humano, na qual o indivíduo é dividido em duas metades: a
racional cognitiva e a sentimental afetiva. Este tipo de concepção
ainda é bastante difundido no mundo do trabalho.
Sabemos que as ações e interações das pessoas em seu local de
trabalho não são neutras, elas envolvem inteligência, raciocínio,
emoções, sentimentos, afetos e valores. Ocorre que, tradicionalmente,
se coloca em primeiro plano a concepção secular segundo a qual o
trabalho deve estar focado em sua realização essencialmente cognitiva,
racional e lógica, bem como no cumprimento de objetivos, metas,
indicadores e prazos determinados pela organização. Nessa vertente,
pressupõe-se que o trabalhador, ao chegar ao local de trabalho, deve
deixar de lado os seus “problemas” afetivos e estar totalmente focado na
racionalidade para a execução de suas tarefas. Tal concepção, de cunho
eminentemente mecanicista, nega o papel organizativo e indissociável
dos afetos em relação ao pensamento e ações do ser humano. Como
num passe de mágica se exige que, ao trabalhar, a dimensão afetiva
desapareça do ser humano devendo prevalecer nos pensamentos e ações
apenas os aspectos racionais cognitivos.
A superação da visão dicotômica entre afetividade e cognição
tem exercido impactos sobre o comportamento organizacional. Os
estados afetivos ganharam importância nas avaliações sobre rotatividade,
acidentes, desligamentos da organização, satisfação e estresse no
trabalho. Dados da Organização Mundial (OMS) de saúde indicam que os
trabalhadores estão entre as pessoas que mais adoecem por ansiedade e
estresse crônico. Tais índices fizeram com que se aprimorasse a definição
da síndrome de Burnout na classificação internacional de doenças que, de
acordo com a OMS, trata-se de um estresse crônico, caracterizado por
sentimentos negativos em relação ao trabalho, sensação de esgotamento e
eficácia profissional reduzida (NAÇÕES UNIDAS BRASIL).
Desse modo, se faz necessário considerar as relações afetivas
no ambiente de trabalho, visto que a qualidade das interações poderá
produzir no indivíduo prazer, desprazer, saúde ou doença.
Compreender a dimensão afetiva no ambiente de trabalho torna-se
uma condição essencial para atingir ou não o bem-estar geral dos
trabalhadores e o sucesso da organização.
Referências
ARAÚJO, U. F. A dimensão afetiva da psique humana e a educação em
valores. In: ARANTES, V. A. Afetividade na Escola: alternativas teóricas e
práticas. São Paulo: Summus Editorial, 2003, p. 157-169.
34
DAMÁSIO, A. O erro de Descartes. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
GONDIM, S. M. G., SIQUEIRA, M. M. M. Emoções e Afetos no Trabalho. In:
ZANELLI, J. C.; BORGES-ANDRADE, J. E.; BASTOS, A.V.B. Psicologia,
organizações e trabalho no Brasil. Porto Alegre: ArtMed, 2014. pp. 285-315.
NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Disponível em:
https://nacoesunidas.org/sindrome-de-burnout. Acesso em: 29mai2019.

AGEISMO
Lucia Helena de Freitas Pinho França; Juliana Seidl
O ageismo é definido por estudiosos da Psicologia Social
como atitudes negativas (preconceito) e comportamentos
discriminatórios em relação a uma pessoa ou a um grupo de pessoas
baseando-se apenas na idade que ela(s) possui(em) (BUTLER, 1980;
PALMORE, 2001). Preconceito etário, discriminação por idade,
etarismo e idadismo são outras expressões utilizadas para designar o
fenômeno, sendo que idadismo tem sido mais utilizado pelos
pesquisadores de Portugal e ageismo mais adotado no Brasil. O termo
foi utilizado pela primeira vez em 1968 pelo médico estadunidense
pioneiro no estudo do envelhecimento ativo: Robert Neil Butler.
Quando afirmamos que uma garota de 15 anos é velha para
brincar de boneca, que um homem de 23 anos é muito jovem para
assumir um cargo de liderança ou que uma mulher de 67 anos é velha
para investir em um projeto de vida diferente, estamos sendo ageístas.
Destaca-se que, neste verbete, optou-se por abordar questões relativas
ao ageismo em relação às pessoas mais velhas, já que, em 2050, o
mundo terá dois bilhões de pessoas acima de 60 anos e um dos
maiores desafios será como combater o ageismo nas sociedades
ocidentais que, regra geral, associam o envelhecimento a
características negativas e tratam os mais velhos como cidadãos
inferiores (NELSON, 2005; PALMORE, 2001).
Uma pesquisa internacional realizada na base de dados
PsycINFO sobre os três ismos (racismo, sexismo e ageismo), revelou
que o termo racismo apareceu em 3.111 documentos, o sexismo em
1.385 e o ageismo foi identificado em apenas 294 publicações,
revelando a carência de estudos sobre o fenômeno (NELSON, 2005).
Já uma revisão de literatura nacional sobre ageismo em relação às
pessoas mais velhas identificou 15 publicações, sendo sete revisões da
literatura, sete estudos empíricos quantitativos e um empírico
qualitativo. Os resultados desses estudos apontam que o ageismo e a
discriminação etária são práticas presentes na sociedade brasileira,
porém ainda pouco investigadas no âmbito científico (SEIDL, 2019).

35
Uma das explicações fornecidas para esta escassez de pesquisas
sobre preconceito etário é de que este fenômeno é institucionalizado,
socialmente tolerado e por vezes negligenciado pelos pesquisadores
(NELSON, 2005). Contudo, diferentemente de preconceitos com base
em sexo, gênero, raça, status social, nacionalidade ou religião, qualquer
pessoa pode ser alvo de preconceito ou discriminação pela idade que
tem, pois que o processo de envelhecimento acomete a todos, a partir do
dia que nascemos (BUTLER, 1980).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) também assinala que
o ageismo é o mais socialmente aceito dos preconceitos, levando a
marginalização dos mais velhos dentro da comunidade. O ageismo
abrange três níveis: estereótipos (ex.: Os idosos são intransigentes);
preconceitos (ex.: É difícil trabalhar com os idosos) e discriminação
(ex.: Minha organização não contrata pessoas idosas). A discriminação
é a manifestação comportamental do estereótipo negativo e do
preconceito. Logo, restringi-los do acesso a serviços sociais e de saúde,
incentivá-los à aposentadoria antecipada, negar oportunidades de
trabalho ou, ainda, praticar atos de violência são exemplos de atos
discriminatórios que levam à marginalização e à exclusão dessas
pessoas e que podem trazer impactos negativos à saúde mental e ao seu
bem-estar a curto e longo prazos (SEIDL, 2019).
Assim, é fundamental que a Política Nacional do Idoso (1994)
e o Estatuto do Idoso (2003), que defendem o combate ao preconceito
e à discriminação, possam obter a devida atenção e fiscalização dos
órgãos executivos. Sobretudo, que tais políticas sejam mais
divulgadas, para o maior controle da sociedade e para que possam
inspirar a oferta de programas nacionais e ações educativas nas
escolas, universidades, organizações e instituições sociais. Para tanto,
pesquisadores da área devem fornecer dados e informações a partir da
mensuração e acesso ao ageismo em diversos setores da sociedade.
Uma das medidas do fenômeno mais antigas é o Ageism
Survey (PALMORE, 2001). Esse instrumento foi utilizado por
pesquisadores brasileiros para acessar os tipos de discriminação
praticados contra idosos (SILVA; FRANÇA, 2015) em uma amostra
de 264 vítimas de ageismo na cidade do Rio de Janeiro. Os resultados
demostraram que 44,7% da amostra relataram que sofreram violência,
sendo que 51,1% deles foram vítimas de violência psicológica; 12,8%,
de violência física; 6,2%, financeira; e 29,9%, sofreram violência
mista (mais de uma entre as anteriores). Cerca de um quarto dos
agredidos não denunciaram seus agressores, reforçando a hipótese de
que esses casos costumam ser subnotificados.

36
A escala do Ageismo no Contexto Organizacional – EACO
(FRANÇA et al., 2017) foi criada para investigar o fenômeno entre 600
trabalhadores brasileiros de 18 a 75 anos. A EACO possui 14 itens
divididos em duas dimensões: atitudes negativas (nove itens
relacionados aos aspectos cognitivos e de saúde; α = 0,83; exemplo de
item: “Trabalhadores mais velhos costumam adoecer com mais
facilidade”) e atitudes positivas (cinco itens relacionados aos aspectos
positivos; α = 0,77; exemplo: “Trabalhadores mais velhos são mais
comprometidos com o trabalho do que os trabalhadores mais jovens”).
Os resultados indicaram que os trabalhadores mais velhos apresentaram
atitudes mais positivas em relação ao envelhecimento do que os mais
jovens. Pesquisas futuras devem investigar se as intervenções
organizacionais em prol de um ambiente mais diverso e amigável em
relação à idade trazem impacto na motivação, produtividade e
lucratividade das organizações (FRANÇA et al., 2017).
A Escala Fraboni de Ageismo (EFA), originalmente
canadense, foi adaptada e utilizada por investigadores de Portugal,
Estados Unidos, França, Itália, Turquia e Israel e, recentemente, foi
adaptada para o português do Brasil (SEIDL, 2019). Acessando 1261
pessoas (sendo 55% homens com média de idade de 49 anos), a
versão brasileira da EFA possui 21 itens (α = 0,88) divididos em três
fatores: separação (dez itens; α = 0,85; exemplo de item: Não gosto
quando pessoas idosas tentam conversar comigo); estereótipo (cinco
itens; α = 0,78; exemplo de item: Muitas pessoas idosas só vivem no
passado) e atitudes positivas (seis itens; α = 0,68; exemplo de item:
Muitas pessoas idosas são interessantes).
Um estudo longitudinal revelou que pessoas que possuem
atitudes positivas sobre o seu envelhecimento aumentam sua
expectativa de vida em sete anos e meio (LEVY et al., 2002, apud
SEIDL, 2019). Analisando o impacto do ageismo para a saúde mental,
idosos que se sentem um fardo para a sociedade costumam se perceber
como menos valiosos, colocam-se mais em risco e têm mais chances de
desenvolver depressão e de se isolarem socialmente.
Pesquisas internacionais têm classificado pessoas idosas em
três faixas: young-old (de 65 a 74 anos), middle-old (de 75 a 84 anos) e
old-old (acima de 85 anos), já que há diferenças claras no que se refere
a mudanças cognitivas, físicas, psicológicas e emocionais em cada uma
delas. Por isso, para combater o ageismo, é importante divulgar a
heterogeneidade desses grupos etários bem como compreender que o
envelhecimento é um processo subjetivo e individual que varia não
apenas em função da saúde física e mental, mas também em função de
fatores psicossociais educacionais, culturais e político-econômicos. O
fato é que o Brasil está envelhecendo rapidamente e é urgente a
37
construção de uma agenda de pesquisa e a oferta de ações educativas
em prol de uma sociedade inclusiva, que se preocupe com o bem-estar
de pessoas de todas as idades.
Referências
BUTLER, R. N. Ageism: A foreword. Journal of Social Issues, v. 36, p. 8-11, 1980.
FRANÇA, L. H. de F. P. et al. Ageismo no contexto organizacional: a
percepção de trabalhadores brasileiros. Revista Brasileira de Geriatria e
Gerontologia, v. 20, n. 6, p. 765-777, 2017.
NELSON, T. Ageism: Prejudice against our feared future self. Journal of
Social Issues, v. 61, n. 2, p. 207-221, 2005.
PALMORE, Erdman Ballath. The ageism survey: First findings. The
Gerontologist, v. 41, p. 572-575, 2001.
SEIDL, J. Ageismo, Gestão da Diversidade Etária nas Organizações e
Entrincheiramento na Carreira como Preditores do Planejamento para
Aposentadoria. 2019. 192 f. Tese (Doutorado em Psicologia). Programa de
Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações (PPG-
PSTO). Universidade de Brasília, Brasília.
SILVA, E. A., & FRANÇA, L. H. de F. P. Violência contra idosos na cidade do Rio
de Janeiro. Estudos e Pesquisas em Psicologia, v. 15, n. 1, p. 155-177, 2015.

ALIENAÇÃO MENTAL
Fabiana Travaglini de Abreu Silva
A expressão Alienação Mental não designa uma doença
mental em particular, mas sim, um conjunto de alterações mentais
decorrentes de uma enfermidade de qualquer origem (psíquica ou
orgânica), em que a deterioração das funções psíquicas, de caráter
transitório ou permanente, torna o indivíduo incapaz de gerir sua
própria vida (SILVA, 2016).
O termo, mais adequado que a expressão antiga “loucos de
todo gênero” (do Código Civil de 1916), que se destinava às pessoas
totalmente incapazes, consta no novo Código Civil brasileiro, por
meio da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (BRASIL, 2002), em
vigor a partir de 2003. Conforme artigo 3º (inciso III) desta lei, são
considerados absolutamente incapazes para os atos da vida civil “os
que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário
discernimento para a prática desses atos”.
O conhecimento do termo, que é mais jurídico que psiquiátrico,
pelos profissionais da área de saúde ocupacional, é de fundamental
importância, pois nas juntas médicas com conclusão de invalidez deve-se
fazer o devido enquadramento nos respectivos laudos, nos quais deverão
constar: o diagnóstico da enfermidade básica, a modalidade fenomênica,
o estágio evolutivo e a expressão “alienação mental” ou “não é alienação
mental” entre parênteses (TABORDA et al., 2012).

38
É um tema amplo, que tem repercussões legais nas mais
diversas áreas da atividade humana e cujo conceito e aplicação
sofreram mudanças significativas na última década. Cabe aos
profissionais da área de saúde ocupacional conhecer, adaptar-se a
essas mudanças e adequá-las à avaliação pericial individualmente,
visando a conclusões que preservem ao máximo o exercício da
autonomia do doente mental.
Apesar das inovações necessárias e desejáveis, o novo Código
Civil carece da definição legal de alienação mental, sendo que, de
acordo com Taborda et al., 2012, o único texto que o faz é o da Portaria
Normativa nº 1.174, de 6 de setembro de 2006, oriunda do Ministério
da Defesa (3), cuja seção 1 do Capítulo III segue em sua íntegra.
Seção 1- Alienação Mental
Conceituação
1.1. Conceitua-se como alienação mental todo caso de distúrbio mental
ou neuromental grave e persistente, no qual, esgotados os meios
habituais de tratamento, haja alteração completa ou considerável da
personalidade, comprometendo gravemente os juízos de valor e
realidade, destruindo a autodeterminação do pragmatismo e tornando o
indivíduo total e permanentemente inválido para qualquer trabalho.
1.2. As Juntas de Inspeção de Saúde deverão “preservar-se contra
uma exagerada admissão de irresponsabilidade” (N. Hungria) e
identificar, no quadro clínico de alienação mental, os seguintes
elementos:
a) transtorno intelectual: atinge as funções mentais em conjunto e
não apenas algumas delas;
b) falta de autoconsciência: o indivíduo ignora o caráter patológico
de seu transtorno ou tem dele uma noção parcial ou descontínua;
c) inadaptabilidade: o transtorno mental é evidenciado pela
desarmonia de conduta do indivíduo em relação às regras que
disciplinam a vida normal em sociedade; e
d) ausência de utilidade: a perda da adaptabilidade redunda em
prejuízo para o indivíduo e para a sociedade (Beca Soto).
1.3. As Juntas de Inspeção de Saúde poderão identificar alienação mental
no curso de qualquer enfermidade psiquiátrica desde que, em seu estágio
evolutivo, estejam satisfeitas todas as condições a seguir discriminadas:
a) seja enfermidade mental ou neuromental;
b) seja grave persistente;
c) seja refratária aos meios habituais de tratamento;
d) provoque alteração completa ou considerável da personalidade;
e) comprometa gravemente os juízos de valor e realidade, com
destruição da autodeterminação e do pragmatismo;
f) torne o indivíduo total e permanentemente inválido para qualquer
trabalho; e

39
g) haja um nexo sintomático entre o quadro psíquico e a
personalidade do indivíduo.

1.4. São considerados meios habituais de tratamento:


a) psicoterapia;
b) psicofarmacoterapia;
c) terapêutica biológica (eletroconvulsoterapia, insulinoterapia, entre outros).
1.4.1. Não é considerado meio de tratamento a utilização de
psicofármacos em fase de experiência laboratorial.

2. Quadros clínicos que cursam com a alienação mental


2.1. São necessariamente casos de alienação mental:
a) estados de demência;
b) psicoses esquizofrênicas nos estados crônicos;
c) paranóia e parafrenia nos estados crônicos; e
d) oligofrenias graves.

2.2. São excepcionalmente considerados casos de alienação mental:


a) psicoses afetivas, mono ou bipolar, quando comprovadamente
cronificadas e refratárias ao tratamento, ou quando exibirem elevada
frequência de repetição fásica, ou, ainda, quando configurarem
comprometimento grave e irreversível de personalidade;
b) psicoses epilépticas, quando caracterizadamente cronificadas e
resistentes à terapêutica, ou quando apresentarem elevada frequência
de surtos psicóticos;
c) psicoses pós-traumáticas e outras psicoses orgânicas, quando
caracterizadamente cronificadas e refratárias ao tratamento, ou
quando configurarem um quadro irreversível de demência.

2.3. Não são casos de alienação mental:


a) transtornos neuróticos da personalidade e outros transtornos
mentais não psicóticos;
b) transtornos da identidade e da preferência sexual;
c) alcoolismo, dependência de drogas e outros tipos de dependência
orgânica;
d) oligofrenias leves e moderadas;
e) psicoses do tipo reativo (reação de ajustamento, reação ao estresse); e
f) psicoses orgânicas transitórias (estados confusionais reversíveis).

2.3.1. Os casos excepcionalmente graves e persistentes de estados


psicopatológicos, citados nas letras “a” e “b” do item 2.3 destas
Normas podem, entretanto, causar invalidez.

3. Normas de Procedimento das Juntas de Inspeção de Saúde –


Alienação Mental
3.1. As Juntas de Inspeção de Saúde, para maior clareza e definição
imediata da situação do inspecionando, deverão fazer constar,

40
obrigatoriamente, nos laudos declaratórios da invalidez do portador
de alienação mental os seguintes dados:
a) diagnóstico da enfermidade básica, inclusive o diagnóstico
numérico, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças
(CID), edição aprovada para uso nas Forças Armadas;
b) modalidade fenomênica;
c) estágios evolutivos; e
d) expressão “alienação mental” entre parênteses.

3.1.1. Se os laudos concluírem por alienação mental, deverão ser


firmados em diagnósticos que não se confundam com os quadros de
reações psíquicas isoladas, intercorrências psicoreativas e distúrbios
orgânicos subjacentes, dos quais sejam simples epifenômenos.

3.1.2. A simples menção do grau ou intensidade da enfermidade não


esclarece a condição de “alienação mental” se não estiver
mencionado o estágio evolutivo da doença.

3.1.3. Não poderão ser emitidos laudos de alienação mental com


base em diagnóstico de enfermidade psiquiátrica aguda.

3.1.4. Constituem exemplos de laudos:


a) “Esquizofrenia Paranóide, F.20.0 CID – Revisão 1993, estágio
pré-terminal grave (alienação mental)” – CERTO;
b) “Psicose Afetiva, F.31.6 CID – Revisão 1993, estágio pré-
terminal grave (alienação mental)” – CERTO;
c) “Psicose Afetiva, F.32.3 CID – Revisão 1993, forma monopolar
depressiva, fase crônica irremissível. (alienação mental)” – CERTO;
d) “Psicose Afetiva (alienação mental)” – ERRADO;
e) “Psicose pós-traumática grave, T 90.2 CID – Revisão 1993,
(alienação mental)” – ERRADO;
f) “Psicose pós-traumática, T 90.2 CID – Revisão 1993, estado de
demência pós-traumática (alienação mental)” – CERTO; e
g) “Reação Exógena Aguda de Bonhoffer (alienação mental)” – ERRADO.

3.2. As Juntas de Inspeção de Saúde deverão, explicitamente, fazer


constar nos laudos das inspeções de saúde a ausência de alienação
mental quando a doença do examinado determinar a sua invalidez, mas
não se enquadrar nos parâmetros que definam “alienação mental”.

3.2.1. Constituem exemplos de laudos:


a) “Esquizofrenia Paranóide, F.20.0 CID – Revisão 1993” –
ERRADO; e
b) “Esquizofrenia Paranóide, F.20.0 CID – Revisão 1993, estado de
defeito leve (não é alienação mental)” – CERTO.

3.3. A alienação mental é condição que determina a invalidez.

41
3.4. As Juntas de Inspeção de Saúde, ao concluírem seus laudos com
um diagnóstico subordinado ao conceito de alienação mental,
deverão encaminhar o inspecionando ao órgão competente de sua
Força para condução da medida legal conveniente ao caso: medida
de segurança, interdição, administração provisória e outros casos, na
forma prevista em Lei.

3.5. A medida legal superveniente à conclusão das Juntas de


Inspeção de Saúde complementará, indispensavelmente, o processo
administrativo de reforma (ou aposentadoria) do inspecionando
portador de alienação mental.

Referências
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Seção 1, p.89.
BRASIL. Portaria Normativa MD n. 1.174, de 6 de setembro de 2006.
Aprova as normas para avaliação de incapacidade decorrente de doenças
especificadas em lei pelas Juntas de Inspeção de Saúde da Marinha, do
Exército da Aeronáutica e do Hospital das Forças Armadas. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 7 de set.2006. Seção 1.
SILVA, F.T. A. Alienação Mental. In: BARBOSA, W. F.; SCHMIDT, M.L.
G.; BERTOLOTE, J. M. Perícia Médica Administrativa: aspectos
conceituais, técnicos e éticos. São Paulo: LTr, 2016. pp. 231-234.
TABORDA, J.G.V. et al. Perícias Psiquiátricas Previdenciárias e
Administrativas. In: TABORDA, J.G.V.; ABDALLA-FILHO, E.; CHALUB,
M. Psiquiatria Forense. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2012. pp. 312-316.

ALIENAÇÃO NO TRABALHO E IMPACTOS NA SAÚDE


MENTAL DOS TRABALHADORES
Daniele Almeida Duarte
O termo alienar provém de uma derivação latina que remete
ao campo semântico atrelado à perda, seja esta uma perda de si, um
afastamento ou mesmo uma transmissão de direito a outrem. Para
Mészáros (2006), reporta-se a uma perda do controle, uma força
externa que se confronta de modo hostil e destrutivo com o sujeito.
Em sua concepção marxiana, a alienação no trabalho efetua um
afastamento do ser humano genérico, tornando-o alheio a si próprio e
ao outro – uma vez que o/a trabalhador/a não possui o controle sobre o
trabalho, atividade essencial para o processo de humanização. Os
produtos de sua atividade adquirem existência independente e à parte
de suas características humanas, de seus interesses e poder, tornando-
se externa, estranhada e independente daquele/a que os produziu.
Esse processo de alienação estende-se ao campo estrutural,
expressando um desconhecimento das origens e das causas da
existência social, uma incompreensão das condições concretas

42
históricas e sociais, que fundam determinada realidade. Os sujeitos
não se percebem como agentes e criadores dessa realidade social,
cultural, política e econômica em que vivem, vindo a submeter-se a
ela docilmente ou julgando-se plenamente livres, à parte das
determinações estruturais onde transcorrem suas vidas. Esse
desconhecimento se opera mediante uma série de divisões que fundam
a sociedade, tais como a divisão sexual e social do trabalho, a divisão
social de poder e riqueza. Essas divisões, que se desdobram em outras
instituições sociais, mais complexas e numerosas, estruturam a
sociedade, culminando na divisão social de classes (CHAUÍ, 2000).
A alienação produz repercussões psicossociais ao corroer o
sentido do trabalho, sua função social e significação. O processo de
controle e dominação do/a trabalhador/a, pela ideologia gerencialista,
não se restringe a uma alienação apenas ao processo de produção e
produto do trabalho, mas instaura também cisões em relação a si
mesmo e o ao coletivo. Os mecanismos atuam mediante a captura da
subjetividade, aliada aos recursos das tecnologias de comunicação,
lançando os sujeitos a uma ubíqua vigilância, assim como à
imprevisibilidade, medo e solidão – seja em relação às exigências
incessantes de produtividade e performances marcadas pela ostensiva
competitividade, seja a deterioração do reconhecimento do/no
trabalho. Nesse conjunto, convive-se com a iminência de ser
descartado a qualquer momento por não coadunar com as regras do
jogo ou por não corresponder aos rompantes e pressões.
Os conflitos e sofrimentos do/a trabalhador/a, oriundos de
uma ofensiva exploração e controle, ao mesmo tempo que podem
impelir para uma refutação da realidade social e laboral podem gerar
silenciamento, indiferença e negação, manifestando-se em estratégias
defensivas e ideologia defensiva (radicalidade que impede tocar a
gênese do sofrer). Perde-se a percepção da origem da precarização que
acomete os que estão dentro e fora do trabalho, resignando-se à
dominação, injustiça e alienação. As consequências desse
padecimento são modos de sofrimento e processos adoecedores – de
dimensões física, psíquica e moral – com marcas do ascendente
individualismo. Isso leva ao não reconhecimento alteritário e de sua
humanidade, o que reproduz práticas locais e perversas entre pares, do
mesmo sistema que os subjuga – gerando a banalização da injustiça,
sofrimento e violência sofridas e infligidas. Convive-se de modo
deliberado com a mentira, cinismo e opressão (DEJOURS, 2006).
Devasta-se o campo intersubjetivo, lançando o sujeito às
distintas patologias da solidão, cujas marcas da violência nos
ambientes e relações de trabalho culminam na destruição do suporte
social, coletividades, cooperação e da experiência do viver-junto. Esse
43
sofrimento psíquico expressa-se em depressões, adicções,
esvaziamento de si, mal-estar difuso, esgotamentos e desamparo, além
do próprio suicídio no local de trabalho.
Intervir no processo de alienação implica reaver o valor
humano do/no trabalho, reconhecê-lo como parte constitutiva e
essencial da vida e do próprio ser social. Para esse caminho, Dejours
(2006) aponta a necessidade de superar a clivagem entre sofrimento e
injustiça. Quando o sofrimento alheio passa a ser percebido e reclama
uma ação política transformadora em busca de justiça, é possível
mobilizar a indignação, solidariedade e apelo rumo à ação coletiva.
Nessa via, o desafio de transcender a alienação no trabalho, além da
desnaturalização da exploração, seus modos de controle e violência
pelo trabalho, requer, necessariamente, conferir outras determinações
para o processo histórico-social e político-econômico vigente –
marcado por sucessivas crises do capital, da progressiva destituição
dos direitos sociais, da cidadania e do próprio trabalho.
Referências
CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.
DEJOURS, C. A banalização da injustiça social. 7. ed. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2006.
MÉSZÁROS, I. A teoria da alienação em Marx. São Paulo: Boitempo, 2006

ANGÚSTIA (NA RELAÇÃO COM O TRABALHO)


Marcos Mariani Casadore
O conceito de angústia pode ser definido a partir de muitas
perspectivas: da filosofia existencialista à psiquiatria, além dos
estudos em psicologia e psicanálise. Refere-se, de modo geral, a uma
sensação de mal-estar psíquico difuso (sem objeto definido), que
também pode desencadear reações e alterações somáticas. Dentre suas
principais características, as descrições mais comuns salientam as
sensações aflitivas de sufocamento, constrição e mal-estar impreciso;
a angústia pode, ainda, variar em graus – desde uma inquietação sem
motivo aparente até uma sensação paralisante de pânico generalizado.
Para a psicanálise, a angústia seria um afeto que ocasiona uma
sensação de mal-estar, experimentado pelo sujeito como uma ameaça
ou vivência de perigo e cuja origem não é consciente. De modo geral,
se referiria a um excesso de excitação sem ligação possível a uma
representação psíquica; na segunda teoria freudiana da angústia
(FREUD, 1996), sua sensação primeira exigiria do sujeito uma
mobilização de operações defensivas do eu – como o recalcamento.
Quando esses mecanismos não são bem-sucedidos, instaura-se uma
angústia maior e não controlada. O conceito de angústia também
aparece como referência a conflitos vivenciados ao longo do nosso
44
desenvolvimento, como a angústia de separação, a angústia de perda
do objeto e a angústia de castração, para citar alguns exemplos.
Dejours (1987), ao destacar seu caráter intrapsíquico, ressalta a ideia
de uma produção individual da angústia, que só poderia ser
esclarecida por uma referência às vivências particulares, à estrutura de
personalidade e a um modo específico de relação objetal. Essas nossas
experiências historicizadas e suas resoluções inscritas no psiquismo,
de qualquer modo, se atrelariam diretamente às nossas sensações
angustiantes do presente disparadas por situações conflitivas.
Compreender a angústia pelo viés psicanalítico não se
restringe, portanto, às discussões acerca do sujeito e seu
desenvolvimento psicossexual. Os textos sociais freudianos, por
exemplo, destacam a importância dos fatores externos/sociais para a
dinâmica intrasubjetiva e, assim, a necessidade de pensarmos uma
confluência entre demandas externas e as condições particulares de
cada indivíduo para respondê-las – o contexto do trabalho aparece
como representante de questões culturais e sociais.
Em nossa sociedade atual, caracterizada por certa
instabilidade e falta de certezas – como salienta Bauman (1999),
dentre outros sociólogos contemporâneos –, há estruturada uma
conjuntura que desafia constantemente os modos de ser e fazer do
sujeito. No mundo do trabalho, especificamente, transformações
referentes não só a questões culturais e aos seus sentidos, mas, ainda,
às novas condições e formatações das atividades laborais (que não se
caracterizam mais pela segurança de um emprego ou mesmo
ocupação, por exemplo, e abrem espaço para outras possibilidades de
inserção mais “precárias” e flexíveis no mercado) tendem a inserir os
indivíduos em situações mais ansiógenas e angustiantes, dadas sua
amplitude e complexidade. Numa época em que há muita liberdade de
escolha e poucos pontos de apoio e referência duradouros, o sujeito
também tem de lidar com o paradoxo de se situar num ambiente de
expectativas e conquistas idealmente infinitas, mas afixado numa
realidade bastante limitada – a angústia, inerente à frustração e ao
vazio, é mais incisiva e presente que qualquer segurança, estabilidade
ou felicidade. Atrelado a isso, a incidência de relações mais
competitivas e individualizadas e a captura dos ideais subjetivos por
um discurso calcado em uma ideologia que poderíamos, assim como o
faz Gaulejac (2007), caracterizar como gerencialista, prejudicam as
condições do sujeito para suportar tais exigências.
Considerando, por fim, que os modos de resistência e
enfrentamento da angústia, das dificuldades e frustrações referentes ao
trabalho, bem como a falta de sentido inerente à atividade laboral
obedecem a condições muito particulares (situacionais, individuais e
45
coletivas), fica difícil estabelecer, de modo generalizado, uma
proposta padrão de intervenção. No entanto, o campo da saúde nos
oferece subsídios que favorecem uma melhor compreensão acerca de
uma determinada circunstância e apontam para as possibilidades de
atuação. Espaços que contribuam para uma verdadeira participação e
implicação do sujeito com relação a sua atividade e suas relações de
trabalho e possibilitem a produção de um saber subjetivo e/ou
coletivo, constroem as bases para os processos de significação e
simbolização, auxiliando, ainda, no movimento de reconhecimento de
si e da organização do trabalho.
Referências
BAUMAN, Z. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 1999
DEJOURS, C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho.
São Paulo: Oboré Editorial, 1987.
FREUD, S. Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise (vol. XXII).
In: FREUD, S. Edição standard brasileira das Obras Completas de
Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
GAULEJAC, V. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista
e fragmentação social. Aparecida, SP: Ideias e Letras, 2007.

APOSENTADORIA (NA PERSPECTIVA PSICOSSOCIAL)


Lucia Helena de Freitas Pinho França; Thaysa Maria Ribeiro Garcia
A etimologia da palavra “aposentadoria” remete a “retirar-se”,
“retornar aos aposentos”. Sob a perspectiva histórica, somos remetidos à
Alemanha e à Inglaterra do século XIX, no esteio da Revolução
Industrial, que criaram seguros sociais no intuito de proteger
trabalhadores mais vulneráveis, como os idosos. Surgem uma série de
seguros, como o seguro velhice, antecessores do que entendemos como
aposentadoria, cujos custos eram de empregados, empregadores e Estado.
A aposentadoria, sob os pontos de vista formal e legal, varia
de acordo com o país. No Brasil, dá-se em função da idade e do tempo
de contribuição previdenciária ou por questões médicas –
aposentadoria por invalidez. A lógica de aposentadoria e pensões tem
início em 1934. Porém, é com a Carta Magna de 1988 que a
seguridade social é estabelecida como direito fundamental do cidadão.
Tal concepção se fundamenta no tripé saúde, assistência e previdência
social, sendo um sistema de proteção social fundamentado em regras e
princípios direcionados ao cidadão como direito.
Na perspectiva psicossocial, no entanto, a aposentadoria é
entendida como um processo que está além de questões legais. Mostra-se
como período de saída no mundo do trabalho, que se inicia em seu
planejamento e vai à sua plena vivência de ausência do trabalho, podendo
46
passar por períodos de trabalho flexível, remunerado ou não. Para muitos,
representa um marco de transição e momento de profundas mudanças que
envolvem perdas e ganhos, percebidos em função da perspectiva
subjetiva e social dos indivíduos (FRANÇA & VAUGHAN, 2008). Isso
exige ressignificação da vida, sendo uma fase de mudanças geradoras de
instabilidade e tensão ou de satisfação e bem-estar (ZANELLI, 2012).
Sob esse aspecto, a vivência da aposentadoria enquanto processo varia
entre os indivíduos em função de aspectos individuais e socioculturais,
das condições de vida e da relação com o trabalho.
Considerando que a identidade do indivíduo está intrinsecamente
ligada à sua identidade enquanto trabalhador, compreende-se que a
relação saúde-trabalho tem relevante papel na vida social, assim como a
relação saúde-aposentadoria. Deste modo, o trabalho – e sua contraparte,
a aposentadoria – pode ser compreendido como fator na acepção das
condições de saúde do indivíduo.
Frente a isso, sair do mundo do trabalho pode constituir
ruptura com parte significativa de identidade e autoimagem, levando a
estados de sofrimento e perda de sentido. Assim como as formas de
trabalhar impactam no adoecimento ou no ato de se conservar
saudável, igualmente ocorre com as formas de se aposentar.
A aposentadoria nem sempre significa a saída definitiva do
mundo do trabalho. O ciclo Educação–Trabalho–Aposentadoria não
segue necessariamente uma ordem, sendo possíveis outras
oportunidades de educação e ocupação na aposentadoria. Portanto,
diversas variáveis individuais e coletivas podem influenciar a
transição trabalho-aposentadoria, destacando-se três opções: continuar
trabalhando em tempo integral, optar pelo bridge employment
(trabalho temporário ou meio-período) ou sair definitivamente do
mundo do trabalho (FRANÇA et al., 2013).
A saída parcial ou plena do trabalho pela aposentadoria
implica em reorganização de tempo e afetos, bem como em intenso
processo de ressignificação da vida, que pode ser vivenciado pelo
trabalhador de forma autônoma e natural ou mediado e
instrumentalizado por uma orientação para a aposentadoria,
viabilizada pelas organizações, instituições sociais e universidades.
Destacam-se entre as ações de preparação, os Programas de
Preparação para Aposentadoria (PPA).
Em 1992, a Organização Internacional do Trabalho propôs
que ações fossem dirigidas a trabalhadores mais velhos com o objetivo
de prepará-los para aposentadoria. No Brasil, PPA teve origem no
final da década de 1980, diante da globalização e das aposentadorias
incentivadas. Diante da cultura brasileira de imediatismo e de falta de
47
planejamento, tornou-se uma necessidade para boa parte dos
trabalhadores mais velhos. O PPA foi recomendado pela Política
Nacional do Idoso (1994) e pelo Estatuto do Idoso (2003). No século
XXI, o PPA foi implantado em diversas organizações, mas ainda é
mais comum entre empresas públicas.
Para França e Vaughan (2008), a aposentadoria pode ser
entendida em uma balança de ganhos e perdas, que com a intervenção
de um PPA pode se tornar mais favorável ao indivíduo, tornando suas
atitudes em relação esta fase mais positivas, oferecendo condições
para gerenciar seus recursos para aposentadoria, como os físicos,
financeiros, sociais e emocionais, cognitivos e motivacionais.
Atualmente o PPA é consolidado no repertório de ações
dirigidas aos trabalhadores mais velhos como estratégia para a
melhoria das condições de saúde e de bem-estar. Por conta disso,
sugere-se que o planejamento não seja restrito ao período que
antecede imediatamente a saída do mercado de trabalho, mas que seja
estimulado em toda a vida profissional por meio da lógica da
educação permanente. Aspectos que remetem à sobrevivência e risco,
como a saúde e a poupança, devem ser estimulados desde o início da
vida do trabalho.
França et al. (2019) ressaltam a importância do acompanhamento
e avaliações sistemáticas no PPA por pelo menos dois anos. O uso de
instrumentos de medida pode comprovar a eficácia dos programas, sua
otimização e expansão para organizações de médio e pequeno porte, em
parceria com universidades e organizações sociais, para facilitar o bem-
estar dos que estão em fase de transição para aposentadoria.
Referências
FRANCA, L. H. de F. P.; VAUGHAN, G. Ganhos e perdas: atitudes dos
executivos brasileiros e neozelandeses frente à aposentadoria. Psicol.
estud., Maringá, v. 13, n. 2, p. 207-216, 2008.
FRANCA, L. H. de F. P. et al. Aposentar-se ou continuar trabalhando? o que
influencia essa decisão? Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 33, n. 3, p. 548-563, 2013.
FRANÇA, L. H. de F. P. et al. Análise dos Programas de Preparação para
Aposentadoria (PPA) desenvolvidos por instituições públicas brasileiras.
Rev. Kairós, São Paulo, v. 22, n. 1, p. 59-80, 2019.
ZANELLI, J. C.; SILVA, N., & SOARES, D. H.(2010). Orientação para
Aposentadoria nas Organizações de Trabalho: Construção de Projetos
para o Pós-Carreira. PORTO ALEGRE: ARTMED, 2010.
ZANELLI, J. C. Processos Psicossociais, bem-estar e estresse na
aposentadoria. Rev. Psicol., Organ. Trab., Florianópolis, v. 12, n. 3, p. 329-
340, dez. 2012.

48
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ IMPACTOS NA SAÚDE
MENTAL DO TRABALHADOR
Eduardo Costa Sá
A aposentadoria por invalidez é um benefício do Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS) devido ao trabalhador
permanentemente incapaz de exercer qualquer atividade laboral, e
também que não possa ser reabilitado em outra profissão, a partir da
avaliação da perícia médica do INSS (INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL, 2020).
Pode ser concedida ao segurado mesmo que este não tenha
tempo de contribuição ou idade completa para a aposentadoria. O
benefício é pago enquanto persistir a incapacidade, e será reavaliado
periodicamente pelo perito médico. O benefício deixará de ser pago
quando o segurado recuperar a capacidade e/ou voltar ao trabalho. Os
maiores de 60 (sessenta) anos são isentos dessa obrigação, conforme a
Lei nº 13.063/2014.
Segundo o Art 26 da Lei nº 8.213/91, da Previdência Social (PS),
são isentas de carência para este benefício as seguintes doenças:
tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental, esclerose múltipla,
hepatopatia grave, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e
incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose
anquilosante, nefropatia grave, estado avançado da doença de Paget
(osteíte deformante), síndrome da deficiência imunológica adquirida
(AIDS) ou contaminação por radiação, com base em conclusão da
medicina especializada. Caso o benefício seja cessado por óbito, o valor
não será incorporado à pensão deixada aos dependentes (SOUZA, 2008).
Porém, é importante ressaltar: não terá direito à aposentadoria
por invalidez quem se filiar à PS já portador de doença ou lesão que
geraria o benefício, a não ser quando a incapacidade resultar no
agravamento da enfermidade. Além disso, o aposentado por invalidez
que necessitar de assistência permanente de outra pessoa poderá ter
direito a um acréscimo de 25% no valor de seu benefício. Nesse caso,
o segurado passará por uma nova avaliação médica pericial.
Em 2012, as estatísticas apresentadas indicam que a PS
aposentou cerca de 8% dos seus segurados por transtornos mentais e
comportamentais (TMC), o que equivale à terceira maior causa de
aposentadoria no país (SUMI et al., 2016). Segundo os dados do
Boletim Estatístico da Previdência Social (BEPS), divulgados em
janeiro de 2019, os benefícios concedidos entre 2018 e 2019 na
qualidade de aposentadoria por invalidez do tipo previdenciário
totalizam 21.219, correspondendo a 6,3% do total. Já aqueles
referentes à aposentadoria por invalidez do tipo acidentário são da

49
ordem de 917, correspondendo a 0,27% do total (BOLETIM
ESTATÍSTICO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, 2019).
Estudo realizado em Recife, Pernambuco, demonstra a
distribuição de aposentadorias por invalidez por causas específicas, e
os TMC ocupam a terceira posição, sendo que os transtornos de
humor (F34 - F39), os transtornos psicóticos (F23 - F23.9) e os
transtornos ansiosos (F41 - F41.9) correspondem a 25% de
prevalência (MOURA; CARVALHO; SILVA, 2007). Entre 2007-2011,
Santos et al. (2012) demonstraram que os TMC, no Estado da Paraíba,
corresponderam à quarta causa de aposentadoria por invalidez.
Esses dados reafirmam o quanto os transtornos mentais podem
interferir na vida laboral de parte da população, sendo de grande
relevância as aposentadorias por invalidez relacionadas à classe “F”
da Classificação Internacional de Doenças (CID).
Referências
BOLETIM ESTATÍSTICO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. Brasília, DF: Secretaria
de Previdência, v. 24, n. 1, jan. 2019. Disponível em:
http://sa.previdencia.gov.br/site/2019/03/beps19.01c.pdf. Acesso em: 29 abr. 2019.
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL(Brasil). Aposentadoria
por invalidez.Brasília, DF, 23 nov. 2020. Disponível em:
https://www.gov.br/inss/pt-br/saiba-mais/aposentadorias/aposentadoria-por-
invalidez. Acesso em: 06 dez. 2020.
MOURA, A. A. G.; CARVALHO, E. F. de; SILVA, N.J.C da. Repercussão das
doenças crônicas não-transmissíveis na concessão de benefícios pela previdência
social. Ciência & Saúde Coletiva, v. 12, n. 6, p. 1661-1672, 2007.
SANTOS, T. R. et al. Perfil socioeconômico-demográfico do beneficiário do
Instituto Nacional do Seguro Social aposentado por invalidez e suas causas,
no Estado da Paraíba, no quinquênio 2007-2011. Revista Brasileira de
Estudos Populares, Rio de Janeiro, v. 29, n. 2, p. 349-359, 2012.
SOUZA, L. X. B. Previdência social: normas e cálculos de benefícios. 9. ed.
São Paulo: LTr, 2008.
SUMI, L. G. et al. Conceitos sobre perícias médicas psiquiátricas no mundo
do trabalho. In: RAZZOUK, D; LIMA, M. G.A.; CORDEIRO, Q (org.).
Saúde mental e trabalho. São Paulo: CREMESP, 2016. p. 263-279.

APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO E


SAÚDE MENTAL NO TRABALHO
Eduardo Costa Sá
Benefício devido ao cidadão que comprovar o tempo total de
35 anos de contribuição, se homem, ou 30 anos de contribuição, se
mulher (GOVERNO DO BRASIL, 2020).
No momento, existem três regras para esse tipo de benefício:

50
1) Regra 1: 86/96 progressiva:
Não há idade mínima
Tempo mínimo de contribuição de 30 anos para as mulheres e 35
anos para os homens.
Total resultante da soma da idade e do tempo de contribuição deve
ser de 86 pontos para as mulheres e de 96 pontos para os homens.
Carência de 180 contribuições mensais.
A aplicação do fator previdenciário para o cálculo desse benefício
é opcional.
2) Regra 2: 30/35 anos de contribuição (quando não atinge a
pontuação 86/96):
Não há idade mínima
Tempo mínimo de contribuição de 30 anos para as mulheres e 35
anos para os homens.
Carência de 180 contribuições mensais.
A aplicação do fator previdenciário para o cálculo desse benefício é
obrigatória.
3) Regra 3: para aposentadoria proporcional:
Segurado com idade mínima de 48 anos (mulher) e 53 anos (homem)
Tempo total de contribuição
25 anos de contribuição + o tempo adicional (mulher)
30 anos de contribuição + o tempo adicional (homem)
Carência de 180 contribuições mensais.
Aplicação obrigatória do fator previdenciário (GOVERNO DO
BRASIL, 2020).

Observação: A aposentadoria proporcional foi extinta pela


Emenda Constitucional 20/98. Porém, tendo em vista as regras de
transição estabelecidas pela EC 20, os segurados filiados ao RGPS até
16/12/98 (somente estes) ainda têm direito à aposentadoria com
proventos proporcionais ao tempo de contribuição (GOVERNO DO
BRASIL, 2020).
Um período adicional de contribuição equivalente a 40% do
tempo que, em 16 de dezembro de 1998, vigência da Emenda
Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, faltava para atingir o
tempo 25 anos de contribuição, se mulher, e de 30 anos de contribuição,
se homem (GOVERNO DO BRASIL, 2020).
Existe a redução de 5 anos de contribuição para professor(a),
porém é preciso comprovar 30 anos de contribuição, se homem, ou 25
anos, se mulher, exercidos exclusivamente em funções de magistério
em estabelecimentos de Educação Básica (educação infantil, ensino
fundamental e médio), conforme definidos na Lei nº 9.394/1996
(GOVERNO DO BRASIL, 2020).

51
Para Bitencourt et al. (2011), mesmo o trabalho tendo um papel
central na vida dos indivíduos, chega o momento da aposentadoria,
benefício este que dá o direito de parar de contribuir para a PS, e
começar a receber seu benefício. Porém, alguns permanecem
trabalhando porque a aposentadoria não é suficiente para sua
subsistência ou por não verem motivo para parar de trabalhar.
Zhan et al. (2009) demonstram que em um estudo realizado nos
Estados Unidos com mais de 12 mil aposentados entre 51 e 61 anos de
idade, aqueles que continuam trabalhando mesmo após a aposentadoria
(bridge employment) apresentam menores chances de terem doenças
graves e um menor declínio de capacidade de realização de atividades
diárias, e a saúde mental se apresentou mais protegida. Alvarenga et al.
(2009) apresentam a perda do vínculo social, que havia sido constituído
em torno das relações profissionais e a diminuição da renda, que levam a
uma mudança de estilo de vida, como alguns dos fatores que podem ser
causadores de uma reação negativa à aposentadoria e, principalmente, a
falta de planejamento para aquele momento de transição. Porém, para
Reitzes, Mutran e Fernandez (1996), as reações negativas à aposentadoria
ocorrem mais naquelas pessoas que já traziam históricos de depressão ou
problemas de baixa autoestima.
A partir do Estatuto do Idoso, em 2003, no Brasil, ficou
estabelecido que é responsabilidade do poder público promover
programas de preparação para a aposentadoria e que os idosos não
podem ser discriminados quando buscam trabalho (BRASIL, 2003).
Assim, fica clara a importância de se preparar os indivíduos para a
aposentadoria, incluindo aqueles que ainda se encontram em
atividades laborais, prevenindo os transtornos mentais e
comportamentais (TMC) que poderão advir do evento da
aposentadoria por tempo de contribuição.
Referências
ALVARENGA, L. N.; et al. Repercussões da aposentadoria na qualidade de
vida do idoso. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 43,
n. 4, p. 796-802, 2009.
BITENCOURT, B. M., et al. Para além do tempo de emprego: o sentido do
trabalho no processo de aposentadoria. Revista de Ciências da
Administração, Florianópolis, v. 13, n. 31, p. 30-57, 2011.
BRASIL. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do
Idoso e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2003.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm
Acesso em: 06 dez.2020.
GOVERNO DO BRASIL (Brasil). Solicitar aposentadoria por tempo de
contribuição. Brasília, DF, 04 dez. 2020. Disponível em:
https://www.gov.br/pt-br/servicos/solicitar-aposentadoria-por-tempo-de-
contribuicao. Acesso em: 06 dez. 2020.
52
REITZES, D. C.; MUTRAN, E. J.; FERNANDEZ, M. E. Does retirement
hurt well-being? Factors influencing self-esteem and depression among
retirees and workers. The Gerontologist, v. 36, n. 5, p. 649-656, 1996.
ZHAN, Y. et al. Bridge employment and retirees’ health: a longitudinal investigation.
Journal of Occupational Health Psychology, v. 14, n. 4, p. 374-389, 2009.

ARTE E SAÚDE MENTAL: POSSIBILIDADES NA ÁREA DE


SAÚDE DO TRABALHADOR
Maria Luiza Gava Schmidt
Desde a Pré-História o homem cria imagens para se expressar e
se comunicar. Os registros da arte sendo usada na Grécia como recurso
terapêutico tanto para promoção como também para manutenção e
recuperação da saúde datam do século 5 a.C. Desse modo, historicamente
a arte é reconhecida como reveladora, transformadora e colaboradora na
construção de seres mais criativos e saudáveis (PHILIPPINI, 1995). As
primeiras pesquisas da relação entre arte e psiquiatria remontam aos fins
do século XIX, conforme Carvalho & Andrade (1995). Sobre esta
relação, os autores identificaram os seguintes registros:
- Max Simon (1876), psiquiatra, publicou pesquisas sobre
manifestações artísticas de doentes mentais, fazendo uma
classificação das patologias segundo essas produções artísticas.
- Lombroso (1888), advogado criminalista, fez análises dos desenhos
de doentes mentais para classificar doenças.
- Morselli (1894), Julio Dantas (1900), Fursac (1906) deixaram estudos a
respeito de produções e trabalhos artísticos de doentes psiquiátricos.
- Final do séc. XIX até início do século XX. Ferri, discípulo de Lombroso,
Charcot e Richet também estudaram a arte dos enfermos mentais.
- Mohr (1906) levantou a possibilidade de usar desenhos como testes,
a partir da comparação de trabalhos de doentes mentais, pessoas
normais, e grandes artistas. Autores de testes como Rorschach,
Murray - TAT, Szondi, inspiraram-se em suas ideias.
- Prinzhorn, em meados do século XX, publicou o primeiro trabalho de
comparação de desenhos de doentes mentais e diversas escolas artísticas.
Inicialmente, os trabalhos com arte nos centros de reabilitação
psiquiátricos eram realizados por pessoas com formação artística.
Com o surgimento da Psicanálise, houve uma progressão dos estudos
psicológicos no campo da Psiquiatria. À luz da abordagem
psicanalítica, Sigmund Freud exerceu forte influência na compreensão
do funcionamento mental relacionado ao processo criativo. A partir de
então, vários médicos passaram a se dedicar à compreensão dos
trabalhos de arte e à relação com as psicopatologias, cujos registros
dos estudos ocorreram em vários países (MARTINS, 2012).

53
Na obra de Freud, arte também se fez presente de forma
constante compreendida como “um produto da neurose que se
encontra sublimado, isto é, a arte adquire uma característica defensiva
bem-sucedida de um conflito, que por sua própria caracterização de
foco de tensão possibilita a adequação social do ego”
(URRUTIGARAY, 2010, p. 24).
Estudos que correlacionam Freud e a Arte, descrevem que
inicialmente ele se dedicou a escrever acerca dos artistas e suas obras
analisando-os sob a ótica da teoria psicanalítica. Posteriormente,
postulou sobre as manifestações do inconsciente mediante a leitura
dessas obras. Observou então que o inconsciente se manifestava “por
meio das imagens, sendo uma comunicação simbólica com função
catártica” (CARVALHO & ANDRADE, 1995, p. 28). As autoras
citam como exemplos de estudos de Freud sobre as artes: 1906 -
Estudo sobre a “Gradiva” de Jensen (1906); 1910 – Produção do texto
“Uma Memória de Infância” (1910); Trabalho sobre “Moisés, de
Michelangelo” (1913).
Segundo Lobo (2000), o trabalho sobre o livro de Jensen foi o
primeiro estudo sistemático de uma obra literária completa publicado por
Freud e, nele, o autor dá visibilidade e concretude ao objeto teórico
construído por suas pesquisas. Lobo (2000) considera que, ao publicar,
em 1907, o estudo “Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen”, Freud
transformou esse romance em uma celebridade e deu-lhe uma
popularidade que se estendeu para além das fronteiras da literatura. Em
1910, Freud publicou o texto “Uma Memória de Infância”, que discorre
sobre a vida de Leonardo da Vinci. Em 1913, redigiu um trabalho sobre
“Moisés de Michelangelo”. Rocha (2012) a partir do escrito “O Moisés
de Michelangelo, de S. Freud”, relata sobre algumas consequências da
abordagem psicanalítica da obra de arte para a ética da psicanálise. Em
seu texto “O interesse científico da psicanálise” (1913 - 1977), afirma que
a arte é uma realidade convencionalmente aceita, na qual, graças à ilusão
artística, os símbolos e os substitutos são capazes de provocar emoções
reais. Assim, a arte constitui um meio caminho entre uma realidade que
frustra os desejos e o mundo de desejos realizados da imaginação - uma
região em que, por assim dizer, os esforços de onipotência do homem
primitivo ainda se acham em pleno vigor (FREUD, p. 222).

Os primeiros textos psicanalíticos sobre arte e as primeiras


tentativas de interpretação psicanalítica no campo estético aparecem
nos textos “Caracteres psicopáticos no cenário” (1906/1989a) e “O
poeta e a fantasia” (1908/1989c). Em outros registros, também podem
ser exemplificados: “Conferência XXII - Os Caminhos da Formação
dos Sintomas” (Freud 1916 -1977), “Formulações sobre os dois
54
Princípios do Funcionamento Mental” (Freud 1911 - 1977) e “Um
Estudo Autobiográfico” (Freud 1925 - 1977).
Além da Psicanálise, outras correntes psicoterapêuticas, como a
Gestalterapia, o Psicodrama e a Abordagem Analítica passaram a utilizar
a expressão artística visando à manutenção da vida mental saudável.
Fritz Perls, Laura Perls e Paul Goodman foram os três principais
formuladores da Gestalt-Terapia. Todos eles estiveram profundamente
implicados com a arte ao longo de suas vidas. O primeiro deles, desde a
infância esteve envolvido com o teatro, que praticou formalmente na
adolescência, quando participou da escola de teatro de Max Reinhardt; a
segunda, desde a infância, também como pianista e depois com a dança e
a literatura; o terceiro como poeta e escritor (ALVIM, 2007).
Carl Gustav Jung, psiquiatra e psicanalista, foi fundador da
escola Analítica, postulou uma abordagem na qual a linguagem
expressiva complementava a verbalização e possibilitava ao paciente a
reorganização do seu caos interior. Nesta perspectiva, o autor incluiu o
uso da linguagem expressiva e artística nos seus atendimentos, pois
ele concebia que a criatividade é uma função psíquica natural, com
potencial estruturante, podendo atuar no processo de cura.
Mediante o trabalho analítico, Jung direcionou seus estudos
correlacionando as elaborações do psiquismo com as associações
artísticas. No seu livro “O Homem e seu Símbolos”, Jung destacou o
valor do simbolismo nas artes plásticas, em vista disto, passou a utilizar a
linguagem expressiva ou artística como parte do tratamento
psicoterápico, pois segundo ele a vivência dos símbolos, nas técnicas
expressivas, enriquecia o processo da imaginação ativa e a verbalização,
então, ele solicitava aos seus pacientes que desenhassem livremente,
inclusive seus sonhos e sentimentos, e as duas linguagens, a expressão
artística e a verbal, aconteciam paralelamente nas sessões analíticas.
Jung teve vários seguidores que utilizaram os recursos
expressivos como técnicas de atendimento. Como exemplo, vale citar os
trabalhos da analista junguiana da Filadélfia, Barbara Wittes. No Brasil,
dois psiquiatras marcam as contribuições na fundamentação teórica da
Arteterapia: Osório César, em 1923, e Nise da Silveira, em 1946.O
primeiro, sob a influência da Psicanálise, trabalhou com arte no hospital
do Juqueri. A segunda, desenvolveu um trabalho no Centro Psiquiátrico
Dom Pedro II, no Rio de Janeiro, sob a influência junguiana.
Jacob Levy Moreno, médico psiquiatra, criador do
Psicodrama e toda a estrutura da abordagem psicodramática, situa a
interface entre a arte e a ciência, mantendo os benefícios de ambas.
Dentre as mais variadas formas de arte, Moreno deu ênfase ao teatro,
criando assim o psicodrama terapêutico. Com esta abordagem,
55
aproximou a arte do campo da saúde mental e trabalho, mediante o
conceito denominado por ele de Laborterapia (MORENO, 1999).
Como médico do trabalho, atuou numa indústria têxtil em Bad Voslau,
pequena cidade ao sul de Viena (RAMALHO, 2002). Embora, tenha
deixado poucos escritos de sua atuação nesta área, mencionou ter sido
uma experiência valiosa. Em seus estudos, deixou alguns escritos,
como o fato de ter observado uma maior frequência de acidentes do
trabalho entre trabalhadores isolados dos que trabalhavam em equipe
muito unida (MORENO, 1999).
Em seus registros de atuação em saúde no trabalho, contou a
experiência em uma lavanderia com dez trabalhadoras, das quais sete
operadoras exerciam as funções de recolher e dobrar as roupas, uma
contramestre e duas encarregadas de alimentar uma máquina. Segundo
ele, o estudo foi realizado devido ao fato delas se rejeitarem
mutuamente e isto ocasionar conflitos interpessoais, perturbando o
desenvolvimento do trabalho, além de ocasionar uma crise emocional
que atingia o grupo (MORENO, 1999).
Schmidt (2016) resgata a trajetória de Moreno e pontua a
importância da laborterapia descrita por ele como promotora da saúde
no trabalho. A autora, utilizando a metodologia sociopsicodramática
em suas atuações no campo da saúde mental e trabalho identificou que
esta abordagem é relevante para propiciar o espaço de expressão e
mobilização subjetiva dos trabalhadores, atuando também como
função terapêutica na medida em que favorece o desenvolvimento da
criatividade e da espontaneidade bloqueadas pela organização do
trabalho (SCHMIDT, 2018; 2010; 2004).
Referências
ALVIM, M. B. O Fundo Estético da Gestalt-Terapia. Rev. abordagem
gestalt. [online]. 2007, vol.13, n.1, pp. 13-24. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-6867200
7000100002. Acesso: 9 jun. 2019.
CARVALHO, M.M.M.J.; ANDRADE, L.Q. Breve histórico do uso da arte
em psicoterapia. In: CARVALHO, M.M.M.J (Org) A arte cura? Editorial
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FREUD, S. Interesse científico da psicanálise. vol. XIII. Rio de Janeiro:
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JUNG, C.G.; VON FRANZ, M.L. O homem e seus símbolos. (Trad. Maria
Lúcia Pinho. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1977.
MARTINS, D. D. C. Arte-terapia e as potencialidades simbólicas e
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Belas Artes. Universidade de Lisboa, 2012, 128 pág.
MORENO, J.L. Psicoterapia de grupo e psicodrama: introdução à teoria e
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56
PHILIPPINI, A. Universo junguiano e Arteterapia. Publicado originalmente no
Volume II da Coleção de Revistas de Arteterapia “Imagens da
Transformação”. Disponível em:
http://www.Arteterapia.org.br/v2/pdfs/univers.pdf. Acesso em 20 jun.2015.
RAMALHO, C. M. R. R. Aproximações entre Moreno e Jung. São Paulo:
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ROCHA, G. M. O moisés de freud: entre o sublime e a sublimação. Cogito,
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SCHMIDT, M.L.G. Sociodrama na abordagem da saúde /doença dos
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imagens. 5ª Edição. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011.

ARTETERAPIA SOCIPSICODRAMÁTICA NO CAMPO DA


SAÚDE MENTAL E TRABALHO
Maria Luiza Gava Schmidt
Estudos bibliográficos descrevem que mesmo havendo
diversos profissionais da área psicoterapêutica, ou da educação,
trabalhando com arte, a origem do termo Arteterapia foi atribuída a
Adrian Hill, o qual, em 1940, estabeleceu a arte como processo
psicoterapêutico (MARTINS, 2012).
No Brasil, a Arteterapia ganhou destaque a partir dos
trabalhos de Nise da Silveira (URRUTIGARAY, 2011). Inspirada nas
obras de Carl Gustav Jung, ela “encontrou respostas para sua pesquisa
sobre as imagens que apareciam no setor de terapia ocupacional do
hospital psiquiátrico, passando, então, a ser reconhecida como a
precursora da obra de Jung no Brasil” (BRASIL, 2013).
Outra autora de reconhecido destaque em nosso país, por ser
responsável pela coordenação de cursos de formação em Arteterapia
Junguiana, é Ângela Phillipini. Em suas obras inaugurou o caráter
científico da Arteterapia, fortalecendo a construção desse campo a
partir de pressupostos teóricos, estratégias, técnicas de atendimento e
aplicabilidade da metodologia arteterapêutica como por ex: adequação
de materiais e indicações de uso a públicos de diferentes cronologias.
Embasada no referencial teórico Junguiano, essa autora mostra como
57
o processo arteterapêutico é marcado por símbolos que determinam a
jornada de individuação, ou seja, o processo de realização de Si
mesmo, ou self.
No processo arteterapêutico, a catarse ocorre através da
canalização da energia contida e representada mediante os efeitos
psicológicos da experiência de pintar e desenhar (ORMEZZANO,
2009). Embora possa ser desenvolvida a partir de diferentes
referenciais teóricos, a Arteterapia se define em todos eles por um
ponto em comum: “o uso da arte como meio à expressão da
subjetividade” (REIS, 2014, p. 147).
Na abordagem Junguiana, a função da atividade artística é
mediar a produção de símbolos do inconsciente, as manifestações
artísticas são o documentário psíquico da coletividade e simultaneamente
as representações da singularidade dos indivíduos (PHILIPPINI, 1995).
Na vertente psicanalítica, a Arteterapia teve origem nos
Estados Unidos, tendo como pioneiras Margaret Naumburg e Edith
Kramer, as quais percorreram interpretações distintas. Naumburg,
embasada no viés psicanalítico, interpretava o simbolismo pessoal
retratado no material gráfico, sendo seu trabalho denominado
Arteterapia de orientação dinâmica. Por sua vez, Kramer, seguindo
pressupostos da teoria psicanalítica, concebia que a ênfase do trabalho
arteterapêutico estava na relação transferencial (ANDRADE, 1995).
Na abordagem gestáltica a utilização da Arteterapia teve como
precursora Janie Rhyne, em 1973. Essa autora, fundamentada nos
princípios das técnicas da ‘Gestalt - terapia’, associada ao uso de
materiais artísticos, desenvolveu um procedimento de Arte-terapia
gestáltica que promoveu a descoberta e exploração de sentimentos e
qualidades pessoais (ANDRADE, 1995).
Na Arteterapia de abordagem gestáltica, a visão existencial se
manifesta na atitude do terapeuta, o qual possui o papel de estimular e
facilitar o movimento de criatividade e expressão artística do paciente,
sugerindo experimentos, técnicas e facilitando elaborações e buscas de
significado (CIORNAI, 2004).
A sinergia entre Arteterapia e a abordagem psicodramática
descrita por Jacob Levy Moreno (1978) foi referida por Peterson (2008).
Em seu estudo, este autor apresenta uma síntese histórica das relações
entre essas abordagens e explora as interações entre essas duas
modalidades expressivas. Contudo, ele aponta para escassez da
integração dessas duas modalidades expressivas, abordando que, em
alguns estudos, a Arteterapia, na relação com a vertente psicodramática, é
vista como uma abordagem secundária ou utilizada para mero
aquecimento e, segundo ele, a sinergia vai muito além disso, pois a
combinação metodológica pode atuar como forma de tratamento e suas
58
experiências revelaram que a eficácia dessa sinergia aparece mais
claramente com clientes que são vítimas de traumas (PETERSON, 2008).
Atuando como psicodramatista e arteterapêuta no campo da
saúde do trabalhador, estabelecemos conexões entre as abordagens
Sociopsicodramática e a Arteterapia, mostrando como esses
procedimentos podem ser usados conjuntamente. Mediante esta junção
metodológica, cunhamos o conceito Arteterapia Sociopsicodramática,
passando então, a utilizar o Sociodrama, criado por Moreno (1978), um
procedimento dramático específico, baseado nos conceitos da teoria dos
papéis e da antropologia vincular com a Arteterapia, que favorece a
emergência de processos psicológicos profundos.
Em nossas experiências, observamos que a integração dessas
abordagens une forças de expressão que auxiliam o indivíduo na
superação dos enrijecimentos, contribuindo para o afloramento de
suas potencialidades.
Verificamos que esta intermodalidade no campo da Saúde
Mental e Trabalho, revela resultados promissores especialmente, com
grupos de trabalhadores readaptados, que foram afastados por
adoecimento mental. O processo criativo, possibilitado pelas
metodologias, propicia a capacidade de reelaboração de crises,
sentimentos e conflitos interiores. Ou seja, uma elaboração
interpretativa (perlaboração e transformação), uma catarse, que
favorece a ressignificação com o trabalho, assim como a eficácia do
processo de readaptação (SCHMIDT, 2017).
Referências
ANDRADE, L. Q. Linhas teóricas em arte-terapia. In M. M. M. J. de
Carvalho (Org.), A Arte Cura? Recursos artísticos em psicoterapia (pp. 39-
54). Campinas, SP: Editorial Psy II, 1995.
BRASIL, C. Cores, formas e expressão: emoção de lidar e Arteterapia na
clínica yunguiana. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2013.
CIORNAI, S. (Org) Percursos em Arteterapia. 2ª Ed. (Coleção novas
buscas em psicoterapia; v. 62). São Paulo: Editora Summus, 2004.
MARTINS, D. D. C. Arte-terapia e as potencialidades simbólicas e
criativas dos mediadores artísticos. [Mestrado em Educação] Faculdade de
Belas Artes. Universidade de Lisboa, 2012, 128 pág.
MORENO, J. L. Psicodrama. Tradução: Álvaro Cabral. 2. ed. São Paulo:
Cultrix, 1978.
ORMEZZANO, G. Educação, estética, imaginário e Arteterapia. Rio de
Janeiro: Wak Editora, 2009.
PETERSON, J. Sinergia entre Arteterapia e psicodrama: interligando os
mundos externo e interno. In: Gershoni,J. (org) Tradução Moysés Aguiar.
Psicodrama no século 21 -aplicações clínicas e educacionais. São Paulo:
Ágora, 2008. Cap. 6, pp. 97-118.

59
PHILIPPINI, A. Universo junguiano e Arteterapia. Publicado originalmente
no Volume II da Coleção de Revistas de Arteterapia “Imagens da
Transformação”. Disponível em:
http://www.Arteterapia.org.br/v2/pdfs/univers.pdf. Acesso em: 20jun.2015.
REIS, A. C. Arteterapia: a arte como instrumento no trabalho do Psicólogo.
Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 34, n. 1, p. 142-157, Mar. 2014. Disponível
em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-
98932014000100011&lng=en&nrm=iso Acesso em 20 Nov. 2020.
https://doi.org/10.1590/S1414-98932014000100011.
SCHMIDT, M.L.G. Arteterapia Sociopsicodramática na readaptação
profissional: aspectos teóricos e metodológicos. São Paulo: LTr, 2017.
URRUTIGARAY, M. C. Arteterapia- a transformação pessoal pelas
imagens. 5ª Edição. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011.

ASSÉDIO MORAL (NO TRABALHO): REPERCUSSÕES NA


SAÚDE MENTAL DOS TRABALHADORES
Hugo Ferrari Cardoso
Assédio moral é um fenômeno que ocorre no âmbito laboral e
vem sendo, nas últimas décadas, uma terminologia cada vez mais
discutida e conhecida (SOARES, 2012). O termo o assédio moral é
bastante utilizado em países que falam língua portuguesa, já bullying é
o termo para se referir em países de língua inglesa, harcèlement moral
(em francês) e acoso moral (em espanhol). Acerca do fenômeno
assédio moral, alguns estudiosos podem ser destacados, como
Leymann, psicólogo sueco (desenvolveu as primeiras reflexões e
investigações sobre o fenômeno); Andrea Adams, jornalista inglesa
(produziu um documentário de grande repercussão sobre a temática,
que foi exibido no ano de 1992, na rede BBC) e Marie-France
Hirigoyen, psiquiatra e psicanalista francesa (a partir de sua prática
clínica com pacientes, trabalhadores que sofriam assédio moral,
publicou uma importante obra, a qual foi traduzida para 27 línguas).
No Brasil há grande destaque para Margarida Barreto (médica do
trabalho) e José Roberto Heloani (advogado e psicólogo).
O conceito possui algumas particularidades, sendo uma delas a
falta de consenso quanto a sua definição e quais comportamentos são
considerados componentes para a existência do fenômeno (COWIE et
al., 2002). Em linhas gerais, consiste na presença de comportamentos,
executados por uma pessoa, ou grupo, que ocupam o mesmo local de
trabalho, cujo objetivo fim está relacionado a desenvolver no indivíduo
assediado o sentimento de desvalia e incompetência no trabalho
(FERREIRA, 2009). Hirigoyen (2010) ressaltou que o assédio moral
pode ser evidenciado por meio de comportamentos verbais e não
verbais, cujo propósito está vinculado a atingir a integridade do outro
funcionário, podendo essa afetação ocorrer de forma física ou psíquica.
60
Barreto (2003) destaca que, além do período de tempo e condições
vexatórias às quais o assediado é exposto, geralmente os
comportamentos de assédio são executados por superiores, com
propósito de ridicularizar determinado trabalhador, perante aos demais
companheiros de trabalho.
Um aspecto importante do assédio moral é destacado por
Heloani (2005), na medida em que o mesmo pontou que os ataques (os
comportamentos agressivos e de humilhação) são inicialmente
percebidos como sendo inofensivos, em tons de brincadeira por parte do
assediador, porém, ao longo do tempo, o indivíduo assediado passa a
receber cada vez mais insinuações e humilhações (comportamentos do
assediador ganham força). Para Leymann (1996), os comportamentos
executados pelo assediador são realizados de forma sistemática,
recorrente e, para se caracterizar o assédio moral, devem ocorrer por
mais de seis meses, com frequência média de duas vezes na semana.
Leymann (1996) sinalizou três grupos de ações que
caracterizariam os comportamentos do assediador. O primeiro
(denominado manipulação da comunicação da vítima) são os
comportamentos de negação de informações ao trabalhador assediado
(são as ações relacionadas a comunicação hostil - o assediador realiza
críticas e ameaças de forma pública, além de haver uma tendência a não
dirigir a palavra e não cumprimentar, ignorando o indivíduo assediado).
No segundo grupo de ações (manipulação da reputação da vítima), os
comportamentos têm como propósitos a realização de comentários
injuriosos, com ridicularizações públicas, relacionadas às características
físicas, biológicas e convicções (como por exemplo opção religiosa,
política, sexual, dentre outras). Já no terceiro grupo (manipulação do
trabalho da vítima) os comportamentos executados pelo assediador
estão relacionados ao aumento de forma exacerbada, ou considerável
diminuição, da carga de trabalho, atribuição de trabalhos
desnecessários, monótonos ou que desqualifiquem o indivíduo.
É possível identificar fatores de risco (EINARSEN, 2005;
SALIN, 2005; MACIEL et al., 2007; SOARES; OLIVEIRA, 2012)
para a ocorrência de comportamentos de assédio moral, bem como as
consequências do fenômeno, tanto para os trabalhadores, como para a
organização. Sendo assim, são considerados fatores de risco as
condições de trabalho (como ritmo de trabalho sob pressão, controle
do processo laboral por meio de metas, componentes tecnológicos em
alta mutação e instabilidade em relação ao cargo ocupado podem
proporcionar um aumento do estresse, dentre outros) e as próprias
características das pessoas assediadas (embora não haja consenso,
algumas características podem ser elencadas, como ser mulher,
trabalhador pertencente a determinados grupos étnicos, raciais,
61
trabalhadores de baixa renda ou baixa escolaridade, ser pertencente a
grupos protegidos por lei - gestantes, idosos e deficientes, apresentar
como características pessoais timidez, isolamento grupal e altos
indicadores de ansiedade).
As principais consequências dos assédio moral, nos
trabalhadores, podem ser diversas, como prejuízos no que tange à
saúde física e mental, redução da produtividade, diminuição da
percepção de bem-estar, aumento do estresse, elevados indicadores, ou
mesmo diagnóstico, de transtornos depressivos e de ansiedade,
dificuldade de concentração e de vinculação social, isolamento,
desconfiança, agressividade, aumento do uso de substâncias, conflitos
familiares, suicídio, dentre outros (LEYMANN, 1997; HELOANI,
2005; YILDIRIML; YILDIRIML, 2007). No que tange às
organizações, possíveis consequências estão relacionadas a
diminuição da produtividade e, por conseguinte, também a diminuição
da lucratividade, aumento dos indicadores de absenteísmo, do número
de acidentes de trabalho e com despesas/licenças médicas, até mesmo
a incapacitação ou aposentadoria precoce desses profissionais
(SOARES; OLIVEIRA, 2012; VILLATORE; DINIZ, 2012).
Referências
BARRETO, M. S. Assédio moral: suas ocorrências e consequências.
Fortaleza, CE: Sindicato dos Bancários do Ceará, 2003.
COWIE, H.; NAYLOR, P.; RIVERS, I.; SMITH, P. K.; PEREIRA, B.
Measuring workplace bullying. Agression and Violent Behavior, v. 7, pp. 33-
51, 2002.
EINARSEN, S. The nature, causes and consequences of bullying at work:
The Norwegian experience. Pistes, v. 7, n. 3, 2005.
FERREIRA, J. B. Perdi um Jeito de Sorrir que eu tinha: violência, assédio
moral e servidão voluntária no trabalho. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009.
HELOANI, J. R. Assédio moral: a dignidade violada. Aletheia, v. 22m, n. 1,
pp 101-108, 2005.
HIRIGOYEN, M. F. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. 5ª
Ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2010.
LEYMANN, H. The content and development of mobbing at work. European
Journal of Work and Organizational Psychology, v. 5, n. 2, pp. 165-184, 1996
LEYMANN, H. The Definition of Mobbing at Workplaces. The Mobbing
Encyclopaedia. 1997. Disponível em:
http://www.leymann.se/English/frame.html. Acesso em: 10/05/2019.
MACIEL, R. H.; CAVALCANTE, R.; MATOS, T. G. R.; RODRIGUES, S. Auto
relato de situações constrangedoras no trabalho e assédio moral nos bancários: uma
fotografia. Psicologia & Sociedade, v. 19, n. 3, pp. 117-128, 2007.
SALIN, D. Workplace bullying among business professionals: Prevalence,
gender differences and the role of organizational politics. Pistes, v. 7, n. 3, 2005.
SOARES, A. As origens do conceito de assédio moral no trabalho. Rev.
bras. Saúde ocupacional, v. 37, n. 126, pp. 284-286, 2012.

62
SOARES, A.; OLIVEIRA, J. A. Assédio moral no trabalho. Rev. bras.
Saúde ocupacional, v. 37, n. 126, pp. 195-202, 2012.
VILLATORE, M. A. C.; DINIZ, P. D. F. O assédio moral, analisado sob uma
perspectiva moderna, determina medidas preventivas inovadoras. Revista
Jurídica, v. 2, n. 29, pp. 185-211, 2012
YILDIRIM, A.; YILDIRIM, D. Mobbing in the workplace by peers and
managers: mobbing experienced by nurses working in healthcare facilities in
Turkey and its effect on nurses, Journal of Cliuonical Nursing, v. 16, n. 8,
pp. 1444-1453, 2007.

ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO E


CONSEQUÊNCIAS À SAÚDE MENTAL DOS
TRABALHADORES
Mateus Bender
Apesar de ser uma situação comum no mundo do trabalho
desde os primórdios das relações laborais, as situações de violências
psicológicas no ambiente de trabalho começaram a ganhar destaque
em pesquisas científicas a partir da década de 1980. Desde então,
inúmeras denominações foram utilizadas para fenômenos similares,
consolidando o tema de violência psicológica no ambiente de trabalho
nos estudos relacionados a saúde e trabalho.
Os primeiros estudos acerca das agressões psicológicas no
ambiente de trabalho são atribuídos ao psicólogo Heinz Leymann, que
publicou em 1984 o resultado de uma longa pesquisa sobre as
consequências da exposição do trabalhador a comportamentos
degradantes no ambiente de trabalho (CALVO, 2013). Foi através da
pesquisa de Leymann que o conceito de “mobbing” foi introduzido pela
primeira vez na literatura para descrever as formas cruéis de violência
psicológica nas organizações empresariais. No mesmo período, no
início da década de 1990, a jornalista britânica Andrea Adams cunhou a
expressão “bullying no local de trabalho” com base em sua pesquisa
sobre maus-tratos aos funcionários de um banco, realizada em 1988. No
ano de 1992, pioneiramente escreveu o primeiro livro na língua inglesa
sobre como enfrentar e superar esse fenômeno – Bullying at Work: How
to Confront and Overcome It. O termo foi estendido para agressões em
várias outras áreas sociais, como no exército, no esporte, na família,
com pessoas de mais idade, até chegar às organizações, por intermédio
do trabalho de Lazarus (LAZARUS & FOLKMAN, 1984), na área da
Psicologia do Trabalho.
Em síntese, os termos mais utilizados nos países de língua
inglesa são o mobbing e o bullying. No entanto, Soboll (2008) alerta
que esses dois conceitos não são pacificamente sinônimos. Para essa
autora, a divergência ocorre quanto ao bullying descrever o fato a

63
partir da perspectiva do agressor, agente único que desfere suas
agressões a uma ou mais pessoas, enquanto o mobbing remete a um
grupo de agressores em face de uma vítima, o que evidencia a
impossibilidade e de lhe ser reconhecido o mesmo significado.
Hirigoyen (2012) afirma que o mobbing está ligado a perseguições
coletivas, enquanto o bullying seria mais amplo, referindo-se às
ofensas individuais.
A pesquisa realizada pela psicóloga francesa Marie-France
Hirigoyen, publicada em 1998 sob o nome Harcèlement moral: la
violence perverse au quotidien, difundiu o fenômeno e orientou novas
pesquisas. A partir da história de vida de seus pacientes, a autora fez
uma análise e designou uma novara denominação para esse fenômeno:
Harcèlement – na tradução para o português, assédio moral.
O conceito de assédio moral se popularizou a partir das obras de
Hirigoyen (2012), onde o definiu como toda e qualquer conduta abusiva,
manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos,
escritos, que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à
integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego
ou degradar o ambiente de trabalho. A autora diverge do conceito de
mobbing introduzido por Heinz Leymann, o qual considera a origem em
um conflito profissional mal resolvido. Para Hirigoyen (2012) é
justamente porque nenhum conflito pode ser estabelecido, pois nesses
embates as recriminações são faladas (a guerra é aberta, de alguma
maneira). Entende que por trás de todo procedimento de assédio, existe o
não falado e o escondido. Além disso, a autora (2012, p. 27) acrescenta
que não existe uma relação simétrica entre as partes, mas uma relação
dominante-dominado, na qual aquele que comanda o jogo procura
submeter o outro até fazê-lo perder a identidade. Quando isso se passa no
âmbito de uma relação de subordinação, transforma-se em um abuso de
poder hierárquico, e a autoridade legítima sobre um subordinado se torna
a dominação da pessoa.
Segundo a Convenção 190 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), aprovada em 2019, o assédio moral é uma espécie do
gênero de violência laboral. A Convenção define a violência e o assédio
como “um conjunto de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou
ameaças de tais comportamentos e práticas, que se manifestam uma vez
ou repetidamente, que objetivam causar, causam ou são suscetíveis de
causar danos físicos, psicológicos, sexuais ou econômicos, incluída a
violência e o assédio em razão de gênero (OIT, 2019, tradução nossa).
Os efeitos à saúde mental do trabalhador manifestam-se através
do medo de ser humilhado, de não corresponder às exigências da
empresa, de ser demitido, etc. Por vezes, o próprio indivíduo sente-se

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culpado pela situação, julgando-se incompetente. Conforme a agressão
se repete e prolonga-se no tempo, a estrutura psicológica do profissional
é progressivamente afetada, levando-o a tomar certas atitudes que
afetam a sua saúde física e mental, desencadeando no pedido de
demissão ou, em casos extremos, até mesmo tentativa de suicídio. Sua
estabilidade emocional se altera, assim como sua autoconfiança e
funções psíquicas superiores (como atenção, raciocínio e memória)
igualmente tornam-se abaladas, diminuindo seu desempenho no
trabalho. Os efeitos da violência psicológica ultrapassam os muros do
trabalho e invadem, inclusive, o âmbito social.
Referências
CALVO, A. O assédio moral institucional e a dignidade da pessoa humana
(estudo do assédio moral institucional sob a ótica dos direitos fundamentais).
Revista eletrônica [do] Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região,
Curitiba, PR, v. 2, n. 23, pp. 153-174, out. 2013.
HIRIGOYEN, M.-F. Mal-Estar no Trabalho: Redefinindo o Assédio Moral.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.
LAZARUS, R., & FOLKMAN, S. Stress, Appraisal, and Coping. New
York: Springer, 1984.
OIT- Organização Internacional do Trabalho. Conferencia Internacional del
Trabajo. Convención 190: Comisión normativa: violencia y acoso en el
mundo del trabajo, 2019. Disponível em:
https://www.ilo.org/ilc/ILCSessions/108/committees/violence-
harassment/WCMS_711719/lang--es/index.htm. Acesso em: 7 set. 2020.
SOBOLL, L. A. Assédio Moral/Organizacional: Uma Análise da
Organização do Trabalho. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008.

ATITUDES EVASIVAS NO TRABALHO (CONSEQUÊNCIAS À


SAÚDE MENTAL DOS TRABALHADORES)
Hugo Ferrari Cardoso
Atitudes evasivas se referem a comportamentos de faltas no
trabalho ou mesmo atitudes relacionadas à procrastinação das atividades.
Em ambos os casos é bem provável que acarretem em consequências
negativas, tanto para as organizações, como para os trabalhadores. De
forma mais específica pode-se citar o absenteísmo e presenteísmo.
Quanto ao absenteísmo, o termo francês (absebtéisme) se
refere à falta no trabalho por motivos diversos, podendo esses ser
propositais ou circunstanciais. Para a Organização Internacional do
Trabalho (OIT, 1989), o absenteísmo pode ser definido como a falta
no trabalho por conta de motivos pessoais (voluntário, proposital) e
também por motivos de doenças (por meio de recomendações médicas
– que leva o trabalhador a se ausentar de suas atividades laborais por
algum tempo). Segundo a OIT, cerca de 75% das ausências no
trabalho são justificadas por atestados médicos.
65
Além da OIT, outros autores apontam para diferentes tipologias
de absenteísmo (QUICK; LAPERTOSA, 1982; COUTO, 1987; JORGE,
1995). Nesse mesmo sentido, cinco tipologias são elencadas, quais sejam,
voluntário (o afastamento do trabalho ocorre por razões pessoais, não
amparadas legalmente), legal (ausências com amparo legal – por
exemplo, em casos de gestantes, doação de sangue e casamentos, dentre
outros), por patologia profissional (acidentes de trabalho e/ou doenças
associadas à execução das tarefas laborais), compulsório (em casos de
impedimentos do trabalhador em chegar ao seu trabalho) e por doença (se
referem aos afastamentos por recomendações médicas, por doenças de
qualquer tipo, independentemente se associadas ao trabalho ou não).
Com base em Couto (1987), o absenteísmo pode ser considerado
um fenômeno de etiologia multifatorial, pois diversas variáveis podem
levar o trabalhador a se ausentar de suas funções laborais, como aspectos
sociais, culturais, sociais, biológicos, logísticos, familiares, financeiros. E,
a partir dessas variáveis, diversas outras podem também estar
relacionadas, como a insatisfação com o trabalho, desmotivação,
condições inadequadas no ambiente organizacional, conflitos
interpessoais com os colegas de trabalho e/ou gestores, acúmulo de
funções e pressão no trabalho, dentre diversos outros.
Na busca por elucidar, de forma mais eficaz, possíveis causas
que levem os trabalhadores a se ausentarem no contexto laboral,
McDonald e Shaver (1981) ressaltaram três grupos de causas. O primeiro
(denominado causas intrínsecas) está associado àquelas quanto a natureza
e condições do trabalho, refletindo diretamente na satisfação ou
insatisfação do trabalhador (em muito são decorrentes da sobrecarga e
característica do trabalho, exaustão física, falta de autonomia, dentre
outras). O segundo grupo (causas extrínsecas) advém de circunstâncias
externas ao indivíduo e pertencentes ao âmbito de trabalho (como
relacionamentos inadequados com os líderes, falta de canais de
comunicação com a administração; baixos salários e percepção de
precárias condições de trabalho). Por fim, o terceiro grupo (causas de
personalidade) se refere aos comportamentos dos trabalhadores (por
exemplo, no caso desses trabalhadores apresentarem problemas pessoais
e/ou familiares; dependentes químicos; hipocondríacos, desmotivados;
com dificuldade de conviver em grupos, etc).
Absenteísmo é considerada uma atitude evasiva no trabalho, e
isso fica na claro na medida em que o leitor pode acompanhar as
definições nos parágrafos anteriores e também pelo entendimento de
que se trata de um fenômeno em que a pessoa se ausenta fisicamente
do trabalho. Nessa mesma direção, a seguir, será apresentado outro
conceito que também pode ser associado a atitudes evasivas no

66
trabalho. Porém, ao contrário do absenteísmo, no presenteísmo os
indivíduos não se ausentam fisicamente do trabalho.
Alguns autores (BIRON; SAKSVIK, 2009) destacam que, por
conta do atual cenário no mundo, os trabalhadores tendem a
permanecer mais tempo em seus postos de trabalho. Seja pelo fato de
terem um montante cada vez maior de carga de trabalho ou mesmo
pelo fato desses desejarem mostrar sua importância e não perderem
seus trabalhos. Em outras palavras, o presenteísmo pode ser visto
como comportamentos implícitos dos trabalhadores que, por se
sentirem ameaçados de perderem seus empregos, consequentemente
tendem a ficar mais tempo no trabalho (como forma de marcar
presença e demonstrar um compromisso com a organização).
Entretanto, a permanência de forma elevada, nesse contexto,
pode levar, além do desenvolvimento de patologias, os trabalhadores a
perceberem tal contexto como menos motivador, gerando
insatisfações e menor engajamento nas funções. Aronsson et al.
(2000) também atribuem ao presenteísmo o caráter multifatorial,
sendo o medo da perda do emprego uma das principais variáveis.
Esse fenômeno está atrelado a atitudes evasivas no contexto de
trabalho, pois na medida em que o trabalhador passa a ver esse contexto
como menos motivador e o torna mais insatisfeito com suas funções,
muitos passam a ser menos envolvidos com suas funções laborais (como
se não estivessem desenvolvendo adequadamente – levando-se à ideia de
que, mesmo estando presente fisicamente, mentalmente/emocionalmente,
esse trabalhador não se encontra presente – por essa razão é relacionado a
atitudes de evasão no trabalho).
Referências
BIRON, C.; SAKSVIK, P. Sickness presenteeism and attendance pressure
factors: implications for practice. In: COOPER, C. L.; QUICK, J. C.;
SCHABRACQ, M. J. (Orgs.) International Handbook of Work and
Health Psychology. 3rd ed. Oxford, 2009.
COUTO, H. A. Absenteísmo: uma visão bem maior que a simples doença.
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JORGE, A. L. Motivos que levam os trabalhadores de enfermagem ao
absenteísmo. Acta Paulista de Enfermagem, pp. 44-48, 1995.
MCDONALD, J. M.; SHAVER, A. V. An absenteeism central program. J
Nurs. Adm., Billerica, v. 11, n. 5, pp. 13-18, 1981
ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAHO. Absentismo:
causa y control. In: Enciclopedia de Salud e Seguridad en El Trabajo.
Madri, Esp: OIT, pp. 5-12, 1989.
QUICK, T. C.; LAPERTOSA, J. B. Análise do absenteísmo em usina
siderúrgica. Rev. Bras. Saúde Ocup., v. 18, n. 69, pp. 65-70, 1982.

67
ATIVIDADES SAZONAIS E IMPACTOS NA SAÚDE MENTAL
E TRABALHO
Cassiano Ricardo Rumin
As atividades sazonais desenvolvem-se em ciclos curtos,
exigindo a combinação da magnitude extensiva e intensiva do
trabalho. A extensão da jornada acentua o desgaste biomecânico que
não é compensado no restrito tempo fora do trabalho. A aferição de
sua competência para suportar a extensão da jornada laboral mobiliza
sentimentos de autoeficácia. Esses sentimentos são impulsionados por
comparações entre os pares do processo de trabalho e por controles
organizacionais que reduzem o trabalho realizado à quantificação da
produtividade. Tem-se então, duas vias para a materialização do
sofrimento psíquico relacionado a magnitude extensiva da jornada: se
não suportar as imposições do prolongamento da jornada, será
atribuído a si mesmo a experiência do fracasso e os atributos
pejorativos da impotência. Caso as imposições sejam toleradas, pode-
se acentuar a sensação de autoeficácia que pode encorajar o
trabalhador a submeter-se a compromissos mais extremos de trabalho
até que desenvolva patologias decorrentes da sobrecarga,
demonstrando que o desgaste da força de trabalho “aumenta com a
duração do funcionamento dessa força, e em proporção mais rápida do
que o acréscimo da duração desse funcionamento” (MARX, 2005, p.
628). Para discutir a magnitude intensiva do trabalho é importante
ressaltar que “a maior margem de ação proporcionada pelo salário por
peça influi no sentido de desenvolver, de um lado, a individualidade
dos trabalhadores – e, com ela, o sentimento de liberdade, a
independência e o autocontrole – e, do outro, a concorrência e a
emulação entre eles” (MARX, 2005, p. 642).
Atingir altos patamares de produtividade individual oferece
recursos financeiros e reafirmaria as disposições para objetivar-se e
alimentaria expectativas de engajar-se em futuras ofertas sazonais de
trabalho. Os recursos materiais equalizam demandas financeiras
pendentes, conferindo redução do desconforto por não honrar
compromissos assumidos.
Em famílias que a renda não é regular, a possibilidade de
endividar-se no comércio garante que, nos momentos mais críticos,
encontre amparo ao menos para se alimentar. A confiança que sustenta
o apoio comunitário pode ser fraturada e a existência do indivíduo ou
família estaria ameaçada pela urgência da fome. A dignidade
desconstruída pela escassez de recursos financeiros coloca em
perspectiva os esforços que o trabalhador realizou ao longo de toda
vida, atribuindo a sua existência marcas pejorativas concernentes ao
sofrimento ético-político que “retrata a vivência cotidiana das questões
68
sociais dominante em cada época histórica, especialmente a dor que
surge da situação social de ser tratado como inferior, subalterno, sem
valor, apêndice inútil da sociedade” (SAWAIA, 2004, p.104).
Objetivar-se no trabalho é a ocasião onde pode demonstrar para
a família que possui competência para sustentá-los, reafirmando que a
ação produtiva é uma alternativa de existência e superação de conflitos.
Para a comunidade, o trabalho é um meio de demonstrar seus recursos
singulares para transformar coisas em valores úteis, o que lhe conferiria
reconhecimento. Quanto ao reconhecimento, mais que uma resposta
valorativa dirigida ao trabalhador, é o que sustentaria opções futuras
para novamente empregá-lo nos processos produtivos, efetivando o
trabalhador como alguém que corresponde às expectativas normativas
de um arranjo produtivo. Ao julgar que a oportunidade profissional
oferecida deveria ser correspondida, posiciona-se em perspectiva de
dívida com o empregador, focalizando exclusivamente em si mesmo as
determinações que levaram ao insucesso. Avalia que foi incapaz de
honrar a oportunidade oferecida, questionando sua forma de objetivar-
se como trabalhador.
Extensividade e intensividade são dimensões que se somam a
qualidade do trabalho. Nessa dimensão demonstra-se a habilidade que
transforma o produto do trabalho de forma distintiva, imprimindo sua
singularidade. A qualidade do trabalho pode ser um meio para dotar
de autenticidade subjetiva o trabalho, demonstrar que executar uma
atividade pode requerer domínio de técnicas adquiridas ao longo de
experiências anteriores.
A qualidade do trabalho possibilita que a alienação requerida
para atender demanda produtiva sofra uma mudança de sentido. A
transformação dos meios naturais pela forma processual de produzir pode
ser tomada como uma habilidade, ou seja, algo que particulariza o que se
produz, dotando o trabalho de autenticidade. A ausência de oportunidades
para se diferenciar pela qualidade singular de seu trabalho elevaria o
sentimento de ser descartável, uma peça que pode ser trocada a qualquer
tempo. Desefetivado como singularidade, vive-se uma “relação entre algo
materialmente estranho e a impossibilidade de seu controle pelo sujeito
que o criou” (RANIERI, 2001, p. 53). O trabalho estranhado volta-se
contra o trabalhador como impedimento, barrando a autodeterminação e
impondo formas depressivas de sofrimento.
Referências
MARX, K. O capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2005. volume 2
RANIERI, J. A câmara escura: alienação e estranhamento em Marx. São
Paulo: Boitempo, 2001.

69
SAWAIA, B. B. O sofrimento ético-político como categoria de análise da
dialética exclusão/inclusão. IN: SAWAIA, Bader Burihan. As artimanhas
da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social.
Petrópolis: Vozes, 2004. (pp. 97-118).

AUTOCONFRONTAÇÃO
Deivis Perez
A autoconfrontação a qual referimos foi configurada por Faïta
(1997) e apropriada pelos pesquisadores do Conservatoire National de
Arts e Metiers de Paris (CNAM), sob a coordenação de Clot (2010;
2006), os quais estão inseridos no quadro teórico da Clínica da
Atividade, ramificação da Psicologia do Trabalho, com raízes na
Psicologia Sócio Histórica Cultural de Vigotski. Esse dispositivo
caracteriza-se, simultaneamente, como um instrumento de produção
de saberes, coanálise, ressignificação e possível transformação da
atividade laboral por trabalhadores mediados por um psicólogo,
pesquisador ou analista do trabalho (doravante, nomeado mediador) e,
também, como uma ferramenta do campo acadêmico para a recolha e
exame de dados sobre a ocupação ou ofício de indivíduos e grupos.
Tal dispositivo se singulariza por ser um instrumento interventivo em
processos laborais e metodológico-científicos desenvolvido para fazer
emergir os múltiplos discursos em torno de um ofício. Deste modo, a
autoconfrontação pode favorecer a instalação gradativa de operações
dedicadas à investigação e compreensão do funcionamento de uma
categoria ocupacional e, também, ensejar um movimento dialético de
coanálise, produção e apropriação de saberes sobre o trabalho pelos
trabalhadores tencionando a sua transformação ou aperfeiçoamento
(CLOT, 2006), tendo como fundamento que as modificações mais
significativas e perenes na laboralidade ocorrem por meio da
transmutação conduzida por aqueles que exercem um ofício.
Cumpre notar que a estratégia de confrontar o trabalhador com
os discursos e os registros feitos acerca do seu ofício e de seus pares
surgiu ainda na década de 1970, de acordo com a historicização feita
por Theureau (2010) sobre as origens da autoconfrontação. Segundo o
autor, Michael von Cranach foi pioneiro na elaboração de uma
proposição de autoconfrontação, que aflorou no contexto de estudos da
Etologia Cultural. A perspectiva de Cranach foi apreciada criticamente
pelo próprio Theureau em parceria com Pinsky, que, a contar de fins dos
anos 1970, conceberam a sua visão desse dispositivo metodológico na
esfera da Ergonomia e a utilizaram, inicialmente, numa investigação
dedicada às questões relativas a ocupação de profissionais da área da
enfermagem especializados em ortopedia.

70
Especificamente na Clínica da Atividade, o uso da autoconfrontação
tem dois pressupostos básicos: o primeiro diz respeito à demanda por
investigação do trabalho que deve emergir de um grupo de profissionais
que percebeu que o exercício das suas funções se encontra degradado
(CLOT, 2010). Assim, o mediador deve ser convidado por um coletivo de
trabalhadores, apoiado pela organização em que acontece o trabalho, para
contribuir na mediação do processo de (re)apropriação das atividades de
ofício pelos profissionais. Esse pressuposto baseia-se na compreensão de
que o trabalhador ou grupo de trabalhadores deve identificar e requerer a
criação de espaços institucionalmente reconhecidos, bem como a
aplicação de mecanismos capazes de apoiar a coanálise e a
potencialização das mudanças no agir profissional individual e grupal. A
segunda presunção é relativa à concepção da relação entre o sujeito e o
coletivo. De acordo com Clot (2010), as situações conflituosas vividas no
âmbito pessoal são estabelecidas pela agitação e discussão que emergem
nas relações interativas entre os membros de uma coletividade humana.
Essa conflituosidade social não é entendida de modo negativo por Clot,
que avalia que os conflitos sociais ou externos à pessoa contribuem para
que o indivíduo mobilize, moureje e coloque em movimento o seu
psiquismo. Os dados a serem recolhidos para uma pesquisa científica
devem emergir do diálogo que se estabelece entre os próprios
trabalhadores e destes com o mediador na coanálise das atividades
laborais que ocorre durante a aplicação do dispositivo. Na Clínica da
Atividade o diálogo inclui as formas simbólicas representadas pelos
silêncios, impaciências, dúvidas e excitações registradas por
trabalhadores e mediador.
A autoconfrontação é organizada em três fases articuladas e
complementares entre si. Cada fase se subdivide em movimentos
distintos e tem duração aproximada de seis meses. Em resumo a primeira
fase objetiva colocar o mediador em contato com a atividade laboral e
com os trabalhadores, por intermédio do exame das prescrições e
observação da rotina ocupacional além da convivência com o corpo
laboral, de maneira a compreender o métier. A segunda fase inicia com a
composição de pares de trabalhadores voluntários, os quais têm
sequências de trabalho registradas em áudio e vídeo. Após é realizada a
chamada autoconfrontação simples, em que cada profissional assiste à
gravação das suas sequências de trabalho e procede o seu exame em
diálogo com o mediador. Esta etapa encerra com a autoconfrontação
cruzada, momento em que o mediador em parceria com as duplas de
trabalhadores voluntários assistem, juntos, as gravações das atividades. O
que se espera é que desse processo desponte um complexo de reflexões
sobre os modos de conduzir o trabalho que apoiará o aperfeiçoamento do
agir profissional dos participantes. A fase final é alicerçada num longo
71
movimento denominado restituição ao coletivo de trabalho. É o momento
em que as descobertas e considerações sobre o trabalho, realizadas pelo
mediador e pelos voluntários, são estendidas ao coletivo de trabalhadores
que atua na mesma função.
Essa submissão dos achados da coanálise ao grupo de trabalho
pretende levar o conjunto de trabalhadores a se apropriar dos saberes
produzidos, com vistas a estimular a ação engajada dos profissionais
objetivando, segundo Clot (2010), a abertura de zonas de desenvolvimento
potenciais, isto é, encorajar a reflexão e a ação sobre as possibilidades de
transformação da atividade laboral pelos próprios trabalhadores.
Uma possível leitura da perspectiva de Clot e seus
colaboradores é que a confrontação dos profissionais com os seus
próprios fazeres e saberes possibilita a desnaturalização e o exame dos
atos ocupacionais, bem como, o (re)conhecimento e entendimento da
construção única de um coletivo profissional na busca da apropriação
e transmutação do trabalho em favor da classe trabalhadora.
Referências
CLOT, Y. A função psicológica do trabalho (A. Sobral, Trad.). Petrópolis,
RJ: Vozes, 2006.
CLOT, Y. Trabalho e poder de agir (M. Vianna; G. Teixeira, Trad.). Belo
Horizonte, MG: Fabrefactum, 2010.
FAÏTA, D. La conduite du TGV: exercices de styles. Champs Visuels, 2(6),
1997. pp. 75-86.
THEUREAU, J. Les entretiens d’autoconfrontation et de remise en situation
par les traces matérielles et le programme de recherche «cours d’action».
Revue d’anthropologie des Connaissances, 4(2), 287-322, 2010.
Disponível em: http://www.cairn.info/revue-anthropologie-des-
connaissances-2010-2-page-287.htm. Acesso em: 20 nov. 2020.

AUTOCONTROLE E SAÚDE MENTAL NO TRABALHO


Mário Lázaro Camargo
Partindo do conceito de saúde, de que esta implica num estado
de bem-estar físico, psíquico e social e não só na ausência de doença
(OMS, 1946), por saúde mental devemos entender não simplesmente a
condição de ausência de transtornos mentais, mas sim a condição de
equilíbrio ou de desequilíbrio que um dado sujeito experimenta nos
processos de administração de seus conteúdos internos (vida
subjetiva) e demandas que lhe são externas, ou seja, aquelas vivências
resultantes de sua inserção e interação nos mais variados espaços de
vida e relação, portanto, sua família, sua comunidade, seu trabalho e
sociedade como um todo.
Neste sentido, falar de saúde mental no trabalho significa
considerar a relação entre as mútuas e interdependentes influências que a
72
qualidade de vida no trabalho e os fatores psicossociais de risco
(CARDOSO; FEIJÓ; CAMARGO, 2018) produzem sobre a vida
psíquica do trabalhador, bem como implica em verificar, via identificação
de um possível nexo causal entre as condições de trabalho e a situação de
adoecimento, o grau de intensidade de influência que o trabalho produz
sobre o estado de equilíbrio/desequilíbrio emocional do trabalhador.
Segundo Vasconcelos e Faria (2008), o processo de
reestruturação produtiva, que no Brasil se intensificou a partir da década
de 90, e se caracterizou pela adoção de novos métodos gerenciais, pela
introdução de novas tecnologias nos contextos de trabalho e por uma
consequente precarização da relação homem-trabalho-organização,
representou o início de uma fase de mudanças para o contexto da saúde
mental do trabalhador, em especial pelo surgimento de novas formas de
sofrimento, como por exemplo a Síndrome de Burnout. Em função das
demandas por uma sempre crescente produtividade (e também
lucratividade), visando sobreviver ou ganhar espaço no competitivo
mercado nacional e internacional, as organizações, quase que de um
modo geral, vem deixando de se ocupar e de investir na atenção ao
trabalhador, negligenciando temas como qualidade de vida no trabalho,
segurança, higiene, prevenção de acidentes e do adoecimento, e como
resultado disso se tem um alarmante aumento dos índices de
adoecimento e afastamento de trabalhadores (SILVA; GOULART
JÚNIOR; CAMARGO, 2019). Para ilustrar tal fato, tem-se que, entre os
anos de 2013 e 2015, segundo aponta o Anuário Estatístico da
Previdência Social, foram mais de 30 mil os trabalhadores brasileiros
que receberam auxílio-doença em função de diagnósticos de transtornos
mentais ou de comportamento (CAMPOS, 2018).
Diante deste cenário, e em especial pela ausência de cuidado
das organizações para com a saúde mental e física dos trabalhadores,
resta a este último atuar de forma defensiva, ou seja, construir
barreiras protetivas que impeçam o ataque dos fatores psicossociais de
risco presentes no contexto de trabalho e que se dirigem contra seu
aparato físico e psíquico. O modelo explicativo de Karasek e Theörell
(1990), intitulado Demanda-Controle, fundamenta-se a partir dessa
premissa, ou seja, de que a relação entre quantidade e tipo de demanda
de trabalho versus controle sobre as tarefas, implicam em maior ou
menor situação de vulnerabilidade para a saúde do trabalhador.
Segundo os autores, quatro situações se diferenciam em termos de
risco à saúde mental dos trabalhadores, a saber:
- a situação de alta demanda psíquica oferecida pela complexidade
e intensidade da atividade laboral em face a um baixo grau de
controle (autonomia decisória, possibilidade de flexibilização de

73
ritmo, exercício de criatividade, etc.) possível de ser exercido pelo
trabalhador e que causa muito desgaste físico e mental;
- alta demanda psíquica combinada com alto grau de controle por
parte do trabalhador, condição considerada mais favorável ao
mesmo, posto que potencializa oportunidades de aprendizado e
amadurecimento pessoal e profissional;
- baixa demanda psíquica aliada ao também baixo nível de
controle por parte do trabalhador, situação que pode culminar com
uma relação com o trabalho gradativamente desmotivadora e
alienante, tendendo a atuações repetitivas e mecanizadas, com
pouca atribuição de sentido ao trabalho;
- baixa demanda psíquicas associada a alto nível de controle sobre
as atividades laborais, onde o trabalhador se considera em
condição mais confortável, posto que dita, ele mesmo, o ritmo de
trabalho a ser executado.
O que em síntese este modelo explicativo nos traz é a
possibilidade de pensarmos que não só as demandas psíquicas
apresentadas pelo trabalho são importantes, e por vezes agressivas à
saúde mental, como o controle, ou o autocontrole – no sentido de que
o mesmo possui uma dimensão que depende exclusivamente do
indivíduo-trabalhador para o apresentar como oposição às demandas
psíquicas – se apresenta como importante contraponto às eventuais
ameaças. Neste sentido, infere-se que maior risco à saúde mental do
trabalhador é oferecido pelo trabalho que limita a autonomia, que
impede o uso da criatividade, que pouco estimula a aprendizagem e
desenvolvimento pessoal e profissional, que aliena o trabalhador e
que, desprovido de sentido, dita forma, ritmo e intensidade de ação ao
trabalhador, sem que o mesmo possa escapar dessa relação e manter
íntegra sua identidade, sua subjetividade.
O autocontrole que capacita o trabalhador a dizer não, a fazer
escolhas, a acelerar ou desacelerar seu ritmo de trabalho, a agir ou reagir
frente ao contexto organizacional que ora lhe faz experimentar prazer ora
lhe imputa sofrimento, tem se apresentado como uma das chaves para a
atuação em saúde do trabalhador, em especial por ser esta uma habilidade
possível de ser desenvolvida no trabalhador (aprendizagem,
autoconhecimento, criticidade) e, por parte da organização de trabalho, o
reconhecimento de sua importância no processo de promoção da saúde e
prevenção do adoecimento, torna-se uma questão passiva de ser
desenvolvida por meio de políticas e práticas de gestão de pessoas, que,
por sua vez, podem passar a valorizar mais a participação dos
trabalhadores no planejamento dos processos, promovendo uma mudança
paradigmática: do hegemônico modelo de gestão do trabalho,
74
reminiscências do fordismo e taylorismo, do tipo “um homem feito para o
trabalho” para um mais humanizado modo de geri-lo, ou seja “um
trabalho feito para o homem”.
Referências
CAMPOS, C.R. Prefácio. In: SCHMIDT, M. L. G.; CASTRO, M. F.; CASADORE,
M. M. (Org.). Fatores psicossociais e processo saúde/doença no trabalho: aspectos
teóricos, metodológicos, interventivos e preventivos. São Paulo: FiloCzar, 2018.
CARDOSO, H. F.; FEIJÓ, M. R.; CAMARGO, M. L. O papel do Psicólogo
Organizacional e do Trabalho (POT) na prevenção dos fatores psicossociais de
risco. In: Maria Luiza Gava Schmidt; Matheus Fernandes de Castro; Marcos
Mariani Casadore. (Org.). Fatores psicossociais e processo saúde/doença no
trabalho: aspectos teóricos, metodológicos, interventivos e preventivos. São
Paulo: FiloCzar, 2018, pp. 111-136.
KARASEK, R. A.; THEÖRELL, T. Health work. New York: Basic Book, 1990.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE – OMS. Constituição da Organização
Mundial da Saúde – 1946. Disponível em:
http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organiza%C3%A7%C3%A3o-
Mundial-da-Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-
omswho.html. Acesso em: 10 jun. 2019.
VASCONCELOS, A.; FARIA, J. H. Saúde mental no trabalho: contradições e
limites. Psicol Soc., Florianópolis, v. 20, n. 3, p. 453-464, dez. 2008. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822008000300016
&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 10 jun. 2019. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-
71822008000300016.
SILVA, L. A. T.; GOULART JÚNIOR, E.; CAMARGO, M. L. Terceirização é
prejudicial à saúde: um estudo bibliográfico nacional sobre a precarização do
trabalho. Revista Labor, v. 1, n. 21, pp. 76-97, abr. 2019. Disponível em:
http://www.periodicos.ufc.br/labor/article/view/40801. Acesso em: 11 jun. 2019. doi:
http://dx.doi.org/10.29148/labor.v1i21.40801.

AUTOEFICÁCIA
Flavinês Rebolo; Sylvio Takayoshi Barbosa Tutya; Lidia Carolina
Rodrigues Balabuch; Dâmaris de Oliveira Antunes
A autoeficácia é a crença, ou confiança, que uma pessoa tem
sobre sua capacidade para realizar uma atividade. Essa crença
influencia o desempenho e determina, em grande parte, o modo como o
indivíduo sente, pensa e se comporta diante da atividade a ser realizada.
O constructo da autoeficácia, desenvolvido por Albert
Bandura (1994, 1997) e posteriormente por seus colaboradores, traz a
definição de autoeficácia como sendo “as crenças das pessoas a
respeito de suas capacidades de produzir determinados níveis de
desempenho que exercem influência sobre fatos que afetam suas
vidas” (BANDURA, 1994, p. 71); e também explicita como essas
crenças são construídas e as suas consequências em relação ao
desempenho, uma vez que influenciam o modo como a atividade será
75
realizada, a quantidade de esforço empreendido na realização da
atividade, a perseverança frente a obstáculos, fracassos e estresse e o
nível de realização ou frustação resultante na finalização da atividade.
As crenças de autoeficácia são construídas e/ou desenvolvidas, de
acordo com Bandura (1994), a partir de quatro fontes: 1- da experiência
direta ou pessoal (os êxitos e sucessos na realização de uma atividade
fortalecem a crença de autoeficácia e os fracassos a comprometem), 2- da
experiência vicária (a percepção de autoeficácia é influenciada pela
semelhança ou diferença em relação aos modelos sociais), 3- da persuasão
social (ser convencido, verbalmente, de que é capaz e tem as capacidades
necessárias para realizar determinada atividade) e 4- dos estados físicos e
emocionais (dores físicas e emocionais influenciam a percepção de
autoeficácia). Todas as informações obtidas pelo indivíduo a partir dessas
quatro fontes são processadas de forma cognitiva (selecionadas, avaliadas,
integradas/memorizadas e interpretadas) e influenciam a formação das
crenças de autoeficácia. A percepção de autoeficácia afeta o
comportamento quanto à direção, duração e intensidade e está relacionada
com a motivação, com a cognição, com o bem-estar, com a realização
pessoal e a saúde/adoecimento do trabalhador.
As experiências prévias de sucesso e o feedback positivo de
pessoas significativas geram credibilidade sobre a capacidade de realizar
determinada atividade; e as experiências de fracasso, insucesso e
feedback negativo geram incredulidade na própria capacidade. Pessoas
com elevada autoeficácia mantém hábitos de proteção, com a promoção
de comportamentos saudáveis e, de modo geral, com melhores índices de
saúde. Em contrapartida, uma baixa autoeficácia refere-se ao uso de
estratégias de enfrentamento focadas nas emoções, como negação e
autoculpa, apresentando sintomas de ansiedade, depressão, burnout,
angústia e sintomas psicossomáticos (SOUZA et al., 2015).
A percepção de autoeficácia, de ser capaz de realizar bem a
atividade laboral e de enfrentar as situações adversas possibilita a
preservação da saúde, minimizando o risco de doenças como estresse e
burnout, promovendo, assim, a qualidade de vida no trabalho (QVT).
Pode-se concluir que as representações construídas pelos
trabalhadores sobre elementos de seu contexto de trabalho são
fundamentais para a compreensão dos fatores promotores de qualidade de
vida no trabalho. Essas representações são voltadas para a ação, para a
realidade de trabalho, ou seja, são construídas na interação do trabalhador
com sua atividade. Os programas de QVT com foco no indivíduo
pretendem capacitá-lo a suportar melhor as pressões e dificuldades no
cotidiano de trabalho. Mais resistente, ele seria mais hábil a lidar com as
dificuldades. Com base nesse ponto de vista, os aspectos intraindividuais
seriam fundamentais para a percepção positiva de QVT. Sendo assim, a
76
crença da autoeficácia poderia se configurar como previsor de Qualidade
de Vida no Trabalho (COELHO; ANTLOGA; MAIA; TAKAKI, 2016).
Em contrapartida, devemos levar em consideração os níveis de
autoeficácia do indivíduo, principalmente no ambiente organizacional,
pois em detrimento das condições do ambiente laboral o trabalhador pode
se colocar em condições subalternas prejudicando sua saúde mental e
consequentemente as atividades que lhe competem em sua função.
A percepção acurada das próprias capacidades leva à escolha de
ações com alta probabilidade de sucesso. Dessa forma, níveis
excessivamente altos de autoeficácia podem fazer com que as pessoas
realizem atividades que ultrapassam muito seu nível de habilidade e, em
consequência, elas se envolvam em situações de muita dificuldade,
diminuindo assim sua credibilidade e sofrendo fracassos desnecessários.
Concomitante à este processo, níveis muito baixos de autoeficácia fazem
com que as pessoas não desenvolvam suas potencialidades e venham a se
privar de experiências recompensadoras, pois acabam duvidando da sua
capacidade e evitam uma possível frustração de não conseguir realizar
certas atividades (NUNES, 2008).
Referências
BANDURA, A. Self-efficacy: the exercise of control. New York: W. H.
Freeman and Company, 1997.
BANDURA, A. Self-efficacy. In: RAMACHAUDRAN, V. S. Encyclopedia
of human behavior. New York: Academic Press, 1994. v. 4. p. 71-81.
Disponível em: http://www.uky.edu/~eushe2/Bandura/BanEncy.html. 

Acesso em: 18 fev. 2019.
COELHO, E.; ANTLOGA, C.; MAIA, M.; TAKAKI, K. Autoeficácia e
Qualidade de Vida no Trabalho: um estudo com policiais militares.
Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 32, n. esp., pp. 1-7, 2016.
NUNES, M. F. O. Funcionamento e desenvolvimento das crenças de autoeficácia: uma
revisão. Revista Brasileira de Orientação Profissional, v. 9, n. 1, p. 29-42, 2008.
SOUZA, L. A. S. et al. Bem-Estar Subjetivo e Burnout em Cadetes Militares: O Papel
Mediador da Autoeficácia. Psicologia, Reflexão e Crítica, v. 28, n. 4, p. 744-752, 2015.

AUTOESTIMA
Flavinês Rebolo; Sylvio Takayoshi Barbosa Tutya; Lidia Carolina
Rodrigues Balabuch; Dâmaris de Oliveira Antunes
A autoestima pode ser definida como a avaliação subjetiva,
positiva ou negativa, que uma pessoa faz de si mesma. É tudo o que a
pessoa pensa e sente e relação ao seu próprio valor, suas habilidades,
desempenho e adequação ao meio em que vive e trabalha. Quando a
avaliação é positiva, diz-se que a pessoa tem alta autoestima, isto é,
alguém que gosta de si e está satisfeita com seu modo de ser e agir;
quando a avaliação é negativa, diz-se que a pessoa tem baixa

77
autoestima, alguém que não gosta de si, não se aceita e, geralmente, está
triste e insatisfeita com seu modo de ser e agir.
Trata-se de um termo de definição complexa, para o qual não
há, na literatura, um consenso; e os seus componentes variam de acordo
com a abordagem teórica.
A primeira utilização do termo autoestima é atribuída a William
James, no ano de 1885, que definiu autoestima como sendo algo que
“sentimos por nós mesmos [e que] é determinado pela proporção entre
nossas realizações e nossas supostas potencialidades; uma fração cujo
denominador são nossas pretensões e o numerador, os nossos sucessos”
(JAMES, 1974, p. 200). Para os psicólogos comportamentalistas,
segundo Silva e Marinho (2003), a autoestima tem origem no controle
externo do comportamento, sendo que os controles aversivos gerariam
sentimentos negativos sobre si próprio, gerando a baixa autoestima e o
reconhecimento e elogios gerariam sentimentos positivos, gerando a
alta autoestima. Para Branden (2002) a autoestima é algo “interno”,
ligado principalmente às operações mentais (conjunto de processos
dinâmicos que envolve cognição, emoções e valores interiorizados) e
não às situações externas de sucesso ou fracasso que vivencia. Ainda
segundo Branden (2002) a autoestima está relacionada com a
racionalidade, o realismo, a intuição, a criatividade, a independência, a
flexibilidade, a habilidade para lidar com mudanças, a disponibilidade
para admitir e corrigir erros, a benevolência e a cooperação.
A autoestima também pode ser definida como a autopercepção
que o sujeito possui sobre seu valor próprio, percepção essa que evolui
gradualmente e vai se modificando conforme o indivíduo se desenvolve
e interage com outros significativos (PEDRO; PEIXOTO, 2006).
Considera-se, aqui, que a autoestima envolve tanto elementos
internos (valores, crenças, sentimentos e pensamentos interiorizados
durante o processo de formação da pessoa) quanto elementos do
mundo externo (contextos e situações socioculturais em que a pessoa
está inserida) e que há uma estreita relação entre o modo como a
pessoa se percebe e seus modos de pensar, sentir e agir, seja na vida
pessoal ou profissional.
A pessoa se autoavalia de acordo com os sentimentos e
pensamentos interiorizados durante seu processo de desenvolvimento e
formação e, a partir dessa autoavaliação, pode desenvolver processos de
rejeição (baixa autoestima) ou de aceitação (alta autoestima) de si própria
em relação aos contextos em que está inserida (SILVA; MARINHO,
2003), levando a pessoa a apresentar comportamentos agressivos, de
defesa ou de isolamento, no caso da baixa autoestima ou comportamentos
de aproximação e cooperação, no caso da alta autoestima.
78
A autoestima, por ser de natureza essencialmente inter-relacional,
aponta as relações de trabalho como ambientes interferentes na
construção dessas estimas que as pessoas possam vir a ter de si mesmas.
Segundo Pedro e Peixoto (2006), a consideração que as pessoas têm,
umas pelas outras, permeia os sentimentos de sucesso e competência. Se
a pessoa possui elevada consideração, a sua autoestima será alta; em
contrapartida, quanto mais reduzido for o valor atribuído à pessoa pelos
outros, mais baixa se revelará a autoestima. Desta forma, pessoas com
elevada autoestima seriam aquelas que experienciam sentimentos de
sucesso elevado em domínios onde as suas aspirações eram também
elevadas. Da mesma forma, se sentimentos de incompetência surgirem
associados a domínios que não sejam considerados importantes para a
pessoa, sua autoestima não seria afetada.
Para Sánchez e Barrón (2003) a autoestima tem impacto na
saúde física e mental da pessoa, com alterações das condições
afetivas, sociais e psicológicas, com repercussões em sua vida (social,
afetiva e laboral). Para Branden (2002, p. 11), “desenvolver a
autoestima é expandir nossa capacidade de ser feliz”.
Referências
BRANDEN, N. Autoestima e os seus seis pilares. Tradução de Vera
Caputo. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
JAMES, W. Princípios da Psicologia. Coleção Os pensadores. Trad. Pablo
Ruben Mariconda. São Paulo: Abril Cultural, 1974.
PEDRO, N; PEIXOTO, F. Satisfação profissional e auto-estima em
professores dos 2.º e 3.º ciclos do Ensino Básico. Análise Psicológica, v. 24,
n. 2, p. 247-262, 2006.
SÁNCHEZ, E.; BARRÓN, A. Social psychology of mental health: the social
structure and personality perspective. Span Journal Psichol,v. 6, n. 1, p. 3-11, 2003.
SILVA I. A; MARINHO, I. G. A autoestima e relações afetivas. Universitas
Ciências da Saúde. v. 1, n. 2, p. 229-237, 2003.

AUTOGESTÃO E SAÚDE MENTAL NO TRABALHO


Cassiano Ricardo Rumin
O trabalho autogerido no Brasil abrange “empresas
recuperadas pelos trabalhadores (nos setores da indústria e dos
serviços,); associações e cooperativas de trabalhadores em atividades
tradicionais (artesanato, pesca, extrativismo florestal, agricultura
familiar etc.); grupos de catadores de material reciclável, cooperativas
de poupança e crédito, bancos comunitários populares” (ESTEVES,
BERNARDO e SATO, 2017 p. 61) e atividades individualizadas
daqueles que buscam a geração de renda como alternativa para o
desemprego, a informalidade, a precarização do trabalho e a
participação em programas de transferência de renda. A autogestão

79
proporciona a articulação aos sistemas de geração de valores e
possibilita que o indivíduo efetive a genericidade humana de
transformar o que se apresenta ao seu redor conforme as necessidades
estabelecidas pelo homem. A articulação à geração de valores
incentiva a automediação, afastando os sentimentos de impotência e
permite que suas ações possam receber valorização afirmativa de sua
identidade. A automediação mobiliza o indivíduo a realizar
movimentos distintivos das determinações que atravessaram seu
cotidiano e, por isso, pode proteger dos sentimentos de impotência
característicos de situações de impasse, onde não se encontram vias
para efetivar alternativas existenciais. A automediação apoia-se nas
redes de sociabilidade que “cumprem a função de acolher e de ajudar
as pessoas que delas fazem parte; funcionam como potente meio de
disseminação da informação e estimulam o aprendizado conjunto”
(SATO, 2017, p. 166). Ainda, a automediação é necessária para
alcançar recursos oriundos de fontes diversificadas, como do trabalho
formal em tempo parcial, atividades informais, doações e modalidades
assistenciais de transferência de renda, naquilo que Sato (2009)
nomeou como “juntar pedaços”. Por outro lado, a irregularidade da
renda nas atividades autogeridas pode ser reconhecida como
determinante de sofrimento. À medida que o trabalhador se apropria
dos saberes que compreendem sua atividade, pode estabelecer
enfrentamento a irregularidade da renda, uma vez que em
contraposição ao trabalho formal, marcado pela forte divisão de
atividades e gerenciamento de tarefas, a autogestão exige o
aprimoramento de percepções sobre a desenvoltura do ambiente de
trocas onde se situa. A apropriação de saberes não se efetua sem
riscos, pois, quando o indivíduo está inserido num “trabalho que
dependa muito da habilidade pessoal poderia estar desenvolvendo
traços de prontidão paranoide, os quais não permitem, por suas
características de onipotência, lembrar de suas falhas ou seus riscos”
(CODO, SORATTO e VASQUES-MENEZES, 2006, p. 131). Apesar
da ameaça constante do fracasso, a automediação mobiliza a
consciência para apropriar-se dos meios que o efetivam enquanto
trabalhador, afirmando-o. A inventividade orientada para atribuir a
materiais recicláveis valores de uso, ilustra o empenho da consciência
para a ação nomeada por Sato (2017) como “criar trabalho”. A autora
destaca que a impossibilidade de comprar matérias-primas e insumos
e a “articulação entre a disponibilização de materiais e a formulação
de ideias” (SATO, 2017, p. 169) exige que a consciência se desdobre
para transformar a potencialidade dos materiais recicláveis em objetos
que atendam às necessidades humanas. A tomada do trabalho
autogerido como alternativa ao desemprego, já de início, apresenta o

80
sofrimento decorrente da exclusão do mercado de trabalho formal. As
garantias reconhecidas no direito a férias remuneradas, décimo
terceiro salário, fundo de garantia por tempo de serviço e seguridade
social são elementos relevantes para mediar o temor relativo à
precariedade da existência, mesmo que o trabalho formalizado seja
monótono, repetitivo e submetido a intenso controle. Para aqueles que
desenvolvem atividades autônomas, “a diminuição do tempo de
trabalho faz os indivíduos perceberem que há menos espaço para sua
única mercadoria, sua força de trabalho” (MAGALHÃES, 1997, p.
54). É plausível que o indivíduo questione a pertinência de suas
próprias potencialidades para estabelecer algum entendimento sobre a
exclusão do mercado formal de trabalho. Pode se perceber em
condição de desvantagem, uma vez que o emprego formal seria
tomado como um meio para a sobrevivência, mas também como uma
prova de ajustamento às demandas da sociedade. Por consequência, o
desemprego marcaria aqueles que não correspondem às expectativas
societárias, sendo então articulados a aspectos pejorativos que
impregnariam a identidade.
Referências
CODO, W., SORATTO, L. H., VASQUES-MENEZES, I. Saúde mental e
trabalho: uma revisão sobre o método (1999). In: CODO, Wanderley (org.).
Por uma Psicologia do trabalho: ensaios recolhidos. São Paulo : Casa do
Psicólogo, 2006. pp.121-143.
ESTEVES, E. G., BERNARDO, M. H., SATO, L. Fontes do pensamento e
das práticas em Psicologia Social do Trabalho. In: COUTINHO, Maria
Chaulfin; BERNARDO, Marcia Hespanhol; SATO, Leny (orgs.). Psicologia
Social do Trabalho. Petrópolis : Vozes, 2017. pp. 49-80.
MAGALHÃES, J. Libertação pelo trabalho: reflexões sobre o pensamento
marcuseano. In: VIEITEZ, Cândido Giraldez (org.). A empresa sem patrão.
Marília: UNESP, 1997.
SATO, L. Diferentes faces do trabalho no contexto urbano. In: COUTINHO,
Maria Chaulfin; BERNARDO, Marcia Hespanhol; SATO, Leny (orgs.).
Psicologia Social do Trabalho. Petrópolis: Vozes, 2017. (pp. 151-174).
SATO, L. Juntando pedaços. In: PATTO, Maria Helena Souza (org.). A
cidadania negada: políticas públicas e formas de viver. São Paulo : Casa
do Psicólogo, 2009. pp.23-28.

AUTONOMIA E SAÚDE MENTAL E TRABALHO


Roberto Heloani; Margarida Barreto
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a
Organização Internacional do Trabalho (OIT), a saúde mental é o
estado de bem-estar no qual o trabalhador a) realiza as suas
capacidades b) pode fazer face ao estresse normal da sua vida c) pode

81
trabalhar de forma produtiva e frutífera e pode contribuir para a
comunidade em que se insere.
Sentir bem-estar é estar e ter harmonia no meio ambiente de
trabalho, é ter autonomia e ser reconhecido, pois o bem-estar revela um
estado dinâmico da mente com as necessidades e expectativas do
trabalhador e seu meio ambiente. Todos nós estamos expostos a tensões e
conflitos, o que vai demandar em sentidos e significados que contemplam
tanto o corpo biológico como o histórico-social, o existencial, as relações
de poder, hierarquias e a dimensão afetiva. Portanto, ter saúde é uma
maneira de abordar a existência com uma sensação não apenas de
possuidor ou portador, mas também, se necessário, de criador de valor, de
instaurador de normas vitais (CANGUILHEM, 1995).
Quando se trabalha em um ambiente transverso por paixões
tristes, em que prevalece o controle e a disciplina do corpo, a falta de
reconhecimento, o autoritarismo e o abuso de poder, esse ambiente gera
doenças e desordens no estado de ânimo e medo do devir. Certamente,
causa sofrimento que, na maior parte das vezes, é invisível. Aqui,
estamos diante de uma anomia, na medida em que as paixões tristes ou
alegres são indicadores, em boa parte, da “vida-vivida” pelos
trabalhadores em seu local de trabalho (SPINOZA, 2003). Esses
sentimentos anunciam falta de autonomia e esgarçamento dos laços de
camaradagem propiciando, no sujeito, uma sensação de vazio e
inutilidade em um oceano de solidão. Nesse sentido, cabe perguntarmos:
é possível que as novas mudanças do mundo do trabalho interfiram na
saúde mental dos trabalhadores?
Do mesmo modo, o componente técnico organizacional coligado
à precarização e intensificação do trabalho condiciona o aparecimento de
vários distúrbios relacionados ao trabalho, a exemplo das alterações
musculoesqueléticas e dos transtornos psicológicos. Aqui, poderíamos
afirmar que as reestruturações não somente geram desemprego e ideação
suicida, mas são responsáveis por diversos transtornos que podem levar a
morte de si, por suicídio (HELOANI & BARRETO, 2018).
Aqui, cabe perguntamos: com a “heterogeneização”,
fragmentação e “complexificação” do processo de trabalho e da classe
trabalhadora, quais as consequências que esse novo tecido traz à vida
e à saúde dos trabalhadores? Desistir do emprego ou trabalhar
adoecidos? Qual o sentido da vida, onde não há solidariedade e tempo
para tecer amizades, ajudar o outro em dificuldades, criar e ter
autonomia, ser reconhecido e respeitado naquilo que faz, enfim,
construir uma identidade coletiva?
Paradoxalmente, embora as empresas tenham usado e abusado de
novas estratégias gerenciais, seu corpo de comando – alta gerência e
profissionais técnicos – não estão preparados para compreender a
82
“turbulência emocional” e problemas que têm causado a milhares de
trabalhadores com suas novas formas de organizar e administrar o
trabalho. As pressões e constrangimentos constantes por metas utópicas,
impostas de forma unilateral e associadas às avaliações subjetivas e
individuais, têm gerado uma constelação de inquietudes, que levam a
perda de prazer e interesse, sensação de vazio, apatia, isolamento,
concentração rebaixada, indecisão, pessimismo, pensamento suicida e
dores corporais variadas.
Sigmund Freud, criador da Psicanálise, há mais de um século,
já nos ensinava que uma vida sem trabalho é incapaz de trazer
qualquer espécie de conforto. Este pensador, de inegável grandeza,
comenta no texto “O Mal-estar na civilização”, originalmente
publicado em 1929, que:
Nenhuma outra técnica para a conduta da vida prende o indivíduo tão
firmemente a realidade quanto à ênfase concedida ao trabalho, pois este,
pelo menos, fornece-lhe um lugar seguro numa parte da realidade, na
comunidade humana. A atividade profissional constitui fonte de satisfação
especial, se for livremente escolhida, isto e, se, por meio de sublimação,
tornar possível o uso de inclinações existentes, de impulsos instintivos
persistentes ou constitucionalmente reforçados. No entanto, como caminho
para a felicidade, o trabalho não é altamente prezado pelos homens. Não se
esforça em relação a ele como o fazem em reação a outras possibilidades
de satisfação. A grande maioria das pessoas trabalha sob a pressão da
necessidade, e essa natural aversão humana ao trabalho suscita problemas
sociais extremamente difíceis (FREUD, 1929/1986, p. 99).

Referências
CANGUILHEM, G. O Normal e o Patológico. Rio de Janeiro: Editora
Forense Universitária, 1995.
FREUD, S. O Mal-estar na civilização. In: Obras psicológicas completas de
Sigmund Freud: Edição Standard brasileira; comentários e notas de James
Strachey e Alan Tyson; tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago,
1986. (Originalmente publicado em alemão em 1929).
HELOANI, R; & BARRETO, M. Assédio moral: gestão por humilhação.
Curitiba, Editora JURUA, 2018.
SPINOZA, B. Ética demonstrada à maneira dos geômetras. São Paulo:
Editora Martin Claret, 2003.

BEM-ESTAR NO TRABALHO
Flavinês Rebolo; Liliana Andolpho Magalhães Guimarães
O interesse pelas questões relacionadas à saúde, ao bem-estar
e à felicidade no trabalho tem crescido nas últimas décadas, tendência
que pode ser percebida a partir da inclusão, em 1973, do termo
‘felicidade’ no Psychological Abstracts; com a criação, em 1974, do

83
Social Indicators Research: an International and Interdisciplinary
Journal of Quality of Life e com a criação, em 2000, do Journal of
Happiness Studies, entre outros.
O bem-estar e a felicidade no trabalho, de acordo com
Tamayo (2004), além de ter se tornado uma preocupação científica
nos últimos anos, também tem se constituído em uma preocupação das
organizações, pois se os aspectos que favorecem a construção do bem-
estar no trabalho forem negligenciados, haverá repercussões negativas
tanto para a saúde física e psíquica do trabalhador quanto para a
qualidade, produtividade e competitividade das organizações.
Fundamentada na psicologia positiva que considera o bem-
estar subjetivo como sinônimo de felicidade, define-se o bem-estar no
trabalho como um estado que decorre da vivência, com maior
frequência e intensidade, de experiências positivas no trabalho. Trata-
se, segundo Rebolo e Bueno (2014), de um processo dinâmico
construído na intersecção de duas dimensões, uma objetiva
(relacionada às condições de trabalho) e outra subjetiva (relacionada
às características pessoais do trabalhador).
A dimensão objetiva corresponde às características do
trabalho e às condições oferecidas para a sua realização. Os fatores
relacionados a essa dimensão, segundo Rebolo (2012a), estão
agrupados em quatro componentes: 1- Componente da atividade
laboral: conjunto de tarefas que o trabalho comporta e suas
especificidades quanto à diversidade e identidade que possuem entre
si, ao grau de autonomia que permite, aos desafios que impõem, às
exigências de habilidades e concentração, à posse de objetivos e metas
claras e exequíveis, ao retorno que oferecem e à sensação de alteração
do tempo; 2- Componente relacional: que diz respeito às relações
interpessoais estabelecidas no ambiente de trabalho, incluindo
liberdade de expressão, repercussão e aceitação das ideias dadas,
trabalho coletivo, ausência de preconceitos, igualdade de tratamento,
apoio socioemocional, conhecimento das metas da organização,
participação nas decisões sobre metas e objetivos, fluxo de
informações e formas de comunicação e reconhecimento do trabalho
realizado; 3- Componente socioeconômico: salário fixo e salário
variável (bônus, gratificações, hora extra etc.), benefícios materiais e
não materiais, direitos garantidos, estabilidade no emprego, plano de
carreira, privacidade, horários previsíveis, tempo para lazer e para a
família, imagem interna e externa da organização, aprimoramento e
desenvolvimento profissional; 4- Componente infraestrutural:
condições materiais e/ou ambientais em que se realiza o trabalho e
inclui a adequação das instalações e condições gerais de
infraestrutura, a limpeza e o conforto do ambiente de trabalho, a
84
segurança e os instrumentos, equipamentos e materiais disponíveis
para a realização do trabalho.
A dimensão subjetiva está relacionada às características
pessoais do trabalhador e envolve as competências, habilidades,
necessidades, desejos, valores, crenças, formação e projeto de vida.
O bem-estar ocorre quando a avaliação (cognitiva e afetiva)
que o trabalhador faz de si mesmo como trabalhador, das condições de
trabalho que lhes são oferecidas e do resultado do seu trabalho é
positiva. Essas avaliações cognitivas e afetivas que o trabalhador faz
(de si e do seu trabalho) é que determinam o seu bem-estar (quando a
avaliação for positiva, isto é, mais fatores satisfatórios do que
insatisfatórios) ou o seu mal-estar (quando a avaliação for negativa,
isto é, mais fatores insatisfatórios do que satisfatórios).
Quando essa avaliação for negativa, segundo Rebolo (2012b),
ocorrerá o mal-estar, uma situação incômoda que leva os
trabalhadores a buscarem modos de enfrentar as dificuldades (por
meio de estratégias de enfrentamento), visando minimizar o mal-estar
e melhorar sua qualidade de vida e seu bem-estar no trabalho.
Nesse sentido, o trabalho pode possibilitar bem-estar ao
trabalhador quando propicia a satisfação das necessidades e desejos e,
ao mesmo tempo, dificultar o bem-estar por gerar insatisfações,
frustrações e conflitos. Essa ambiguidade se deve, principalmente, ao
fato de que a realização do trabalho depende de determinadas
condições concretas (dimensão objetiva) que podem ou não
corresponder às expectativas de quem o executa (dimensão subjetiva)
(REBOLO; BUENO, 2014).
Considerando que o bem-estar é uma possibilidade existente na
relação do trabalhador com o seu trabalho, que pode ou não se concretizar,
dependendo dos seguintes fatores: 1- das características do trabalho (a
atividade laboral, as condições infraestruturais, socioeconômicas e
relacionais oferecidas para a sua realização); 2- do modo como essas
características são interpretadas e avaliadas pelo trabalhador (positiva ou
negativamente); 3- dos modos como o trabalhador enfrenta e resolve os
conflitos gerados pelas discrepâncias entre o que espera e o que tem, entre
a sua organização interna e a organização do trabalho (REBOLO, 2012a,
p. 24), pode-se afirmar que conhecer os fatores que influenciam o bem-
estar no trabalho, por meio da identificação dos níveis de
satisfação/insatisfação dos trabalhadores com esses fatores, pode
contribuir para a elaboração de programas de saúde e bem-estar do
trabalhador, por parte das organizações.
O bem-estar subjetivo é associado, por Diener e Seligman (2004)
à saúde (física e psíquica) e longevidade das pessoas, tendo implicações
diretas na saúde das organizações, pois como afirma Csikszentmihalyi
85
(2004), o princípio base de uma organização saudável é o equilíbrio entre
qualidade de vida, bem-estar, felicidade do trabalhador e produtividade,
qualidade e competitividade organizacional.
Referências
CSIKSZENTMIHALYI, M. Gestão qualificada: A conexão entre felicidade
e negócios. Porto Alegre: Bookmam, 2004.
DIENER, E.; SELIGMAN, M. E. P. Beyond money: toward an economy of well-
being. Psychological Science in the Public Interest, v. 5, n. 1, pp. 1-31, 2004.
REBOLO, F. Caminhos para o bem-estar docente: as estratégias de
enfrentamento utilizadas pelos professores frente às adversidades do trabalho
docente na contemporaneidade. Quaestio (UNISO), v. 14, pp. 115-131, 2012b.
REBOLO, F. Fontes e dinâmicas do bem-estar docente: os quatro
componentes de um trabalho felicitário. In: F. Rebolo; L. R. M. Teixeira; M.
A. de S. Perrelli. (Org.). Docência em questão: discutindo trabalho e
formação. 1ed.Campinas, SP: Mercado de Letras, 2012a, v. 1, pp. 23-60.
REBOLO, F.; BUENO, B. O. O bem-estar docente: limites e possibilidades para
a felicidade do professor no trabalho. Acta Scientiarum. Education (Online), v.
36, n. 2, p. 323-331, 2014. DOI: https://doi.org/10.4025/actascieduc.v36i2.21222

CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL E SAÚDE NO TRABALHO


Alessandra Laudelino Neto; Helen Paola Bueno Vieira
O processo de capacitação profissional caracteriza-se como uma
busca permanente e deliberada de aprendizagem, que utiliza ações de
aperfeiçoamento e qualificação, contribuindo para o desenvolvimento de
competências institucionais, além de habilidades e aptidões técnicas,
emocionais e comportamentais, propiciando ao trabalhador maior
autonomia em relação aos desafios e aos diferentes contextos de sua área
de atuação, de forma mais assertiva, segura e saudável.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT), em sua
publicação Enciclopedia de Salud y Seguridad en el Trabajo (2001),
dedica um capítulo sobre a importância da formação dos
trabalhadores, apresentando o modelo de “educación capacitante”,
enfatizando o desenvolvimento de uma capacitação profissional
continuada, em um processo de educação participativa, dinâmica e
que permita uma aprendizagem multidirecional, com atenção especial
aos objetivos da formação, tais como, treinar os trabalhadores para
serem parte ativa na saúde e segurança do local de trabalho, bem
como estimular o papel decisivo que desempenham como defensores
da saúde e segurança, em vez de unicamente estimular o cumprimento
das regras de gestão de segurança.
Dentre outras questões, a OIT apresenta algumas fases
importantes para o desenvolvimento de uma capacitação profissional:

86
Avaliação das necessidades, sendo a base do processo de
planejamento, que inclui, ao menos, três componentes: uma avaliação
de risco, um perfil dos trabalhadores e uma informação prévia sobre o
contexto social da formação;
Obtenção de apoios, com base na identificação e participação de
uma rede de contatos (e.g. sindicatos, associações de classes), podendo
desempenhar um papel fundamental no apoio ao trabalho educativo;
Estabelecimento dos objetivos educativos e dos conteúdos,
sendo que alguns objetivos podem compreender a aprendizagem de
novas informações e habilidades, a mudança de atitudes e adoção de
comportamentos seguros, porém, com foco não somente na
individualidade, mas também no coletivo e em possíveis modificações do
local de trabalho. Se faz necessário a diversificação dos métodos em
decorrência do objetivo a ser alcançado pela capacitação, explorando
técnicas que propiciem uma simulação prática dos conhecimentos (ou
dificuldades vivenciadas pelos trabalhadores);
Realização de uma sessão educativa, consistindo na
mediação do educador na condução dos trabalhadores a: (1) aprender
e explorar novas ideias ou habilidades; (2) reunir pensamentos e
habilidades, e (3) combinar ambos os aspectos. Este papel da
mediação na aprendizagem pode exigir, por exemplo, a capacidade de
promover a aprendizagem cooperativa;
Avaliação e acompanhamento, parte essencial e cumpre
diferentes propósitos, tais como, permitir a avaliação dos progressos
individuais e coletivos; a eficácia da formação; os resultados
alcançados, bem como documentar o sucesso do treinamento para
justificar futuros gastos. Para tanto, os protocolos de avaliação devem
ser estabelecidos de acordo com os objetivos da educação.
A capacitação profissional em saúde e segurança no trabalho
pressupõe uma aprendizagem que não pode considerar uma via de
sentido único, em que o “especialista” transmite o conhecimento aos
“trabalhadores”. Nesse sentido, o processo educativo constitui uma
associação dinâmica, ocorrendo a aprendizagem multidirecional,
fomentando o pensamento crítico independente e buscando qualificações
para a tomada de decisões com o intuito de uma ação coletiva efetiva.
Referências
ATHERLEY, G.; ROBERTSON, D. Principios de formacion. In. Hecker, S.,
Director del capítulo. Enciclopédia de Salud y Seguridad em el Trabajo.
tercera edición, capítulo 18, pp. 18.5-18.8, 2001.
BAKER, R.; WALLERSTEIN, N. Educacion y formacion de los trabajadores.
In. Hecker, S., Director del capítulo. Enciclopédia de Salud y Seguridad em el
Trabajo. tercera edición, capítulo 18, pp. 18.8-18.13, 2001.

87
BRASIL. Decreto nº 5.707, de 23 de fevereiro de 2006. Institui uma política e
como o desenvolvimento de pessoal da administração pública federal direta,
autárquica e fundacional, e regulamenta dispositivos da Lei no 8.112, de 11 de
dezembro de 1990. 2006. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5707.htm.
HECKER, S. Introduccion y vision general. In. Hecker, S., Director del
capítulo. Enciclopédia de Salud y Seguridad em el Trabajo. tercera
edición, capítulo 18, pp. 18.2-18.5, 2001.

CARGA DE TRABALHO
Nilson Rogério Silva
Toda atividade exigirá dispêndio de energia para sua
realização, seja física ou emocional, sendo comum a presença de
ambas, com predomínio de uma ou outra, em função das
características do trabalho. Para Millot (1988), a carga de trabalho
pode ser entendida com a “a fração da capacidade de trabalho que o
operador investe na tarefa”.
Destaca-se que essa carga de trabalho não é estática e sofre
atuação de um “... conjunto de variáveis na dinâmica de trabalho que
atuam sobre o operador exigindo esforço contínuo de regulação e de
adaptação para a obtenção dos resultados da produção” (LAURELL e
NORIEGA, 1989). Para fins didáticos, a carga de trabalho pode ser
dividida em física e mental, sendo a carga mental subdividida em
cognitiva e psíquica.
A carga física pode está associada ao esforço físico, o desgaste
das estruturas corporais para a realização de determinado trabalho.
Conforme Abrahão (1993, p. 11) “... está relacionada aos gestos, às
posturas e os deslocamentos do trabalhador necessários à execução da
tarefa. A quantidade e a qualidade do esforço físico despendido por
cada trabalhador na realização da tarefa, expressa a carga física da
jornada de trabalho”. A carga física é mais fácil de ser mensurada.
A carga cognitiva refere-se às exigências mentais na
realização do trabalho e pode se manifestar nas situações onde há
necessidade intensa de memorização, atenção, concentração,
acuidades visual e auditiva, além de tomada de decisões.
A carga psíquica pode ser representada como a resultante da
confrontação ente os desejos do trabalhador e da empresa. Está
associada à percepção subjetiva do sujeito em relação à natureza e ao
conteúdo do trabalho, expresso na organização deste. A carga psíquica
no trabalho é difícil de ser quantificada (DEJOURS, 1994), mas é
quase impossível de ser negada.

88
A carga de trabalho presente nas atividades sempre apresenta
aspectos físicos, cognitivos e psíquicos, sendo que cada um deles pode
gerar sobrecarga. É importante destacar que uma dessas cargas pode
determinar sobrecarga, estando inter-relacionadas, o que significa que,
por exemplo, se a carga física é aumentada pode também elevar a carga
psíquica, e vice-versa, podendo uma sobrecarga psíquica gerar sobrecarga
na estrutura corporal (WISNER, 1994).
Nesse sentido, é importante identificar as cargas de trabalho
presentes na atividade, as causas, ou seja, adoção de modos
operatórios do trabalhador, condições de trabalho oferecidas existentes
(mobiliário, equipamentos, ferramentas), bem como as variáveis
organizacionais (metas de produção, mecanismos de controles da
produção). Conforme destaca Gerin (2001), é preciso compreender o
trabalho para transformá-lo.
Tais mudanças devem ser construídas entre os diferentes
atores envolvidos no trabalho, buscando soluções coletivas para o
enfrentamento dos problemas. O principal objetivo é sempre buscar
um equilíbrio entre saúde e produtividade, o que significa construir
ambiente de trabalho que permita a produção, mas que preserve a
saúde dos trabalhadores.
A análise do trabalho de forma isolada acaba gerando uma
compreensão limitada, distanciando-se da atividade real executada
pelos trabalhadores, tendo como resultado condições de trabalho
insatisfatórias, alteração da produtividade e adoecimento e sofrimento
(SILVA, 2011). Muitas vezes essas cargas de trabalho são expressas
por absenteísmo no trabalho.
Referências
ABRAHÃO, J. Metodologia em ergonomia. In: Congresso Latino Americano,
Seminário Brasileiro de Ergonomia. Brasília: Universidade de Brasília, 1993.
DEJOURS C. A carga psíquica no trabalho. Betiol MIS Centro de estudos
e pesquisas do trabalho – CEPT. São Paulo: Atlas, 1994.
GUÉRIN, F. Compreender o trabalho para transformá-lo: a prática da
ergonomia. Edgard Blücher, 2001.
LAURELL AC, NORIEGA M. Processo de produção em saúde: saúde e
desgaste operário. São Paulo: Hucitec, 1989.
MILLOT, P. Supervision des procedes automatises et ergonomie. Paris:
Editions Hermes, 1988.
SILVA, N. R. Fatores determinantes da carga de trabalho em uma unidade
básica de saúde. Ciência e Saúde Coletiva, v.16, pp. 3393 - 3402, 2011.
WISNER, A. A metodologia na Ergonomia: Ontem e Hoje. In: A inteligência
no Trabalho. São Paulo: FUNDACENTRO, 1994.

89
CENTRALIDADE DO TRABALHO E SAÚDE MENTAL
Bruno Chapadeiro
A categoria trabalho possui um significado histórico-
ontológico estrutural (e estruturante) que constitui o ser social a partir
do intercâmbio orgânico entre o homem e a natureza. Marx definiu o
trabalho como atividade vital, como um valor, dotado de um sentido
primordial não somente enquanto “atividade produtiva especial,
direcionada a um fim, que adapta matérias naturais específicas a
necessidades humanas específicas” (2013, p. 120) ou seja, enquanto
um intercâmbio técnico homem-natureza mediado por objetos de
trabalho, meios de produção da vida social para a satisfação de
necessidades “se, por exemplo, [...] do estômago ou da imaginação”
(2013, p. 113), mas também como reprodução da humanidade na
medida em que “a objetivação da essência humana, tanto do ponto de
vista teórico quanto prático, é necessária tanto para fazer humanos os
sentidos do homem quanto para criar sentido humano correspondente
à riqueza inteira do ser humano e natural” (2004, p. 110-111).
De acordo com Lukács (2013), o trabalho é práxis social,
atividade humana concreta por possuir uma dimensão consciente que
se insere na gênese do processo de hominização/humanização. Exige
do homem a observância de determinadas habilidades prático-
cognitivas para manipulação da natureza a qual também faz parte. Há,
portanto, um ineliminável vínculo entre ação e consciência, trabalho
e teleologia, que interagem de modo recíproco no processo de
produção e reprodução social. Nos dizeres de Antunes (2018, p.
1179): “ao mesmo tempo em que os indivíduos transformam a
natureza exterior, alteram também a sua própria natureza humana, em
processo recíproco e inter-relacional, que converte o trabalho social
em elemento central do desenvolvimento da sociabilidade humana e
de sua emancipação”.
É centralmente a partir do trabalho, então, que os indivíduos
se diferenciaram das formas pré-humanas e animais. Contudo, a partir
da constituição do capitalismo, o trabalho converteu-se em uma
mercadoria especial, a força de trabalho, assalariando-se de modo
generalizado, visando tão somente a produção de mercadorias que têm
seu valor de uso (que possuem as qualidades e quantidades materiais e
heterogêneas do trabalho) desprezado e, estimam somente o valor de
troca (uma representação do valor, quantitativa e homogênea), dando
ao valor a característica de ser imaterial e relacional e, preconizando
assim, apenas trabalho abstrato enquanto dispêndio de força de
trabalho humano.

90
Enquanto trabalho útil e concreto, criador de valores de uso,
constitui-se como condição de existência humana vital. De outra parte,
como trabalho abstrato, assumiu como significado dominante o fato de
ser fonte de extração de mais-valor, criador de valores de troca, fonte de
riqueza imprescindível para a acumulação privada de riqueza e para a
valorização de capital (ANTUNES, 2018, p. 1179). Em outras palavras,
Caio Antunes (2018, p. 83) nos ajuda a entender que “a separação entre o
resultado do trabalho e ser humano, entre produto e produtor – promovida
pelo capitalismo [grifo nosso] – faz com que aquela necessidade, que, em
primeiro lugar, impulsionou, moveu, o próprio processo de transformação
da natureza, não possa ser imediatamente satisfeita pelo objeto
produzido”. A esse processo dá-se o nome de alienação do trabalho. Ou
seja, tal separação ocorre numa relação de expropriação, dominação e
mesmo hostilidade em relação à obra do trabalhador.
Isto é, “na determinação da compra [da força de trabalho] já
vai implícito o fato de que ele [o ser humano] deve se comportar ante
seu produto como ante um objeto alienado, que lhe fugiu às mãos”
(MARX; ENGELS, 2009, p. 64-65). Assim, com a universalização do
trabalho alienado sob a égide do sistema do capital, todos os avanços
do trabalho e das forças produtivas, enfim, todas as relações humanas
que a partir do trabalho se constroem, são de alguma maneira afetadas
pela alienação. Com esta divisão alienada do trabalho no capitalismo,
no interior da qual cada ser humano “passa a ter um campo de
atividade exclusivo e determinado, que lhe é imposto e ao qual não
pode escapar [...] se não quiser perder seu meio de vida (MARX;
ENGELS, 2007, p. 37-38), de um ponto de vista subjetivo, Engels
(2015, p. 327) conclui que, “à medida que o trabalho é dividido, o ser
humano também o é”.
Ou seja, se o trabalho é ponto de partida para a constituição do
ser social, categoria central que faz do ser humano o que ele é, meio para
que “exteriorize sua própria necessidade, objetivando sua essência, sua
subjetividade, sua individualidade, externa sua vida, põe a si próprio na
forma de objeto” (ANTUNES, 2018, p. 51), uma vez alienado, apartado
do produto e do processo de seu trabalho, este mesmo ser humano está
também cindido (-esquizo) de si próprio, de sua subjetividade, da saúde
de sua mente (-frenia) e estranha-se de seus iguais por estes estarem
igualmente submetidos à mesma lógica de divisão social alienada do
trabalho. A perda de saúde mental, expressa no adoecer e morrer do
homem sob a esfera da universalização do trabalho alienado no
capitalismo, é tão somente a situação-limite do fenômeno da alienação
que perpassa a sociedade burguesa, sociedade doente devido ao
desequilíbrio estrutural entre homem e natureza provocada pela
propriedade privada e a divisão hierárquica do trabalho. Tal como
91
explicita Marx (2004, p. 80), “esta efetivação do trabalho aparece ao
estado nacional-econômico como desefetivação do trabalhador”.
Entwirklichung é o verbo no alemão para desefetivação/desrealização
que Marx utiliza para significar “privar de realidade e/ou de efetividade”.
É a loucura do trabalhador (ALVES, 2013, p. 130).
Referências
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Rede de Estudos do Trabalho. Disponível em:
http://www.estudosdotrabalho.org. Acesso em 14 dez. 2017.
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Sociologia do Trabalho. Bauru: Canal 6, 2013.
ANTUNES, C. A escola do trabalho: formação humana em Marx.
Campinas: Papel Social, 2018.
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de Saúde e Segurança do Trabalhador: Conceitos – Definições – História –
Cultura. Novo Hamburgo/RS: Proteção Publicações, 2018, pp. 1178-1180.
ENGELS, F. Anti-Dühring. São Paulo: Boitempo, 2015.
FREITAS, L. G. Verbete Centralidade do trabalho. In: VIEIRA, F.O.;
MENDES, A.M.; MERLO, A.R.C. (Orgs.). Dicionário Crítico de gestão e
psicodinâmica do trabalho. Curitiba: Juruá, 2013, pp. 77-81.
LUKÁCS, G. Para uma Ontologia do ser social. São Paulo: Boitempo, 2013.
MARX, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.
MARX, K. O Capital. Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013.
MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.
MARX, K.; ENGELS, F. A sagrada família. São Paulo: Boitempo, 2009.

CLIMA ORGANIZACIONAL (IMPACTOS NA SAÚDE


MENTAL NO CONTEXTO LABORAL)
Hugo Ferrari Cardoso
Atualmente, com o cenário do mundo do trabalho cada vez
mais se apresentando em crescente competividade, o funcionário é
cobrado pela eficiência e rapidez no desenvolvimento de suas
atividades. Ter uma ambiente de trabalho adequado, com um bom
clima, pode ser um diferencial que favorecerá a execução das ações
organizacionais (AMAZUE; ONYISHI, 2016; SIMÕES; ALVES;
SILVA, 2016). Sobre o clima organizacional, tal conceito refere-se, de
acordo com Shanker et al. (2017), às formas como os trabalhadores
percebem o contexto onde atuam (sendo essas influenciadas por
fatores externos e internos à organização). Para alguns autores, o
clima organizacional seria um produto, formado a partir de
sentimentos positivos e negativos que os trabalhadores compartilham
em relação à organização (CHERMACK et al., 2015).
Quando esse produto (clima organizacional) é percebido como
inadequado (negativo) pode, ao longo do tempo, levar o trabalhador à
92
insatisfação e até mesmo a apresentar comportamentos de fuga do
trabalho, como absenteísmo, afastamento por questões de saúde ou
mesmo pedidos de demissão. O conceito passou a ser investigado com
maior afinco a partir da década de 1960, e começou a ser avaliado de
duas formas, a saber, por meio de medidas múltiplas (em que o clima
organizacional era visto como as características da organização que
poderiam ser mensuradas) e de medidas perceptuais (era visto como
uma variável situacional que influencia o comportamento dos
indivíduos, a percepção que eles têm a respeito de atributos concretos
da organização). A partir dessa diferenciação, James e Jones (1974)
sinalizaram que os estudos de clima organizacional começaram a
focar a percepção dos indivíduos (passou a ser entendido como um
processo psicológico que ocorre nos indivíduos em decorrência das
condições ambientais da organização).
Ao longo das décadas, foi constatada uma dificuldade no que
tange à definição de clima organizacional na literatura, pois em muitos
casos havia a mistura com a de outros construtos, tais como clima
psicológico e a cultura organizacional (MARTINS, 2008). Somente a
partir da década de 1990 que as pesquisas sobre clima organizacional
começaram a aparecer e ganhar destaque em várias áreas, como em
instituições de ensino (OSTROFF, 1993; GRIFFITH, 2006; SILVA;
DORNELAS; SANTOS, 2008, dentre outros), em hospitais (SPIRI,
1998; DAWSON et al., 2008; MENEZES et al., 2009), em corporações
militares, policiais ou carcerárias (GRIFFIN, 1999; MELNICK et al.,
2009; SANTOS JR, SOUZA; CABRAL, 2009), assim como também
em organizações em geral (EKVALL, 1996; PROBST; BRUBAKER,
2007; BURKE et al., 2008). Martins (2008) destaca que o estudo do
clima organizacional é de extrema importância para entender o(s)
efeito(s) que o ambiente de trabalho pode ocasionar nas pessoas,
afetando dessa forma a própria organização.
Embora relevante em sua avaliação, Tamayo (1999) atentou para
o fato da existência de grande diversidade nos ambientes organizacionais
e diferentes dimensões de clima organizacional. Trata-se, portanto, de um
construto multidimensional, cujas dimensões se combinam em um
determinado ambiente, com características próprias, favorecendo ou
dificultando o comportamento dos indivíduos no trabalho.
Vega et al. (2006), em estudo de análise da literatura sobre o
tema, encontraram 22 diferentes definições, sendo destacados alguns
elementos comuns e frequentes entre eles, a saber, as características
do ambiente interno, as tendências motivacionais e a própria
“personalidade” da organização. Nesse sentido, há grande discussão
quanto a quais elementos devem ser avaliados em uma pesquisa de
clima organizacional, por exemplo. Para além disso, como as
93
dimensões do que deve ser avaliado no clima organizacional não estão
estabelecidas (ou seja, não é consenso), a forma como o construto é
mensurado também gera discussões não somente na área acadêmica,
mas também no contexto profissional.
Ao longo dos últimos anos, vários autores têm salientado que o
estudo do clima organizacional também seria importante para a
organização, pois forneceria um diagnóstico da própria instituição e
identificaria áreas carentes de atenção. Assim, entendem que por meio da
investigação do clima organizacional pode ser possível descrever as
percepções dos indivíduos em relação à organização e ao seu ambiente de
trabalho (SÁ LEITÃO; GUIMARÃES; ROSAL, 1998; BEDANI, 2006;
BALDUCCI; KANAANE, 2007). Nesse sentido, a análise do clima
organizacional pode ser uma importante ferramenta utilizada pela área de
Gestão de Pessoas (GP), pois possíveis ações planejadas a partir da
investigação do clima organizacional podem fazer com que os
funcionários percebam a organização como um local adequado de trabalho
(RUEDA et al., 2014).
Referências
AMAZUE, L. O.; ONYISHI, I. E. Stress coping strategies, perceived
organizational support and marital status as predictors of work-life balance
among nigerian bank employees. Social Indicators Research, v. 128, n. 1,
pp. 147-159, 2016.
ARONSSON, G.; GUSTAFSSON, K.; DALLNER, M. Sick but yet at work.
An empirical study of sickness presenteeism. Journal of Epidemiology and
Community Health, v. 54, n. 7, pp. 502-509, 2000.
BALDUCCI, D.; KANAANE, R. Relevância da gestão de pessoas no clima
organizacional de uma empresa de engenharia. Boletim da Academia
Paulista de Psicologia, v. 27, n. 2, pp. 133-147, 2007.
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Latina, v. 7, pp. 49-56, 2006.
BURKE, M. J.; CHAN-SERAFIN, S.; SALVADOR, R.; SMITH, A.;
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CHERMACK, T. J.; COONS, L. M.; NIMON, K.; BRADLEY, P.; GLICK,
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DAWSON, J. F. GONZÁLEZ-ROMA, V.; DAVIS, A.; WEST, M. A.
Organizational climate and climate strength in UK hospitals. European journal
of work and organizational psychology, v. 17, n. 1, pp. 89-111, 2008.
EKVALL, G. Organizational climate for creativity and innovation. European
journal of work and organizational psychology, v. 5, n. 1, pp. 105-123, 1996.

94
GRIFFIN, M. L. The influence of organizational climate on detention officers' readiness
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performance relation: public schools as organizations. Journal of Applied
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95
VEGA, D.; ARÉVALO, A.; SANDOVAL, J.; AGUILAR, M. C.;
GIRALDO, J. Panorama sobre los estudios de clima organizacional en
Bogotá, Colombia (1994-2005). Diversitas - Perspectivas en Psicologia, v.
2, n. 2, pp. 329-349, 2006.

CLÍNICAS DO TRABALHO
Guilherme Elias da Silva
Clínica do trabalho não se trata, devemos sinalizar de pronto, de
uma clínica diretamente orientada às problemáticas singulares, orbitando
em torno das fantasmáticas individuais, ou seja, àquela clínica
“tradicional” de consultório e divã. Como também, não se trata de um
enfoque que dissolve o sujeito em estruturas, comumente sociais, que o
antecedem. O sentido da palavra clínica, nesse caso, recai, de acordo com
Bendassolli e Soboll (2011a), sobre a articulação entre o mundo psíquico
e o universo social. A clínica do trabalho aproxima-se, portanto, de uma
clínica social, a qual a pauta de investigação e intervenções é a realidade
vivida [concretamente] pelos sujeitos. Em não concretizando-se enquanto
uma clínica orientada excepcionalmente ao sujeito intrapsíquico,
congrega, em seus questionamentos, “a produção social do sofrimento no
trabalho, bem como a produção de circunstâncias pelas quais o trabalho é
reconstruído pela ação coletiva e individual” (BENDASSOLLI;
SOBOLL, 2011a, p. 60). Sendo assim, não é uma clínica dirigida
exclusivamente ao sofrimento, ou seja, que atenta, excepcionalmente, aos
aspectos deletérios e nefastos do trabalho; trata-se de uma clínica que, a
despeito de pressupor o sofrimento, transcende-o e dá ênfase aos aspectos
edificadores e criativos do sujeito em sua vivência no trabalho.
Tem-se, então, a definição de Clínicas do Trabalho como:
[...] um conjunto de teorias que tem como foco de estudo a relação
entre trabalho e subjetividade. Apresentando uma diversidade
epistemológica, teórica e metodológica, o objeto comum dessas
teorias é a situação do trabalho, que, em síntese, compreende a
relação entre o sujeito, de um lado, e o trabalho e o meio, de outro
(BENDASSOLLI; SOBOLL, 2011b, p. 3).

As clínicas do trabalho podem ser situadas e analisadas


levando em conta um quadro paradigmático extenso, conformado por
dois amplos grupos heterogêneos: no primeiro deles, encontram-se as
abordagens intituladas neopositivistas, nas quais situam-se, sem
grande rigor, as psicologias cognitivas e experimentais do trabalho; no
segundo grupo, as abordagens não positivistas – que estruturam-se por
paradigmas interpretativos, hermenêuticos, compreensivos e, ainda, o
clínico. Problematizam, Bendassolli e Soboll (2011a), que, enquanto o
primeiro grupo aparentemente está mais comprometido com questões
96
de previsão e controle no trabalho (nutrido pelo ideário da
performance, do desempenho, da eficiência, etc.), o segundo inclina-
se para temas/demandas de compreensão, na lógica de uma concepção
singular das conjunturas e das experiências dos sujeitos-trabalhadores,
objetivando uma transformação que não é essencialmente dirigida por
uma racionalidade econômica-instrumental.
Compõem a seara das clínicas do trabalho quatro grandes
perspectivas, a saber: a clínica da atividade (CLOT E FAÏTA); a
psicodinâmica do trabalho (DEJOURS, MENDES, MERLO); a ergologia
(SCHWARTZ); e a psicossociologia (ENRIQUEZ, GAULEJAC,
BARUS-MICHEL e LHUILIER). De acordo com Bendassolli (2012), as
clínicas do trabalho são perspectivas que recebem influência
epistemológica, conceitual e técnica, e reconstroem, tradições amplas e,
até mesmo, ecléticas, como o caso da psicanalítica (sobre a psicodinâmica
e grande vertente da psicossociologia); da filosofia (sobre a ergologia e
clínica da atividade, principalmente autores como Bakthin, Spinoza e
Canguilhem); e da corrente sócio-cultural (sobre a clínica da atividade,
particularmente Vygotsky). Outras duas referências que alicerçam
ideologicamente e processualmente as clínicas do trabalho são as
influências francesas nos campos de saber referentes à ergonomia
(DANIELLOU) e à psicopatologia do trabalho (LE GUILLANT,
SIVADON e TOSQUELLES).
Lhuilier (2006), Bendassolli e Soboll (2011) e demais
proponentes das clínicas do trabalho são muito incisivos no sentido de
demarcar seu compromisso ético: o que se objetiva é a ampliação da
potência de agir, uma produção [em conjunto ao coletivo de trabalho] de
um conhecimento-ação vinculado às situações concretas e às vivências
dos sujeitos. Busca-se, por conseguinte, “ampliar a potência de agir do
sujeito sobre seu meio e sobre si mesmo. Trata-se, antes, de ganhar
margens de liberdade de ação, de se liberar dos impasses problemáticos
para inventar novas maneiras de fazer e de pensar” (LHUILIER, 2015, p.
29). Dessa forma, são favorecidas as abordagens qualitativas,
metodologias nas quais os próprios indivíduos/trabalhadores são
convidados a analisar e ajuizar sobre suas práticas. Nesta perspectiva,
foram desenvolvidas estratégias inovadoras para responder à demanda de
técnicas mais sensíveis às problemáticas trabalhadas. Advém, por
exemplo, a técnica da autoconfrontação cruzada (CLOT, 2007) ou dos
grupos de análise das práticas (DEJOURS, 2004). Nessas estratégias, de
acordo com Bendassolli e Soboll (2011, p. 68): “são destacados, em
primeiro plano, dispositivos interpretativos que permitam o aumento da
reflexividade dos sujeitos sobre suas atividades”. Ademais, permitem
uma “compreensão das defesas utilizadas para fazer face às dificuldades,

97
às angústias e ao sofrimento, bem como a apropriação de estratégias bem-
sucedidas e criativas”.
Entre suas características essenciais, as clínicas do trabalho
defendem o trabalho como uma atividade material e simbólica
estruturante do laço social e da vida (inter)subjetiva, no sentido em
que apontam a centralidade do trabalho para a organização psíquica e
social. As clínicas conferem grande relevância às situações concretas
de trabalho, valorizando, conforme Bendassolli e Soboll (2011, p. 69),
“um questionamento sobre as demandas colocadas pelo mundo do
trabalho aos psicólogos e também sobre o uso dos dispositivos
propostos quando da análise, pesquisa e intervenção naquelas
situações”. Além do mais, compartilham a convicção de que as
práticas de pesquisa precisam ser comprometidas (tendo na pesquisa-
ação um de seus grandes pilares), e não meros recursos de coleta de
dados, que muitas vezes não estão implicados à devida ressonância na
atividade realizada pelos sujeitos-trabalhadores. Vigilantes ao
traumático no campo de trabalho, as investigações clínicas “se
destinam a compreender as origens e as manifestações do sofrimento,
como também a compreender e subsidiar os processos de resistência e
de superação por parte dos coletivos de trabalho” (BENDASSOLLI &
SOBOLL, 2011, p. 69).
Portanto, as Clínicas do Trabalho convidam-nos a adotar um
pensamento interdisciplinar, que consiga enxergar o sujeito-
trabalhador em sua complexidade histórica, a partir de um conjunto de
disciplinas que permitam elucidar a prática fundamentada nos desejos
de quem o faz, nas suas potencialidades e nas suas emoções, tanto no
campo individual, quanto no coletivo.
Referências
BENDASSOLLI, P. F.; SOBOLL, L. A. P. Clínicas do trabalho: filiações, premissas e
desafios. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho (USP), v. 1, 2011a, pp. 59-72.
BENDASSOLLI, P. F.; SOBOLL, L. A. P. Clínicas do trabalho: novas perspectivas
para a compreensão do trabalho na atualidade. São Paulo: Atlas, 2011b.
CLOT, Y. A função psicológica do trabalho. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2007.
DEJOURS, C. Addendum. Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. In:
LANCMAN, S.; SZNELWAR, L. I. (Org.). Christophe Dejours: da psicopatologia à
psicodinâmica do trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz. Brasília: Paralelo 15, 2004.
LHUILIER, D. Cliniques du travail. Toulouse: Érès, 2006.
LHUILIER, D. A intervenção em Psicossociologia do Trabalho. In: MORAES, R.D.;
VASCONCELOS, A.C.L. (Orgs.). Trabalho e emancipação: a potência da escuta
clínica. Curitiba: Juruá, 2015.

98
COACHING - CORRELAÇÕES COM A SAÚDE MENTAL NO
TRABALHO
Rosângela de Oliveira Rosa Zarza
O Coaching é uma metodologia que promove o
desenvolvimento humano e contribui para que o indivíduo possa refletir
sobre suas potencialidades e utilizar melhor os seus recursos a fim de
fazer mudanças significativas em todas as dimensões de sua vida, tanto
no âmbito pessoal como no profissional.
Sua concepção é originária da Grécia antiga em que envolvia um
processo pedagógico para encorajar as pessoas a pensar e a refletir por
meio do método socrático, que ocorria por temas e com o estímulo das
ideias através de perguntas e respostas para desenvolver as pessoas, de
forma que pudessem buscar o conhecimento em si mesmo
(CHIAVENATO, 2017, p. 92).
Embora não seja um processo novo, recebeu forte influência dos
esportes com o treinador de tênis Timothy Gallwey, que conceituou seu
método no livro The Inner Game of Tennis corroborando com aspectos
relevantes ao coaching esportivo cujo foco estava em ajudar o atleta a
atingir seu máximo desempenho agindo como facilitador, estimulando e
assistindo o seu desenvolvimento ao invés de ensinar. Lages e O’Connor
(2004) destacam o método dele privilegia a “ênfase na consciência, saber
o que você está realmente fazendo (não deveria fazer), de modo que seja
possível mudar isso” (p. 21). Os mesmos autores enfatizam ainda que
estes “princípios aplicam-se a todos os tipos de coaching” (2004. p. 21).
Este conceito de Coaching Gallwey inspirou muitos
estudiosos das ciências humanas ao longo da década de 70, estes
foram criando novos modelos de intervenções a partir da visão
psicológica positivista, que continuaram sendo estudados,
aprimorados e disseminados em diversas áreas do conhecimento ao
longo das últimas cinco décadas, contando atualmente com ampla
variedade metodológica e modelos de aplicações inclusive para o
ambiente organizacional.
Aqui, não se pretende discorrer sobre as diversas abordagens
metodológicas de Coaching. É pertinente mencionar que adotamos os
princípios da Programação Neurolinguística, mais conhecida como a
PNL (Neuro-linguistic programming – NLP), que foi concebida em
meados dos anos 70 nos Estados Unidos, pelo professor de linguística
John Grinder, e pelo psicólogo Richard Bandler. A PNL é uma
metodologia que estuda os conhecimentos da área da neurologia, que
explora como a nossa mente produz o pensamento; da linguística, que
analisa a forma como usamos a linguagem e como ela nos afeta; e a
programação, que considera como organizamos nossas ações para
alcançar nossas metas. Assim o Coaching, com a PNL proporciona
99
uma interpretação da comunicação não convencional do ser humano
em suas várias interações sociais (LAGES; O’CONNOR, 2004).
Trata-se de uma abordagem comportamental que proporciona ao
indivíduo o autoconhecimento com reflexões e ações que contribuem
para desvelar as capacidades, aquelas que podem ser desenvolvidas e
outras que estão latentes, por meio de uma vivência ativa com a aplicação
de técnicas e ferramentas que permitem explorar o ser, maior senso de si
mesmo; o saber, todos os conhecimentos e como usá-los; assim como o
fazer e as habilidades para aplicá-lo (ZARZA, 2015, p. 8).
Independentemente da metodologia utilizada, no coaching é
fundamental considerar que sua prática deve ser conduzida de forma ética
para assistir o cliente na produção de resultados significativos, tanto em
sua vida pessoal, como na profissional, dando enfoque do presente ao
futuro, jamais ao passado. Salienta-se que o Coaching não deve ser
confundido com outras abordagens, especialmente com a terapia que
investiga o problema buscando no passado as razões de seus conflitos e
dilemas, a premissa do Coaching é atuar no presente e estabelecer
estratégia para o futuro, dando ênfase em clarear objetivamente as metas
e os meios de mudança com a identificação de elementos motivadores e
ressignificação de crenças. Já a terapia contribui para investigar o
“porquê”. Válido ressaltar que no Coaching, enfatizamos (o que o cliente
quer; o como ele pode chegar lá, e quando ele quer alcançar a meta –
realizar seus sonhos) (ZARZA, 2015, p.12).
No ambiente organizacional, o coaching é usualmente focado
no desenvolvimento das competências comportamentais, todavia, é
importante explorar os elementos que estão ligados em outras áreas de
sua vida, que podem favorecer o desgaste de sua saúde mental, pelo
significado e sentido que o trabalho exerce na vida de cada um
(ZARZA, 2017, p. 76).
No que diz respeito à área de Saúde Mental Relacionada ao
Trabalho (SMRT), Seligmann-Silva (2011) afirma que a “Saúde
Mental é uma dimensão indissociável desse processo, necessariamente
visto em seu todo. Não existe adoecimento mental que se constitua
isoladamente do corpo e das inter-relações humanas”. Enfatiza que
“os contextos do trabalho são capazes de funcionar como fonte de
saúde ou de adoecimento tanto com respeito à saúde geral quanto à
saúde mental”. (p. 40). Ainda nesta senda, a autora destaca que “os
aspectos relacionados à saúde mental e saúde geral dos trabalhadores
podem ser oriundos de vários fatores que são identificados tanto no
contexto coletivo como no individual” (SELIGMANN-SILVA, p. 34).
Há fatores que merecem nossa observação, pois colocam em
risco a saúde mental do trabalhador. Considerando que as pressões
sobre as pessoas são cada vez mais fortes e intensas nesta nova era da
100
informação, entre eles, destacam-se as diferenças individuais que são
realçadas e incentivadas; o alto desempenho em que os
conhecimentos, as habilidades, as competências técnicas e
comportamentais são para produzir cada vez mais e melhor; e muitos
outros elementos oriundos das exigências mercadológicas e vantagens
competitivas que são demandados nas organizações e que podem
contribuir para o desgaste mental do trabalhador (SELIGMANN-
SILVA, 2017, p. 98-99).
De acordo com Dejours (2017) no “trabalho, muitos seres
humanos têm a oportunidade de desenvolver sua identidade e fortalecer
sua saúde mental”, por outro lado, pode também representar
“sofrimento” que coloca em risco a saúde mental do trabalhador (p. 15).
No contexto do trabalho, o Coaching atua com um olhar
individualizado e contribui fortemente com as mudanças de atitude
porque é “um tipo de relacionamento no qual o coach se compromete a
apoiar e ajudar o cliente” e este, por sua vez, terá a responsabilidade por
implantar ações para “atingir um determinado resultado” que faça
sentido para sua vida profissional e pessoal, ou seja, “seguir adiante em
um determinado e melhor caminho”, porque proporciona para si, além
do “compromisso com relação aos resultados”, “seu desenvolvimento
profissional e sua realização pessoal” (CHIAVENATO, 2017, p.70).
Para Seligmann-Silva (2011), a Saúde Mental Relacionada ao
Trabalho (SMRT) é um campo multidisciplinar em que “os princípios
adotados ultrapassam a busca de produtividade e os estudos se voltam
para identificar todos os aspectos – os que promovem a saúde e todos os
que se revelam adoecedores, inclusive aqueles que possam estar servindo
simultaneamente a interesses mais imediatos da produção” (p. 40).
O Coaching é um processo voltado para ação e requer o alto
grau de comprometimento do cliente, sendo imprescindível ajudá-lo na
investigação de todos os aspectos no âmbito de seu desenvolvimento
profissional, no contexto do trabalho, nas relações sociais, assim como
os fatores que promovem sua saúde e, especialmente, aqueles que
podem causar doenças físicas e mentais. Uma vez identificados, a nossa
conduta será de acolher o cliente e manter o foco nas atividades de
Coaching, propiciando ao indivíduo tomar consciência e eleger as
possibilidades de ação, dentre as quais realçamos: buscar o apoio
terapêutico para diagnosticar e orientar o melhor tratamento. Por fim,
nosso enfoque será acompanhar o seu estado emocional a fim de mantê-
lo motivado e engajado na execução dos planos de ação, de modo a
atingir suas metas (ZARZA, 2015, p.12).
Os conteúdos trabalhados no Coaching impactam em ações,
que se desdobram em objetivos e estratégias que culminam em
resultados, é uma abordagem poderosa porque engaja, desenvolve e
101
motiva o trabalhador a agir e mudar seus comportamentos. Neste
sentido, o investimento no Coaching traz resultados tanto no plano
do desenvolvimento profissional como do pessoal, fundamentais
para produzir novas competências e atingir novos resultados
(ZARZA, 2017, p. 102).
O Coaching como um processo educativo no âmbito da saúde
mental no trabalho, visa resgatar, para o trabalhador, sua
potencialidade, desenvolver a autopercepção, gerar reflexões e ações
que contribuem para identificar e maximizar os pontos fortes, as
habilidades e as competências, encorajando-o, motivando-o e
proporcionando o autoconhecimento com uma perspectiva ampliada e
profunda. Assim, permite ao trabalhador fazer escolhas e mudanças
que tenham significado tanto para si como para a organização que
eleva a autoestima permitindo melhor disposição física e mental para
lidar com os desafios do dia a dia, sendo capaz de favorecer a
promoção da saúde (ZARZA, 2015, p. 9).
Referências
CHIAVENATO, I. Coaching & Mentoring: Construção de Talentos nas
Organizações - As Novas Ferramentas da Gestão de Organizações, 3ª ed. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2017.
DEJOURS, C. Psicodinâmica do Trabalho: Casos Clínicos, Porto Alegre:
Dublinense, 2017.
LANGES, A.; O´CONNOR, J. Coaching com PNL: O Guia Prático para
Alcançar em você e em Outros, Rio de Janeiro: Qualitymark, 2004.
SEGIGMANN-SILVA, E. Trabalho e Desgaste Mental: O Direito de Ser
Dono de Si Mesmo, São Paulo: Cortez, 2011.
ZARZA, R.O.R. As Contribuições do Processo de Coaching na
Funcionalidade Humana. 2015. 93 f. Trabalho de Conclusão do Curso
(Aperfeiçoamento em Ciências da Funcionalidade Humana e Sustentabilidade
Ambiental). Coordenadoria de Saúde e Segurança do Trabalhador e
Sustentabilidade Ambiental da Pró Reitoria da Administração – PRAd –
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA, UNESP, São Paulo, 2015.

COERÇÃO NO TRABALHO
Marcos Mariani Casadore
Podemos identificar nas relações coercitivas inseridas num
contexto organizacional uma das grandes causas atuais de sofrimento e
adoecimento no trabalho. De acordo com Foucault (1986), percebemos,
em qualquer sociedade, uma organização das relações de poder que
pressupõe disciplina e controle sobre os corpos; no campo da atividade
e do trabalho, esse movimento busca sedimentar as práticas que melhor
se alinham à lógica produtiva de uma estrutura econômica inserida em
determinada época e cultura. Dentro das sociedades disciplinares, por
exemplo, os mecanismos de dominação do corpo pela coerção têm por
102
objetivo a padronização dos comportamentos, o enquadramento e a
obediência – os sujeitos tornam-se mais aptos e ajustados, mas perdem
sua potência e ação nas dimensões políticas. Na lógica das sociedades
contemporâneas, a dinâmica é mais complexa: Gaulejac (2007), a partir
da ideologia própria das estruturas de produção gerencialistas, destaca
que as relações coercitivas se referem mais ao envolvimento dos
desejos e angústias do sujeito, levando os trabalhadores a se
comprometerem com ideais da empresa – como salienta a
psicossociologia do trabalho, são mecanismos mais engenhosos e sutis
de captura das subjetividades.
Por se associar diretamente à punição ou ameaça de punição
como consequências do tipo de controle exercido sobre o outro, o
conceito de coerção tende a ser mais estudado, diretamente, como um
processo comportamental pelas teorias que priorizam a leitura e
interpretação dos aspectos de conduta nas instituições e organizações
(cf. Sidman, 2001). Já discussões correlatas às ações coercitivas que
problematizam as relações de poder e os modos de organização de
trabalho e gestão, bem como as consequentes sobrecargas, as
ansiedades e medos, ou mesmo os movimentos de assujeitamento e
servidão voluntária, por exemplo, podem ser encontradas com maior
facilidade nas pesquisas em psicologia social do trabalho.
A coerção no trabalho constitui assunto bastante delicado: não
se trata, simplesmente, da dificuldade de compreensão de uma ação
complexa e de difícil definição, mas se refere a relações que obedecem
à lógica da gestão dos afetos, pela ameaça e pelo medo. Como
contraponto, identifica-se movimentos que também respondem a
processos de captura e controle, mas seguem uma dinâmica diferente –
como, por exemplo, mecanismos de alienação pautados no
convencimento, na sedução e no fascínio exercidos por um discurso
organizacional. Esse tipo de assujeitamento, também uma potencial
causa de sofrimento e adoecimento, já pressuporia relações de controle
calcadas mais em gratificações simbólicas e na persuasão para adesão a
uma filosofia comum do que em ameaças, punições e incentivo de
relações conflitantes – embora seja, de qualquer modo, muito difícil
estabelecer uma fronteira definitiva entre essas duas “frentes”.
Nas relações de trabalho atuais, pode existir a aplicação de
estratégias e métodos gerenciais que visam o controle e a sujeição dos
trabalhadores pela coerção. Essas práticas, quando instituídas,
compõem uma relação de poder baseada principalmente no medo – no
que concerne, por exemplo, à precarização do trabalho ou ao
desemprego. Os cargos de liderança e chefia, a partir dessa lógica dos
controles coercitivos, valem-se das ameaças, mesmo indiretas, e do
medo ocasionado pelas relações estabelecidas com os trabalhadores
103
subalternos como caminho para a obtenção de mais engajamento
pessoal e produtividade. O trabalho nessa dinâmica de constante
ameaça, porém, tende a produzir grande sofrimento subjetivo e
instaurar processos de adoecimento. Deste modo, ao se almejar um
incremento da qualidade do trabalho pela via coercitiva, o que se tem
como resultado a médio prazo é uma diminuição da produtividade e
da capacidade criativa do trabalhador.
Nem sempre as ameaças são claras ou facilmente percebidas –
mas não é por serem menos explícitas que se tornam também menos
nocivas à saúde mental do sujeito. A impossibilidade de compreensão
e assimilação de uma situação coercitiva dificulta a elaboração de
defesas por parte dos trabalhadores. Estes colaboram sem nenhum tipo
de questionamento com as instâncias superiores, fazendo uma escolha
pelas aceitações tácitas e pelo silêncio ao invés do enfrentamento.
O discurso do trabalhador, muitas vezes, acaba sendo tomado
por frases inócuas e estereótipos difundidos pela cultura empresarial em
prol das ideias de desempenho, excelência e produtividade. Estes ideais
tendem a reforçar a adesão dos sujeitos às relações coercitivas – seja,
por um lado, como quem as exerce ou, por outro, como quem as aceita
como práticas regulares e comuns. Além disso, incentivam a
competição em níveis individuais – por conta da instabilidade e
insegurança atrelados a um baixo desempenho, o que conduz a uma
degradação das relações interpessoais no trabalho – são exigências que
acarretam um significativo custo psíquico para o trabalhador. Dejours
(2008) salienta que esse consentimento pressuporia para o trabalhador
uma anulação de sua própria subjetividade, além de inviabilizar a
construção de espaços públicos/coletivos e a busca por emancipação.
Referências
DEJOURS, C. Addendum: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho.
In: LANCMAN, S.; SZNELWAR, L. (Orgs.). Christophe Dejours: da
psicopatologia à Psicodinâmica do Trabalho. Brasília: Paralelo 15, 2008.
FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ: Vozes, 1986.
GAULEJAC, V. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista
e fragmentação social. Aparecida, SP: Ideias e Letras, 2007.
SIDMAN, M. Coerção e suas implicações. Campinas, SP: Editora Livro Pleno, 2001.

COMPETÊNCIAS LABORAIS E SAÚDE MENTAL NO


TRABALHO (1)
Dinael Corrêa de Campos
As competências laborais de um trabalhador podem ser
descritas como o resultado do seu desempenho no trabalho que
executa, e vice-versa. Mais especificamente, é a realização de suas
capacidades individuais no trabalho. O resultado de um bom trabalho,

104
eficiente e eficaz, advém das qualidades pessoais eficientes e eficazes
voltadas para o resultado, quer pessoal, quer organizacional. Foi com
o advento da “era do conhecimento” que as organizações, a partir da
década de 1980, tomaram consciência de que, segundo Câmara (2017,
p. 13), o “sucesso das empresas dependia essencialmente da qualidade
e motivação do capital humano de que dispunham, único ativo que as
poderia diferenciar da concorrência”.
Assim, as competências foram se tornando essenciais para
determinar que/qual trabalhador poderia dispor do seu conjunto de
habilidades pessoais, instrumentais, organizacionais e de liderança, para
contribuir para com o resultado nas/das organizações. Hoje as
competências laborais se tornaram componente necessário para o
sucesso profissional para que o trabalhador possa “performar”. Como
afirma Neves, Garrido e Simões (2015, p. 19) o emprego de uma
competência no ambiente laboral é a “soma” de “capacidades
individuais num certo domínio do saber, do saber fazer ou do saber ser”.
Competences (inglês): outputs (comportamentos observáveis)
medidos em termos do desempenho profissional do indivíduo.
Competencies: inputs (valores e autoconceitos, motivação) que o
profissional traz para a sua atividade. Almeida e Rebelo (2011, p. 38s)
apresentam as três explicações de Zarifian (2001), em que o mesmo
afirma que por competência entende-se (a) “a tomada de iniciativa e
de responsabilidade do indivíduo sobre situações profissionais com as
quais ele é confrontado”; e ainda que competência é (b) “uma
inteligência prática mobilizada para as situações, que se apoia sobre os
conhecimentos adquiridos e os transforma e por último (c) entende-se
por competência “a faculdade de mobilizar redes de atores em entorno
das mesmas situações, de partilhar esses objetivos e de assumir
domínios de corresponsabilização”. O termo competência é utilizado
pela primeira vez por Richard Boyatzis em 1982 em “The Competent
Manager: a Model for Effective Performance” trazendo como
definição que competência são “[...] as características subjacentes de
um indivíduo de que resulta um desempenho profissional eficaz ou
superior”. Competências Laborais implicam no desempenho excelente
do trabalhador e são, costumeiramente, agrupadas em clusters, que
nada mais são que conjuntos de competências iguais, homogêneas
devido à sua natureza.
Contudo, nos espaços organizacionais, as competências
laborais podem se dividir em genéricas – que são transversais a toda a
organização (se aplicando a todos os trabalhadores), e específicas –
que se somam às genéricas (que se denominam como competências
necessárias e específicas para determinada função). As competências
laborais implicam diretamente na saúde e qualidade de vida no
105
trabalho, pois, à medida que se realiza (por parte do trabalhador), um
trabalho com significado, no qual se dispõe de suas qualidades
individuais para o coletivo (organização), haverá saúde mental, pois o
trabalhador será visto como sujeito de suas ações, protagonista do seu
resultado. Nesse sentido, as organizações precisam possibilitar que
seus funcionários possas desenvolver suas competências através de
programas de capacitação e mesmo de treinamento.
Referências:
ALMEIDA, P. P. de; REBELO, G. A era da competência – um novo
paradigma para a gestão de recursos humanos e o direito do trabalho. 2ª ed.
Lisboa, Portugal: Editora RH, 2011.
CAMARA, P. B. da. Dicionário de Competências. Lisboa, Portugal: Editora
RH, 2017.
FERRY, K. FYI – for your improvement: competencies developmenmt
guide. Korn Ferry, New York, 2014
GRELLIER, C. As competências pessoais e profissionais do gestor. Trad.
de Maria Nóvoa. Lisboa, Portugal: Editorial Presença, 2005.
NEVES, J.G. das; GARRIDO, M.Vaz; SIMÕES, E. Manual de
competências pessoais, interpessoais e instrumentais. 3ª ed., Lisboa,
Portugal: Edições Sílabo, 2015.

COMPETÊNCIAS LABORAIS E SAÚDE MENTAL NO


TRABALHO (2)
Mateus Bender
No mundo do trabalho, competência é a capacidade para
enfrentar e resolver problemas com sucesso em situações de incerteza,
novas ou irregulares. Diferentemente do modelo tradicional de
qualificação, a competência não está ligada diretamente a um posto de
trabalho como fundamento e referência. Zarifian (2001) afirma que a
competência relaciona-se com a capacidade do indivíduo de assumir
iniciativas, estar além do prescrito, compreender e dominar situações
em constante mutação, ser responsável e reconhecido por outros.
Não há unanimidade sobre a definição de competência laboral,
pois o termo é utilizado em diferentes contextos e com vários sentidos.
Barato (1998) identifica duas linhas principais: a Escola Francesa, que
enfatiza a vinculação entre trabalho e educação, considerando as
competências como resultado da educação sistemática e valorizando o
modo como as escolas enriquecem o repertório de habilidades dos alunos;
e a Escola Britânica, que define competências a partir do mercado de
trabalho e enfatiza fatores ou aspectos ligados a descritores de
desempenhos requeridos pelas organizações produtivas, privilegiando os
comportamentos observáveis. Apesar dessas diferenças, ambas

106
consideram competência como capacidade pessoal de articular saberes
com fazeres, característicos de situações concretas de trabalho.
A base da competência laboral é o indivíduo, sua
cognitividade social e pessoal, mas está ligada, também, à cultura
organizacional. Os valores, os circuitos de informações geradas, a
concepção de funções e papéis pertencentes a uma organização podem
favorecer ou dificultar o desenvolvimento de determinadas
competências. Esta depende da rede de relações pessoais e
profissionais do indivíduo. Ela não se reduz apenas ao saber-fazer
individual, o sujeito extrai conhecimentos da relação com o ambiente
laboral o qual está inserido. Assim, no trabalho, a competência está
ligada às trocas comunicacionais dentro do grupo, na medida em que o
saber-fazer dos indivíduos são relacionados.
Do modelo tradicional de qualificação, relacionado diretamente
ao posto de trabalho exercido pelo trabalhador, passou-se a exigir do
trabalhador novas aptidões individuais, sociais e laborais. Ruas,
Antonello e Boff (2005) destacam que o advento da noção
contemporânea de competência está ligada à crescente instabilidade
econômica, baixa previsibilidade do mercado, das relações da empresa
com seus clientes e pela intensificação de estratégias de customização.
Esses fatores levaram a conceber novas formas de organizar o trabalho,
passando de uma disposição do trabalho mais estável e previsível para
outra diferenciada e fluida, onde a previsão tende a ser mais focada no
que se deve obter do trabalho e no seu resultado, do que no processo em
si, naquilo que deve ser exercido na prática.
Através do discurso de que os sujeitos devem ser dotados de
competência interpessoal e de habilidade para lidar com pessoas, a
responsabilidade passa a ser imputada aos indivíduos. O sujeito deve
estar sempre se controlando (o controle é internalizado) para que seus
sentimentos e sua subjetividade não apareçam, deve estar sempre
pronto para satisfazer o cliente, a chefia, a organização. Habitualmente
sobre avaliação, o indivíduo deve se integrar e identificar-se com a
organização, internalizando os valores empresariais, transformando-se
em um ser extremamente disciplinado, acreditando num caminho de
autonomia, sendo responsável por sua carreira, por sua competência,
pelos erros e fracassos organizacionais.
Assim como o comportamento, a carreira, o desempenho, os
erros e as glórias dependem exclusivamente do sujeito, também o
sofrimento e as doenças mentais são tomados como responsabilidade e
culpa única deste mesmo sujeito. A lógica que permeia esse pensamento
está baseada no que Sennet (2004) chamou de “carreiras abertas ao
talento”, em que o julgamento passou a ser relacionado unicamente às

107
aptidões, às competências individuais e à motivação pessoal. Essa ideia
exclui fatores extremamente importantes como o contexto social,
econômico, o ambiente familiar, as diferenças cognitivas entre as pessoas,
entre tantos outros. Assim como a competência e a formação de carreira
passam a ser vistos pelo ambiente coorporativo como responsabilidade
única do sujeito, o sofrimento e a doença também estão relacionados aos
mais frágeis, marcando uma cisão entre os fortes e os fracos, os talentosos
e não talentosos, os potenciais e não potenciais.
Para o indivíduo se inserir nesse exigente contexto laboral, ou
amenizar os problemas de saúde mental, o silêncio e o uso
indiscriminado de medicamentos tornam-se mantras corporativos.
Ainda assim, após a utilização de excitantes ou tranquilizantes com o
objetivo de atingir os objetivos impostos e mostrar sua “excelência”,
muitos trabalhadores não são mais vistos como úteis à organização,
especialmente em razão da própria lógica e mudança organizacional,
tornando-se descartáveis pela “falta de competência” necessária. Deste
modo, além das competências laborais práticas, ou seja, a qualificação
profissional, exige-se do trabalhador uma boa saúde mental, ou melhor,
um alto nível de qualidade de vida cognitiva ou emocional.
Referências
DEJOURS, C., ABDOUCHELI, E., & JAYET, C. (2004). Da psicopatologia
à psicodinâmica do trabalho. In S. Lancman & L. I. Sznelwar
(Orgs.),Christophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho
(pp. 70-75). Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2004.
ENRIQUEZ, E. O indivíduo preso na armadilha da Estrutura
Estratégica. In F. C. P. Motta & M. E. Freitas (Orgs.), Vida psíquica e
organização (pp. 23-40). Rio de Janeiro: FGV, 2006.
RUAS, R. L.; ANTONELLO, C. S.; BOFF, L. H. Aprendizagem
organizacional e competências. Porto Alegrce: Bookman, 2005.
SENNET, R. Respeito: a formação do Caráter coem um mundo desigual. São
Paulo: Record, 2004.
ZARIFIAN, P. Objetivo Competência: por uma nova lógica. São Paulo:
Atlas, 2001.

COMPORTAMENTO CONTRAPRODUCENTE NO
TRABALHO
Maria Aparecida Balduíno Canale; Maria Elisa de Lacerda Faria;
Sylvio Takayoshi Barbosa Tutya
O comportamento contraproducente no trabalho (CCT) é uma
temática relevante para o contexto organizacional, e de interesse para
administradores, psicólogos, pesquisadores e profissionais de um
modo geral que buscam entender o comportamento nas organizações.
Conforme Guimarães, Stephanini, Barros, Gomes e Sebastião
(2008) o CCT é uma manifestação comum nas organizações que
108
impactam de forma negativa na produtividade. O resultado do trabalho
não se apresenta como o esperado, e sim de forma oposta, o que gera
um desempenho não satisfatório.
Os CCTs se caracterizam por emoções destrutivas que se dão nos
ambientes de trabalho como: agressão, conflito interpessoal, sabotagem,
roubo entre outros. Considera-se comportamentos que possuem uma
forma autodestrutiva, como baixo desempenho, absenteísmo,
insatisfação, uso e abuso de álcool, drogas ilícitas e lícitas, podendo haver
como uso abusivo de remédios, sabotagem, fraudes, assédio, corrupção e
até mesmo formas de terrorismo, sendo de motivações internas e externas
(RAMAN, SAMBASIVAN, KUMAR, 2016).
No ambiente de trabalho o comportamento contraproducente
promove prejuízos tanto para as organizações, quanto para os
indivíduos funcionários de maneira geral. São comportamentos que
vão de encontro com os valores, ideais, regras, entre outras realidades,
da organização, podendo ser intencionais ou não.
Os motivos que levam funcionários a terem ou desenvolverem
CCTs são os mais diversos, podendo ser decorrentes de uma
transferência, demissão de um colega, pressões exacerbadas,
mudanças de gestão, com caráter organizacional ou individual
(RAMAN, SAMBASIVAN, KUMAR, 2016).
Os CCTs podem levar a evitação de tarefas no ambiente de
trabalho, sabotagem, agressões, roubos e até mesmo realização de
tarefas de maneira incorreta. Conforme Guimarães, Stephanini, Barros,
Gomes e Sebastião (2008) as emoções em um ambiente de trabalho
cumprem um importante papel, atuam como resposta imediata aos
problemas considerados estressantes. Dessa forma são os motivos para
determinados comportamentos que levam a mudança psicológica.
Os Comportamentos Contraproducentes no Trabalho também
podem ser conhecidos como comportamentos disfuncionais, negativos,
desviantes ou retaliatórios e podem acontecer de diversas formas. Esses
comportamentos podem acontecer de duas maneiras; no âmbito vertical
que ocorre através de chefias, que por suas atribuições influenciam todo
um segmento da empresa, ou no âmbito individual que se caracteriza
por processos individuais sabotadores e de mal comportamento.
É possível que os comportamentos contraproducentes no
trabalho envolvam não só os indivíduos da organização, mas também
terceirizados como clientes e fornecedores. Uma vez que esses
comportamentos interferem de maneira geral do desenvolvimento
promissor da organização.
Hershcovis, Turner, Barling, Arnold, Dupre e Innes (2007)
demonstraram a importância tanto de características individuais quanto
situacionais para a ocorrência de comportamentos agressivos no
109
trabalho. De modo geral o CCT está intimamente ligado a
personalidade dos indivíduos, por isso a empresa pode encontrar maior
dificuldade de se perceber e avaliar os casos de CCT, pois é necessário
avaliar os casos individualmente e, ainda assim, certos comportamentos
podem passar despercebidos (CHERNYAK-HAI, TZINER, 2014).
Para Maia e Bastos (2011) os comportamentos negligentes
podem sofrer influência de atributos pessoais dos atores
organizacionais ou ocorrer, de maneira explícita ou sutil, em resposta
a um estado de insatisfação no trabalho, contra a organização ou
pessoas que dela fazem parte.
É valido pensar que nem sempre o CCTs possuem aspectos ruins
e negativos, podendo gerar algumas situações positivas. Essas situações
positivas geradas pelo CCT são os chamados desvios construtivos.
O desvio construtivo se divide em dois, o, “desvio construtivo
interpessoal”, que geralmente se dirige a pessoas como gestores cujas
responsabilidades são para melhorias de processos organizacionais, e
“desvio construtivo organizacional”, que é direcionado à organização,
ajudando a encontrar maneiras criativas de resolver problemas
organizacionais (CHERNYAK-HAI, TZINER, 2014; RAMAN,
SAMBASIVAN, KUMAR, 2016).
Considera-se, assim, que as organizações podem propiciar, por
meio de suas políticas, propostas para minimizar os impactos do CCT
e aplicar práticas de gestão organizacional que avaliem os efeitos
emocionais e observem os sentimentos de seus funcionários.
Referências
CHERNYAK-HAI, L; TZINER, A. Relationships between counterproductive work
behavior, perceived justice and climate, occupational status, and leader-member
exchange. Rev. psicol. trab. organ., Madrid, v. 30, n. 1, pp. 1-12, abr. 2014.
Disponível em: http://scielo.isciii.es/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1576-
59622014000100001&lng=es&nrm=iso. Acesso em: 20 mar 2019.
GUIMARÃES, L. A. M.; STEPHANINI, I.C.; BARROS, N.H.S.;
Comportamento Contraproducente no Trabalho. IN GUIMARÃES, L. A. M.;
GRUBITS, S. (orgs). Série Saúde Mental e Trabalho. Volume IV. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 2008. HERSHCOVIS, M. S., TURNER, N.,
BARLING, J., ARNOLD, K., DUPRE, K. E., & INNES, M. Predicting workplace
aggression: a meta-analysis. Journal of Applied Psychology, 92(1), 228–238, 2007.
AIA, L. G., & BASTOS, A. V. B. Comprometimento calculativo e
retaliação: visão integrada dos conceitos em uma organização pública, 2011.
RAMAN, P; SAMBASIVAN, Mi; KUMAR, N. Counterproductive work
behavior among frontline government employees: role of personality, emotional
intelligence, affectivity, emotional labor, and emotional exhaustion. Rev. psicol.
trab. organ., Madrid, v. 32, n. 1, p. 25-37, abr. 2016 . Disponível em:
http://scielo.isciii.es/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1576-59622016000100
004&lng=es&nrm=iso. Acesso em 20 mar 2019.

110
COMPORTAMENTO NO TRABALHO
Helen Paola Vieira Bueno
Comportamento pode ser definido como as reações dos
indivíduos e as respostas que estes apresentam a dado estímulo, sendo
determinados pelo conjunto de características ambientais (adquiridas)
e hereditárias (genéticas), com absorção das pressões exercidas pelo
meio ambiente (KANAANE, 1999, p. 81).
O comportamento no trabalho são as ações de indivíduos e
grupos em um contexto organizacional. As pessoas representam o
alicerce das vantagens competitivas de uma organização, dessa forma,
se forem organizadas e administradas de maneira eficaz, conduzem ao
conhecimento, as competências e a uma vantagem competitiva
sustentável e a um sucesso financeiro de longo prazo (HITT,
MILLER; COLELLA, 2007).
Robbins (2005) enfatiza que, na prática, as organizações já
haviam compreendido a importância do comportamento no trabalho nas
organizações, porém, até o final da década de 1980, as escolas de gestão
enfatizavam apenas aspectos técnicos como economia, contabilidade,
finanças e métodos quantitativos. Temas como comportamento no
trabalho, comportamento humano nas organizações e habilidades
interpessoais não recebiam a atenção devida nos cursos de formação.
Na atualidade, os cursos de formação, as pesquisas, e o
material didático produzido na área da Administração, porém,
começaram a dar ênfase sobre a importância do comportamento
humano no trabalho, a Administração Geral percebeu que não existe
mais um modelo único e eficaz de gestão, por conta das culturas
diferenciadas e, principalmente, por causa das características próprias
que diferenciam cada organização e cada indivíduo. Dando ênfase ao
reconhecimento do comportamento no trabalho dentro das
organizações, elas admitem a importância das habilidades
interpessoais, o que pode ser relacionado ao fato de conseguirem reter
funcionários com alto nível de desempenho. Independentemente do
mercado de trabalho, funcionários com alto desempenho ou que se
destacam estarão sempre em falta (ROBBINS, 2005).
O comportamento no trabalho depende das diversidades
individuais, das diferenças, tão significativas para a compreensão do
comportamento humano. A Psicologia afirma que comportamento é
uma função da interação da pessoa com seu ambiente, C=f (P x A),
onde C é o comportamento; P é a pessoa e A o ambiente. Segundo
Dubrin (2003), são oito consequências de diferenças individuais que
têm impacto sobre a administração de pessoas: 1) Produtividade; 2)
Habilidade e talento; 3) Alta performance ou qualidade; 4)
Capacidade de envolvimento; 5) Estilo de liderança que necessitam;
111
6) Necessidade de contato com outras pessoas; 7) Comprometimento e
lealdade à empresa; 8) Autoestima.
Os comportamentos desejáveis no trabalho podem ser
divididos em fatores individuais, interpessoais e organizacionais, e
determinam o comportamento no trabalho e o principal valor das
pessoas dentro da organização. Os comportamentos desejáveis no
trabalho. no nível individual, são: capacidade de aprender, capacidade
de se autoadministrar, habilidades técnicas, características de
personalidade e valores pessoais. No nível interpessoal, fatores como
qualidade na liderança, comunicação dentro dos grupos e entre grupos
são importantes e, em nível organizacional, valorizar critérios como
reconhecer a cultura e as políticas da organização estão entre os
fatores mais desejáveis do comportamento no trabalho nas
organizações (HITT, MILLER; COLELLA, 2007).
Segundo Chiavenato (2000), o comportamento humano pode
ser explicado por meio do ciclo motivacional, isto é, o processo pelo
qual as necessidades condicionam o comportamento humano. A
motivação funciona como um instrumento que o impulsiona. Para
entendê-lo, é preciso conhecer o que o provoca. O sistema cognitivo
de cada indivíduo inclui os seus valores pessoais e é influenciado pelo
seu ambiente físico e social, por sua estrutura fisiológica, seus
processos fisiológicos e suas necessidades e experiências anteriores.
Assim, todos os atos do indivíduo são guiados por sua cognição – pelo
que sente, pensa e acredita.
Referências
CHIAVENATO, I. Administração: teoria, processo e prática. 2ª Ed., São
Paulo: Makron Books, 2000.
DUBRIN, A. J. Fundamentos do comportamento organizacional. São
Paulo, Editora Afiliada, 2003.
HITT, M. A.; MILLER, C. C.; COLELLA, A. Comportamento
organizacional: uma abordagem estratégica. Rio de Janeiro: LTC, 2007.
KANAANE, R. O comportamento humano nas organizações: o homem
rumo ao século XXI. 2ª Edição, São Paulo: Editora Atlas, 1999.
ROBBINS, S. P. Comportamento organizacional. São Paulo: Pearson
Prentice Hall, 2005.

COMPORTAMENTO PROATIVO NO TRABALHO


Eduardo Espíndola Fontoura Junior; Flaviany Aparecida Piccoli
Fontoura; Maria Elisa de Lacerda Faria
Desde a década de 1970, a proatividade merece atenção
enquanto objeto de estudo, atualmente, a discussão a respeito do tema
renasceu. Seu conceito apresenta certa complexidade, obstaculizando
a estruturação do campo, pois é usado por pesquisadores das
112
diferentes áreas do saber em diversas definições e abordagens, em
especial na Saúde Mental e Trabalho.
A proatividade no trabalho, refere-se ao comportamento de
assumir uma postura de iniciativa a fim de transformar as
circunstâncias necessárias no trabalho; está ligada ao enfrentamento
da condição em que o trabalhador se encontra, ser proativo é prever,
se antecipar a uma situação e, antes que aconteça algo, agir ao invés
de acomodar-se passivamente diante dos acontecimentos, em especial
no ambiente laboral (CRANT, 2000).
Essa postura, adotada pelo indivíduo, configura-se como algo
que se faz sem uma solicitação da função exercida ou sem uma “ordem
de serviço”, portanto, pode-se considerar uma forma de iniciativa
pessoal, então, ser proativo significa se antecipar aos problemas que
porventura venham a surgir, observar as oportunidades e manter o foco
em todas as etapas do processo de trabalho, em especial, no referente ao
futuro. Os trabalhadores com essas características proativas costumam
ser focados na ação, em assumir o comando, ser persistentes,
concentrados em aprimorar o trabalho executado e, quando necessário,
superar obstáculos, principalmente no tocante a realização de mudanças
(PARKER; WILLIAMS; TURNER, 2006).
Com o passar do tempo, outros conceitos foram agregados e
relacionados a temática, estes descrevem que o comportamento proativo
no trabalho (CPT) é característico de pessoas que revisam as suas
tarefas, fazem a inovação de papéis, buscam espaço para ter voz na
empresa e têm um comportamento transcendente, que é aquele que vai
além das expectativas, que atualmente podemos chamar de perspicaz.
Consequentemente, pessoas com esse perfil profissional vão além dos
conceitos teóricos impostos ao assumir uma determinada tarefa ou
objetivo, a ação ocorre por meio dos “conceitos de desempenho ativo”,
que implicam no ato de ir além das tarefas designadas, desenvolver seus
próprios objetivos e adotar uma perspectiva de longo prazo para
problemas. Porém, aos workaholic, é necessário fazer um alerta, para
que o trabalhador com esse perfil possa refletir a respeito de sua
atividade laboral, no sentido de manter a sua Saúde Mental no Trabalho.
O CPT, também descrito na literatura como comportamento
producente no trabalho, envolve diversos fatores, entre eles a habilidade
necessária para realizar as atividades de maneira eficiente,
demonstrando habilidade, motivação e satisfação. Ressalta-se que o
ambiente de trabalho também contribui para o comportamento proativo.
O investimento na autonomia, na gestão, nas relações, no
reconhecimento, na confiança no ambiente de trabalho, colabora para a
melhoria da qualidade de vida na organização e resulta na oferta de
113
suporte para que os trabalhadores, cada vez mais, desenvolvam
comportamentos proativos.
Para França (2004, p. 44) a produtividade pode ser definida
como “o grau de aproveitamento dos meios utilizados para produzir
bens e serviços”. Ou seja, se apossar do máximo de recursos que a
organização pode oferecer para atingir um resultado mais eficiente.
Delinear práticas com foco na cultura e no desenvolvimento
do ambiente organizacional é criar espaços para o desenvolvimento de
comportamentos proativos e acreditar que os trabalhadores por si só
podem desenvolver esta característica. As organizações buscam
produzir cada vez mais, no entanto há necessidade de se investir nas
pessoas. França (2004) aponta que o principal obstáculo é reconstruir
o ambiente de trabalho com bem-estar, embora seja um local
competitivo, altamente tecnológico e de alta produtividade, possa se
garantir ritmos e condições ecologicamente corretas.
Ainda para França (2004, p. 45), “a condição básica para o
ambiente produtivo da empresa é criar modelos efetivos de Qualidade
de Vida no Trabalho aderentes a ambientes altamente competitivos”.
A partir disso, a produtividade e o CPT relacionam-se diretamente
com um modelo de gestão mais eficiente, processos de trabalhos, entre
outros. Podemos pensar que o comportamento proativo no ambiente
de trabalho está ligado de maneira direta e positiva com a Qualidade
de Vida no Trabalho.
Em estudo realizado pela Universidade de Waterloo, no
Canadá, o professor de Psicologia, Dr. Douglas J. Brown e sua equipe
pesquisaram a personalidade proativa de recém formados e
descobriram que graduados com alta classificação em personalidade
proativa tendem a ser fortes em autoeficácia, que é a crença de que
alguém pode influenciar ativamente o ambiente e as ações pessoais.
Aqueles com mais autoeficácia procuraram com frequência por
empregos, prepararam-se melhor para as entrevistas e foram mais
solicitados para estas (BROWN et al., 2006).
Por fim, considera-se relevante tecer alguns atributos, que podem
ser “apreendidos” pelo trabalhador, esses são considerados primordiais
para obter-se uma performance avançada na antecipação dos problemas
provenientes de sua empresa, são eles: 1) Conhecer a cultura
organizacional da instituição na qual trabalha; 2) Dedicação a sua
carreira; 3) Valorização e atualização do seu conhecimento profissional;
4) Flexibilidade diante das novidades; 5) Foco nas tarefas do dia a dia; 6)
Planejamento e previsão de eventos futuros (PRESTON, 2016).

114
Referências
BROWN, D. J.; COBER, R. T.; KANE, K.; LEVY, P. E.; SHALHOOP, J.
Proactive personality and the successful job search: A field investigation with
college graduates. Journal of Applied Psychology, Washington, v. 91, n.3, pp.
717-726, 2006. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/16737367/
Acesso em: 20 mar. 2019.
CRANT, J. M. Proactive behavior in organizations. Journal of
Management, v. 26, n.3, pp. 435-462, 2002.
FRANÇA, A. C. L. Qualidade de Vida no trabalho: conceitos e práticas
nas empresas da sociedade pós-industrial. São Paulo: Atlas, 2004.
PARKER, S. K.; WILLIAMS, H. M.; TURNER, N. Modeling the antecedents of
proactive behavior at work. Journal of Applied Psychology, Washington, v. 91,
n. 3, p. 636–652, 2006. Disponível em: https://research-
repository.uwa.edu.au/en/publications/modeling-the-antecedents-of-proactive-
behavior-at-work. Acesso em: 10 março 2019.
PRESTON NI, M. S. B. A. 10 Tips to Change From Reactive to Proactive in
Situations. In: PRESTON NI, M. S. B. A. How to Reduce Anxiety and
Increase Certainty in Difficult Situations. Editora: Preston Ni
Communication Coaching Silicon. Valley, California, 2016. pp. 05-30.

CONDIÇÕES DE TRABALHO: IMPACTOS NA SAÚDE


MENTAL DOS TRABALHADORES
Maria Teresa Pires Costa
O trabalho humano implica em realização de esforço para
satisfazer necessidades, produzir bens e serviços. Trabalhar é um ato
voluntário e fenômeno social diretamente relacionado às condições de
trabalho. Podemos conceituar condições de trabalho como tudo o que
se relaciona com a atividade laboral e seu entorno, incluindo nesta
definição o meio material necessário para trabalhar e as condições
imateriais implicadas, como as relações sociais decorrentes do
trabalho (RAMOS; PEIRÓ; RIPOLL, 2002; PRIETO, 1994).
Várias taxonomias organizam didaticamente as condições
laborais evidenciando as condições materiais, a organização do
processo de trabalho, as relações entre os diversos atores, incluindo
ainda a existência do vínculo do trabalhador com seu trabalho
apontando para o impacto na saúde do trabalhador (BLANCH, 2003;
BORGES et al., 2015).
Importa dizer que os transtornos mentais respondem por
aproximadamente 40% das doenças no trabalho. Porém, há
dificuldade em realizar-se o nexo adequado entre este tipo de
adoecimento e as condições laborais (SILVA; BERNARDO e
SOUZA, 2016), o que torna as taxonomias e os modelos de
investigação da saúde mental importantes, posto que apresentam
meios de elucidar essa relação.

115
Um modelo de avaliação da saúde mental no trabalho foi
desenvolvido por Costa (2012). Este modelo, denominado como Modelo
Compreensivo da Saúde Psíquica no trabalho parte de uma concepção
socio-histórica e psicossociológica de que existem relações dialéticas
entre o trabalhador, seu trabalho e o contexto sociolaboral; que o trabalho
produz alterações psíquicas que impactam a saúde dos trabalhadores; que
o ambiente laboral é também relacional, político e social. Costa (2012)
propõe que, para avaliar a saúde psíquica no trabalho, é necessário
conhecer as características individuais dos trabalhadores; as significações
coletivas e formas de luta da categoria laboral a qual pertence; as
condições de trabalho; a oferta de serviços de saúde.
As características individuais dos trabalhadores, que no modelo
apresentado por Costa (2012) são dadas pela personalidade e aspectos da
subjetividade, implicam em como um trabalhador reage ao seu meio, em
dado momento. A avaliação desta dimensão do modelo consiste na
investigação da integridade do funcionamento psíquico do trabalhador e
no uso das competências socioemocionais, desenvolvidas ao longo da
vida. Também são investigadas possíveis fragilidades, sejam elas
decorrentes da genética, ou adquiridas na relação com o meio. É
avaliação de uma dimensão individual da saúde psíquica.
As significações coletivas e formas de lutas revelam como os
trabalhadores, em um mesmo ambiente laboral e dentro de grupos
ocupacionais, se organizam e mobilizam coletivamente em razão de sua
práxis, seja espontaneamente ou em sindicatos e associações, com suas
pautas de negociação. Considerando que indivíduos encontram nos
grupos suporte social e referências comportamentais, a avaliação desta
dimensão permite compreender o quanto o trabalho, como ato coletivo,
social e político, produtor de significados para os indivíduos, contribui
para que o trabalhador permaneça saudável, ou, ao contrário, adoeça a
partir das crenças e comportamentos estabelecidos no ambiente laboral.
As condições de trabalho revelam o que os trabalhadores pensam
do seu exercício laboral. Por esse prisma são avaliadas as condições
contratuais e jurídicas que vinculam o trabalhador ao seu posto, com seus
direitos e proteções legais, seus deveres a cumprir; as condições físicas e
materiais de trabalho que contemplam o risco de adoecimento; os
processos e características da atividade que representam como o
trabalhador exerce seu trabalho, incluindo a organização do espaço de
trabalho, prazos e distribuição das metas; o ambiente sociogerencial que é
o ambiente das relações de trabalho que comportam aspectos como
percepção de exposição à pressão, violência, e outros. A avaliação da
dimensão ‘condições de trabalho’ permite compreender como o
trabalhador percebe diversos aspectos, diretamente relacionados ao
exercício laboral, que possuem impactos na saúde mental.
116
Por último, no modelo apresentado por Costa (2012), é avaliada a
oferta de serviços de saúde. As informações sobre a oferta são
importantes para compreender se há serviços de saúde disponíveis para
vigiar, proteger, promover e reduzir a morbimortalidade pelo
adoecimento psíquico no trabalho. Isto não significa necessariamente que
uma empresa disporá de todos os recursos necessários para atender ao
trabalhador. Importa avaliar se este indivíduo tem acesso às informações
necessárias para cuidar da sua saúde e o apoio institucional para tanto,
quando necessário.
Retomando o impacto das condições de trabalho na saúde
mental dos trabalhadores, se um indivíduo, possuidor ou não de uma
fragilidade, encontra um ambiente com condições laborais adequadas
em seus aspectos contratuais e jurídicos, físicos e materiais, da
organização do processo de trabalho e onde há um esforço gerencial
para que boas relações de trabalho se estabeleçam, provavelmente não
adoecerá ou se isto acontecer encontrará um ambiente facilitador de
sua recuperação. Se o oposto ocorre, ou seja, se há precariedade de
vínculo, sonegação de direitos, exposição a riscos, organização do
trabalho que leve a sobrecarga maior que a capacidade do trabalhador,
cultura organizacional que aceite o estabelecimento de relações
conflituosas, o trabalhador terá prejuízos em sua saúde mental, mesmo
que não haja predisposição individual para o adoecimento.
Referências
BLANCH, J. M. Condiciones de Trabajo. In: BLANCH, J. M.; ESPUNY, M.
J.; GALA, C.; MARTÍN, A. (Org.). Teoría de las relaciones laborales.
Fundamentos (pp. 42-44). Barcelona: Editorial UOC, 2003.
BORGES, L. O. et al. Condições de trabalho. In: BENDASSOLLI, P. F.;
BORGESANDRADE, J. E. (Org.). Dicionário Brasileiro de Psicologia do
Trabalho e das Organizações. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2015.
COSTA, M. T. P. Avaliação da saúde psíquica e condição de trabalho dos
profissionais de saúde nos hospitais da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Tese (Doutorado em Psicologia) Natal, 2012. Disponível
em: https://repositorio.ufrn.br/. Acesso em: 03 mar. 2019.
RAMOS, J.; PEIRÓ, J. M.; RIPOLL, P. Condiciones de trabajo y clima
organizacional. In: PEIRÓ, J. M.; PRIETO, F. (Orgs.), Tratado de
psicología del trabajo: la actividad laboral en su contexto (pp. 37-92).
Madrid: Síntesis Psicología, 2002.
SILVA, M. P. da; BERNARDO, M. H.; SOUZA, H.A. Relação entre saúde mental e
trabalho: a concepção de sindicalistas e possíveis formas de enfrentamento. Rev. bras.
saúde ocup., São Paulo, v. 41, e23, 2016 . Disponível em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0303-76572016000100214
&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 10 mar. 2019. Epub 12-Dez-2016.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-6369000003416.

117
CONDIÇÕES DE TRABALHO: REPERCUSSÕES NA SAÚDE
PSÍQUICA DOS TRABALHADORES
Carlos Roberto Campos
Trabalhar é preencher a lacuna existente entre o prescrito e o efetivo. [...] o
trabalho se define como aquilo que o sujeito deve acrescentar às
prescrições para atingir os objetivos que lhe são confiados; ou ainda o que
ele deve dar de si mesmo para fazer frente ao que não funciona quando ele
segue escrupulosamente a execução das prescrições (DEJOURS, 2012).

O trabalho tem sido abordado e discutido por diferentes visões


e correntes, mas é um tema relevante de investigação, pois ele tem um
significado fundamental para o ser humano em relação a sua
autorrealização, além de servir como contribuição para o
desenvolvimento de sua identidade e consequente manutenção da sua
vida, tanto individual como coletiva.
O trabalho humano é uma atividade complexa, multifacetada,
polissêmica, que não apenas permite, mas exige diferentes olhares para
sua compreensão. Por esta razão, pode ter significados para o
trabalhador de formas diversas, dependendo da sua inserção no
ambiente construído do trabalho (sistemas sociotécnicos que mobilizam
pessoas, tecnologias e tipos de organização). Os trabalhadores
dependem das Condições de Trabalho para terem dignidade com bem
estar físico e mental.
Ao analisar o ambiente construído do trabalho, objetiva-se
evidenciar as interações entre os seus diferentes componentes,
colocando em um mesmo plano, perfil de organização do trabalho,
constrangimento de tempo, cumprimento de metas, atividade
cognitiva, carga física e mental de trabalho, o presenteísmo,
dimensões físicas com iluminação, temperatura ambiente, níveis de
pressão sonora, riscos biológicos e químicos, entre outros.
Em verdade, sempre haverá uma lacuna entre o prescrito e a
realidade concreta da situação. Este hiato entre o prescrito e o
efetivo encontra-se em todos os níveis da análise entre tarefa e
atividade (DEJOURS, 2012).
O presenteísmo é um problema organizacional, pois o
colaborador está doente, física e/ou psiquicamente, mas presente
fisicamente no trabalho, o que obviamente poderá afetar a produtividade
da empresa e, o pior, poderá agravar a sua saúde física e psíquica.
As organizações têm proporcionado gestões de redução de
custos e aumento de produtividade, com introdução de formas de gestão
que têm provocado impactos desastrosos para a saúde física e psíquica
dos trabalhadores, em função da intensificação do trabalho, aumento da
118
jornada de trabalho, empregos temporários, subempregos, desempregos,
terceirização, polivalência, enfim, havendo a flexibilização e
precarização das relações e dos contratos de trabalho e impactos nas
legislações sociais com perda de direitos sociais, redução da proteção
social, políticas focalizadas (PEREIRA, 2014).
A prática do trabalho em turnos fixos e de revezamento tem
repercussões negativas na saúde psíquica do trabalhador, em razão da
alternância frequente de seu ciclo circadiano, com cansaços
constantes, desorganização na convivência familiar e atividades
sociais, nervosismo, estresse, entre outros sintomas, com consequentes
desgastes físicos e mentais.
Condições de trabalho que contenham riscos psicossociais,
podem provocar excessiva Carga Física e Mental do Trabalho ligados
à Organização do Trabalho, como 1) a Demanda, o Conteúdo e o
Controle sobre as tarefas e atividades; 2) Autonomia Temporal; 3)
Definição do Papel do Trabalhador na empresa; 4) o Interesse pelo
Trabalhador; 5) Relações Interpessoais; 6) Percepção do Turno.
Ainda contribuem para o cenário de agravamento do
adoecimento mental no âmbito do trabalho as situações de banalização
da violência, como o assédio moral e sexual institucionalizados, as
relações interpessoais norteadas por autoritarismo e competitividade, a
demanda constante por produtividade e a desvalorização das
potencialidades e subjetividades dos trabalhadores.
Divulgação recente (ANAMT, 2019), afirma que os
transtornos mentais e comportamentais são a terceira causa de
incapacidade para o trabalho no Brasil, correspondendo a 9% da
concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, de acordo
com 1º Boletim Quadrimestral sobre Benefícios por Incapacidade
(Secretaria de Previdência/Ministério da Fazenda/2017).
Divulga ainda que o episódio depressivo é a principal causa de
pagamento de auxílio-doença não relacionado a acidentes de trabalho,
correspondendo a 30,67% do total, seguido de outros transtornos
ansiosos (17,9%). Reações ao “estresse” grave e transtornos de
adaptação, episódios depressivos e outros transtornos ansiosos
causaram 79% dos afastamentos no período de 2012 a 2016. Até
2020, a expectativa é de que a doença passe a figurar no topo da lista.
Segundo a OIT, na Europa, o estresse ocupa a segunda posição
entre os problemas de saúde relacionados ao trabalho, afetando cerca de
40 milhões de pessoas, sendo que 50 e 60% de todos os dias de trabalho
perdidos no continente estariam ligados a esta condição.
Avanços tecnológicos têm influído de forma decisiva na
diminuição da carga física do trabalho e aumentando a carga mental e
119
suas consequências negativas, em função da gestão organizacional,
tipos das tarefas, inovações tecnológicas, ritmos de trabalho, o tempo
e os processos cognitivos para a execução das tarefas. Necessário,
então, o entendimento sobre a psicodinâmica do trabalho para situar
os profissionais ligados a medicina do trabalho, ergonomia e outros
profissionais que lidam com a gestão do trabalho, no intuito de atentar
sobre repercussões na saúde psíquica dos trabalhadores motivadas
pelas condições de trabalho.
Referências
ANAMT. Notícias Saúde no trabalho. Isma: crise do mercado de trabalho
afeta a saúde dos brasileiros. 16 de abril de 2019. Saúde no trabalho.
Disponível em: www.anamt.org.br. Acesso em 20 nov.2020.
DEJOURS, C. Trabalho Vivo 1: Sexualidade e Trabalho. Brasília: Paralelo
15, 2012. p. 38.
DEJOURS, C. Trabalho Vivo 2: Trabalho e emancipação. Brasília: Paralelo
15, 2012. p. 24.
PEREIRA, M.C. de C. O trabalho no século XXI e sua relação com o agravo
à saúde dos trabalhadores. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN
1984-2147, Florianópolis, v.6, n.13, p.160, 2014.

CONFLITO DE VALORES E IMPACTOS NA SAÚDE MENTAL


NO TRABALHO
Daniele Almeida Duarte
O ato de trabalhar evoca um campo social, relacional e
intersubjetivo. Envolve interação social e não somente uma atividade
de execução técnica. A atividade produtiva requer o exercício
contínuo de convivência e um viver comum submetido às regras de
sociabilidade e cooperação entre trabalhadores/as e instituição. Desse
encontro entre sujeito e cenário de trabalho é principiado um embate
entre sistemas de significação que se expressam em distintos modos
de ser, trabalhar e viver manifestados na diversidade de crenças,
valores, princípios, desejos, condutas e exigências. De um lado está o
sujeito imbuído de seus ideários e do outro lado está a organização de
trabalho, integrante de um campo institucional que preconiza papéis,
regras, relações e processos de trabalho específicos com os quais o/a
trabalhador/a se defrontará.
Serão os fatores psicossociais – oriundos da interação entre
ambiente de trabalho, conteúdo da tarefa e condições organizacionais
– ao interagirem com os princípios morais e éticos do/a trabalhador/a
(características individuais), que desencadearão efeitos sobre o
desempenho no trabalho, a satisfação, a realização e o reconhecimento
laboral. Desta interação entre distintos sistemas de valores será

120
experienciada no corpo, nos afetos e na subjetividade uma gama de
prazer e sofrimento (ILO, 1986).
Havendo divergências irreconciliáveis e não negociáveis onde
predomina uma relação unilateral de manutenção de valores – por
meio das relações de poder veiculadas por modos específicos de
gerenciamento – travando a relação entre sujeito e organização de
trabalho, serão requeridas condutas dos/as trabalhadores/as que
poderão entrar em choque com seu posicionamento moral e ético.
Esses conflitos que não encontram caminhos satisfatórios de resolução
entre sujeito e organização de trabalho impelirão o/a trabalhador/a a
assumir posicionamentos e condutas divergentes dos seus. Nesse jogo
a dimensão do sofrimento que compõe o mal-estar no trabalho é o
sofrimento ético, que consiste em atos realizados pelo sujeito e
constrangimentos padecidos no trabalho que são incoerentes com seus
valores e princípios – assolando o senso moral e ético que orienta seu
bem-viver e constitui seus juízos do que seja justo e iníquo
(DEJOURS, 2006; LA TAILLE, 2016).
Nos novos modos de gestão das organizações, orientados pelo
poder gerencialista, tem-se pronunciado um sofrer oriundo do conflito
de valores, ensejando sujeitos coadunados com os ideais da organização
em detrimento dos seus. São engendradas exigências constantes e
ascendentes, produtoras de humilhações e temores do sujeito não
satisfazer as imposições de altas performances, incluindo a sua
cominação ao campo ideológico da organização (DEJOURS, 2006).
Compreender esse sofrimento em sua dimensão subjetiva e
social, identificando e contextualizando-o, é fundamental não somente
para acolher o/a trabalhador/a, mas intervir na reconstrução da
organização do trabalho. A excelência da performance gera uma
dissimulação do próprio sofrimento e dos conflitos de valores que
podem se manifestar em adoecimento, como também em silenciamento,
medo e vergonha de revelar as origens deste, sob ameaça de ser
demitido ou rebaixado. Esse aviltamento do/a trabalhador/a tem
tornado-o conivente e participante de atos contrários aos seus ideais,
convertendo o mal em banalização e seu mal-estar em repúdio – o que
gera um ciclo repetitivo de uma condição sofrida ou infligida a outrem.
Isso se dá porque nessa lógica organizacional são legitimadas práticas
de gestão que prescrevem relações de sucesso e fracasso laboral onde o
sujeito é impulsionado a cometer atos que contrariam sua matriz moral
e ética. Essa lógica mantém-se porque a reciprocidade entre o coletivo
de trabalho desfaz-se, o sofrimento do outro é desligado e o
individualismo marcado pela intensa competitividade triunfa em meio a
instabilidade laboral (DEJOURS, 1992; 2006; LA TAILLE, 2016).

121
Os sujeitos submetidos a essas novas formas de dominação
mediante a manipulação gerencialista, cujas ameaças geram medo da
exclusão no universo de trabalho ou mais precarização em seu próprio
trabalho e relações, insere os/as trabalhadores/as em um rebuscado
processo de subjugação e exploração, produzindo condutas de
obediência, submissão e resignação. Há uma corrosão do caráter
determinada pela depreciação da dimensão ética nas situações de
trabalho que, por sua vez, estão compostas pela crescente violência no
contexto do trabalho – reiterando uma violência social e conjuntural
no horizonte do neoliberalismo político e econômico (DEJOURS,
2006; SENNETT, 2008).
Nessa perspectiva, os conflitos de valores, ao se dimensionar as
oposições, hegemonias e seus desdobramentos, podem ser indicativos de
modos de exploração e violência sobre o/a trabalhador/a, constituindo-se
fator de risco (com destaque para os fatores psicossociais), degradação
das relações sociais e intersubjetivas e apagamento ético. Essas condutas
iníquas, ao se generalizarem nos novos métodos de administração e
gerencialismo empresariais, fundadas em uma racionalidade estratégica,
podem levar a uma prática de injustiça entre os pares, assumindo formas
banalizadas de violência no cotidiano laboral manifestadas em assédios,
em sofrimentos mal caracterizados, marcados por constrangimentos,
humilhações, discriminações e psicopatologias associadas ao
esgotamento, desalento, desamparo e morte, como os suicídios nos
locais de trabalho.
Referências
DEJOURS, C. A banalização da injustiça social. 7. ed. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2006.
DEJOURS, C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho.
5 ed. São Paulo: Cortez – Oboré, 1992.
ILO. International Labour Organisation. Psychosocial factors at work:
recognition and control. Report of the Joint ILO/WHO Committee on
Occupational Health. Ninth Session, Geneva 4. Geneva; 1986.
LA TAILLE, Y. Moral e ética no mundo contemporâneo. Revista USP, São
Paulo, n. 110, p. 29-42, jul-set. 2016.
SENNETT, R. A corrosão do caráter: as consequências pessoais do
trabalho no novo capitalismo. 13. ed. Rio de Janeiro: Record, 2008.

CONFLITO FAMÍLIA-TRABALHO
Marianne Ramos Feijó
É um conflito por sobreposição de demandas familiares e de
trabalho, que implica em dificuldades para o exercício de papéis
sociais relevantes para a vida adulta, tais como os papéis de integrante
de uma família e de trabalhador/a. Pressões e cobranças no trabalho

122
podem influenciar negativamente as relações familiares e, da mesma
forma, sobrecarga na família pode afetar a atividade laboral, o que
significa que há recursiva relação entre aspectos laborais e familiares e
que, em alguns casos há predominância de fatores estressores no
trabalho ou na família, o que para alguns autores, se intitula conflito
trabalho-família ou conflito família-trabalho, respectivamente.
Adota-se o termo Conflito Família-Trabalho, tanto para as
tensões com maior intensidade por questões de trabalho, como aquelas
agravadas por certas condições de vida familiar, uma vez que um
olhar complexo demanda a compreensão de relações, contextos e
processos interconectados, que envolvem fenômenos humanos e
sociais, como os conflitos.
Para além dos âmbitos domésticos e laborais, a influência
recíproca entre relações e qualidade de vida no trabalho e relações
familiares e condições de vida doméstica, depende também dos
múltiplos contextos de vida do/a trabalhador/a e das pessoas que lhes
são significativas. Renda, acesso a bens, serviços e direitos, trabalho
do/a cônjuge ou parceiro/a, distância do trabalho de ambos, idade e
quantidade de filhos podem ampliar ou atenuar os conflitos Família-
Trabalho (FEIJÓ et al., 2017). Para tais autores, são necessárias
políticas e práticas de gestão que favoreçam o equilíbrio nas
interações e relações presentes na vida das pessoas dentro e fora das
organizações de trabalho, o que prevenirá a exaustão, favorecerá o
bem-estar e a saúde do/a trabalhador. Horários flexíveis de trabalho,
folgas programadas para aniversários e consultas dos filhos, trabalho à
distância em parte da jornada, creches e locais para amamentação e
valorização das diversas possibilidades de ser e de viver são algumas
das ações de suporte organizacional, que podem compor políticas de
bem-estar e de equilíbrio família-trabalho.
A possibilidade de alinhar desejos profissionais e pessoais, tais
como o exercício da maternidade/paternidade paralelamente ao
desenvolvimento da carreira, pode contribuir para a atribuição de sentido
positivo à vida, o que, por sua vez, favorece a saúde do trabalhador. Para
Feijó et al. (2017), a organização pode estimular e facilitar o equilíbrio de
papéis sociais de trabalhadores e o alcance de objetivos profissionais
demandados na sua atividade laboral. O trabalhador e a trabalhadora que
sentem exercer com qualidade seus papéis na família e seus papéis
laborais, e avaliam ser positivo o seu desenvolvimento global, contam
com um aspecto relevante para a sua saúde: a realização. Cabe ressaltar,
que a saúde do/a trabalhador/a, da qual depende também a organização,
abarca aspectos físicos, psíquicos e sociais. O bem-estar físico permite a
realização de uma série de tarefas no trabalho, em casa, em instituições de
ensino e de desenvolvimento, mas tais atividades não podem exaurir a
123
pessoa, ou gerar tensões cujas consequências serão negativas para suas
atividades, relações e saúde mental. O psíquico, as relações e o corpo
também influenciam um ao outro e são influenciados pela família e pelo
trabalho. Alguém que não se encontra bem em qualquer aspectos de sua
saúde (física, social, psíquica) apresentará maior dificuldade de
desenvolvimento, de relacionamento e de exercício de papéis familiares e
laborais. O cansaço, a perda de qualidade nas relações, a culpa pela
ausência são, dentre outras, consequências do desequilíbrio família-
trabalho, fatores psicossociais de risco ao trabalhador (CARDOSO;
FEIJÓ; CAMARGO, 2018).
Campos-Strobino e Teixeira (2014), Silva e Rossetto (2010) e
Goulart et al. (2013) sugerem que as mudanças no mercado de
trabalho, as redefinições de papéis na família e a dificuldade em
conciliar o tempo, no trabalho e em casa, estão frequentemente
associados aos conflitos trabalho-família, o que aponta para as
questões contextuais que também precisam ser transformadas para
reduzir o mal-estar de trabalhadores e de membros de família. Quanto
mais sobrecarregada a pessoa, por demandas e exigências da vida
privada e laboral, mais difícil será alcançar o equilíbrio, em longo
prazo e com saúde. Nas cidades grandes, distâncias e
congestionamentos podem agravar ainda mais a referida situação e
reduzir drasticamente a qualidade de vida de trabalhadores. Para as
mulheres, que frequentemente se dedicam aos cuidados com a casa e
com os familiares, a tripla jornada de trabalho (carreira, familiares,
casa) sem adequada divisão de tarefas domésticas, tende a ser um
fator que eleva a vulnerabilidade ao adoecimento e ao desgaste das
relações, o que será abordado no verbete sobre gênero – trabalho e
saúde. As mulheres cujos filhos apresentam doenças ou deficiências
frequentemente têm oportunidades de desenvolvimento profissional e
de renda reduzidos, em sociedades em que apenas a elas é atribuída a
responsabilidade de cuidar dos filhos.
Cabe ainda enfatizar que os estudos sobre os conflitos apontam
que os mesmos não deixarão de existir entre humanos e quando servirem
de impulso para reflexão, mudança e criação, serão positivos. Os conflitos
vividos por uma pessoa (dúvidas, tensões, culpa) são diferenciados na
literatura, dos conflitos interpessoais (entre pessoas, grupos, instituições,
países). Disputas, agressões e adoecimento podem ser manifestações
negativas dos conflitos, o que demanda ações que os interrompam,
práticas mediativas e/ou de restauração de danos (FEIJÓ; CARREIRA,
2019). Nas organizações de trabalho, aspectos psicossociais que expõem o
trabalhador ao risco de adoecer devem ser cuidados, o que minimizará
conflitos de diversas naturezas, inclusive relacionados à família. Elevada
intensidade e tempo de trabalho, exigências emocionais frequentes e
124
intensas, insuficiência de autonomia, má qualidade de relações, conflitos
de valores, inseguranças no trabalho e de emprego, além de reduzido
suporte organizacional afetam negativamente a/o trabalhador/a e à sua
relação familiar (CARDOSO; FEIJÓ; CAMARGO, 2018).
Quando o tempo dedicado à organização e às tensões vividas
no trabalho dificultam a satisfação de outras necessidades, inclusive
familiares, há maiores chances de eclodir um conflito família-trabalho.
Nas organizações e nas famílias, há que se pensar na divisão adequada
de tarefas, nas oportunidades de desenvolvimento de todos, de acordo
com as individualidades (idade, momento de vida e de carreira), na
possibilidade de expressão de habilidades e ideias, com valorização
das diferenças. A opressão, a desigualdade, a discriminação o excesso
de tensão e de responsabilidades minam as relações, a identidade e a
saúde. A inclusão, que significa acesso aos direitos e à equidade no
trabalho, de grupos que historicamente sofrem preconceitos e por
muito tempo precisaram disfarçar algum aspecto de sua aparência,
origem, religião, sexualidade, estilo de vida, de relacionamento e de
identidade continua sendo um grande desafio diretamente relacionado
ao equilíbrio família-trabalho.
Referências
CAMPOS-STROBINO, M. R.; TEIXEIRA, R. M. Empreendedorismo feminino
e o conflito trabalho-família: estudo de multicasos no comércio de material de
construção da cidade de Curitiba. Revista de Administração, v. 49, n. 1, pp. 59-
76, 2014. Disponível em:
http://www.spell.org.br/documentos/ver/28977/empreendedorismo-feminino-e-
o-conflito-trabalho-familia—estudo-de-multicasos-no-comercio-de-material-de-
construcao-da-cidade-de-curitiba/i/pt-br. Acesso em: 4 jun 2019.
CARDOSO, H. F. et al. O Papel do Psicólogo Organizacional e do Trabalho
(POT) na Prevenção dos Fatores Psicossociais de Risco. In: SCHMIDT, M.
L.; CASTRO, M. F.; CASADORTE, M. M. (org.). Fatores Psicossociais e o
Processo Saúde/Doença no Trabalho. Aspectos Teóricos, Metodológicos,
Interventivos e Preventivos. São Paulo: FiloCzar, 2018.
FEIJÓ, M. R. et al. Conflito trabalho-família: um estudo sobre a temática no âmbito
brasileiro. Pensando fam., Porto Alegre, v. 21, n. 1, pp. 105-119, jul. 2017.
Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-
494X2017000100009&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 24 mar. 2019.
GOULART JÚNIOR, E. et al. Exigências familiares e do trabalho: um
equilíbrio necessário para a saúde de trabalhadores e organizações. Pensando
fam., Porto Alegre, v. 17, n. 1, pp. 110-122, jul. 2013. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X201
3000100011&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 21 abr. 2019.

125
SILVA, A. B.; ROSSETTO, C. R. Os conflitos entre a prática gerencial e as
relações em família: uma abordagem complexa e multidimensional. Revista
de Administração Contemporânea, v. 14, n. 1, art. 3, pp. 40-60, 2010.
Disponível em: http://www.spell.org.br/documentos/ver/1055/os-conflitos-
entre-a-pratica-gerencial-e-as-relacoes-em-familia—uma-abordagem-
complexa-e-multidimensional/i/pt-br. Acesso em: 5 jun 2019.

CONTEXTO DE TRABALHO
Mário César Ferreira
Contexto de trabalho expressa o conjunto de múltiplos e
diversificados elementos inter-relacionados que delineiam o ambiente
(material, instrumental, digital, social, cultural) orientado para as
atividades de trabalho.
Trata-se de um termo transversal e recorrente nas ciências do
trabalho e da saúde (LAUREL & NORIEGA, 1989; GÜÉRIN et al.,
2001). Nestes campos do conhecimento científico, o termo tem sido
largamente utilizado por estudiosos e especialistas, ora com significado
restrito (ex. sinônimo de condições de trabalho), ora abrangente (ex.
condições + organização do trabalho) ou, com grande frequência, sem a
explicitação inequívoca do conceito adotado. O contexto de trabalho é,
entretanto, uma categoria conceitual incontornável para a investigação e a
compreensão do comportamento humano e dos impactos sobre o
desempenho, a segurança e a saúde no âmbito das organizações
corporativas (OIT, 2016).
Algumas de suas características são fundamentais para a
pesquisa e análise de seus efeitos, especialmente, para a saúde e a
segurança dos trabalhadores:
1. Todo contexto de trabalho é resultado de uma produção humana de
natureza finalística: ele é concebido, em tese, para facilitar o alcance
des resultados previamente estabelecidos. Na esfera do trabalho
assalariado, o contexto é, regra geral, regido por forte prescrição
(regras, normas, controles) no qual o protagonismo dos trabalhadores é
regulado, restrito, vigiado. Na esfera do trabalho não assalariado (sem
vínculo empregatício), regra geral, ele é regido com mais autonomia no
qual o protagonismo dos trabalhadores é mais fortemente presente.
2. Todo contexto de trabalho tem um caráter instrumental
(RABARDEL, 1995) para o agir dos trabalhadores visando o alcance
de objetivos, resultados e metas previamente estabelecidos. Nesta
perspectiva, ele pode ser tanto facilitador (antropocêntrico) quanto
dificultador (prescritocêntrico) para as atividades de trabalho. Quanto
mais antropocêntrico for, mais ele é gerador de bem-estar no trabalho
nos ambientes corporativos; quanto mais prescritocêntrico for, mais

126
ele é gerador de riscos para a saúde, a segurança dos trabalhadores e o
alcance dos objetivos organizacionais.
3. O conjunto de múltiplos e diversificados elementos inter-
relacionados que estruturam o contexto de trabalho podem ser, ao
mesmo tempo e em maior ou menor graus, forjados e forjadores do
perfil profissiográfico dos trabalhadores. Em face das dificuldades
(resistências) vivenciadas no ambiente (material, instrumental, digital,
social, cultural) e das ações situadas, os trabalhadores buscam efetuar
ajustes (regulações) visando adaptar o contexto de trabalho às suas
capacidades e aos seus limites individuais. Quanto maior for a margem
de manobra para gerir as dificuldades (resistências), mais positivo é o
contexto de trabalho para a saúde e a segurança dos trabalhadores;
quanto menor for a margem de manobra para gerir as dificuldades
(resistências), mais negativo é o contexto de trabalho para a saúde e a
segurança dos trabalhadores.
Tais características são conformadoras de organizações
(empresas, órgãos públicos, ONGs, cooperativas, entidades de
representação) com maior ou menor grau de Qualidade de Vida no
Trabalho (FERREIRA, 2017). O desenho dos contextos de trabalho e
as práticas de gestão ocupam, portanto, lugar de destaque para a
promoção ou não da saúde mental nos ambientes corporativos. Por
exemplo, quando o posto de trabalho é rígido (não regulável) e certas
variáveis físico-ambientais (barulho, iluminação, temperatura) são
críticas, não ocorre apenas efeitos sobre o corpo do/a trabalhador/a,
mas também se instalam fortes custos cognitivo e afetivo para forjar
modelos mentais os mais adequados/adaptados possíveis visando gerir
os imperativos que são oriundos do contexto de trabalho.
Os impactos negativos provenientes de contextos de trabalho
prescritocêntricos não são lineares (semelhantes) sobre os
trabalhadores. A variabilidade intra e inter individual destes
explicitam maior ou menor grau de resiliência aos contextos de
trabalho pouco ou nada adaptados aos perfis individuais e coletivos e
às exigências sociotécnicas das tarefas.
No limiar do século XXI, cujo cenário de globalização da
economia, de aceleração dos processos produtivos, de fabricação e
prestação de serviços sob demanda, de crescente robotização do
trabalho, de expansão do trabalho remoto em domicílio, de
precarização do trabalho e tudo isto acrescido da emergência de novo
perfil de competências, a questão do contexto de trabalho vem se
tornando ainda mais central para se compreender os impactos sob a
saúde mental dos trabalhadores, os perfis epidemiológicos que se
configuram e o aumento dos riscos psicossociais que se multiplicam

127
nas organizações públicas e privadas. Neste cenário, a prevenção dos
transtornos mentais, com destaque para os casos de depressão,
ansiedade e riscos de suicídios é indissociável da promoção
sustentável da Qualidade de Vida no Trabalho (QVT).
Referências
FERREIRA, M. C. Qualidade de Vida no Trabalho. Uma abordagem
centrada no olhar dos trabalhadores. 3ª. ed. Brasília: Paralelo 15, 2017.
GÜÉRIN, F. et al. Compreender o trabalho para transformá-lo: a prática
da ergonomia. São Paulo: Edgard Blucher, 2001.
LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho
e desgaste operário. São Paulo: HUCITEC, 1989.
OIT – ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Estrés en el
trabajo. Un recto colectivo. Genebra: OIT, 2016.
RABARDEL, P. (1995). Les hommes et les technologies: approche
cognitive des instruments contemporains. Paris: Armand Colin.

CONTROLE (MECANISMOS) E REPERCUSSÕES NO


COTIDIANO LABORAL
Daniele Almeida Duarte
O controle, seus mecanismos e formas de operar no contexto
de trabalho são ações diárias que visam realizar arranjos, regulações e
interferências no real do trabalho. Sejam essas ações oriundas da
gestão ou dos/as próprios/as trabalhadores/as haverá desdobramentos
sobre o sujeito, o coletivo e o processo produtivo.
O/A trabalhador/a, ao se confrontar com a organização do
trabalho que faz emergir o sofrimento, além das estratégias de defesa
individuais desenvolve as coletivas como um meio de alterar a
percepção dessa realidade e lidar com as pressões, conflitos,
contradições, exercícios de poder e incessantes exigências que põem
em ameaça sua economia psíquica e somática. Para driblar esta
realidade são elaborados acordos tácitos entre os pares e estabelecidas
regras de conduta para suportar esse sofrer e lograr meios de controlá-
lo. As estratégias defensivas dos/as trabalhadores/as manifestadas em
manobras de controle do real do trabalho assumem caráter paradoxal.
Ao mesmo tempo que propiciam meios de suportar o sofrimento no
trabalho, construindo mecanismos de cooperação no campo
intersubjetivo, contribuem para conviver com estes sofrimentos que
deveriam ser combatidos, inserindo o sujeito em uma posição de
subjugação frentes aos efeitos deletérios do trabalho. Nesta via, o
percurso que levaria à gênese do sofrer para sua identificação e
transformação, torna-se intocável. Isso porque mesmo havendo uma
mobilização subjetiva para lidar com os desafios e exigências da
tarefa, tencionando proteger e defender-se do sofrimento, as
128
repercussões no cotidiano laboral podem ser nocivas, principalmente
se envolverem uma negação acentuada, convertendo-se em ideologia
defensiva ao expor os trabalhadores/as aos riscos e agravos presentes
nos processos de trabalho (DEJOURS, 1992; 2006).
Todavia, as estratégias defensivas não são os únicos
mecanismos de controle dos/das trabalhadores/as em busca de
domínio do sofrimento e do trabalho. A própria característica do
trabalho, em sua complexidade e singularidade, composta tanto pela
especificidade de um coletivo quanto pelo hiato entre o trabalho
prescrito (tarefa) e o trabalho real (atividade), demandam do/a
trabalhador/a o desafio de realizar ajustes e intervenções que possam
buscar maior consonância entre sujeito e processo laboral. Nestes
termos, o trabalho sofre intervenções do sujeito que busca adequar a
atividade a sua constituição pessoal e subjetiva recorrendo ao ato
criativo, inventivo e mobilizador do corpo, afeto e inteligência
tecendo resistências, interferências e transformações do processo
produtivo. Tal ação envolve negociações cotidianas mediante a
combinação de racionalidades que ultrapassam o corpo gerencial no
âmbito prescrito. Nessa interferência combinam-se dimensão técnica,
social e intersubjetiva dos/das trabalhadores/as não configurando tão
somente uma “clandestinidade” da revisão das normas e regras
formais das prescrições, mas de um aperfeiçoamento e economia do
processo produtivo oriundos do saber-fazer dos/as próprios/as
trabalhadores/as (DEJOURS, 1992; 2006; SATO, 2002).
O poder de controle do/a trabalhador/a sobre o processo de
trabalho pode ser aquistado à medida que se amplia o conhecimento
sobre seu funcionamento e ao estabelecer espaços de diálogo e
reflexão entre os pares – o que incrementa o processo de intervenção
sobre os determinantes e condicionantes, tanto do sofrimento quanto
dos riscos e agravos. Nessa via, são instaurados espaços de
negociação, discursivo e dialógico, que propiciam o replanejamento
do trabalho a fim de encontrar e reconstruir modos operar que
considerem o sujeito como integrante fundamental para garantir a
produção sem desconsiderar a produção de si que zele pela saúde,
conforto, bem-estar e dignidade (SATO, 2002).
O atual cenário de trabalho marcado pela racionalidade
hegemônica gerencialista, constituída pela posição assimétrica e
desigual de poder e controle sobre o processo de trabalho, lança como
desafio diário aos/as trabalhadores/as construir mecanismos de
controle que possam lhes gerar graus de autonomia e emancipação.
E é em meio a ambiguidade desse processo produtivo adverso
que são elaborados os mecanismos de controle que permitem construir

129
estratégias e táticas no cerne da dominação gerencialista, visando
encaminhamentos para reivindicações, explicitação de interesses distintos
e posições divergentes para efetuar ajustes entre trabalho e trabalhador/a.
Essas ações locais, que podem ir das macro a micronegociações
envolvendo distintos atores sociais, são fundamentais para prevenir
agravos, prover sentido ao ato laboral e promover a saúde do/a
trabalhador/a, uma vez que interferem na busca de maior consonância
entre sujeito e processo de trabalho (DE CERTEAU, 2012; SATO, 2002).
Compreender o nível de controle e autonomia, por meio de
exercícios de liberdade e interferência em busca de regulações dos/as
trabalhadores/as nos processos de trabalho são indicadores
irrevogáveis para dimensionar as condições de saúde e vida no
trabalho. Haja vista que as estratégias defensivas podem ser
ocultadoras do sofrimento, conferir abertura e mecanismos de
intervenção mais participativos, socializadores e democráticos para o
replanejamento do trabalho permitem envolver de modo mais
dilatado negociações cotidianas que previnam agravos à saúde, logo,
promovendo também a produção.
Referências
DE CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 18. ed.
Petrópolis: Vozes, 2012.
DEJOURS, C. A banalização da injustiça social. 7. ed. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2006.
DEJOURS, C . A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do
trabalho. 5 ed. São Paulo: Cortez – Oboré, 1992.
SATO, L. Prevenção de agravos à saúde do trabalhador: replanejando o
trabalho através das negociações cotidianas. Cad. Saúde Pública, Rio de
Janeiro, v. 18, n. 5, p.1147-1166, set-out. 2002.

CONTROLE DE QUALIDADE TOTAL E IMPACTOS NA


SAÚDE MENTAL DOS TRABALHADORES
Maria Luiza Gava Schmidt
Nas últimas décadas do século XX, especialmente, a partir dos
anos 70, o mundo capitalista presenciou a crise do padrão de
acumulação taylorista/fordista, demandando transformações no
processo produtivo, gerando a intensificação de disputas da
concorrência capitalista e aumento da necessidade de produzir com
ênfase na qualidade (em termos de produtos e serviços).
Desse modo, o mercado teve que criar novas formas de
acumulação flexível, downsizing, novas tecnologias. Tais mudanças
surgiram embasadas no modelo japonês – Toyotismo (ANTUNES,
2009), o qual estabelece o “primado do êxito, a supervalorização da
ação, a obrigação de ser forte, a adaptabilidade permanente, a

130
canalização da energia individual nas atividades coletivas, o desafio
permanente” (CHANLAT, 1995, p. 121).
Surge, assim, um novo modelo de gestão, denominado de
Programa de Qualidade Total ou TQC - Total Quality Control, exigindo
mudanças na qualificação dos trabalhadores e crescente intervenção
destes nos processos produtivos, com maior participação e envolvimento
racional e emocional (SCHMIDT, et. al , 2017, p. 6).
Por conseguinte, a temática da “qualidade total” tornou-se
então compatível com a tendência intrínseca do sistema produtivo.
Sob este prisma, para garantir a sobrevivência no mercado, os
precursores do TQC, adotaram como princípios: a necessidade de
produção e fornecimento de produtos e/ou serviços que atendam
concretamente às necessidades dos clientes; ênfase conferida à
produtividade e competitividade e redução de custos; o conjunto de
procedimentos para identificação de problemas críticos da
organização; a melhoria nos métodos e meios; o estabelecimento de
planejamento estratégico, através de diretrizes de controle, melhoria
contínua, entre outros.
Em vista disto, a qualidade total é concebida como um sistema
voltado para uma mudança substancial nas práticas do cotidiano de
trabalho, com rompimento do “status quo”, no sistema de gestão.
Assim sendo, sua certificação, bem como os critérios
requisitados para obtenção das certificações exigidas pelo mercado,
transformam a qualidade total quando muito em ideal, portanto em
uma ficção, em uma condição sine qua non para que o produto ou
serviço ingresse no trabalho (DEJOURS & BÈGUE, 2010, p. 51).

Vale destacar também que o controle dos processos de trabalho é


a essência da manutenção do TQC. A efetivação desse sistema está
sustentada em mecanismos de objetivação, que são instituídos para o
assujeitamento do homem ao trabalho.
Nesses mecanismos de objetivação atuam várias tecnologias
de poder: as que sustentam a vigilância; as que sustentam a
normatização; as que se usam para o trabalhador estar constantemente
falando de si (tecnologia da confissão) e as que sustentam o processo
de assujeitamento (SCHMIDT, 2002).
Tais tecnologias são responsáveis pela manutenção do próprio
sistema e possuem uma série de dispositivos (pequenas tecnologias)
que compõem o fluxo do estado geral. Cada dispositivo é controlado
sistematicamente de forma separada, o que permite conduzir a um
controle mais eficaz do processo todo.

131
Quando analisamos mais profundamente esse conjunto de
tecnologias de poder que se instalam pelo TQC, percebemos que estas
são mediadas pelo sofrimento psíquico dos trabalhadores, sofrimento
este que acaba sendo o próprio instrumento de obtenção da Qualidade.
Estudo realizado identificou que a implantação desse modelo
requer gestão capacitada, para tratar do contraste entre o prescrito e o
real. Essa contradição pode torna-se ao, mesmo tempo, um fracasso
para a manutenção do sistema e sofrimento para os trabalhadores
(SCHMIDT, 2002). Observa-se assim que
a qualidade total seria um dispositivo supostamente capaz de
suplantar o complicado processo que representa não apenas a
mobilização de profissionais gabaritados para fazerem valer sua
experiência, bem como as formas de cooperação horizontais e
verticais (DEJOURS & BÈNGUE, 2010, p. 49).

O conteúdo de trabalho no TQC pode comprometer o


equilíbrio psíquico dos trabalhadores devido a pressão à manutenção
de comportamentos estereotipados e à submissão ao sistema
(SCHMIDT et al, 2017). Isso ocorre porque, neste sistema, o sujeito é
capturado na busca de suas realizações (valor investido de objeto, bem
estar físico e moral). Ademais, o T.Q.C., ao produzir uma imagem do
belo, do perfeito, incita os sujeitos para as práticas das mudanças
organizacionais e sustenta o modo de operar do sistema capitalista e
sua continuidade (SCHMIDT, 2000).
É provável que uma grande parte das organizações que
implantaram o TQC desconheçam a possibilidade de seus efeitos
sobre a saúde mental dos trabalhadores. Sobretudo, porque esse
sistema administrativo sustenta o princípio da satisfação, sobressaindo
a imagem de beneficência do modelo ofertado (SCHMIDT, 2002).
Referências
ANTUNES, R. O toyotismo e as novas formas de acumulação de capital. In:
ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho. Ensaio sobre a afirmação e
negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2009, pp. 48- 61.
CHANLAT, J. F. Modos de gestão, saúde e segurança no trabalho. In:
VASCONCELOS, E. D. J. (Org). “Recursos Humanos” e subjetividade.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995.
DEJOURS, C; BÈGUE, F. Suicídio e trabalho: O que fazer? Trad. Franck
Soudant. Brasília/DF: Paralelo 15, 2010.
SCHMIDT, M. L. G., et. al. Trabalho e Subjetividade no Modelo de Gestão da
Qualidade Total. Integración Académica enPsicologia, v. 5, p. 2017-19, 2017.

132
SCHMIDT, M.L. G. Gava. Qualidade total e certificação ISO 9000: história,
imagem e poder. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 20, n. 3, pp. 16-23, set.
2000. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932000000
300004&lng=pt&nrm=iso. Acesso em 01 ago. 2019.
http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932000000300004.
SCHMIDT, M.L.G. Análise dos efeitos da adoção dos novos processos de
trabalho na condição humana e no cotidiano dos trabalhadores: um
estudo de caso. (Dissertação de Mestrado em Psicologia) - Faculdade de
Ciências e Letras – Unesp, Campus de Assis, 2000.

CONTROLE E LATITUDE DE DECISÃO


João Massuda Junior; Ana Carolina Perroni;
Liliana Andolpho Magalhães Guimarães
Controle e latitude de decisão são constructos que expressam
características existentes em um determinado ambiente de trabalho,
fruto de escolhas realizadas quando do desenho dos processos a serem
utilizados em determinada atividade.
Ambos os conceitos surgiram inicialmente por volta dos anos
70, em investigações desenvolvidas sobre duas linhas de pesquisas
distintas, mas complementares: estudos sobre o estresse ocupacional e
sobre o impacto do desenho do trabalho para uma maior motivação e
performance das organizações (KARASEK, 1979; MORGESON &
HUMPHREY, 2006).
Nas pesquisas acerca do estresse ocupacional, o controle é
uma variável que se refere à amplitude de decisão facultada ao
trabalhador acerca de dois importantes componentes do trabalho: o
uso de suas habilidades e sua autoridade/autonomia para decidir sobre
como desempenhará suas tarefas e atividades (SCHMIDT, 2013).
A latitude de decisão acerca do uso de suas habilidades retrata o
nível de habilidades/criatividade exigida pela tarefa a ser desempenhada
e a flexibilidade concedida ao trabalhador para que este possa escolher
como aplicá-las na realização de suas atribuições (KARASEK et al.,
1998). A possibilidade de aprender coisas novas, utilizar a criatividade,
desenvolver novas habilidades, o grau de repetição das tarefas e a
variação das mesmas são componentes importantes para ampliar ou
reduzir a possibilidade de escolha do trabalhador acerca do uso de suas
habilidades no trabalho (SCHMIDT, 2013).
O segundo componente inerente ao controle, a autoridade de
decisão, se refere à possibilidade de escolha por parte do trabalhador
acerca de questões referentes ao seu trabalho (KARASEK et. al.,
1998; MARTINS & GUIMARÃES, 2004). De acordo com Karasek et
al (1998), este componente se assemelha ao constructo intitulado
133
autonomia, proposto nos estudo de desenho do trabalho. A autonomia,
por sua vez, reflete o grau de liberdade e independência do trabalhador
para que este decida acerca de quando, como e quais métodos aplicar
para executar suas tarefas (MORGESON & HUMPHREY, 2006).
Se nos estudos de desenho do trabalho a variável controle
surge como um componente a ser dimensionado ao se projetar um
processo de trabalho, juntamente a diversos outros de igual relevância
(e.g. variedade da tarefa, significado da tarefa, feedback,
complexidade do trabalho, variedade de habilidades, dentre outros),
nas pesquisas acerca do estresse ocupacional tal variável assume
fundamental importância para explicar o processo de surgimento do
estresse no trabalho e o consequente adoecimento do trabalhador,
sendo uma das variáveis protagonistas no framework proposto por
Karasek (1979), intitulado Modelo Demanda-Controle (D/C). Esse
modelo de investigação sobre o estresse está pautado em duas
tradições, uma concentrando-se na latitude de decisão acerca do
trabalho e outra, centrando-se nos estressores no trabalho, sugerindo
que ao analisar estresse no trabalho, fossem consideradas duas
dimensões: a demanda colocada sobre o trabalhador e o controle das
atividades desenvolvidas.
O modelo D/C, proposto por Karasek (1979), sugere quatro tipos de
experiências do indivíduo em relação ao seu trabalho, gerados pela interação
dos níveis “alto” e “baixo” em D/C, surgindo as seguintes combinações:
“alta exigência” (alta demanda e baixo controle);
“trabalho ativo” (alta demanda e alto controle);
“trabalho passivo” (baixa demanda e baixo controle);
“baixa exigência” (baixa demanda e alto controle).
O modelo pressupõe que a demanda psicológica reflete o
esforço mental dispendido pelo trabalhador e o controle refere-se à
habilidade do trabalhador em gerenciar sua rotina de tarefas. Quando
há alta demanda e baixo controle (trabalho ativo), ocorrem reações
adversas de tensão, tais como fadiga, ansiedade, depressão, em casos
mais graves, podem ocorrer desmaios, histeria. Quando há alta
demanda e alto controle, ocorre a experiência de trabalho ativo, já que
há a possibilidade de aprendizado e crescimento. Por outro lado, caso
haja diminuição de demanda e controle (trabalho passivo), o resultado
pode desencadear desmotivação (KARASEK, 1979).
Referências
KARASEK, R. Job Demands, Job Decision Latitude, and Mental Strain:
Implications for Job Redesign. Administrative Science Quarterly, 24(2),
285–308. https://doi.org/10.2307/2392498, 1979.

134
KARASEK, R., BRISSON, C., KAWAKAMI, N., HOUTMAN, I., BONGERS,
P., & AMICK, B. The Job Content Questionnaire (JCQ): An Instrument for
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Journal of Occupational Health Psychology, 3(4), 322–355, 1998.
MARTINS, D. DE A., & GUIMARÃES, L. A. M. O Modelo de Estresse
Ocupacional Demanda/Controle (“Job Strain Model”). In L. A. M.
Guimarães & S. Grubits (Orgs.), Série Saúde Mental e Trabalho vol 2 (pp.
55–68). São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
MORGESON, F. P., & HUMPHREY, S. E. The Work Design Questionnaire
(WDQ): Developing and Validating a Comprehensive Measure for Assessing
Job Design and the Nature of Work. Journal of Applied Psychology, 91(6),
1321–1339. https://doi.org/10.1037/0021-9010.91.6.1321, 2006.
SCHMIDT, D. R. C. Modelo Demanda-Controle e estresse ocupacional entre
profissionais de enfermagem : revisão integrativa. Revista Brasileira de
Enfermagen, 66(5), 779–788, 2013.

COPING (ESTRATÉGIAS PARA SAÚDE MENTAL NO


TRABALHO)
Diana Pancini de Sá Antunes Ribeiro; Mariana Neves Gonçalves de
Souza
O termo coping é uma palavra originada da língua inglesa que
significa “lidar de forma bem sucedida com uma situação de
dificuldade” (CAMBRIDGE, 2019), justificando a partir de sua
definição a nomeação do processo de enfrentamento ao estresse
associado à constante exigência de uma capacidade adaptativa à qual
as pessoas recorrem como um meio de administrar vivências em
situações adversas como resposta a uma intensa e frequente rotina de
trabalho. Essa dinâmica de rotina tem influenciado cada vez mais na
qualidade da vida humana em virtude das transformações do cenário
socioeconômico, das relações humanas em detrimento do avanço
tecnológico e das configurações organizacionais.
Há divergências quanto à concepção de coping (RIBEIRO,
2002), mas a definição recorrente é a que coping são respostas
comportamentais ou cognitivas que as pessoas dão ao estresse, nem
sempre considerando as consequências destas e/ou resultando em um
controle efetivo do estresse. Segundo Gonçalves (2018) “[...] a
experiência de stress desencadeará um conjunto de esforços individuais,
no sentido de lidar com a situação, eliminando, reduzindo ou evitando a
ameaça” (p. 316). Estas respostas ou reações ao estresse ocupacional
estão relacionadas às experiências no trabalho e à personalidade do
trabalhador. Destaque-se que o ambiente organizacional tem relevância
para o estresse ocupacional e, consequentemente, para as respostas de
coping produzidas pelos seus trabalhadores.

135
O conceito de coping surge como fonte de estudo desde o início
do século XX, sendo então associado pelos pesquisadores da época aos
mecanismos de defesa oriundos de manifestações do inconsciente, para
ser posteriormente relido como um fenômeno representativo do
processo de relação entre o sujeito e o ambiente em que estiver inserido,
considerando de forma enfática não só o processo em si, mas também
sua personalidade, convergindo a um terceiro momento em que a
associação aos traços de personalidade torna-se ainda mais presente nos
estudos sobre coping, contribuindo, dessa forma, para o
desenvolvimento de inventários que desempenhassem a função de
medidas de coping.
Há referência na literatura científica sobre modelos, estilos e
estratégias de coping. No Brasil, o modelo de coping proposto por
Folkman e Lazarus (1980) foi validado por Savoia, Santana e Mejias
(1996). Este Inventário é constituído por um questionário de 66 itens
que contemplam pensamentos e ações identificados como meios para
lidar com as demandas advindas de eventos estressantes: confronto
(Fator 1); afastamento (Fator 2); autocontrole (Fator 3); suporte social
(Fator 4); aceitação de responsabilidades (Fator 5); fuga-esquiva (Fator
6); resolução de problemas (Fator 7); reavaliação positiva (Fator 8).
Cada “Fator” está associado a um subconjunto específico dentre as 66
questões, facilitando ao pesquisador a identificação das estratégias de
coping utilizadas, uma vez que para os autores toda e qualquer tentativa
de reação às adversidades é considerada coping, independentemente do
resultado obtido. São quatro os conceitos a partir dos quais foi
concebido o inventário de Folkman e Lazarus (1980):
(a) coping é um ação ou uma interação que se dá entre o indivíduo e
o ambiente;
(b) sua função é de administração da situação estressora;
(c) os processos de coping implicam a noção de avaliação do
fenômeno estressante;
(d) o processo de coping constitui-se em uma mobilização de esforço, por
meio do qual os indivíduos empreenderão esforços cognitivos e
comportamentais para amortizar, tornar mínimo ou tolerar as demandas
internas ou externas que surgem da interação com o ambiente.
A identificação dos estressores no trabalho poderá vir a ser um
agente de mudança, uma vez que ampliadas táticas pessoais (coping)
para minimizar seus efeitos, o cotidiano do trabalhador pode vir a ser
mais produtivo e menos desgastante e possibilitará que este se
valorize mais como ser humano e profissional. Desta forma, sua saúde
mental se preservará neste ambiente de trabalho e refletirá na melhora
de seu desempenho profissional.
136
Referências
CAMBRIDGE UNIVERSITY PRESS. Cambrigde Online Dictionary, 2019.
FOLKMAN, S., & LAZARUS, R. S. (1980). An analysis of coping in a middle-
aged community sample. Journal of Health and Social Behavior, 21, 219-239.
GONÇALVES, S.P. “Coping em Saúde do Trabalhador”. In: Mendes, R. Dicionário
de saúde e segurança do trabalhador- conceitos, definições, história e cultura.
Novo Hamburgo (RS): Proteções Publicações Ltda, 2018. pp. 316- 318.
RIBEIRO, D.P.S.A. Estratégias de “coping” em psicólogos de serviços
básicos e ambulatoriais de saúde pública. Revista de Psicologia da UNESP,
1(1), 2002, pp. 74-81.
SAVOIA, M.G.; SANTANA, P. R. e MEJIAS, N. P. The adaptation of Coping
Strategies Inventory by Folkman and Lazarus into Portuguese. Psicol. USP
[online]. 1996, vol.7, n.1-2, pp. 183-201.

CRIATIVIDADE E SAÚDE MENTAL NO TRABALHO


Maria Luiza Gava Schmidt
Criatividade é um potencial inerente ao homem, sendo este uma
das suas necessidades (OSTROWER, 2001). Se realiza em conjunto
com a realização da personalidade do indivíduo e da maturação de seu
processo essencial para criação. Com o desenvolvimento da maturidade,
o ser humano passa a exercer sua criatividade como função global e
expressiva da vida (BITTENCOURT, 2014). A pluralidade das
definições de criatividade traduz uma real dificuldade em delimitar o
processo criativo (ROUX, 2007).
Na teoria Socionômica criada por Jacob Levy Moreno (1978), a
criatividade está associada à noção de homem portador de uma “centelha
divina”. Martin (1984), ao fazer a leitura da obra de Moreno “The Words
of the Father”, sobretudo no capítulo intitulado “The creation of the
universe” (A Criação do Universo), sentiu-se envolvido por pensamento
plenamente panteísta, exemplifica uma das frases cuja crença emerge
fortemente: “Esta é a lei do universo: Onde houver uma parte da criação
está uma parte do criador Uma parte de mim” (MORENO, 1941).
Naffah-Neto (1997), após analisar as obras morenianas, relata
ter ficado evidente que o ato criador definido, por Moreno, é a essência
de sua teoria sobre criatividade, tema a que ele se dedicou com
profundidade na maior parte de seus escritos. O conceito de
criatividade, para Moreno, está associado à espontaneidade, segundo
ele, “espontaneidade pode entrar no indivíduo criativamente dotado e
suplantar uma resposta” (MORENO, 1978, p. 142).
Ostrower (2001), descreve que o homem desenvolve seu
potencial criador por meio do trabalho, sendo, para ele, uma
experiência vital. Nela o homem encontra sua humanidade ao executar
tarefas essenciais à vida humana. A criação se desdobra no trabalho,
137
visto que é nele que geram as necessidades e as possíveis soluções
criativas. Todavia, a criatividade se dá quando o ser humano encontra-
se disponível para criar. Com ela, deve-se considerar qualquer
transformação integradora, que leve ao crescimento e à maturação de
quem a realiza e do meio ambiente a sua volta. Assim sendo, a
criatividade buscará um enfoque particular na realidade, ressaltando e
iluminando determinados valores. Conforme o campo de atuação,
haverá desenvolvimento e modificação no modo de operar da
criatividade (MENEGAZZO; TOMASINI; ZURETTI, 1995).
Notadamente, que o desenvolvimento da criatividade no
contexto laboral,
irá repercutir na qualidade do trabalho, posto que seu despertar favorecerá
a emergência de atos cognitivos que permitirão mobilizar e reestruturar
respostas na atuação do papel profissional de forma a encontrar o prazer
real e concreto no contexto laboral, resgatando o sentido do trabalho,
condição favorável à saúde. A vantagem certamente será a oportunidade
de o trabalhador poder acreditar na sua capacidade de criação e verificar o
quanto é prazeroso exercê-la (SCHMIDT, 2017b, p. 77).

Mediante essas concepções, constatamos ser o fator


Criatividade relevante não somente para avaliação do potencial de
desempenho do trabalhador, mas sobretudo, para auxiliar no
fortalecimento dos vínculos no contexto laboral, favorecendo a
promoção da saúde no ambiente de trabalho, além de propiciar melhor
qualidade relacional.
Ademais, quando o trabalhador exerce maior controle sobre seu
trabalho, proporciona impactos favoráveis a efetividade e saúde
organizacional e a seu próprio desenvolvimento e saúde no contexto
laboral. No âmbito organizacional, a inovação possibilitada pela
criatividade poderá contribuir para a adoção de: ações preventivas para
minimizar a ocorrência de re-trabalho; geração de medidas para
desburocratizar o trabalho; apresentação de trabalhos com exatidão e
presteza ao público; coordenação de ações em prol da qualidade do
trabalho; melhor definição de prioridades. Além de produzir
conhecimento visando otimizar procedimentos, recursos financeiros e
materiais. Enfim, utilizar os erros como oportunidade de aprendizagem.
Indicadores organizacionais voltados para avaliação do
desempenho da Qualidade no Trabalho são atribuídos à capacidade
para inovação e mudanças que, se desenvolvidas, além de propiciar o
desempenho do potencial do trabalhador, produzirão efeitos em
aspectos considerados relevantes para a promoção da saúde
organizacional, uma vez que esta é concebida como a habilidade da

138
organização de não desenvolver somente tarefas de forma efetiva, mas
também elaborar e promover um melhor funcionamento do sistema
interno, considerando, para isso, o grau de integração de suas equipes,
com a finalidade de manter a coesão entre os membros e realizar os
objetivos propostos (GOMIDE-JUNIOR & FERNANDES, 2008).
Por sua vez, indicadores de qualidade do trabalho tais como:
geração de informações do processo de trabalho confiáveis e válidas,
disposição para mudar quando necessário, resolução dinâmica dos
problemas em um processo contínuo e independente, flexibilidade
interna para mudar em decorrência da informação, ênfase na resolução
prática de problemas, consideração da competência e nível de
responsabilidade na tomada de decisão, existência de espírito de equipe
no planejamento e execução do trabalho e solução de problemas, entre
outros, são desenvolvidos mediante processos criativos.
Carneiro (2014) observou que para aqueles que almejam
crescer e se firmar como bons profissionais, a criatividade e o
equilíbrio emocional são fatores importantes nesta conquista. A autora
descreveu também que o baixo desempenho profissional e precário
rendimento podem estar associados a sentimentos de raiva, tristeza e
desestímulo no ambiente de trabalho. E, na sua concepção, fortalecer
o potencial criativo contribui para maior clareza mental e ampliação
da percepção do outro ser humano: “aquele que está do nosso lado e
nem sempre o compreendemos” (CARNEIRO, p. 52).
A nosso ver, quando a elaboração do potencial criador é
possibilitada no ambiente laboral, o contexto torna-se favorável à
promoção tanto da saúde organizacional como do trabalhador.
Inversamente, diante de uma organização do trabalho rígida, sem espaço
para a criatividade, o ambiente produzirá riscos à saúde mental dos
trabalhadores em decorrência da perda do sentido do trabalho, podendo
também comprometer a qualidade dos produtos ou serviços produzidos
pela organização.
Referências
BITTENCOURT, D. Diagnóstico intervencionista em Arteterapia: Dinâmica
psicoartísticas e criatividade expressiva. Rio de Janeiro. Wak Editora, 2014.
CARNEIRO, C. Criatividade e cérebro: um jeito de fazer Arte Zen. 3ª
edição. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2014.
GOMIDE Jr., S.; FERNANDES, M. N. Saúde Organizacional. In:
SIQUEIRA, M. M. M. et. al. Medidas do comportamento organizacional:
ferramentas de diagnóstico e de gestão. Porto Alegre: Artmed, 2008.
MENEGAZZO, C. M; TOMASINI, M.A; ZURETTI, M.M. e cols.
Dicionário de Psicodrama. São Paulo: Editora Ágora, 1995.
MORENO, J. L. Psicodrama. Tradução: Álvaro Cabral. 2. ed. São Paulo:
Cultrix, 1978.

139
NAFFAH NETO, A. Psicodrama: descolonizando o imaginário. São Paulo.
Plexus, 1997.
OSTROWER, F. Criatividade e processos de criação. 15 ª Ed.
Petrópolis/RJ.: Editora Vozes, 2001.
ROUX, G. Tradução da palestra no 8º Congresso Português de
Arteterapia- SPAT- Lisboa-PT / 2007.
SCHMIDT, M. L. G. Criatividade: conexões conceituais e a função na
arteterapia. In: SCHMIDT, M. L. G. Arteterapia Sociopsicodramática na
readaptação profissional: aspectos teóricos e metodológicos. São Paulo,
LTr, 2017a. Cap. 4. p. 61-65.
SCHMIDT, M. L. G. Criatividade: sentido do trabalho e promoção da saúde
no contexto laboral. In: SCHMIDT, M.L.G. Arteterapia
Sociopsicodramática na readaptação profissional: aspectos teóricos e
metodológicos. São Paulo, LTr, 2017b. Cap. 6. pp. 74-79.

DEMANDAS PSÍQUICAS NO TRABALHO


Mário Lázaro Camargo
A relação que comumente se estabelece entre o trabalhador,
seu trabalho e a organização onde este trabalho acontece,
independentemente de ser ela uma organização de caráter público ou
privado, com ou sem fins lucrativos, uma ONG – Organização Não-
Governamental, uma associação ou cooperativa, apresenta-se como
fonte de demandas psíquicas importantes que, consequentemente,
participam dos processos tanto promotores de saúde quanto de
adoecimento ao trabalhador, permitindo que este fundamente ou
justifique, em partes, sua percepção individual sobre a qualidade de
vida no trabalho (QVT), bem como seu nível de realização pessoal
(bem-estar no trabalho) e profissional.
As demandas psíquicas são resultantes da interação do
trabalhador com sua atividade laboral e os desafios que ela lhe
apresenta, seja pela complexidade ou simplicidade e repetitividade das
tarefas, pela intensidade de carga emocional que exigem, em especial
pela maior ou menor possibilidade de autonomia exercida pelo
trabalhador, ou pela qualidade dos significados que o trabalhador lhe
atribui, ou seja, o sentido do trabalho (MORIN, 2001). Ao mesmo
tempo, a interação do trabalhador com o ambiente organizacional e
suas características, como cultura e clima organizacionais, estrutura
hierárquica, relações interpessoais horizontais e verticais, formas de
reconhecimento e recompensa, condições de ambiente físico,
qualidade ergonômica e rotinas de trabalho, ausência ou presença de
suporte organizacional, etc. culminam com a apresentação de
demandas psíquicas ao trabalhador. Assim sendo, as atividades
profissionais, dadas as suas especificidades, exigem do trabalhador
muito mais do que esforço físico, exigem: atenção, concentração,
140
desenvolvimento de raciocínio para resolução de problemas e
conflitos, estabelecimento de relações interpessoais, motivação, ações
de comunicação por diferentes meios, exercício de liderança ou de
equilíbrio para lidar com a figura do líder, construção de vínculo
afetivo e de identificação com o conjunto dos fazeres que representam
o todo da atividade profissional, etc. (CAMARGO, 2017).
Por demandas psíquicas no trabalho, portanto, devemos
entender os processos psicológicos e cognitivos envolvidos na
resolução de conflitos de ordem afetiva e relacional, bem como o
conjunto de comportamentos e escolhas disparados e aplicados pelo
trabalhador em sua busca por desenvolver ou encontrar soluções para
os problemas existentes neste contexto, juntamente à busca pelo
cumprimento dos objetivos profissionais previamente estabelecidos
(metas de desempenho e produtividade, desenvolvimento e execução
de projetos, por exemplo). Contudo, e considerando a indissociável
relação entre trabalho e vida social (DEJOURS; ABDOUCHELI;
JAYET, 2007; DEJOURS, 2015), deve-se também fazer implicar no
conceito de demandas psíquicas no trabalho algumas variáveis
externas à circunscrita relação homem-trabalho-organização, tais
como: a situação social e econômica do trabalhador e de seu contexto
de inserção, sua constituição familiar, necessidades, desejos e projeto
de vida. Assim, as demandas psíquicas no trabalho, em síntese,
implicam em, processos que se iniciam com as percepções subjetivas
do trabalhador frente às experiências de sofrimento (que podem se dar
sob a forma de frustração, insatisfação, raiva, tensão, angústia,
tristeza, desesperança, desmotivação, fadiga, estresse, etc.) e prazer
(motivação, alegria, senso de realização, conquista, superação de
limites, etc.) no trabalho, até suas formas de reação a tais experiências
(comportamentos relacionados a comprometimento e vínculo com o
trabalho e organização ou práticas absenteístas, presenteístas e de
retaliação no contexto de trabalho).
As demandas psíquicas no trabalho atuam de forma influente
sobre o processo saúde/doença do trabalhador, posto que ou põem em
funcionamento dispositivos constituintes do seu aparelho psíquico, em
especial por gerarem estímulo a atuação de suas estratégias de defesa
frente as ameaças advindas da relação homem-trabalho-organização à
sua condição de equilíbrio psicofísico, ou por, num sentido oposto,
impedirem sua atuação e funcionalidade (por exemplo em situações de
alienação do trabalhador frente às situações de fragmentação e
precarização do trabalho, ou de repetitividade e mecanização da
atividade laboral que, por ditarem de forma unilateral o ritmo e a
forma de atuação, impedem o trabalhador de agir a partir de sua

141
espontaneidade, criatividade e potencialidade crítica) (LIMONGI-
FRANÇA, 2008; DEJOURS, 2015).
A fim de exemplificar situações em que demandas psíquicas no
trabalho implicam em percepções de ganhos e perdas para o trabalhador,
podemos citar: a) uma situação de assédio moral no trabalho em que o
trabalhador se sente vulnerável diante de um gestor que lhe agride moral
e psicologicamente apesar de seu adequado desempenho e produtividade,
o que, a médio e longo prazo pode desencadear em um processo de
adoecimento psíquico (FREITAS; HELOANI; BARRETO, 2008) e b)
uma situação em que a demanda pela resolução de um desafio
profissional frente a uma mudança de contexto tecnológico leva o
trabalhador a aprimorar seus conhecimentos e desenvolver uma nova
metodologia de atuação que lhe traz, para além do êxito contextual, um
reconhecimento traduzido por formas de recompensa de âmbito
pecuniário (aumento salarial) e organizacional (movimentação na
estrutura organizacional).
Referências
CAMARGO, M. L. Presenteísmo: denúncia do mal-estar nos contextos
organizacionais de trabalho e de riscos à saúde do trabalhador. R.
Laborativa, v. 6, n. 1 (especial), p. 125-146, abr./2017. Disponível em:
http://ojs.unesp.br/index.php/rlaborativa. Acesso em: 28 maio 2019.
DEJOURS, C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho.
6. ed. São Paulo: Cortez; Oboré, 2015.
DEJOURS, C.; ABDOUCHELI, E.; JAYET, C. Psicodinâmica do trabalho:
contribuições das Escola Dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e
trabalho. São Paulo: Atlas, 2007.
FREITAS, M. E.; HELOANI, R.; BARRETO, M. Assédio moral no trabalho.
São Paulo: Cengage Learning, 2008. (Coleção Debates em Administração).
LIMONGI-FRANÇA, A. C. Psicologia do trabalho: psicossomática, valores
e práticas organizacionais. São Paulo: Saraiva, 2008 (Novas Abordagens em
Gestão de Pessoas).
MORIN, E. M. Os sentidos do trabalho. Rev. adm. empres. São Paulo, v.
41, n. 3, p. 08-19, set. 2001. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-75902001000
300002&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 28 mai 2019.
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-75902001000300002.

DEPRESSÃO – CORRELAÇÕES COM O AMBIENTE DE


TRABALHO
Maria Luiza Gava Schmidt
A doença depressiva tem sido considerada um problema
mundial de saúde pública, sendo nos dias atuais uma das principais
causas de incapacidade, além de se constituir numa doença mental
crônica que desafia a ciência nas formas de tratamento e prevenção.
No entanto, apesar dos avanços neurocientíficos ocorridos, ainda
142
existem perguntas que costumam angustiar e se repetir no meio das
pessoas: O que é realmente a depressão? (SENNE-COSTA, 2006).
Caracterizada com um tipo de sofrimento com perfil emocional
próprio (FARAH, 2016); como sintoma, a depressão pode surgir
associadas a outras afecções médicas gerais ou mentais, decorrentes de
situações estressoras ou circunstâncias sociais ou psicológicas adversas.
No caso do transtorno afetivo ou do humor, possui um curso evolutivo
característico e o quadro sintomatológico depressivo afeta também o
comprometimento das funções cognitivas e da capacidade de
experienciar o prazer (BORGES, 2010).
A depressão também é considerada uma doença incapacitante,
na qual o indivíduo se desinteressa pelas suas atividades cotidianas,
não sendo capaz de realizar a mesma atividade que executava antes, o
que pode acarretar em mais sofrimento (JARDIM, 2011).
Ademais, concebida como uma das principais causas de
afastamento do trabalho - os dados do Ministério da Previdência Social
(MPS), no ano de 2013, informam que dos auxílios doença acidentários
por CID concedidos para transtornos do humor (F30-F39) 89,3% estão
ligados a depressão (F32-F34), e aproximadamente 81% auxílios
doença previdenciários concedidos para transtornos do humor são
destinados para transtornos depressivos. Também foi observado que no
ano de 2010 a depressão representava 35% dos acidentes de trabalho
por transtornos mentais e do comportamento (BRASIL, 2013).
Velasco (2011) considera a depressão como o mal do século,
sendo atualmente a quarta doença mais frequente na população,
caracterizada por mudanças no humor e ligada a fatores emocionais,
podendo atingir qualquer pessoa.
Senne-Costa (2006), ao escrever sobre depressão, aponta que é
um termo utilizado por profissionais de várias áreas que buscam definir
sintomas pessoais sombrios e opressores. Sendo também empregado
para conceituar sintomas isolados e perturbações primárias de humor. A
utilização do termo depressão foi apresentada pela autora da seguinte
maneira: Os distúrbios afetivos são caracterizados por alterações no
humor, e divididos em sete grupos, entre esses grupos estão localizados
os episódios depressivos e os transtornos depressivos recorrentes que
podem classificados em três graus de acordo com a quantidade de
sintomas: leve, moderado e grave. Os sintomas apresentados podem ser
rebaixamento do humor, redução da energia, diminuição da atividade,
alteração da capacidade de experimentar o prazer, perda de interesse,
diminuição da capacidade de concentração, fadiga após um esforço
mínimo, problemas do sono e apetite, diminuição da autoestima e da

143
autoconfiança e frequentemente ideias de culpabilidade e ou de
indignidade (SENE-COSTA; 2006).
Ballone (2005) aponta que a afetividade pode, além de
normal, alterar-se até a depressão, euforia ou outros estados afetivos.
Segundo ele, a psicopatologia reconhece a existência de apenas três
sintomas depressivos clássicos, considerados suficientes para
detecção, sendo que estes sintomas podem se manifestar de infinitas
maneiras nas diversas pessoas. Por sua vez, o autor refere que os
sintomas são formados por uma tríade, assim denominadas: Inibição
Global, Estreitamento do Campo Vivencial e Sofrimento Moral.
O prejuízo à população, decorrente de episódios depressivos
“não está atrelado apenas às consequências deletérias nas esferas
biopsicossociais do indivíduo, interferindo, também, ativamente no
âmbito trabalhista” (GHERARDI- DONATO et al, 2015, p. 734).
Esses episódios podem estar associados a decepções sucessivas
em situações de trabalho frustrantes, exigências excessivas, alta
competitividade e demissão. É comum que com o aparecimento dos
sintomas o indivíduo sinta desinteresse para as atividades cotidianas,
dentre as quais também se encontra o trabalho, prejudicando, assim, sua
capacidade de exercer o mesmo (BRASIL, 2001).
Eventos estressores na vida do trabalhador, como o início de
um novo trabalho e mudança nas condições de trabalho podem
desencadear episódios depressivos (JARDIM, 2011).
Os estressores do ambiente de trabalho têm sido apontados
como desencadeantes da depressão entre trabalhadores. O estresse
laboral, definido como resultado do desequilíbrio entre as demandas do
exercício profissional e a capacidade de enfrentamento do trabalhador,
associa-se ao desgaste do profissional, articulando-se negativamente à
saúde mental dos trabalhadores (GHERARDI-DONATO, 2015, p. 734).
Farah (2016) ressalta que a depressão é a maior causa de
absenteísmo nas empresas e aponta para o preocupante quadro do
aumento desses indicadores, asseverando que para reverter este cenário
alarmante, “a depressão nas Organizações precisa ser tratada tal como
fazem as políticas de saúde atualmente orientadas pela OMS: como um
sintoma social” (FARAH, p.116). Vale salientar que,
os custos com o tratamento da depressão são inferiores aos custos
sociais e econômicos por ela gerados. O Brasil já sofre o impacto da
perda de produtividade e do aumento dos afastamentos do trabalho
pela depressão (RAZZOUK, 2016, p. 847).

144
Assim, a prevenção dos episódios depressivos, relacionados
ao trabalho, requer uma ação integrada, articulada com setores
assistenciais e de vigilância com atendimento em abordagem
interdisciplinar, capacitada para dar suporte ao trabalhador e também
para implantar ações interventivas nos ambientes de trabalho
(BRASIL, 2001). Envidar esforços em pesquisas sobre a relação da
depressão com os aspectos organizacionais e aprimorar as discussões
relativas aos programas de saúde mental com as reais necessidades da
população também são relevantes para esclarecimento deste fenômeno
social (ROSI, MINARI, GUIMARÃES, 2017).
Referências
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http://www.psiqweb.med.br/, revisto em 2005. Acesso em 10 de nov. 2015.
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BORGES, L. H. Depressão. In: GLINA, D. M. R; ROCHA, L. E. (org). Saúde mental
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d&q=BRASIL.+Ministério+da+Previdência+Social%2C+2013.+Auxílios
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relacionados ao trabalho. In: DIAS, E. C. (org) Doenças Relacionadas ao
Trabalho. Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde. Cap.10,
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DA SILVA GHERARDI-DONATO, E. C.; CARDOSO, L.; ARAÚJO BASTOS
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FARAH, B. A Depressão no ambiente de trabalho: prevenção e gestão de
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http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-497420160
00400845&lng=pt&nrm=iso. acessos em 20 jul. 2019.
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VELASCO, P. M. Depressão e transtornos mentais. Rio de Janeiro: Wak, 2009.

DESAMPARO
Alessandra Laudelino Neto; Helen Paola Vieira Bueno;
Jorge Miguel Soares Rodrigues
A dimensão do desamparo, com o olhar da metapsicologia, se
reporta a uma problemática que se impõe ao longo da obra freudiana.
Em 1895, Freud associa o desamparo a um sentimento que surge nas
primeiras experiências de vida do recém-nascido em decorrência da
incompletude de seu organismo, não dispondo dos instrumentos que
lhe permitam alcançar os meios para satisfazer suas necessidades
básicas, carecendo da ajuda da figura do adulto. Nos textos
denominados antropológicos ou sociológicos que compõem a obra
freudiana, o desamparo é concebido como um dos propulsores da
edificação da civilização, do estreitamento das relações entre seus
pares, sendo o Trabalho um dos instrumentos para lidar com esse
sentimento de desamparo (Hilflosigkeit).
Na contemporaneidade, o sociólogo Zygmund Bauman (1997)
apresenta a configuração das relações sociais marcada por um período
de estabelecimento de relacionamentos vivenciados por situações
transitórias e limitadas. Sobre esse aspecto, alguns autores, como
Birman (2003), apresentam o desamparo, além da circunstância
originária, como uma condição que se agravou durante as
transformações sociais da modernidade, por meio das rupturas, das
incertezas e das fragmentações vivenciadas pelo sujeito em meio às
possibilidades apresentadas na ordem social.
Em sua correlação com o mundo do trabalho, o desamparo
apresenta-se associado a uma dinâmica multidimensional que exige a
noção da inseparabilidade da organização do trabalho – como o
trabalho prescrito e o efetivo – e das atividades cotidianas do
trabalhador, sobretudo mediante a vinculação de estranhamentos e de
contínuas renovações de significados, por exemplo. Dessa forma, o

146
desamparo surge como um obstáculo a ser superado por meio do
próprio trabalho, como importante determinante social da saúde em
geral e, especialmente, da saúde mental, proporcionando ao indivíduo
uma conexão com a sua realidade social.
A gestão de saúde e segurança no trabalho necessita se apropriar
das boas práticas de promoção e prevenção de saúde nos espaços
laborais, sobretudo vinculadas a ambientes saudáveis, mediante o
significado do trabalho, a manutenção da identidade, os relacionamentos
positivos e outros fatores de proteção da saúde, pois “trabalhar não é
apenas produzir, é também transformar a si mesmo. [...] Trabalhar não é
apenas produzir, é também conviver” (DEJOURS, 2012, p. 370).
Referências
BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1997.
BIRMAN, J. O mal-estar na modernidade e a psicanálise. A psicanálise à
prova do social. In: Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas
formas de subjetivação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
DEJOURS, C. Psicodinâmica do trabalho e teoria da sedução. Psicologia em
Estudo [en linea] 2012.
FREUD, S. Projeto para uma Psicologia Científica. Edição Standard Brasileira
das Obras Completas de Sigmund Freud, Vol.1. Rio de Janeiro: Imago, 1990.
FREUD, S. O futuro de uma ilusão e o mal-estar na civilização. Edição
Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XXI.
Rio de Janeiro: Imago, 1996.

DESEQUILÍBRIO ESFORÇO-RECOMPENSA (SIEGRIST)


Tânia Maria de Araújo
O modelo Effort-Reward Imbalance (ERI) é uma proposta para
investigar estressores ocupacionais elaborada por Johannes Siegrist
(SIEGRIST, 1996). A sua estrutura conceitual foi desenvolvida para
identificar efeitos adversos na saúde produzidos por ambientes
psicossociais do trabalho estressantes.
Nesse modelo, o papel do trabalho na vida humana é destacado
como ação que envolve principalmente o sentimento de ser
recompensado ou estimado e de pertencimento significativo a um grupo
social (SIEGRIST, 2004). De acordo com o modelo, o trabalho pode
exercer papel potencialmente benéfico na vida das pessoas, mas, para
que esse potencial se realize, deve haver, como requisito básico, uma
relação de reciprocidade, ou seja, o esforço empreendido no trabalho,
como parte de um processo de intercâmbio social, deve ter
correspondência com as recompensas recebidas. A falta de
reciprocidade entre o investimento no trabalho (subjetiva ou objetiva) e
os ganhos advindos dele, a saber, reconhecimento, status e
remuneração, define um estado de sofrimento emocional, predispondo o
147
indivíduo ao adoecimento. Considera-se que um alto esforço e uma
baixa recompensa levam a reações fisiológicas e emocionais negativas.
A terceira dimensão proposta é o comprometimento excessivo
com o trabalho (over-commitment) que diz respeito às características
pessoais do trabalhador, a sua motivação, envolvimento e
direcionamento para preencher suas expectativas. É considerada uma
característica intrínseca ao trabalhador, capaz de potencializar os
resultados negativos do desequilíbrio entre esforços e recompensas
sobre a saúde.
Um questionário padronizado, de autorrelato, foi desenvolvido
para medir essas três dimensões. O formato recomendado do ERI inclui
23 questões, medidas em escala tipo likert (discordo fortemente,
discordo, concordo, concordo fortemente). Esforço é medido por 5 ou 6
itens (se a ocupação envolve esforço físico) que se referem a demandas
do ambiente de trabalho: três itens medem carga quantitativa, um mede
a carga qualitativa e um mede o aumento da carga total ao longo do
tempo. Os escores de esforço variam de 5 a 25 (com 5 itens) e de 6 a 24
(com 6 itens). A escala de recompensa tem 11 itens, com escores
variando de 11 a 55; possui três subescalas: estima, perspectivas de
promoção e segurança no trabalho. Comprometimento excessivo com o
trabalho é medido por 6 itens, com pontuação variando de 6 a 24.
Na análise, estimam-se os escores em função do somatório
dos itens de cada escala. Após a soma dos escores de esforço e de
recompensa calcula-se a relação entre esforço e recompensa utilizando
a fórmula ER=esforço/recompensa x fator de correção (c) - (c) é
estimado em função do número diferente de itens nas escalas de
esforço e recompensa, calculado pela fórmula: c=n (itens de
esforço)/n (itens de recompensa). Para uso da escala de esforço com 5
itens, o fator é 0.4545(5/11); para 6 itens é 0.5454(6/11). Para o
resultado da função <1, a situação é de equilíbrio e >1, a situação é de
desequilíbrio entre esforço e recompensa, configurando situação de
risco à saúde.
O ERI, ao lado do modelo demanda-controle de Karasek,
representa um dos modelos mais utilizados do mundo para avaliação de
estressores ocupacionais. Tem sido mais intensivamente utilizado a partir
dos anos 2000, em estudos de diversos grupos ocupacionais,
demonstrando bom desempenho e capacidade de identificar situações de
risco à saúde dos trabalhadores considerando vários desfechos sobre a
saúde. A avaliação psicométrica deste instrumento evidencia boa
consistência interna. O ERI já foi validado para a população brasileira
(CHOR et al., 2001).

148
O ERI possui, ao menos, duas vantagens com relação a outros
modelos de análise de estressores ocupacionais: a) ao focalizar o
desequilíbrio na reciprocidade entre “dar” e “receber” no contrato de
trabalho é capaz de apreender características críticas das condições de
trabalho no contexto de globalização da economia, mudanças
tecnológicas rápidas e precarização social do trabalho, podendo ser
empregado em condições de trabalho formal e informal; b) é um dos
poucos modelos que combina itens sobre as condições do ambiente
laboral com informação do comportamento de enfrentamento pessoal.
Assim, permite tanto avaliação de aspectos relativos à estrutura
ocupacional, quanto características pessoais no cotidiano de trabalho
(SIEGRIST; WAHRENDORF, 2016).
O ERI tem sido amplamente utilizado para avaliação de
associação entre aspectos psicossociais do trabalho e saúde mental,
especialmente depressão, ansiedade e transtornos mentais comuns. Os
resultados desses estudos, consistentemente, evidenciam que situações
preconizadas pelo modelo como nocivas (alto esforço, baixa
recompensa, alto comprometimento excessivo com o trabalho e
desequilíbrio entre esforços-recompensas) associam-se positivamente
ao adoecimento mental dos trabalhadores. Estudos mais recentes, de
desenho longitudinal (estudos epidemiológicos de coorte) oferecem
suporte aos achados iniciais obtidos em estudos transversais. A
associação entre as dimensões avaliadas pelo ERI e adoecimento
mental é bastante consistente (RUGULIES et al., 2017).
Adicionalmente estudos de intervenção com base no modelo ERI
também dão apoio ao modelo, indicando melhoria da saúde mental
dos trabalhadores associado a modificações nos níveis de esforço e
recompensa nos ambiente de trabalho (LIMM et al., 2014).
Estudos mais recentes, desenvolvidos com base em critérios
científicos mais robustos, que permitem avaliar desfechos em saúde no
tempo, oferecem evidências empíricas consistentes de que o modelo
esforço-recompensa pode ser útil na estruturação de programas
voltados para a promoção da saúde mental nos ambientes de trabalho,
bem como embasar políticas públicas de proteção à saúde mental.
Referências
CHOR, D. et al. Medidas de rede e apoio social no Estudo Pró-Saúde: pré-testes
e estudo piloto. Cadernos de Saúde Pública, v. 17, n. 4, pp. 887-896, 2001.
LIMM H. et al. Stress management interventions in the workplace improve
stress reactivity: a randomised controlled trial. Occupational Environment
Medicine, vol. 68, n.2, pp: 126-33, 2011.
RUGULIES, R.; AUST, B.; MADSEN, I. E. Effort–reward imbalance at
work and risk of depressive disorders. A systematic review and meta-analysis
of prospective cohort studies. Scandinavian Journal of Work Environment
and Health. 2017, vol. 43, pp. 294-306.
149
SIEGRIST, J. Adverse health effects of high-effort/low-reward conditions.
Journal of Occupational Health Psychology, v. 1, n. 1, pp. 27-41, 1996.
SIEGRIST, J. et al. The measurement of effort-reward imbalance at work: European
comparisons. Social Science & Medicine, v 58, n. 8, pp. 1.483-1.499, 2004.
SIEGRIST, J., WAHRENDORF, M. Work stress and health in a globalized
economy: The model of ‘effort’-’reward’ imbalance. Switzerland: Springer-
Cham, International Publications, 2016. 378p.

DESIGN THINKING NA PERSPECTIVA SOCIONÔMICA EM


PROL DA SAÚDE ORGANIZACIONAL E DOS
TRABALHADORES
Maria Luiza Gava Schmidt
Uma das interfaces do Design Thinking com a abordagem
Socionômica descrita por Jacob Levy Moreno (1999, 1978, 1972) é a
expressão da criatividade/espontaneidade individual (ou grupal). Na
vertente moreniana, a criatividade tem suas raízes na concepção da
espontaneidade. O Ato Criativo, característica marcante da obra de
Moreno, coloca o homem como um instrumento de criação que muda
continuamente mediante respostas novas e adequadas às situações da
vida. O Ato Criador é, para o precursor do Psicodrama/Sociodrama,
“qualquer ato que acarrete uma transformação integradora, no
sentindo do crescimento e de maturação, naquele que realiza e
também no meio que o rodeia” (MENEGAZZO, TOMASINI,
ZURETTI & COLS, 1995, p. 65).
Tal qual a abordagem moreniana, o Design Thinking, consiste
num método de transformação, basicamente um processo utilizado
para encontrar a melhor resposta para um dado problema. Dessa
forma, esse instrumento apoia-se numa sistematização destes
processos criativos e ordenados que são muitas vezes realizados de
forma intuitiva para um dado fim (BROWN, 2010). Ainda segundo
este autor, o Design Thinking “busca liberar a criatividade” (2010, p.
27). E, em contrapartida às metodologias tradicionais, afirma que,
não existe uma “melhor forma” de percorrer o processo... o continuum
da inovação pode ser visto mais com um sistema de espaços que se
sobrepõem do que uma sequência de passos ordenados. Podemos
pensar neles como a inspiração, o problema ou oportunidade que motiva
a busca por soluções; a idealização, o processo de gerar, desenvolver e
testar ideias; e a implementação, o caminho que vai do estúdio de
design ao mercado (BROWN, 2010, p. 16).

Esse continuum de inovações somente é possível se houver


adequação das respostas, de modo a responder, apropriadamente às
soluções dos problemas. Ou seja, uma adequação intrínseca a própria
150
ação. Daí entram em prática os conceitos de liberdade, espontaneidade
e criatividade, os quais permitirão um trabalho espontâneo e cauteloso
quanto ao tema e a situação a ser solucionada.
De acordo com Brown (2010), na atualidade as empresas
sentem-se inseguras em implantar novas ideias e acabam restringindo-
as aos modelos já existentes pelo fato destes serem previsíveis e fáceis
de serem copiados, ao contrário de novas ideias que geram a incerteza.
Sob a ótima moreniana, isto ocorre, sobretudo, porque as empresas
ficam presas às conservas culturais que lhe são impostas, deixando de
exercitar ações criativas, agindo, assim, pautadas em modelos
estereotipados.
Com o propósito de se diferenciarem e de se manterem
competitivas na oferta de seus produtos e serviços, as empresas
empregam, muitas vezes, estratégias já conhecidas e tradicionais,
permanecendo na mesmice e perdendo tempo em inovação, além de
correr riscos diante da competitividade do mercado.
Na busca pela inovação e diferencial, a metodologia do
Design Thinking mostra-se promissora para gerar novas ideias, e vale
ressaltar que
precisamos de uma abordagem à inovação que seja poderosa, eficaz
e amplamente acessível, que possa ser integrada a todos os aspectos
dos negócios e da sociedade e que indivíduos e equipes possam
utilizar para gerar ideias inovadoras que sejam implementadas e que,
portanto, façam a diferença (BROWN, 2010, p. 3).

Desse modo, o processo do Design Thinking tal qual a


abordagem moreniana está relacionado ao movimento de conservas
culturais. Ambas metodologias têm ligações com o ato criador
decorrente do afloramento da espontaneidade/criatividade. Essa
característica é indispensável para os indivíduos desenvolvam as
ideias inovadoras e adequadas posto que, “a inovação é fruto da
criatividade colocada em prática com o intuito de gerar resultados
positivos para o negócio e criar impacto positivo para as pessoas”
(TENNYSON et. al, 2012, p. 24).
Brown (2010) discorre sobre três comportamentos
fundamentais do modelo mental do Design Thinking, os quais
denominam-se: Insight, Observação e Empatia. No que se refere à
Observação, ele defende que o processo é fruto da qualidade da
observação, e não da quantidade, e que a escolha do caso afeta
dramaticamente o resultado. Segundo ele, sobre a Observação, o
designer deve procurar casos extremos, para entender os usuários que
vivem, pensam e agem diferentemente. Deve captar seus sentimentos,
151
desejos e emoções, ter a sensibilidade para verificar suas necessidades.
Na sua opinião, a observação requer uma característica importante dos
designers que auxilia, num primeiro momento, no entendimento de
questões e, num segundo momento, na criatividade necessária para a
obtenção de insights: a utilização da Análise e da Síntese. Nessa
perspectiva, conceitua a Análise como a capacidade de quebrar
problemas complexos para entendê-los melhor, e a Síntese como o ato
coletivo de agregar os pedaços e desenvolver ideias, novos conceitos e
novos produtos.
Na visão desse autor, a Empatia é talvez o mais importante
dos comportamentos, pois trata do momento de conectar as
informações às pessoas e extrair daí a proposta de solução. Isto requer
engajamento para se obter um entendimento sobre as experiências,
motivações, problemas, necessidades e desafios para, então,
desenvolver ideias de forma direcionada e adequada às situações. Por
conseguinte, a falta de empatia no desenvolvimento de um projeto
pode ser fator determinante para o seu fracasso.
Empatia diz respeito a capacidade de tomar conhecimento de
uma pessoa a partir da visão dela e não da nossa. No decorrer de sua
obra, Moreno frisou a diferença entre os conceitos de empatia e tele.
Nas suas concepções, empatia refere-se à capacidade de um indivíduo
colocar-se no lugar do outro, captando como o outro está se sentindo,
enquanto que a tele é a empatia ocorrendo nas duas direções, ou seja,
um indivíduo percebe e é percebido de maneira objetiva pelo outro.
Para ele, a tele é entendida como sendo um conceito social,
enquanto que a empatia é compreendida como um conceito individual,
isto é, refere-se a uma noção psicológica. Mediante essas
diferenciações, ele optou por utilizar em sua obra o termo ‘tele’, já que
sua teoria está focada no estudo das relações interpessoais.
Nossa experiência com a utilização do Método do Design
Thinking, sob a ótica moreniana, tem evidenciado o quanto as relações
podem intervir no processo de inovação, mostrando que, para eficácia
do processo, tanto a empatia quanto a tele são essenciais. Nos
contextos de projeto, precisamos colocar de lado nossas conservas
culturais pautadas nos nossos preconceitos, saberes, opiniões, pontos
de vista, a fim de compreender as experiências de outras pessoas de
forma profunda e significativa. Isto exige capacidade télica para
enxergar através dos olhos de outra pessoa - nesse caso, os
stakeholders e clientes que serão afetados pelo projeto.
As fases metodológicas do Design Thinking convergem com
as da vertente Moreniana em vários aspectos.

152
A Fase 1 do Design Thinking, denominada Definição, diz
respeito ao briefing. Nada mais é do que o levantamento do problema, tal
qual ocorre em sessões sociopsicodramáticas, como uma espécie de
Aquecimento Inespecífico. Na fase 2, ou seja, a etapa de pesquisa,
realiza-se uma análise das solicitações dos participantes, a coleta de
informações de forma abrangente sobre o problema, considerando todos
os detalhes e apontamentos sugeridos pelos participantes. No Design
Thinking a Observação Participante (OP) é empregada para se obter o
perfil das personas, ou seja, definir o sujeito, suas necessidades e desejos
em relação a um produto ou serviço, assim como suas escolhas e
opiniões, seus comportamentos, expressões não verbais, linguagem
corporal. Esta fase correlaciona-se com a avaliação que na vertente
Moreniana denomina-se Sociometria, pois ao se definir as personas,
examina-se o status sociométrico de um grupo de pessoas, seus
comportamentos, suas atrações ou rejeições que podem ser avaliadas
pelas expressões faciais ou outra forma de comunicação. Além disso,
busca-se também informações relevantes na alimentação do processo
criativo, convergindo para um Aquecimento Inespecífico que continua na
Fase 3- Ideação: Nessa etapa, o objetivo é buscar variados conceitos que
possam solucionar o problema de design contido em um briefing. É
também nesta etapa que uma série de métodos criativos são aflorados
para dar o formato às ideias ou mesmo para fazer com que estas ideias
venham à tona.
Contudo, para que isso ocorra, os envolvidos no processo
precisam lançar mão de conceitos como envolvimento, colaboração,
participação ativa e, acima de tudo, engajamento, daí a necessidade das
relações télicas.
Fase 4 - Prototipação: Esse estágio é o momento da testagem da
ideia de design. Os protótipos propiciam testar aspectos específicos de
cada conceito, e não precisam ser necessariamente produzidos com a
matéria prima destinada ao produto final, uma vez que o seu objetivo é
apenas elucidar o conceito proposto, sua volumetria e tridimensionalidade
bem como a sua viabilidade e eficácia (BRITO, 2014, p. 17).
Nesta fase, são geradas, validadas e verificadas as ideias. O
protótipo ajuda a tornar tangível uma ideia, passando-a do abstrato
para o físico por meio de uma representação da realidade, que poderá
ser apresentada por meio de uma cena.
Segue-se para a fase 5- Seleção: É a etapa de escolha de uma
ideia dentre as opções de solução apontadas nas fases de geração e de
prototipagem. Fase 6- Implementação: “A sexta etapa do Design
Thinking consiste em repassar as especificações referentes ao formato
do projeto para os responsáveis pela produção do produto final, o que
pode variar em função da solução escolhida” (BRITO, 2014, p. 17-
153
18). Fase 7- Aprendizagem: “Esta fase é intitulada de feedback, pois
caracteriza-se pela avaliação da reação do público alvo perante a
solução proposta implementada” (BRITO, 2014, p. 18).
As fases 5, 6 e 7 possuem características muito semelhantes
com as etapas da abordagem sociopsicodramática: compartilhar/
comentários e processamento.
Na vertente Socionômica, a ação dramática é a condição
indispensável para o processo de representação ocorrer no cenário
durante as interações dramáticas. Tal qual na abordagem moreniana,
no Design Thinking a ação também acontece mediante o efeito de um
ato, o ato de representar, que poderá ser mediante diferentes formas de
protótipos tais como: Diagrama, História, Filme/vídeo, Maquete,
Encenação, Demonstração digital (mock-up), Storyboard e Anúncio
para testar o conceito da ideia. No entanto, independentemente do tipo
de protótipo, para que a criatividade possa emergir para gerar ideias
inovadoras, faz-se necessário o aquecimento dos participantes, de
modo a tirá-los do campo tenso e colocá-los em campo relaxado.
Por fim, o aquecimento deverá permear toda sessão de design,
posto que a geração de ideias inovadoras implica uma escuta qualificada
sobre as necessidades das pessoas e emprega o movimento empático para
favorecer a estabilidade do relacionamento e coesão do grupo para
promover mudanças e possibilitar as transformações desejadas.
O Design Thinking também é o espaço da imaginação, da
alteridade, do ato criador e a produção artística na qual o indivíduo se
reorganiza, amplia seus horizontes e redescobre-se. As ideias
inovadoras tomam tamanhos e significações diversas, em função do
espaço interno de cada um. Desse modo, o Design Thinking, com o
potencial que possui para dar fluência à espontaneidade e à
criatividade, fica ainda mais fortalecido quando trabalhado sob a ótica
socionômica, pois favorece os participantes a awareness.
No campo da saúde do trabalhador, o método poderá ser
utilizado para realização de diagnósticos, oficinas, visando para
redução de estressores psicossociais no trabalho (SCHMIDT, 2019).
Nota: Dados deste texto fazem parte do trabalho premiado no 21º Congresso
Brasileiro de Psicodrama, 2018.
Referências
BRITO, I. R. S. A análise das etapas do Design Thinking aplicados no
processo de concept art de personagens para o cinema de animação.
[Monografia] apresentada ao curso de graduação em Comunicação em
Mídias Digitais, Universidade Federal da Paraíba, 2014.
BROWN, T. Design Thinking: Uma metodologia poderosa para decretar o
fim das velhas ideias. São Paulo: Campus, 2010.

154
MENEGAZZO, C. M; TOMASINI, M. A; ZURETTI, M. M. e cols.
Dicionário de Psicodrama, SÃO PAULO: EDITORA ÁGORA, 1995.
MORENO, J. L. Psicoterapia de grupo e psicodrama. Tradução: José
Carlos Vitor. Gomes. 3. ed. Campinas: Livro Pleno, 1999.
MORENO, J. L. Psicodrama. São Paulo: Cultrix, 1978.
MORENO, J. L. (1972). Fundamentos de la sociometria. Buenos Aires:
Editorial, Paidós, 1972.
SCHMIDT, M. L. G. Oficinas de Design Thinking: Metodologia para
Gerar Ideias Inovadoras em Processos de Trabalho em Unidades de
Saúde. Prêmio Proteção Brasil 2019.
Website: http://protecaopublicacoes.wixsite.com/congressosst2019
TENNYSON, P.; ALT, L.; PONTES, F. Design Thinking Brasil: empatia,
colaboração, e experimentação para pessoas, negócios e sociedade. São
Paulo: Elsevier Editora Ltda, 2012.

DIAGNÓSTICO FUNCIONAL
Fabiana Travaglini de Abreu Silva
O conceito de funcionalidade é complexo e envolve diferentes
domínios, como a capacidade para trabalhar, estudar, viver de forma
independente, manter relacionamentos, conseguir se divertir, entre
outros (WHO, 1993).
Segundo a classificação de transtornos mentais e de
comportamento da CID-10 (CID-10, 1993), a presença de algum grau
de prejuízo no funcionamento de uma ou mais esferas da vida faz
parte dos critérios diagnósticos. Entretanto, o diagnóstico em si de
uma doença mental não implica necessariamente em incapacidade
para o trabalho.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS),
incapacidade (disability), é
qualquer redução ou falta (resultante de uma ‘deficiência’ ou
‘disfunção’) da capacidade para realizar uma atividade de uma
maneira que seja considerada normal para o ser humano, ou que
esteja dentro do espectro considerado normal.

Já o Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) define


incapacidade laboral como “a impossibilidade do desempenho das
funções específicas de uma atividade ou ocupação, em consequência
de alterações morfopsicológicas provocadas por doença ou acidente”
(BRASIL, 2000). Pode ser total ou parcial; temporária ou de duração
indefinida (quando insuscetível de alteração em prazo definido com os
recursos da terapêutica e reabilitação disponíveis à época). Quando
essa incapacidade é total, permanente e multiprofissional, insuscetível
de recuperação ou reabilitação profissional, denomina-se invalidez.

155
Estes conceitos são importantes, pois funcionalidade e
incapacidade permeiam as avaliações dos trabalhadores afastados por
transtornos mentais, as avaliações de retorno ao trabalho e os casos de
readaptação profissional.
No âmbito da saúde do trabalhador, o diagnóstico nosográfico
será feito de acordo com a CID-10, porém existe atualmente um
instrumento específico para identificar de forma padronizada a
investigação de incapacidade relacionada aos transtornos mentais, a
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde
- CIF (OMS, 2003). Assim como a CID-10, o objetivo geral da CIF é
“proporcionar uma linguagem unificada e padronizada e uma estrutura
que descreva a saúde e os estados relacionados à saúde” (SILVA e
BERTOLOTE, 2016).
Esta classificação dispõe as informações em duas seções: a
parte 1 refere-se à Funcionalidade e Incapacidade; e a parte 2 abrange
os Fatores Contextuais. Cada parte tem dois componentes: a parte 1
engloba (a) funções do corpo e estruturas do corpo e (b) atividades e
participação; e a parte 2 engloba (c) fatores ambientais; e (d) fatores
pessoais. Cada componente consiste de vários domínios, podendo ser
expressos em termos positivos e negativos.
Resumidamente, seguem algumas definições (SILVA e
BERTOLOTE, 2016):
- funções do corpo são as funções fisiológicas dos sistemas orgânicos
(incluindo as psicológicas);
- estruturas do corpo são as partes anatômicas do corpo como
órgãos, membros e seus componentes:
- deficiências são problemas nas funções ou nas estruturas do corpo
como um desvio importante ou uma perda;
- atividade é a execução de uma tarefa ou ação por um indivíduo;
- participação é o envolvimento ou uma situação da vida;
- limitação de atividade são dificuldades que um indivíduo pode
encontrar na execução de atividades;
- restrições de participação são problemas que um indivíduo pode
experimentar no envolvimento nas situações da vida;
- fatores contextuais representam o histórico da vida e o estilo de
vida de um indivíduo;
- fatores ambientais constituem o ambiente físico, social e de atitudes
nas quais as pessoas vivem e conduzem sua vida. São externos ao
indivíduo, mas podem ser classificados como individuais (no
ambiente imediato do indivíduo, sejam aspectos físicos e materiais ou

156
contato direto com outros indivíduos, como família, conhecidos) e
sociais (sistemas predominantes na sociedade, incluindo serviços
relacionados ao ambiente de trabalho, atividades comunitárias e redes
sociais informais);
- fatores pessoais são o histórico particular da vida e do estilo de vida
de um indivíduo e englobam características intrínsecas do indivíduo,
como sexo, raça, idade, hábitos, profissão, padrão geral de
comportamento e de caráter, etc, que podem desempenhar um papel na
incapacidade em qualquer nível.
De acordo com esta classificação, a funcionalidade de um
indivíduo em um domínio específico é uma interação ou relação
complexa entre estado ou condição de saúde e fatores contextuais, em
que intervenções em um elemento têm o potencial de modificar um ou
mais dos outros elementos.
Pode-se deduzir que, em relação à saúde mental do
trabalhador, a avaliação funcional (da capacidade laborativa) mental
decorre, basicamente, de uma adequada avaliação do estado mental de
uma dada pessoa, associada aos fatores contextuais identificados em
cada caso (SILVA e BERTOLOTE, 2016).
A atestar a importância da psicopatologia fenomenológica para
avaliar a capacidade laborativa, tem-se, na CIF, o Capítulo 1, sobre
Funções Mentais, subdivido em Funções mentais globais (b110-b139)
em Funções mentais específicas (b140-b189), que lista o que deve ser
examinado para se chegar a uma conclusão sobre aquela capacidade:

Funções mentais globais (b110-b139)


b110 Funções da consciência
b114 Funções da orientação
b117 Funções intelectuais
b122 Funções psicossociais globais
b126 Funções do temperamento e da personalidade
b130 Funções da energia e dos impulsos
b134 Funções do sono
b139 Funções mentais globais, outras especificas e não
especificadas

Funções mentais específicas (b140-b189)


b140 Funções da atenção
b144 Funções da memória
b147 Funções psicomotoras
b152 Funções emocionais
b156 Funções da percepção

157
b160 Funções do pensamento
b164 Funções cognitivas de nível superior
b167 Funções mentais da linguagem
b172 Funções de cálculo
b176 Funções mentais para a sequência de movimentos complexos
b180 Funções de experiência pessoal e do tempo
b189 Funções mentais específicas, outras especificadas e não especificadas
b198 Funções mentais, outras especificadas
b199 Funções mentais, não especificadas

Em outras classificações, também encontramos “critérios” que se


relacionam com a funcionalidade do indivíduo na avaliação da
capacidade laborativa, como a proposta por Camargo (2010), que
classifica o grau de comprometimento dos funcionamentos social e
ocupacional em leve, moderado ou grave:
- Grau leve: poucos sintomas, comprometimento não significativo dos
funcionamento social e ocupacional;
- Grau moderado: aumento dos sintomas, comprometimento pouco
significativo dos funcionamentos social e ocupacional;
- Grau grave: muitos sintomas (excedendo o necessário para se
fazer o diagnóstico), comprometimento acentuado dos
funcionamentos social e ocupacional.
Atualmente, no Brasil, os estatutos dos servidores públicos e as
perícias administrativas são direcionados pelo Protocolo de
Procedimentos Médico-Periciais (BRASIL, 2010), utilizado também pelo
INSS, o qual menciona o Guide to Evaluation of Permanent Impairment
(elaborado pela Associação Médica Americana, 1995, atualmente em sua
6ª. edição). Segundo este manual, em relação aos transtornos mentais, a
abordagem depende da avaliação e do grau de desempenho em quatro
áreas: limitações em atividades da vida diária (autocuidado, higiene
pessoal, comunicação, ambulação, viagens, função sexual, sono,
atividades recreacionais e sociais; exercício de funções sociais
(capacidade do indivíduo de interagir e comunicar-se de forma eficiente
com terceiros); concentração, persistência e ritmo (indicador referente à
capacidade de manter a atenção focada para a realização de tarefas em
geral encontradas no lar, na escola, ou no trabalho); e deterioração ou
descompensação no trabalho (referente a falhas repetidas na adaptação a
circunstâncias estressantes), cujos prejuízos são classificados em cinco
graus diferentes, sendo o grau 1 a ausência de disfunção e o grau 5 níveis
extremos de disfunção (SILVA e BERTOLOTE, 2016).
Conclui-se, assim, que a realização de um diagnóstico
funcional, o qual, no Brasil, pode ser baseado, entre outros, nos
158
instrumentos relatados acima, é de fundamental importância para a área
da saúde mental trabalhista, uma vez que a avaliação adequada da
capacidade laboral do trabalhador requer, não só o estabelecimento do
diagnóstico nosográfico, como também a avaliação da funcionalidade
global do indivíduo acometido por aquele diagnóstico.
Referências
APA – AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM – 5. Manual
diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, 5ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
BRASIL. Resolução INSS/DC no. 10, de 19 de abril de 1999. Aprova os
protocolos médicos, com alterações realizadas pela Coordenação Geral de
benefícios por Incapacidade da Diretoria de Benefícios e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 abr. 2000.
BRASIL. Resolução INSS/MPS no. 128, de 19 de dezembro de 2010.
Aprova o manual de procedimentos de benefícios por incapacidade:
diretrizes de apoio à decisão médico-pericial em transtornos mentais. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 2010.
CAMARGO, D. A. Aspectos periciais em saúde mental no trabalho e
avaliação da capacidade mental para o trabalho. In: GLINA, D.M.R.;
ROCHA, L.E. Saúde mental no trabalho: da teoria à prática. São Paulo:
Roca, 2010, p. 81 a 97.
OMS. OPAS. CIF - Classificação Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2003.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação de transtornos
mentais e de comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes
diagnósticas. Porto Alegre: Artmed, 1993.
SILVA, F. T. A. e BERTOLOTE, J.M. Diagnóstico Nosográfico e
Diagnóstico Funcional. In: BARBOSA, W. F.; SCHMIDT, M.L. G.;
BERTOLOTE, J. M. Perícia Médica Administrativa: aspectos conceituais,
técnicos e éticos. São Paulo: LTr, 2016. p. 181-187.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. International classification of
impairments, disabilities, and handicaps: a manual of classification
relating to the consequences of disease. Geneva: WHO, 1993.

DIAGNÓSTICO NOSOGRÁFICO
Fabiana Travaglini de Abreu Silva
Do grego ‘nósos’, “doença”, e ‘graphos’, “descrição”. Ou
seja, “descrição da doença”. Portanto, o diagnóstico nosográfico
consiste em descrever o diagnóstico de uma doença por meio de
critérios bem estabelecidos. No que se refere à Saúde Mental, seria
descrever o quadro clínico do paciente nos termos de categorias
psicopatológicas, uniformizando a linguagem para a classificação das
perturbações mentais para que sirvam de diretrizes para uso clínico,
educacional e em pesquisa.

159
Na atualidade, a psiquiatria utiliza-se de dois sistemas
internacionais de classificação – a Classificação Internacional de
Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde, 10ª revisão (CID-
10); e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª
edição (DSM-5), da American Psychiatric Association (APA). São
baseadas em regras e critérios explícitos de inclusão e de exclusão,
que definem as categorias diagnósticas e são baseados em evidências
científicas disponíveis, sendo provisórios e sujeitos a revisão de
acordo com os resultados dos estudos empíricos. Uma nova
Classificação Internacional de Doenças (CID-11) vem sendo
desenvolvida há mais de uma década, com melhorias significativas em
relação às versões anteriores, porém tem previsão para entrar em vigor
em 1º de janeiro de 2022 (OPAS BRASIL, 2018). Portanto,
atualmente, o diagnóstico nosográfico ainda é baseado na CID-10.
Estes sistemas classificatórios surgiram durante a história da
Medicina para servir ao diagnóstico e não o contrário. Deve ser um
instrumento a serviço dos clínicos, direcionando as práticas
relacionadas ao diagnóstico e tratamento de pacientes (SILVA e
BERTOLOTE, 2016). O próprio DSM-5 destaca:
Os sintomas que constam nos conjuntos de critérios diagnósticos não
constituem definições abrangentes de transtornos subjacentes, que
englobam processos cognitivos, emocionais, comportamentais e
fisiológicos que são muito mais complexos do que pode ser descrito...
Sua intenção é, ao contrário, resumir síndromes características de sinais
e sintomas que indicam um transtorno subjacente com uma história
característica de desenvolvimento, fatores de risco biológicos e
ambientais, correlatos neuropsicológicos e fisiológicos e curso clínico
típico (DSM-5, 2014).

A CID-10 ressalta:
Estas descrições e diretrizes não contêm implicações teóricas e não
pretendem ser proposições completas acerca do estágio atual de
conhecimento dos transtornos... são simplesmente um conjunto de
sintomas e comentários sobre os quais houve uma concordância por
parte de um grande número de conselheiros e consultores em muitos
diferentes países como sendo uma base razoável para definir os limites
de categorias na classificação de transtornos mentais (CID-10, 1993).

Se, por um lado, as classificações recentes tendem a ser mais


“divisoras” que “agrupadoras”, contribuindo para o aumento
progressivo do número de categorias diagnósticas, por outro, trouxeram
ganhos, pois a adoção de um esquema de referência padrão aumentou a
concordância diagnóstica e a possibilidade de comunicação
160
profissional, além de maior comparabilidade, replicabilidade de estudos
e internacionalização da psiquiatria (SILVA e BERTOLOTE, 2016).
Ambos nomeiam as doenças mentais de “transtorno mental”,
definido pelo DSM-5 como:
[...] uma síndrome caracterizada por perturbação clinicamente
significativa na cognição, na regulação emocional ou no
comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos
processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento subjacentes
ao funcionamento mental. Transtornos mentais estão frequentemente
associados a sofrimento ou incapacidade significativos que afetam
atividades sociais, profissionais ou outras atividades importantes. Uma
resposta esperada ou aprovada culturalmente a um estressor ou perda
comum, como a morte de um ente querido, não constitui um transtorno
mental. Desvios sociais de comportamento (p.ex., de natureza política,
religiosa ou sexual) e conflitos que são basicamente referentes ao
indivíduo e à sociedade não são transtornos mentais a menos que o
desvio ou conflito seja o resultado de uma disfunção no indivíduo,
conforme descrito (DSM-5, 2014).

Embora o objetivo principal da elaboração dos critérios


diagnósticos seja auxiliar clínicos na condução da avaliação clínica,
da formulação de caso e do planejamento do tratamento, as
classificações atuais também são utilizadas como referência em
tribunais, por advogados, médicos do trabalho e peritos para avaliar as
consequências forenses dos transtornos mentais. No Brasil, a ênfase se
dá na CID-10, pois este é o sistema de classificação diagnóstica
oficialmente adotado pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério da
Previdência Social. É importante para avaliações periciais, nos casos
em que os trabalhadores encontram-se afastados por problemas de
saúde, ocupacionais e para a investigação do nexo causal entre os
transtornos mentais e o trabalho. Nesse sistema, cada transtorno é
acompanhado por um código. Segue abaixo resumidamente a lista de
categorias dos transtornos mentais e respectivas considerações gerais
de acordo com a CID-10 (CID-10, 1993):
F00 – F09 Transtornos Mentais Orgânicos, incluindo sintomáticos
Incluem uma série de transtornos mentais que apresentam
como característica comum uma
etiologia demonstrável de doença ou lesão cerebral, ou outra afecção
que leve a uma disfunção cerebral. A disfunção pode ser primária,
como em doenças, lesões e afecções que afetam o cérebro direta ou
preferencialmente; ou secundária, como em doenças e transtornos
sistêmicos que atacam o cérebro somente como um dos múltiplos
órgãos ou sistemas corporais envolvidos.
161
Dentre os principais diagnósticos deste bloco estão as
Demências (F00-F03), Delirium (F05), Outros transtornos mentais
decorrentes de lesão e disfunção cerebrais e de doença física (F06) e
Transtorno de personalidade e de comportamento decorrentes de
doença, lesão e disfunção cerebrais (F07).
F10 – F19 Transtornos mentais e de comportamento decorrentes
do uso de substância psicoativa
Compreende uma variedade de transtornos que diferem em
gravidade (desde uma intoxicação não complicada até quadros
psicóticos e demenciais), “porém que são atribuíveis ao uso de uma
ou mais substâncias psicoativas...”.
Neste bloco estão: os Transtornos mentais e de comportamento
decorrentes do uso de álcool (F10); Transtornos mentais e de
comportamento decorrente do uso de opióides (F11); Transtornos
mentais e de comportamento decorrente do uso de canabinóides (F12);
Transtornos mentais e de comportamento decorrente do uso de sedativos
ou hipnóticos (F13); Transtornos mentais e de comportamento
decorrente do uso de cocaína (F14); Transtornos mentais e de
comportamento decorrente do uso de estimulantes, incluindo cafeína
(F15); Transtornos mentais e de comportamento decorrente do uso de
alucinógenos (F16); Transtornos mentais e de comportamento
decorrente do uso de tabaco (F17); Transtornos mentais e de
comportamento decorrente do uso de solventes voláteis (F18);
Transtornos mentais e de comportamento decorrente do uso de múltiplas
drogas e do uso de outras substâncias psicoativas (F19).
F20 – F29 Esquizofrenia, transtorno esquizotípico e delirantes
Neste bloco estão os transtornos mentais caracterizados por
sintomas alucinatórios, delirantes e alterações do comportamento,
dentre os quais a esquizofrenia é o mais comum e o mais importante.
Compreendem: Esquizofrenia (F20); Transtorno Esquizotípico (F21);
Transtornos delirantes persistentes (F22); Transtornos psicóticos
agudos e transitórios (F23); Transtornos Esquizoafetivos (F25); e
Psicose não-orgânica não-especificada (F29), entre outros.
F30 – F39 Transtornos do humor (afetivos)
“Nestes transtornos a perturbação fundamental é uma
alteração do humor ou afeto, usualmente para depressão (com ou sem
ansiedade associada) ou elação”. Normalmente essa alteração do
humor é acompanhada por uma alteração global do funcionamento,
sendo a maioria dos outros sintomas secundária ou facilmente
compreendida no contexto de tais alterações. Incluem: Transtorno
afetivo bipolar (F31); Episódio depressivo (F32); Transtorno

162
depressivo recorrente (F33); e Transtornos persistente do humor
(afetivos), entre outros.
F40 – F48 Transtornos neuróticos, relacionados ao estresse e
somatoformes
Transtornos predominantemente caracterizados por sintomas
ansiosos, sendo associados historicamente ao conceito de neurose e à
causação psicológica. Dentre os principais transtornos deste bloco
estão: Transtornos fóbico-ansiosos (F40); Outros transtornos ansiosos
(F41), que incluem os diagnósticos de Transtorno de pânico
(ansiedade paroxística episódica) (F41.0); Transtorno de ansiedade
generalizada (F41.1) e Transtorno misto de ansiedade e depressão
(F41.2); Transtorno obsessivo-compulsivo (F42); Reação a estresse
grave e transtornos de ajustamento (F43); Transtornos dissociativos
(ou conversivos) (F44); e Transtornos somatoformes (F45).
F50 – F59 Síndromes comportamentais associadas a perturbações
fisiológicas e fatores físicos
Compreendem os Transtornos alimentares (F50); Transtornos
não orgânicos de sono (F51); e Transtornos mentais e de
comportamento associados ao puerpério, não classificados em outros
locais (F53), principalmente.
F60 – F69 Transtornos de personalidade e de comportamento em adultos
Compreendem “uma variedade de condições e de padrões de
comportamento clinicamente significativos, os quais tendem a ser
persistentes e são a expressão do estilo de vida e do modo de se
relacionar, consigo mesmo e com os outros, característicos de um
indivíduo”. Dentre eles estão: os Transtornos específicos de
personalidade (F60); Transtornos de personalidade, mistos e outros
(F61); Alterações permanentes de personalidade, não atribuíveis à
lesão ou doença cerebral (F62); e Transtornos de hábitos e impulsos
(F63), entre outros.
F70 – F79 Retardo mental
Retardo mental é uma condição de desenvolvimento interrompido ou
incompleto da mente, a qual é especialmente caracterizada por
comprometimento de habilidades manifestadas durante o período de
desenvolvimento, as quais contribuem para o nível global de
inteligência, isto é, aptidões cognitivas, de linguagem, motoras e sociais.

Pode ocorrer com ou sem qualquer outro transtorno mental ou


físico. Compreendem: Retardo mental leve (F70); Retardo mental
moderado (F71); Retardo mental grave (F72); Retardo mental

163
profundo (F73); Outro retardo mental (F78) e Retardo mental não
especificado (F79).
F80 – F89 Transtornos do desenvolvimento psicológico
Dentre eles estão: Transtornos específicos do desenvolvimento
da fala e linguagem (F80); Transtornos específicos do
desenvolvimento das habilidades escolares (F81); e Transtornos
invasivos do desenvolvimento (F84), que inclui o Autismo infantil
(F84.0) e a Síndrome de Asperger (F84.5), entre outros.
F90 – F98 Transtornos emocionais e de comportamento com início
usualmente ocorrendo na infância e adolescência
Os principais transtornos deste bloco compreendem os
Transtornos hipercinéticos (F90); Transtornos de conduta (F91); e
Transtorno mistos de conduta e emoções (F92).
F99 Transtorno mental, sem outra especificação (SOE)
No que tange o campo da saúde mental no trabalho, são
inúmeros os transtornos que podem acometer o trabalhador, sendo que
as empresas e instituições públicas estão cada vez mais atentas a isso.
A publicação do Manual de Procedimentos sobre as Doenças
Relacionadas ao trabalho, pelo Ministério da Saúde, representa um
avanço para a prevenção, vigilância e para a saúde dos trabalhadores
(CAMARGO, 2010). Neste contexto, o decreto nº 3.048/99, de 06 de
maio de 1999, do Ministério da Previdência e Assistência Social,
apresenta a nova Lista de Doenças Profissionais e Relacionadas ao
Trabalho, que inclui diagnósticos do Capítulo V da CID-10 (JARDIM
et al, 2010), que trata da descrição dos Transtornos Mentais e de
Comportamento mencionados anteriormente. Nesta lista constam um
conjunto de 12 categorias de transtornos mentais:
- Demência, em outras doenças específicas classificadas em outros locais
(F02.8);
- Delirium, não sobreposto à demência (F05.0);
- Transtorno cognitivo leve (F06.7);
- Transtorno orgânico de personalidade (F07.0);
- Transtorno mental orgânico ou sintomático não especificado (F09)
- Alcoolismo crônico (F10.2);
- Episódios depressivos (F32);
- Transtorno de estresse pós-traumático (F43.1);
- Síndrome de fadiga (incluída em Neurastenia - F48.0);
- Neurose ocupacional (incluída em Outros transtornos neuróticos
especificados – F48.8);
164
- Transtorno do ciclo sono-vigília (incluído em Transtornos do ciclo sono-
vigília não orgânicos – F51.2); e
- Burnout ou síndrome do esgotamento profissional (Z.73.0).
Vale ressaltar que os sistemas classificatórios não são manuais
de psicopatologia, cujo conhecimento por parte do médico é
fundamental para a adequada prática diagnóstica em psiquiatria, não
sendo recomendado seu uso como meros checklists (SILVA e
BERTOLOTE, 2016). Como já mencionado anteriormente, esses
sistemas são apenas diretrizes para a realização de diagnósticos,
devendo ser usados com base no julgamento clínico.
Referências
APA – AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM – 5. Manual
diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, 5ª ed. Porto Alegre:
Artmed, 2014.
CAMARGO, D. A. Psiquiatria Ocupacional: Interface com a Psiquiatria
Geral. In: CAMARGO, D. A. et al. Psiquiatria Ocupacional. São Paulo:
Atheneu, 2010. pp. 23-31.
JARDIM, S. R.; RAMOS, A., GLINA, D.M.R. Diagnóstico e Nexo com o
Trabalho. In: GLINA, D. M. R e ROCHA, L. E. Saúde Mental no
Trabalho, São Paulo: Roca, 2010, p. 52.
OPAS – ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE. Representação
da OPAS no Brasil. OPAS/OMS, 2018. Disponível em
˂http://www.paho.org/OMS divulga nova Classificação Internacional de
Doenças (CID11)˃. Acesso em: 1 jun. 2019.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação de transtornos
mentais e de comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes
diagnósticas. Porto Alegre: Artmed, 1993.
SILVA, F. T. A.; BERTOLOTE, J. M. Diagnóstico Nosográfico e
Diagnóstico Funcional. In: BARBOSA, W. F.; SCHMIDT, M. L. G.;
BERTOLOTE, J. M. Perícia Médica Administrativa: aspectos conceituais,
técnicos e éticos. São Paulo: LTr, 2016. p. 180-181.

DIGNIDADE E EFEITOS À SAÚDE MENTAL NAS


RELAÇÕES DE TRABALHO
Mateus Bender
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
proclama como fundamento da República e do Estado Democrático de
Direito nela constituído, a dignidade humana, considerada como direito
fundamental de todos os cidadãos. A concepção do princípio possui
origem em fatos históricos das atrocidades de crimes políticos, sob
razão do Estado. Nesse sentido, o princípio da dignidade humana foi
inserido na Declaração Universal das Nações Unidas de 1948, passando
a nortear o ordenamento jurídico de inúmeros países (BRASIL, 1988).

165
A ideia da primazia da pessoa fundada na dignidade humana vai
se destacar como resposta à crise do positivismo jurídico (corrente da
filosofia do direito que procura reduzir o Direito apenas àquilo que está
descrito na lei). Com a doutrina de Immanuel Kant (1724 - 1804), foi
exaltada a noção de que o homem é um fim em si, e não um meio.
Diferente das coisas, o ser dotado de razão é pessoa e centro de
imputação jurídica, capaz de determinar suas próprias leis. Assim,
enquanto as coisas têm preço, o indivíduo possui dignidade, a qual é
intrínseca a ela e constitui um valor absoluto. Enquanto os objetos têm
valor condicional e são substituíveis ou têm equivalentes, o ser humano é
único e dotado de valor intrínseco. Ele é a própria medida do seu valor,
como um fim em si mesmo, único e insubstituível (KANT, 2009).
A definição contemporânea de dignidade refere, em síntese,
que a pessoa é dotada de direitos essenciais sem cuja realização não
terá forças suficientes para a conformação de sua personalidade e seu
pleno desenvolvimento. Tais direitos consubstanciam o que se tem
convencionado chamar de mínimo existencial, sendo possível falar em
um núcleo essencial da dignidade humana, que é também direito (ou
norma), além de princípio-guia do sistema jurídico.
A dignidade, proclamada na Constituição Federal, é uma
declaração e não uma criação constitucional. Ela preexiste e a
proclamação constitucional tem o sentido de instituí-la como centro
do Estado, para o qual deve convergir toda a atividade mediante os
poderes estatais. Ter dignidade, ou conceder condições dignas ao
cidadão, importam na defesa e na promoção de uma série de
condições e premissas que se completam e formam um verdadeiro
sistema de proteção e incentivo do desenvolvimento econômico e
social do Estado. A dignidade ocupa um espaço de integridade moral a
ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. É
um respeito à criação, independentemente da crença que se professe
quanto à sua origem. Relaciona-se tanto com a liberdade e valores do
espírito como com as condições materiais de subsistência.
A Constituição Federal de 1988, de forma inédita, positivou a
saúde como um direito fundamental, posto como um direito social
(arts. 6º e 196 a 200, da Constituição Federal de 1988). Relativamente
à saúde do trabalhador, a Constituição atual contém um capítulo
específico sobre a proteção do meio ambiente (art. 225 da
Constituição Federal de 1988), um dos fatores fundamentais à garantia
da saúde, quiçá o mais importante, preconizando que no meio
ambiente geral está compreendido o meio ambiente do trabalho (art.
200, inciso VIII, da Constituição Federal de 1988). Se a dignidade é
um princípio norteador do sistema jurídico, constituindo-se como
direitos básicos do cidadão, pode-se afirmar que a Constituição
166
brasileira definiu muito bem o referido mínimo existencial social, em
seu art. 6º, definindo ainda com mais rigor as necessidades vitais
básicas dos trabalhadores no inciso IV do seu art. 7º. De tal modo que
a saúde do trabalhador, como espécie do gênero, compõe,
seguramente, o chamado conteúdo essencial da dignidade da pessoa
humana (BRASIL, 1988).
Nesse sentido, a saúde do trabalhador, dever ser compreendida
como um direito humano fundamental de natureza negativa e positiva,
exigindo do empregador e do Estado não somente a abstenção de
práticas que possam levar à doença do trabalhador, mas também a
adoção de medidas preventivas de doenças. A saúde do trabalhador,
inserida no núcleo da dignidade, é um direito humano e, como tal, é
inviolável, devendo ser observado rigorosamente tanto pelo
empregador quanto pelo Estado em sua atividade regulatória e de
fiscalização. Portanto, as normas de proteção à saúde do trabalhador
são de ordem pública, de maneira que a saúde do trabalhador, como
direito básico, fundamental, tem de ser atendida em quaisquer
circunstâncias, em nome do princípio-guia do sistema jurídico
brasileiro, qual seja, o da dignidade humana, indissociável do próprio
direito à vida, o fundamento último de todo Estado de Direito.
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p.
KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. de Guido
Antônio de Almeida. São Paulo: Discurso Editorial: Barcarolla, 2009.

DOR PSÍQUICA
Luziane de Fátima Kirchner; Lidia Carolina Rodrigues Balabuch;
Maria Elisa de Lacerda Faria
Dor psíquica é um tema amplamente discutido em algumas
teorias da psicologia, incluindo a Psicanálise. Para Freud (1905/1976),
este tipo de dor pode estar atrelado ao intenso sofrimento que decorre
no âmbito de mudanças psíquicas e ser expressa em significativas e
exitosas transformações ou em manifestações somáticas. É
inquestionável a relação que se estabelece entre os fenômenos mentais
e físicos, mesmo quando a dor é entendida, pelo senso comum, como
um problema de ordem psíquica.
Não há unanimidade da literatura relativa a classificação,
origens e causas da dor, e seus componentes podem variar de acordo
com a abordagem teórica. Contudo, os modelos teóricos evoluíram
para o entendimento geral da dor e hoje se compreende que variáveis
biológicas, neuroquímicas, emocionais, psicossociais e socioculturais

167
interferem na forma como a dor é percebida. A definição de dor mais
aceita é da International Association for the Study of Pain (IASP,
1994) em que a dor é uma experiência sensorial e emocional
desagradável, associada a uma lesão efetiva ou potencial dos tecidos,
ou descrita em termos de tal lesão (HENNEMANN-KRAUSE, 2012).
A dor é única e acessível somente a quem a sente, e cada
indivíduo aprende a relatá-la com base nas suas experiências. Ela pode
ser descrita em termos de localização (e.g.: pontual ou difusa),
qualidade (e.g.: formigamento, queimação, latejamento, pressão,
perfuração, etc.), intensidade (e.g.: insuportável, moderada, leve, sem
dor), frequência (e.g.: ininterrupta ou episódica) e duração (e.g.: aguda,
crônica). A literatura médica também diferencia a dor em termos de
origens ou causas, como: a) nociceptiva: dor causada por estimulação
contínua e persistente de nociceptores, que podem ser térmicos,
químicos ou mecânicos; b) neuropática: dor causada ou iniciada por
uma lesões do Sistema Nervoso Central ou Periférico, na medula, no
tronco encefálico ou nas estruturas do encéfalo; ou c) psicogênica: dor
não explicada por fatores orgânicos ou processos fisiológicos, ou
compreendida como “dor sem causa específica” (GUIMARÃES, 1999).
O diagnóstico de dor psicogênica é mais difícil de ser
confirmado porque geralmente é clínico, e não há medidas
psicofisiológicas que comprovem a existência da patologia. É possível
que haja comorbidade com transtorno de ansiedade e de humor (dentre
outras que dependem especificamente de cada diagnóstico), podendo
levar o indivíduo a condição de incapacidade frente a dor. A ausência
de medidas precisas e diretas na avaliação contribui para gerar
estigmas ao redor do paciente, que reduzem a credibilidade em relação
ao sofrimento e a gravidade do problema.
No contexto organizacional, os estudos de Mielenz, Garrett e
Carrey (2008) e Williams et al. (1998) mostraram que o aumento na
percepção da dor pode estar relacionado à falta de apoio, insatisfação
no trabalho, estresse e a percepção de baixa renda. Embora exista um
alto índice de agravamento da dor decorrente da condição ergonômica,
manuseio de carga, movimentos repetitivos, os fatores relacionados ao
sofrimento emocional também apresentam considerável impacto,
sendo capazes de aumentar a percepção do quadro álgico, prolongar o
tempo de permanência da dor, e gerar incapacidade frente as
atividades ocupacionais (MIELENZ; GARRETT; CARREY 2008).
Esses apontamentos sugerem que a mudança do significado do
trabalho para os indivíduos vem acompanhada da mudança no modo
de trabalhar e, portanto também no modo como se adoece. Entretanto,
deve-se levar em conta os diversos fatores que envolvem o

168
adoecimento do indivíduo, e que o trabalho, se não é o principal, está
entre os principais fatores de adoecimento.
Referências
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completas. v. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
GUIMARÃES, S. S. Introdução ao estudo da dor. In: CARVALHO, M. M.
(Org.) Dor: um estudo multidisciplinar. São Paulo: Summus, 1999, p.13-30.
HENNEMANN-KRAUSE, L. Dor no fim da vida: avaliar para tratar.
Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto. 2012;11(2):26-31.
INTERNATIONAL ASSOCIATION FOR THE STUDY OF PAIN – IASP.
Classification of chronic pain: Descrip tors of chronic pain syndromes and
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MIELENZ, T. J.; GARRETT, J. M.; CARREY, T. S. Association of
psychosocial work characteristics with low back pain outcomes. Spine.
2012; 33(11): 1270-5. doi: 10.1097 / BRS.0b013e31817144c3.
WILLIAMS, R. A. et al. The contribution of job satisfaction to the transition
from acute to chronic low back pain. Archives of Physical Medicine and
Rehabilitation. 1998; 79(4): 366–374. doi:10.1016/s0003-9993(98)90135-6.

EMOÇÕES
Matheus Viana Braz
As emoções, na acepção da Sociologia Clínica, são produtos
da interação entre sentimentos e afetos que se inscrevem no registro
do vivido, da experiência, do corpo e de suas manifestações
(GAULEJAC, 2012). Ao ir além das fronteiras da Psicologia, as
emoções traduzem a irredutibilidade entre social e psíquico, isto é, as
dinâmicas emocionais implicam também relações socialmente
construídas entre o indivíduo, o mundo e as pessoas de seu entorno.
Portanto, a experiência emocional, embora seja pessoal, é
condicionada por contextos culturais, sociais, históricos e familiares
específicos, bem como é construída mediante projeções, identificações
e idealizações, atravessadas por diferentes normas e valores.
Enquanto um dos principais domínios da atividade humana, o
trabalho é também o palco para produção e reprodução de diferentes
emoções. Nas relações interpessoais e demais espaços de socialização, as
emoções constituem vetores de engajamento, lealdade, dedicação, mas
também de cristalização, alienação e adoecimento. Em outros termos, é
no cotidiano laboral que se presentificam o medo de assumir projetos
específicos, de se acidentar, de não estar à altura das atribuições
recebidas, assim como a satisfação e orgulho após a realização de um
trabalho bem feito, a raiva diante de uma situação de injustiça ou a alegria
após ter esforços pessoais devidamente reconhecidos.
Embora ainda existam profissionais que endossem a crença de
que é possível “deixar as emoções fora do trabalho”, segmentando
169
ingenuamente a objetividade laboral com as vivências de cada trabalhador,
nos últimos vinte anos o interesse pelas emoções no trabalho expandiu-se
consideravelmente. Em resumo, de um lado há pesquisadores que se
debruçam sobre o tema com a finalidade de colocar as emoções a serviço
do aumento de produtividade, mediante processos voltados ao
gerenciamento emocional (BONO; VEY, 2005) ou a ampliação da
resiliência e inteligência emocional (O’BOYLE et al., 2011). De outro,
sociólogos e psicólogos dialogam para compreender as inter-relações entre
as emoções, os conflitos e contradições das formas de gestão nas
organizações, bem como suas ressonâncias para o campo da Saúde Mental
no Trabalho (FORTINO; JEANTET; TCHOLAKOVA, 2015).
Crítica a reificação das emoções no trabalho
Em trabalho recente (VIANA BRAZ, 2019), constatamos que
em substituição à visão de um profissional neutro, que deveria deixar
seus sentimentos fora do ambiente de trabalho, hoje, as emoções se
transformam em competências a serem geridas. Inteligência
emocional (IE), inteligência relacional (IR), automotivação,
resiliência, controle de si e perseverança são exemplos de
terminologias que carregam em seu bojo uma perspectiva utilitária das
emoções. Falar de fato do que se sente, exprimir suas fraquezas e
sofrimentos representa vergonha e, por vezes, humilhação. Assim,
reificam-se as emoções e os discursos organizacionais parecem
difundir uma abordagem parcial da psicologia humana, de modo que
somente são passíveis de verbalização as emoções que se colocam a
serviço da produção. Conforme sublinha Vandevelde-Rougale (2017),
as “emoções negativas” permanecem à margem e nutrem
continuamente esse sentimento de vergonha, de sorte que a expressão
de sofrimento, no trabalho, traduz uma ameaça simbólica, que traz à
tona a vulnerabilidade das condições subjetivas laborais, tal como se
fosse posto à prova que a cena organizacional não é somente um
espaço de desenvolvimento profissional. Ademais, quando um
indivíduo pestaneja, recua ou não consolida algo que “inevitavelmente
deveria ser feito”, é visto como um fraco profissional, sem grandes
convicções e que não possui o perfil para o universo corporativo no
qual está inserido. No horizonte desses julgamentos, compreendemos
que esse trabalhador se desvela uma fonte de reativação do medo
alheio e, uma vez que tal conduta foge à ideologia hegemônica, ela
torna-se intolerável no ambiente laboral, alimentando a ideia de que é
necessário preventivamente evitar ou excluir essa figura que
desestabiliza o sistema.
Por se manterem na superficialidade e no plano comportamental,
os discursos hegemônicos organizacionais não concebem
questionamentos vinculados a disparidades políticas e ideológicas
170
imbricadas nas emoções produzidas nas relações de trabalho
(VANDEVELDE-ROUGALE, 2017). A descartabilidade, nesse ínterim,
coloca-se como inquestionável, uma regra já dada pelo jogo, o que gera
uma situação paradoxal, sobretudo para profissionais que atuam em
posições gerenciais e que se sentem impotentes em discutir diretrizes das
quais não estão convencidos, assim como difundem um discurso de
segurança e confiança, mesmo quando não sentem o mesmo. O estresse,
portanto, embora seja fruto da incerteza do resultado e do sentimento de
impotência, tende a se naturalizar e a se proliferar nesses espaços.
Predomina no cenário laboral brasileiro a acepção que as
emoções devem ser gerenciadas, à medida que podem ser funcionais e
alimentam a estrutura de inovação da empresa. Todavia, o dissenso e a
natureza dos conflitos produtores das emoções são sempre tratados
estritamente no plano psicológico: problemas de comunicação,
ausência de informações, choque de interesses entre departamentos ou
interpessoais, malentendidos, “problemas de caráter”, “estrutura
emocional fragilizada ou limitada”, “personalidade incompatível com
a função”, “comportamento pouco estimulante”, “falta de
automotivação” etc. Um dos efeitos colaterais centrais desse discurso
está ligado à ausência de questionamento no nível coletivo e ao
escamoteamento da natureza dos conflitos (VIANA BRAZ, 2019).
Parece sempre clara a concepção de que a organização é produto das
condutas individuais, mas se oculta que há nesse ínterim uma relação
dialética, pois também as organizações induzem, governam e suscitam
não somente uma cadeia específica de comportamentos e moções,
como também modos de ser e pensar previamente estabelecidos. Na
prática, enfim, essa lógica reforça a psicologização das contradições
sociais, oculta conflitos sistêmicos, de ordem estrutural e direcionam
toda sorte de sofrimento e problemas para o plano individual.
Referências
BONO, J. E.; VEY, M. A. Toward understanding emotional management at
work: A quantitative review of emotional labor research. In: C. E. J. HÄRTEL;
W. J. ZERBE; N. M. ASHKANASY (Orgs.) Emotions in organizational
behavior, pp. 213–233. Mahwah: Lawrence Erlbaum Associates, 2005.
FORTINO, S.; JEANTET, A.; TCHOLAKOVA, A. Émotions au travail,
travail des émotions. La Nouvelle Revue Du Travail. v. 1, n. 6, em linha,
2015. Acesso em : http://journals.openedition.org/nrt/2071.
GAULEJAC, V. L’histoire en héritage: roman familial et trajectoire
sociale. Paris: Éditions Payot & Rivages, 2012.
O’BOYLE, E. H.; HUMPHREY, R. H.; POLLACK, J. M.; HAWVER, T. H.;
STORY, P. A. The relation between emotional intelligence and job performance: A
meta‐analysis. Journal of Organizational Behavior. v.1, n. 32, p. 788-818, 2011.
VIANA BRAZ, M. Paradoxos do Trabalho: as faces da insegurança, da
performance e da competição. Curitiba: Appris, 2019.

171
EMPATIA
Márcia Pereira Bernardes
Palavra proveniente do vocábulo grego empatheia que
significa “paixão” ou “ser muito afetado”. Foi inicialmente utilizado
no campo das artes, quando o sujeito, diante de um objeto de arte,
desenvolve sentimentos de admiração e unicidade com o mesmo.
A sociologia compreende a empatia como forma de se ver do
ponto de vista do outro, para ver os outros do ponto de vista de
alguém ou para ver os outros do ponto de vista deles próprios. No
campo da psicologia, o estruturalista britânico Edward Titchener
(1867-1927) foi pioneiro em utilizar o termo para descrever a
capacidade para conhecer a consciência de outra pessoa e de raciocinar de
maneira análoga a ela através de um processo de imitação interna, sendo
que, por meio dessa capacidade, pessoas com o mesmo nível intelectual e
moral poderiam compreender umas às outras (WISPÉ, 1986, p. 315).

A partir de 1950, a empatia foi estudada e aplicada na prática


psicoterapêutica por Carl Rogers, onde o terapeuta deveria
desenvolver uma compreensão empática do cliente. Antes de Rogers,
outros estudaram a empatia, dentre eles Freud, Allport e Reik
(WISPÉ, 1986) e o psicodramatista Jacob Levy Moreno (2014).
Por um lado, em literatura livre, textos apontam três tipos de
empatia: cognitiva, emocional e preocupação empática, relacionadas
respectivamente ao pensar, sentir e empreender ações em prol da ajuda
do outro. Por outro lado, em literatura científica, inúmeros estudos
como os de Batson et al. (1987), Sampaio (2007), Decety e Jackson
(2004) definem a empatia como um constructo multifatorial. Tais
estudos apresentam que: a) a empatia pode ser medida através de testes;
b) consiste em vivência fenomênica unicamente humana; e; c) propõe a
presença de aspectos ideomotores na respostas empáticas, bem como
estabelece a hipótese de que, ao observar os movimentos de outra
pessoa, os neurônios-espelho localizados no córtex sensorial poderiam
disparar e pré-ativar o córtex motor do observador, deixando-o
predisposto a agir e até mesmo a executar movimentos semelhantes ao
observado. Todavia, destacam a necessidade de um refinamento
conceitual teórico pois, em muitas situações, o termo é empregado
indiscriminadamente ou confundido com simpatia ou compaixão. Os
autores ainda apresentam que a empatia influencia os processos de
tomada de decisão de alguém, em particular quando associado a valores
subjetivos ligados a moral, respeito e cuidados.
O construto empatia na abordagem psicodramática é definido
como a captação, pela sensibilidade, de sentimentos e emoções de
172
alguém ou contida em algo material. Tendência do sujeito para
adentrar no sentimento com o qual faz contato. Conforme Gonçalves,
(1988) é a “tendência para sentir o que se sentiria caso se estivesse na
situação e circunstância experimentadas pela outra pessoa”. A empatia
é base do fenômeno Tele, uma vez que Tele é compreendido como
empatia ocorrendo em duas direções. Tele “é a reciprocidade
empática” (CUKIER, 2002, p. 317), isto é, empatia relacional em
dupla direção. A empatia permite o fenômeno tele ocorrer ancorado
“na possibilidade de uma mutualidade relacional na qual acontece
uma fluência espontâneo-criativo, em território ‘limpo’ de projeções
transferenciais” (FONSECA, 2018, p. 43).
Uma vez que é relacional, a empatia perpassa diferentes
papéis que constituem o indivíduo, incluindo os papéis vivenciados no
mundo do trabalho - os papéis profissionais.
No mundo corporativo a empatia interfere na saúde mental,
pois quando bem empregada, favorece as relações profissionais. Nas
relações profissionais simétricas auxilia na formação de vínculos,
promove cooperação ao invés de rivalização, amplia trocas afetivas e
cognitivas, expande a compreensão frente ao erro do colega, permite
maior adequação à cultura organizacional, embasa o fenômeno Tele,
bem como ajuda no desenvolvimento da espontaneidade e criatividade.
Nas relações profissionais assimétricas beneficia a formação de
equipes; auxilia na valorização das diversidades; ajuda na escolha de
subordinados e na alocação de talentos; facilita a distribuição de tarefas,
retenção de colaboradores e desenvolvimento de lideranças; amplia a
tolerância ao erro do subordinado e vice-versa com o estabelecimento
de confiança e de vínculos contribuindo para gestão de pessoal.
Conhecer mais a história de vida dos subordinados, desejos e opiniões
pode elevar as relações a patamares de confiança e cumplicidade, com
maior engajamento, permitindo cada qual extrair o melhor de si.
Em contraposição, o mal emprego da empatia pode contribuir
para o paternalismo, manipulação e complacência gerando tratamentos
desiguais entre os subordinados, levando a tolerar o intolerável e a
privilégios. Para combater seu mal-uso é necessário o desenvolvimento
da capacidade de dizer não, em prol da Saúde Mental.
Referências
BATSON, C. D., FULTZ, J., & SCHOENRADE, P. A. Distress and
empathy: Two qualitatively distinct vicarious emotions with different
motivational consequences. Journal of Personality, 55(1), 21-75, 1987.
CUKIER, R. Palavras de Jacob Levy Moreno. São Pauo: Ágora, 2002.
DECETY, J., & JACKSON, P. L. The functional architecture of human
empathy. Behavioral and Cognitive Neuroscience Review, 3(2), 71-100, 2004.

173
FONSECA, J. Essência e personalidade - Elementos de psicologia
relacional. São Paulo: Ágora, 2018.
GONÇALVES, C. S.; WOLFF, J. R. A. S.; ALMEIDA, W. C. Lições de
Psicodrama. Introdução ao pensamento de J. L. Moreno. Ágora, SP, 1988.
MORENO, J. D. Impromptu Man: J. L. Moreno e as origens do
psicodrama, da cultura do encontro e das redes sociais/Jonathan D Moreno;
trad. Yvete Btty Datner. 1ed. São Paulo: Febrap, 2016.
ROGERS, C. R. Tornar-se pessoa (5a ed., M. J. C. Ferreira & A.
Lamparelli, trads.). São Paulo: Martins Fontes,[1985] 2001.
SAMPAIO, L. R. Produtividade, necessidade e empatia: relações entre
julgamentos distributivos, consideração empática e tomada de
perspectiva. Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Cognitiva, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2007.
WISPÉ, L. The distinction between sympathy and empathy: To call forth a
concept, a word is needed. Journal of Personality and Social Psychology,
50(2), 314-321,1986.

ENGAJAMENTO LABORAL E SAÚDE MENTAL NO


TRABALHO
André Luis Amorim Silva Filho; Michelle Morelo Pereira
Nos últimos anos, devido aos avanços suscitados pela
Psicologia Positiva, principalmente no âmbito da Psicologia
Organizacional e do Trabalho, o engajamento laboral tornou-se um
tema de grande interesse entre os estudiosos (KNIGHT;
PATTERSON; DAWSON, 2019). Assim é que as pesquisas mais
recentes vêm relacionando o engajamento no trabalho com resultados
individuais e organizacionais como a saúde, o bem-estar, o
desempenho e a segurança (BAILEY et al., 2015).
O engajamento laboral consiste em um estado mental positivo
em relação ao trabalho, em que ocorre o envolvimento pleno do
trabalhador em suas tarefas. Tal estado manifesta-se por meio de três
diferentes dimensões: vigor, dedicação e absorção. O vigor envolve a
adoção de altos níveis de energia e resiliência mental, a vontade de
envidar esforços direcionados às atividades laborais e a persistência
nas tarefas, mesmo diante de obstáculos. A dedicação caracteriza-se
pelo senso de significado, de entusiasmo, de inspiração, de orgulho e
de desafio propiciados pelo trabalho, que levam o trabalhador a dar o
melhor de si enquanto trabalha. A absorção, por sua vez, diz respeito
ao alto nível de concentração e envolvimento do trabalhador, ao ponto
de ele se sentir imerso com as tarefas que executa e perder a noção da
passagem do tempo (SCHAUFELI et al., 2002).
Um dos modelos teóricos mais adotados no estudo do
engajamento laboral é o modelo de demandas e recursos do trabalho
(JD-R model), segundo o qual os diferentes tipos de trabalho possuem
174
características que podem ser classificadas em três categorias
principais, a saber: as demandas, os recursos do trabalho e os recursos
pessoais. As demandas do trabalho consistem em aspectos físicos,
sociais e organizacionais do trabalho que implicam em custos físicos e
psicológicos para o trabalhador, como, por exemplo, a sobrecarga de
trabalho, a pressão temporal e as mudanças no trabalho. Os recursos
do trabalho, por sua vez, dizem respeito a aspectos do trabalho que
viabilizam o alcance de metas de trabalho e estimulam o crescimento
pessoal, além de diminuírem as demandas de trabalho e os custos
físicos e psicológicos a elas associados, como, por exemplo, o suporte
social no trabalho, a variedade de tarefas e as recompensas
(DEMEROUTI et al., 2001). Os recursos pessoais, por fim, são
características individuais, tais como autoeficácia, resiliência e
otimismo, que os empregados podem recorrer para superar os desafios
do trabalho (BAKKER; DEMEROUTI, 2017).
Assim, de acordo com essa perspectiva, as demandas do
trabalho tendem a exigir dos trabalhadores um grande esforço para
que atendam às suas tarefas e às exigências do trabalho, o que gera
custos físicos e psicológicos cada vez maiores, que acabam por drenar
a energia do empregado. O aumento do estresse gerado para suportar
tal estado, somado ao esgotamento da energia, faz com que as
demandas do trabalho apresentem, então, uma relação positiva e direta
com o burnout (CRAWFORD; LEPINE; RICH, 2010). Os recursos do
trabalho e os recursos pessoais, por outro lado, acionam um
mecanismo psicológico motivacional que aumenta a vontade dos
empregados em envidar esforços para a realização de tarefas que
satisfaçam suas necessidades de aprendizado, crescimento e
autonomia (BAKKER; DEMEROUTI, 2007; CRAWFORD et al.,
2010). Em resumo, o modelo JD-R sugere que os recursos
profissionais e pessoais são antecedentes positivos do engajamento no
trabalho, enquanto as demandas de trabalho se constituem em
antecedentes negativos. Nesse sentido, o engajamento laboral pode ser
considerado a antítese do burnout (SHIMAZU et al., 2018).
Nos últimos anos, este campo de saber tem se voltado para a
concepção e implementação de intervenções que aproveitem o poder
positivo do engajamento no trabalho e suas contribuições para melhoria
do bem-estar e da saúde mental (KNIGHT; PATTERSON; DAWSON,
2019). Estudos recentes sobre o tema indicam que trabalhadores mais
engajados apresentam mais satisfação no trabalho, maiores índices de
bem-estar laboral e de florescimento no trabalho, redução dos níveis de
estresse e de adoecimento, além de indicar resultados positivos com o
desempenho laboral e com a produtividade (ARIZA-MONTES et al.,
2018; FERREIRA et al., 2016; KAŠPÁRKOVÁ et al.; 2018;
175
SHIMAZU et al.; 2018). Ainda assim, mais investigações se fazem
necessárias para avaliar a consistência destes resultados ao longo do
tempo e para que outras relações com este construto sejam também
melhor compreendidas.
Referências
ARIZA-MONTES, A.; MOLINA-SÁNCHEZ, H.; RAMIREZ-SOBRINO, J.;
GIORGI, G. Work Engagement and Flourishing at Work Among Nuns: The
Moderating Role of Human Values. Frontiers in Psychology, 9, 1874, 2018.
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antecedents and outcomes of employee engagement: A narrative synthesis.
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BAKKER, A. B.; DEMEROUTI, E. The job demands-resources model: state
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BAKKER, A. B.; DEMEROUTI, E. Job demands–resources theory: Taking
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FERREIRA, M. C.; VALENTINI, F.; DAMÁSIO, B. F.; MOURÃO, L.;
PORTO, J. B.; CHINELATO, R. S. C.; NOVAES, V. P.; PEREIRA, M. M.
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KAŠPÁRKOVÁ, L.; VACULÍKA, M.; PROCHÁZKA, J.; SCHAUFELI, W.
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SCHAUFELI, W. B.; SALANOVA, M.; GONZALEZ-ROMA, V.; BAKKER,
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factor analytic approach. Journal of Happiness Studies, 3, 71–92, 2002.
SHIMAZU, A.; SCHAUFELI, W. B.; KUBOTA, K.; WATANABE, K.;
KAWAKAMI, N. Is too much work engagement detrimental? Linear or
curvilinear effects on mental health and job performance. PLOS ONE, 2018.

ENIGMA DO TRABALHO – CONTRIBUIÇÕES DA


PSICODINÂMICA DO TRABALHO
Laerte Idal Sznelwar; Selma Lancman; Cláudio Marcelo Brunoro;
Juliana O. Barros; Seiji Uchida
A psicodinâmica do trabalho vem se constituindo desde a
década de 1980, à época denominada exclusivamente como

176
psicopatologia do trabalho, a partir de um enigma. Para Christophe
Dejours era desafiador compreender que as pessoas não adoecessem
ao realizarem trabalhos que não faziam sentido, que eram perigosos
ou que não propiciavam reconhecimento. À época, inspirado nas
ideias da psicopatologia do trabalho, procurou, como seus
antecessores neste campo, entender a relação entre trabalho e
adoecimento, sobretudo no que dizia respeito à esfera psíquica.
Dejours (2004) também tinha como referência, os possíveis efeitos
patogênicos que, segundo os conceitos prevalentes à época, seriam
resultantes da vivência dos trabalhadores em determinados contextos
de trabalho. Apesar da busca por patologias específicas decorrentes de
causas determinadas, encontrou um enigma, um estado de aparente
normalidade, algo inesperado. Para Dejours (2004), tratava-se de algo
surpreendente na conduta dos trabalhadores, pois esperava deparar-se
com o patológico (distúrbios psíquicos) como resultado do confronto
dos sujeitos com a organização do trabalho.
Como parte deste quadro, Dejours (2004) também constatou algo
surpreendente na conduta dos trabalhadores, que aparentemente não fazia
sentido. Em situações perigosas, não havia necessariamente a adoção de
estratégias de prudência, mas, sim, a de condutas viris e desafiadoras
frente aos perigos que não diziam respeito a um ou outro trabalhador, mas
a todos. A compreensão daquilo, que seria um paradoxo a um olhar mais
desavisado, foi possível devido a adoção de conceitos oriundos da
psicanálise. A explicação deste tipo de conduta com base nos
mecanismos psíquicos de defesa trouxe um ponto de vista bastante
consistente que, desde então, ajuda a melhor compreender o que se passa
no trabalho, especialmente quando há risco de acidente e de adoecimento.
O enigma não se limitava a compreender as condutas, em termos do
enfrentamento do perigo, mas também o silêncio dos trabalhadores com
relação aos perigos, incluindo também a sua negação.
Agregar aos estudos sobre o trabalho conceitos psicanalíticos
sobre os mecanismos psíquicos de defesa que ocorrem sempre no âmbito
individual é um dos pilares da psicopatologia do trabalho. Mas a grande
originalidade da contribuição de Dejours (2004) é a descoberta e o
desvelamento de estratégias coletivas de defesa ou ainda de verdadeiras
ideologias defensivas. Note-se que as defesas psíquicas têm um papel-
chave na tentativa de proteger o sujeito contra o sofrimento percebido por
ele como inexpugnável e que colocaria em risco a sua própria integridade.
Esses mecanismos/estratégias têm uma modalidade bastante clara, que é
justamente a de reduzir a consciência do sujeito com relação ao perigo.
Esta contradição aparente permite que as pessoas consigam viver
situações que seriam, em princípio, insuportáveis. O grande paradoxo é
que, apesar de ter um papel protetor, eles têm também um papel
177
eminentemente alienante, uma vez que ao distorcer a percepção da
realidade impedem que os sujeitos reflitam e ajam para transformar, para
mudar o seu próprio trabalhar (MOLINIER, 2013).
Com o desenvolvimento de pesquisas e ações tendo como
base a psicopatologia do trabalho e o surgimento de novos enigmas,
houve um avanço significativo. O mais importante foi a adoção do
nome psicodinâmica do trabalho que reflete uma notória inflexão. A
partir de então, há uma defesa clara da centralidade do trabalho na
construção da saúde e da subjetividade dos sujeitos (SZNELWAR,
UCHIDA, LANCMAN, 2011). Os aspectos negativos, que seriam o
da existência de doenças e dos mecanismos de defesa para se proteger
do sofrimento patogênico dão espaço para o registro do positivo, isto
é, a possibilidade de que no trabalhar se obtenha prazer,
desenvolvimento enquanto sujeito e, também, dos coletivos. O
trabalhar, como ação, como engajamento de si para fazer frente ao não
previsto seria, ao ser reconhecido, um caminho fundamental para
construção da saúde, da realização de si e da construção de coletivos
onde seja possível a cooperação. Viver-junto no trabalho pode ser,
portanto, pautado em valores, como a confiança, a pertinência e o
sentimento de justiça.
A questão do trabalhar, central na constituição e no reforço da
subjetividade, segundo os preceitos da psicodinâmica do trabalho, está
cada vez mais presente no debate da contemporaneidade. O trabalho
permite desenvolver uma atividade coordenada, é sendo o locus onde
se pode constituir processos cooperativos e que pode favorecer a
vontade de viver-junto, em um processo eminentemente civilizatório.
Trabalhar é fazer face ao não previsto, ao não prescrito, àquilo que
emerge; conhecer em profundidade como as pessoas vivem o seu
trabalho permite aproximar-se do que efetivamente é realizado, assim
como os impedimentos existentes devido à organização do trabalho,
além das dificuldades de cada um. Portanto, trabalhar é relativo a uma
dinâmica da vida, onde os sujeitos agem em cenários onde as
possibilidades são dadas, são determinadas pelas tarefas a serem
cumpridas. Todavia, trabalhar não é cumprir o previsto, uma vez que
isto não é possível, há sempre o confronto com o real que precisa ser
superado. Para Dejours (2012), trabalhar é justamente dar conta
daquilo que não foi previsto e superá-lo. O reconhecimento deste fato
é um primeiro passo para que as condições para se construir locais de
trabalho que permitam o desenvolvimento da confiança e da
cooperação, pautadas em racionalidades que superem a exclusiva
relação entre meios e fins. Trabalhar e produzir algo de belo e útil é
uma conquista frente aos constrangimentos enfrentados pelos sujeitos.

178
Para isso, tanto a adoção de valores compartilhados nas
profissões quanto de processos de comunicação pautados naquilo que é
considerado verdadeiro em termos do que se produz (bens e/ou
serviços) e a possibilidade de reforço das diferentes subjetividades são
desafios que se colocam. Desvendar os enigmas do trabalhar, tendo
como perspectiva a construção da saúde, o desenvolvimento pessoal e
profissional, o reforço dos coletivos e das instituições, tem um papel
importante para que se constituam ações transformadoras que permitam
o desenvolvimento da cultura e da civilização (DEJOURS, 2012).
A centralidade do trabalhar na constituição da identidade e do
próprio sujeito é um dos pilares da psicodinâmica do trabalho e pode ser
considerada como uma das suas principais contribuições (UCHIDA,
SZNELWAR, LANCMAN, 2011). O diálogo com a psicanálise, com a
ergonomia, como outras ciências do trabalho e da gestão, assim, como
outras áreas do conhecimento, como o direito, a filosofia, a sociologia
também são contribuições significativas dessa disciplina.
Três teorias fundamentam a psicodinâmica: uma teoria do
sujeito ancorada nos pressupostos da antropologia psicanalítica; uma
teoria do trabalho baseada em propostas que dialogam com a
sociologia e com a ergonomia; e uma teoria política, na qual a questão
do trabalho, mais do que uma atividade, é uma ação no mundo.
Enfim, ao se tratar da questão da saúde no trabalho, em
especial no que diz respeito à economia psíquica, tratamos da
patologia, do adoecer, aspecto de inegável importância. A importância
dos mais diferentes distúrbios que advém de situações onde prevalece
o sofrimento patogênico é inegável. Todavia, o propósito da
psicodinâmica do trabalho é justamente inverter a chave relacionada
com a vivência do trabalho. Ao nos alinharmos com a psicodinâmica
do trabalho, estamos voltados a desvendar os enigmas ligados ao
trabalhar que propiciam condições para o desenvolvimento dos
sujeitos, para o reforço das suas subjetividades e para a sua
emancipação que, sempre são constituídas de forma relacional.
Apesar do sofrimento ser inerente aos confrontos com o real
do trabalho e que a sua transformação em prazer é vivida
individualmente, isto se dá sempre em processos relacionais, nos quais
o papel dos pares, da hierarquia e, de um modo mais amplo, da
sociedade é fundamental. Acreditamos que haja uma contribuição
significativa da psicodinâmica do trabalho com relação ao enigma
colocado por Freud (1930/2010) quando ele discute a importância dos
processos de sublimação e, sobretudo, como o trabalho de todos
poderia propiciar condições para tanto. As ações pautadas na
psicodinâmica do trabalho constituem caminhos para desvendá-lo e

179
para favorecer os processos de emancipação dos sujeitos e dos
coletivos. Por outro lado, não se pode negar a crescente incidência e
prevalência de distúrbios psíquicos relacionados ao trabalho,
sobretudo devido às modalidades de organização do trabalho pautadas
no individualismo e na competição, modalidades que teriam suas
origens no ideário neoliberal. Portanto as contribuições da
psicopatologia do trabalho continuam a ser importantes. Este fato
reforça a importância de se compreender a relação dialética entre a
psicodinâmica do trabalho e a psicopatologia do trabalho, sobretudo se
forem mantidas as mesmas raízes epistemológicas pautadas na
antropologia psicanalítica.
Referências
DEJOURS, C. Da Psicopatologia à Psicodinâmica do Trabalho. Rio de
Janeiro: Editora Fiocruz/Brasília: Paralelo 15, 2004.
DEJOURS, C. Trabalho Vivo, tomo II, Trabalho e Emancipação. Brasília:
Paralelo 15, 2012.
FREUD, S. Le malaise dans la culture. Paris, Quadrige / PUF,
1930/2010,7ème édition.
MOLINIER, P. O trabalho e a psique - uma introdução à psicodinâmica
do trabalho. Brasília: Paralelo 15, 2013.
SZNELWAR, L. I., UCHIDA, S., & LANCMAN, S. A subjetividade do trabalho
em questão. Tempo Social, Revista da Sociologia da USP, 23(1), 11-30, 2011.
UCHIDA, S.; SZNELWAR, L. I.; LANCMAN, S. Aspects
épistémologiques et méthodologiques de la psychodynamique du travail.
Travailler (Revigny-Sur-Ornain), v. 1, p. 29-44, 2011.

ENTREVISTA
Sandra Fogaça Rosa Ribeiro
Dentro da área de saúde mental e trabalho a entrevista é um
instrumento fundamental na identificação da complexidade
intrapsíquica no ambiente laboral; é um processo dinâmico de interação,
caracterizado como um campo, incluindo atitudes, ansiedades, defesas,
projeções e introjeções, estabelecido predominantemente pelo
entrevistado, guiado pelo entrevistador, no papel de investigador
participante, não um mero coletor de dados. Difere de consulta e de
anamnese, pois em ambas supõe-se que o sujeito investigado conhece
sua vida e falará sobre ela; enquanto que na entrevista, a expectativa é
que a partir do relato exposto, se descubra aquilo que nem o
entrevistado sabe sobre si (BLEGER, 1998). Distingue-se também da
entrevista de emprego, limitada a questões de recrutamento e seleção. É
apropriada para os relatos de natureza delicada e pessoal sobre o
desgaste emocional do trabalhador e as possíveis conexões com a
organização do trabalho. Contribui na abordagem de temas
especialmente angustiantes, oportunizando manifestações de emoção,
180
choro e angústia dos trabalhadores. Destacam-se alguns pontos: a
atenção à comunicação não verbal, que em geral pode trazer
informações implícitas, não reveladas; o manejo dos conflitos e
contradições; a identificação do timing da entrevista ou o tempo do
entrevistado que lhe é próprio, configurando-se numa maior ou menor
dificuldade para expor seus conteúdos; a discriminação e o
desenvolvimento de atitudes frente ao silêncio, ao choro e à dor. Turato
(2003) define essas atitudes do entrevistador como uma forma de
acolhimento ao entrevistado, especialmente quando os fenômenos
estudados mobilizam emoções complexas e de verbalização difícil,
valorizando a empatia, a relação face a face, a escuta ativa e trocas
afetivas, ao contrário de uma suposta neutralidade.
As principais modalidades de entrevista se constituem em:
Entrevista aberta ou não estruturada: é aquela na qual a
flexibilidade possibilita uma investigação mais ampla da
personalidade do entrevistado, com liberdade de colocar perguntas
sobre um dado assunto, conforme a particularidade de cada caso
(BLEGER, 1998; MINAYO, 2010).
Entrevista fechada ou estruturada: é aquela na qual as perguntas
são previamente formuladas, sem possibilidade de alteração na ordem
e na maneira de formulá-las (BLEGER, 1998; MINAYO, 2010).
Entrevista semiestruturada: articulação das duas modalidades
anteriores, estruturada e não estruturada (MINAYO, 2010).
Entrevista individual: é aquela que se distingue por ter um único
participante e um único entrevistador, mantendo a perspectiva da
entrevista como um fenômeno grupal, caracterizado pela dinâmica dos
processos de grupo (BLEGER, 1998; MINAYO, 2010).
Entrevista grupal ou coletiva: é aquela na qual há mais que um
participante, podendo ser conduzida por um ou mais entrevistadores
(BLEGER, 1998; MINAYO, 2010).
Discussão de grupo: É uma modalidade de entrevista em pequenos
grupos, com definição de número de participantes entre 6 a 12
componentes, com opiniões voltadas para um tema específico,
conduzido por um coordenador. Possibilita que cada trabalhador faça
emergir os aspectos comuns à experiência de trabalhar junto com os
outros colegas, no mesmo lugar (MINAYO, 2010).
Entrevista em profundidade: É aquela que possibilita retomar de
forma retrospectiva e histórica a vida do trabalhador, emergindo
aspectos coletivos de cada pessoa no ambiente de trabalho, dentro do
processo produtivo em sociedade, a partir da abordagem individual
(MINAYO, 2010).

181
A análise dos dados da entrevista depende da situação na qual
foi realizada. Se ela ocorreu num contexto de pesquisa, seguirá os
passos de análise proposto no projeto, de forma integrada aos outros
recursos utilizados na coleta de dados. Minayo (2010) propõe a
ordenação, classificação e análise dos dados, respondendo à questão
de pesquisa, lembrando que o produto final sempre terá um caráter
provisório e aproximativo, pois outras afirmações futuras poderão
superar as atuais. Bleger (1998) postula que qualquer situação de
intervenção profissional, pressupõe o exercício investigativo, no qual
a análise faz parte da própria entrevista, pensando, observando e
imaginando os significados dos conteúdos, num processo único e
dialético. A partir do produto final, a devolutiva ao entrevistado é
imprescindível, não fechará o processo, pois outras indagações
poderão surgir, num movimento espiralado e contínuo de significados,
como a própria vida.
Referências
BLEGER, J. Temas de psicologia entrevistas e grupos. Tradução Rita Maria M.
de Moraes, revisão Luís Lorenzo Rivera. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 137p.
MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: Pesquisa qualitativa em
saúde. São Paulo: Hucitec, 2010.
TURATO, E. R. (Org.). Psicologia da saúde: estudos clínico-qualitativos.
Taubaté: Cabral, 2003.

ENTRINCHEIRAMENTO ORGANIZACIONAL
Elaine Cristina Vaz Vaez Gomes; Liliana Andolpho Magalhães
Guimarães; Maria José Chambel
A definição de “entrincheiramento” referindo-se à organização
aparece pela primeira vez na literatura, citada por Mowday, Porter e
Steers (1982), como a última fase de desenvolvimento do
comprometimento organizacional, aproximadamente treze anos antes da
proposta de utilização do construto, com foco na carreira, elaborado por
Carson, Carson e Bedeian (1995), precursores na sua utilização, que o
sistematizam direcionando-o para o foco na carreira.
No Brasil, a adequação do entrincheiramento para o contexto
organizacional foi realizada por Rodrigues e Bastos (2013),
conceituando-o como a tendência de o trabalhador permanecer na
organização devido a sua avaliação acerca de sua empregabilidade, de
suas alternativas fora da organização e dos custos que podem estar
associados à sua saída. Estes autores (RODRIGUES E BASTOS,
2012) realizaram um estudo de validação da Medida de
Entrincheiramento Organizacional (MEO), que inclui três dimensões:
1) ajustamento à posição social (APS), investimento do indivíduo nas
condições necessárias à sua acomodação, podem ser considerados
182
como: programas de treinamento e desenvolvimento, cursos de
formação para se adequar ao cargo, dentre outros investimentos feitos
pelo indivíduo para se adequar às exigências da organização, bem
como adaptação do indivíduo na organização, tendo por base o seu
relacionamento social com o seu chefe e colegas; 2) arranjos
Burocráticos Impessoais (ABI), que se refere à estabilidade financeira
e benefícios que seriam perdidos se o indivíduo saísse da organização
e; 3) limitações de Alternativas (LA), relativa à percepção de
restrições no mercado de trabalho e de falta de possibilidades de
emprego alternativo, caso saísse da organização.
Nesse sentido pode-se dizer que o termo entrincheiramento tem
relação com o envolvimento do trabalhador a uma dada
instituição/empresa, isto é, com a sua decisão de permanecer na
empresa, não espontaneamente, mas sim porque considera não ter outra
alternativa de emprego, ou porque tem receio/temor de perder o
suprimento das necessidades pessoais e familiares que este emprego lhe
proporciona, ou ainda devido aos investimentos já realizados para estar
na organização. Mesmo sem se identificarem com seu trabalho, os
indivíduos continuam a realizar seu papel ou função em seus empregos,
mas de forma estagnada, isto é, sem esforço para realizar seu trabalho
com elevada eficácia ou eficiência. De fato, os estudos de Bastos
(2013), Lima et al. (2018) e Formiga et al. (2018) mostram que o
entrincheiramento pode ser deletério para as pessoas e para as
organizações, porque o vínculo que impulsiona a permanecer na
empresa não é motivacional, mas resulta de uma avaliação das perdas
(e.g. salariais ou de estabilidade) que a saída da organização acarretaria.
Alguns estudos têm sido desenvolvidos para se compreender
este fenômeno, nomeadamente os fatores que o favorecem. Lima et al.
(2018) mostrou que os trabalhadores de uma Universidade Pública no
Brasil eram vulneráveis a este fenômeno porque não só consideravam
ter uma situação de elevada estabilidade de emprego, como
consideravam também serem muito restritas as suas alternativas de
emprego. Por outro lado, Rodrigues e Bastos (2013) mostraram que
quanto maior o nível educacional, maior o nível de entrincheiramento,
dado que pode ser explorado em investigações futuras, não se podendo
afirmar, embora possa ter relação com investimentos feitos pelo
indivíduo para se adequar às exigências da organização, pois cursos de
formação podem proporcionar a adequação ao cargo. É fundamental
continuar a desenvolver estudos que permitam conhecer como se
desenvolve o entrincheiramento, podendo proporcionar às organizações
ações preventivas deste fenômeno, que pode ocasionar falta de
motivação e comprometimento no trabalho (FORMIGA et al., 2018).

183
Referências
CARSON, K. D.; CARSON, P. P.; BEDEIAN, A. G. Development and
construct of a career entrenchment measure. Journal of Occupational and
Organizational Psychology, [S.l.], v. 68, p. 301-320, 1995.
FORMIGA, A. P. T. et al. Valores e Entrincheiramento Organizacional: Um
estudo de uma seguradora. Race Revista de Administração, Contabilidade
e Economia. Joaçoba. Unoesc. 2018.
LIMA. T. C. B.; PAIVA. L. E. B.; SILVA. S. R. E. Os valores relativos ao
trabalho e o entrincheiramento organizacional dos servidores de uma
universidade pública. Revista GUAL, Florianópolis, v. 11, n. 3, p. 166-187,
Setembro 2018.
MOWDAY, R. T.; PORTER, L. W.; STEERS, R. M. Employee organization
linkages: The psychology of commitment, absenteeism, and turnover. New
York: Academic Press, 1982. Disponível em:
https://www.jstor.org/stable/2778990?seq=1#fndtn- page_scan_tab_contents.
Acesso em: 20 nov. 2016.
RODRIGUES, A. C. A.; BASTOS, A. V. B. Entrincheiramento
organizacional: construção e validação da escala. Revista Psicologia:
Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v.25, n. 4, 2012.
RODRIGUES, A. P.G.; BASTOS, A. V. B. Os Vínculos de
Comprometimento e
Entrincheiramento Presentes nas Organizações Públicas. Revista de
Ciências da Administração, v. 15, n. 36, p. 143-158, 2013.

ERGOLOGIA, SAÚDE MENTAL E TRABALHO


Milton Athayde; Jussara Brito; Wladimir Ferreira de Souza
A Ergologia é uma perspectiva, um modo de encaminhamento
(démarche) das questões da vida e do trabalho, interrogando-as como
atividade. Não se trata de uma nova disciplina no campo das ciências
humanas. Suas referências fundamentais são a filosofia das ciências
da vida de G. Canguilhem (2011), o Modelo Operário Italiano de luta
pela saúde e produção de conhecimento e a Ergonomia da Atividade.
Tendo como maior referência o filósofo francês Yves Schwartz
(2000), a Ergologia busca colaborar para a reflexão crítica sobre a
pluralidade das normas (fisiológicas, sociais) que antecedem a atividade
e que se sustentam em um mundo de valores que aí circulam. Normas
necessárias, mas nunca suficientes, para viver e trabalhar, pois nas
situações concretas emergem sempre infidelidades do meio, como as
variabilidades. Para dar conta de tais desafios exige-se cotidianamente
que os protagonistas da atividade, na busca de executar seu trabalho,
exercitem sua astúcia, em alguma medida transgressora. Já nas
situações-limite em que se encontram lacunas de normas e tarefas, é
preciso operar uma inventividade criadora. Ou seja, nas situações
concretas exige-se que cada um faça “uso de si” (SCHWARTZ, 2000),
gerindo (sua) vida, em uma tensa relação consigo e com os outros. “Uso
184
de si por si” (por/para si, dadas as necessárias renormatizações; por/para
outrem, dadas as normas antecedentes), um esforço em geral não
reconhecido nem remunerado. Nesse sentido entende-se que a luta pela
saúde no trabalho configura-se como uma experiência relacionada ao
exercício dessa capacidade normativa vital, que solicita o conjunto da
pessoa, transversalizando-se todos os campos tradicionalmente
separados – corpo e alma, consciente e inconsciente, verbal e não
verbal. Nesta linhagem, entende-se que para falar do ser vivo é preciso
considerá-lo em movimento, em atividade, em sua recusa de
passividade, inércia e indiferença. Ao trabalhar opera-se uma dinâmica
em que, por um lado, é impossível a inteira modelização do mundo; por
outro, torna-se “invivível” um mundo em que o humano não possa
tentar se afirmar, mesmo que parcialmente, no infinitesimal,
recentrando o meio em torno de suas próprias normas de saúde. Então,
na medida em que viver e trabalhar é “fazer uso de si”, deve-se indagar
quem faz uso, do que se trata quando se remete ao “si”? Em Ergologia,
Schwartz (2014) criou um termo voluntariamente obscuro para designar
um ente nunca bem circunscrito, enigmático, o que se passou a
conceituar por “corpo-si”. Matriz da atividade humana, um corpo na
história, onde estão inscritos o psíquico, o social, o institucional, as
normas e os valores, corpo convocado em suas diferentes inflexões e
mobilizado em sua potência, daí um corpo sempre singular. Ou seja,
viver e trabalhar remete ao exercício de uma potência normativa vital,
atividade de renormatização. Estar sadio para o humano é mais que
viver na normalidade, é tentar ultrapassar a norma que o define como
normal. Conforme esta lógica, a experiência da doença biológica gerou
a demanda por uma clínica que lhe é pertinente, convocando ciências
como a Fisiologia. Lutar pela saúde (um ideal) envolve afirmar
cotidianamente a vida em sua potência, gerir as dramáticas do corpo-si,
arbitrando e negociando em um meio sempre singular. Adoecer, nesta
linhagem, é entendido como uma realidade socialmente construída e
vivida por quem a experimenta. A doença é ainda uma norma de vida,
não obstante a restrição da possibilidade de tolerar e/ou enfrentar as
variações, diminuição de sua capacidade de regulação.
No viver, a experiência-trabalho apresenta-se com relevância
singular. Ela é pulsional, um dos objetos que o desejo pode visar,
experimentando a permanente e enigmática dramática dos usos do corpo-
si. A especificidade das relações entre saúde e trabalho, a emergência da
questão que vem sendo denominada “saúde mental e/no trabalho”, a
experiência de sofrimento psíquico que lhe é constitutiva têm gerado,
mais recentemente, um campo denominado Clínica do Trabalho. A
análise e a intervenção neste campo têm levado a extrapolar a díade
médico-paciente e a ampliar os conceitos de saúde, saúde mental e
185
doença, extrapolando o biológico, o orgânico, o objetivável. Neste
contexto, a Ergologia vem se configurando como uma fértil orientação
para o debate entre as diferentes abordagens clínicas do trabalho e suas
formas de intervenção. Mas não só entre elas, pois a produção de saberes
sobre trabalho e saúde está sempre correndo o risco de mutilar (ou
mesmo ignorar) a dimensão gestionária, as arbitragens e negociações,
inclusive a riqueza eventualmente presente nas “reservas de alternativas”
que podem estar em fecundação nas atividades. Assim, um dos princípios
ergológicos é o de que os protagonistas do trabalho devem ter
protagonismo também na busca conjunta de compreender↔transformar
positivamente o trabalho (em termos de saúde e eficácia). Como forma de
encaminhar esse esforço a Ergologia propõe operar por intermédio de um
dispositivo dinâmico de três polos (SCHWARTZ; DURRIVE, 2010), que
tem como um de seus objetivos colocar em diálogo sinérgico tanto os
saberes acadêmico-científicos entre si, quanto tais saberes com o
patrimônio das experiências da atividade. Uma confrontação que exige
ser intermediada por um terceiro polo, ético-epistêmico, essencial para
que os dois outros polos possam se (re)conhecer em suas potencialidades
e fragilidades, dialogar e, produzir novos conhecimentos e
transformações em prol da saúde no trabalho.
Referências
CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. 7. ed. São Paulo: Forense
Universitária, 2011.
SCHWARTZ, Yves. Le paradigme ergologique ou un métier de
Philosophe. Toulouse: Octarès, 2000.
SCHWARTZ, Y; DURRIVE, L. (Orgs.). Trabalho & Ergologia: conversas
sobre a atividade humana. 3. ed. rev. e ampl. Niterói: EdUFF, 2010.
SCHWARTZ, Y. Trabalho e uso de si. Pro-posições, Campinas, v.11, n. 2, p.
34-49, 2000.
SCHWARTZ, Y. (2014). Motivações do conceito de corpo-si: corpo-si, atividade,
experiência. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 49, n.3, p. 259-274, 2014.

ERGONOMIA DA ATIVIDADE E RELAÇÕES COM A SAÚDE


MENTAL NO TRABALHO
Laerte Idal Sznelwar; François Hubault; Cláudio Brunoro; Ivan Bolis
A intenção deste texto é de propor uma discussão sobre a
relação entre a ergonomia da atividade e a saúde mental, tendo como
referência as propostas da psicodinâmica do trabalho (PDT). Apesar
de haver uma convergência entre as duas disciplinas, sobretudo no que
diz respeito a compreensão e às transformações no mundo do trabalho,
trata-se de campos diferentes do conhecimento. A ergonomia trata da
questão da atividade desenvolvida pelos sujeitos que trabalham com
um duplo objetivo. A sua ação transformadora está focada na

186
adaptação do trabalho às características humanas, propiciando
condições para a construção da saúde, incluindo a redução das
situações propícias aos acidentes; e, por outro lado, trata da questão da
melhoria da produção, uma vez que tem como foco mostrar a
contribuição do trabalho para garantir os objetivos da produção
(BOLIS; BRUNORO; SZNELWAR, 2017).
A questão da subjetividade, tema central e fundador da
psicodinâmica do trabalho, foi incorporado ao debate da ergonomia da
atividade (ECA – ergonomia centrada na atividade) tempos depois da
sua constituição. Enquanto que, historicamente, a questão da
subjetividade na PDT tem suas origens na antropologia psicanalítica, a
ECA adota majoritariamente uma visão baseada em uma psicologia
construtivista e, também numa visão sócio-histórica.
Adotamos aqui na ECA o ponto de vista de Alain Wisner que
sempre considerou a ergonomia como uma arte, como um campo
profissional que, de modo similar à engenharia e a medicina, adota os
conceitos mais adaptados ao seu campo de ação. No caso da subjetividade
e da saúde psíquica, propomos a adoção pela ECA das propostas da PDT,
uma vez que estão mais próximas do debate sobre a saúde.
Hoje, devido às novas modalidades de organização do
trabalho, baseadas em um ideário próximo do neoliberalismo, em que
a individualidade se tornou premente, as questões da saúde psíquica se
tornaram ainda mais relevantes. A quantidade de afastamentos do
trabalho por distúrbios da esfera psíquica se tornou tão prevalente que
estatisticamente está nos primeiros lugares nos quadros publicados
pelos órgãos da seguridade social em diversos países.
Esta questão ligada ao ideário neoliberal parece, a um
primeiro olhar, um paradoxo. As propostas de reforço da
individualidade, incluindo os mecanismos de avaliação de
desempenho teriam, a princípio, um papel importante no
reconhecimento dos sujeitos, do seu esforço, do seu engajamento.
Portanto, esses mecanismos seriam propícios a, finalmente, dar um
lugar ao mérito de cada um. Todavia, esta proposta tem um efeito
nefasto e extremamente perverso, uma vez que parte do pressuposto
que tudo passa pelo indivíduo e, portanto, que o trabalho é apenas
individual. A consequência primeira é justamente a deterioração dos
coletivos e, consequentemente, dos modos de solidariedade
necessários para se obter os resultados almejados em qualquer sistema
de produção. A tendência é, portanto, a criação de um cenário de
desolação. Não há produção e, portanto, trabalho sem o relacional,
sem o que ocorre entre as pessoas, sem cooperação. A grande questão
que se coloca é que, ao reforçar a individualidade, este sistema de

187
ideias, a destrói. Trata-se de um verdadeiro paradoxo Sozinho e
competindo com todos, o indivíduo se torna mais frágil e mais
facilmente submetido a processos de dominação.
Neste sentido, a questão da subjetividade e da saúde,
englobando as questões psíquicas, tornou-se premente para a
ergonomia. Assim, não se trata apenas de uma questão da atividade
ligada a aspectos da produção, dos objetivos a serem atingidos e dos
modos como as pessoas agem. Trata-se de uma questão mais ampla,
que coloca em cena aspectos mais abrangentes e inter-relacionados
que dizem respeito a valores profissionais, questões éticas e
propósitos pautados em uma perspectiva política, naquilo que faz
sentido e contribui para a construção da civilização e da cultura.
Portanto, a ergonomia não pode evitar a questão do sujeito, o
trabalho diz respeito ao engajamento de uma singularidade, do que é
vivo (SZNELWAR; HUBAULT, 2015b). Não se pode tratar o trabalho
como uma coisa, como algo mensurável e restrito a questões limitadas
ao fazer tangível. Trata-se do engajamento dos sujeitos, por inteiro, na
sua relação com os outros. Assim, há novos desafios e possibilidades
para a ergonomia, uma vez que há um enriquecimento substancial, ao
adotar diferentes racionalidades na sua perspectiva de compreensão e
ação. Trata-se de questões ligadas a valores (axiológicas), ao veraz
(comunicacionais) e subjetivas (pathicas). Ressalte-se que não se trata
de adotar um ponto de vista idílico sobre o ser humano. Ao adotar a
subjetividade, a partir das propostas da PDT, fica patente que o ser
humano carrega consigo o que há de melhor e o que há de pior. Por
isso que, ao propor modos civilizatórios para o trabalhar, a PDT
assume o desafio de considerar que o trabalho, uma ação
eminentemente humana, precisa ser tratada com bastante cuidado,
uma vez que, ao se perder de vista a importância de se lutar para que a
produção seja pautada em valores imateriais, como a pertinência, a
confiança, o bem-comum, resultados desalentadores tendem a emergir.
Isto é central para compreendermos a importância da adoção de
debates mais amplos no âmbito da ergonomia da atividade e que
considerem a subjetividade; todavia não se trata de uma subjetividade
no individual, mas uma subjetividade no relacional, no coletivo e em
valores civilizatórios.
A subjetividade diz respeito ao fato que ao, trabalhar, todos se
engajam. É importante se doar, sentir que faz sentido e que cada um
perceba que isto tem efeito, que o seu esforço seja importante para
produzir algo belo e útil. Trabalhar é, portanto, arriscar-se, colocar-se no
espaço público para produzir algo que, ao final das contas, tenha um
efeito na construção do próprio sujeito, dos coletivos, das instituições e da
sociedade. A importância do reconhecimento é fundamental para que
188
cada um consiga transformar o sofrimento em prazer, distanciando-se do
risco da emergência do sofrimento patogênico e dos distúrbios. A questão
simbólica do reconhecimento é fundamental para o reforço da
subjetividade, sobretudo porque pode reforçar os propósitos da
constituição de algo comum. Considerar que todos são protagonistas de
sua vida e que há protagonismos do trabalho na produção compõe este
campo de ideias (SZNELWAR, 2015). Por isso, reforçamos a importância
da constituição de debates e de processos de decisão compartilhados nos
ambientes de trabalho, onde seja possível reforçar que os sujeitos não são
coisas e que é fundamental o reforço de valores civilizatórios.
Portanto, para a ergonomia, sobretudo se quisermos tratar da
sua contribuição para a saúde e, em especial, a saúde mental, há que
se considerar a importância e a centralidade da subjetividade. Para
tanto propomos a adoção de conceitos e propostas da PDT, nas
pesquisas e intervenções desenvolvidas com base na atividade de
trabalho (SZNELWAR; HUBAULT, 2015a). Por outro lado, há que se
considerar a importância e as influências da ergonomia para a
construção da psicodinâmica do trabalho, sobretudo porque a partir da
referência à atividade e ao real do trabalhar a PDT pode construir uma
série de significados para o trabalhar. A discrepância entre o prescrito
e o real, uma das bases da ECA influenciou de modo significativo o
desenvolvimento da PDT.
Consideramos que este debate seja fundamental, sobretudo se
quisermos construir sistemas de produção e, portanto uma sociedade,
mais sustentável, onde os princípios da sustentabilidade incorporem
claramente a questão do trabalho (BRUNORO, BOLIS, SZNELWAR,
2017), não apenas para se produzir melhor, mas também para propiciar
caminhos para a construção da saúde, das profissões e da cultura.
No que diz respeito à saúde mental, ao ser capaz de evidenciar
o trabalho real, sobretudo os impedimentos, as injunções paradoxais,
as incoerências e contradições de um sistema de trabalho, a ECA dá
luz a elementos que, ao longo da vivência profissional podem se
configurar como indutores desfavoráveis (BRUNORO; BOLIS;
SZNELWAR, 2016). Por outro lado, ao reforçar os valores imateriais
da produção e do trabalho, como a confiança e a pertinência, as
propostas que advém de uma ECA que considere a importância da
subjetividade podem propiciar uma verdadeira transformação do
trabalho numa perspectiva favorável. Neste sentido, a cooperação com
outras áreas do conhecimento, como a economia da funcionalidade e
da cooperação, se faz cada vez mais necessária e presente. Isto porque
há cada vez mais demandas da sociedade visando a sustentabilidade e
novas modalidades de produção de valor.

189
Referências
BOLIS, I.; BRUNORO, C. M.; SZNELWAR, L. I. O trabalho para a
sustentabilidade: alinhando a estratégia com a operação. Ação Ergonômica,
v. 12, p. 45-53, 2017.
BRUNORO, C. M.; BOLIS, I.; SZNELWAR, L. I. Contribuições da
ergonomia da atividade e da psicodinâmica do trabalho para um trabalhar em
uma perspectiva de sustentabilidade. Ação Ergonômica, v. 12, p. 9-17, 2017.
BRUNORO, C. M.; Bolis, I.; SZNELWAR, L. I. Exploring work-related
issues on corporate sustainability. Work (Reading, MA) JCR, v. 53, p. 643-
659, 2016.
BOLIS, IVAN; SZNELWAR, L. I. A case study of the implementation of an
ergonomics improvement committee in a Brazilian hospital - Challenges and
benefits. Applied Ergonomics JCR, v. 53, p. 181-189, 2016.
SZNELWAR, L. I.; HUBAULT, F. Subjectivity in ergonomics, a new start to
the dialogue regarding the psychodynamics of work. Production, v. 25, p.
354-361, 2015.
SZNELWAR, L. I.; HUBAULT, F. Un sujet, mais quel sujet ? La question
de la subjectivité en ergonomie. Travailler, v. 34, p. 53, 2015.
SZNELWAR, L. I. Quando trabalhar é ser protagonista e o protagonismo
do trabalho. 1. ed. São Paulo: Blucher, 2015. v. 1. 132p

ESGOTAMENTO PROFISSIONAL E IMPACTOS NA SAÚDE


MENTAL
Gracielle Pereira Aires Garcia; Maria Helena Palucci Marziale
Na década de 70, nos Estados Unidos, o esgotamento
profissional, síndrome de Burnout ou simplesmente estafa foi
conceituado por Herbert Freudenberger. Inicialmente, compreendido
como um conjunto de sintomas biológicos, psicológicos e sociais
inespecíficos que se desenvolvem no ambiente do trabalho em
decorrência de uma demanda excessiva de energia, com consequente
desproporção entre os esforços envidados e os resultados obtidos, não
condizente com a expectativa do profissional.
Posteriormente, Maslach e Jackson (1981) tridimensionaram essa
síndrome em: exaustão emocional (desgaste devido ao estresse);
despersonalização/ceticismo (cinismo, relação interpessoal prejudicada em
resposta à exaustão emocional); e falta de realização no trabalho/ineficácia
(autoavaliação negativa do trabalho com baixa produtividade).
Até então, sabe-se que a síndrome de Burnout pode ocorrer
em diversas profissões, desde áreas mais técnicas, assistenciais,
executivas, estudantes de graduação e pós-graduação, até aquelas
ocupações não qualificadas.
As causas são diversas, interligadas à relação do indivíduo com o
ambiente de trabalho e às condições estruturais e organizacionais por ele
oferecidas ao trabalhador. Um dos primeiros sinais que podem indicar o
190
surgimento do esgotamento profissional é o estresse, seguido por outros,
como ansiedade, fadiga, irritabilidade, frustração, insatisfação
profissional, além dos diversos sintomas das disfunções fisiológicas.
Desta forma, o risco psicossocial vem ganhando destaque nas
investigações sobre impactos na saúde mental dos trabalhadores. Esse
risco está correlacionado ao estresse, depressão, ansiedade,
transtornos mentais comuns (TMC) e esgotamento profissional.
Diante disso, estudos confirmam que a cronificação do
estresse pode levar a sérias consequências para a saúde mental dos
trabalhadores, com distúrbios psíquicos que geram o esgotamento
profissional. Ainda, o fato da exaustão emocional ser um critério
necessário para o esgotamento profissional não significa que seja
suficiente, pois a despersonalização e a falta de realização profissional
são importantes aspectos que descrevem a síndrome.
Em recente investigação desenvolvida por Leiter e Maslach
(2016) sobre a elaboração de perfis que favoreçam a compreensão do
esgotamento profissional, os autores evidenciaram que todas essas
abordagens estudadas inicialmente são inferências de que os
indivíduos podem experienciar vários padrões de Burnout, os quais,
por sua vez, podem sofrer alterações em diferentes momentos. Porém,
este aspecto ainda é pouco explorado pelos cientistas. Reconhece-se
não ser possível simplificar esse fenômeno somente utilizando como
referência a exaustão emocional, pois isso pode negligenciar outros
sintomas que transcendem a fadiga crônica. Todas as dimensões se
inter-relacionam, apesar de distintas, e vão da exaustão emocional,
desengajado, além do limite, ineficácia e engajado. Avaliar os padrões
intermediários, interligados aos trabalhadores, ao emprego ou aos seus
relacionamentos possibilita uma compreensão mais plena de suas
experiências no trabalho, considerando-se as seis áreas da vida
profissional (carga de trabalho, controle, recompensa, comunidade,
equidade e valores).
Assim, o adoecimento por estafa é preocupante, está em ascensão
mundial e presente nos trabalhadores, que se veem impossibilitados de
realizar seu trabalho com qualidade, ocasionando prejuízos à organização
do trabalho e o aumento da insatisfação profissional, com consequências
a vida pessoal. No contexto organizacional, os impactos são grandes:
baixa produtividade, rotatividade de profissionais, absenteísmo,
presenteísmo que podem condicionar acidentes de trabalho, inclusive
estudos já evidenciam a importância do reconhecimento de transtornos
mentais como preditores de quadros depressivos que podem levar à
idealização de suicídio.

191
O trabalho assume papel central na vida do homem, tanto por
sobrevivência como relativo à economia dos países. Segundo as
recomendações da Agenda 2030, necessita-se de um trabalho decente
para todos, que seja produtivo, justo, haja proteção social para as
famílias e promova a saúde física e mental para todos. Desta forma,
conhecer a prevalência de distúrbios psíquicos é tão importante como
a realização de ações preventivas, de modo a assegurar condições
dignas para um trabalho seguro, que proporcione, além de satisfação e
bem-estar ao trabalhador na realização de suas atividades cotidianas,
qualidade de vida para suas famílias.
Referências
FREUDENBERGER, H. Staff Burnout. Journal of Social Issues, New
York, v. 30, n. 1, p. 159-166, 1974.
LEITER, M. P.; MASLACH, C. Latent burnout profiles: a new approach to
understanding the burnout experience. Burnout Research, Munich, v. 3, n.
4, p. 89-100, Dec. 2016.
MASLACH, C. Entendo o burnout. In: ROSSI, A. M.; PERREWÉ, P. L.;
SAUTER, S. L. (Orgs.). Stress e qualidade de vida no trabalho:
perspectivas atuais da saúde ocupacional. São Paulo: Atlas, 2005. p. 41-55.
MASLACH, C.; JACKSON, S. E. The measurement of experienced burnout.
Journal of Ocuppational Behaviour, New York, v. 2, p. 99-113, 1981.
UNITED NATIONS (UN). Transforming our world: the 2030 agenda for
sustainable development. New York: UN, 2015. Disponível em:
https://sustainabledevelopment.un.org/content/documents/21252030%20Agenda%2
0for%20Sustainable%20Development%20web.pdf. Acesso em: 04 mai. 2019.

ESPONTANEIDADE E SAÚDE MENTAL NO TRABALHO (NA


VERTENTE SOCIONÔMICA)
Maria Luiza Gava Schmidt
Espontaneidade é um termo derivado do “(latim – sua sponte)
= do interior para o exterior” (CUKIER, 2002). É um dos conceitos
angulares da Teoria Socionômica criada por Jacob Levy Moreno
(1978), sendo um dos termos centrais de sua abordagem concebido
como (fator E). Para este autor, o ser humano, ao nascer, traz consigo
recursos inatos favoráveis ao desenvolvimento, sendo a
espontaneidade um deles. Entretanto, segundo ele, os conteúdos
engendrados pelos artefatos mecânicos e pela maquinaria tecnológica
reduzem o fator E. O autor concebe que, num sistema psicodinâmico
fechado, não há lugar para a espontaneidade (MORENO, 1978).
Assim sendo, quando “não se estimula a espontaneidade, vamos
diretamente à enfermidade psíquica e sociológica, porque a ansiedade
provém e se acentua pela sua falta” (MARTÍN, 1984, p. 146). A
ansiedade aparece porque há falta de espontaneidade, não apenas

192
porque há ansiedade “e a espontaneidade decresce em razão do
aumento da ansiedade” (MORENO, 1994, p. 199).
O mundo contemporâneo do trabalho está alicerçado em
estruturas de organização embasadas na reestruturação, assimilação de
novas tecnologias, novas formas de gestão, etc... Neste cenário,
observamos que trabalhador, ao mesmo tempo que atua como
construtor dos novos artefatos mecânicos, encontra-se incapaz e frágil
para competir com a maquinaria tecnológica. E então nos deparamos
com as duas formas contrastantes de robô descritas por Moreno (1978,
p. 94): “uma como auxiliar do homem e construtora de sua civilização;
a outra, uma ameaça à sua sobrevivência e destruidora do homem”.
Mediante esta posição antagônica, “enquanto uma forma de robô é
favorável ao progresso tecnológico e defende a dominância das forças
produtivas, a outra por sua vez, subordina os trabalhadores por meio do
modo civilizatório das formas de trabalhar” (SCHMIDT, 2010, .3).
Ao mesmo tempo que o mundo do trabalho avança, formas
estereotipadas de realização das atividades laborais ganham força por
meio de processos produtivos repetitivos, automatizados, que
produzem trabalhadores robotizados, desapropriados da liberdade de
invenção. À medida que o trabalhador vai sendo moldado às novas
conservas tecnológicas, ele aprende modos de condutas
estandartizados tendo sua espontaneidade comprometida. “As
conservas sufocam a espontaneidade e este esgotamento de
espontaneidade produz a doença psíquica” (MARTÍN, 1984, p. 124).
O risco do adoecimento “está nos robôs culturais que aniquilam a
criatividade do homem, e sabemos que esta criatividade é impulsionada
pela espontaneidade” (MARTÍN, p. 129). O risco do adoecimento
psíquico do trabalhador na sua relação com o trabalho está na anulação de
sua espontaneidade. Nessa direção, a possibilidade de adoecimento na
relação com o trabalho provém da espontaneidade inadequada a qual
corrobora para a sensação de constante insatisfação (SCHMIDT, 2010).
De acordo com Moreno (1978), dentre as qualidades do modo
espontâneo do indivíduo, há necessidade de respostas adequadas. Por
sua vez, quando ocorre a ausência de resposta, significa que a
espontaneidade está bloqueada. Ou então, quando o indivíduo emite
uma velha resposta a uma nova situação, também é concebido por
Moreno como carência de espontaneidade. Segundo o autor, a
espontaneidade é o que possibilita ao indivíduo criar uma resposta
adequada e apropriada a uma nova situação. Entretanto, “a resposta a
uma nova situação requer senso de oportunidade, imaginação para a
escolha adequada, originalidade de impulso próprio em emergências,
pelo que deve responsabilizar-se uma especial função” (MORENO,

193
1978, p.143-144). A inibição da espontaneidade contribui para o
surgimento de angústia e depressão (BUSTOS, 2001).
Na relação do indivíduo com o trabalho a espontaneidade está
intrinsecamente ligada a liberdade de criação e expressão. Por sua vez,
quando este processo se torna rígido, repetitivo e cristalizado, o
trabalhador se vê impedido de agir, tendo o fluxo natural da
espontaneidade bloqueado.
Em situações nas quais o trabalhador, por motivo decorrente de
acidente ou adoecimento, tem perdas funcionais devido a limitações e
passa por um processo de readaptação profissional, notadamente a
espontaneidade emerge como um aspecto relevante para a eficácia do
retorno e ressignificação do trabalhador com o trabalho.
Isto ocorre porque o processo de readaptação requer uma
variedade de respostas adequadas, a espontaneidade surge como meio
para o reabilitado lidar com situações que abrangem as atividades
laborais, como : o esforço despendido para assimilar novas habilidades
e competências, a compreensão para o bom desenvolvimento das novas
atribuições que lhe são conferidas no papel profissional, a criação e
fortalecimento de novos vínculos sociais, o resgate daquilo que perdeu
em decorrência do afastamento, entre outros (SCHMIDT, 2014).
Mediante essas considerações, sob a ótica da vertente
socionômica, as correlações da espontaneidade com a saúde mental no
trabalho estão interligadas no processo saúde-doença, uma vez que o
bloqueio da espontaneidade proveniente do contexto laboral poderá
contribuir para o aumento da ansiedade, que por sua vez gerará
impactos na saúde psíquica do trabalhador. Todavia, o fluxo normal da
espontaneidade na relação do trabalhador com seu trabalho poderá ser
um propulsor para seu prazer nesta relação.
Referências
CUKIER, R. Palavras de Jacob Levy Moreno: vocabulário de citações do
psicodrama, da psicoterapia de grupo, do sociodrama e da sociometria.São
Paulo, Editora Ágora, 2002.
BUSTOS, D. Perigo... Amor à vista! Drama e psicodrama de casais. São
Paulo. Aleph, 2001.
MARTÍN, E. G. J. L. Moreno: psicologia do encontro. São Paulo: Livraria
Duas Cidades, 1984.
MORENO, J. L. Quem Sobreviverá ? Fundamentos da sociometria,
psicoterapia de grupo e sociodrama. Goiânia: Dimnesão, 1994, 3 vols.
MORENO, J. L. Psicodrama. São Paulo: Cultrix, 1978.
SCHMIDT, M. L. G. Análise sociodramática do afastamento e retorno ao
trabalho do protagonista (Dr Mackee), personagem do filme “Um Golpe do
Destino”. In: Schmidt, M.L. G & DEL MASSO, M.C.S. Readaptação
profissional – da teoria à prática. Cultura Acadêmica, 2014, cap.11. p. 205-216.

194
SCHIMIDT, M. L. G. Saúde e doença no trabalho: uma perspectiva
sociodramática. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010.
SCHMIDT, M. L. G. Uma Leitura Sociodramática Sobre o Processo Saúde -
Doença no Trabalho na Contemporaneidade. Psicol. Am. Lat., México, n.
19, 2010 . Disponível em
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1870-350X201
0000100013&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 27 mai.2019.

ESTILO DE VIDA E SAÚDE MENTAL


Lidia Carolina Rodrigues Balabuch; Maria Elisa de Larcerda Faria;
Sylvio Takayoshi Barbosa Tutya; Thamyres Ribeiro Pereira
Estilo de vida é hoje uma expressão que se refere a uma forma
singular de organização diária e vivência da vida que dize respeito a
um conjunto de costumes, comportamentos e hábitos.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, o Estilo de Vida é
definido como o
conjunto de hábitos e costumes que são influenciados, modificados,
encorajados ou inibidos pelo prolongado processo de socialização. Esses
hábitos e costumes incluem o uso de substâncias tais como o álcool, fumo,
chá ou café, hábitos dietéticos e de exercício (WHO, 2004);

podendo também contribuir ou prejudicar a qualidade de vida. Para


Madeira (2018), os estilos de vida são padrões grupais, sobre os quais
a estrutura social exerce influência significativa na produção dos
comportamentos. E quando falamos de impactos da estrutura social,
levamos em conta considerável número de fatores que exercem
influência sobre os mesmos, como contexto político-econômico,
educação, trabalho, dentre outros.
Quando entramos no campo da saúde mental, de acordo com
Madeira (2018), o estilo de vida passa a ser primordialmente objeto de
estudo da epidemiologia, numa perspectiva restrita e fragmentadora,
na medida em que reduz o complexo a variáveis, com vistas a
identificar comportamentos de risco e de proteção à saúde.
Costa (2005) propõe que o entendimento sobre estilo de vida está
associado à manutenção do emprego, à necessidade da reeducação
alimentar e tempo para desenvolver atividades físicas e lazer com a família
e amigos. Nos dias atuais, as mudanças ocorridas no campo das relações
entre empregados e empregadores vêm refletindo sobre os diversos
segmentos da sociedade. Dejours (1992) afirma à respeito disto que “a
organização do trabalho, concebida por um serviço especializado da
empresa, estranho aos trabalhadores, choca-se frontalmente com a vida
mental e mais precisamente com a esfera das aspirações, das motivações e
dos desejos”. Nesta mesma linha de raciocínio de Dejours, Costa et al.
195
(2005) colocam que a “carga de trabalho, a fadiga e as múltiplas
insatisfações nas várias esferas de suas vidas correspondem ao custo
humano da insatisfação”.
Tais mudanças repercutem, por exemplo, diminuindo a
autonomia e a remuneração, aumentando a demanda de trabalho,
modificando o estilo de vida, a relação com pacientes e colegas, e
afetando a saúde dos profissionais (TORRES, 2011).
A relação entre estilo de vida e saúde mental aponta para a
necessidade de uma articulação entre as condições objetivas e
subjetivas da existência humana. É notório como o segmento
publicitário veicula o conceito de estilo de vida como sinônimo de
requinte e de sofisticação, aquisição de bens materiais e expressão de
poder e, desse modo, está introjetado, entre as várias camadas da
população, o sonho de consumo, como se a capacidade para consumir
significasse estilo de vida. Considera-se também que estilo de vida e a
qualidade de vida se confundem e muitas vezes são usados na mesma
acepção, apesar de qualidade de vida ser um termo mais abrangente. A
construção da qualidade de vida no (do) trabalho, por exemplo, é o
controle que engloba a autonomia e o poder que os trabalhadores têm
sobre os processos de trabalho, aí incluídas questões de saúde e
segurança (COSTA, 2005).
Nesse sentido, as escolhas de estilo de vida são moduladas pelo
contexto socioeconômico no qual o indivíduo está inserido. Dessa
forma, entende-se que promoção da saúde e a prevenção de doenças,
conseguem-se não apenas com medidas médicas, mas também com
ações sociopolíticas (OLIVEIRA; RABELO; QUEROZ, 2012).
A promoção de estilos de vida saudáveis e a redução de
fatores de risco para as perturbações mentais e comportamentais,
como por exemplo ambientes familiares instáveis, situações de
pobreza, abuso e injustiças sociais, podem, segundo Alves e
Rodrigues (2010) também ser alvo de intervenções norteadas pelo
conhecimento sobre os determinantes da Saúde Mental.
Referências
ALVES, A. A. M.; RODRIGUES, N. F. R. Determinantes sociais e
econômicos da Saúde Mental. Rev. Port. Sau. Pub., Lisboa, v. 28, n. 2, p.
127-131, dez. 2010. Disponível em:
http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870-9025201
0000200003&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 31mai.2019.
COSTA, M. S.; et al. Estilo de vida e saúde mental: estudo de caso com
enfermeiros. R. Enferm. UERJ, v. 13, n. 2, p. 199-203, 2005.
DEJOURS, C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do
trabalho. São Paulo: Cortez-Oboré. 1992.

196
MADEIRA, F. B.; et al. Estilo de vida, habitus e promoção da saúde:
algumas aproximações. Saúde Soc. São Paulo, v. 27, n.1, p.106-115, 2018.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v27n1/1984-0470-sausoc-
27-01-106.pdf. Acesso em: 31 mai.2019.
OLIVEIRA, L. S.; RABELO, D. F.; QUEROZ, N. C. Estilo de vida, senso de
controle e qualidade de vida: um estudo com a população idosa de Patos de
Minas-MG. Estud. Pesqui. Psicol., Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p. 416-
430, ago. 2012. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-4281201
2000200006&lng=pt&nrm=iso. Acesso em 31 mai.2019.
TORRES, A. R.; et al. Qualidade de vida e saúde física e mental de médicos:
uma autoavaliação por egressos da Faculdade de Medicina de Botucatu -
UNESP. Rev. Bras. Epidemiol., São Paulo, v. 14, n. 2, p. 264-275, 2011.
Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-790X201100
0200008&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 31 de maio de 2019.
WHO – WORLD HEALTH ORGANIZATION. A glossary of terms for
community health care and services for older persons. WHO Centre for Health
Development: ageing and health technical report. Genebra, 2004. v. 5. Disponível em:
https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/68896/WHO_WKC_Tech.Ser._04.2.
pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 15 mai2019.

ESTRATÉGIAS PARA A PRESERVAÇÃO DA SAÚDE


MENTAL NO TRABALHO
Maria Elizabeth Antunes Lima
Desde os primórdios da Psicopatologia do Trabalho, na França,
ainda nos anos 1950, os teóricos que contribuíram para sua construção
já se referiam aos meios adotados pelos trabalhadores visando preservar
sua saúde frente às dificuldades vividas nos contextos de trabalho. Em
seu artigo clássico, no qual nomeou a nova disciplina, Paul Sivadon
(1993) se referiu aos mecanismos de proteção adotados pelos indivíduos
frente às situações patogênicas de trabalho. No entanto, como sua
abordagem era de cunho organicista, ele tratou sobretudo das
capacidades adaptativas herdadas pelos sujeitos, permitindo-lhes (ou
não) preservar sua saúde. No mesmo período, em uma perspectiva
diferente daquela adotada por Sivadon, Louis Le Guillant (2006) propôs
uma visão inovadora do adoecimento mental, percebido não mais como
o resultado de uma forma de agressão vinda do meio, atingindo um
indivíduo impotente e incapaz de se defender, mas envolvendo sempre
ações psíquicas defensivas. Nessa perspectiva, portanto, o processo
patológico consiste em uma criação subjetiva ainda que se trate de uma
criação mórbida. Mas essa discussão assumiu uma dimensão realmente
importante somente a partir dos anos 1980, com a entrada de Christophe
Dejours nesse campo de estudos. Na sua obra Travail, usure mentale,
publicada em 1980 na França e em 1987, no Brasil, ele se fundamentou
197
na psicanálise para propor uma abordagem clínica das estratégias
defensivas individuais e coletivas. Ao dar início à Psicodinâmica do
Trabalho, nos anos 1990, Dejours (2004) passou a colocar a
normalidade (e não o adoecimento) como o enigma central a ser
decifrado, definindo-a como um “equilíbrio instável, fundamentalmente
precário, entre sofrimento e as defesas contra o sofrimento”
(DEJOURS, 2004, pp. 51-52). Tal equilíbrio seria o resultado de
estratégias defensivas suscetíveis de se manifestar de forma individual
ou coletiva. Posteriormente, o tratamento oferecido por Clot (2006) a
essa questão foi bastante diverso, ao reservar a concepção de defesa no
sentido proposto por Dejours apenas às compensações imaginárias que,
segundo ele, emergem com frequência nos atuais ambientes de trabalho.
Para esse teórico, as provações sofridas no trabalho podem ter outro
destino, isto é, ao invés de culminarem nas estratégias defensivas, elas
podem emergir “como respostas ou réplicas que indicam a retomada do
desenvolvimento individual” (CLOT, 2006, p. 10). Assim, nessa
perspectiva, as estratégias coletivas de defesa, estudadas por Dejours
(2004), embora permitam, de forma efetiva, a preservação da
normalidade e, portanto, um estado de equilíbrio, não proporcionam, de
modo algum, o acesso à saúde. Ao se apoiar na concepção
canguilhemiana sobre a questão, Clot (2010) traz uma perspectiva
bastante diversa a respeito da normalidade e da saúde, dizendo que a
primeira consiste na “aceitação de uma norma”, na “adaptação a um
meio e às suas exigências”, ao passo que a segunda implica em “sentir-
se acima do normal, capaz de seguir novas normas de vida, instigador
de normas, sujeito vivo da normatividade” (CLOT, 2010, p. 110).
Portanto, nesse contexto, saúde e defesas são consideradas como
distintas, sendo que a primeira pode ser arruinada pelas segundas. E o
que define saúde é, até certo ponto, a possibilidade de viver sem
defesas, superando-as ao se tornarem demasiadamente restritivas. Mas
acima de tudo, ser normal não é ser adaptado e sim ser criativo, isto é,
conseguir ir além do normal (CLOT, 2010). É nesse sentido que o autor
propõe que o crescimento do sujeito seja percebido como uma resposta
ou uma réplica criativa, uma vez que a defesa serve apenas para
protegê-lo, enquanto na saúde existe sempre um poder de agir, uma
atividade de resistência. Portanto, o que caracteriza a saúde, segundo
ele, “é a possibilidade de superar a norma que define o normal
momentâneo”, mas é também “a possibilidade de tolerar infrações à
norma habitual e de instituir novas normas” (CLOT, 2010, p. 112). Em
suma, de acordo com essa perspectiva, é somente a réplica criativa que
permite a preservação da saúde nos contextos laborais, uma vez que a
estrita conservação de si, isto é, a normalidade proporcionada pelas
construções defensivas, se opõe a isso.

198
Referências
CLOT, Y. A função psicológica do trabalho. Petrópolis:Vozes. 2006
CLOT, Y. Trabalho e poder de agir. Belo Horizonte: FabreFactum. 2010
DEJOURS, C. Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. In
LANCMAN, S.; SZNELWAR, L. I. (orgs). Christophe Dejours – da
psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz,
Brasília: Paralelo 15. 2004.
LE GUILLANT, L. Escritos de Louis Le Guillant: da ergoterapia à
psicopatologia do trabalho. Petrópolis: Vozes. 2006
SIVADON, P. Psychiatrie et socialités. Toulouse: Érès. 1993

ESTRESSORES OCUPACIONAIS
Marianne Ramos Feijó
Estressores Ocupacionais são fatores que podem gerar um
quadro de estresse e outras formas de adoecimento de quem trabalha.
São, portanto, ameaças vividas pelo/a trabalhador/a que podem
resultar em uma carga excessiva de tensões, que em algumas
circunstâncias sobrepujam sua possibilidade de enfrentamento.
Manter a saúde a despeito de estressores ocupacionais demanda
resiliência, termo utilizado no campo da psicologia para se referir a
forças pessoais e relacionais que contribuem para a manutenção do
bem-estar, da saúde e do desenvolvimento em condições adversas. A
resiliência abarca aspectos individuais, familiares e socialmente mais
amplos, uma vez que conhecimentos, habilidades, competências e
relações de apoio, além de contextos favorecedores do bem-estar,
contribuem para a saúde humana. A resiliência diz respeito à força das
pessoas e de seus vínculos sociais, que as protegem e minimizam os
danos à saúde e ao bem-estar gerados por fatores estressores. Nas
organizações, se os que a compõem entendem receber apoio da mesma,
avaliam suas políticas e práticas como justas, encontram meio de se
expressar de socializar positivamente e de realizar-se, têm aspectos
sociais da resiliência fortalecidos.
Por outro lado, de acordo com os estudos de Cardoso et al.
(2018), carga excessiva de trabalho e de tempo de dedicação às tarefas
laborais, elevada exigência emocional e de atenção, falta de autonomia
para decidir e escolher no trabalho, excesso de dificuldades relacionais
e de disputas, falta de segurança e de suporte da organização são alguns
dos fatores geradores de estresse, identificados também como fatores
psicossociais de risco ao trabalhador. São condições e situações que
tendem a desestabilizar as pessoas no trabalho e que, em conjunto ou
associados a outras vulnerabilidades do trabalhador e de suas fontes de
apoio, podem resultar no estresse no trabalho. Quando em menor
quantidade e intensidade, além de pontuais, tais fatores minimizam a

199
qualidade de vida no trabalho, afetam o comportamento e a vida de
trabalhadores. Já quando intensos, prolongados e entrecruzados, os
estressores ocupacionais tendem a gerar quadros de estresse e de
burnout - esgotamento do trabalhador.
Lipp (2003) caracteriza o estresse como uma complexa reação
psicofisiológica, que tem sua gênese na necessidade do organismo
atuar sobre algo que ameace seu equilíbrio interno. Desta forma, a
autora aponta para um estado de desequilíbrio do organismo, que
diante das inúmeras demandas por adaptação às mudanças bruscas,
empenha energia física, mental e social para fazer frente a tais
exigências. Para Goulart Junior e Lipp (2008), o quadro de estresse se
deflagra quando é excedida a capacidade do indivíduo para
acompanhar muitas mudanças significativas e para se adaptar a essas,
o que resulta em um processo complexo de reações bioquímicas,
físicas e psicológicas, desencadeados a partir da interpretação que o
indivíduo dá aos estressores, exigindo uma resposta rápida de
adaptação do organismo para preservação de sua integridade e da
própria vida (LIPP, 2003).
Os estressores ocupacionais são estímulos presentes nas
relações e nas condições de trabalho, bem como nas tarefas laborais,
que afetam negativamente os trabalhadores. De acordo com o
detalhamento de Lipp, a percepção de tais fatores estressores chega ao
cérebro e estados emocionais são codificados no sistema límbico de
acordo com duas interpretações: uma cognitiva, no neocórtex e outra
emocional, no sistema límbico. Se interpretadas como uma ameaça ou
um desafio para o indivíduo, haverá o início da resposta do estresse
por meio de reações hormonais e o provável aparecimento de sintomas
físicos como alteração de pressão arterial e de níveis de glicose,
aparecimento de infecções, dentre outros. Os sintomas psicológicos
também são frequentemente desencadeados a partir de tais reações e
podem ser exemplificados com episódios depressivos e de ansiedade,
lapsos de memória e insônia. O consumo de substâncias e de produtos
em geral também pode ser exacerbado por fatores estressores laborais
e em alguns casos progridem para as dependências químicas
(substâncias psicoativas) e não químicas (jogo, compras, sexo, uso de
tecnologia). Trata-se de um agravamento do quadro de saúde,
desencadeado por fatores de trabalho inadequados ou insalubres, que
ultrapassam a possibilidade de enfrentamento e de manutenção do
bem-estar de trabalhadores. Os estressores organizacionais podem ser
de natureza física, tais como ergonomia, ventilação, iluminação. Mas
frequentemente há componentes psicossociais, que dizem respeito a
relações, satisfação e realização no trabalho. Desta forma, há fatores
estressores laborais atrelados ao relacionamento interpessoal, à
200
autonomia de quem trabalha ou ao domínio que apresenta sobre o
próprio trabalho, aos conflitos éticos no trabalho, à dificuldade de
equilíbrio família-trabalho e de desenvolvimento da carreira
paralelamente ao desenvolvimento de outros papéis sociais
(PASCHOAL; TAMAYO, 2005; CARDOSO et al., 2018).
As diferentes formas de violência que ocorrem nas
organizações de trabalho, sejam verbais, físicas, sexuais, psicológicas
ou econômicas são importantes fatores estressores. O assédio moral,
que pode ser traduzido como uma violência de uma ou mais pessoas
contra outrem, que se repete, com o intuito de destruí-la e/ou de
excluí-la do trabalho, cargo ou função que exerce acarreta
frequentemente em estresse laboral e pode se associar ao suicídio.
A prevenção do estresse ocupacional envolve a avaliação e a
adequação das condições de trabalho (carga horária, turnos,
remuneração, ferramentas de trabalho, quantidade de trabalho,
ambiente físico, ergonomia, proteção e segurança), além do cuidado
com aspectos menos objetivos, mas não menos importantes, tais como
as exigências emocionais impostas ao trabalhador, o suporte social
oferecido ao mesmo, a redução da violência no tratamento dos
conflitos interpessoais e da desigualdade no trabalho, a existência de
oportunidades de expressão, de desenvolvimento e de participação nas
decisões que envolvem o próprio trabalho, de inclusão, de legitimação
e de justiça na organização. Aperfeiçoamento dos estilos de gestão e
dos processos de trabalho, definição de políticas organizacionais
favorecedoras das relações humanas, melhorias contínuas nos
processos de comunicação, uso de diálogo para a solução de disputas,
acompanhamento da saúde, do bem estar e da satisfação de quem
trabalha, encaminhamentos a serviços de saúde física e mental, são
algumas das medidas de prevenção ao estresse ocupacional. São ações
estratégicas no processo de gestão de pessoas, em suas políticas e
práticas, que possibilitam o diagnóstico de aspectos fortalecedores e
de necessidades de atenção e de melhoria no trabalho, para a constante
intervenção e preservação da qualidade de vida de trabalhadores. As
ações preventivas, além de proporcionarem melhorias na vida de
quem compõe a organização de trabalho, as pessoas, contribuem para
os resultados da organização. São práticas que minimizam perdas por
afastamento do trabalho, elevada rotatividade de trabalhadores, queda
da produtividade, falhas de qualidade na execução das tarefas
profissionais, índices elevados de acidentes de trabalho, violência nas
relações interpessoais, entre outros (BENETTI et al., 2014).
Em tempos de revisão de legislação trabalhista, há que se
alertar para o fato de que a garantia da igualdade de direitos aos
trabalhadores e a preservação de sua saúde física e psíquica são
201
deveres do estado e dos dirigentes das organizações. O retrocesso na
garantia de direitos já conquistados impactará negativamente os
trabalhadores, as organizações e seus resultados e a própria sociedade,
que deveria se desenvolver no sentido da valorização e do cuidado
com o humano ao invés de negligenciar um aumento de adoecimento
e de violência resultantes do inadequado tratamento e da falta de
prevenção dos fatores estressores no trabalho, que na vida adulta é
espaço predominante de convívio.
Referências
BENETTI, C. et al. A importância de ações estratégicas de gestão de pessoas
no manejo do estresse e de estressores ocupacionais. Omnia Saúde, v. 11, n.
2, p. 9-24, 2014. Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/135455. Acesso
em: 24 mar. 2019.
CARDOSO, H. F. et al. O Papel do Psicólogo Organizacional e do Trabalho
(POT) na Prevenção dos Fatores Psicossociais de Risco. In: SCHMIDT, M.
L.; CASTRO, M. F.; CASADORTE, M. M. (org.). Fatores Psicossociais e o
Processo Saúde/Doença no Trabalho. Aspectos Teóricos, Metodológicos,
Interventivos e Preventivos. São Paulo: FiloCzar, 2018.
LIPP, M. (Org.). Mecanismos Neuropsicofisiológicos do Stress: Teoria e
Aplicações Clínicas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
PASCHOAL, T.; TAMAYO, A. Validação da escala de estresse no trabalho.
Estud. psicol. (Natal) [online]. 2004, vol.9, n.1, pp.45-52. Disponível em
www.scielo.br/pdf/epsic/v9n1/22380.pdf. Acesso em 24 mar. 2019.

EXIGÊNCIAS DO TRABALHO E IMPACTOS NA SAÚDE


MENTAL DOS TRABALHADORES
Bruno Chapadeiro
Antunes (2018, p. 64) afirma que hoje as formas de
intensificação do trabalho, a burla dos direitos, a superexploração, a
vivência entre a formalidade e a informalidade, a exigência de metas,
a rotinização do trabalho, o despotismo dos chefes, coordenadores e
supervisores, os salários degradantes, os trabalhos intermitentes, os
assédios, os adoecimentos, padecimentos e mortes decorrentes das
condições de trabalho encontram-se em expansão no Brasil e em
várias partes do mundo e configuram condição da nova morfologia da
classe trabalhadora.
Diante de tais fatores, aliados a priorização por uma
competitividade exacerbada, exigências de produtividade e da
priorização do lucro, tem-se uma acentuada precarização do trabalho,
ao mesmo tempo em que se intensifica a utilização da força de
trabalho como mercadoria a serviço do capital. Para Antunes e Praun
(2015, p. 419), nesses contextos de trabalho há diferentes e
sofisticados mecanismos de controle e coerção que exacerbam o
consumo da capacidade física e mental humana. É nesse ínterim que o
202
trabalhador é submetido a situações que incidem em suas condições
de vida e comprometem deliberadamente sua saúde.
Para Seligmann-Silva (2007, p. 79), diante das exigências do
trabalho, o indivíduo se sente, muitas vezes, frágil e incapacitado,
mesmo em situações nas quais sua formação e experiência
profissionais lhe permitiriam sair-se bem. A isso adiciona-se a sempre
presente ameaça de perda da função ou do lugar que o indivíduo
ocupa na hierarquia e, pior ainda, a ameaça de perder o emprego.
Com a ampliação destes grandes contingentes de
trabalhadores que se precarizam intensamente ou perdem seu
emprego, a exigência de atividades dotadas de maiores
“qualificações” e “competências”, fornecedoras, portanto, de maior
potencial intelectual (no sentido gerencialista de capital intelectual)
torna-se o novo fetiche necessário às formas vigentes de valorização
do valor. Em concordância com a tese de Antunes (2018, p. 92),
estamos presenciando uma intensificação e ampliação dos modos de
extração do sobretrabalho, das formas geradoras do valor, resultado
da articulação de um maquinário altamente avançado (de que são
exemplo as TICs [Tecnologias da Informação e Comunicacionais,
grifo nosso] que invadiram o mundo das mercadorias), com a
exigência, feita pelos capitais, de buscar maiores “qualificações” e
“competências” da força de trabalho.

Também como parte dessa “modernização” das empresas na


era da globalização, a terceirização é vista no discurso gerencialista
como possibilidade de maior “especialização” das atividades
produtivas. Entretanto, Antunes e Praun (2015, p. 423) dizem que as
pesquisas atestam que as empresas também terceirizam para transferir
os riscos para os trabalhadores, desobrigando-se de cumprir e seguir
as exigências da legislação e dos direitos trabalhistas, que se tornam
de responsabilidade das terceirizadas, não sendo difícil constatar,
desse modo, que a terceirização se transformou num dos elementos
que ampliam de modo significativo os índices de acidentes de
trabalho, presentes praticamente em todos os ramos, setores e espaços
do trabalho. Portanto, a lógica da financeirização de desmonte de
direitos sociais, em que a terceirização e o trabalho intermitente e
precarizado são corolários, torna-se a exigência inegociável das
grandes corporações, suprimindo cada vez mais técnica, tempo e
espaço, apesar de exaltarem ideários de “responsabilidade social”,
“sustentabilidade ambiental”, “colaboração”, “parceria”, etc. Como
foi, por exemplo, como nos mostra Antunes (2018, p. 269), o objetivo
do governo Temer (2016-2018), na seara trabalhista, de corrosão de
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e cumprir a “exigência” do
203
empresariado brasileiro, cujo objetivo não é outro senão, como aponta
o autor (p. 270), implantar a sociedade da precarização total do
trabalho no Brasil.
Como a Contrarreforma Trabalhista não solucionou tal
precarização, idem o desemprego tal como prometera, a da
Previdência igualmente não mitigará a desigualdade social que
assegura. O capital precisa das crises estruturais para se reinventar,
expandir e se valorizar. Com isso, a história nos mostra que a miséria
tende a se agravar no Brasil. Marcolan (2018) inclusive averigua que
no período em que se acentua a crise ética-política-econômica
brasileira, - compreendida entre os anos 2014-2017 -, com altas taxas
de desemprego na ordem do dia, o comportamento suicida se amplia.
Stansfeld (2006) já apontava o aumento do desemprego como fator de
vulnerabilidade ao sofrimento mental. Bertolote e Fleischmann (2002)
demonstraram que em 96,8% dos casos de suicídio, caberia um
diagnóstico de transtorno mental à época do ato fatal. Dentre eles,
depressão, transtorno bipolar e dependência de álcool e de outras
drogas psicoativas.
O alcoolismo crônico relacionado ao trabalho (CID F10.2) é
exemplo de expressão da atual miséria do mundo do trabalho, bem
como de suas exigências com impactos severos na saúde mental
dos(das) trabalhadores(as). Está relacionado, por exemplo, a
atividades socialmente desprestigiadas e mesmo determinantes de
certa rejeição, como as que implicam contato com cadáveres, lixo ou
dejetos em geral, apreensão e sacrifício de cães, e trabalhos em que a
tensão – muitas vezes como as já descritas, exigências de/por
produtividade – é constante e elevada como transportes coletivos e
estabelecimentos bancários (BRASIL, 2001; BAHIA, 2014).
Referências
ANTUNES, R. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na
era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.
ANTUNES, R.; PRAUN, L. A sociedade dos adoecimentos no trabalho.
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 123, p. 407-427, jul./set. 2015.
BAHIA, Secretaria da Saúde do Estado. Superintendência de Vigilância e
Proteção da Saúde. Diretoria de Vigilância e Atenção à Saúde do
Trabalhador. Centro Estadual de Referência em Saúde do Trabalhador.
Protocolo de atenção à saúde mental e trabalho/organizado por Suerda Fortaleza
de Souza/SESAB/SUVISA/DIVAST/CESAT - Salvador: DIVAST, 2014.
BERTOLOTE, J. M., & FLEISCHMANN, A. Suicide and psychiatric
diagnosis: A worldwide perspective. World Psychiatry, 1, 181-185, 2002.
MARCOLAN J. F. Pela política pública de atenção ao comportamento
suicida. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018; 71(Suppl 5):2343-7.

204
MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL. ORGANIZAÇÃO PAN-
AMERICANA DA SAÚDE NO BRASIL. Doenças relacionadas ao
trabalho: manual de procedimentos para os serviços de saúde. Brasília:
Ministério da Saúde do Brasil, 2001.
SELIGMANN-SILVA, E. Psicopatologia no trabalho: aspectos contemporâneos.
In: CONGRESSO INTERNACIONAL SOBRE SAÚDE MENTAL NO
TRABALHO, 2., 2006, Goiânia. Anais... Goiânia: CIR, 2007. p. 64-98.
STANSFELD, S.; CANDY, B. Psychosocial Work Environment and Mental
Health - a Meta-Analytic Review. Scandinavian Journal of Work
Environment & Health, [S.l.], v. 32, n. 6, p. 443-462, 2006.

FADIGA
Ana Carolina Perroni Lima; Elaine Cristina Vaz Vaez Gomes;
João Carlos Messias; Vanusa Meneghel
Fadiga é um termo derivado do latim ‘fatigãre’ e o seu uso na
língua portuguesa data de 1844. A fadiga é um assunto de interesse de
várias áreas da saúde, havendo estudos especificamente relacionados
às causas físicas, aos distúrbios psiquiátricos, à fisiologia do exercício,
ao trabalho e como síndrome funcional (MOTA et al, 2005). A fadiga
pode ser considerada um fenômeno complexo relacionado à
diminuição de fatores motivacionais, redução na sustentação da força
e sensação de exaustão (MATOS e CASTRO, 2013).
Para Zorzanelli (2016) trata-se de um tema emergente no
contexto do trabalho e que pode ser confundido com burnout. Cabe
ressaltar que a fadiga é o resultado de um esforço físico que pode resultar
em mal-estar, dores musculares, cefaleia e prejuízos neuropsicológicos,
comprometendo a atenção, a motivação e a concentração. Já a síndrome
de burnout está relacionada exclusivamente ao trabalho e se desenvolve
em resposta aos estressores relacionados ao trabalho, levando o indivíduo
à exaustão emocional, despersonalização, redução da realização pessoal,
sentimentos de incompetência e queda na produtividade.
Sendo assim, o termo fadiga pode ser considerado como um
fenômeno subjetivo, multicausal, cuja origem e expressão envolvem
aspectos físicos, cognitivos e emocionais. Silva (2017) menciona que
fadiga é o estado de sensação de cansaço, desgaste, sonolência, a
consequência desse estado pode levar ao estresse, ansiedade, desgaste
mental ou físico, provocando prejuízo à qualidade de vida.
Chagas (2016) explicita que a fadiga no trabalho é um estado
de esgotamento mental e/ou físico que reduz a capacidade do
indivíduo para realizar a sua atividade de forma segura, configurando
mais do que uma sensação de cansaço e sonolência. A importância de
entender o conceito neste contexto justifica-se devido às suas
implicações no ambiente de trabalho, pois pode causar baixo

205
rendimento, altos índices de absenteísmo, risco elevado de
envolvimento em acidentes de trabalho ou erros na atividade
desenvolvida, desenvolvimento de lesões de esforço, entre outros.
Observa-se que a fadiga no contexto organizacional é
multifacetada, pois pode ser causada por um conjunto de fatores, a
saber, fisiológicos, psicológicos, ambientais e sociais. É tratada em
diversas áreas de atuação tais como 1) Enfermagem, na qual é
entendida como uma sensação opressiva e sustentada de exaustão e de
capacidade diminuída para realizar trabalho físico e mental no nível
habitual, podendo ser também um sintoma subjetivo, desagradável que
incorpora toda sensação do corpo variando de cansaço a exaustão e
criando uma condição geral de falta de alívio, que interfere na
capacidade do indivíduo realizar suas habilidades normais que causa
cansaço, sensação de fraqueza e desconforto; 2) na Educação Física é
entendida como uma diminuição na capacidade de gerar tensão
muscular com a estimulação repetida; 3) em Oncologia é entendida
como a condição caracterizada por sofrimento e diminuição da
capacidade funcional devido à redução de energia; 4) na Odontologia,
refere-se ao desgaste de materiais de próteses parciais, geralmente
gerado por falha no próprio material ou por efeito de cargas repetidas;
5) na Engenharia é considerada um modo prevalente de falência de
componentes estruturais ocasionado por períodos de estresse e 6) em
Psicologia, na área da saúde mental, considerada cansaço atrelado a
um desânimo e incapacidade de produção. Entende-se que fadiga não
é sinônimo de stress e Síndrome de Burnout, porém, tornando-se
crônica, isto é, frequente, pode desencadear ansiedade, depressão, bem
como os referidos estresse e Burnout (MOTA et al, 2005).
Nesse sentido, no contexto da saúde ocupacional, torna-se
imprescindível entender esse amplo conceito de definição complexa,
com vistas a sua interpretação e diagnóstico. O questionário de fadiga
de Chalder (CFQ) objetiva medir tanto a gravidade das fadigas física e
mental, quanto auxiliar na avaliação de pacientes portadores da
síndrome da fadiga crônica (SFC). Este instrumento, de origem inglesa,
foi adaptado por Cho (2007) para a realidade brasileira, mostrando-se
válido e confiável nos referidos diagnósticos. Outro instrumento de
avaliação é a Escala de Necessidade de Descanso (Enede), traduzida e
validada para o português do Brasil, visa avaliar a presença e o grau da
fadiga relacionada ao trabalho (MORIGUCHI, 2009).
Sendo assim, observa-se que as condições e a organização de
trabalho influenciam diretamente o desenvolvimento da fadiga e, como
maneira de prevenção, faz-se necessário avaliar a intensidade do
trabalho, tempo de atividade destinado à atividade, tempo de intervalo
entre jornadas e condições ambientais como ergonomia, ruído,
206
iluminação (CHAGAS, 2016). Portanto, a fadiga pode estar relacionada
a fatores intrínsecos e extrínsecos para o trabalhador, tornando-se
relevante no contexto do trabalho por ocasionar possíveis implicações,
tanto para a saúde do trabalhador, quanto para a organização.
Referências
CHAGAS, D. Fadiga no trabalho: Fatores e consequências, 2016.
Disponível em: http://blog.safemed.pt/fadiga-no-trabalho-fatores-e-
consequencias. Acesso em: 20 nov.2020.
CHO, H. J., COSTA, E., MENEZES, P. R., CHALDER, T., BHUGRA, D. &
WESSELY, S. Cross-cultural validation of Chalder Fadigue Questionnaire in
Brasilian primary care. Journal of Research, 62, 301-304. Psychosomatic, 2007.
MATOS. C. C; CASTRO. F. A. S. Fadiga: alterações fisiológicas e modelos
conceituais. Revista brasileira de ciências da saúde, 2013.
MORIGUCHI, C. S.; TREVIZANI. T, de O. A. B; COURY, H. J. C. G.
Avaliação de Diferentes parâmetros para interpretar a necessidade de
descanso em ergonomia. Fisioter Mov. 2013.
MOTA. D. D. C. F; CRUZ. D. A. L. M.; Pimenta. C. A. M. Fadiga uma
análise do conceito. Acta Paul Enferm. 2005;18(3):285-93
SILVA, A. M. Fadiga no Trabalho. In: Dicionário de Saúde e Segurança do
Trabalhador. Proteção, 2017.
ZORZANELLI. R; VIEIRA. I; RUSSO. J. A. Diversos nomes para o cansaço:
categorias emergentes e sua relação com o mundo do trabalho. Interface, 2016.

FATORES PSICOSSOCIAIS E IMPACTOS NA SAÚDE DOS


TRABALHADORES
André de Figueiredo Luna; Sônia Maria Guedes Gondim
Fatores psicossociais do trabalho (FPT) se referem à
percepção do trabalhador sobre o equilíbrio entre, de um lado, o
trabalho propriamente dito, incluindo o contexto imediato em que ele
ocorre (ambiente, relações hierárquicas, estrutura organizacional, etc)
e, de outro, a capacidades, necessidades e limitações desse mesmo
trabalhador, e que podem ter impactos positivos (proteção) ou
negativos (danos) no seu desempenho e na sua saúde (ILO, 1984;
LEKA; GRIFFITHS; COX, 2003; LEKA; JAIN, 2010). Diferenciam-
se dos fatores físicos, químicos e biológicos que comumente são
avaliados por indicadores e parâmetros pré-estabelecidos por normas
técnicas e legislações específicas (BRASIL, 2013a; BRASIL, 2013b)
e mais facilmente aferidos por equipamentos ou procedimentos, que
os tornam mais objetiváveis (RODRIGUES; FAIAD, 2018).
Tendo em vista que os FPT são de natureza perceptiva e
ancorados na interação entre aspectos subjetivos do trabalhador e o
contexto objetivo do trabalho, além de sofrerem mudanças no tempo,
torna-se recomendável o seu monitoramento para fins de
acompanhamento e intervenção apropriados (ZANELLI, 2015). Tais
207
mudanças podem estar relacionadas ao mundo do trabalho no sentido
extenso, à organização (troca de chefia, novas tecnologias, mudança de
função ou cargo, etc), e ao conteúdo do trabalho (demandas emocionais,
exigências da tarefa, carga e ritmo de trabalho, etc). Podem ser atinentes
à vida pessoal (endividamento, divórcio, abuso de drogas, mudança de
cidade, etc), ao organismo do indivíduo (adoecimento, lesão), à vida
social (suporte de amigos, prática de esportes, práticas espirituais, etc),
profissional (mudança de carreira, novo emprego, etc), ou mesmo ao
contexto mais amplo (cultura, políticas), que repercutem na percepção
do trabalhador sobre a sua condição atual (COSTA; SANTOS, 2013).
Duas vertentes abordam os impactos dos FPT na saúde do
trabalhador. A mais difundida e alvo de maior número de estudos dirige
o foco na possibilidade de dano (risco) à saúde do trabalhador,
considerando também as consequências negativas para o desempenho e
a satisfação no trabalho. A segunda vertente concentra-se nos fatores
que atuam como protetivos da saúde do trabalhador e também
favorecem o desempenho no trabalho (VAZQUEZ; PIANEZOLLA;
HUTZ, 2018). A literatura muitas vezes apresenta as expressões
“fatores psicossociais” e “fatores de risco” sem discutir criticamente as
diferenças entre desfechos negativos (dano) e positivos de proteção
(CHRISTENSEN et al, 2008). Para definir os primeiros, é necessário
diferenciar perigo, dano, risco e fator de risco. Sumariamente, perigo
diz repeito a qualquer ameaça (alta voltagem elétrica); dano se refere ao
prejuízo causado por um perigo (eletrocução); risco se relaciona à
probabilidade de que o perigo se converta em dano (risco alto, risco
baixo). Por último, os fatores de risco são os aspectos da configuração
do trabalho com potencial de gerar os referidos danos (falta de
equipamentos de proteção invidual e coletiva, mal estado de
conservação dos equipamentos, falta de capacitação nos procedimentos,
etc). Enquanto o risco varia em níveis e/ou intensidade, os fatores de
risco são expressos pelo seu conteúdo, identificando especificamente as
possíveis ameaças (RICK et al, 2001).
É importante considerar que os fatores psicossocias, possuem
um escopo ampliado, abarcando não só as fontes de ameaça à saúde
(perigo), mas também as fontes de bem-estar, satisfação e saúde. Nesse
sentido, fatores psicossociais de risco no trabalho são aspectos de
natureza subjetiva e perceptiva presentes no trabalho e suas relações
com potencial de gerar prejuízo à saúde (indiferença aos procedimentos
de segurança, insegurança na execução das tarefas, dificuldade na
tomada de decisão diante da ambiguidade nas instruções operacionais,
etc). Os fatores psicossociais protetivos, por sua vez, não comportam a
noção de risco, vez que esta diz respeito à probabilidade de dano, um
desfecho negativo que não está na cadeia de efeitos desses fatores. Os
208
fatores protetivos são vistos como aspectos promotores de saúde, bom
desempenho ou bem-estar (respeito aos limites pessoais, busca de
suporte social, possibilidade de negociar melhor ajuste das condições de
trabalho, autonomia para adaptar o modo de execução do trabalho
diante de imprevistos, etc). Tanto os fatores psicossociais de risco
quanto os protetivos podem ser identificados e compartilhados em
diferentes contextos de trabalho, mas também mostrarem-se específicos
para determinadas ocupações. Sendo assim, seu monitoramento ajudaria
a mapear os fatores gerais, comuns a todo contexto de trabalho, e
mediante estudos qualitativos complementares, abarcar as
especificidades de cada contexto ocupacional.
É importante considerar ainda que uma das variáveis que
interferem na percepção psicossocial de risco é a condição de estresse
que o indivíduo se encontra, seja por abalos no contexto de trabalho
mais imediato (fusão entre empresas, demissão em massa, introdução
de novas tecnologias, etc) ou por mudanças no âmbito pessoal ou social
mais amplo (endividamento, problemas familiares, redução da oferta de
empregos, etc). Os efeitos dos FPT estariam ligados aos mecanismos do
estresse (HUANG; FEUERSTEIN; SAUTER, 2002) ao passo que
recursos psicológicos individuais (autoeficácia) poderiam modular a
reatividade neuroendócrina e psicológica aos estressores
(SCHÖNFELD; PREUSSER; MARGRAF, 2017). Sob o efeito do
estresse, a pessoa pode vir a superestimar os fatores de risco,
aumentando a probabilidade de vivenciar estados de ansiedade e ter
manifestações de mal físico e psicológico. Haveria, portanto, uma via
direta de influência dos fatores psicossociais de risco sobre a saúde
(condições do ambiente do trabalho) e outra via indireta de cognições e
afetos negativos desencadeados pelo estresse que gera mais ansiedade e
sofrimento no trabalhador. Esses exemplos ilustram que o mapeamento
e a intervenção sobre os FPS demandam abordagem integrada que
abarque o indivíduo em sua dimensão biopsicossocial, necessariamente
contemplando as interfaces entre os níveis individual e coletivo. Uma
intervenção capaz de identificar precocemente mudanças significativas
com potencial de produzir estresse tem mais chance de êxito e de
redução efetiva dos efeitos deletérios para os indivíduos e para o bom
funcionamento das organizações de trabalho.
Embora haja essas duas perspectivas, dá-se maior foco aos
fatores de risco em função da urgência de encontrar alternativas para
reduzir os impactos negativos à saúde dos trabalhadores e de
contribuir para melhorar o desempenho e a satisfação no trabalho,
instrumentalizando profissionais a agirem para evitar prejuízos para
indivíduos, empresas e sociedade. Desde meados da década de 1950, o
interesse pelos determinantes de saúde no trabalho foi se deslocando
209
dos fatores intrínsecos ao trabalho para os relacionais e, por volta dos
anos 2000, passou-se a destacar aspectos contextuais mais amplos,
embora o interesse maior ainda recaísse sobre os efeitos dos riscos
psicossociais na saúde (KRISTENSEN, 2010).
A primeira fase centrou-se na investigação dos riscos
presentes na organização do trabalho, portanto mais próxima da
abordagem de riscos objetivos, apenas acrescentando à esta a
percepção que os trabalhadores tinham sobre tais fontes estressoras
(percepção sobre salubridade). O objetivo era o de identificar as fontes
de estresse percebidas pelos trabalhadores e os possíveis efeitos no
adoecimento, absenteísmo, perda de produtividade etc.
A segunda fase dos estudos passou a incluir aspectos da
relação do indivíduo com seu trabalho e outras pessoas no contexto
laboral (qualidade da liderança; suporte social de colegas),
expandindo-se para além do trabalho industrial. Posteriormente
incluíram-se aspectos da interface do trabalho e outros âmbitos da vida
(exigências extralaborais), o simbolismo que abarca sentidos e
significados do trabalho, a percepção de justiça e as possíveis
repercussões das mudanças recentes no mundo do trabalho
(esvaziamento do sentido do trabalho, precarização, instabilidade dos
vínculos empregatícios, exigências de autorregulação e
empreendedorismo, etc).
Essas fases não são arbritárias, pois acompanham as mudanças
que ocorreram no mundo do trabalho e a demanda de governos por
alternativas para lidar com os custos crescentes relacionados à perda de
capacidade para o trabalho. A análise crítica da fase atual aponta que não
se veem ainda suficientemente representados nos modelos disponíveis,
aspectos importantes das novas configurações de trabalho, tais como: 1) o
trabalho autônomo ou as modalidades de trabalho que não estão reguladas
por um contrato de emprego ou situados numa relação de subordinação a
uma chefia; 2) o empreendedorismo; 3) o trabalho em redes sociais
(digital influencers); 4) o teletrabalho, home-office (acesso a email e
outros dispositivos eletrônicos para interação de trabalho a todo tempo e
instante), dentre outros, o que sinaliza a necessidade de um modelo
reformulado capaz de contemplar especificidades das diferentes
modalidades de trabalho.
Dentro das vertentes atuais, os modelos variam no número de
fatores identificados e no seu agrupamento em dimensões ou
categorias, o que acaba levando à produção de uma diversidade de
medidas, muitas vezes justapondo-se a outros conceitos na literatura
(NÜBLING et al, 2013). Por exemplo, as demandas extralaborais
podem ser consideradas fontes estressoras na literatura dedicada ao

210
estresse, como também se referem a um campo estabelecido de
estudos sobre a relação trabalho-família, e que inclui conflito de
demandas e também o equilíbrio favorável à saúde. Um aspecto
positivo da amplitude que ganhou o conceito de fatores psicossociais é
reconhecer que a relação do indivíduo com o trabalho não está
circunscrita à empresa. Por outro lado, isso fragiliza a demarcação do
que seria considerado fator psicossocial de risco no trabalho, recaindo
o risco num fator externo que, embora interfira na subjetividade do
trabalhador, está na maioria das vezes fora do controle de ação da
empresa e dos profissionais responsáveis pela redução dos riscos
psicossociais, geralmente os da área de saúde ocupacional, de gestão
de pessoas e de equipes.
Dentre os principais modelos teóricos e suas medidas
correspondentes estão o modelo de características do trabalho (Job-
Content) (KARASEK, 1979), o modelo desequilíbrio esforço-
recompensa (Effort-Reward Imbalance) (SIEGRIST, 1996) e o
Questionário Psicossocial de Copenhagen (COPSOQ – Copenhagen
Psychosocial Questionnaire) (KRISTENSEN; HANNERZ; HØGH;
BORG, 2005), o qual contempla inclusive muitos aspectos dos modelos
anteriores. Esse último encontra-se traduzido e validado para mais de 25
idiomas, sendo um dos mais utilizados mundialmente (COPSOQ, 2018).
Tais medidas, sobretudo o COPSOQ, incluem amplo rol de aspectos a
serem mensurados e suas diferentes versões (curta, média ou longa) e
validações produziram agrupamentos de itens e dimensões distintos. Em
estudo recente realizado a partir da versão curta do COPSOQ II,
encontramos evidências de validade de três dimensões (LUNA;
GONDIM, 2019): 1) uma que reúne aspectos da relação e atuação direta
da liderança; 2) outra que abarca sentidos e significados e aspectos mais
simbólicos do valor e importância do trabalho; e 3) a que se refere às
demandas do trabalho, sejam físicas ou emocionais. As distintas soluções
fatoriais encontradas nos estudos do COPSOQ revelam que alguns
aspectos são mais centrais do que outros em algumas amostras, mas em
geral consegue-se demarcar que a percepção de fatores relacionados às
três dimensões encontradas neste último estudo aponta de modo claro
correlação negativa entre FPT e a saúde. É preciso reconhecer, no
entanto, que esta parece ser uma característica das medidas de FPT, de
caráter geral, sem levar em conta as especificidades de contextos de
trabalho particulares. Algumas iniciativas já abrem caminho nesta direção
de contemplar certas modalidades trabalho e suas especificidades com
visíveis riscos para a saúde e pouco estudadas [ver MOMBELLI (2019)
sobre o trabalho em espaços confinados].
Diversos estudos mostram correlação positiva elevada entre
percepção desses fatores e desfechos negativos, seja para a saúde ou o
211
desempenho no trabalho (ver COSTA; SANTOS, 2013; LEKA; JAIN,
2010). Há crescentes evidências, portanto, de seu impacto negativo
sobre a saúde mental, afastamentos do trabalho, aposentadorias
precoces, perda de qualidade de vida, e aumento de custos para
empresas e sociedade (VÉZINA, 2004). Encontraram-se efeitos
independentes das demandas psicossociais e demandas físicas sobre a
dor lombar, e também correlação positiva entre baixo suporte social,
insatisfação e adoecimento (FERNANDES et al, 2009). Embora em
setores que demarcam mais as diferenças entre perigos objetivos e
aspectos subjetivos e psicossociais (indústria pesada, pesca em alto-
mar, dentre outros) tenham sido encontradas associações mais fortes
entre perigos físicos e adoecimento do que em setores como trabalho
intelectual, vendas ou escritório, isso não reduz a importância dos
fatores psicossociais de risco. No conjunto tanto os riscos físicos e os
subjetivos geram efeitos negativos na saúde. Mas muitas vezes essas
conclusões são extraídas de estudos de corte transversal, que fizeram
uso de medidas de autorrelato ou de surveys.
Os efeitos dos fatores psicossociais de risco, todavia, podem
ser melhor observados longitudinalmente, na medida em que o
acompanhamento da exposição frequente a esses agentes patógenos é
fundamental para o entendimento do processo e do impacto na saúde.
O monitoramento longitudinal permite observar tendências e fazer
inferências a partir da comparação dos dados obtidos com outras
fontes de informação.
Para finalizar, apesar do crescimento do interesse e do número
de estudos sobre fatores psicossociais de risco no trabalho, ainda
existe discussão acerca da validade das medidas usadas quando
comparadas com as de riscos químicos, físicos e biológicos. No
segundo caso, as métricas e formas de diagnóstico estão ancoradas em
parâmetros relativamente consensuais, sendo mais facilmente
operacionalizáveis e menos suscetíveis a divergências subjetivas. A
grande maioria (>78%) das medidas de FPT é de autorrelato
(TABANELLI et al, 2008). A crítica a tais medidas coloca dúvidas
sobre o fenômeno que está sendo estudado (percepção), em
comparação com os dados obtidos por fontes externas (número de
acidentes, custos com absenteísmo, histórico de adoecimento). Perde-
se de vista, no entanto, que as condições objetivas do trabalho e a
percepção sobre tais condições se mostram interdependentes. Não é
possível suprimir a percepção do trabalhador, porque o trabalho vivo
envolve as dinâmicas interações que o trabalhador estabelece com seu
fazer, seus processos cognitivos e autorregulatórios.

212
Referências
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MTE, 2013. Disponível em:
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Dicionário de psicologia organizacional e do trabalho, 2015. pp. 642-650.

FELICIDADE
Márcia Pereira Bernardes; Narbal Silva
As concepções remotas sobre felicidade tiveram origem em
textos antigos, tais como os poemas de Hesíodo, os hinos de Homero,
os escritos pré-socráticos e na Torá da tradição hebraica. Nos escritos
dos poetas podem ser lidas as palavras olbios e makarios,
compreendidas como “abençoado”, o que designa usufruir de
prosperidade material e moral, além da imunidade ao sofrimento. Nos
diálogos (filosofia platônica na sua forma escrita), “eutychia” significa
“afortunado”. Também nesta obra, “euprattein” tem sentido similar ao
que Sócrates compreende como felicidade (MALVEZZI, 2015).

214
Em Aristóteles, que viveu no século IV a.C., felicidade se
configura como vida revestida de excelência. Assim, constituiria
virtude a ser regada continuamente (SCHOCH, 2011). Desde então,
para os filósofos gregos, a felicidade é concebida como propósito
maior da existência humana. O summm bonum – o “bem maior” e
propósito supremo da existência humana. Nessa concepção, a
felicidade é uma atividade coadunada com o que existe de
virtuosidade e excelência no ser humano.
O verbete no latim é escrito como “felicitas”, no inglês é
“happiness”, em francês, “bonheur” e no alemão “gluckseligkeit”.
Em que pese as circunstâncias históricas, culturais e sociais, em geral
é compreendida como estado de satisfação, devido a inserção
existencial do ser humano no mundo. Ou seja, o conceito de felicidade
é inerentemente humano e mundano (ABBAGNANO, 2000).
No budismo, a felicidade significa contraponto ao sofrimento.
Nessa perspectiva, a felicidade é primordialmente mental, o que requer
identificação dos causadores da infelicidade e os que impulsionam
estados psicológicos felizes. Ainda nessa concepção, felicidade é estar
em paz consigo (DALAI-LAMA & CUTLER, 2004).
Na atualidade, conforme supostos integracionistas que conectam
preceitos hedonistas e eudaimonistas, seja no trabalho ou em outros
espaços de vida, se caracteriza com um estado psicológico revestido de
pensamentos e de sentimentos preponderantemente positivos,
socialmente construídos, com tendência à estabilidade e a perenidade. Ao
se revestir de pensamentos e de sentimentos de natureza psicossocial,
poderá ser aprendida e desenvolvida (SILVA & TOLFO, 2012).
Nessa direção, “ser feliz” tem como suposto, a existência de
experiências significativas e positivas de vida. Isto é, felicidade requer
ímpeto para se tornar aquilo que se deseja ser (autorrealização) e
experimentar uma vida com sentido. Como complemento, felicidade
(ser feliz) pode ser expressa por meio de experiências de prazer e de
propósito recorrentes. Por fim, é concebida como construto vinculado
à capacidade de ser espontâneo, criativo e sensível nas situações a que
está envolvido. O que requer discriminação e integração, além de
harmonia entre o individual e o coletivo, entre o mundo interno e a
realidade externa (MORENO, 1983). Em síntese, quer dizer que a
realização plena das potencialidades de um ser humano, a qual edifica
o estado de “ser/sentir feliz”, ancora-se nos processos de diferenciação
(individualidade) e de integração (ser social).
Logo, a realização plena das potencialidades do ser humano
no trabalho que executa cotidianamente contribui para a felicidade

215
pessoal e, na via contrária, a irrealização, no profissional, de tais
potencialidades contribui para a sua infelicidade.
Referências
ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 2. ed. São Paulo: Mestre Jou,
1982, 2000.
DALAI-LAMA; CUTLER, H. C. A arte da felicidade no trabalho. São
Paulo: MARTINS FONTES, 2004.
MALVEZZI, S. Felicidade no Trabalho. In: Dicionário de psicologia do
trabalho e das organizações, Bendassolli, P. F., & Borges-Andrade, J. E.
(Orgs), pp. 349-355. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2015.
MORENO, J. L. Fundamentos do psicodrama. São Paulo: Summus, 1983.
SCHOCH, R. A história da (in) felicidade: três mil anos de busca por uma
vida melhor. Rio de Janeiro: Best Seller, 2011.
SILVA, N., & TOLFO, S. DA R. Trabalho significativo e felicidade humana:
explorando aproximações. Revista Psicologia: Organizações e Trabalho,
12(3), 341-354, 2012.

FLEXIBILIZAÇÃO DO TRABALHO E REPERCUSSÕES NO


PROCESSO SAÚDE/DOENÇA MENTAL NO TRABALHO
Bruno Chapadeiro
A flexibilização do trabalho foi adotada como um dos elementos
centrais da reestruturação produtiva e da mundialização do capital como
aposta à saída da crise do fordismo dos anos 1970. Pautado no discurso
da financeirização, a proposta de governos neoliberais de ampla reforma
do Estado surge como um dos fundamentos das políticas públicas na
década de 1980, apoiando-se na ideia de flexibilidade dos processos de
trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo.
Nos dizeres de Franco, Druck e Seligmann-Silva (2010, p. 233), “a
globalização consolidou o binômio flexibilização/precarização e a perda
da razão social do trabalho”.
Do ponto de vista de seu impacto nas relações de trabalho, a
flexibilização se expressa na diminuição drástica das fronteiras entre
atividade laboral e espaço da vida privada, no desmonte da legislação
trabalhista, nas diferentes formas de contratação da força de trabalho e
em sua expressão negada, o desemprego estrutural (ANTUNES, 2018,
p. 141). Heloani (2003, p. 117) descreve que, na perspectiva neoliberal,
o trabalhador é visto como um “sobrevivente”. Para não ser soterrado
pelo desemprego, deve se adaptar a subempregos, ocupações
temporárias em que é coagido a desistir de direitos trabalhistas
conquistados há décadas.
As primeiras medidas de flexibilização das relações de
trabalho no Brasil se deram ainda durante a ditatura civil-militar que
reprimiu fortemente a atividade sindical. Entre outros desmandos,
estão também a introdução do Fundo de Garantia por Tempo de
216
Serviço (FGTS) a partir da Lei nº 5.107/66, em substituição à garantia
de estabilidade no emprego após dez anos de trabalho, e a aprovação
da lei que regulamentava o contrato temporário de trabalho.
A partir dos anos 1990 os governos Collor-Franco-FHC
marcam a plena aceitação dos princípios neoliberais na determinação
da política econômica e no papel do Estado na economia. Durante a
década inicia-se a difusão ideológica do chamado “pensamento
único”, em que o aumento da competitividade e da incerteza,
resultados de um mundo mais “globalizado”, exigiam menor presença
no Estado e maior flexibilidade do mercado de trabalho.
Em meio ao Plano Real, diversas foram as medidas de
flexibilização das relações de trabalho brasileira, como as apontadas
por Capelas, Neto e Marques (2010): (a) a legislação relativa à
participação nos lucros ou resultados (PLR), inicialmente constituída
pela Medida Provisória 794/94. Ainda que originalmente a PLR fosse
uma reivindicação histórica do sindicalismo, contribuiu
significativamente para a flexibilização das relações de trabalho no
Brasil nos moldes em que foi implementada; (b) o fim da política
salarial com a desindexação salarial que se deu pela transformação
dos salários e dos preços administrados pelo Estado em Unidade Real
de Valor (URV); (c) a partir da MP 1.906/97, o governo FHC
estipulou a estrutura salarial com o salário-mínimo em R$ 120,00
desvinculando esse piso de qualquer índice de inflação; (d) As
cooperativas profissionais foram estabelecidas por lei em 1994,
permitindo que os trabalhadores pudessem se organizar para prestar
serviços ou executar trabalho em uma empresa sem que isso
caracterizasse vínculo empregatício; (e) o contrato por tempo
determinado e o sistema de banco de horas, que visavam combater o
agravamento do desemprego; (f) Trabalho em tempo parcial (menos
de 25 horas semanais) com o objetivo de propiciar o aumento do
emprego formal por meio da redução da jornada de trabalho de quem
aderisse; (g) A MP 1.726/98 que estabeleceu a possibilidade de
suspensão do contrato de trabalho por tempo indeterminado para
(re)qualificação profissional do trabalhador, desde que negociada
entre o sindicato e a empresa.
De acordo com Krein (2003), as sucessivas mudanças na
legislação brasileira tiveram o intuito de desonerar as empresas das
contrapartidas sociais referentes aos direitos trabalhistas através de um
permissivo papel do Estado na seara trabalhista. As terceirizações, por
exemplo, antes permitidas somente para atividades-meio,
generalizam-se mediante a aprovação da Lei nº 13.429/2017. Na
esteira, a Lei nº 13.467/2017 que aprovou a (contra)reforma
trabalhista, dentre tantos pontos nefastos que promovem o desmonte
217
da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), validou o trabalho
intermitente. Desse modo, flexibilização, terceirização,
desregulamentação, intermitência e a captura do fundo público
tornam-se os mantras atuais do trabalhismo neoliberal tupiniquim.
Assim, tal como afirmam Franco, Druck e Seligmann-Silva
(2010, p. 243), produzido no seio da flexibilização, a perda da razão
social do trabalho a partir do processo de despertencimento social,
conduz à fragilização dos laços, levando, no limite, à desagregação
social, com a proliferação da violência social, do sofrimento e do
adoecimento, com destaque para os transtornos mentais cada vez mais
frequentes. Para as autoras (p. 240), essa perda do sentido do trabalho
a) constitui o cerne das formas de desgaste mental originadas pela
metamorfose perversa da organização do trabalho; b) consubstancia
formas de desgaste mental que conduzem às depressões e ao burnout,
além de atuar na patogênese de outros transtornos psíquicos e
psicossomáticos.

Dessa forma, a flexibilização do trabalho e suas repercussões diretas no


processo saúde/doença mental dos trabalhadores precisam ser conhecidas
pelos profissionais atuantes em Saúde do Trabalhador para entendimento
do nexo (con)causal existente entre adoecimento e trabalho precário de
forma a produzir reflexão acerca das perspectivas de intervenção.
Referências
ANTUNES, R. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na
era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.
CAPELAS, E.; NETO, M. H.; MARQUES, R. M. Relações de trabalho e
flexibilização. In: MARQUES, R. R.; FERREIRA, M. R. J. O Brasil sob a
Nova Ordem: a economia brasileira contemporânea – uma análise dos
governos Collor a Lula. São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, p. 219-244.
FRANCO, T.; DRUCK, G.; SELIGMANN-SILVA, E. As novas relações de
trabalho, o desgaste mental do trabalhador e os transtornos mentais no trabalho
precarizado. Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 35 (122): 229-248, 2010.
HELOANI, J. R. Gestão e organização no capitalismo globalizado:
história da manipulação psicológica no mundo do trabalho. São Paulo: Atlas,
2003.
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M. W.; HENRIQUE, W. (Org.). Trabalho, mercado e sociedade. São
Paulo: Unesp/Inst. Economia Unicamp, 2003, p. 279-322.
KREIN, J. D. Flexibilização das relações de trabalho: insegurança para os
trabalhadores. In: KREIN, J.D.; GIMENEZ, D.M.; SANTOS, A.L. (Org.)
Dimensões críticas da reforma trabalhista no Brasil. Campinas: Curt
Nimuendajú, 2018, p. 95-122.

218
GÊNERO – TRABALHO E SAÚDE
Marianne Ramos Feijó
Gênero pode ser compreendido como os papéis sociais
atribuídos a certo grupo de pessoas, em função de questões como sexo
biológico, orientação sexual e ou identidade sexual. Os estereótipos de
gênero atrelados às profissões, portanto às expectativas sociais que
limitam as escolhas profissionais de algumas pessoas, são fatores de
vulnerabilidade, assim como a desigualdade por questões de gênero no
trabalho é um fator psicossocial de risco para trabalhadores/as. As
desigualdades de gênero vividas no trabalho prejudicam escolhas,
relações e o desenvolvimento, especialmente de mulheres e de pessoas
que não reproduzem o padrão heteronormativo na forma que
expressam aspectos relacionados a sua identidade e sexualidade.
Considerando o trabalho como uma fonte de renda, realização,
socialização e aprendizado, as pessoas que são discriminadas no trabalho,
e que têm o acesso às diferentes formas de trabalho reduzido, são
privadas de desenvolvimento, de serviços e de direitos voltados ao seu
bem estar e à sua saúde. Em casa, no trabalho e na sociedade em geral, há
que se construir maior equidade entre as pessoas e maior valorização e
respeito à diversidade. A título de exemplo, cuidadores das crianças e da
casa, sejam homens ou mulheres e independentemente de sua orientação
ou identidade sexual, devem ser valorizados, mas não sobrecarregados. O
trabalho doméstico, historicamente atribuído às mulheres em nossa
sociedade, além de desgastante, infinito e desvalorizado, mantém
algumas mulheres e pessoas com deficiências privadas do pleno
desenvolvimento profissional. Nas famílias, a acomodação, sustentada
em desigualdades que incluem a má divisão de tarefas, contribui para a
exclusão social de grupos desfavorecidos, principalmente as mulheres,
mas de outras pessoas que também são alvos de preconceitos. Quando o
preconceito de gênero se entrecruza com os preconceitos relacionados a
cor da pele, aparência, presença de deficiência, dificuldades materiais,
orientação sexual, dentre outros, a exclusão torna-se mais grave e a
dificuldade de acesso e de inclusão no trabalho é um dos fatores
relevantes que contribuem para a manutenção de tal apartamento. Desta
maneira, enquanto alguns adultos forem mais responsabilizados pela casa
e pela família, a equidade ficará comprometida.
Nas organizações de trabalho, salários e oportunidades
reduzidas, para as mulheres e por aqueles que sofrem preconceitos de
gênero, são mantenedores de desigualdade e de conflitos entre
trabalhadores, entre familiares e entre família e trabalho (veja verbete
Conflito Família-Trabalho). Matias, Andrade e Fontaine (2011) em
seus estudos, apontaram a desigualdade de gênero como um dos
elementos essenciais na compreensão da interação trabalho-família.
219
Os autores indicaram que o papel familiar e doméstico ainda é
predominantemente atribuído às mulheres, por questões culturais.
Quando a mulher é mais exigida no trabalho, ela tem a tendência de
sentir maiores níveis do conflito trabalho-família do que os homens na
mesma situação. Além disso, autores tratam da potencial carga de
estresse que recai sobre as mulheres e do desafio da manutenção do
equilíbrio família-trabalho para as mesmas, conforme exposto no
verbete Conflito Família-Trabalho. Cabe enfatizar o desafio atual de
construir relações de maior equidade entre homens e mulheres no
trabalho, nas famílias e demais grupos sociais, o que reforça a ideia de
que a divisão de papéis no ambiente doméstico carece de maior
equilíbrio, flexibilidade e equidade.
A busca por equidade, no que se refere aos homens e às
mulheres, depende da compreensão da diferença entre sexo biológico
e gênero, conceitos já abordados no presente verbete, de forma
introdutória (PRAUN, 2011). O conceito de sexo biológico diz
respeito às características físicas e anatômicas que diferenciam
homens e mulheres, portanto o aparelho reprodutor dotado de
testículos, epidídimo, ducto deferente, vesículas seminais, próstata,
glândulas bulbouretrais, escroto e pênis diferente do aparelho
reprodutor dotado de ovários, tubas uterinas, útero, vagina e vulva
(LIMA et al., 2017). Já no que se refere ao conceito de gênero, este
envolve um conjunto de representações culturais e valores, atribuídos
socialmente a cada gênero, neste caso, o masculino e o feminino,
como se o corpo ditasse comportamentos, escolhas, vontades e
identidades. Para a autora, são diferenças transformadas em
desigualdades, o que coaduna com as ideias de Louro et al. (2013) a
respeito do caráter social dos estereótipos mantidos em torno das
questões de gênero.
Ainda que condições de trabalho externo e interno às
residências se tornem mais igualitárias entre grupos de pessoas a
quem se atribuem diferentes papéis de gênero, os estereótipos
atrelados às profissões e às diferentes possibilidades de exercício
profissional também devem ser questionados, para a construção de
uma sociedade mais plural e diversa, em que se respeite e valorize
diferenças e direitos humanos. Para isso, ações afirmativas não podem
ficar restritas às grandes corporações e aos cargos mais elevados.
Também não podem ignorar que a discriminação de mulheres, de
homossexuais, de transexuais, de pessoas com deficiência, de negros
deve ser aplacada e que há pessoas que sofrem por pertencerem a mais
de um grupo que vem sendo historicamente discriminado.
Frabetti et al. (2015) estudaram pensamentos e sentimentos a
respeito das profissões e observaram construções permeadas de
220
ideologias e contradições, o que se chama de ideias do senso comum
ou estereótipos. Os estereótipos são descritos pelos autores como
classificações e estruturas de conhecimento social que pré-determinam
atitudes reducionistas e frequentemente discriminatórias. Podem ser
descritos como uma simplificação que reduz um fenômeno à sua
aparência e contribui para a construção de discursos que podem
limitar as escolhas profissionais, bem como desfavorecer as relações
daqueles que exercem atividades pouco compreendidas ou valorizadas
socialmente. Os estereótipos estão na base de desigualdades sociais –
logo, são frequentemente diferenças que geram falta de equidade e
discriminação (LIMA et al., 2019).
Lima et al. (2017) advertem para o fato de que as identidades,
perspectivas e concepções de gênero no Brasil são construídas a partir
de estereótipos, o que limita a visão tanto de homens quanto de
mulheres acerca de si mesmos e de suas potencialidades. A prevalência
de mulheres nos cursos de formação para o cuidado humano e de
homens nos cursos de áreas chamadas de exatas, como a engenharia e a
física, aponta para o fato de que as mulheres, apesar de alcançarem cada
vez mais cargos de liderança e se prepararem para profissões
historicamente atribuídas aos homens, ainda não são legitimadas em
algumas de suas escolhas. Da mesma forma, homens que transcendem
as escolhas que lhes foram apresentadas na família, na escola e na
sociedade em geral como possíveis, ainda geram estranhamento e em
alguns casos, desqualificação. Desde o processo de escolarização,
papéis e expectativas de gênero são construídos, com classificações a
respeito do que seriam características e atributos femininos e
masculinos. A forma pela qual tais atributos são socializados e
apropriados pelos indivíduos durante os processos de educação formal e
informal originam crenças sobre a existência de profissões femininas e
de profissões masculinas, culminando em determinadas escolhas
profissionais em detrimento de outras (LIMA et al., 2017). Para Louro
et al (2013), uma noção singular de gênero e sexualidade vem
sustentando currículos e práticas educacionais, apesar das novas
transformações vividas nos corpos, que não devem ser vistos como
estáveis, definidos ou como uma evidência segura de uma identidade
fixa e restrita a padrões. Na contramão de tais concepções, na sociedade
atual ainda se hierarquiza o masculino e o feminino e há influência da
construção de papéis sociais de gênero na escolha profissional, o que
gera diferentes destinos sociais e perspectivas de vida desiguais
(LOURO et al., 2013; LIMA et al., 2017).
As inúmeras formas e possibilidades de viver o gênero, a
sexualidade, as escolhas e o exercício profissional deveriam estimular
a discussão enriquecida pela diversidade, nas famílias, nas escolas,
221
nas organizações de trabalho e demais instituições sociais. Como
consequência, a relação gênero, trabalho e saúde seria mais
promissora e menos permeada de desigualdades, que geram opressão
e adoecimento. A livre expressão de habilidades, desejos, ideias, tanto
quanto a liberdade e boas condições de escolha, são fundamentais para
a saúde de quem trabalha ou almeja a inclusão no trabalho. As
relações no trabalho também tornam-se mais igualitárias e saudáveis
quando todos podem ser reconhecidos em seus desejos e potenciais,
sem restrições por preconceitos. Sendo assim, conhecimentos,
habilidades e competências devem ser foco de atenção e de
valorização na escolha, na contratação e no estímulo ao
desenvolvimento de quem trabalha. Aqueles que não tiveram boas
oportunidades para aquisição de conhecimentos em instituições de
ensino com qualidade, para além das ações afirmativas voltadas para a
redução da discriminação, devem ser beneficiados por ações
afirmativas de inclusão estudantil e de formação.
As pedreiras, as motoristas, as garis, os babás, os professores
de educação infantil, os empregados domésticos, os enfermeiros, os
manicures, os professores de dança, dentre outros profissionais que
ainda não são numerosos, devem ser valorizados, bem como
estimulados ao desenvolvimento, como quaisquer profissionais.
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na escolha profissional. DOXA: Revista Brasileira de Psicologia e
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https://periodicos.fclar.unesp.br/doxa/article/view/10818. Acesso em: 24
mar. 2019. doi: https://doi.org/10.30715/rbpe.v19.n1.2017.10818.
LOURO, G. L.; FELIPE, J.; GOELLNER, S. V. (org.). Corpo, gênero e sexualidade:
um debate contemporâneo na educação. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
MATIAS, M.; ANDRADE, C.; FONTAINE, A. M. Diferenças de Gênero no Conflito
Trabalho-Família: um estudo com famílias portuguesas de duplo-emprego com filhos em
idade pré-escolar. Psicologia, Lisboa, v. 25, n. 1, p. 9-32. 2011. Disponível em:
http://www.scielo.mec.pt/pdf/psi/v25n1/v25n1a01.pdf. Acesso: 3 de jun 2019.
PRAUN, A. G. Sexualidade, Gênero e suas Relações de Poder. Revista
Húmus, São Luís, v. 1, n. 1, p. 55-65, 2011. Disponível em:
http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/revistahumus/article/vie
wFile/1641/1302. Acesso em: 2 de jun 2019.

222
GLOBALIZAÇÃO E O PROCESSO SAÚDE-DOENÇA NO
TRABALHO
Cassiano Ricardo Rumin
A economia globalizada possibilita que o deslocamento dos
processos produtivos pelos territórios possa ser utilizado em favor da
valorização dos capitais. A indústria de curtimento de couros é um
exemplo marcante da manipulação do menor rigor, em alguns países,
das políticas de meio ambiente e saúde no trabalho, em favor da
reprodução de valores. Nas etapas iniciais de processamento dos
couros, o uso de solventes orgânicos e compostos metálicos como o
cromo, apresentam potencial elevado para a contaminação do
ambiente. Os resíduos orgânicos como gorduras e pelos também são
contaminantes ambientais que exigem tratamento. Essas etapas podem
ser realizadas em países periféricos da economia mundial e, em
seguida, os couros podem ser encaminhados a outros países para as
etapas de acabamento, como estampagem, coloração e
impermeabilização. A exposição ocupacional a solventes orgânicos e
metais pesados são fontes de risco à saúde mental pelo potencial
neurotóxico e de ameaça para a manutenção da vida em virtude dos
efeitos carcinogênicos. Pode-se considerar que a destrutividade do
modelo produtivo é terceirizada nos países com legislações menos
restritivas à degradação do ambiente e da saúde dos trabalhadores. A
“desterritorialização” da produção (ANTUNES, 2018) é outro fator a
se considerar na economia globalizada. Incentivos fiscais,
fragilizações das legislações trabalhistas e acesso facilitado a água,
energia e matérias primas mobilizam as indústrias a se deslocarem
pelos territórios, o que torna a força de trabalho “superfluída”
(ANTUNES, 2018). Assim, a transitoriedade da oferta de vagas de
trabalho fragmentaria a identidade dos trabalhadores em uma
“estratégia sutil de regulação das relações de poder, quer como
resistência à dominação, quer como seu reforço” (SAWAIA, 2004, p.
123). A terceirização dos riscos ambientais e a saúde dos
trabalhadores, bem como a desterritorialização da produção são
elementos que possibilitam a “superexploração no trabalho” –
conceito proposto por Ruy Mauro Marini – que é efetivada pela
combinação do “prolongamento da jornada laboral, o aumento da
intensidade do trabalho e a redução do consumo dos operários mais
além de seu limite normal” (GUANAIS, 2018, p. 288). A
superexploração no trabalho interfere no perfil de morbidade e
mortalidade dos trabalhadores, elevando o número de acidentes e
doenças do trabalho, ampliando as chances de morte após adoecer no
trabalho (letalidade) e chegando ao óbito em virtude dos riscos

223
ocupacionais. A morbidade e mortalidade no trabalho atingem os
trabalhadores e suas famílias os expondo à
desqualificação social, que caracteriza o movimento de expulsão gradativa,
para fora do mercado de trabalho, de camadas cada vez mais numerosas da
população e as experiências vividas na relação de assistência, ocorridas
durante as diferentes fases desse processo (PAUGAM, 2004, p. 68).

Para estabelecer o enfrentamento à desqualificação social,


particularmente em relação à dependência das políticas de assistência
social, é frequente o envolvimento dos trabalhadores com modos
precários e informais de trabalho. Entre as formas precárias encontra-
se o contrato por hora de trabalho, onde a disponibilidade às
necessidades empresariais atinge a plenitude da flexibilidade. Com
relação à informalidade, nota-se o trabalho constituindo-se sem que ao
menos uma relação de emprego seja estabelecida, deixando à margem
qualquer modalidade de proteção social. A migração também é um
processo bastante estimulado pela desterritorialização da produção e
atinge muitos indivíduos em condição de desqualificação social. As
migrações podem ultrapassar as fronteiras dos países ou mesmo
ocorrer de forma temporária nos limites territoriais de uma nação e
podem ocasionar a “desrealização do ser social” (ANTUNES, 2018).
As formas de segregação que experienciam nos lugares de destino da
migração, a desarticulação dos laços de sociabilidade, as severas
formas de controle a que os trabalhadores migrantes estão submetidos
e o resultado do trabalho reduzido a reificação, impedem a objetivação
das capacidades humanas em ações que pudessem garantir algum
reconhecimento havendo “uma negação deliberadamente imposta, de
qualidades do empregado, que persistem existindo e sendo exploradas
no processo de produção, embora não reconhecidas formalmente”
(SELIGMANN-SILVA, 2011, p. 203). A combinação da terceirização
dos riscos (ambientais e ocupacionais), da desterritorialização, da
desqualificação social e da migração torna a globalização uma faceta
bastante hostil da exploração dos trabalhadores.
Referências
ANTUNES, R. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços
na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.
GUANAIS, J. B. Pagamento por produção, intensificação do trabalho e
superexploração na agroindústria canavieira brasileira. São Paulo:
Outras Expressões, 2018.
PAUGAM, S. O enfraquecimento e a ruptura dos vínculos sociais – uma
dimensão essencial do processo de desqualificação social. In: SAWAIA, B.
(org.). As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da
desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 2004. (p.67-86)

224
SAWAIA, B. B. A identidade – uma ideologia separatista. In: Bader Burihan
Sawaia (org.) As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da
desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 2004. (p.119-127)
SELIGMANN-SILVA, E. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser
dono de si mesmo. São Paulo; Cortez, 2011.

GRUPALIDADE (CONCEITO) E CORRELAÇÕES COM A


SAÚDE MENTAL NO TRABALHO
Hilda Alevato
Grupalidade é um conceito oriundo dos estudos da Síndrome
Loconeurótica (SLN) e da Sociodinâmica do Trabalho (ALEVATO,
2013). As pesquisas de campo constataram que grande parte dos
conjuntos de assalariados nos ambientes de trabalho apresenta
demandas crônicas e diferenciadas daquelas advindas de grupos e/ou
equipes. Percebeu-se que a negligência em relação a tais demandas
tende a provocar inúmeros entraves e, muitas vezes, inviabiliza o
trabalho, gerando acusações e intervenções equivocadas, além de
desencadear uma série de ameaças à saúde mental, tais como a SLN
(ALEVATO, 2018, p.1083).
Grupalidade, portanto, nomeia um fenômeno típico de
determinadas situações de filiação profissional que diferencia
“conjuntos de pessoas” de grupos e/ou equipes, cujas características
são fartamente discutidas e categorizadas por estudiosos como
Anzieu, Pichon-Rivière, Lewin, Bion e outras consagradas
personalidades. Como sintetiza Baremblitt (1986), “em seu sentido
empírico, grupo é um conjunto de indivíduos associados em torno de
um objetivo comum durante um período de tempo prolongado” (p. 2).
De um modo geral, a formação de um grupo é um processo
que tem como momento fundante a decisão de uma espécie de
“tarefa”, conforme a psicanálise, em torno da qual as pessoas se
agregam, criando suas normatizações, seus compromissos, suas
obrigações, suas formas próprias de interagir, seu prazer e seu
sofrimento. Há um sentido em estar junto, conhecido e partilhado
pelos membros do grupo, que embute sua interdependência, ou seja,
cada membro, sozinho, não alcançaria os mesmos resultados ou a
qualidade da experiência. Se essa tarefa, ou “objetivo comum”, deixa
de existir, o grupo entra em processo de desmanche, tendendo a
extinguir-se. Do mesmo modo, se algum membro não sente mais a
necessidade dos companheiros para sua realização pessoal, o caminho
é o desligamento voluntário. Evidentemente, encontramos variações
nesse modelo, mas a descrição vale como essência geral.
Entretanto, em ambientes de trabalho, especialmente no
modelo econômico contemporâneo – apesar do uso disseminado de
225
expressões como “células produtivas”, “trabalho em equipe”,
“colaboradores” e outras –, dificilmente os assalariados participam do
processo decisório empresarial, sequer das decisões relativas a seu
próprio fazer. O medo embutido nos sentidos e símbolos do
desemprego, a insegurança em relação às falas oficiais dos gerentes do
cotidiano (também eles apenas assalariados e ignorantes das decisões
corporativas, ainda que privilegiados financeiramente, o que traz mais
desdobramentos) e outras tantas imposições da Organização do
Trabalho, tendem a se traduzir em “consentimentos” e “engajamentos”
involuntários, diferentemente do que acontece nos grupos.
Assim, dentre as demandas mais importantes do que chamamos
Grupalidade, destacam-se: compulsoriedade, aleatoriedade e transitoriedade.
Por compulsoriedade, entende-se que a participação no
cotidiano laboral não é definida pelo livre arbítrio, tampouco pela
vontade coletiva, mas tem caráter obrigatório. Dificilmente alguém
pode escolher ir ou não ao trabalho, estar ou não em determinada
reunião, participar ou não de algum projeto ou treinamento, inclusive
dos chamados “comportamentais”. O sentido do trabalho (ANTUNES,
1995) – ou seja, o sentido do sofrimento para produzir, o explicar para
si mesmo o porquê de dedicar seu tempo para realizar alguma coisa, o
trabalho vivo – se perde, em meio a atividades definidas por outrem,
que raramente ouve aquele que trabalha, impondo modos de fazer e
amputando o poder de agir do assalariado (CLOT,1999).
Por seu lado, a aleatoriedade refere-se à diversidade de
motivação das pessoas com relação à filiação aos conjuntos laborais.
Nos grupos sociais, de um modo geral, as pessoas se encontram em
torno de relações afetivas ou de um interesse comum implicado na
realização de si: gostar de música, praticar um esporte ou discutir um
assunto, por exemplo. Trata-se da “tarefa fundante” à qual já nos
referimos. No caso dos ambientes de trabalho, entretanto, as pessoas
se encontram ali por razões diferentes, não necessariamente por
desejar produzir ou desenvolver aquela atividade. As pessoas com
quem o assalariado é obrigado a conviver também não são aquelas
com quem tem alguma afinidade, mas aquelas que alguém definiu
como suas “parceiras”. Assim, a aleatoriedade na formação das
entidades coletivas tende a colocar em conflito – e até em competição
– valores, visões de mundo, defesas psicológicas e outros elementos
inerentes ao esforço para suportar o cotidiano.
Por último, nesse destaque das maiores demandas da
Grupalidade, situa-se a transitoriedade, aqui referida à fragilidade dos
vínculos. No mundo contemporâneo, o descarte dos assalariados
poucas vezes tem ligação com seu esforço ou desempenho,
estabelecendo-se com maior violência simbólica, oculto nos bastidores
226
da cúpula corporativa. Sua subordinação aos humores oscilantes do
mercado alimenta o medo e a mobilização de inúmeras defesas
psicológicas. Não são poucos os exemplos de grandes empresas que
repentinamente anunciam o fechamento de unidades e até o
encerramento das atividades por conta de decisões às quais nem os
empregados, nem seus gerentes, tiveram acesso. Por vários meios, a
insegurança que permeia o cotidiano laboral atua como mediadora
tanto nos excessos (disponibilidade integral, cursos fora da jornada,
viagens etc.), quanto nos lapsos, ardis e sabotagens – voluntários ou
não – que tanto ameaçam o desempenho coletivo, a saúde e a
segurança de todos. Também é importante destacar o apelo ao
“compromisso”, tão evocado na literatura administrativa vulgar. Como
ensina o dicionário, “com-promisso” relaciona-se ao encontro de
obrigações lado a lado, uma espécie de “promessa entre partes”. No
caso do mundo corporativo, porém, poucos empregados percebem o
comprometimento de proprietários, acionistas e daqueles que os
representam no cotidiano. A exigência de compromisso com os
resultados empresariais é unilateral e não implica em qualquer
contrapartida em relação às suas condições de existência.
Conforme é possível observar nos parágrafos anteriores, há
uma grande diferença entre a situação de uma Grupalidade – uma
entidade coletiva, na qual certamente transitam informações e afetos – e
o funcionamento idealizado dos grupos e equipes de trabalho. As
parcerias e laços de confiança raramente se estabelecem, ficando ao
acaso a possibilidade de transformação do sofrimento em força vital, já
que a vulnerabilidade mina os esforços pela emancipação e prejudica as
estratégias coletivas de enfrentamento das ameaças à saúde mental.
Referências
ALEVATO, H. Síndrome Loconeurótica (SLN). [In]: MENDES, R. (org.)
Dicionário de Saúde e Segurança do Trabalhador. Novo Hamburgo: Proteção
Publicações Ltda, 2018, pp. 1083-1085.
ALEVATO, H. Gestão de pessoas e saúde mental: a importância do estilo de
direção na Sociodinâmica do Trabalho. [In]: FERREIRA, J.J. & PENIDO,
L.O. (org.) Saúde mental no trabalho: coletânea do fórum de saúde e segurança
no trabalho do Estado de Goiás. Goiânia: Cir gráfica, 2013, pp. 559-586.
ANTUNES, R. Adeus ao Trabalho? 2ª. Ed. São Paulo: Cortez, 1995.
BAREMBLITT, G. Compêndio de análise institucional e outras correntes.
Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1996.
CLOT, Y. La fonction psychologique du travail. Paris: PUF, 1999.

GRUPO FOCAL
Sandra Fogaça Rosa Ribeiro
O grupo focal foi inicialmente utilizado por profissionais de
marketing, criado por Robert King Merton, na década de 50. Desde 1976
227
seu uso tem se expandido em pesquisas na área de saúde, principalmente
na avaliação da qualidade dos serviços de saúde (CARLINI-COTRIM,
1996). Os pontos favoráveis na aplicação do grupo focal em pesquisas
sobre saúde mental e trabalho são o aprofundamento conjugado com a
rapidez no fornecimento dos dados, apresentação de diferentes
percepções e atitudes sobre um fato e a interação entre pesquisador e
pesquisados (WESTPHAL, BÓGUS E FARIA, 1996).
Dessa forma, evidencia-se a efetividade desse recurso, visto
que as relações humanas que permeiam todo o percurso investigativo
se reproduzem nos grupos, possibilitando levantar questões
importantes em relação a problemática saúde mental e trabalho,
presentes no cotidiano de trabalho, permeado pelas vicissitudes da
reestruturação produtiva e todos os agravos provenientes da nova
organização do trabalho, frequentemente violenta e exploradora.
Segundo Minayo (2010), a complexidade e ao mesmo tempo a
especificidade da pesquisa num enfoque social requerem uma
flexibilidade, que se expressa muitas vezes na utilização de vários
instrumentos, sendo o grupo focal um importante recurso. Cada
técnica deve ser direcionada a entender determinadas especificidades
da questão proposta, embora os aspectos do todo sejam considerados
em todos os momentos, indistintamente.
O desenvolvimento da técnica do grupo focal pressupõe a
participação de seis a dez participantes, não familiares, idealmente
com características em comum, com duração de uma hora e meia, com
expectativas de expressão de opiniões, com ênfase na diversidade e
não no consenso. A preparação deve ser antecipada, contando com um
coordenador e dois observadores, escolha de um lugar apropriado, que
ofereça privacidade, bem como dos recursos para gravação do
conteúdo. O roteiro deve conter de dois a cinco tópicos, sendo que o
coordenador deve estimular que todos participantes emitam suas
opiniões sobre todos os pontos. A aplicação da técnica requer um
cuidado especial, que os participantes não pertençam ao mesmo grupo
de trabalho, desde que o tema seja delicado e possa provocar algum
constrangimento posterior.
O espaço do grupo focal proporciona oportunidade para
manifestação de questões relacionadas a saúde mental e trabalho,
permeadas por forte emoção, frente às questões difíceis, geralmente
elucidadas, requerendo do entrevistador uma atitude de continência a
essa dor. Turato (2003) define essa atitude como de acolhimento,
reiterando a sua importância quando os fenômenos estudados
mobilizam emoções complexas e de verbalização difícil, valorizando a
empatia, a relação face a face, a escuta ativa e trocas afetivas, ao
contrário de uma suposta neutralidade.
228
A análise dos dados, baseada na transcrição das falas dos
participantes, por meio de sumários etnográficos, análise de conteúdo
ou outras propostas, seguirá uma ordenação, classificação e análise
final, respondendo ao problema proposto, lembrando que o produto
final sempre terá um caráter provisório e aproximativo, pois outras
afirmações futuras poderão superar as atuais (MINAYO, 2010). Os
achados suscitados no desenvolvimento da análise, relacionados
especialmente a questão da saúde mental e trabalho, não por um
acaso, mas propositalmente, buscam desvendar o aprofundamento do
objeto científico, comparando-o a câmeras do cinema que conseguem
prescrutar aquilo que ainda não se suspeitava, ampliando o olhar
perceptivo; num paralelo dessa abertura do olhar das câmeras com os
“chistes” ou lapsos das conversas triviais. Dessa forma, direciona-se
“a análise de realidades até então, inadvertidamente perdidas no vasto
fluxo das coisas percebidas” (BENJAMIM, 1980, p. 22). Após a
análise, a devolutiva aos participantes enriquecerá o processo,
acrescentando reflexões e benefícios a todos envolvidos, levantando
questões para futuras investigações.
Referências
BENJAMIM, W. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. In:
BENJAMIM, W; HORKHEIMER, M.; ADORNO, T.W.; HABERMAS, J.
Textos escolhidos. São Paulo: Abril, 1980. pp.3-28.
CARLINI-COTRIM, B. Potencialidades da técnica qualitativa grupo focal
em investigações sobre abuso de substâncias. Rev. Saúde Pública, v. 30, n.
3, pp. 285-293, 1999.
MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: Pesquisa qualitativa em
saúde. São Paulo: Hucitec, 2010.
TURATO, E. R. (Org.). Psicologia da saúde: estudos clínico-qualitativos.
Taubaté: Cabral, 2003.
WESTPLTAL, M. F.; BOGUS, M. C.; FARIA, M. M Grupos focais:
experiências precursoras em programas educativos em saúde no Brasil. Bol
Oficina Sanit Panam. v.120 n. 6. 1996. p. 472-482.

HABILIDADES SOCIAIS E SAÚDE MENTAL NO TRABALHO (1)


Dinael Corrêa de Campos
Respostas emitidas pelo indivíduo para obtenção de um
determinado objetivo. São aprendidas no ambiente em que as pessoas se
inserem, daí a importância de ambientes laborais saudáveis, bem
administrados, com valorização do trabalhador. A prática de habilidades
sociais, como por exemplo, comunicação não violenta, feedback,
conversação dialógica, podem prevenir situações que favoreçam o
desenvolvimento de possíveis transtornos como a ansiedade e a
depressão. As habilidades sociais são importantíssimas para o
desenvolvimento saudável nas questões emocionais e comportamentais
229
de um indivíduo, tornando-se a base da inteligência conectiva, que
segundo Dhawan e Joni (2015, p. 13) “é a capacidade de combinar a
diversidade mundial de pessoas, redes, disciplina e recursos, e de
estabelecer ligações que criem valor, significado e resultados pioneiros”.
Atualmente observamos que a sociedade contemporânea não
privilegia comunicações autênticas e as habilidades sociais estão cada
vez mais sendo solicitadas. Comumente, faz-se necessária a mudança
de mindset, no tocante a inteligência emocional e inteligência conectiva.
Mudar o mindset significa compreendermos que as pessoas são
diferentes, com necessidades, pontos de vista e concepções de vida
diferentes. Mudar nossa forma de pensar e compreender o mundo é
colocar nossas habilidades sociais em prática, pois como afirma Dweck
(2017, p. 234), “nada é melhor do que ver as pessoas encontrarem os
caminhos para chegar àquilo a que dão valor”, e as habilidades sociais é
a oportunidade de busca para relações mais significativas e intensas. As
últimas décadas foram marcadas e dominadas por certo tipo de pensar e
“inteligências” que nos faziam crer que as informações nos garantiriam
relações significativas, mas não o fizeram.
As habilidades sociais são a base para a criação, prática da
empatia, reconhecer o não-padrão e criar significado nas relações.
Habilidades sociais é, como nos explica Pink (2017, p. 143), uma
sinfonia: “é a qualidade de reunir diferentes peças. É a capacidade de
ver relações entre domínios aparentemente diferentes; de sintetizar
mais do que de analisar; de detectar padrões amplos mais do que de
encontrar respostas específicas”. Elas, as habilidades sociais, são fator
primordial para o exercício de liderança organizacional, gestão de
pessoas e do capital humano. Para a prática dessas habilidades exige-
se autoconhecimento, compreender seus próprios sentimentos
observando-os e interpretando-os. Cada ocasião exigirá adequações
conforme as demandas, e essas adequações favorecem a saúde mental,
uma vez que se pode administrar possíveis conflitos interpessoais de
forma mais eficiente, tornando a vida, mais simples, menos racional,
mas mais intensa, relacional, integrativa.
Referências
CHAMINE, S. Inteligência positiva. Trad. de Regiane Winarski, 11ª
reimpressão. RJ: Objetiva, 2013.
DAVID, S. Agilidade emocional. Trad. de Claudia G. Duarte e Eduardo G.
Duarte. SP: Cultrix, 2018.
DHAWAN, E.; JONI, SAJ-NICOLE. Inteligência conectiva. Trad. de
Susana Serrão. Lisboa, Portugal: Gestão Plus Edições, 2015.
DWECK, C. S. Mindset: a nova psicologia do sucesso. Trad. de S. Duarte.
RJ: Objetiva, 2017.
PINK, D. H. A Nova inteligência: da era da informação à era conceptual.
Trad. de Alcinda Marinho. Lisboa, Portugal: Gestão Plus Edições, 2017.
230
HABILIDADES SOCIAIS E SAÚDE MENTAL NO TRABALHO (2)
Mateus Bender
A origem do conceito de habilidades sociais (HS) é
frequentemente atribuída a Andrew Salter (1949), o qual desenvolveu a
terapia reflexa condicionada. Considerado por isso como um dos
precursores da terapia comportamental, enfatizou o comportamento
assertivo e expressivo como o modo de combater os traços de
personalidade inibitórios, causa subjacente da maioria das neuroses,
segundo Salter. No mesmo sentido, em 1958, Joseph Wolpe (apud
CABALLO, 1996) utilizou pela primeira vez o termo “comportamento
assertivo”, referindo-se à expressão de sentimentos negativos e defesa
dos próprios direitos
Concomitante aos estudos desenvolvidos nos Estados Unidos da
América, Michael Argyle (1981), em Oxford, na Inglaterra, investigou as
relações sociais no contexto de trabalho, utilizando abordagens
cognitivas. Além de disseminar o conceito de habilidades sociais e o
Treinamento de Habilidades Sociais (THS) para outros países, suas
pesquisas também buscavam explicar o desenvolvimento e a
aprendizagem ao longo do ciclo vital. Atualmente o termo habilidades
sociais (HS) tem sido entendido academicamente como uma área mais
ampla de conhecimento, onde a assertividade é uma de suas subáreas.
O termo habilidades sociais (HS) não possui consenso quanto
a sua definição, porém, comumente remete a um conjunto de
capacidades comportamentais aprendidas que envolvem interações
sociais (CABALLO, 1995; DEL PRETTE & DEL PRETTE, 2001).
Para Caballo (1996), HS compreendem comportamentos individuais e
coletivos, onde são expressos sentimentos, atitudes, opiniões e
direitos, de acordo com contextos sociais específicos. Em um sentido
mais amplo, Del Prette e Del Prette (2001) categorizam as
características de habilidades sociais em comunicação; civilidade;
assertivas de enfrentamento; empáticas; referentes aos valores sociais
de trabalho; e referentes à expressão de sentimento positivo.
Nas organizações do trabalho, exige-se cada vez mais dos
trabalhadores habilidades sociais distintas, ou seja, comportamentos
que possam contribuir para a qualidade e a efetividade das interações
sociais. Tais comportamentos, por vezes exigidos socialmente para
uma relação interpessoal, seguem os parâmetros típicos de uma
determinada cultura ou contexto social, o que também pode provocar
resistências em fatores individuais e sociais.
Na contemporaneidade, torna-se imperativo que indivíduos
sejam socialmente hábeis, pois tendem a apresentar relações pessoais
e profissionais mais produtivas, satisfatórias e duradouras. Porém, a

231
exigência pode também interferir sobre as habilidades sociais e causar
efeitos sobre a saúde mental.
Referências
ARGYLE, M.. Social Skills and health. London: Methuen, 1981.
CABALLO, V. E. Una aportación española a los aspectos moleculares, a la
evaluación y al entrenamiento de las habilidades sociales. Revista Mexicana
de Psicologia, 12, 121-131. 1995.
CABALLO, V. E. O treinamento em habilidades sociais. Em V. E. Caballo
(Org.), Manual de técnicas de terapia e modificação do comportamento.
São Paulo: Santos Editora, 1996.
DEL PRETTE, A. & DEL PRETTE, Z.A.P. Psicologia das Habilidades
Sociais - Terapia e Educação. Petrópolis: Vozes Editora, 2001.
SALTER, A. Conditioned reflex therapy: The direct approach to the
reconstruction of personality. New York: Creative Age Press, 1949.

HABITABILIDADE
Mara Sampaio
Substantivo feminino que indica a qualidade, estado ou condição
do que é habitável. O grau em que um lugar é adequado ou bom para
morar. O termo tem origem no latim habere que corresponde ao verbo ter,
ter-se no mundo; possuir (tomar posse). Habitabilidade corresponde à
liveability, palavra que entra na língua inglesa no século XVII com o
sentido de “adequado para viver” e atualmente o significado desta palavra
refere-se ao locus que é apto ou agradável de se viver. Contempla as
condições saudáveis de vida, indicando um território acolhedor, com
qualidade de vida para seus habitantes.
Brandão (2005) explica habitabilidade como:
[...] a produção de um espaço vivido, apropriado, familiar, dotado de
uma ordem e de um sentido em que somos capazes de nos
reconhecer, desenvolver nossas potencialidades e estar bem
conosco, com nossos semelhantes e com o mundo que nos cerca.

Para este autor, esta categoria envolve o uso, o atendimento de


necessidades e desejos, por parte do espaço projetado e construído,
pois não existe cidade sem o sujeito que a habita.
Cohen (2007) no seu estudo “Habitabilidade e ambiência:
estratégias para a promoção da saúde” considera o “ambiente como
determinante da saúde, a habitação se constitui em um espaço de
construção e consolidação do desenvolvimento da saúde”. A autora
recupera, em seu artigo, eventos importantes desse movimento no
Brasil. O conceito de habitabilidade deve ser entendido de forma “mais
abrangente e sistêmica, no sentido de pertencimento, de usufruto e de

232
direito à cidade. O desafio da contemporaneidade é “construir uma
cidade que seja solidária, democrática, justa e inclusiva”.
O conceito de habitabilidade é abrangente e possui dimensões
multidisciplinares com origem na arquitetura, sociologia, política e
filosofia para se referir à qualidade de vida urbana, pois envolve
humanização, sustentabilidade, realização pessoal e comunitária,
cidadania plena e até felicidade (CABRITA, 2008). Para este autor,
“haverá Habitabilidade urbana sempre que a cidade acolher e servir com
eficiência, conforto e segurança num clima de equidade e coesão social”.
O professor Wladawsky-Berger da Universidade Estadual de
Nova York, em artigo publicado em seu site (2009), aborda a
multidimensionalidade do conceito habitabilidade como qualidade do
ambiente em que se vive, da localidade. Para uma cidade se tornar
atraente para se viver, deve possuir uma vitalidade econômica e social,
considerar a dimensão humana, para que as pessoas se sintam
integradas na sua vida diária e ajudem a cidade a se desenvolver. Para
ele, habitabilidade também deve incluir um ambiente com conforto e
programas destinados a reunir e conectar as empresas e os
trabalhadores qualificados.
A preocupação com habitabilidade tem se expandido para outras
áreas de atendimento as necessidades e aspirações humanas como o
mundo dos negócios e gestão de pessoas. A infraestrutura de uma
localidade para se instalar uma empresa é fundamental para a atender à
satisfação, produtividade e segurança de seus trabalhadores. Existem
pesquisas internacionais em que o tema habitabilidade tem sido
considerado como fator importante na decisão de empreendedores quanto
à instalação de sua empresa, pela preocupação com a qualidade de vida
no trabalho, a possibilidade de crescimento da empresa.
O Economist Intelligence Unit (EIU) realiza anualmente uma
pesquisa sobre as melhores cidades para se viver, o Global Liveability
Ranking, uma classificação mundial com as cidades com maior
habitabilidade. O termo em inglês liveability é descrito no relatório
deste instituto de forma simples, quais locais do mundo fornecem as
melhores ou as piores condições de vida. Cada cidade recebe uma
pontuação de mais de 30 fatores qualitativos e quantitativos em cinco
categorias, a saber: Estabilidade social (segurança; crimes e conflitos);
saúde (pública e privada); educação (pública e privada); cultura e
meio ambiente (clima, alimentação, entretenimento), infraestrutura
(transporte, habitação, telecomunicações). O ranking ajuda as
empresas a decidir quais benefícios são necessários para atrair bons
profissionais para as cidades onde estão localizadas.

233
A pesquisa tem o propósito de subsidiar gestores públicos e
principalmente empresários na escolha para instalações e/ou mudanças de
seus negócios. Quanto melhor for o índice de habitabilidade de uma
cidade, menor será a dificuldade de empresas para manter seus
funcionários satisfeitos com a qualidade de vida e bem-estar
proporcionado neste território. Em 2018 a cidade de Viena foi a primeira
do ranking entre 140 cidades pesquisadas, desbancando Melbourne, na
Austrália que passou para segundo lugar depois de sete anos consecutivos
ocupando o primeiro lugar da lista de melhor cidade para viver e
trabalhar. As cidades que são centro de negócios globais como Nova
Iorque ou Londres tendem a ser vítimas de sua grandiosidade, apesar de
serem excelentes centros culturais e educacionais, possuem problemas
com criminalidade, trânsito, por exemplo, que impactam negativamente
na sua taxa de habitabilidade. Ficando assim as cidades médias com
maiores e melhores condições de receber e manter profissionais
satisfeitos com sua vida social e de trabalho.
Tem se multiplicado o número consultorias, organizações de
mídia e pensadores que criam índices globais para comparar padrões de
vida e bem-estar nas cidades. Até instituições como a ONU Habitat e a
OCDE estão se juntando a estes institutos para aperfeiçoar os índices e
medidas de habitabilidade urbana para comparar e classificar as cidades
nos quesitos socioeconômicos, em especial a satisfação e bem-estar que
complementam as condições de trabalho e empreendedorismo.
Pesquisa sobre habitabilidade tem surgindo com novas vertentes,
caminham para o conceito de “Cidade Feliz”, pois os estudos, com base
na neurociência têm apontado que os ambientes urbanos também afetam
o humor e causam impactos de ordem socioemocionais em seus
frequentadores. A busca por lugares habitáveis, saudáveis, inteligentes e
que proporcionem felicidade a seus habitantes não é nova, a primeira
pesquisa e proposta de habitabilidade foi feita pelo italiano Francesco
Patrizi da Cherso, cujo texto foi publicado com o título “Cidade Feliz”
em Veneza, em 1553, momento em que a cidade-estado passava por uma
crise política e econômica.
Referências
BRANDÃO, C. A. Habitabilidade e bem-estar. 2005. Disponível em:
http://simoneborgesfilosofia.blogspot.com/2007/08/habitabilidade-e-bem-
estar.html. Acesso em: 02 dez.2020.
CABRITA, A. R. A Cidade habitável. Infohabitar 192 Sevilha, 2008.
Acesso: http://infohabitar.blogspot.com/2008/04/cidade-habitvel-i-antnio-
manuel-reis.html. Acesso em: 20 nov.2020.
CHERSO, F. P. A cidade feliz. Tradução Helvio Moraes. Editora Unicamp, 2011.

234
COHEN, Simone Cynamon et al. Habitação saudável e ambientes favoráveis
à saúde como estratégia de promoção da saúde. Ciênc. saúde coletiva. Rio
de Janeiro, v. 12, n. 1, p. 191-198, Mar. 2007. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-
81232007000100022&script=sci_abstract&tlng=pt Acesso em: 20 nov.2020.
On line Etimology Dicionary. Disponível em:
https://www.etymonline.com/word/livable. Acesso em: 20 nov. 2020.
Tradução. https://context.reverso.net/traducao/ingles-portugues/livability
SAMPAIO, M. E. C. Empreendedores e qualidade de Vida no Trabalho:
um estudo sobre comportamento alimentar. USP, São Paulo. 2010.
The Economist Intelligence Unit. The Global Liveability Index 2018 - A free
overview. Wladawsky-Berger, Irving Smart Cities and “Liveability”.
Disponível em: https://blog.irvingwb.com/blog/2009/05/smart-cities-and-
liveability.html. Acesso em: 20 nov. 2020.

HARDINESS
Helen Paola Vieira Bueno; Fernando Faleiros de Oliveira;
Márcia Regina Teixeira Minari
A visão idealizada do trabalho como enobrecedor do sujeito
vem sendo confrontada pela prática e pelas pesquisas dessa área, ao
identificar que além de prazer e satisfação, também existem
sofrimento e desgaste advindos das relações de trabalho.
Também se constata que um mesmo ambiente de trabalho
repercute de formas diversas em diferentes trabalhadores. Isso levou,
na década de 1970, ao desenvolvimento dos estudos sobre o
Hardiness, hardy personality ou personalidade resistente e denomina
o grupo de profissionais que possuem, em sua personalidade,
estruturas que agem para diminuir os efeitos nocivos do estresse. Esse
conceito existencial, defende que o indivíduo, ao longo da vida,
elabora a personalidade com mudanças associadas a situações
estressantes, que funcionam como recurso para resistir às
consequências negativas de condições adversas (KOBASA, 1979).
Tal construto reconhece a possibilidade do organismo
entender o estresse como uma ineficiência de suas adaptações frente a
diversos acontecimentos da vida e, através de uma forma inerente de
resistência, considera o sujeito como ativo e criativo diante de
situações difíceis. Permite a cada um a construção de um perfil de
resistência aos fatores e fontes de estresse que possibilitam ao sujeito
desenvolver condutas ativas, respostas reativas ou adaptativas. Assim,
as situações estressantes podem ser consideradas geradoras de
comportamentos positivos (GUIMARÃES, PROVAZI, CAETANO,
2007; GUIMARÃES et al, 2014).
Para validar esse conceito, foi realizado um estudo de oito
anos, com executivos, que foram divididos em dois grupos que
235
apresentaram diferentes reações diante do estresse provocado pelo
trabalho: um grupo foi mais sintomático, necessitando de assistência
médica; e outro grupo não apresentou sintomas durante o período,
demonstrando ainda personalidade mais saudável e robusta. As
pessoas deste último grupo foram denominadas como hardy
personality (KOBASA, 1979).
Assim, o conceito holístico de personalidade resistente tem três
dimensões independentes e ao mesmo tempo correlacionadas que
funcionam como fonte de resistência aos acontecimentos estressantes:
1) o compromisso (fator estressor impulsionando o envolvimento com
o trabalho); 2) o controle (autopercepção de domínio para modificar a
situação estressante); e 3) o desafio (mudanças como fonte de estímulo
para o desenvolvimento pessoal e profissional, ou seja, oportunidades
positivas) (GUIMARÃES, PROVAZI, CAETANO, 2007).
Apresenta-se a seguir uma descrição mais detalhada do
conceito de cada constructo componente do Hardiness (OLIVEIRA,
GUIMARÃES, 2014; BUENO, GUIMARÃES, 2015):
Compromisso: tendência da pessoa se envolver com tudo que faz,
identificando o significado dos próprios trabalhos. É a qualidade de crer
na verdade, no valor de si mesmo, no reconhecimento das próprias
habilidades de tomada de decisão. Permite um suporte a estruturas
internas que são essenciais para a adequada percepção de qualquer
situação de vida. Proporciona ao indivíduo um conjunto de propósitos
que contribui para amenizar estímulos estressantes e permite o sentimento
de coexistir, facilitando a participação e inclusão em diferentes grupos;
Controle: tendência a pensar e a atuar com a convicção das
influências pessoais durante os acontecimentos, como uma variável de
personalidade saudável, pois, busca-se explicações sobre o porquê dos
acontecimentos, nas ações dos outros e nas próprias
responsabilidades. Dirige-se exclusivamente ao autocontrole ou ao
controle de um indivíduo sobre situações de sua própria vida, não
havendo a relação com o controle de outras pessoas ou de um grupo,
por isso é compreendido como variável saudável;
Desafio: refere-se a crença de que a mudança é a característica habitual
da vida. Assim se torna uma oportunidade, um incentivo para o
crescimento pessoal, que permite ao indivíduo evitar estímulos
estressantes, não os vendo como uma ameaça à sua segurança. Tendo a
mudança como fonte de novas e interessantes experiências, os esforços
convergem para encontrar meios de fazer frente, de corresponder às
novas situações, inclusive àquelas carregadas de estímulos estressantes, o
que proporciona maior flexibilidade cognitiva e uma tolerância às
contradições geradoras de conflitos para o sujeito.

236
As pesquisas mais recentes apontam que o estudo da
personalidade resistente se torna cada vez mais importante nos
trabalhadores, pois atua como fator moderador do estresse e auxilia a
procura por suporte social, além de manter e, por vezes, facilitar o
aumento ou melhora no desempenho (OLIVEIRA, GUIMARÃES,
2014; BUENO, GUIMARÃES, 2015).
Assim, o indivíduo constrói sua personalidade, de forma
contínua e dinâmica, através de suas ações. O objetivo-fim da vida
humana é a criação de um significado pessoal, através da tomada de
decisão e da ação de uma contínua busca de possibilidades. Portanto,
Hardiness pode ser visto também como um amplo conjunto de
características de personalidade que agem como fonte de resistência
diante dos acontecimentos estressantes. Este conceito não pode ser
entendido como um traço estático, mas como o resultado da relação
entre indivíduo e meio. Para isso, a concepção de personalidade
resistente emerge como a disposição da personalidade em aumentar o
desempenho, a conduta moral, a força e a saúde dos indivíduos em
diferentes espaços de sua vida.
Referências
BUENO, H. P. V.; GUIMARAES, L. A. M. Estresse ocupacional, síndrome de
burnout e hardiness em professores do Colégio Militar. In: GUIMARAES, L. A.
M.; CAMARGO, D. A.; SILVA, M. C. M. V. (Orgs.). Temas e pesquisas em
saúde mental e trabalho. 1ed.Curitiba: CRV, 2015, v. 1, p. 55-79.
GUIMARÃES, L. A. M.; PROVAZI, L. N. T.; CAETANO, D.; CAMARGO,
D. A. Hardiness (personalidade resistente) e trabalho. In: GUIMARÃES, L.
A. M.; GRUBITS, S. (Orgs.). Série saúde mental e trabalho Vol. 1. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 2008, v. 4, p. 43-56.
GUIMARAES, L. A. M.; MAYER, V. M.; BUENO, H. P. V.; MINARI, M.
R.; MARTINS, L. F. Síndrome de burnout e qualidade de vida em policiais
civis e militares de Campo Grande/MS. Revista Sulamericana de
Psicologia, v. 2, p. 98-122, 2014.
KOBASA, S. C. Stressful life events, personality and health: An inquiry into
hardiness. Journal of Personality and Social Psychology, Washington, v.
37, n. 1, p. 137-155, 1979.
OLIVEIRA, F. F.; GUIMARÃES, L. A. M. Hardiness (Personalidade
Resistente): Repercussões na qualidade de vida profissional de colaboradores
de uma cooperativa de crédito do estado de Mato Grosso do Sul. Psicólogo
inFormação, v. 18, p. 71-91, 2014.

HIPERATIVIDADE LABORAL
Matheus Viana Braz
A hiperatividade laboral (ou o workaholism) corresponde a
um vício, compulsão ou a uma necessidade incontrolável de trabalhar
exacerbadamente (SCOTT; MOORE; MICELI, 1997). A sobrecarga
no trabalho nesses casos é constatada quando a dedicação ao trabalho
237
assume tamanha centralidade que passa a implicar uma série de
renúncias sociais efetivas em outros vetores da vida privada do
sujeito, como momentos de lazer, férias, atividades com a família e
amigos, cuidados pessoais etc. O que permite identificá-la é sua
regularidade, pois o workaholism evidencia um estilo relativamente
estável de comportamento, que se manifesta de forma oculta ao longo
do tempo e é aceito de forma voluntária (RHÉAUME, 2010). De
acordo com a revisão da literatura elaborada por Scott, Moore e Miceli
(1997), a hiperatividade laboral é caracterizada pela presença, em
maior ou menor grau, de três elementos:
Excesso de tempo voltado ao trabalho, de modo que há
renúncias constantes a se inserir em outras atividades e espaços, bem
como compromissos sociais e familiares. A isso, vincula-se certa
limitação de fontes de prazer e satisfação, predominantemente restritas
ao contexto laboral.
Os workaholics pensam frequentemente sobre trabalho, mesmo
quando não estão na empresa. São, portanto, pessoas adictas, as quais
apresentam comportamentos obsessivos relacionados ao trabalho. Logo,
no contexto da hiperatividade laboral é comum que mesmo
involuntariamente, quando estão em casa, de férias ou em alguma
atividade de lazer, os sujeitos sejam envolvidos por pensamentos
intrusivos sobre o trabalho.
Há também presente uma busca constante por atingir um ideal
organizacional que, em regra, é inacessível. O work-a-holic trabalha
muito além do que é razoavelmente esperado para atender as demandas
de seu trabalho. A relação com as atividades profissionais, nesse
contexto, é substancialmente atravessada por uma tentativa de construção
identitária do indivíduo pelo trabalho.
Mobilizados pelos ditames da urgência e da excelência, os
work-a-holics veem a organização como uma droga, da qual não
conseguem se desvincular. A hiperatividade tende a se produzir em
cenários competitivos, permissivos e flexíveis, em que os critérios de
excesso ou não de trabalho são fluidos, inexistentes ou maleáveis. Por
desvelar-se fonte de substancial investimento subjetivo no trabalho, na
perspectiva organizacional o workaholism é visto de forma positiva e
está ligado a signos de performance como dedicação, orgulho,
lealdade e entrega ao trabalho (RHÉAUME, 2010).
Hiperatividade Laboral no campo da Saúde Mental no Trabalho
Essa relação de dependência com o trabalho, segundo
Gaulejac (2011), apresenta os mesmos sintomas que algumas
drogadições. Em um primeiro momento, o hiperativismo traz
sensações psicoestimulantes, como gratificações narcísicas,
238
hiperestimulação sensorial e intenso reforço grupal sobre a empresa.
Depois, contudo, outros efeitos se fazem sentir, como a necessidade
incoercível de trabalho, angústia das férias, enfraquecimento das
capacidades criativas e dores de cabeça constantes. Particularmente
nesses casos a sobrecarga de trabalho tende a ser apreendida na
mesma dimensão do estresse, ou seja, ela é considerada normal, uma
competência e assim é aceita voluntariamente. Embora seja produto
também de escolhas pessoais, ela é vivida comumente como resposta
às exigências da organização, como se o indivíduo nunca fizesse o
bastante e como se o trabalho realizado jamais fosse satisfatório. A
hiperatividade laboral é ainda atravessada por vivências e discursos
dissonantes. De um lado, o superinvestimento ao trabalho é fonte de
orgulho e satisfação, mas, de outro, comumente é também
acompanhado de queixas e sentimentos de impotência: “não aguento
mais”, “estou sendo engolido pela minha rotina de trabalho”, “não
tenho mais tempo para fazer nada”, “minha vida se tornou meu
trabalho”, “estou esgotado” (VIANA BRAZ, 2019).
No horizonte dessas contradições, há uma tentativa “ilusória”
de preencher um sentimento de falta e de responder à incompletude
narcísica, às exigências de desempenho e a insegurança diante da
descartabilidade do mercado de trabalho. Nos termos da
Psicodinâmica do Trabalho, a hiperatividade laboral é vista como uma
estratégia de defesa (DEJOURS, 2012), a qual carrega em seu núcleo
a busca constante de afirmação social, a satisfação insuficiente de seus
próprios valores, assim como a construção de uma visão idealizada de
um projeto de vida e de trabalho. Em um contexto em que a
desigualdade se multiplica, a exclusão e a injustiça banalizam-se e a
competitividade e o individualismo se proliferam, o superinvestimento
no trabalho se revela uma forma de defender a profissão ameaçada.
Trata-se também de uma tentativa de evitar ou reduzir o sofrimento
desencadeado pelas incoerências vividas no cotidiano ocupacional.
Todavia, embora seja um mecanismo naturalizado, Rhéaume (2010)
alerta que a hiperatividade não repousa sobre uma edificação
identitária estruturante, senão que sobre um desvio narcísico
patológico socialmente construído.
Referências
DEJOURS, C. Trabalho Vivo: Trabalho e Emancipação. Tradução de Frank
Soudant. Brasília: Paralelo 15, 2012.
GAULEJAC, V. Travail, les raisons de la colère. Éditions du Seuil, 2011.
RHÈAUME, J. L’hyperactivité au travail: entre narcisisme et identité. In: N.
AUBERT (Org.). L’individu hypermoderne. pp. 89-102, ed. 2, Sociologie
Clinique. Toulouse: Érès, 2010.

239
SCOTT, K. S.; MOORE, K. S.; MICELI, M. P. An exploration of meaning
and consequences of workaholism. Human Relations, v. 50, n. 3, 1997.
VIANA BRAZ, M. Paradoxos do Trabalho: as faces da insegurança, da
performance e da competição. Curitiba: Appris, 2019.

HUMANIZAÇÃO
Renato Salviato Fajardo; Flávia Cristina Santiago de Oliveira;
José Luiz Riani Costa; Adriana Cristina Zavanelli
Humanização, em senso comum, pouco traduz de sua essência
no contexto de saúde ou relações no trabalho. Com referência em
dicionários gerais, considera-se o termo como: tornar-se humano, este de
trato afável e espírito bom, alma enlevada e compromisso humanitário.
Enfim, pressupõem-se indivíduos com docilidade e presteza ao bem
comum. Com esta definição, pode-se sim emprestar compreensão ao
universo da saúde no trabalho. Mas, é mais. Quando se analisa a
Humanização através das lentes da saúde mental no trabalho, há que se
observar ao menos dois referenciais fundamentais.
Inicialmente, vale a avaliação das dinâmicas dos trabalhadores
entre si, desses para com a organização e vice-versa; ou seja, o cuidado
que a estrutura manifesta na manutenção e harmonia do grupo,
independente se aquele coletivo atua para clientes internos ou externos.
Embora este aspecto possa representar valor secundário no setting da
organização para com o cliente final, é determinante na qualidade do que
é produzido. A falta de cuidado neste pormenor leva à deterioração na
relação com o usuário, por consequência, empobrecimento da
humanização e respeito humano. Assim, advoga-se preservação de
ambiência favorável ao convívio e atmosfera aprazível na cultura de uma
empresa, mesmo com demandas de alta exigência à assertividade, o que
favorece fruição de condutas e procedimentos de valores éticos e
saudáveis ao convívio.
Assim, Humanização seria conjunto de princípios que se
dissolvem em ações de construção coletiva, pois é cabível inferir, no
conjunto, o surgimento de subjetividades voltadas a práticas de saúde que
confluem em trocas solidárias e comprometidas (BENEVIDES;
PASSOS, 2005). Nesse viés, o trabalho atinge patamar singular na vida
dos seres humanos e, ao considerar o âmbito da saúde do trabalhador, que
este busque melhores condições de trabalho, bem-estar e acolhimento nas
relações ali estabelecidas. A atenção a ele deve fluir acolhedora e
resolutiva. Não é possível práticas humanizadoras sem ampliar os níveis
de conectividade, intervenção e diálogos, através de espaço para debates
coletivos (BENEVIDES; PASSOS, 2005; BRASIL, 2008a).
A relação de trabalho com práticas de humanização culmina
na construção de meios que melhorem a qualidade de vida, para evitar
240
o adoecimento do trabalhador, valorizando atividades protagonizadas
por ele próprio e inserindo a gestão como mobilizadora nesse processo
(BRASIL, 2008).
A conduta humanizadora emerge com abrigo às diferenças a
partir do entendimento e receptividade ao outro e na medida em que
se aceita a diversidade (BENEVIDES, PASSOS, 2005; BRASIL,
2013; BRASIL, 2011). Portanto, as mudanças necessárias nesse
processo humanizador são construídas em partilha, estimulando novos
meios de cuidado e organização do trabalho (BRASIL, 2013), visando
descentralização, autonomia, compondo arranjos de trabalho e
relações entre contrastantes profissionais (BRASIL, 2008).
Em segunda avaliação, inexoravelmente, a qualidade do serviço
para quem o busca. Assim, a forma como o beneficiário é recebido e
assistido. Há que se observar a dinâmica de atenção conforme as
necessidades e circunstâncias em que se insere aquela demanda.
Imaginando-se cenário onde um jovem com dores lancinantes sem risco
à vida procura pronto atendimento, mas uma senhora também o faz com
AVC subclínico. Se a equipe precisar eleger apenas um caso, caberá
convocar habilidades para decisões rápidas, orientações claras aos
envolvidos, para não só promover procedimentos eficazes, como
oportunizar aprendizado aos envolvidos, com desapego egoísta apesar
do preterimento no caso do jovem.
Mais ainda, na perspectiva da saúde mental no trabalho,
podem ser observadas duas vertentes: o papel desempenhado pela
humanização das relações e das condições de trabalho na promoção da
saúde do trabalhador, especialmente no que se refere à saúde mental; e
a importância da humanização nos serviços de saúde do trabalhador.
Na primeira vertente, sabe-se que a organização do trabalho,
focada na maximização dos lucros, é capaz de gerar situações que
tendem à “macaquização do homem pelo trabalho”1, com
parcialização e alienação do trabalho, transformando um ser humano,
completo e complexo, em uma extensão da máquina, com
movimentos repetitivos que prescindem uso da razão, como em
“Tempos Modernos”, Charles Chaplin -1936.
Dejours, em “A Loucura do Trabalho”, destaca aspectos desta
relação, incluindo a “disciplina da fome”, que explicaria porque boa
parte dos trabalhadores se submete a condições degradantes de
trabalho, muitas vezes patogênicas.
Em sentido contrário, é possível pensar em organização do
trabalho que estimule criatividade e interação social, atuando na
promoção da saúde e bem-estar do trabalhador.

1
ao contrário da ideia de “hominização do macaco pelo trabalho”, proposta por Engels.
241
Ambientes “desumanos” geram sofrimento e doenças com
manifestações físicas e mentais, que obrigam o trabalhador a procurar
serviços de saúde, onde, muitas vezes, especialmente nos vinculados
às empresas, não são tratados humanamente. Seja nas situações de
sofrimento psíquico como Síndrome de Burnout ou em quadros
clínicos, como fibromialgia e as LER/DORT (Lesões por Esforços
Repetitivos/Dores Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho), ainda
com tendência à “culpabilização da vítima”, caracterizada pela busca
de responsabilizar o próprio trabalhador pelos problemas que o fazem
sofrer, atribuindo a culpa a hábitos pessoais ou tarefas extratrabalho,
quando não há suspeita ou acusação de “simulação”.
Referências
BENEVIDES, R.; PASSOS, E. Humanização na saúde: um novo modismo?
Comunic, Saúde, Educ, v. 9, n. 17, mar/ago 2005, p. 389-406.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo
Técnico da Política Nacional de Humanização. Trabalho e redes de saúde:
valorização dos trabalhadores da saúde / Ministério da Saúde, Secretaria
de Atenção à Saúde, Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. –
2. ed. – Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2008. 32 p.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de
Ações Programáticas Estratégicas. Política Nacional de Humanização da
Atenção e Gestão do SUS. Programa de formação em saúde do trabalhador /
Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações
Programáticas Estratégicas. Política Nacional de Humanização da Atenção e
Gestão do SUS. – Brasília: Ministério da Saúde, 2011. 44 p.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de
Humanização (PNH). 1. ed., Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2013. 16p.
DEJOURS, C. A Loucura do Trabalho: estudo de psicopatologia do
trabalho. Tradução de Ana Isabel Paraguay e Leda Leal Ferreira. 5ª ed.
ampliada - São Paulo: Cartaz - Oboré, 1992.
ENGELS, F. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em
homem. 1876 [Domínio Público].

IDENTIDADE E TRABALHO
Marcos Mariani Casadore
Questões relacionadas a identidade e identificação comumente
aparecem inseridas nas discussões que abordam as formações grupais
e os coletivos. Ao destacar esse fator, concebemos a noção de
identidade enquanto estabelecida nas tensões presentes entre o
indivíduo e o social, sendo este último representado também pelas
instituições e situado historicamente. Quando recortamos as situações
referentes ao trabalho, temos, a partir de estudos das ciências humanas
e sociais, o entendimento de que o sujeito não se vincula a uma
organização, por exemplo, somente por laços materiais, mas que essa

242
relação é bastante complexa e atravessada por formações simbólicas e
imaginárias que respondem, ainda, a um contexto cultural.
Para a psicologia, considerações sobre o social são essenciais
para suas intervenções: Freud (2011), mesmo, afirmava que toda
psicologia é, antes de tudo, psicologia social, e a constituição do
sujeito só é possível a partir dos vínculos que estabelece com o outro.
Deste modo, entendemos que o grupo se constitui como base do
processo de subjetivação. Como salienta Zimerman (1993), essas
relações possibilitam a aquisição de valores e ideais, bem como a
introjeção de normas e modos de conduta – mas há, por fim, um
movimento que não se caracteriza por ser unidirecional, e sim
dialético: são as relações e trocas intersubjetivas que possibilitam não
só a construção e transformação de identidades particulares, mas,
ainda, potencializam mudanças de elementos socioculturais. Para a
psicanálise, a personalidade se constitui e se diferencia por uma série
de processos de identificação ao longo da vida do sujeito. Como
apontam Gernet e Dejours (2011, p. 66), a identidade, considerada
como uma armadura da saúde mental, “não está jamais
definitivamente estabilizada e permanece incerta, incompleta. [...] Os
sujeitos têm, constantemente, necessidade de confirmação por
intermédio do outro”.
Ao tratar da centralidade do trabalho em nossa sociedade,
Dejours (1996) considera que a atividade laboral ocupa um papel
imprescindível para a construção da identidade do sujeito. Além disso, a
relação homem-trabalho também seria responsável pela promoção de
saúde ou processos de adoecimento de acordo com articulações ou
incongruências entre os aspectos psíquicos individuais e a
condição/organização do trabalho. Pela perspectiva da Psicodinâmica
do Trabalho, quando os espaços de trabalho não são excessivamente
rígidos nem se estabelece um controle organizacional demasiado, há
uma maior possibilidade de se desempenhar uma tarefa com sentido – a
partir de um movimento ativo, por parte do trabalhador, que tem
condições de transformar o sofrimento inerente ao desempenho das
atividades em algo criativo e, consequentemente, em prazer. Tal ação,
que também pressupõe produção de significação e a possibilidade de
mobilização subjetiva, relaciona-se com a ressonância simbólica: esta,
também localizada na intersecção entre dimensões individuais e a
realidade do trabalho (direcionamento da economia subjetiva ao âmbito
coletivo), se refere à compatibilização simbólica e faz com que o
trabalho possa ser considerado como lugar de satisfação sublimatória.
Outra concepção crucial para pensarmos a relação entre
identidade e trabalho, ainda dentro dessa perspectiva, vem com a noção
de reconhecimento. Dejours (1996) não só afirma que os aspectos
243
formativos da identidade seriam mediados pela atividade do trabalho
como atrela à ideia de reconhecimento do trabalho uma realização do
“eu” no campo social. Estabelecido numa dinâmica intersubjetiva e
representativo das relações simbólicas socioculturais, o reconhecimento
no trabalho é uma contrapartida moral-simbólica pelo engajamento e
contribuição do sujeito à produção. Há, assim, a partir dessa retribuição
simbólica característica do processo de reconhecimento, um potencial
para a inscrição das experiências num registro identitário, compreendidas
como realização de expectativas subjetivas e vivências prazerosas.
Bendassolli (2012) destaca que essa construção de significados insere o
trabalhador numa história coletiva e num circuito de utilidade/valor e
qualidade; por outro lado, de acordo com o autor, a falta de
reconhecimento pode ocasionar processos de despersonalização,
sofrimento e adoecimento dos trabalhadores.
O estudo sobre a identidade e sua relação com a organização e
as condições do trabalho é, por fim, bastante complexo, por nos
possibilitar múltiplas perspectivas complementares de abordagem; sua
composição interdisciplinar, porém, favorece uma compreensão mais
cuidadosa sobre fatores componentes das dimensões individuais e
coletivas dessa interação e, deste modo, possibilitam aos profissionais
uma melhor apropriação acerca de suas práticas interventivas – bem
como o reconhecimento de suas dificuldades e limites – quando
aplicadas aos contextos de trabalho.
Referências
BENDASSOLLI, P. Reconhecimento no trabalho: perspectivas e questões
contemporâneas. Psicol. estud., Maringá/PR, v. 17, n. 1, p. 37-46, Mar. 2012.
DEJOURS, C. Uma nova visão do sofrimento humano nas organizações. In:
CHANLAT, J. (Coord.) O indivíduo na organização: dimensões
esquecidas. Vol. 1 (Ofélia S. Tôrres, Org.). São Paulo: Atlas, 1996.
FREUD, S. Psicologia das massas e análise do Eu e outros textos (1920-1923).
Tradução de Paulo César de Souza. – São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
GERNET, I.; DEJOURS, C. Avaliação do trabalho e reconhecimento. In:
BENDASSOLLI, P.; SOBOLL, L. (Org.) Clínicas do Trabalho: novas perspectivas
para compreensão do trabalho na atualidade. São Paulo: Atlas, 2011.
ZIMERMAN, D. Fundamentos básicos das grupoterapias. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1993.

INCERTEZA NO TRABALHO (1)


Frederico Gomes; Leonardo Gomes
Antes de definir o que poderia ser a incerteza no trabalho,
torna-se necessário definir precisamente o que é incerteza. Até o início
do século XX não havia uma distinção clara entre risco e incerteza.
Esses dois termos eram usados quase como sinônimos. Ambos eram
usados para se referir ao futuro. Talvez o risco associado a algo mais
244
perigoso e a incerteza a algo mais duvidoso e ambíguo. Mas não existia
uma definição precisa que diferenciasse os dois termos. O economista
Frank Knight foi o primeiro a estabelecer a diferença entre risco e
incerteza. Segundo Knight (1921), risco seria todo evento futuro
possível de ser previsto e mensurado com o uso de uma função de
probabilidade. Já a incerteza seria todo evento futuro difícil de ser
previsto e consequentemente impossível de ser mensurado com o uso de
uma função de probabilidade. Por exemplo, em situações de risco é
possível o emprego de técnicas como árvore de decisão para mapear a
probabilidade de ocorrência de eventos de uma determinada decisão.
Outra situação de risco seria o lançamento de um dado. É possível
prever os resultados dessa ação. Cada lado do dado ao ser lançado tem
uma probabilidade de ocorrência de ⅙ (16,67%). Já eventos permeados
de incerteza são impossíveis de serem previstos ou antecipados. Um
exemplo é a previsão de futuros cenários econômicos de um país imerso
numa crise política. Não é possível atribuir uma probabilidade para a
ocorrência desses cenários. Outras situações de incerteza seriam eventos
que ocorrem pela primeira vez e são desconhecidos pela ciência: a
queda de uma aeronave em decorrência de um fenômeno, até aquele
momento do acidente, desconhecido pela física.
Esta conceituação de risco e incerteza proposta por Knight
(1921) serviu de base para o aprimoramento desses termos. Seguindo
essa linha Galbraith (1973) definiu a incerteza como a diferença entre a
informação que uma organização possui e a informação de que necessita.
Esse intervalo, entre a informação conhecida e a informação necessária
para a tomada de decisão e resolução dos problemas, seria a incerteza no
seu entendimento. Segundo outras linhas derivadas da Matemática da
Comunicação e da Psicologia da Resolução de Problemas a incerteza
seria gerada pela escassez, ou lacunas, de informações.
Podemos também entender melhor a incerteza pensando numa
linha temporal constituída de passado, presente e futuro. O passado
pode ser compreendido como o intervalo no qual o conhecimento se
baseia para ser construído e as experiências vivenciadas. O presente
seria o momento no qual as decisões são tomadas e as ações
acontecem. E o futuro seria o intervalo no qual as irão impactar as
consequências das decisões e ações. Analisando o passado, o presente
e o futuro em relação ao risco e à incerteza temos:
Risco: O passado é conhecido e por isso existe uma série histórica. O
presente é constituído de eventos dentro de rotina previsível, antecipável,
conhecida e simulável, ou seja, o trabalho prescrito. O futuro apresenta
poucas lacunas de informação e pode ser mensurado e antecipado.

245
Incerteza: O passado pode ser irrelevante e por isso apresenta lacunas de
conhecimento. O presente acontece no trabalho real e pode ser marcado
pela ocorrência de eventos inesperados e/ou inéditos e/ou raros e/ou
excepcionais e/ou não simuláveis. O futuro apresenta muitas lacunas de
informação e não pode ser mensurado e nem antecipado.
O processo de tomada de decisão, pela perspectiva proposta
por Simon (1965), depende de três recursos: tempo, informação e
capacidade cognitiva. A incerteza origina-se exatamente do elemento
informação. Por se tratar um evento impossível de ser previsto, seja
pela sua excepcionalidade, seja para sua raridade, o trabalhador terá
em função disso as seguintes lacunas que constituirão a incerteza:
- A lacuna de conhecimento pelo fato de nenhum evento similar ter
ocorrido no passado.
- A lacuna de informação pelo fato desse evento não poder
previsto, antecipado, simulado e mensurado com o uso de funções
matemáticas e probabilísticas.
Segundo Guérin et al. (2001) temos o trabalho prescrito que
seria a tarefa possível de ser prevista, antecipada e padronizada e o
trabalho real, aquele que trata da atividade de fato exercida pelo
trabalhador em seu posto de trabalho. A tarefa é passível de ser
mensurada e padronizada por se tratar de um evento conhecido e com
poucas (ou nenhuma) lacunas de informação. Já a atividade trata do
trabalho de fato realizado pelo trabalhador, na qual poderão agir vários
elementos, durante a sua execução, impossíveis de serem previstos e
antecipados. É nessa variabilidade entre o trabalho prescrito e o
trabalho real que ocorre a incerteza. A impossibilidade de certos
eventos, que constituem a atividade, de serem antecipados e previstos
resultará em lacunas de informação. As lacunas de conhecimento
surgirão pela não ocorrência desses eventos num passado conhecido.
Em função dessas lacunas o trabalhador estará imerso em incertezas
decorrente desses eventos no momento da sua decisão.
A incerteza no trabalho pode, então, ser compreendida como
os eventos que acontecerão na realização da atividade e que não
podem ser antecipados, seja pela experiência do trabalhador, seja pela
prescrição da tarefa. Ou seja, a incerteza no trabalho acontece na
variabilidade entre a tarefa e a atividade. Surgem, dessa variabilidade,
as lacunas de informação e de conhecimento nas quais o trabalhador
atuará para mitigar a incerteza e realizar a sua atividade.
Referências
GALBRAITH, J. Designing complex organizations. 1973.

246
GUÉRIN, F., LAVILLE, A., DANIELLOU, F., DURAFFOURG, J., &
KERGUELEN, A. Compreender o trabalho para transformá-lo: a prática
da ergonomia. São Paulo: Editora Edgard Blucher, 2001.
KNIGHT, F. Risk, Uncertainty and Profit. Schaffner & Marx, New York, 1921.
PEREIRA, A.; MENDES, D.; MORAES, G. Do prescrito ao real: a
imprevisibilidade e a importância do trabalho coletivo em um centro de
usinagem de uma empresa metal-mecânica do interior do Estado de Minas
Gerais. Laboreal, Porto, v. 13, n. 1, p. 24-38, jul. 2017.
SIMON, H. A. Comportamento Administrativo: Estudos dos Processos Decisórios
nas Organizações Administrativas. Tradução: Aluízio Loureiro Pinto. 1965.

INCERTEZA NO TRABALHO (2)


Fernando Faleiros de Oliveira; Helen Paola Vieira Bueno;
Márcia Regina Teixeira Minari
A incerteza tem papel transversal na existência humana e
acompanha o sujeito nas situações cotidianas e respectivas tomadas de
decisão. Quando o indivíduo busca pontos de suporte e certeza no
ambiente que o cerca, tenta desenvolver estratégias de controle e
previsão para gerenciar a incerteza. Contudo, em contextos em que não
existe o poder para tal controle, e nos quais a mudança é a única certeza,
se fazem presentes mais fatores para a gestão de riscos e incertezas. A
incerteza torna-se perturbadora se a pessoa passa a acreditar que isso
pode influenciar o que vai acontecer ou a forma como vai lidar com
isso, independente do grau de poder que possui para influenciar ou
definir os acontecimentos de sua vida. Assim, a aprendizagem pessoal
acerca da experiência da incerteza será aplicada à organização da
realidade que permite construir significado e ação aos acontecimentos,
isto é, controlar tais fatores, e assim compreender que a gestão da
incerteza está enraizada nas relações de poder e autoridade, assim como
na formação de vínculos. Os recursos pessoais para gerir a incerteza
psicológica podem advir dos vínculos e se a sociedade dificulta a
sensação de segurança, novas formas de incerteza provêm de dimensões
sociais, culturais e políticas (MARRIS, 1996; COIMBRA, 2005).
Nos tempos atuais, as organizações têm passado por
constantes e profundas transformações econômicas, sociais, políticas,
culturais e tecnológicas. A década de 1990, como no Brasil, trouxe um
forte processo de reestruturação produtiva, apoiado na livre economia
de mercado e na tendência à redução de pessoas e ao aumento da
insegurança em relação à manutenção do emprego, que passaram pela
adoção de novas tecnologias, métodos gerenciais e precarização das
relações de trabalho.
Esse contexto desenvolveu-se para uma realidade de organização
do trabalho que, hoje, tem a crescente utilização de práticas como: horário

247
flexível, trabalho em tempo parcial, contratos de curto prazo e home-
office. Até aqui, no entanto, tais práticas têm sido apontadas na literatura
e respectivas pesquisas como contextos geradores de incerteza em relação
ao trabalho, pois tendem a refletir: a falta de trabalho ou a ameaça de
perda de emprego; o trabalho sem significado ou suporte social; situações
de fracassos ou mudanças no ambiente laboral; fatores relacionados ao
tempo, ao ritmo e ao turno de trabalho; jornadas longas de trabalho,
ritmos intensos ou monótonos; pressão por produtividade; aumento nas
demandas mentais do trabalho; dentre outros (COUTINHO, 2012;
GUIMARÃES et al, 2015).
Portanto, a incerteza no trabalho está vinculada com modelos de
tomada de decisões, emoções no ambiente de trabalho, no planejamento e
estratégias de longo prazo. Em um cenário caracterizado pelo risco, a
flexibilidade das relações de trabalho, o significado do trabalho,
mobilidade e fragmentação do tempo passam a ser vivenciados com
maior incerteza, levando cada sujeito a ter maior dificuldade em construir
o desenvolvimento de narrativas pessoais e profissionais.
Tende-se a observar que quanto maior o impacto da
reestruturação produtiva, maiores são as respostas negativas à mudança,
incluída a percepção de incerteza no trabalho. O grau de risco e as
incertezas das mudanças organizacionais estão negativamente
associados às atitudes de aceitação e positivamente associados às
atitudes de temor e oposição durante o processo de mudanças. Assim
como estão negativamente associados ao bem-estar dos empregados
durante o processo de mudanças. As atitudes de aceitação, oposição e
temor permeiam a relação entre grau de risco e incertezas das mudanças
organizacionais e o bem-estar dos empregados durante o processo de
mudanças e, também, quanto maior o risco de incerteza do processo de
mudança, maior será o impacto negativo no bem-estar dos empregados,
reforçando estudos sobre os impactos deletérios da mudança
organizacional no bem-estar dos empregados (FRANCO et al, 2016).
Determinadas circunstâncias e/ou contextos de trabalho
desfavoráveis podem desencadear reações psíquicas muitas vezes
minimizadas pelo próprio trabalhador, que teme ser estigmatizado
pelos colegas de trabalho. Tais situações não devem ser tratadas como
problemas menores, visto que seu efeito tende a ser cumulativo,
podendo atingir a família e o trabalho, demandando atenção para a
qual gestores ainda exigem maior preparo. Um ambiente de trabalho
saudável é aquele em que os trabalhadores e os gestores colaboram
para o uso de um processo de melhoria contínua da proteção e
promoção da segurança, saúde e bem-estar de todos os trabalhadores,
no qual a empresa se comprometa com a ação e permita a participação

248
dos funcionários na criação e aplicação das políticas e atividades de
promoção de saúde (GUIMARÃES et al, 2015).
Dessa forma, poderemos concluir que o planejamento e o
preparo da mudança aumentam a disponibilidade para as atitudes
positivas frente ao processo de mudança organizacional e que a
percepção de risco e incertezas geram atitudes de temor e oposição ao
processo, dificultando, assim, sua implementação. Portanto, as
pessoas e as organizações devem operar para minimizar a percepção
do grau de incerteza, para que mesmo com diferentes percepções e
sentido para cada grupo ou indivíduo, se possa de alguma forma
confrontar e/ou modular as relações com a incerteza.
Referências
COUTINHO, S. O direito ao trabalho pós-moderno e o direito pós-moderno à
incerteza no trabalho. In: ALMEIDA, D. C. Et al (coord.) Temas de direito
do trabalho contemporâneo. Curitiba: Juruá, 2012, p. 19-42.
COIMBRA, J. L. Subjective perceptions of uncertainly ans risk in
contemporary societies: Affective-educational implications. MENEZES, I.;
COIMBRA, J. L.; CAMPOS, B. P. (Eds), The affective dimension of
education: European perspectives. Porto, 2005.
FRANCO, K. S.; NEIVA, E. R.; NERY, V. F.; DEMO, G. A relação entre
atributos, atitudes e bem-estar na mudança organizacional. Psic.: Teor. e
Pesq. [online]. 2016, vol.32, n.spe. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722016000
500218&lng=en&nrm=iso. Acesso em 20 nov.2020.
GUIMARÃES, L. A. M.; OLIVEIRA, F. F.; SILVA, M. C. M. V.;
CAMARGO, D. A.; RIGONATTI, L. F.; CARVALHO, R. B. Saúde mental
do trabalhador e contemporaneidade. In: GUIMARÃES, L. A. M.;
CAMARGO, D. A.; SILVA, M. C. M. V. (Org.). Temas e pesquisas em
saúde mental e trabalho. 1ed. : CRV, 2015, v. 1, p. 15-39.
MARRIS, P. The politics of uncertainty: Attachment in private and
public life. London: Routledge, 1996.

INCIDÊNCIA
Geovani Gurgel Aciole
Incidência é expressão da dinâmica do fenômeno sob
observação, do que mudou, do que se tornou, ou seja, é a medida ou a
frequência de aparecimento de casos novos de uma determinada
doença, agravo, condição ou problema de saúde numa dada população
exposta ao risco ou suscetível de acometimento ao longo de um
determinado período de tempo.
Para a definição de caso novo, ou incidente, são utilizadas
evidências de natureza clínica (sinais e sintomas), laboratorial (provas
sorológicas, bacteriológicas, hematológicas, imunoquímicas etc.) e/ou
epidemiológica (contato com casos semelhantes, histórico de viagens a
249
regiões com presença do agravo ou doença sob investigação, ocupação ou
emprego, hábitos e rotinas etc.). Estas evidências são padronizadas
segundo critérios predefinidos de acordo com o estudo, a condição, ou o
agravo sob investigação. Isto é importante porque permite a situações ou
problemas menos precisos do que infecções bacteriológicas, como
quadros complexos ou sindrômicos, por exemplo, serem parametrizados
de modo a se obter uma identificação estrita dos casos e, com esta
parametrização, se calcular índices ou coeficientes de ocorrência numa
população sob estudo, em tempo determinado.
A medida de incidência é, como dissemos, uma medida
dinâmica, isto é, expressa mudanças no estado de saúde de indivíduos
numa mesma população. Representa a detecção e registro de casos
novos ou, mais exatamente, de indivíduos susceptíveis ou expostos
que desenvolveram adoecimento no decorrer do processo de
exposição ou contágio.
As medidas de incidência estão necessariamente ligadas ao
tempo. Em epidemiologia, esta variável é um dos pilares do método
descritivo e pode tomar como referência eventos ou acontecimentos
ocorridos nas vidas de cada indivíduo observado. Este momento
inicial da observação é chamado de tempo zero (t0) e representa o
início da ocorrência de casos novos. Assim, novamente, se se estiver
estudando a ocorrência de uma doença relacionada ao trabalho o
tempo zero da observação pode ser referido a data de início no
emprego ou ocupação. O tempo zero também pode se referir a data de
início de uso de uma medicação, ou substância química ou exposição
a qualquer tipo de agente etiológico que se esteja buscando relacionar
ou correlacionar como variáveis relacionadas ao evento principal.
Assim, a obtenção das taxas de depressão incidentes num determinado
tempo na população trabalhadora ou exposta ao mesmo ambiente de
trabalho ou fator que se quer relacionar consiste, em termos concretos,
em calcular a quantidade de pessoas acometidas pela condição ou
doença que se está investigando.
Incidência é matematicamente definida como o resultado da
divisão do número de doentes ou acometidos pelo número da
população exposta num determinado período de tempo. Embora seja
um número relativamente simples de calcular, pode não permitir
comparações entre diferentes populações ou áreas geográficas ou
mesmo entre diferentes períodos. Seu valor epidemiológico ganha
importância na medida em que, por expressar um significado
numérico, possa expressar a noção de risco, que tem importância
capital em epidemiologia. Para tanto, precisam ser expressas em
termos de taxas ou coeficientes (ALMEIDA FILHO, BARRETO,

250
2011; MEDRONHO, 2005; ROUQUAYROL, ALMEIDA FILHO,
2003; WALDMAN 1998).
Taxa é um conceito associado a variação de um fenômeno
qualquer na variável tempo. Por exemplo, o número de nascimentos
numa dada população em um ano permite apontar a taxa de
natalidade; ou a quantidade de glicose, em miligramas por unidade de
volume de sangue circulante permite estabelecer a taxa de glicemia
cujo padrão predominante assume valores de normalidade.
A taxa de incidência (TI) é a expressão da frequência com que
surgem casos novos de uma determinada doença, agravo ou problema
de saúde, por unidade de tempo, e referida ao tamanho de uma
determinada população residente ou exposta ao fator, agravo, doença
ou problema sob investigação. A TI recebe em epidemiologia uma
larga sinonímia e, comumente, podem ser encontrados na literatura,
termos como densidade de incidência, força de morbidade ou taxa de
incidência por pessoa-tempo. Embora, tecnicamente, a TI não seja
uma medida do risco de adoecimento ela é costumeiramente utilizada
com este fim. Isto acontece porque, pelo fato de relacionar uma
variável temporal à população, quando as taxas de incidência são
constantes e o intervalo de tempo é curto (por exemplo, um ano), o
produto TI x ∆t é praticamente igual ao risco.
Referências
ALMEIDA FILHO, N; BARRETO, M. (Orgs). Epidemiologia e Saúde:
fundamentos, métodos, aplicações. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2011.
MEDRONHO, R. Epidemiologia. 2ª Ed. São Paulo: Atheneu, 2005.
ROUQUAYROL, M. Z; ALMEIDA FILHO, N. Epidemiologia e Saúde. 6ª
Ed. Rio de Janeiro: Medsis, 2003.
WALDMAN, E. A. Vigilância em Saúde Pública. Coleção Saúde e
Cidadania, vol. 7. Sã Paulo: FSP/USP, 1998.

INDIVIDUALISMO
Matheus Viana Braz
O individualismo refere uma nova forma de subjetivação da
hipermodernidade e reflete sociologicamente a transição de um tipo de
sociedade em que as trajetórias sociais eram estáveis e
institucionalizadas, para uma sociedade cuja individualização dos
percursos desvela-se central e transitória. No cenário laboral, o
imperativo social que preconiza que cada indivíduo deve governar a si
mesmo em busca da autonomia e autorreferenciação substitui as
identidades profissionais. O sentido no trabalho passa a ser atravessado
por novos signos: fragmentação das grandes narrativas sociopolíticas e
religiosas, fragilização da sociedade salarial, desinstitucionalização da
família, aceleração do tempo, descrença na política, amplificação
251
relativa da mobilidade social, escalada da globalização financeira,
flexibilização do trabalho, desterritorizalização das formas de
pertencimento e sobrevalorização do mercado em detrimento do poderio
dos Estados-nações (NIEWIADOMSKI, 2012). O público e o bem
comum perdem espaço para a sacralização do privado e dos desejos
individuais. Com efeito, a mobilização subjetiva ao trabalho opera-se em
uma dinâmica de fluidez, transitoriedade e maior liberdade, mas também
de profunda instabilidade profissional e incerteza quanto ao futuro. O
excesso marca a experiência laboral dos trabalhadores: excesso de
pressão, intensidade, riscos, cobrança, estresse e investimento psíquico.
O imperativo da hiperperformance (N. AUBERT) e a empresarização
dos comportamentos (A. EHRENBERG), na ausência de elementos
estruturantes do coletivo e quando associados aos discursos
hegemônicos da atualidade, tendem a fazer com que o indivíduo sinta
com cada vez mais peso os efeitos dessas injunções, como se a busca
pela afirmação de sua existência social o levasse a um caminho cada vez
mais solitário (VIANA BRAZ, 2019).
A realização de si nesse contexto foi substituída pela
ultrapassagem de si e se vincula a uma noção de progresso ininterrupto.
A busca da excelência, mais que um ideal, torna-se uma norma em
constante julgamento pela moralidade hipermoderna (AUBERT, 2010).
Em um mundo do trabalho pautado na exacerbação da competição, a
comparação emerge como signo insofismável. É preciso ser flexível,
versátil, polivalente, adaptável, reativo e ter paixão pelo risco. Mais
ainda, diante da crescente exigência de excelência no trabalho, é preciso
superar não somente aos outros, mas também a si continuamente.
Cobra-se dos trabalhadores que não é mais suficiente ser bem
remunerado, reconhecido ou fazer um trabalho de qualidade. É preciso
triunfar, subir ao pódio e sentir-se raro (GAULEJAC, 2011).
Fruto de mudanças culturais inerentes à hipermodernidade, a
acentuação dos processos de individualização no trabalho prediz um
novo polo de legitimação social e se ampara na promessa da realização
de projetos específicos: reconhecimento, visibilidade, ascensão
vertiginosa e destaque social. Paradoxalmente, no campo da Saúde
Mental no Trabalho, quando essa busca associa-se a intensas demandas
de performance, com a exacerbação da competição e com a escalada de
preocupações voltadas à incerteza e à empregabilidade, culminam,
nolens volens, na predominância de sentimentos de descrença,
sobrecarga, impotência, desconfiança, desencantamento e/ou saturação.
Em uma sociedade que tende a se dividir em ganhadores e
perdedores, é consequencial que no universo laboral essa lógica tenda a
se acentuar. O individualismo, portanto, traduz ainda uma forma de
degradação subjetiva relacionada à pulverização elementos deontológicos
252
presentes nos espaços de trabalho, como a solidariedade, estima,
confiança e a alteridade. Em contraponto a um superinvestimento
subjetivo no trabalho, é nesse contexto que emergem a sensação de
esgotamento, a culpa por nunca se sentir a altura do trabalho realizado ou
de “não fazer o bastante”, a vergonha da expressão de vulnerabilidades e
fraquezas, depressões nervosas, ansiedades paranoides (sentimento de
isolamento) e esquizoides (sentimento de fragmentação), expressões
psicossomáticas, estresse, burnout e, em última instância, o assédio moral
no trabalho (AUBERT; GAULEJAC, 1991/2007; VIANA BRAZ, 2019).
No individualismo predomina um substrato notadamente
narcisista e, portanto, o indivíduo tende a vislumbrar a todo tempo o
reconhecimento e realização de seus próprios desejos. Logo, grande parte
de seu tempo passa a ser direcionado ao esforço para fazer prevalecer
seus anseios e objetivos pessoais, de modo que o trabalhador se volta
cada vez mais a sua vida privada, seus investimentos cotidianos e passa a
conceber os outros, ora apenas como objetos descartáveis de prazer, ora
como obstáculos em sua trajetória profissional (ENRIQUEZ, 2014).
As formas de gestão mais centradas em exigências extremadas
de rentabilização e instrumentalização do trabalho também produzem
e alimentam-se da lógica subjetiva inerente ao individualismo. Se o
discurso empresarial na atualidade ganha destaque considerável, é
porque se pauta em um modelo de conduta ideal de expansão e
eficácia, assim como se sustenta na promessa da construção de
singularidade, admiração e destaque. A cultura da excelência e do
heroísmo, nessa esteira, intima o indivíduo a se superar, a buscar sua
autorrealização e a se reinventar no trabalho contando com suas
próprias forças. Instiga-se que o trabalhador construa suas próprias
referências e que resolva seus problemas a partir de si mesmo. Em
suma, no individualismo, a corrida pelo mérito torna-se uma
finalidade indiscutível e o desenvolvimento pessoal se reduz a
embates, jogos de aparência e comparações constantes com o outro,
de modo que se consolida um movimento de pejoração da média
(VIANA BRAZ, 2019), associando-a com figuras como a
mediocridade, a descrença e a fraqueza. No plano psíquico, por fim,
ser mediano passa a implicar sentimentos de vergonha, inferioridade,
pessimismo e incompetência.
Referências
AUBERT, N. Un individu paradoxal. In: N. AUBERT (Org.). L’individu
hypermoderne. pp. 13-24, ed. 2, Sociologie Clinique. Toulouse: Érès, 2010.
AUBERT, N.; GAULEJAC, V. (1991) Le coût de l’excelence. Nouvelle
Édition. Paris : Éditions du Seuil, 2007.
ENRIQUEZ, E. Croire en soi, croire en l’autre. Fractal : Revista de
Psicologia. Niterói, v. 1, n. 26, p. 3-16, 2014.

253
NIEWIADOMSKI, C. Recherche biographique et clinique narrative:
Entendre et écouter le sujet contemporain. Paris : Érès, 2012.
VIANA BRAZ, M. Paradoxos do Trabalho: as faces da insegurança, da
performance e da competição. Curitiba: Appris, 2019.

INJUSTIÇA SOCIAL E PROCESSO DE ADOECIMENTO NA


RELAÇÃO COM O TRABALHO
Mateus Bender
De modo literal, pode-se considerar a injustiça social como a
falta de justiça, ou omissão, deixando de dar a cada um o que por direito
lhe pertence dentro de uma sociedade. São atitudes ordinárias e
socialmente injustas, portanto, desumanas, de negar o direito individual
ou coletivo, de não dar o devido valor ou importância a algo ou a alguém.
A Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL,
1988), visando assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a
justiça enquanto valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e
sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida com a
ordem interna e internacional, estabelece alguns princípios básicos para a
harmonia social. Assim, são garantidos constitucionalmente a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade. Também a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer,
a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, são considerados direitos sociais. Ainda, a
ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o
bem-estar e a justiça social.
Nas relações de trabalho, são direitos dos trabalhadores
urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição
social, o direito a férias, fundo de garantia do tempo de serviço
(FGTS), irredutibilidade do salário, garantia de salário, nunca inferior
ao mínimo, para os que percebem remuneração variável, décimo
terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da
aposentadoria, remuneração do trabalho noturno superior à do diurno,
repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos, entre
outros. Esses são apenas alguns direitos básicos que estão garantidos
no Art. 7.º da Constituição Federal. A negação desses direitos básicos,
entre outros, é uma forma de praticar a injustiça social.
Não há dúvida sobre a abrangência dos direitos assegurados
constitucionalmente, contudo, no cotidiano das pessoas e no que se refere
às relações de trabalho, observa-se o seu reiterado descumprimento. Tal
fato gera injustiças sociais, formas de violência ao ser humano, que
ocasionam sensações de sofrimento, tristeza e dor, de natureza física,
emocional e/ou afetiva. No mundo do trabalho, persiste o aumento do
254
descaso com os sentimentos, com a saúde, segurança e até com a vida,
especialmente das classes sociais de trabalhadores menos qualificados.
Muitas vezes os casos de acidentes e doenças laborais, seja por causas
específicas, seja por causas psicossociais, são ignorados ou
subnotificados por empresas e/ou trabalhadores.
O reiterado descaso para com outro gera uma banalização da
injustiça social, dos problemas, dos sentimentos, dos sofrimentos, da
dor e da saúde dos trabalhadores. A banalidade do mal é analisada por
Christophe Dejours (1999) à luz da psicodinâmica do trabalho, a partir
da definição de banalização do mal, referida por Hannah Arendt
(1999) como uma suspensão ou supressão da faculdade de pensar que
pode acompanhar os atos de barbárie ou, de forma mais geral, o
exercício do mal.
Assim, tornam-se banalizadas as injustiças sociais,
transformando o mal, ou o injusto, em algo aceitável. A banalização do
mal, ou da injustiça social, é a tolerância à mentira, a não denúncia e,
além disso, a cooperação e a participação em se tratando da injustiça e
do sofrimento infligidos a outrem. Trata-se sobretudo de infrações cada
vez mais frequentes e cínicas das leis trabalhistas: empregar pessoas
sem carteira de trabalho para não pagar as contribuições previdenciárias
e poder demiti-las em caso de acidente de trabalho, sem penalidade;
empregar pessoas sem lhes pagar o que é devido; exigir um trabalho
cuja duração ultrapassa as autorizações legais, etc. A injustiça diz
respeito ainda ao desprezo, às grosserias e às obscenidades e
desrespeitos às diversidades culturais, de classe, raça, etnia, gênero,
credo, etc. A injustiça é ainda a manipulação deliberada da ameaça, da
chantagem e de insinuações contra os trabalhadores, no intuito de
desestabilizá-los psicologicamente, de levá-los a cometer erros, para
depois usar as consequências desses atos como pretexto para a demissão
por incompetência profissional (DEJOURS, 1999).
Portanto, a injustiça social pode gerar um processo de
adoecimento no ambiente de trabalho a partir do não cumprimento, ou
omissão, dos direitos básicos do indivíduo. As injustiças geram
sofrimento no trabalho: medo de acidente, angústia de não ser capaz
de seguir as cadências ou os limites de tempo impostos pela
organização do trabalho, sofrimento proveniente da repetição contínua
e do aborrecimento, medo das agressões provenientes de usuários, de
clientes, ou até de seus colegas de trabalho, receio da dominação e da
autoridade exercida pela hierarquia, medo da demissão, entre outros
transtornos. Assim, no ambiente de trabalho, a injustiça alimenta a
violência sobre o indivíduo, sujeitando o trabalhador ao padecimento
lento e à morte de sonhos e vidas.

255
Referências
ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do
mal. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 1999.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p.
DEJOURS, C. A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: Editora
Fundação Getúlio Vargas, 1999.

INSTRUÇÃO AO SÓSIA
Deivis Perez; Ruchelli Stanzani Ercolano
A instrução ao sósia foi desenvolvida por Oddone na década
de 1970, sendo posteriormente apropriada por teóricos de diferentes
perspectivas da Psicologia do Trabalho, com destaque para os usos
que os teóricos da Clínica da Atividade têm feito do dispositivo, sob a
liderança de Clot e, no Brasil, a sua contextualização e aproximações
com o materialismo histórico dialético realizados por Perez, Ercolano
e Rocha (2017). Trata-se de um método indireto de acesso ao
psiquismo humano que visa proporcionar a possibilidade de a pessoa,
em situação de trabalho, reconhecer, analisar e ampliar a sua
capacidade de agir e transformar a sua atividade laboral. No tocante à
dimensão acadêmico-científica, seria no processo de transmutação do
ofício, conduzido pelos trabalhadores, que emergiriam os dados a
serem recolhidos para uma pesquisa.
A instrução ao sósia é dispositivo cuja utilização é feita nas
situações em que se pretende contribuir para que um trabalhador ou
um coletivo de trabalhadores, mediado por um analista ou pesquisador
do trabalho, se torne capaz de (re)conhecer, examinar e,
hipoteticamente, ampliar a sua capacidade de agir sobre a sua
atividade laboral, potencializando a reconfiguração ou transmutação
do trabalho conduzida pelo próprio indivíduo e por seus pares.
Notadamente a instrução ao sósia consiste em criar as
condições para que um profissional ou coletivo de trabalhadores tome
a si e à sua ocupação como objetos de análises, desenvolvimentos e
transformações. Em resumo, a proposta feita ao voluntário num
processo aplicativo deste dispositivo é que ele realize a descrição das
suas atividades laborais a um pesquisador ou analista do trabalho,
supondo que este é um sósia que o substituirá em suas ocupações num
dia. O que se pretende é criar as condições para que o trabalhador
converta em linguagem o seu trabalho (CLOT, 2010) e, gradualmente,
reviva as suas ações ocupacionais, sem que isto represente uma
repetição dos seus atos. A expectação é que seja possível ao
profissional reexaminar e redescobrir o seu oficio, com vistas à
tomada de consciência dos aspectos constituintes, potencializadores e

256
dificultadores da sua laboralidade e, em última instância, que sejam
abertas zonas de desenvolvimento, reordenamento e metamorfoses do
trabalho, do meio e da coletividade profissional conduzidas pelos
próprios trabalhadores. Complementarmente, mas não menos
importante, é entender o indivíduo como dispositivo para o
desenvolvimento coletivo e vice-versa, diga-se, visualizar a
grupalidade humana como um instrumento e uma ambiência
privilegiada para o desenvolvimento individual.
Ainda, o dispositivo visa oferecer ao labutador, por meio da
modificação da sua ação laboral, a possibilidade de ampliar a sua
potência de atuação sobre o ambiente, de desenvolver ou aprimorar as
suas capacidades cognitivas, afetivas e sociais, e de torna-lo sujeito da
sua atividade. Logo, a instrução ao sósia, deve ser percebida,
conforme defendem Perez, Ercolano e Rocha (2017), como um
instrumento metodológico dialético materialista, a qual tem o seu
centro no movimento do trabalhador, que coloca a si e à sua
laboralidade como objetos de análise a fim de refletir acerca das suas
ações, afetos, contradições, relações sociais, padecimentos e
condições ocupacionais
Todo o processo de contato com o vivido e as suas
modificações promovidas pela aplicação da instrução ao sósia, típico da
dialética materialista, deve acontecer de modo situado
institucionalmente e sócio-historicamente. Ainda, cumpre notar que o
curso desta (re)entrada do trabalhador na sua própria atividade,
proporcionada pela técnica do sósia, não ocorre sem conflitos da pessoa
consigo e com o seu coletivo ou ausente da experimentação de
situações e afetos excruciantes. Trata-se, por assim dizer, de enfrentar os
desdobramentos e dificuldades que envolvem conhecer e (re)criar, no
decurso das movimentações dialéticas, a experiência vivida como um
meio para a construção de uma vida presente ou porvindoura diferente.
A instrução ao sósia pode ser aplicada visando (re)conectar o
sujeito à sua realidade e, numa perspectiva dialética materialista marxiana,
permitir às pessoas e grupos promoverem conscientemente metamorfoses
da sua existência concreta e subjetiva, sobretudo em contexto de trabalho,
sempre tendo em vista que se está na presença de uma história
incessantemente inacabada (PEREZ; ERCOLANO; ROCHA, 2017).
A instrução ao sósia, visualizada como dispositivo
metodológico dialético materialista, se debruça sobre a atividade
laboral do homem com o intuito de transformá-la em uma prática
criativa, capaz de desenvolver o sujeito e estimular suas
potencialidades. Para tanto, é preciso compreender o trabalho de
acordo com os princípios dialéticos, em sua unidade contraditória, isto

257
é, não o tomar isoladamente, mas inserido e integrado a uma realidade
objetiva, contextualizado como uma atividade concreta e situada.
A instrução ao sósia, no caminho da dialética marxiana, pode
tencionar a socialização entre os pares de trabalho das estilizações
pessoais, dos modos de agir individuais e da atividade grupal, para
conservar a plasticidade, a fluidez e a liberdade do movimento humano
em situação ocupacional, a fim de tornar o trabalho e os processos de
desenvolvimento individual e da coletividade objetos de reflexividade,
produção de movimentações, transmutações e de potencialização da vida,
desde que exista acordo entre os trabalhadores.
Referências
LOT, Y. Trabalho e poder de agir. Trad. Marlene Vianna, Guilherme
Teixeira, Belo Horizonte, MG: Fabrefactum, 2010.
PEREZ, D.; ERCOLANO, R. S.; ROCHA, L. C. Notas acerca da dialética
como método e seu uso contemporâneo na mediação da transmutação social.
In: PEREZ, D.; SILVA, E. P.; SIMÕES, M. C. D. (Orgs.). Práxis em
Psicologia Social: o enfrentamento a pautas autoritárias e à lógica privatista.
Porto Alegre: ABRAPSO, 2017, p. 172-182.

INTENÇÃO DE ABANDONO LABORAL


Mary Sandra Carlotto; Sheila Gonçalves Câmara
A intenção de abandono laboral tem sido considerada como
um importante problema em nível global, dadas suas repercussões
sociais e econômicas, organizacionais e individuais. Como um
processo que predispõe ao comportamento, mas não o prediz
diretamente, a intenção de abandono pode ser considerada como um
tipo especial de abandono, com consequências agravadas pelo fato de
se caracterizar como uma desistência do exercício de trabalho sem,
necessariamente, sua concretização formal. Trata-se de um fenômeno
psicológico, de caráter subjetivo, que diz respeito à probabilidade
estimada de que o trabalhador deixará seu trabalho em algum
momento bastante próximo (MOWDAY; PORTER; STEERS, 1982).
De acordo com a teoria da ação planejada (AJZEN, 1985), a
intenção tem como antecedentes as atitudes, a norma subjetiva e o
controle percebido. As atitudes correspondem à valoração e avaliação
pessoal quanto à valência (positiva ou negativa) de temas, objetos e
pessoas. Elas se manifestam através do comportamento, das ideias e dos
afetos, de maneira explícita ou implícita. A norma subjetiva corresponde
à maneira como o indivíduo percebe a avaliação de seus grupos sociais
de referência em relação ao comportamento a ser executado, da mesma
forma que a motivação para acatar essa avaliação. Atitudes e norma
subjetiva podem ser consideradas como os planos individual e
contextual, respectivamente. Junto a elas estão as crenç̧as
258
comportamentais, da avaliação das consequê̂ncias do comportamento,
das crenç̧as normativas (pressão social) e da motivação As crenças
comportamentais correspondem ao potencial das opiniões a favor ou
contra o comportamento, interagindo com a avaliação das possíveis
consequê̂ncias do mesmo. Um outro antecedente da intenção refere-se à
perpeção de controle do comportamento pelo indivíduo.
Os antecedentes da intenção de abandono laboral são as
atitudes de avaliação do trabalho e da satisfação com o trabalho, bem
como a pressão social pela escolha e seguimento da atividade laboral,
e as possibilidades de mudança de atividade (MOBLEY, 1977). O
grau de satisfação no trabalho, segundo o autor, é uma das variáveis
de maior influência no pensamento de abandonar a profissão. Nesse
sentido, entram em pauta a análise das alternativas do mercado de
trabalho, as aptidões pessoais e o balanço entre custos e benefícios
relacionados a um possível rompimento definitivo.
A intenção é, portanto, um processo pré-decisional que acarreta
em grande desgaste emocional e cognitivo até o momento que se
consolide a decisão de abandono. As variáveis relacionadas à intenção de
abandono podem ser conflitantes entre si, dificultando ao indivíduo
manter certo grau de coerência. Essa situação de dissonância cognitiva
produz um estado de tensão que será de maior ou menor intensidade,
conforme os elementos dissonantes presentes. Isso fará com que a pessoa
vivencie extremo desconforto psicológico, o qual, em alguns casos,
apresenta repercussões fisiológicas, especialmente de sintomas
relacionados a ansiedade (ELLIOT; DEVINE, 1994). Assim, a alternativa
de escolha mais provável seria o abandono definitivo. No entanto, frente
à magnitude da mudança a ser implementada, o indivíduo pode utilizar
diversos recursos cognitivos para minimizar o conflito interno, mesmo
que de forma não consciente. Em alguns casos, isso repercutirá na
manutenção das atividades laborais com diminuição de envolvimento.
O trabalhador, nessa situação, cumpre obrigações burocráticas,
atuando no patamar mínimo de atividade para manter seu emprego.
Consiste em uma forma de abandono psicológico, cuja função é o
distanciamento emocional para fazer frente às demandas e a insatisfação
com o trabalho. Os mecanismos de evasão adotados acabam por
amenizar o sofrimento no trabalho em curto prazo. Assim, algumas
estratégias evitativas se materializam sob a forma de faltas e licenças, o
que consiste em um paliativo, já que o retorno às atividades pode
agravar a insatisfação anterior. Isso em função de que as dificuldades
originais não foram resolvidas e o sentimento de impotência é agravado.
O trabalhador passa a atuar em um nível muito inferior a seu
potencial, o que afeta seu desempenho e a qualidade de seu trabalho,

259
com consequências negativas para a organização e a população
atendida, além de repercussões individuais para o trabalhador, em
termos de baixa eficácia profissional, autoculpabilização pela
percepção de não estar cumprindo com as demandas do trabalho, e
decréscimo da energia vital ou depressão. Índices elevados de estresse
estão presentes na intenção de abandono laboral, o que se relaciona a
desgaste físico e psicológico devido à exposição frequente a
estressores ocupacionais (INGERSOLL, 2012).
A intenção de abandono tende a culminar no desligamento
definitivo. A decisão de abandono definitivo, seja da profissão ou do
local de trabalho, é fruto de negociações internas do trabalhador, nas
quais entram em jogo diversos mecanismos cognitivos, afetivos e
comportamentais. Trata-se de um processo complexo e difícil que
resulta da impossibilidade de manter o exercício profissional em
consonância com as experiências de trabalho, as expectativas
profissionais, os valores pessoais e a percepção de qualidade de vida.
Referências
AJZEN, I. From intentions to action: a theory of planned behavior. Em J.
Khul e J. Beckmann (Eds.). Action-control: from cognition to Behavior. (pp.
11-39). Heidelberg: Springer, 1985.
ELLIOT, A. J.; DEVINE, P. G. On the motivational nature of cognitive
dissonance: Dissonance as psychological discomfort. Journal of Personality
and Social Psychology, n. 67, v. 3, p. 382-394, 1994.
INGERSOLL, R. Beginning teacher induction: what the data tell us. Phi
Delta Kappan, v. 93 n. 8, p. 47–51, maio/2012.
LAPO, F. R.; BUENO, B. O. Professores, desencanto com a profissão e
abandono do magistério. Cadernos de Pesquisa, n. 118, p. 65-88, 2003.
MOBLEY, W. H. Intermediate linkages in the relationship between job
satisfaction and employee turnover. Journal of Applied Psychology, v. 62,
n. 2, p. 237-240, abr./1977.
MOWDAY, R. T.; PORTER, L. W.; STEERS, R. M. Employee-
organization linkages: the psychology of commitment, absenteism and
turnover. New York: Academic Press, 1982.
RHÉAUME, A.; CLÉMENT, L.; LEBEL, N. Understanding intention to leave
amongst new graduate Canadian nurses: A repeated cross sectional
survey. International Journal of Nursing Studies, v. 48, n. 4, p. 490-500, 2011.

INVISIBILIDADE NO TRABALHO - IMPACTOS NA SAÚDE


MENTAL DOS TRABALHADORES
Alice Dias Paulino
O termo invisibilidade (s.f.) aponta a qualidade, condição,
atributo do que é invisível. Nas relações de trabalho a importante
discussão sobre a invisibilidade social assinala uma espécie de
desaparecimento da pessoa em meio a outras. Contém a reciprocidade
260
do não-ver coletivo, a partir de uma intencionalidade significante. Na
medida em que nossa atenção é seletiva e se anuncia no processo
interacional, em tempos e momentos, a noção ‘ser-invisível’ revela ou
esconde o vivido no cotidiano social entre pessoas, coisas ou fatos. O
mundo do trabalho, em que se pese toda a inovação e tecnologia, não
está livre das noções preconceituosas acerca do tipo de atividade e das
relações que a definem. Se elas carregam uma intenção negativa,
reforçam a conotação ruim do que se faz e de quem faz. De fato, se
nos deparamos com os parâmetros instituídos, de certa forma
assumimos certas imposições dadas socialmente; são ideias, valores,
modos de pensar, comportamentos, que nos moldam culturalmente
como membros da sociedade. No sentido relacional dos fenômenos e
das interações humanas, significa dizer que o ato de ver e o não-ver
são ações sociais que seguem a lógica da proximidade espaço-
temporal e aparece como uma prática coletiva, comum e cotidiana. No
universo trabalho-pessoa muitos dos significados sociais conduzem a
uma sedimentação de certas tipificações. Tal universo de significações
pode se tornar extensivo às pessoas, de forma pública.
As significações e os sentidos já atribuídos no âmbito das
relações de trabalho-trabalhador caracterizam determinados tipos de
função/ocupação. A invisibilidade social-pública está presente na vida
de muitos trabalhadores subalternos, em atividades de pouco
reconhecimento social, a exemplo dos empregados domésticos,
faxineiros, porteiros, garis, lixeiros, e outras atividades com uma
condição psicossocial de menor prestígio. A eles são atribuídos
valores que muito se assemelham às coisas que não nos servem,
inúteis e/ou desvalorizadas.
A invisibilidade que acompanha especialmente esses
trabalhadores se traduz, de fato, numa ‘cegueira pública’, um fenômeno
político e, ao mesmo tempo, psicológico. Político, em relação às
desigualdades históricas entre classes sociais: há interesses de classe
informando a ‘cegueira’ – aquele que se recusa a ver o outro, trabalhador
subalterno, porque não o reconhece como ‘igual’. E psicológico, na
medida em que participamos, ou até intensificamos, a manutenção dessa
‘cegueira’, até mesmo sem o perceber. Esse tipo de invisibilidade e o ato
de não-ver revelam, nas reflexões de DaMatta (1992), a fragilidade de
um indivíduo sem rosto, aquele que se torna invisível publicamente,
estabelecido pelas práticas sociais, culturais e política. Tais práticas
construídas e instituídas no âmbito das relações sociais e do trabalho, são
repassadas para as suas estruturas e, assim permanecem seguindo certa
lógica de intencionalidade.
Desta maneira, se tornam referências nas significações de
convivência social, e para a pessoa causa uma espécie de
261
desaparecimento psicossocial. Ao longo das investigações no campo
do trabalho e saúde mental, pesquisas em psicologia relatam a
intensidade com que a invisibilidade pública e a humilhação social
marcam os traços sociais e psicológicos em uma forma de trabalho
não-qualificado e subaIlterno (COSTA, 2004; GONÇALVES FILHO,
2004; GOULEJAC, 2006; PAULINO, 2017).
Já é confirmado que múltiplos sentimentos ruins são gerados e
estão ligados ao sentimento central de ser invisível para os outros, motivo
em que se anunciam: a vergonha, a impressão de insucesso pessoal, o
isolamento, a clandestinidade, o medo, a violência. Significativamente
marcado por um fenômeno intersubjetivo cria-se, então, um modelo
tipificado de designação social ao processo das vivências cotidianas e,
para o sujeito invisível-estigmatizado resulta na fragilização da
autoimagem e o sentimento de descrédito em relação a si e à sua vida.
A dinâmica interacional que une intimamente a pessoa ao
mundo do trabalho, quando amargo e silencioso como é a da
invisibilidade social, irá provocar a força dos preconceitos, da
humilhação, da vergonha de si, de fracasso de sua própria história,
alimentando um sentimento de inferioridade perante os demais, uma
condição verdadeira do estigma humano. Conforme a intensidade do
estigma, o diferente passa a assumir a categoria de nocivo, incapaz,
uma imagem deteriorada, fora do parâmetro que a sociedade toma
como padrão. Portanto, uma atividade específica e o trabalhador que a
executa, marca e é marcado por características da pessoalidade no
modo de ser, e na singularidade coletiva no modo de fazer.
Tal situação pode colocar o trabalhador à margem e no limiar;
uma condição transformadora, mas depreciadora, em que o sujeito
passa a dar respostas negativas: um passo para o adoecimento da
saúde mental. Então, por premissa da existência e das combinações
entre o sujeito singular (psicológico) e o sujeito coletivo (sociológico),
e da integração dialética na sociedade (sujeito social), há a noção do
reconhecimento no sentido de consolidar a identificação e o
pertencimento social. Em síntese, essa relação dialética poderá estar
numa balança entre seus extremos bom-ruim. Na intersubjetividade, a
invisibilidade social resulta em danosas consequências para o sujeito,
em suas relações sociais e de trabalho.
Referências
COSTA, F. B. Homens invisíveis: relatos de uma humilhação social. São
Paulo: Globo, 2004.
DaMATTA R. Um indivíduo sem rosto. In Brasileiro Cidadão? (coletânea).
São Paulo: Cultura Editores Associados, 1992, p. 02-32.
GONÇALVES FILHO, J. M. A invisibilidade pública (prefácio). In: COSTA,
F.B. Homens invisíveis: relatos de uma hilhação social. São Paulo: Globo, 2004.

262
GOULEJAC, V. de. As Origens da Vergonha. São Paulo: Via Lettera
Editora e Livraria, 2006.
PAULINO, A. D. Os Modos de Ser e de Fazer entre Trabalhadores - O Jogo
Interacional e suas Relações Simbólicas. Curitiba: Editora Appris, 2017.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO AMBIENTE DE TRABALHO


Mário César Ferreira
A liberdade de expressão é uma noção que designa tanto a
possibilidade de manifestação de pensamento individual ou coletivo
dos trabalhadores nos contextos de trabalho quanto um preceito de
gestão organizacional de viés participativo. Ela veicula o modo pelo
qual os trabalhadores podem explicitar suas necessidades, crenças,
valores, avaliações e expectativas sobre o contexto de trabalho, as
interações sociais e o modo de funcionamento das organizações.
Do ponto de vista jurídico internacional, a Declaração Universal
dos Direitos Humanos (ONU, 2009) preconiza que todo ser humano tem
direito à liberdade de opinião e expressão. Tal direito inclui a liberdade
de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir
informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de
fronteiras (artigo XIX). No contexto brasileiro, a Constituição de 1988
determina que é livre a expressão da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença
(inciso IX, Capítulo I - Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos).
Portanto, sob o ângulo dos direitos, a garantia da liberdade de expressão é
essencial para a dignidade do indivíduo e, ao mesmo tempo, para a vida
coletiva social democrática. Como pode haver vida digna sem que os
indivíduos tenham possibilidade de livremente expressar seus pontos de
vista no contexto social no qual estão inseridos? Viver dignamente é
indissociável da liberdade de escolhas existenciais que, por sua vez,
devem estar em sintonia com valores, crenças e convicções individuais e
coletivas. Enfim, a liberdade de comunicação é um pressuposto para a
efetiva participação, a qualidade das interações sociais e o pleno exercício
da cidadania. Cabe, todavia, assinalar que não se trata de direito absoluto
(dizer tudo aquilo que se quer), pois tal direito é limitado por outros
direitos como a vida, a integridade física, a liberdade de locomoção. A
liberdade de expressão não pode ser empregada para práticas ilegais (ex.
racismo, apologia ao crime).
No contexto das organizações públicas e privadas, o pleno
exercício de tais direitos assume especificidades e peculiaridades que,
regra geral no âmbito das formações socioeconômicas do tipo capitalista,
são restritos, modulados, regulados, monitorados, vigiados. Tais
peculiaridades colocam tanto em questão se, de fato, existe realmente a
liberdade de expressão quanto se em muitos casos elas transcendem tais

263
direitos e instauram conflitos éticos geradores de mal-estar no trabalho
que, em consequência, reverberam no estado de saúde mental dos
trabalhadores. Tal é o caso, por exemplo, quando os trabalhadores são
obrigados a mentir, produzindo prejuízos para outras pessoas, impactando
na perda de confiança e na deterioração das relações interpessoais
(SANCHEZ et al., 2011). Na contramão da liberdade de expressão,
contextos de trabalho que são permissivos com a mentira instalam um
clima ético que terminam incorporando-a como valor ético e em certa
medida “carimba” a identidade da organização. A mentira como
estratégia de trabalho e prática organizacional pode tanto produzir
benefícios a curto-prazo quanto vivências de mal-estar que potencializam
a incidência de transtornos mentais.
A liberdade de expressão no ambiente de trabalho é também
indissociável da comunicação formal e informal. Ela é, portanto,
conexa com outros direitos e deveres nos contextos corporativos tais
como o de informar e ser informado, o direito de resposta, o de
reunião, o de defesa, entre outros. No contexto da globalização
econômica e das metamorfoses que se operam no mundo do trabalho,
a liberdade de expressão assume contornos singulares que impactam
no modo de funcionamento das organizações e na saúde mental dos
trabalhadores. Nesse sentido, dois exemplos negativos são ilustrativos.
1. De um lado, o uso intensivo das novas tecnologias da informação e
da comunicação (NITCs) facilitam a liberdade de expressão nas
situações de trabalho, de outro, intensificam a execução das tarefas,
contribuindo para a prevalência em trabalhadores de estado de
esgotamento físico e mental (MORENO JIMENEZ, 2011). Nesse
caso, dois sentimentos têm sido recorrentemente relatados pelos
trabalhadores: de estarem hiperconectados com o trabalho e a
organização; e de vivenciarem dificuldades para separar vida
profissional e vida social e familiar.
2. O crescimento dos casos de assédio moral no trabalho nas
organizações é exemplo elucidativo quanto ao uso abusivo da
liberdade de expressão nos ambientes de trabalho. Nesse contexto se
instaura uma violência psicológica por meio de condutas abusivas,
intencionais, frequentes e repetidas como, por exemplo, gritar, xingar,
apelidar, contar piadas para macular, ridicularizar e humilhar, ordenar
a realização de tarefas impossíveis ou incompatíveis com a capacidade
profissional, críticas e comentários improcedentes ou que subestimem
os esforços do trabalhador etc.
Em contrapartida, a liberdade de expressão como indutora de
Qualidade de Vida no Trabalho (FERREIRA, 2017) nos ambientes
laborais e, portanto, produtora de saúde mental requer o uso da liberdade
de expressão como produto e produtora de concertação social no qual o
264
protagonismo dos trabalhadores é crucial e estratégico para forjar uma
cultura organizacional participativa, ética e de bem-estar no trabalho.
Referências
FERREIRA, M. C. Qualidade de Vida no Trabalho. Uma abordagem
centrada no olhar dos trabalhadores. 3ª. ed. Brasília: Paralelo 15, 2017.
MORENO JIMENEZ, B. Factores y riesgos laborales psicosociales:
conceptualización, historia y cambios actuales. Med. segur. trab., Madrid, v.
57, supl. 1, p. 4-19, 2011.
ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Proclamada em 10/12/1948
pela Assembléia Geral das Nações Unidas. UNIC, Rio, 005, 2009.
SANCHEZ, F.; SUAREZ, T.; CABALLERO, A. Mentiras en el Entorno
Laboral: Efectos sobre la Confianza y el Clima Relacional y Afectivo. Rev.
psicol. trab. organ., Madrid, v. 27, n. 3, p. 191-203, dic. 2011.

LIDERANÇA: IMPACTOS NA SAÚDE MENTAL DOS


TRABALHADORES
Rodney Querino Ferreira-Costa; Nelson Pedro-Silva
A liderança refere-se à capacidade de certos sujeitos para
influenciar um grupo de pessoas em direção à consecução de objetivos
e metas (ROBBINS, 2002).
Informa-se que a inquietação atinente à forma como a
liderança é exercida nas organizações aumentou, como objeto
científico nos meios acadêmicos e na área de recursos humanos,
concomitante ao interesse pela investigação da influência das relações
interpessoais como fator de desenvolvimento global e promoção da
coesão social. Isto tem ocorrido por causa de, hoje, ser quase consenso
a busca de satisfação e o crescimento do trabalhador. Esses aspectos,
por sua vez, estão ligados ao modo como este se relaciona com os
superiores, subordinados, demais sujeitos e consigo.
É fato que o trabalho exerce influência profunda na vida do
empregado, a ponto de este, amiúde, abdicar de seus interesses privados
em nome do das organizações. Tal situação lhe gera frustrações, estimula
o tédio e o aliena. Isso decorre de uma visão obsoleta do trabalho pelas
organizações. No tocante aos afetos gerados, acabam por produzir
impactos negativos tanto no corpo quanto na mente do trabalhador,
refletindo no convívio e na qualidade da mercadoria/serviço produzida
(PEDRO-SILVA; FERREIRA-COSTA, 2017).
Assim, a construção de uma nova concepção de líderes
(cooperativos), tem sido uma das saídas encontradas pelas
organizações. A ideia é a de o próprio trabalhador encontrar
alternativas à resolução dos reveses enfrentados.
Quanto à liderança, pode ser vista como uma virtude e um
processo. Ou seja, ela se refere ao perfil do sujeito que, ao possuí-la,
265
garante o êxito de sua influência sobre os demais trabalhadores,
produzindo efeitos na saúde mental desses sujeitos, na qualidade de
vida e no crescimento ético.
Informa-se que a liderança pode ser exercida por meio de
relações de coação e de cooperação.
As coercitivas são impostas e assimétricas – no caso em análise,
entre líderes e liderados. Pode levar à ocorrência de assédio e de
exploração, além de a própria organização ter danos, pois o trabalhador
contribuirá pouco para o seu êxito. Por sinal, tal relação leva à conservar
a moral heterônoma, cujos principais caracteres são o egoísmo e a
obediência cega. Deste jeito, sabota-se a organização, pois não há
reciprocidade (nenhum dos dois lados coloca-se um no lugar do outro).
Corolário imediato: trabalhadores capazes de fazer algo apenas quando
mandado, sem compreender/refletir acerca do sentido de suas ações. Essa
condição pode gerar desmotivação, desgaste e adoecimento mental
(destacando a síndrome de Burnout e os transtornos ansiosos e
depressivos) e consumo abusivo de psicotrópicos e de etílicos (PEDRO-
SILVA; FERREIRA-COSTA, 2017).
As cooperativas, ao contrário, são simétricas e dependentes de
acordos. Nestas, não cabe o egoísmo, pois os sujeitos são obrigados a
se descentrarem; logo, elas demandam reciprocidade. Tais relações – a
serem operadas por ações grupais – levam ao respeito mútuo e à
autonomia. Por esse ângulo, ao estabelecê-las, a ação do líder
considera outrem. Espera-se, com isso, que o liderado se sinta
motivado a apresentar postura de crescimento de todos e o
trabalhador, por sua vez, compreenda a organização como uma
propriedade a também lhe pertencer. À vista disso, mesmo em
momentos de conflito, o diálogo é a mola mestra à sua superação
(PEDRO-SILVA; FERREIRA-COSTA, 2017).
Outro efeito refere-se à estimulação e ao incremento da
autonomia. Quer dizer: primeiro se possibilita ao grupo de
trabalhadores a discussão do que deve ser feito e as punições a serem
aplicadas em caso de desrespeito ao contrato feito. Estima-se, com
isso, que os liderados realizem os seus afazeres prescindindo de
controle externo. Afinal, a sua inobservância leva à aplicação de
punições por reciprocidade, como a exclusão do empregado.
Todavia, sublinha-se: atualmente tem sido um desafio
encontrar nas organizações a existência de liderança guiada pela
cooperação. Isso ocorre por causa do controle do espaço/tempo
(imediatismo); da produtividade insana; da exigência de flexibilidade
e da efemeridade nos vínculos acordados no ambiente laboral e nas
demais interações sociais. Referidos efeitos têm fragilizado a
266
possibilidade de elaborar planos de longo prazo, pois o receio da perda
do emprego é constante. Isto acaba por colocar o sujeito em um estado
durável de ansiedade e influencia penosamente na capacidade de o
sujeito formar laços afetivos duradouros (SENNETT, 2009).
Desse modo, observa-se o estabelecimento de relações, cada
vez mais, superficiais, apesar de as atuais organizações estimularem o
trabalho em equipe e prezarem por trabalhadores bons ouvintes,
“cooperativos” e resilientes. Tal situação mostra-se mais tensa dado
que o processo de subjetivação do trabalhador acaba afetando,
também, na forma como ele interage com o mundo a seu redor
(sobretudo, com familiares e amigos).
Em suma, muitos são os desafios para que as relações
interpessoais firmadas nas organizações sejam promotoras da
autonomia – aspecto necessário para a saúde física/mental dos
trabalhadores. Talvez se deva começar com o estímulo – por parte das
organizações – ao exercício das virtudes (respeito mútuo, p. ex.).
Porém, tais qualidades só podem ser exercitadas se as lideranças
forem articuladoras e modelos a serem seguidos.
Referências
PEDRO-SILVA, N. P.; FERREIRA-COSTA, R. Q. Jean Piaget e relações
interpessoais no trabalho. Revista Laborativa, v. 6, n. 2, p. 39-58, out. 2017.
ROBBINS, S. P. Comportamento organizacional. São Paulo: Hall, 2002.
SENNETT, R. A corrosão do caráter. Rio de Janeiro: Record, 2009.

LOCUS DE CONTROLE
Miryam Cristina Mazieiro Vergueiro da Silva
Locus de controle é um constructo que surgiu nos anos 60,
criado por Jullian Rotter, a respeito da crença de um indivíduo possuir
ou não controle sobre a ocorrência de eventos em sua vida. Trata-se de
uma disposição pessoal, aprendida a partir das experiências cotidianas
do sujeito, de atribuir o controle sobre os acontecimentos de sua vida a
forças externas (sociedade, sorte/destino ou por interferência dos
outros) ou internas (tendo uma participação ativa no processo). Desta
forma, indivíduos com Locus de Controle mais dirigidos à
internalidade, teriam maior capacidade de resolução dos problemas,
maior domínio sobre o ambiente e melhor adaptabilidade aos eventos
estressantes. Já os indivíduos mais dirigidos à externalidade seriam
mais passivos frente aos acontecimentos, já que, em sua percepção,
não poderiam modificá-los ou influenciá-los.
O construto internalidade-externalidade tem sido motivo de
inúmeros estudos, tanto nas mais diversas subáreas da psicologia,
quanto em relação ao comportamento no trabalho. Estudos
267
demonstram que os trabalhadores com Locus de Controle Interno
(LCI) possuem maior facilidade de enfrentamento das situações
estressantes, pois sua persistência, envolvimento emocional e busca de
alternativas, são indicadores de maior capacidade adaptativa. Por
outro lado, os trabalhadores com Locus de Controle Externo (LCE)
aparentam ser mais insatisfeitos e menos envolvidos com o seu
trabalho, pois percebem-se com pouco controle sobre os resultados
organizacionais (GUIMARÃES, 2008).
Em levantamento realizado em bancos de dados científicos
referentes aos últimos 15 anos foram encontradas publicações:
- que correlacionam maior atenção, maior engajamento em ações de
desenvolvimento do ambiente e boa memória para informações
(corroborando outros estudos) em profissionais contábeis com nível alto
de LCI em comparação às pessoas com LCE (DAMASCENA, 2016);
- que corroboram a literatura no sentido da relação entre escolaridade e
locus de controle: conforme aumenta o nível de escolaridade, maior é a
tendência de que os sujeitos possam apresentar um locus de controle mais
interno. Dentre os trabalhadores estudados por Provazi (profissionais de
T.I.), aqueles com escolaridade de nível 1 - Ensino Médio completo e
incompleto, e Superior incompleto) apresentaram locus de controle mais
externo quando comparados ao grupo de nível 2 - Superior completo,
Especialização e Mestrado (PROVAZI, 2007)
- sobre a relação Locus de Controle e bem-estar no trabalho, sendo
que quanto maior a orientação para a internalidade, mais os
trabalhadores se identificam com a atividade que realizam; percebem
oportunidades de crescer e se expressar em seu trabalho; mostram-se
orgulhosos e identificados com a organização em que trabalham;
acreditam que o seu salário é justo; estabelecem relacionamentos
saudáveis com os colegas; sentem que o seu trabalho é valorizado;
gostam do relacionamento que mantêm com os clientes e com a
chefia; e percebem a existência de um ambiente físico seguro e
favorável para a sua saúde. Por outro lado, quanto maior a orientação
para a externalidade, menos os trabalhadores confiam e admiram a
organização em que trabalham, além de perceberem menos a
existência de um ambiente físico seguro e favorável para a sua saúde
(CARNEIRO & FERNANDES, 2015)
- no tocante à autonomia, já havia sido descrito pela literatura que
os internos possuíam maior tendência de perceberem autonomia.
Neste estudo percebeu-se que o trabalhador orientado pela
internalidade, tende a perceber com mais frequência as possibilidades
de ascender e expressar-se no emprego, uma vez que avalia as
oportunidades como resultantes de um empenho pessoal, ainda que,
268
objetivamente, este fator seja bastante influenciado pelas condições
organizacionais (CARNEIRO & FERNANDES, 2015).
- quanto à satisfação no trabalho, indivíduos externos demonstraram
insatisfação com todos os aspectos do trabalho pesquisados por Xavier
(2005): satisfação com os colegas e com a chefia, com o salário, com
a natureza do trabalho, com promoções e, inclusive com a satisfação
geral; inversamente, indivíduos internos se mostraram satisfeitos com
os colegas, com o salário, com a chefia, com a natureza do trabalho,
com promoções e com a satisfação geral (XAVIER, 2005)
Este é um importante constructo, pois poderá orientar ou auxiliar
a liderança e os profissionais da saúde e Segurança do Trabalho no
planejamento do desenvolvimento e treinamento dos trabalhadores. Para
a empresa, o uso do constructo Locus de Controle, poderá auxiliar na
compreensão das variações no rendimento do trabalhador, pois, se estes
sentem que possuem controle pessoal sobre a própria tarefa, e que a sua
eficácia depende do próprio esforço dispendido, poderão empenhar-se em
determinadas atividades ou estratégias e consequentemente, incrementar
sua performance (GUIMARÃES, 2008). Por outro lado, é possível
desenvolver com os indivíduos uma orientação a internalidade, a
introjeção de novos valores, desenvolver o sentimento de “pertença” e a
crença em sua própria competência, através de atividades em forma de
palestras ou oficinas, bem como, atendimento psicológico individual, que
motive os colaboradores a repensar as questões relacionadas ao LCE.
Referências
GUIMARÃES, L. A. M. et al Locus de Controle e Trabalho. In: Guimarães & Grubits
(orgs) Série Saúde Mental e Trabalho vol 4. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008.
DAMASCENA, L. G. & FRANÇA, R. D.; SILVA, J. D. G. Relação entre locus de
controle e resiliência: um estudo com profissionais contábeis. Florianópolis, v. 13,
n. 29, p. 69-90, mai. /ago. 2016.
PROVAZI, L. N.T. Qualidade de vida, locus de controle e equilíbrio entre esforço
e recompensa no trabalho em profissionais de uma empresa de tecnologia da
informação. Dissertação (Mestrado) Universidade Estadual de Campinas. Faculdade
de Ciências Médicas, Campinas, 2007.
CARNEIRO, L. L & FERNANDES, S. R. P. Bem-estar pessoal nas organizações e
lócus de controle no trabalho. Rev. Psicol. Org. Trab. vol.15 no.3 Brasília set. 2015.
XAVIER, V. M. C. Locus de controle, comprometimento organizacional e
satisfação no trabalho: um estudo correlacional. Dissertação. (Mestrado em
Ciências Humanas) - Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2005.

MAL-ESTAR NO TRABALHO (1)


Mário César Ferreira
O mal-estar no trabalho é um sentimento desagradável que se
origina das situações vivenciadas pelo(s) indivíduo(s) na execução das
tarefas em um dado contexto organizacional (empresas, órgãos públicos,
269
cooperativas, entidades de representação, ONGs entre outras) e de
teletrabalho (home office). A manifestação individual ou coletiva do mal-
estar no trabalho expressa-se por meio da vivência de sentimentos
(isolados ou associados) que ocorrem, com maior frequência, nas
seguintes modalidades: aborrecimento, antipatia, aversão,
constrangimento, contrariedade, decepção, desânimo, desconforto,
descontentamento, desrespeito, embaraço, incômodo, indisposição,
menosprezo, ofensa, perturbação, repulsa, tédio.
O mal-estar no trabalho é uma espécie de noção nômade que
vagueia abundantemente em textos técnicos-científicos principalmente
sobre processo saúde-doença. Contrariamente à noção de bem-estar no
trabalho, igualmente empregada com frequência na literatura
científica, para qual há definições (ex. PASCHOAL et. al., 2013), a
expressão mal-estar no trabalho é majoritariamente usada por
pesquisadores e especialistas nas ciências do trabalho e da saúde sem
vir acompanhada de definição. Todavia, trata-se de noção crucial para
avaliar os impactos dos contextos de trabalho, das tarefas e das
práticas de gestão sobre a saúde e a segurança dos trabalhadores.
Não obstante, a noção venha sendo largamente empregada
como sintoma ou sinal clínico que integra quadros nosológicos
específicos de muitas doenças ocupacionais, a presença do mal-estar
também sinaliza risco iminente de adoecimento, incidentes e acidentes
de trabalho. A identificação e análise do mal-estar no trabalho é,
portanto, absolutamente estratégica no campo da promoção da
Qualidade de Vida no Trabalho (QVT), cabendo destacar algumas de
suas características singulares:
1. As vivências e a gestão pessoal do mal-estar no trabalho são
fortemente influenciadas por fatores individuais (ex. estado de saúde,
características pessoais e histórico de vida), organizacionais (ex.
condições, organização e relações socioprofissionais de trabalho) e
situacionais (ex. variabilidade, diversidade e dinâmica de eventos).
2. Neste enfoque de QVT, o mal-estar no trabalho não é uma enfermidade
ocupacional que acomete os indivíduos, mas é um risco ou uma
possibilidade inerente ao processo adaptativo que caracteriza as
interações dos trabalhadores vis-à-vis dos contextos de trabalho.
3. A manifestação recorrente, o caráter prevalente e a vivência
duradoura dos sentimentos isolados ou associados de mal-estar no
trabalho delineiam um cenário resultante de ausência de Qualidade de
Vida no Trabalho e, em consequência, aumentam o risco de ocorrência
de diversos indicadores críticos que repercutem negativamente sobre o
processo saúde-doença dos indivíduos, o funcionamento das
organizações e da sociedade.

270
O diagnóstico aprofundado das representações de mal-estar no
trabalho a fim de averiguar os impactos sobre a saúde mental deve
combinar tanto análise macro-organizacional (comumente
delineamento metodológico quantitativo) quanto micro-organizacional
(em geral delineamento metodológico qualitativo), sendo que nesse
último caso a avaliação das atividades dos sujeitos em situações de
trabalho ocupa lugar epistemológico central (GÜÉRIN et al., 2001). O
acesso aos dados empíricos do mal-estar no trabalho se dá por meio
das diversas formas de manifestação dos indivíduos e/ou do coletivo
de trabalhadores, sendo que a verbalização e a escrita são dois de seus
principais modos de expressão.
O mal-estar no trabalho tem um caráter dinâmico que resulta
do confronto entre as exigências físicas, cognitivas, afetivas (inerentes
aos contextos de trabalho) e às estratégias de mediação individual e
coletiva dos trabalhadores. O conteúdo das representações de mal-
estar no trabalho expressa as consequências individuais e coletivas do
Custo Humano do Trabalho (FERREIRA, 2012). Tanto as
representações de bem-estar quanto as de mal-estar caracterizam-se
por uma dinâmica, à maneira de um pêndulo, que tende a oscilar no
eixo do processo de risco adoecimento-saúde, dependendo esse
movimento pendular da eficiência e eficácia das estratégias de
mediação individual e coletivas dos trabalhadores. Quanto menos
eficientes e eficazes forem as estratégias de mediação individuais e
coletivas dos trabalhadores tanto maior será o risco do predomínio de
mal-estar individual e coletivo no trabalho e a geração de impactos
negativos para a saúde mental.
As representações de mal-estar no trabalho (sentimentos
negativos) e de bem-estar no trabalho (sentimentos positivos) constituem
os pólos do continuum de referência teórica e empírica para o diagnóstico
de QVT (FERREIRA, 2017). A prevenção das vivências de mal-estar no
trabalho (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2018) requer diagnosticar as suas
causas mais profundas visando à formulação de políticas e programas de
Qualidade de Vida no Trabalho (QVT). Nesta perspectiva, a participação
dos trabalhadores é imperativo metodológico incontornável para a
promoção da saúde mental.
Referências
FERREIRA, M. C. Custo Humano do Trabalho. In: DAVID, C. A.;
LORENA, H. (Orgs), Dicionário de Trabalho e Tecnologia. Porto Alegre:
Editora Zouk, 2012.
FERREIRA, M. C. Qualidade de Vida no Trabalho. Uma abordagem
centrada no olhar dos trabalhadores. 3ª. ed. Brasília: Paralelo 15, 2017.
GÜÉRIN, F. et al. Compreender o trabalho para transformá-lo: a prática
da ergonomia. São Paulo: Edgard Blucher, 2001.

271
MINISTÉRIO DA SAÚDE. A saúde do trabalhador e da trabalhadora.
Cadernos de Atenção Básica, n. 41, 2018.
PASCHOAL, T. et al. Well-being at work: scenario of brazilian studies published
in the first decade of the new millenium (QUALIS B1). Revista Encontros
Cientificos: tourism and management studies, v. 2, p. 383-395, 2013.

MAL-ESTAR NO TRABALHO (2)


Flavinês Rebolo; Liliana Andolpho Magalhães Guimarães
O mal-estar é um fenômeno cada vez mais presente nas
organizações, afetando a saúde do trabalhador e da própria organização.
Ocasionado por diferentes fatores, tanto externos como internos à pessoa,
pode levar à uma grande quantidade de sintomas e patologias que afetam
a vida (pessoal e profissional) dos trabalhadores e das organizações.
Pode-se definir o mal-estar como a vivência, com maior
intensidade e frequência, de experiências negativas no ambiente de
trabalho. Muitas são as causas apontadas por pesquisadores para as
experiências negativas que geram o mal-estar no trabalho, entre elas
podemos citar: condições precárias de trabalho, sobrecarga (física e
psíquica) e ritmo de trabalho, relações interpessoais conflituosas no
ambiente de trabalho, clima organizacional ruim, suporte organizacional
precário, assédio moral, entre outros. Essas situações de trabalho, ao
serem avaliadas negativamente pelo trabalhador geram um grande mal-
estar, provocado por insatisfações, conflitos, frustrações e
desequilíbrios. E os trabalhadores, diante desse mal-estar, assumem
posturas defensivas que podem ir desde comportamentos agressivos,
queixas constantes, críticas excessivas, etc., até o distanciamento físico
(absenteísmo, licenças, etc.) e psicológico (acomodação, postergação,
etc.) do ambiente de trabalho.
Visando minimizar o sofrimento no trabalho, segundo Rebolo
(2012), os trabalhadores utilizam-se das estratégias de enfrentamento, que
se constituem em um processo dinâmico, na tentativa de adaptação às
condições e situações que geram insatisfações e conflitos.
As estratégias de enfrentamento, segundo Folkman e Lazarus
(1984), são um conjunto de ações que demandam esforços, cognitivos
e emocionais, e que são utilizados pelos trabalhadores com o objetivo
de lidar com demandas específicas, internas ou externas, que surgem
em situações que sobrecarregam ou excedem os recursos pessoais
diante dos desafios e das condições de trabalho. O processo de
enfrentamento, chamado pelos autores de coping, pressupõe a noção
de avaliação e a mobilização de esforços para reduzir, minimizar ou
apenas tolerar as demandas internas ou externas que surgem da
interação com o ambiente, e pode ser realizado em dois sentidos, um

272
que busca regular o estado emocional e outro que busca alterar a
situação. Os autores chamam esses enfrentamentos de “coping
focalizado na emoção” e “coping focalizado no problema”.
As estratégias de enfrentamento com foco na emoção, que têm
por finalidade reequilibrar o estado emocional, reduzindo a sensação
desagradável ou incômoda, podem ser empreendidas a partir de ações
que reestruturem os sentimentos em relação às situações problema
vivenciadas no trabalho, fazendo com que a tensão diminua. As
estratégias de enfrentamento com foco no problema têm por finalidade
atuar na situação causadora de mal-estar com o objetivo de modificá-
la. De acordo com Folkman e Lazarus (1984), o coping focalizado no
problema é mais utilizado quando há a percepção de que é possível
modificar a situação e o coping focalizado na emoção tende a ser mais
utilizado nas situações percebidas como inalteráveis, onde não haverá,
por mais esforço que se faça, a possibilidade de alterações externas.
Seja buscando alterar as condições externas ou modificando a
conduta em relação às situações que causam mal-estar, o trabalhador
poderá utilizar uma grande variedade de estratégias. para Limongi
França e Rodrigues (1996), as estratégias podem ser ativas ou passivas
e individuais ou coletivas; para Festinger (1962) a mudança de
comportamento, as alterações realizadas no ambiente e o acréscimo de
novos dados cognitivos são os modos mais eficazes para reduzir a
dissonância cognitiva entre o que o trabalhador espera e necessita e as
suas condições de trabalho. Essa variedade de estratégias para se
defender do mal-estar no trabalho permite ao trabalhador que, quando
a estratégia que está sendo utilizada para minimizar o mal-estar não se
mostra eficaz, seja substituída por outra. Essa substituição, no entanto,
não depende apenas das características de cada indivíduo, mas
depende, também, da dinâmica do grupo em que está inserido e das
condições oferecidas pelo ambiente de trabalho (REBOLO, 2012).
As vivências negativas, que desencadeiam o mal-estar docente,
afetam a saúde do trabalhador, gerando sofrimento e patologias e,
também, incidem sobre a imagem que o trabalhador tem de si e de seu
desempenho, afetando a sua motivação para o trabalho. Por isso, segundo
Reis, Fernandes e Gomes (2010), essas vivências negativas geram perdas
também para a organização, pois contribuem para o desengajamento e o
descomprometimento do trabalhador, contribuem para a promoção de
acidentes, para comportamentos de absenteísmo, rotatividade e muitos
outros conflitos, no contexto de trabalho, que afetam a qualidade, a
produtividade e a competitividade das organizações.

273
Referências
FOLKMAN, S. Personal control and stress and coping processes: a theorical
analysis. Journal of Personality and Social Psychology, n. 46(4), Pp. 839-
852, 1984. Disponível em: https://psycnet.apa.org/record/1984-23118-
001?doi=1. Acesso em 10 nov.2003.
REBOLO, F. Caminhos para o bem-estar docente: as estratégias de
enfrentamento utilizadas pelos professores frente às adversidades do trabalho
docente na contemporaneidade. Quaestio (UNISO), v. 14, p. 115-131, 2012b.
REIS, A. L. P. P.; FERNANDES, S. R. P.; GOMES, A. F. Estresse e fatores
psicossociais. Psicol. Cienc. Prof., Brasília, v. 30, n. 4, p. 712-725, dez. 2010.

MECANISMOS DE DEFESA
Matheus Viana Braz
Todo trabalho envolve eventualmente o enfrentamento de
situações deletérias e ameaçadoras à saúde mental e física. As
respostas dos trabalhadores diante desses cenários dependem da
história de vida de cada um, mas também da organização social do
trabalho. Quando esses conflitos não são superados por intermédio da
transformação do sofrimento em criatividade, prazer ou realização
pessoal, o trabalhador recorre a mecanismos de defesa para confrontar
ou ao menos conviver temporariamente com situações
desestabilizantes ou patogênicas, lhe garantindo recursos internos na
luta contra o adoecimento relacionado ao trabalho.
Segundo Dejours (2011; 2012a), essas defesas podem cumprir
funções de proteção, adaptação ou exploração, embora tenham como
denominador comum a modificação ou distorção da percepção do
indivíduo sobre os impasses que o colocam em situação de angústia
ou sofrimento. As defesas de proteção, nesse ínterim, implicam
alterações compensatórias no pensamento e ação dos trabalhadores.
Em contextos de tarefas repetitivas ou de intensa cadência de trabalho,
por exemplo, o embotamento do pensamento do trabalhador traduz um
mecanismo cuja função é reduzir a angústia da tomada de consciência
da aridez da situação vivenciada.
Já as defesas de exploração e adaptação são evidenciadas em
situações nas quais o trabalhador direciona seus modos de pensar e
agir conforme as demandas da organização do trabalho na qual está
inserido. Esses mecanismos o auxiliam a suportar os sofrimentos
inerentes às contradições de seu trabalho e são também importantes
para que alcance a excelência e o sentimento de pertença social na
empresa. Ao se confrontar com pressões psíquicas que colocam em
risco sua saúde mental, o trabalhador pode recorrer a subserviência,
servidão, hiperatividade laboral, resignação, descrença, isolamento
psicoafetivo ou racionalização (DEJOURS, 2001). Esta última, por
274
exemplo, consiste em um tipo de defesa psicológica em que o
indivíduo, diante de uma realidade que é percebida como
potencialmente desestruturante (mas da qual ele não pode prescindir),
recorre a uma justificativa sofisticada, um raciocínio especioso, para
evitar a irrupção do sofrimento oriundo das contradições
deontológicas vividas em suas atividades. No contexto em questão, o
trabalhador busca demonstrar, pela racionalização, que determinada
injustiça social é “um mal necessário” e inevitável. Demissões em
massa, por exemplo, são justificadas como fatalidades necessárias,
provenientes de estratégias definidas pelo alto escalão a partir de
critérios nebulosos, porém indiscutíveis. Tais políticas de gestão são,
portanto, frequentemente apresentadas como incontestáveis, de modo
que o argumento economicista é colocado como vetor de
racionalização, justificando a subserviência e colaboração com
trabalhos que nem sempre são justos.
Os mecanismos coletivos de defesa, por sua vez, são formados
por grupos de trabalhadores que empreendem esforços para se
proteger dos riscos inerentes às suas atividades. Dejours (2012a)
demonstra, nesse sentido, que na construção civil e na indústria
química são comuns manifestações de virilidade associadas à
interdição da expressão pública do medo e do sofrimento, assim como
há por vezes a obrigação em ostentar demonstrações de enfrentamento
e exposição ao risco. Nesses casos, essas estratégias coletivas de
defesa cumprem a função de “eufemização coletiva” da percepção do
risco, de modo que sua negação garante a execução do trabalho,
diminuindo a angústia do confronto com a realidade que os faz sofrer.
Quando as estratégias coletivas de defesa se radicalizam e são
enraizadas nas dinâmicas relacionais dos trabalhadores, podem
adquirir o estatuto de ideologias defensivas. Trata-se de um
mecanismo específico de defesa, edificado em contextos nos quais o
sofrimento parece irremediável, e que se ampara em um modos
operandi homogêneo de um grupo de trabalhadores. Para evitar a
eclosão de um desequilíbrio maior, os indivíduos excluem tudo que
foge à ideologia adotada, preservando modos de trabalhos estáticos,
estanques e prevenindo a entrada de quaisquer mudanças
desestabilizantes, as quais tensionam os discursos hegemônicos
interiorizados (DEJOURS, 2012a; 2012b).
Por fim, embora tenham uma função adaptativa importante, as
estratégias defensivas, enquanto recursos compensatórios e paliativos,
amiúde atravancam a capacidade de pensamento, são propulsoras de
dominação, servidão e podem contribuir para a formação da violência
coletiva. Isso ocorre, pois para se proteger dos riscos de sua atividade o
trabalhador paga o preço mediante a intensificação da carga psíquica de
275
seu trabalho, seja pela via da redução de sua capacidade de simbolização,
seja pelo crescimento da inflexibilidade afetiva, inclusive nos
relacionamentos de sua vida privada. E é pautada nessas questões,
portanto, que a Psicodinâmica do Trabalho nos convida a pensar em
formas de intervenção nas organizações centradas na ampliação de
espaços deliberativos coletivos, para que seja possível agir na origem dos
conflitos gerados pela própria organização do trabalho.
Referências
DEJOURS, C. A banalização da injustiça social. Tradução de Luiz Alberto
Monjardim. ed. 4. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001.
DEJOURS, C. Addendum. Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho.
In: S. LANCMAN; L. I. SZNELWAR (Org.) Christophe Dejours: Da
psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Tradução de Frank Soudant.
pp.57-123. ed.3. Brasília: Paralelo 15 / Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2011.
DEJOURS, C. Trabalho Vivo: Sexualidade e Trabalho. Tradução de Frank
Soudant. Brasília: Paralelo 15, 2012a.
DEJOURS, C. Trabalho Vivo: Trabalho e Emancipação. Tradução de Frank
Soudant. Brasília: Paralelo 15, 2012b.

MEDICINA DO TRABALHO – CONTRIBUIÇÕES PARA


SAÚDE MENTAL DO TRABALHADOR
João Silvestre Silva-Junior
O trabalho é parte da construção da identidade social dos
indivíduos e interfere diretamente na saúde mental e física das
pessoas. A percepção de bem-estar e qualidade de vida são campos da
subjetividade humana que podem sofrer influência de aspectos
relacionados ao trabalho. Portanto, a vida profissional tem papel
fundamental na manutenção da saúde mental dos indivíduos, sendo
reconhecida como um dos determinantes sociais de risco para a saúde.
A legislação trabalhista do Brasil, por meio da Norma
Regulamentadora 07, indica a necessidade de todos os empregadores
implantarem um Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional
(PCMSO) coordenado por um médico do trabalho (BRASIL, 1978). O
PCMSO deve ter um enfoque essencialmente preventivo, com ações
de intervenção em todos os níveis de atenção à saúde dos
trabalhadores. A promoção de saúde mental no trabalho deve fazer
parte do PCMSO, com o intuito de promoção da saúde e prevenção de
doenças mentais entre trabalhadores, principalmente aquelas
relacionadas ao trabalho.
Para o planejamento do PCMSO, os médicos do trabalho
precisam ter como base o reconhecimento dos riscos à saúde dos
trabalhadores presentes nos ambientes, processos e condições de trabalho.
Como parte das ações, é indicada a necessidade da realização dos exames
médicos ocupacionais obrigatórios, com avaliação clínica, abrangendo
276
anamnese clínico-ocupacional e exame físico-mental, além da análise de
exames complementares específicos (LUCCA et al., 2019).
As medidas em nível de prevenção primária dos agravos da
saúde mental seriam voltadas para promover a saúde global e realizar
proteção específica em uma fase prévia ao adoecimento, ou seja, no
período de interação do indivíduo com os fatores de risco. O
reconhecimento dos riscos ocupacionais (físicos, químicos e biológico),
as condições ergonômicas e psicossociais do trabalho, e os riscos de
acidentes visam estabelecer parâmetros que permitam a adaptação das
condições de trabalho às características psicofisiológicas dos
trabalhadores, de modo a proporcionar uma interação com o trabalho de
forma segura e saudável. Compreender a percepção do trabalhador
quanto à carga de estresse do seu trabalho é uma demanda para os
profissionais de saúde com vista a manter um equilíbrio satisfatório e
minimizar o desgaste físico-mental (LUCCA et al., 2019).
Para além do enfoque sobre os fatores de risco laborais, o
reconhecimento de situações de risco extralaborais (como os
comportamentos de risco para a saúde) deve ser parte de uma
sistematização de atenção integral à saúde do trabalhador. A educação
em saúde, na qual se oferta informações que possam influenciar
positivamente a relação do trabalhador com a sua saúde, pode ser
estimulada pelos canais corporativos com a curadoria das equipes de
saúde no trabalho (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2010).
Na prevenção secundária, quando há manifestações clínicas
com sinais e sintomas ainda inespecíficos, o foco é o diagnóstico
precoce e o tratamento imediato para interromper o processo mórbido
e evitar futuras complicações e sequelas. Nesta fase o grande desafio é
como ofertar serviços de saúde em tempo hábil. Uma excelente janela
de oportunidade é o exame médico ocupacional periódico. Neste
atendimento o médico do trabalho pode realizar uma abordagem
clínica a fim de rastrear e diagnosticar precocemente os agravos que
comprometam o bem-estar, a qualidade de vida e a produtividade dos
trabalhadores. Intervenções clínico-ocupacionais podem ser
desenhadas a fim de evitar a progressão dos quadros para uma
situação de adoecimento com repercussão funcional.
A prevenção terciária visa uma abordagem para
controle/estabilização das manifestações clínicas dos agravos
diagnosticados e a reabilitação física e mental dos trabalhadores,
promovendo a melhor adaptação ao meio ambiente de casos que
tenham cursado com sequela e incapacidade. Acolher o trabalhador
adoecido e o auxiliar na buscar por serviços especializados de
assistência e recuperação são ações fundamentais para reduzir a
chance de extensão de danos que possam comprometer
277
permanentemente a capacidade para o trabalho. A falta de apoio em
uma situação de fragilidade pode ser um agravante para o quadro
clínico, causando um ciclo vicioso de desgaste.
Nos casos de doenças mentais relacionadas ao trabalho, cabe ao
médico do trabalho a indicação da emissão da Comunicação de
Acidente de Trabalho para fins de notificação epidemiológica.
Estratégias de vigilância em saúde utilizam tais dados no planejamento
de ações para evitar o desencadeamento de novos casos e/ou
agravamento de casos antigos.
Quando a promoção da saúde mental no trabalho está alinhada
com os objetivos da empresa, são esperados efeitos e benefícios positivos.
As ações podem levar a mudanças de paradigmas, criando melhores
condições de trabalho, melhorando o clima social e os processos
organizacionais. Os resultados podem ser avaliados pela redução de
custos de saúde, menor rotatividade de trabalhadores, aumento da
produtividade, redução de absenteísmo e presenteísmo, além de melhora
da imagem da empresa tanto para os clientes, quanto para os funcionários
(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2010).
Em nível individual, a contribuição da Medicina do Trabalho
para a saúde mental dos trabalhadores é o estímulo à manutenção de
melhores patamares na saúde global a partir das intervenções nos
diversos níveis de prevenção para o aumento da percepção de bem-
estar, qualidade de vida e satisfação no trabalho. As ações contínuas
devem promover um ciclo virtuoso, com repercussões positivas para o
trabalhador, para o empregador e para toda a sociedade.
Referências
BRASIL. Portaria GM n.º 3.214, de 08 de junho de 1978. Norma
Regulamentadora 07 - Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional.
DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. 06 JUL 1978.
LUCCA, S. R.; ALFREDO, C. H.; SILVA-JUNIOR, J. S.; AZEVEDO, V. Z.
Avaliação da saúde mental dos trabalhadores. In: Dias, E. C., Bandini, M,
Rebelo, P. A. P. [org]. PROMEDTRAB – Programa de Atualização em Medicina
do Trabalho: Ciclo 1 (Volume 2). Porto Alegre: Artmed Panamericana, 2019.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE - OMS. Ambientes de trabalho
saudáveis: um modelo para ação: para empregadores, trabalhadores,
formuladores de política e profissionais. Brasília: SESI/DN, 2010.

METODOLOGIA QUALITATIVA
Sandra Fogaça Rosa Ribeiro
A metodologia qualitativa privilegia a dimensão subjetiva dos
fatos, considerando a natureza biopsicossocial que os permeia,
possibilitando a apreensão dos significados contidos nos discursos dos
sujeitos, circunscritos num dado momento histórico e espaço geográfico.

278
Distingue-se da metodologia quantitativa pela sua natureza, não trata dos
aspectos estatísticos, nem da operacionalização de variáveis, mas detém-
se no aprofundamento dos significados e relações humanas, não
quantificáveis por equações matemáticas (MINAYO, 2010). A
neutralidade do pesquisador é negada, propõe-se que sujeito
(pesquisador) e objeto (objeto da pesquisa) não são exteriores um ao
outro, mas ao contrário, “formam uma unidade de contrários, agindo um
sobre o outro” (GONÇALVES, 2005, p. 97). E essa ação é duplamente
transformadora, tanto do sujeito para o objeto, quanto do objeto para o
sujeito. Também é fruto de um processo histórico de ambos. Assim, a
história de vida do pesquisador é parte do processo, como também
constituinte de um momento histórico que permeia não apenas um objeto
de pesquisa, mas segundo Vigotsky (1998), um processo de pesquisa.
Dentro da metodologia qualitativa, a abordagem dialética, de
fundamentação materialista histórica, é o que mais atende as questões
sobre saúde/doença no trabalho. Um dos aspectos relevantes é a
consideração do fenômeno dentro de uma historicidade. Salienta-se
que na América Latina, depois da década de 1960, essa contribuição
proporcionou avanços na compreensão de situações estruturais da
sociedade, pelo entendimento universalizante e histórico dos
processos em saúde, numa sociedade marcada pela divisão de classes.
Ressalta-se que a saúde do trabalhador tem sido um dos temas mais
debatidos pela abordagem dialética, com diversos estudos e indica a
forte relação entre desgaste do trabalhador e processos de trabalho,
dentro de um ponto de vista histórico.
No processo de desenvolvimento da pesquisa qualitativa, o
problema é formulado como uma pergunta, que levará a novas
interrogações, sendo que o produto da investigação será sempre
provisório. A fundamentação teórica dará respaldo para o trabalho de
campo, bem como da análise do material recolhido. O levantamento
empírico poderá combinar diversos recursos – entrevistas,
observações participantes, levantamento de material documental,
bibliográfico e outros procedimentos que forem compatíveis com o
problema de pesquisa e alinhados com a fundamentação teórica, que
elucida o que se busca captar no tempo e no espaço estudado.
Numa etapa seguinte, haverá o tratamento do material colhido no
campo, constituindo-se numa análise, voltada para a essência do
fenômeno. Para tanto, parte-se da estrutura material aparente, para em
seguida buscar o sentido das diferentes determinações do fenômeno. Isso
leva a um conhecimento mais profundo, desvendando o véu (ideologia)
que encobre a realidade. Não há neutralidade do ser, que é eternamente
contraditório e diverso, sempre inacabado, fundamentando-se seu caráter
dialético. A análise das partes está interligada, numa noção de conjunto.

279
Os problemas do ser humano estão sempre em constante processo de
totalização, mas que nunca alcança uma etapa definitiva e acabada. Para
fazer a análise da realidade social é necessário ter essa visão, para não
atribuir um valor exagerado a uma verdade. Introduz-se o conceito de
alienação, fazendo articulações com as formas de produção capitalista. A
divisão de classes gera um “estranhamento” entre o trabalhador e o seu
trabalho, a alienação (MARTINS, 2005). Nas palavras de Minayo:
esforça-se para entender o processo histórico no seu dinamismo,
provisoriedade e transformação. Busca apreender a prática social
empírica dos indivíduos em sociedade (nos grupos e classes sociais),
e realizar a crítica das ideologias, isto é, do imbrincamento do
sujeito e do objeto, ambos históricos e comprometidos com os
interesses e as lutas sociais de seu tempo (MINAYO, 2010, p 65).

Vygotsky (1995) propõe uma análise baseada na constante


transformação do ser humano, a fim de criar novas possibilidades de
existência, por meio de três princípios: analisar processos e não
objetos, explicação versus descrição e o problema do “comportamento
fossilizado”. Para analisar processos aponta a necessidade de
reconstrução das etapas do processo, desde sua gênese até as
transformações do presente. Na distinção entre explicação e descrição,
recorre respectivamente a dois tipos de análises: a genotípica,
caracterizada pela observação da essência e a fenotípica pela
aparência dos fenômenos; enfatizando a importância das relações
subjacentes ao fenômeno, nem sempre explícitos na sua aparência. O
problema do comportamento fossilizado diz respeito aos processos
mecanizados, os quais perderam sua natureza de origem. Para
desmontá-los é necessário focar a análise no processo em
desenvolvimento e não unicamente no produto final que se apresenta
no momento da investigação (VYGOTSKY, 1995).
Nessa mesma direção, Benjamin (1980), comparando o
método qualitativo com a metodologia utilizada para análise do objeto
de arte, afirma que as câmeras do cinema conseguem prescrutar aquilo
que ainda não se suspeitava, ampliando o olhar perceptivo. Faz ainda
um paralelo dessa abertura do olhar das câmeras com os “chistes” ou
lapsos das conversas triviais, apontados pela psicanálise, que
“facultava a análise de realidades até então, inadvertidamente perdidas
no vasto fluxo das coisas percebidas” (BENJAMIN, 1980, p. 22).
Referências
BENJAMIN, W. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. In:
BENJAMIN, W; HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. W.; HABERMAS, J.
Textos escolhidos. São Paulo: Abril, 1980. pp. 3-28.

280
GONÇALVES, M. G. M. O método de pesquisa materialista histórico e dialético.
In: ABRANTES, A. A.; SILVA, N. R.; MARTINS, S. T. F. Método histórico-
social na psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2005. pp. 86-104.
MARTINS, S. T. F. O materialismo histórico e a pesquisa-ação em
psicologia social e saúde. In: ABRANTES, A. A.; SILVA, N. R.; MARTINS,
S. T. F. Método histórico-social na psicologia social. Petrópolis: Vozes,
2005. pp.139-154.
MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: Pesquisa qualitativa em saúde.
São Paulo: Hucitec, 2010.
VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores. Tradução José Cipolla Neto, Luis Silveira Menna Barreto,
Solange Castro Afeche. 6.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 191p.

MOBILIZAÇÃO SUBJETIVA
Guilherme Elias da Silva
A mobilização subjetiva, tomando como pressuposto teórico a
Psicodinâmica do Trabalho, é entendida como um processo
intersubjetivo que se caracteriza pelo engajamento de toda a
subjetividade do trabalhador e pelo espaço público de discussões
sobre o trabalho. Sendo assim, é mister a dinâmica contribuição-
retribuição simbólica que implica o reconhecimento do fazer do
trabalhador pela hierarquia e/ou pelos pares. A mobilização subjetiva
permite a transformação do sofrimento a partir de uma operação
simbólica, a saber, o resgate do sentido do trabalho que depende,
sobretudo, de acordo com Dejours (2004), do coletivo de trabalho.
O coletivo constitui-se no campo organizacional de trabalho
norteado por regras [tanto técnicas, quanto, especialmente, princípios
que organizam a relação entre as pessoas, definindo o que é justo ou
injusto, a partir de uma dimensão ética]. As regras do coletivo de
trabalho evoluem quando os trabalhadores não estão mais de acordo
com o modo de proceder em relação ao ofício ou à organização. Dessa
forma, o coletivo debate a legitimidade dessas regras [prescritas],
gerando uma arbitrariedade sobre a maneira de fazer e elaborar os
princípios que se convencionam às suas necessidades.
Um dimensão central da mobilização subjetiva é a
denominada inteligência prática (ou astuciosa). Esta permite ao
trabalhador desenvolver um saber-fazer singular que o ajuda a resistir
ao que é prescrito. Ou seja, através da interface entre seu saber
experiencial e cotidiano, somado à dinâmica do desejo, adquire uma
invenção própria, catalisada por seu próprio corpo, seu sentir e sua
potência inventiva (DEJOURS, 2008a).
Destarte, o sofrimento torna-se criativo quando opera como
impulsor das transformações por meio da mobilização subjetiva, que

281
implica integral e complexamente a personalidade, articulando, assim,
os domínios afetivo, cognitivo e sensorial na construção de soluções
aos problemas frutos das condições e organização do trabalho. Diante
disso, a autonomia para propor novas formas de organizar o trabalho
mostra-se importante ao favorecer o exercício da inteligência prática,
possibilitando que o sujeito crie novas formas, mais eficazes, de
desempenhar suas tarefas.
A inteligência prática, quando socializada, converte-se em
sabedoria prática, ressaltando a importância do coletivo e da relação de
confiança, que é fundamental também para os outros elementos que
concorrem para a transformação do sofrimento, a saber: o
reconhecimento, a cooperação e o espaço público da fala.
Não obstante, a invenção, fruto da inteligência prática, tem
que ser colocada à prova do real na dinâmica coletiva para que ressoe
objetivamente [no campo técnico] e intersubjetivamente [no campo
ético e político]. Para tanto, é necessária a dinâmica da cooperação.
Essa é observada no coletivo de trabalho e se caracteriza por permitir
visibilidade das ações, confiança, problematização, conflito, consenso,
arbitragem, deliberações, participação na tomada de decisões,
construção de acordos e de regras de trabalho. Tudo isso configura
uma ação pública e política com a finalidade de gerir a organização do
trabalho (DEJOURS, 2004).
A cooperação edifica-se pela interdependência entre os
trabalhadores e vivifica-se da convergência das contribuições dos
sujeitos, o que proporciona a integração das diferenças e a articulação
das competências específicas de cada um. Isto tem como
consequência a minimização dos erros e a maximização do
desempenho do coletivo. Todavia, é digno de nota, que esta
cooperação [e concludente fortalecimento do coletivo] só se dá,
conforme Mendes (2012) num registro ético e dentro de um campo
comunicacional construídos/conquistados pelos trabalhadores, que
proporcionam a formulação de uma consciência de classe.
Ao levar o trabalho para o espaço público de discussão,
proporciona-se que este seja (re)conhecido por pares e chefias –
responsáveis pelos julgamentos de utilidade e estética –, permitindo, desta
forma, retribuição moral e simbólica ao investimento e empenho que o
trabalhador realiza em prol da organização do trabalho (MENDES, 2012).
Portanto, um fator central à potencialização da mobilização
subjetiva, em se tratando da dinâmica: demanda à sofrimento à
implicação à retribuição à sentido/satisfação/saúde; é o julgamento
dado pelo reconhecimento. Ou seja, é o julgamento de utilidade sobre
o fazer e o agir que permite ao sujeito um sentimento de
282
pertencimento e é o julgamento de estética sobre a originalidade e
qualidade do exercício produtivo que proporcionam a identidade.
Em suma, a mobilização subjetiva possibilita a constituição da
inteligência prática para enfrentar as restrições do trabalho prescrito e
fazer a experiência do real do trabalho. Com isso, o trabalhador
desenvolve um modo particular de invenção, de usar a capacidade de
criação. Contudo, quando as adversidades do trabalho não podem ser
modificadas, as estratégias podem assumir um caráter defensivo e
levar a formas de adaptação que geram adoecimento, perda de
identidade e alienação, considerando o trabalho como central na
constituição do sujeito (DEJOURS, 2008b).
Referências
DEJOURS, C. Subjetividade, trabalho e ação. Revista Produção, São Paulo,
2004, 14(3), pp. 27-34.
DEJOURS, C. Inteligência prática e sabedoria: duas dimensões
desconhecidas do trabalho real. In. Lancman, S. & Sznelwar, I. L. (Orgs).
Christophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Rio de
Janeiro: Ed. Fiocruz/ Brasília: Paralelo 15, 2008a, pp. 197-241.
DEJOURS, C. Análise psicodinâmica das situações de trabalho e sociologia
da linguagem. In. Lancman, S. & Sznelwar, I. L. (Orgs). Christophe
Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Rio de Janeiro: Ed.
Fiocruz/ Brasília: Paralelo 15, 2008b, pp. 143-158.
MENDES, A. M. & ARAÚJO, L. K. R. A expressão dos coletivos de
trabalho: a clínica em instituições brasileiras. In: MENDES, A. M. &
ARAÚJO, L. K. R. (Orgs.). Clínica Psicodinâmica do Trabalho: o sujeito
em ação. Curitiba: Juruá. 2012, pp. 65-89.

MODELO TEÓRICO METODOLÓGICO EFFORT REWARD


IMBALANCE- ERI
Márcia Regina Teixeira Minari; Liliana Andolpho Magalhães
Guimarães
O estresse no trabalho tem sido apontado como um fenômeno
importante no desenvolvimento de desfechos negativos na saúde do
trabalhador, além de conduzir a consequências adversas nas organizações,
como o aumento do absenteísmo, do presenteísmo e das taxas de
ocorrência de acidentes e danos pessoais. Destaca-se que o estresse
ocupacional pode estar relacionado a aproximadamente metade de todos
os dias de trabalho perdidos (EU-OSHA, 2014).
O conceito de estresse é complexo e não há um consenso a
respeito da definição de estresse ou de estresse ocupacional na literatura,
sendo vários os conceitos formulados desde que foi primeiramente
descrito por Hans Selye. Diferentes estudos sobre o estresse no trabalho
buscam compreender a relação indivíduo/trabalhador e ambiente a partir

283
de distintos enfoques epistemológicos, teóricos e metodológicos,
consequentemente são diversas as possibilidades de elaborações de
estratégias de intervenção no trabalho.
Particularmente, o modelo teórico metodológico Effort-
Reward Imbalance – ERI, em português Desequilíbrio entre Esforço-
Recompensa no Trabalho, desenvolvido por Johannes Siegrist,
prioriza a dimensão psicológica da reciprocidade nas trocas sociais,
analisando a percepção de equilíbrio ou desequilíbrio entre as relações
de recompensas ocupacionais, características pessoais, demandas
organizacionais e situacionais do mercado de trabalho. Quanto à
análise psicossocial, o ERI caracteriza-se como um dos principais
modelos que avalia o risco para o estresse no ambiente de trabalho, a
partir da compreensão que as experiências cronicamente estressantes
decorrem de um desequilíbrio entre alto esforço (exageradas
exigências, pressões e demandas no trabalho) e baixa recompensa
(dinheiro, promoção, segurança no trabalho, reconhecimento e apoio
no ambiente laboral), acrescidos de um alto nível pessoal de
supercomprometimento no trabalho (SIEGRIST, 1999).
Dois componentes estão presentes neste modelo, sendo o
primeiro componente o extrínseco (situacional), que contempla as
condições do trabalho advindas do esforço de demandas físicas e
psicológicas do trabalho e das recompensas percebidas por meio do
reconhecimento, segurança no trabalho, promoção e salário. Já o
segundo componente intrínseco (pessoal) é observado pela análise do
super comprometimento, também conhecido como “excesso de
comprometimento”, que inclui o estilo de ajustamento individual do
trabalhador, manifestada pela necessidade de controle e dedicação
exorbitante ao trabalho (SIEGRIST, 1999).
O modelo postula que a falta de equilíbrio e reciprocidade
entre os esforços realizados e os retornos percebidos no trabalho pode
levar a efeitos negativos de longo prazo na saúde dos trabalhadores
(SILVA, BARRETO, 2010; GRIEP et al, 2011). Neste sentido, este
modelo tem sido utilizado em pesquisas de diversos países, em
diferentes grupos ocupacionais, para avaliação dos fatores estressantes
no processo de trabalho sobre o risco de adoecimento do trabalhador
como, doença cardiovascular, ansiedade, depressão no trabalho,
burnout, sofrimento psicológico, entre outros desfechos.
No Brasil, o instrumento ERI (Effort-Reward Imbalance
Questionnaire), foi traduzido, adaptado e validado para o português
brasileiro por Chor et al. (2008) e também por Silva e Barreto (2010)
em sua versão curta. O questionário é organizado em três escalas
unidimensionais: esforço, recompensa e super comprometimento, com

284
boa confiabilidade da escala pela variação de consistência interna (alfa
de Cronbach). A escala de recompensa é subdividida em três
subescalas: reconhecimento, segurança no trabalho e promoção no
emprego/salário. A dimensão do super comprometimento expressa-se
no empenho exagerado no trabalho, combinado a um forte desejo de
ser aprovado e estimado, situação que interage como fator para o ERI
e potencializa seus efeitos nocivos à saúde e ao bem-estar do
trabalhador (GRIEP et al., 2011).
Pondera-se na análise do ERI que os efeitos positivos, como a
disponibilidade de ser reconhecido e estimado, ter adequado salário e
estrutura de oportunidade social, atuam como um pré-requisito de troca
na vida social a partir dos esforços e dedicação ao trabalho. Considera-
se válida, portanto, a aplicação do modelo ERI quando houver interesse
na identificação de indicadores dos aspectos psicossociais do ambiente
do trabalho relacionados aos riscos do estresse ocupacional, a fim de
contribuir para elaboração e direcionamento de ações preventivas de
saúde mental no ambiente de trabalho.
Referências
CHOR, D.; WERNECK, G. L.; FAERSTEIN, E.; ALVES, M. G. M.;
ROTENBERG, L. The Brazilian version of the effort-reward imbalance questionnaire
to assess job stress. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro 24(1), 219-224, jan. 2008.
EU-OSHA. Eurofound - European Foundation for the Improvement of Living and
Working Conditions & EU-OSHA - The European Agency for Safety and Health at
Work. Psychosocial risks in Europe: Prevalence and strategies for prevention,
Publications Office of the European Union, Luxembourg. 106p. 2014.
GRIEP, R. H.; ROTENBERG, L.; LANDSBERGIS, P.; VASCONCELLOS-SILVA,
P. R. Uso combinado de modelos de estresse no trabalho e a saúde auto-referida na
enfermagem. Rev Saúde Pública, 45(1):145-52. 2011.
SIEGRIST, J. Occupational health and public health in Germany. In: LE BLANC P.
M., PEETERS M. C. W., BÜSSING A., SCHAUFELI W. B. (Eds.), Organizational
psychology and healthcare: European contributions. München: Rainer Hampp
Verlag. p. 35-44, 1999.
SILVA, L. S.; BARRETO, S. M. Adaptação transcultural para o português brasileiro
da escala effort-rewardimbalance: um estudo com trabalhadores de banco. Rev
Panam Salud Publica, 27(1), 32-6, 2010.

MODELO TEÓRICO METODOLÓGICO


JOB DEMANDS-RESOURCES
Liliana Andolpho Magalhães Guimarães; João Massuda Júnior
O modelo teórico metodológico Job Demands-Resources (JD-R)
foi proposto originalmente em 2001, por Demerouti, Bakker, Nachreiner
e Schaufeli (2001), como uma forma alternativa de compreender o
surgimento da Síndrome de Burnout em trabalhadores de diversas

285
categorias profissionais antes não estudadas, incluindo indivíduos que
desenvolvem tarefas de baixo contato interpessoal.
De acordo com este modelo, os elementos centrais que
caracterizam a Síndrome de Burnout seriam a exaustão e o desengajamento
no trabalho. A exaustão é compreendida como consequência da intensa
tensão física, psicológica e cognitiva, decorrentes da exposição ao excesso
de demandas laborais. O desengajamento se refere ao distanciamento de um
indivíduo em relação ao seu trabalho e o aparecimento de atitudes negativas
para com suas atividades laborais de forma geral ou específica
(DEMEROUTI et al., 2001).
A reduzida realização pessoal não foi incluída no modelo
proposto pois estudos a têm identificado como a dimensão mais frágil
do conceito de Síndrome de Burnout, sendo frequentemente apontada
como uma consequência desta síndrome e não um elemento central
para a sua ocorrência (BAKKER; DEMEROUTI, 2007).
O surgimento da Síndrome de Burnout, de acordo com o modelo
JD-R, pode ser desmembrado em dois processos que ocorrem de forma
concomitante. Em um primeiro momento, a prolongada exposição ao
excesso de demandas ocupacionais pode levar os trabalhadores a um
estado de sobrecarga constante, culminando com a sua exaustão. A
escassez de recursos de trabalho, por sua vez, dificulta o desempenho do
trabalhador e consequentemente compromete o alcance das metas,
fazendo com que este indivíduo, aos poucos, se afaste de suas atividades
laborais e apresente comportamentos de fuga de seu trabalho (e.g.
absenteísmo e atrasos frequentes), o que no longo prazo pode culminar
com o seu desengajamento (DEMEROUTI et al., 2001).
Estudos desenvolvidos ao longo de mais de 10 anos permitiram a
expansão do modelo e sua aplicação em diversas pesquisas, fazendo com
que o mesmo sofresse ajustes e alterações. De acordo com Schaufeli
(2017), o modelo JD-R integra e explica dois processos psicológicos
básicos, sendo eles: estresse e motivação no trabalho.
O processo de estresse, proveniente do desequilíbrio entre o
contínuo excesso de demandas de trabalho e a frequente escassez de
recursos, faz com que a energia dos trabalhadores seja
progressivamente drenada, resultando em um estado mental de
exaustão e desengajamento (Síndrome de Burnout), que trará
consequências negativas para os indivíduos (e.g. adoecimento físico e
mental do trabalhador) e organizações (e.g. redução da performance
das equipes) (SCHAUFELI, 2017).
O processo motivacional, decorrente da presença em
abundância de recursos de trabalho para fazer face às demandas
ocupacionais, leva ao engajamento do trabalhador, contribuindo para
286
um maior comprometimento organizacional, segurança no trabalho e
performance superior. Em outras palavras, os recursos de trabalho tem
o potencial de aumentar os níveis de energia dos trabalhadores,
fazendo com que estes tornem-se mais engajados e alcancem melhores
resultados (SCHAUFELI, 2017).
Conceitos e terminologias
As demandas ocupacionais podem ser compreendidas como
os aspectos físicos, sociais ou organizacionais do trabalho que
requerem o contínuo esforço físico ou mental dos trabalhadores,
estando associados a certos custos fisiológicos e psicológicos (e.g.
exaustão ou um colapso nervoso). Em outras palavras, seriam as
características e elementos negativos do trabalho que drenam as
energias dos indivíduos e contribuem para o seu adoecimento, tais
como: sobrecarga de trabalho, conflitos interpessoais com colegas ou
superiores, insegurança no trabalho, dentre outros (DEMEROUTI et
al., 2001; SCHAUFELI, 2017).
Os recursos de trabalho, ou fatores de proteção, são os
aspectos físicos, psicológicos, sociais ou organizacionais do trabalho
que contribuem para que os indivíduos possam cumprir com seus
objetivos nas organizações, reduzam as demandas de trabalho e os
consequentes efeitos deletérios das mesmas sobre sua saúde e
estimulem o desenvolvimento e crescimento profissional e pessoal.
São exemplos de recursos organizacionais o suporte social entre
trabalhadores (auxiliando-os a cumprir suas metas individuais),
controle sobre o trabalho ou participação na tomada de decisão
(impactando positivamente sobre as demandas ocupacionais) e o
feedback quanto à performance no trabalho (contribuindo para a
aprendizagem e desenvolvimento profissional e pessoal)
(DEMEROUTI et al., 2001; SCHAUFELI, 2017).
Importância e implicações
As evoluções do modelo JD-R permitiram melhor compreender
como as demandas e os recursos de trabalho contribuem para o
adoecimento dos indivíduos ou para a criação de um ciclo virtuoso que
leva ao engajamento e ao melhor desempenho no trabalho. Pesquisas
recentes têm sustentado a hipótese de que o excesso de demandas
ocupacionais, associado à escassez de recursos, contribui para o
surgimento da Síndrome de Burnout. Entretanto, apenas a oferta
abundante de recursos, e não apenas a redução das demandas, tem
potencial para prevenir tal síndrome e estimular o engajamento, uma
vez que a redução das demandas de trabalho pode tornar as tarefas do
dia a dia menos desafiadoras e desestimulantes para os trabalhadores,
levando ao seu desengajamento (SCHAUFELI, 2017).
287
Referências
BAKKER, A. B.; DEMEROUTI, E. The Job Demands-Resources model:
state of the art. Journal of Managerial Psychology, v. 22, n. 3, p. 309–328,
3 abr. 2007. Disponível em:
https://www.emeraldinsight.com/doi/10.1108/02683940710733115. Acesso
em 20 nov.2020.
DEMEROUTI, E. et al. The job demands-resources model of burnout. The
Journal of applied psychology, v. 86, n. 3, p. 499–512, jun. 2001.
SCHAUFELI, W. B. Applying the Job Demands-Resources model: A “how
to” guide to measuring and tackling work engagement and burnout.
Organizational Dynamics, v. 46, n. 2, p. 120–132, abr. 2017. Disponível
em: http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0090261617300876. Acesso
em 20 nov.2020.

MODERNIDADE REFLEXIVA
Mateus Bender
Vivemos um tempo em que nossas atitudes e comportamentos
refletem tanto no nosso campo social e individual como afetam o
sistema global. Nossas atividades locais são influenciadas e repercutem
em eventos distantes geograficamente. Nesse sentido, os sociólogos
Anthony Giddens, Scott Lash e Ulrich Beck, parceiros na publicação da
obra “Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem
social moderna”, em 1994, buscam compreender a relação entre o
indivíduo e o mundo atual a partir de questionamentos acerca do
momento histórico atual. Nessa obra, os autores buscam compreender a
reflexividade dos nossos atos e comportamentos que propulsionam de
modo dual a modificação da sociedade e a racionalidade do indivíduo,
ou seja, a teoria da modernização reflexiva revela a dependência mútua
entre a agência humana (capacidade racional de realizar atos) e a
estrutura social (GIDDENS, LASH, & BECK, 2012).
Embora os autores apresentem concepções diversas acerca das
transformações do mundo atual, o processo de crise e as consequências
advindas delas, os mesmos convergem suas linhas de trabalho
caracterizando uma teoria social para a modernidade. Anthony Giddens
concentra-se na análise de uma modernidade tardia, baseada na
desincorporação e na reincorporação das tradições, na relação dos
impactos das mudanças sociais na subjetividade dos indivíduos. Ulrich
Beck identifica uma Sociedade de Risco, que emerge de processos
como a globalização e a individualização, tornando difusos os riscos
globais, que se caracterizam por ter consequências de alta gravidade,
desconhecidas em longo prazo e que não podem ser avaliadas com
precisão. Por fim, Scott Lash se concentra na estetização e nas
formações comunitárias (GIDDENS, LASH, & BECK, 2012).

288
Para Giggens, Lash e Beck (2012), a reflexividade dos
indivíduos na sociedade atual diz respeito à cognoscitividade dos
atores na produção dos resultados de suas ações, ou ainda, o uso de
informações sobre as condições de atividade como um meio de
reordenar e redefinir regularmente o que essa atividade é. Essa
condição ou qualidade se estende aos mais amplos limites da ação
humana. A reflexividade pode estar presente na maneira de uma
comunidade beneficiar o seu lixo, no boicote a produtos denunciados
como prejudiciais à saúde, nas escolhas sexuais ou em planos
alternativos de utilização de uma usina atômica.
As consequências maléficas desencadeadas pelo modelo de
crescimento industrial repercutem por todas as dimensões da vida em
sociedade, atingindo a todos indiscriminadamente, impulsionando a
reação reflexiva pela mudança das regras e recursos da estrutura
social. O conceito de modernização reflexiva, considerado como um
estágio de nossa modernidade, em que as ameaças produzidas no
período da sociedade industrial tomam corpo, revela não apenas a
limitação do modelo de crescimento que não consegue tratá-los e
assimilá-los, mas, sobretudo, a potencialidade lesiva dos efeitos que
regressam das ações individuais.
Para Giddens, Lash e Beck, a modernidade deve ser entendida
em um nível institucional, no entanto, as mudanças introduzidas pelas
instituições modernas influenciam de maneira direta na vida individual,
ou seja, na subjetividade dos indivíduos. Os autores remetem a ideia de
que o mundo social está influenciado pela reflexividade das instituições,
dando origem a uma ideia de crise institucional, de imprevisibilidade e
de risco instaurado nas relações sociais. Assim, as mudanças sociais
intensificadas a partir da globalização não afetam unicamente os
grandes sistemas, como a ordem financeira mundial, mas também as
pequenas ações individuais.
A globalização não diz respeito apenas ao que está “lá fora”,
afastado e muito distante do indivíduo; é também um fenômeno que se dá
“aqui dentro”, influenciando aspectos íntimos e pessoais de nossas vidas
particulares. A identidade do indivíduo está sendo modificada
crescentemente e radicalmente ao longo dos últimos séculos. O risco e a
incerteza de um mundo reflexivo atinge a subjetividade dos indivíduos, e
a recorrência desses sentimentos acaba alterando as ações individuais em
razão do aumento do sentimento de insegurança, levando a processos de
fragmentação e individualismo. Assim, a individualização e a crescente
instauração da insegurança diante do imprevisível originam novas
situações de riscos à saúde psicológica do indivíduo (GIDDENS, 2001).

289
Referências
GIDDENS, A. Modernidade e Identidade Pessoal. Oeiras, Portugal: Celta, 2001.
GIDDENS, A.; LASH, S.; BECK, U. Modernização Reflexiva: Política,
Tradição e Estética na Ordem Social Moderna. São Paulo: Unesp, 2012.

MODOS DE GESTÃO
Maria Aparecida Canale Balduíno; João Massuda Júnior;
Fernando Faleiros de Oliveira; Liliana Andolpho Magalhães
Guimarães
A sociedade humana é formada por organizações, que são
responsáveis por transformar recursos em produtos com o propósito
de atender às necessidades de seus usuários.
Dada a escassez dos recursos disponíveis para a produção das
organizações, estas buscam aplicá-los de forma eficiente, ou seja, utilizar
um menor volume de recursos para produzir a quantidade pretendida.
Para que seja possível alcançar a eficiência nas mais diversas áreas da
organização, são aplicadas diferentes técnicas e métodos de gestão, que
em conjunto formam o que é denominado modelo ou modo de gestão
(MAXIMIANO, 2005). Por modelo de gestão se entendem as práticas
administrativas utilizadas pela organização, que integram suas políticas,
métodos e processos de trabalho (CHANLAT, 2002).
A análise da evolução do pensamento administrativo
demonstra a existência de diferentes modelos de gestão apoiados em
teorias que procuravam oferecer um pacote de soluções para os
problemas/desafios organizacionais.
Entre os principais modelos conhecidos, tem-se: 1) Taylor
(precursor da administração científica) é o expoente mais conhecido
de um grupo de pesquisadores que buscavam a eficiência das
operações por meio da especialização das tarefas, propondo a divisão
entre planejamento e execução, padronização de processos e
ferramentas e instituição de um sistema de remuneração por
produtividade; 2) Fayol tratou da questão da departamentalização
organizacional e do processo administrativo, propondo cinco funções
da administração (prever, organizar, comandar, coordenar e controlar);
3) Weber com a Teoria da Burocracia estudou as relações de
autoridade e poder; 4) Ford propôs um sistema de produção em massa
baseado em uma linha de montagem de produtos padronizados e um
sistema de remuneração que ampliava sua base de potenciais
consumidores; 5) o Toyotismo com foco na melhoria contínua,
qualidade total, produção flexível e modelo participativo de gestão; e
6) o Volvismo onde há uma maior participação dos trabalhadores no
processo de tomada de decisão e organização do modo de trabalho,

290
uma redução dos níveis organizacionais por meio do empowerment e
de relações interpessoais menos burocráticas e a mudança do foco no
controle dos processos para o acompanhamento das metas e objetivos.
Cada modelo, em seu tempo, buscou propor ações e métodos
para que as organizações alcançassem a excelência operacional. Na
atualidade, embora ainda sejam aplicáveis parcialmente, as organizações
enfrentam desafios complexos, decorrentes da globalização e de um
ambiente de negócios cada vez mais competitivo, que impõem a
necessidade de uma abordagem abrangente no que tange a escolha do
modelo de gestão a ser implementado.
Movimentos como a reengenharia de processos, outsourcing,
empreendedorismo e o surgimento de um grande número de inovações
tecnológicas fizeram com que novas práticas de gestão fossem
incorporadas ao tradicional repertório de processos existentes nos
modelos tradicionais (SILVA, 2007). O resultado esperado hoje são
organizações mais flexíveis, ágeis, eficientes e capazes de adaptarem-
se às inovações e tecnologias. A pressão por resultados cada vez mais
desafiadores impõe um ritmo de trabalho acelerado e intenso, o que
requer trabalhadores cada vez mais comprometidos com os resultados
das organizações.
Sob a perspectiva dos trabalhadores, tais alterações têm
acentuado, significativamente, o volume de demandas quantitativas,
qualitativas, cognitivas e emocionais. Jornadas de trabalho cada vez
mais longas em que os trabalhadores permanecem conectados mesmo
durante seu “descanso”, metas cada vez mais desafiadoras que
colocam uma pressão excessiva sobre funcionários e gestores,
podendo, muitas vezes, culminar com o assédio moral (e.g. ambientes
de trabalho que incitam a competição entre os trabalhadores e inibem
a construção de uma rede de suporte social) e o adoecimento das
equipes de trabalho.
Em países em desenvolvimento, como o Brasil, em que
direitos sociais do trabalho são constantemente modificados e não se
mantêm estáveis, tais mudanças, nos modelos de gestão e práticas
adotadas, podem elevar a sobrecarga de trabalho em proporções acima
do observado em outras regiões do mundo.
É importante destacar que os efeitos negativos para a saúde do
trabalhador também atingem as organizações. Trabalhadores adoecidos
são menos produtivos e apresentam maior risco de sofrer acidentes de
trabalho. Altos índices de absenteísmo, presenteísmo e rotatividade (turn
over) também podem ser indicadores de um desajuste entre as demandas
exigidas e o suporte existente para fazer frente às mesmas.

291
Uma alternativa para reduzir os impactos negativos destas
demandas é a incorporação de práticas, programas e políticas de
prevenção e promoção da saúde no modelo de gestão adotado. Esta
iniciativa objetiva um maior equilíbrio entre a importância dada ao alcance
das metas de desempenho e a ênfase dada a saúde das equipes. Pesquisas
recentes têm evidenciado que uma maior participação nos processos
decisórios, relações mais horizontalizadas e menos hierarquizadas,
promoção de espaços de palavra em todos os níveis, cooperação,
confiança, reconhecimento, solidariedade e equidade no trabalho são
benéficos não apenas para a saúde dos trabalhadores, mas também para os
resultados operacionais, satisfação e comprometimento dos indivíduos
com o seu trabalho (GUIMARÃES, VERAS, CESTARI, 2017).
Referências
CHANLAT, J. F. Modos de gestão, saúde e segurança no trabalho. In:
DAVEL, E.; VASCONCELOS, J. “Recursos” humanos e subjetividade.
Petrópolis: Vozes, 2002, pp. 118-128.
GUIMARAES, L. A. M.; VERAS, A. B.; CESTARI, J. De Ramazzini a
Dejours. In: GUIMARAES, L. A. M.; VERAS, A. B. (Org.). Saúde Psíquica
e Trabalho. 1ed. Campo Grande: UCDB, 2017, v. 1, pp. 15-28.
SILVA, R. O. Teorias da Administração. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007.
MAXIMIANO, A. C. A. Teoria Geral da Administração: da revolução
urbana à revolução digital. 5 Ed. São Paulo: Atlas, 2005.

MODOS DE GESTÃO E SUPERVISÃO: AS REPERCUSSÕES


NA SAÚDE MENTAL NO TRABALHO
Cassiano Ricardo Rumin
A gestão e a supervisão no trabalho abrangem estratégias de
controle que, de acordo com Sato (2002), podem ser do tipo simples,
técnico, burocrático e simbólico. O controle simples é realizado por meio
da supervisão direta que afere a qualidade e a produtividade do trabalho.
A qualidade pode ser avaliada quanto a obediência às normas de
produção e da gestualidade requerida. Ao enfatizar punições quando há
descumprimento das normativas produtivas, intensifica-se a ansiedade
paranoide, que abrange o medo de ser perseguido e, em consequência,
atacado pelos descontos na remuneração, advertências, suspensões e
demissão. O desemprego mobiliza sentimentos destrutivos que podem
ser dirigidos até mesmo contra si, destruindo a identidade estabelecida
com o empenho na produção. As ameaças a remuneração, manutenção
da vida e identidade podem ocasionar a “paranoia situacional”
(SELIGMANN-SILVA, 2011). Fenômenos alucinatórios com conteúdos
persecutórios são frequentes nessa forma de sofrimento psíquico,
podendo também ocorrer fenômenos obsessivos (LIMA, ASSUNÇÃO e
FRANCISCO, 2002) para controlar a persecutoriedade. O controle
técnico compreende a utilização de sistemas informacionais que
292
determinam parâmetros uniformes para a execução do trabalho. As
tarefas delimitadas pelo aparato de informática podem ocasionar o
esvaziamento do sentido do trabalho. O prejuízo ao sentido pode
mobilizar ansiedades depressivas, em virtude da desefetivação dos
investimentos constitutivos da identidade profissional. Outro ponto que
mobilizaria ansiedades depressivas é a impossibilidade de atender as
necessidades de trabalho apenas com os parâmetros dos sistemas
informacionais. As demandas não planejadas pela arquitetura dos
dispositivos de informática geram impasses no atendimento de clientes e
à produtividade do trabalho, com consequente sensação de impotência.
De tal forma, a lacuna entre o trabalho prescrito e o trabalho real
(DEJOURS, 2008) se torna uma pendência que a objetivação dos
recursos psíquicos (afetividade e cognição) não consegue superar. A
impotência gerada pela “resistência do real” (DEJOURS, 2008) pode se
agravar com a ausência de comunicação ascendente e de assertividade
dos meios de supervisão. O controle burocrático pode focalizar os prazos
e os métodos para a execução da tarefa. Também pode ser empregado
para a centralização das decisões em gestões autoritárias. A focalização
do controle burocrático nos prazos de execução de projetos sujeita o
trabalhador a um julgamento de eficácia onde pode corresponder à
idealização do prazo ou demonstrar incompetência para atendê-lo. A
impossibilidade para repactuar prazos pode ocasionar afetos destrutivos
oriundos do sentimento de injustiça, o que demandaria a repressão dos
afetos agressivos ocasionando as formas conversivas ou dissociativas
das síndromes histéricas (SELIGMANN-SILVA, 2003). Os métodos de
trabalho são recursos para garantir uniformidade à produção e padrões
de qualidade. A execução dos métodos tornou-se mais criteriosa com a
introdução dos Kanbans. Esse conceito de gestão toyotista permite
identificar o tempo gasto na produção e particularmente, qual foi o
trabalhador que executou determinada atividade. Em contextos onde o
Kanban controla a qualidade do trabalho, o tempo restrito para a
execução da atividade confronta o esmero referente à aplicação do
método. Entre a forma ideal da ação produtiva e a objetivação do tempo,
a transgressão para corresponder aos prazos ocasiona persecutoriedade,
que pode atingir as relações de sociabilidade no trabalho. Quando a
centralização das ações é a forma burocrática empregada para o controle,
tem-se perdas de agilidade para responder à competição no mercado.
Como a centralização frequentemente pauta-se em modelos autoritários
de gestão, as autorizações e punições seguem uma lógica relacional, sem
critérios objetivos que fundamentem as decisões. Entre os trabalhadores
que são preteridos pela forma burocrática/autoritária, sentir-se
desestimulado reduz o engajamento no trabalho à reprodução das
normas, naquilo que Seligmann-Silva (2003) denominou como

293
Síndromes de Insensibilidade. O controle simbólico envolve a
apresentação sistemática de valores idealizados referentes à organização
de trabalho na mídia, em canais de comunicação organizacional, em
atividades de treinamento e desenvolvimento e em ações de avaliação de
desempenho. Ao ser mobilizado a aplicar as diretrizes organizacionais na
resolução de entraves, o trabalhador tem à disposição uma rede de
elementos que devem receber investimento libidinal (portanto,
objetáveis) e outra série de procedimentos de devem ser evitados (por
isso, sancionáveis) que se integrarão a suas experiências profissionais. A
combinação de experiência profissional com os recursos internalizados
da rede simbólica da organização proporcionam ao trabalhador um
sentimento de autoeficácia e elação, característicos de Síndromes
Maníacas (SELIGMANN-SILVA, 2003).
Referências
DEJOURS, C. A avaliação do trabalho submetida à prova do real: crítica
aos fundamentos da avaliação. São Paulo: Blucher, 2008.
LIMA, M. E. l. A; ASSUNÇÃO, A. A.; FRANCISCO, J. M. S. D. Aprisionado
pelos ponteiros de um relógio: o caso de um transtorno mental desencadeado
pelo trabalho. In: JACQUES, Maria da Graça; CODO, Wanderley (orgs.) Saúde
mental & trabalho: leituras. Petrópolis: Vozes, 2002. pp. 209-246.
SATO, L. Saúde e controle no trabalho: feições de um antigo problema. In:
Maria da Graça Jacques; Wanderley Codo (orgs.) Saúde mental &
trabalho: leituras. Petrópolis: Vozes, 2002. pp.31-49.
SELIGMANN-SILVA, E. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser
dono de si mesmo. São Paulo; Cortez, 2011.
SELLIGMAN-SILVA, E. Psicopatologia e saúde mental no trabalho. In: MENDES,
R. Patologia do trabalho. Rio de Janeiro: Atheneu, 2003. volume II. pp.1141-1182.

MONOTONIA
Leandro A. Todesqui Tavares
Os estados monótonos, ou, a monotonia, caracterizam-se em
condições onde a inalterabilidade (ausência de diferença) das coisas, do
agir, do sentir e do pensar, predomina, de forma a consubstanciar
momentos e modos de subjetivação mais prevalentes, ou menos
recorrentes, em torno da repetição e uniformidade de ocorrências, ou da
ausência de acontecimentos, das impossibilidades de novas experiências,
sentimentos e pensamentos, caracterizando vivências psíquicas
demarcadas pelo espectro do enfadonho e pelas dimensões do tédio. A
monotonia pode, portanto, nestes aspectos e por analogia, ser muito bem
comparada, por exemplo, a uma musicalidade de um único tom (mono-
tom), em que a mesma se apresenta sem gradações e variações rítmicas,
nem melódicas e harmônicas (variações de modo), em suma, condições
em que o ouvinte já sabe de antemão acerca do inalterável e da repetição
de um eterno previsível e do já conhecido e sabido.
294
Os estados psicológicos de monotonia implicam, dessa forma,
em vivências de angústia (“mal-estar”) conscientes e/ou inconscientes,
a partir da impossibilidade do surgimento de novos acontecimentos,
ou, da impossibilidade de criação de novos caminhos (objetos) e
destinos às forças pulsionais (intensidades psíquicas), quando a vida,
ou determinados momentos e circunstâncias se delineiam como
arduamente rotineiros e previsíveis. É como uma musicalidade de
infinita repetição rítmica e tonal, em que a ausência de diferenças e
nuances impossibilita o ego-ouvinte de desfrutar de estranhamentos e
de variações subjetivas (da surpresa da escuta do improvável-musical)
(TAVARES; HASHIMOTO, 2016). Assim, a invariabilidade das
coisas e a inércia do sujeito atravessado e tomado pela monotonia e
pelo tédio, dificultam a vivência de transformações psíquicas
importantes no que se refere às possibilidades de satisfação (prazer e
gozo) e sentidos psicológicos (enodamento do real, simbólico e
imaginário) na busca por realizações de necessidades e desejos.
Na contemporaneidade, a partir de suas peculiaridades e
características principais, a relação dos indivíduos e das sociedades
com o tempo se altera significativamente, implicando em modos de
subjetivação específicos no que diz respeito aos processos psíquicos e
às condições de simbolização de sentidos das experiências subjetivas
nos ritmos vertiginosos dos dias atuais. A globalização de produtos e
costumes, o advento das mais avançadas tecnologias (em especial a
internet e seus derivados), a consequente avalanche ilimitada e
imediata de informações, contatos pessoais e profissionais, redes
sociais, etc., em suma, destaca-se a fluidez incessante dos
acontecimentos e dos laços sociais, que engendram, por fim, novos
modos de subjetivação em torno da experiência, vivência e
representação da passagem do tempo (BAUMAN, 2001). Por este
eixo, nota-se que num mundo de velocidades e imediatismos (sempre
numa “corrida para o futuro”), as subjetividades encontram
dificuldades em lidar com as temporalidades que se apresentam como
vagarosas, os ritmos lentos e moderados, e deste modo, qualquer
temporalidade que se apresente como semblante de um eterno-
presente suscita o surgimento de angústia (evidência psíquica da Falta
e a emergência/retorno do Real, (LACAN, [1962-63]/2005). Assim,
Os signos produzidos na sequência estonteante do ritmo da
atualidade convocam os sujeitos a uma completa “passividade
subjetiva” à qual, como espectadores, somos alienados de nossas
reais necessidades e desejos (TAVARES, 2010, p. 42).

Nesta perspectiva, delimitamos que a monotonia e o tédio


correlato mantêm relações diretas com as condições de percepção,
295
experiência e apropriação/utilização do tempo, onde prevalece uma
espécie de urgência/pressa psíquica (angústia) pela passagem de uma
temporalidade que se apresenta como estagnada, enfadonha, tediosa e,
portanto, vazia de sentidos e significados. Tomada neste sentido
metapsicológico, a monotonia e as vivências de tédio se constituem
como sintomas e efeitos de expressão do indivíduo em sua relação
consciente e, principalmente inconsciente, com a angústia (o real, o
vazio e a morte) e sua dificuldade em lidar com a emergência da falta
constitutiva do sujeito psíquico; no caso da monotonia, a angústia-real
associada à falta de: diferenças, movimentos, novidades,
transformação, motivação, significados, sentidos, prazer e realização,
que se figuram como impossíveis, improváveis, ou não permitidos
(inconscientemente) num momento presente que é percebido como
petrificado e eterno. Num sentido mais amplo, as situações de
monotonia, tédio e vazio, podem potencializar e/ou produzir distintas
formas de “mal-estar” psíquico, tais como: sintomas associados a
estresse e fadiga mental, rebaixamento da libido (capacidade
desejante), desmotivação, queda da autoestima (falta de autenticidade
e singularidade), depressões, melancolia, impulsividades,
agressividades, ansiedades, raiva, violência, solidão, dentre outros
possíveis sintomas ou efeitos psicológicos.
No que se refere às relações subjetivas com o trabalho, é
pertinente considerar a duplicidade ambivalente que pesa sobre as
condições laborais e profissionais em torno das vivências e/ou
situações de monotonia: o trabalho e as atividades laborais podendo
figurar como produtores ou potencializadores de condições de
monotonia, ou, podendo constituir-se como via de defesa, fuga, e
evitação diante das situações e condições psíquicas de tédio e vazio
que se configuram na vida psíquica de forma geral.
A falta de identificações positivas com o próprio fazer laboral
e/ou com a carreira profissional, somados, ainda, a condições
específicas do ambiente ou de determinados modos de produção das
atividades laborais/profissionais, podem constituir um contexto
subjetivo profícuo para vivências de “mal-estar no trabalho”. Assim,
determinantes contextuais subjetivos podem apresentar-se como
condições psicológicas produtoras ou potencializadoras de monotonia e
tédio, tais como: um cotidiano laboral empobrecido simbolicamente
(ausência de desafios e aspectos motivacionais); rotinas baseadas
exclusivamente em repetições de cumprimentos rígidos de deveres e
tarefas; o trabalho como mero meio de sobrevivência e sem relações
com o prazer; ausência de reconhecimento interno e social do trabalho;
burocratização e enrijecimento das relações sociais no trabalho
(inalterabilidade das condições dos laços sociais laborais); excesso de

296
passividade diante de tarefas executadas predominantemente por
tecnologias, o que resulta numa diminuição do agir humano, das
capacidades imaginativas, criativas, e da espontaneidade
(despotencialização do desejo). Em suma, características psicológicas
de panoramas de contextos laborais onde o esgotamento e o cansaço
(angústia) são os efeitos gerais a partir de um cotidiano tedioso, vazio
de sentidos e significados subjetivos (desejo-satisfação), configurando
uma urgência psíquica que pressiona o sujeito para uma
consumação/passagem do tempo (vazio ou repetição enfadonha), daí o
surgimento dos “passatempos” no intuito de “matar o tempo”, ao invés
da condição oportuna em apropriar-se das temporalidades como
horizontes (momentos) de novas possibilidades e descobertas.
Outra perspectiva neste eixo trabalho-monotonia-tédio é a
relação de impulsividade e exclusividade que alguns indivíduos
estabelecem com a própria profissão, caracterizando um panorama
psíquico-temporal em que “não há tempo para mais nada, ou quase nada
na vida”, pois, as metas e prioridades da própria vida passam a restringir-
se significativamente, e tão somente, às obrigações, objetivos, conquistas
e sucesso da carreira ou no desempenho profissional. Neste modo de
representação e relação com as atividades profissionais, há de se
considerar toda uma dinâmica de gozos psíquicos correspondentes aos
ideais do eu e ao narcisismo, importantes, também, para conquista e
manutenção de saúde psíquica. Contudo, destaca-se aqui o ponto
problemático de exclusividade absoluta do trabalho no que diz respeito
aos modos de satisfação possíveis criados e/ou encontrados pelo próprio
sujeito, de forma que estas performances e personalidades atualmente
denominadas como “workaholics” acabam por resultar também em
condições de “mal-estar” e esgotamento psíquicos. A via privilegiada de
satisfação por meio de um único objeto (unicamente o trabalho) denota
que o ego encontra dificuldades com relação à criação de novos objetos
para satisfação, ao mesmo tempo em que representa uma inflexibilidade
da libido em sua propriedade principal de ligar-se a novos objetos e, por
fim, configura situações subjetivas onde o sujeito, ao mesmo tempo em
que se afirma por meio de suas obras/trabalhos/conquistas, também se
forclui, se anula e se apaga diante do assujeitamento frente ao desejo do
Outro (reconhecimento social, sucesso, fama, dinheiro, etc.). Nestas
condições, esta forma de adicção com relação ao trabalho figura como
meio de proteção simbólico-imaginária que tenderá a ser exaustiva ao
longo do tempo. O ego elege o trabalho como objeto fálico (privilegiado
e exclusivo) e faz deste um significante de evitamento e proteção diante
do perigo e do medo de entrar em contato com os pontos de parada, de
espera, do ócio e, portanto, defesa diante do contato e aproximação com
a(s) falta(s) inevitáveis e com a angústia.

297
Referências
BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
FREUD, S. (1926 [1925]). “Inibições, Sintomas e Ansiedade”. In: Obras
Psicológicas Completas: Um Estudo Autobiográfico, Inibições, Sintomas
e Ansiedade, A Questão da Análise Leiga e Outros Trabalhos. Tradução de
Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. 20. pp. 79-171.
LACAN, J. (1962-1963). O Seminário, Livro 10: A Angústia. Tradução de
Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
TAVARES, Leandro Anselmo Todesqui; HASHIMOTO, Francisco.
“Musicalidade(s) e Ressonâncias Psíquicas: Variações Subjetivas e Destinos
à Pulsão”. Rev. Latinoam. Psicopatol. Fundam., São Paulo, vol. 19, n.
3, Set. 2016, pp. 465-482.
TAVARES, L. A. T. A Depressão como “Mal-Estar” Contemporâneo:
Medicalização e (Ex)-sistência do Sujeito Depressivo. São Paulo: Ed.
Unesp; Cultura Acadêmica, 2010.

MOTIVAÇÃO E OS IMPACTOS NA SAÚDE MENTAL DOS


TRABALHADORES
Antônio Alves Filho; Luciana Bezerra de Souza Gianasi
O título desse verbete, antes de qualquer coisa, instiga os
seguintes questionamentos: que relação podemos encontrar entre
motivação para o trabalho e saúde mental? Em que sentido a
motivação pode impactar na saúde mental dos trabalhadores? Que
impactos podem ser evidenciados? Certamente, para responder a tais
questionamentos, importa antes discorrer, de forma breve, sobre a
motivação e a saúde mental.
Silva (2015) diz que, como um processo psicológico básico, a
motivação pode ser compreendida como o que explica a conduta
humana em situações e contextos diversos, dentre eles, o trabalho.
Para esse autor (2015), etimologicamente, o termo deriva do latim,
motivus, significando, orientação, intensidade, bem como a direção do
comportamento para objetivos a serem perseguidos, complementando
ser impulso interno que endereça a ação. Nessa direção, é possível
listar uma infinidade de motivos que explicariam esse movimento
necessário na direção de algo.
A motivação no trabalho possui relação com diversos
construtos, dentre eles, a saúde mental, que tem ganhado cada vez
mais relevância na atualidade. De acordo com Borges (2005), o campo
da saúde mental e trabalho vem se consolidando a partir de 1980 e
propõe uma relação dialética entre os fenômenos do trabalho e da
saúde, sendo crescente a perspectiva epidemiológica, permitindo
discutir a relação entre as alterações psíquicas e as ocupações.

298
Segundo a OIT (2019), fenômenos como a globalização, o
rápido desenvolvimento tecnológico, dentre outras questões, apontam
para transformações, gerando desafios ao mundo do trabalho e
exigindo que a saúde, entendida como um estado de completo bem-
estar físico e mental e não apenas a mera ausência de doença, seja
mais valorizada nos ambientes laborais. Tal cenário contribui para que
os profissionais vivenciem experiências de estresse e sentimentos de
perda de significado pelo trabalho, podendo impactar negativamente
na motivação e na saúde mental desses trabalhadores, podendo-se
citar a síndrome de burnout.
Tamayo, Argolo e Borges (2005) encontraram vínculo entre
burnout e a força motivacional desses trabalhadores, pois os fatores
dessa síndrome associam-se aos da força motivacional, conceito da
Teoria da Expectativa de Vroom (1964). Os resultados sinalizaram que a
importância dada pelo indivíduo à esfera do trabalho, a maneira
como este é percebido (na sua dimensão real e ideal) e a motivação
nele investida influenciam a saúde mental e o bem-estar no trabalho
do indivíduo (p. 245).

Utilizando o termo saúde psicológica, Fernet (2013),


desenvolveu estudo para saber em que sentido a motivação a afeta. Sua
pesquisa foi baseada na literatura sobre motivação, utilizando autores
como Deci & Ryan (2000), Blais, Brière, Lachance, Riddle e Vallerand,
(1993), e Millette & Gagné, (2008), Richer, Blanchard & Vallerand
(2002). Em termos teóricos e empíricos, os resultados desses estudos
revelam haver duas formas amplas de motivação: a autônoma,
significando que os empregados se envolvem em seu trabalho pelo
prazer e satisfação que experimentam (motivação intrínseca); e a
motivação controlada, que se refere a comportamentos executados sob
pressão interna ou externa, como, por exemplo, realizar trabalho em
razão de autoestima ou para evitar sentimentos de ansiedade e culpa
(regulação introjetada) e/ou porque são pressionados por demandas,
ameaças ou recompensas por um agente externo (regulamentação
externa). A motivação autônoma está positivamente associada ao bem-
estar psicológico, à satisfação no trabalho e ao comprometimento
ocupacional. Por outro lado a motivação controlada tem sido
positivamente associada a consequências negativas para os
trabalhadores, como burnout, e intenção de turnover.
Para Fernet (2013), esses estudos contribuíram para o
entendimento das várias funções pelas quais a motivação afeta a
adaptação dos funcionários ao ambiente de trabalho e sua saúde
psicológica. Além disso, a motivação para o trabalho também
demonstrou desempenhar um papel moderador em situações em que a
299
organização do trabalho impõe restrições aos funcionários, indicando
que a motivação autônoma (relativa à motivação controlada) reduz o
efeito negativo de demandas específicas de trabalho (sobrecarga de
papéis, ambiguidade e conflito) sobre estresse psicológico. Em
resumo, esses estudos convergem na ideia de que a motivação,
dependendo de sua natureza, pode ser um fator protetor ou de
vulnerabilidade na explicação dos efeitos dos fatores ambientais do
trabalho na saúde psicológica dos funcionários (FERNET 2013).
Tudo isso ganha relevância quando se sabe que empresários e
dirigentes de organizações, sejam públicas ou privadas, buscam e
desejam pessoas motivadas, por pressuporem que apresentam elevados
níveis de motivação, melhor desempenho no trabalho gerando, desse
modo, maior produtividade. Infelizmente, problemas de saúde no
ambiente de trabalho estão em crescimento, tendo como consequência
custos elevados, tanto para organizações (por exemplo, perdas de
produtividade, alta rotatividade e absenteísmo), quanto para indivíduos
(por exemplo, estresse psicológico, baixa qualidade de vida) (FERNET,
2013). Diante disso, torna-se relevante que as organizações possam
lidar com tais problemas, criando condições que favoreçam a motivação
dos funcionários, e promovam a saúde mental desses.
Referências
BORGES, L. O. (Org.). Os profissionais de saúde e seu trabalho. São
Paulo: Casa do psicólogo, 2005.
FERNET, C. The role of work motivation in psychological health. Canadian
Psychology/Psychologie canadienne. v. 54, n. 1, p. 72-74, 2013.
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). World for
a brighter Future (2019). Disponível em:
https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id
=5854:comissao-global-da-oit-pede-mudancas-fundamentais-em-relacao-a-
saude-no-trabalho&Itemid=844. Acesso em 24 mai. 2019.
SILVA, N. Motivação e satisfação no trabalho. In. Bendassolli P. F; Borges-
Andrade J. E. (Orgs.). Dicionário Brasileiro de Psicologia do Trabalho e
das Organizações. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2015, pp. 453-462.
TAMAYO, M. R.; ARGOLO, J. C. T; BORGES, L. O. Burnout em
profissionais de saúde: um estudo com trabalhadores do município de Natal.
In: BORGES, L. O. (Org.). Os profissionais de saúde e seu trabalho. São
Paulo: Casa do psicólogo, 2005, pp. 223-258.
VROOM, V. H. Work and motivation. New York: Wiley, 1964.

NEUROTICISMO
Leandro A. Todesqui Tavares
Situação psicológica e/ou estado psíquico caracterizado a partir
de vivências de “mal-estar” (manifestações e sintomas) e condições de
sofrimentos relacionados a prejuízos e/ou dificuldades recorrentes nos
300
processos de adaptações e ajustamentos psicológicos e sociais. O termo
neuroticismo circunscreve condição psicológica identificada por estados
de instabilidade de humor, instabilidades emocionais e afetivas; inclui-
se também a manifestação de prejuízos na autoestima e baixa tolerância
a frustrações (NUNES, 2000). Algumas vertentes da psicologia e da
psiquiatria destacam que o neuroticismo está relacionado à
personalidade, sendo principalmente caracterizada por tendências
(repetições) em sentir, predominantemente, emoções negativas como
ansiedade exacerbada, hostilidade (irritabilidade e picos de
agressividade), tristezas, impulsividade, medo, depressão, embaraços e
desconcertos, culpa, raiva e repugnância, sendo que os rompantes
emocionais e/ou impulsividades interferem diretamente no bem-estar
psíquico do próprio sujeito, bem como lhe implicam dificuldades
relacionais e sociais (HUTZ & NUNES, 2001).
Discute-se também, na literatura científica, os níveis de
neuroticismo variáveis de indivíduo para indivíduo, podendo, assim,
considerar-se os quadros de neuroticismos intensos em contraposição
aos mais moderados; contudo, tomado como traço de personalidade
estável (cristalizado), constitui-se como um quadro de ansiedade
crônico, dado a permanência e a tendência (repetição) do sujeito em
sentir e manifestar os diferenciados afetos negativos e angústias
descritas. Assim, no alto neuroticismo ou neuroticismo intenso,
identificam-se indivíduos propensos a sofrimentos psicológicos mais
agudos e que podem apresentar altos níveis de ansiedade, depressão,
vulnerabilidade, autocrítica, hostilidade e impulsividade, tornando o
nível de neuroticismo, neste sentido, um indicador significativo de
saúde mental (LA ROSA, 1993; HUTZ & NUNES, 2001).
Por outra perspectiva, o neuroticismo também pode ser
considerado como uma espécie de “estratégia” e/ou “saída” de
adaptação, sendo mais acentuado ou menos intenso e necessário, de
acordo com as variadas circunstâncias da vida relacionadas às
adversidades e inseguranças. Entretanto, mesmo um neuroticismo
brando (baixo nível) pode significar uma tendência a não evitar, ou não
se poupar de riscos e desgastes emocionais desnecessários, podendo ser
tão prejudicial quanto o neuroticismo intenso (níveis elevados) (HUTZ;
NUNES, 2001). Percebe-se, então, que, a considerar as variações de
intensidades dos estados emocionais e afetivos descritos, é pertinente
notar as diferenças entre um neuroticismo como um traço de
personalidade mais fixo (estável) e um neuroticismo enquanto um
estado psicológico mais transitório, quiçá, adaptativo.
Na literatura psicanalítica, em seus fundamentos a partir de
Freud, o neuroticismo está relacionado às “doenças dos nervos”, às
discussões pré-psicanalíticas articuladas ao diagnóstico de neurastenia,
301
sintomas e traços de personalidade relacionados à angústia (ansiedade),
fadigas, fraquezas, ruminações mentais, nervosismo, irritabilidade, lapsos
e esquecimentos, insônia, culpa, pessimismo e depressão, etc. Quadro que
representa uma espécie de esgotamento psíquico, também associado a
traços de personalidade mais estáveis, fixos e cristalizados. De uma
maneira geral, no legado psicanalítico freudiano, podemos circunscrever
o neuroticismo aos estudos e elaborações metapsicológicas que se
relacionam às teorias da angústia, às teorias das pulsões, às neuroses em
geral (em especial, a neurose obsessivo-compulsiva) e, em certa medida,
ao luto e à melancolia.
Já numa perspectiva que denominamos de psicanálise em
extensão (clínica do social, da cultura, das instituições, etc.) em
consonância com a metapsicologia psicanalítica de Lacan, podemos
considerar os fazeres laborais e o trabalho como modos de produção de
subjetivação: o trabalho como práxis dialética, produzido e também
produtor de modos de subjetivação (afetos, pensamentos,
comportamentos, etc.) tanto no vértice mais individual, quanto micro e
macro sociais, relacionados à economia, ao social e à cultura de uma
forma geral. Nestes sentidos, os fazeres laborais determinam uma relação
de objeto (ligação libidinal: pulsões e afetos) estabelecida com o fazer do
trabalho, delimitado, portanto, como campo do Outro, em suma, em que
pesem as dimensões inconscientes nas relações entre sujeito-trabalho.
Condições desfavoráveis do trabalho, tais como: falta de
sentido (não-identificação); desprazer; tédio; predominante ausência
de liberdade espontânea e criativa; falta de segurança física e
emocional no trabalho; ausência de reconhecimento profissional;
condições de violência psicológica como humilhações, assédios
morais e sexuais, entre outros, caracterizam variadas condições de
sofrimento psíquico ao trabalhador e, dentre eles, o próprio
desencadeamento, produção, e/ou uma intensificação nos quadros de
neuroticismo. Neste eixo de consideração específica, toma-se o
ambiente e as condições do trabalho como produtores privilegiados de
modos de adoecimento relacionados diretamente às atividades laborais
e ao campo subjetivo que as constituem: os laços sociais (relações) e
suas determinações qualitativas nestes ambientes. Delimitado nestas
condições, o neuroticismo passa ser considerado não só uma condição
psíquica individual, mas produzido e/ou potencializado a partir das
condições e relações do e no trabalho, podendo configurar-se como
respostas psíquicas individuais possíveis diante de um “mal-estar” de
origem institucional-organizacional (“mal-estar” da empresa, por ex.)
intensificando um neuroticismo transitório (enquanto perduram os
mal-estares organizacionais).

302
Por outro lado, mesmo num ambiente laboral adequado em que
o contexto do trabalho se faz numa perspectiva de promoção de saúde e
bem-estar, trabalhadores com um neuroticismo intenso, crônico,
portanto, com um neuroticismo mais associado aos aspectos de sua
personalidade, em suma, exercem influências no todo subjetivo do
contexto laboral, e as dinâmicas relativas ao trabalho sofrem os efeitos
deste neuroticismo intenso. Desta feita, o trabalhador que apresenta uma
condição psíquica de neuroticismo agudo, intenso, tende a apresentar
dificuldades significativas no que diz respeito às formas de relação (laço
social no trabalho) estabelecidas, às regras e políticas institucionais,
tornando os desafios laborais ainda mais pesados em termos de
suportabilidade, dadas as projeções psíquicas predominantemente
negativas direcionadas ao objeto-trabalho, constituindo uma relação de
ambivalência afetiva (amor/ódio) com relação ao próprio trabalho
(instituição/organização e o próprio fazer laboral).
Todavia, dado que o eixo saúde-sofrimento-adoecimento se
compõe a partir de uma totalidade da vida psíquica, o próprio
exercício e desempenho profissional pode figurar como produtor de
novos sentidos de experiências subjetivas, auxiliando nos processos de
saúde mental do/no próprio trabalho e na vida do trabalhador. Assim,
em contextos propícios para a produção de modos de subjetivação
desejáveis do ponto de vista de uma saúde mental do e no trabalho,
torna-se imprescindível o engendramento de modos organizacionais
abertos à escuta do sofrimento dos próprios funcionários, vez que o
sofrimento do trabalhador, a despeito de suas problemáticas mais
individuais, sempre mantém ressonâncias e relações de continuidade,
prolongamento e fusão psíquica com a saúde (em termos gerais) da
própria instituição laboral.
Referências
HUTZ, C. S.; NUNES, C. H. S. S. Escala Fatorial de Ajustamento
Emocional/Neuroticismo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.
ITO, Patrícia do Carmo Pereira; GOBITTA, Mônica; GUZZO, Raquel Souza
Lobo. Temperament, neuroticism and self-esteem: preliminary study. Estud.
psicol. (Campinas), Campinas, v. 24, n. 2, p. 143-153, June 2007.
KAUFMANN, P. (Ed.) Dicionário Enciclopédico de Psicanálise: o Legado
de Freud e Lacan. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.
LA ROSA, J. Inventário de ansiedade traço - estado: características
psicométricas. Estudos de Psicologia. Campinas, 10 (2), 81-92, 1993.
NUNES, C. H. S. A construção de um instrumento de medida para o
fator neuroticismo/estabilidade emocional dentro do modelo de
personalidade dos cinco grandes fatores. Dissertação de Mestrado não-
publicada, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2000.

303
NEUROTÓXICO
Glória Stefania Alves Siqueira; Flávia Heloísa Santos
Neurotoxicidade é a capacidade de agentes biológicos, físicos
ou químicos terem efeito tóxico sobre os neurônios ou circuitos
neurais, causando mudanças estruturais e/ou funcionais no sistema
nervoso (SOLEIMANI, EKHTIARI, CADET, 2016).
Em outras palavras, a neurotoxicidade é definida como
qualquer efeito adverso, ou seja, efeito prejudicial ao funcionamento de
células neurais - de humanos e outras espécies - causado por fatores
externos como exposição a substâncias tóxicas naturais (alguns metais
como: mercúrio, chumbo, zinco e manganês) ou decorrentes de ações
humanas (produtos farmacêuticos, radiação ionizante, alimentos
contaminados por substâncias químicas poluentes do ar, da água e do
solo) devido a fatores ocupacionais ou de estilo de vida (NINDS, 2019).
A neurotoxicidade pode ocorrer desde a gestação até a
senescência e causar manifestações clínicas diversas cuja gravidade
dependerá da duração e da intensidade da exposição aos agentes
nocivos. Os agentes neurotóxicos podem ser classificados como:
neurobiológicos, alterações do sistema nervoso central ocorridas
durante o neurodesenvolvimento como as infecções pré-natais
(MORO, INVERNIZZI, 2017); farmacológicos, neurotoxicidade
como consequência da exposição a fármacos usados no tratamento de
doenças específicas, por exemplo, talidomida e ciclosporina (RYAN,
2009; ROZMAN, DOULL, HAYES, 2010), e, ainda, ambientais, que
se refere à neurotoxicidade decorrente de exposição a metais pesados
como chumbo e mercúrio, pesticidas, solventes industriais e/ou de
limpeza e cosméticos.
Grande parte dos casos de neurotoxicidade ocorrida na adultez
está associada à exposição de substâncias no contexto ocupacional,
cujas alterações no funcionamento do indivíduo podem ser minimizadas
por medidas preventivas de exposição por exemplo, estratégias de
controle de riscos (eliminação, isolamento, ventilação, etc), manutenção
do ambiente de trabalho, comportamentos de higiene ocupacional e pelo
uso de equipamentos de proteção individual (EPI), os quais são
requisitos obrigatórios para os trabalhadores (HIRST, 2010).
Além disto, a exposição de trabalhadoras em período
gestacional a determinadas substâncias tóxicas pode interromper o
desenvolvimento neural e/ou alterar o funcionamento das células
neurais do feto (COSTA et al., 2004) e algumas sequelas são
percebidas somente nos primeiros anos de vida (NATIONAL
RESEARCH COUNCIL et al., 1992). Contudo, os riscos de exposição
a agentes neurotóxicos permanece durante a infância podendo causar
danos generalizados e extensos (CUNHA-OLIVEIRA, REGO,
304
OLIVEIRA, 2008), sendo, portanto, crucial evitar o contato das
crianças com EPI e uniformes dos trabalhadores.
De modo mais preocupante, há a chamada neurotoxicidade
silenciosa por exposição a substâncias tóxicas naturais ou sintéticas e
que causa danos irreversíveis ao sistema nervoso periférico
(neuropatias periféricas) e/ou danos ao sistema nervoso central
(encefalopatias), comum em trabalhadores expostos continuamente a
doses baixas de substâncias tóxicas (COSTA et al., 2004).
Importância e implicações: A exposição a agentes químicos
ou orgânicos, mesmo em níveis baixos, ocorrida ao longo dos anos,
foi associada ao surgimento de transtornos neurológicos persistentes
(JETT, 2011). No Brasil, o aumento na produção agrícola implica o
uso excessivo de pesticidas para o controle de pragas. Assim,
trabalhadores rurais correm risco elevado para efeitos adversos desta
exposição (BERNIERI et al., 2019).
Preza e Augusto (2012) entrevistaram um grupo de 29
trabalhadores rurais da região nordeste. Embora 86% dos participantes
reconhecessem tais substâncias como perigosas, apenas 17,2%
relataram uso completo de EPI durante o manejo de agrotóxicos.
Além disto, os EPIs podem se tornar fonte de contaminação por falha
nos cuidados de conservação (guardar/lavar) ou no momento de
vestir/despir o equipamento (VEIGA et al., 2007).
Em meta-análise, Ross et al. (2013) analisaram 14 estudos,
totalizando 1.600 trabalhadores expostos a compostos organofosforados,
isto é, compostos orgânicos derivados do ácido fosfórico, tiofosfórico ou
do ditiofosfórico (por exemplo, malation, tamaron, paration) que quando
metabolizados no organismo prejudicam a transmissão nervosa às células
musculares, ganglionares, como também o Sistema Nervoso Central.
A referida meta-análise evidenciou a associação de contato de
longa duração aos organofosforados – entre 2 a 20 anos de exposição –
e a presença deficits cognitivos em: atenção, memória operacional,
memória episódica, velocidade de processamento. Tais domínios
cognitivos são fundamentais em situações cotidianas, no trabalho e nos
estudos, e, quando comprometidas, trazem prejuízos no rendimento do
indivíduo. Com relação à saúde mental destes trabalhadores, houve
maior incidência de transtorno distímico e níveis significativos de
ansiedade, quando comparados aos controles. De um modo geral, a
exposição a neurotóxicos produz efeitos graves, crônicos e por vezes
irreversíveis à saúde física e mental dos trabalhadores.
Referências
BERNIERI, T. et al. Effect of pesticide exposure on total antioxidant
capacity and biochemical parameters in Brazilian soybean farmers. Drug
and Chemical Toxicology, pp. 1-7, 2019.

305
COSTA, Lucio G. et al. Developmental neuropathology of environmental
agents. Annu. Rev. Pharmacol. Toxicol., v. 44, pp. 87-110, 2004.
CUNHA-OLIVEIRA, Teresa; REGO, Ana Cristina; OLIVEIRA, Catarina R.
Cellular and molecular mechanisms involved in the neurotoxicity of opioid and
psychostimulant drugs. Brain research reviews, v. 58, n. 1, pp. 192-208, 2008.
HIRST, Adrian. Manual do aluno: Princípios básicos em higiene
ocupacional. Oh learning [site]. Consulting Limited, UK, 2010. Disponível
em: http://www.ohlearning.com/training/training-materials/w201-manual-
do-aluno.aspx. Acesso em: 13 de mai 2019.
JETT, David A. Neurotoxic pesticides and neurologic effects. Neurologic
clinics, v. 29, n. 3, pp. 667-677, 2011.
MORO, A; INVERNIZZI, N. The thalidomide tragedy: the struggle for
victims' rights and improved pharmaceutical regulation. História, Ciências,
Saúde-Manguinhos, v. 24, n. 3, p. 603-622, 2017.
NATIONAL RESEARCH COUNCIL et al. Environmental
neurotoxicology. National Academies Press, 1992.
NINDS. Neurotoxicity Information Page. National Institute of
Neurological Disorders and Stroke. Disponível em:
https://www.ninds.nih.gov/Disorders/All-Disorders/Neurotoxicity-
Information-Page. Acesso em 02 de abr. 2019.
PREZA, D. L. C; AUGUSTO, L. G.S. Vulnerabilidades de trabalhadores rurais
frente ao uso de agrotóxicos na produção de hortaliças em região do Nordeste do
Brasil. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 37, n. 125, 2012.
ROSS, S. M. et al. Neurobehavioral problems following low-level exposure
to organophosphate pesticides: a systematic and meta-analytic
review. Critical reviews in toxicology, v. 43, n. 1, pp. 21-44, 2013.
ROZMAN, Karl K.; DOULL, John; HAYES JR, WAYLAND J. Dose and
time determining, and other factors influencing, toxicity. Hayes' Handbook
of Pesticide Toxicology. Academic Press, Third Edition, p. 3-101, 2010.
RYAN, M. Neurotoxic Effects of Pharmaceutical Agents I: Anti-
infectives. Clinical Neurotoxicology E-Book: Syndromes, Substances,
Environments, p. 338, 2009.
SOLEIMANI. M. A.; EKHTIARI, H.; CADET, J. L. Drug-induced
neurotoxicity in addiction medicine: From prevention to harm reduction.
In: Progress in brain research. Elsevier, pp. 19-41, 2016.
VEIGA, M. M. et al. A contaminação por agrotóxicos e os Equipamentos de
Proteção Individual (EPIs). Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São
Paulo, v.32, n. 116, pp. 57-68, 2007.

NEXO DE CAUSALIDADE POR TRANSTORNOS MENTAIS E


COMPORTAMENTAIS
Fabiana Travaglini de Abreu Silva
Nexo de Causalidade ou Nexo Causal por Transtornos
Mentais e Comportamentais pode ser definido como o
estabelecimento das relações de determinação entre o trabalho e as
doenças ou transtornos mentais e é objeto de questionamentos entre os

306
diferentes profissionais vinculados aos serviços de saúde, aos órgãos
previdenciários, aos sindicatos e aos serviços de medicina e segurança
do trabalho nas empresas (JARDIM et al., 2010).
Para uma melhor compreensão do nexo causal em saúde
mental, antes se faz necessária a elucidação de alguns conceitos
técnicos, que serão descritos abaixo.
Em Medicina do Trabalho, a Lei 8.213, de 24/07/1991, do Ministério
da Previdência (BRASIL,1991), identifica três variedades singulares:
Acidente do trabalho, definido como aquele que ocorre pelo exercício
do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos
segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta lei, “provocando
lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda
ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o
trabalho”;
Doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada
pelo exercício do trabalho peculiar à determinada atividade e
constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho
e da Previdência Social;
Doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em
função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele
se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I
da mesma Lei.
Deste modo, são duas as espécies de doenças ocupacionais: a
doença profissional e a doença do trabalho, sendo que ambas podem
ser consideras como acidente de trabalho, segundo o próprio conceito
do mesmo já descrito acima.
Por sua vez, segundo NEVES (2011), o conceito de doenças
relacionadas ao trabalho contempla as doenças ocupacionais ou
profissionais (doenças inerentes ou peculiares à profissão, em que o
trabalho é o agente causador ou responsável pela gênese do agravo à
saúde do trabalhador) e doenças em que o trabalho não pode ser
tecnicamente apontado como fator causal, gerador ou desencadeador, mas
em que poderia contribuir de uma maneira não mensurável para sua
história natural. Este mesmo autor afirma que a maneira como uma
doença vai se manifestar num dado indivíduo pode variar em razão da
influência de uma grande quantidade de fatores, entre os quais fatores
biológicos (genéticos, anatômicos, fisiológicos, imunológicos,
fisiopatológicos, etc.), psíquicos (personalidade, expectativas, resiliência,
etc.), de estilo de vida (usos de substâncias psicoativas) e ambientais
(clima, organização de serviços de saúde, etc.).

307
Cada um desses fatores exerce variados graus de influência no
desenvolvimento e na evolução das diversas doenças humanas e,
isoladamente, têm importância diferente para o desenvolvimento da
doença avaliada, variando desde “essenciais”, até “insignificantes”,
em relação à história natural dessa doença (BERTOLOTE et al, 2016).
Bertolote et al (2016) descrevem 3 tipos de nexo, referentes às
diferentes relações entre trabalho e doença: nexo causal; nexo técnico
e nexo técnico epidemiológico:
- Nexo causal é um termo jurídico, que, resumidamente, pode ser
definido como o vínculo existente entre uma ação (ou omissão) de um
agente e seu resultado.
- Nexo Técnico e Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP) são termos técnicos,
denominados assim a partir de definições da legislação previdenciária.
Descreve ainda que a constatação de NTEP, a rigor, não
implica necessariamente a existência concomitante de nexo de
causalidade, o que torna importante o conhecimento dessas diferenças,
pois essa confusão pode levar a conclusões periciais equivocadas e,
por conseguinte, sentenças também equivocadas.
Segundo o mesmo autor, o NTEP foi criado com intuito de
facilitar a prova dos acidentes do trabalho perante a Previdência Social,
em especial os decorrentes de doenças ocupacionais para a concessão de
benefícios acidentários. É um instrumento desenvolvido pelo Ministério
da Previdência Social (BRASIL, 2008) que visa diminuir o impacto da
subnotificação de acidentes de trabalho no Brasil através da imposição de
uma relação direta e supostamente epidemiológica entre a atividade
econômica do empregado e a doença por ele sofrida. A justificativa para
o legislador criar o NTEP foi o elevado grau de descumprimento pelos
empregadores das regras da CAT (Comunicação de Acidente de
Trabalho) e das dificuldades de fiscalização das condições de trabalho.
Considerando-se que há um grande número de pessoas que buscam os
benefícios por incapacidade, mas não possuem a CAT, em situações que
notadamente são originadas por um acidente de trabalho, iniciou-se, por
parte do Estado, um estudo que buscou analisar os tipos de doenças que
mais atingiam os trabalhadores nos mais variados setores industriais e
quais os fatores determinantes destes riscos.
Em relação aos transtornos mentais – para os quais pode haver
inúmeras possibilidades de causas independentes ou associadas – o
processo de investigação do nexo de causalidade é muito complexo,
pois a identificação de apenas um fator de risco no ambiente laboral
(que poderia estabelecer, por exemplo, um Nexo Técnico
Epidemiológico) não é elemento suficiente para o estabelecimento do
nexo causal entre esses transtornos e o trabalho.
308
Bertolote et al. (2016) ressaltam que, para estabelecer um nexo
de causalidade, faz-se imperioso o exame de todas as condições que
envolvem o fato e todas as condições que contribuíram para o resultado.
Nesse exame é necessária a avaliação de condições negativas e de
condições positivas (ou seja, o que de prevenção e proteção havia para
que o acidente não ocorresse e o que de omissão ou de favorecimento
contribuiu para a sua ocorrência). Assim, para se dizer que alguém ou
algo causou um determinado fato, faz-se necessário estabelecer a ligação
entre a sua conduta e o resultado gerado, isto é, verificar se de sua ação
ou omissão adveio o resultado, que pode ser analisado em dois planos, o
físico (material) e o psíquico (moral).
Quando se trabalha com doenças de etiologia multifatorial,
como é o caso das doenças mentais, faz-se necessária a investigação
de outras possíveis causas conhecidas antes que se conclua que um
fator de risco ou qualquer outro fator estressor no trabalho, tenha
influência significativa para seu desenvolvimento, estabelecendo
critérios técnicos para esta importante tarefa. Por isso, há quem
defenda que é impossível estabelecer o nexo causal entre doença
mental e trabalho, atribuindo aos sintomas psíquicos um caráter
exclusivamente subjetivo (JARDIM et al., 2010).
Neste contexto, a Classificação de Schilling aparece como
uma proposta para se classificar as doenças relacionadas ao trabalho,
estabelecendo as possibilidades de interação entre o trabalho e as
doenças. O trabalho de Schilling, de 1984, inspira e direciona, até os
dias de hoje, as normas e manuais técnicos publicados pela OMS e
pelo Ministério da Saúde nacional que orientam os profissionais
envolvidos com essa questão (BERTOLOTE et al., 2016). Schilling
classifica as doenças segundo sua relação com o trabalho em grupos
(CAMARGO et al., 2010):

Grupo I - Trabalho como causa necessária


Neste grupo estão incluídas as típicas “doenças profissionais”, como as
decorrentes de exposição a produtos neurotóxicos, por exemplo; Grupo II –
Trabalho como fator contributivo, mas não necessário
Aqui se encontram as patologias em que o trabalho pode ser um fator de risco
que contribui para o adoecimento, mas não é necessário, como por exemplo
nas doenças coronarianas, doenças do aparelho locomotor, varizes de
membros inferiores, transtornos do ciclo sono-vigília e síndrome de fadiga
crônica;
Grupo III – Trabalho como provocador de um distúrbio latente, ou agravador
de uma doença já estabelecida

309
Caracterizado pelas patologias em que o trabalho é um desencadeador
ou agravador de um distúrbio latente, como bronquite crônica, asma,
dermatites alérgicas, episódios depressivos, alcoolismo crônico,
neurose ocupacional e burnout, por exemplo.
A partir disso, pode-se concluir que a relação entre uma doença
e um trabalho pode ocorrer de diferentes maneiras, que não implica,
necessariamente, uma relação de causalidade. Em certas doenças
ocupacionais podemos observar uma relação direta de causa e efeito
entre risco e doença. Já nas doenças relacionadas ao trabalho, o meio
ambiente e o desempenho do trabalho contribuem significativamente,
porém, como mais um dos inúmeros fatores que podem contribuir para
causar uma doença (BERTOLOTE et al., 2016).
Assim como para outras doenças, a investigação do nexo
causal em psiquiatria segue as diretrizes básicas definidas pelo
Conselho Federal de Medicina (CFM), expostas no art. 2 da
Resolução n. 1.488/1998 do CFM (DOU de 06/03/1998), devendo o
médico considerar para tal:

A história clínica e ocupacional, decisiva em qualquer diagnóstico


e/ou investigação de nexo causal;
O estudo do local de trabalho;
O estudo da organização do trabalho;
Os dados epidemiológicos;
A literatura atualizada;
A ocorrência do quadro clínico ou subclínico em trabalhador
exposto a condições agressivas;
A identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos,
estressantes e outros;
O depoimento e a experiência dos trabalhadores;
Os conhecimentos e as práticas de outras disciplinas e de seus
profissionais sejam eles ou não da área de saúde.

Os transtornos mentais e do comportamento relacionados ao


trabalho podem ser definidos como aqueles determinados pelo
ambiente de trabalho, incluindo lugares, tempo e ações do trabalho
(CAMARGO et al., 2010). Estas podem acarretar reações e efeitos
psíquicos devido às suas características, abrangendo o processo de
trabalho, suas condições e a organização, incluindo as relações aí
estabelecidas, quando patogênicas.
O decreto nº 3.048/99, de 06 de maio de 1999, do Ministério da
Previdência e Assistência Social, apresenta a nova Lista de Doenças
Profissionais e Relacionadas ao Trabalho, que inclui diagnósticos do
Capítulo V da CID-10 (JARDIM et al, 2010), que trata da descrição dos
310
Transtornos Mentais e de Comportamento mencionados anteriormente.
Nesta lista constam um conjunto de 12 categorias de transtornos mentais:

- Demência, em outras doenças específicas classificadas em outros


locais (F02.8);
- Delirium, não sobreposto à demência (F05.0);
- Transtorno cognitivo leve (F06.7);
- Transtorno orgânico de personalidade (F07.0);
- Transtorno mental orgânico ou sintomático não especificado (F09)
- Alcoolismo crônico (F10.2);
- Episódios depressivos (F32);
- Transtorno de estresse pós-traumático (F43.1);
- Síndrome de fadiga (incluída em Neurastenia - F48.0);
- Neurose ocupacional (incluída em Outros transtornos neuróticos
especificados – F48.8);
- Transtorno do ciclo sono-vigília (incluído em Transtornos do ciclo
sono-vigília não orgânicos – F51.2); e
- Burnout ou síndrome do esgotamento profissional (Z.73.0).

Diante do que já foi exposto, outras doenças poderiam compor


esta lista, uma vez que, a princípio, o trabalho pode exercer influência
em quase todos os quadros psiquiátricos vistos em adultos constantes
da CID-10, com exceção da esquizofrenia (F20) e de transtornos de
personalidade, que raramente (para não dizer nunca) poderão ter nexo
com o trabalho (BERTOLOTE et al., 2016).
Neste contexto, para tentar objetivar de forma técnica esse
processo, sem deixar de considerar as dimensões subjetivas que
permeiam a relação do homem com o seu trabalho, têm-se desenvolvido
protocolos de investigação do nexo causal entre os transtornos mentais e
o trabalho nas principais universidades públicas do país. Na UNESP
(Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho), a Comissão de Nexo
Causal em Saúde Mental (CNCSM) da Coordenadoria de Saúde e
Segurança do Trabalhador (CSST) foi criada em 2011 com essa proposta.
Esta comissão foi se ajustando às demandas do serviço ao
longo dos anos e atualmente é composta por três psiquiatras, um
médico do trabalho, uma assistente social e uma psicóloga. Tem por
missão analisar e conduzir os processo relativos aos casos de
acidentes de trabalho relacionados a transtornos mentais dos
servidores desta instituição, com o intuito de que esse processo seja
realizado com base em conhecimento técnico sobre o tema, a fim de
se atingir a melhor e mais imparcial conclusão possível sobre os
mesmos. Desde sua criação a comissão tem aprimorado seus trabalhos
e, atualmente, opera a partir de um instrumento desenvolvido pelos
311
próprios membros da comissão, o Protocolo de Nexo Causal em
Saúde Mental (BERTOLOTE et al., 2016), o qual se constitui de uma
anamnese ocupacional detalhada, informações sobre antecedentes
pessoais, familiares e profissionais, informações socioeconômicas,
identificação de aspectos de personalidade do servidor (presonalidade
pré-mórbida), identificação de riscos ocupacionais, sociais e
psíquicos, Escala de Karazek, análise de documentos e
encaminhamentos (como solicitação de eventuais processos e de
entrevistas com terceiros, por exemplo).
A partir da avaliação minuciosa dos casos, por meio de
entrevistas, visitas aos locais de trabalho, avaliação de prontuário
ocupacional e outros documentos que se façam necesários, as
conclusões possíveis são, segundo BERTOLOTE et al. (2016):

há evidências, com razoável margem de certeza, de que o transtorno


apresentado pelo servidor apresenta uma relação de nexo causal
necessária e suficiente com um dado evento alegado pelo servidor
(Classificação I de Schiiling);
há evidências, com razoável margem de certeza, de que o evento
alegado pelo servidor tenha relação de nexo causal contributiva, mas
não necessária, com o transtorno mental (Categoria II de Schilling);
há evidências, com razoável margem de certeza, de que o evento
alegado pelo servidor tenha relação de nexo causal com o transtorno
mental, contudo, agravando um transtorno latente ou pré-existente
(Categoria III de Schilling; concausa);
não há nenhuma evidência, com razoável margem de certeza, de nexo
causal entre o transtorno mental do servidor e as condições de trabalho.

A conclusão final da Comissão é encaminhada para o


Coordenador da CSST para as providências cabíveis.
Vale ressaltar que o trabalho da CNCSM baseia-se em uma
anamnese ocupacional bastante pormenorizada, conforme recomendada
por Jardim et al. (2010), em uma ou mais entrevistas com o próprio
trabalhador e com familiares, chefias e colegas de trabalho sempre que
houver disponibilidade, podendo incluir também a avaliação
psicológica com o uso ou não de testes psicológicos. A metodologia de
trabalho da CNCSM inclui ainda as recomendações pertinentes do
Conselho Federal de Medicina, conforme já descrito anteriormente.
Concluímos, assim, que o estabelecimento do nexo de
causalidade por transtornos mentais e comportamentais é uma tarefa
extremamente complexa. Faltam estudos e profissionais treinados para a
realização de tal tarefa, o que pode levar a conclusões errôneas acerca da

312
causalidade entre as patologias e o trabalho, sendo tanto incorretamente
atribuídos a este, como negligenciados quando de fato isso ocorre.
Todavia, diante do que foi exposto constata-se que as doenças
mentais relacionadas ao trabalho realmente existem e são um
problema de saúde pública que precisa ser melhor estudado. Nota-se,
compreensivelmente, que a literatura relativa ao estabelecimento de
nexo causal em transtornos mentais observadas em trabalhadores, em
geral, ocupa-se mais do nexo causal entre uma dada condição
observada num dado indivíduo do que do conhecimento específico
sobre a etiologia dos transtornos mentais e, embora essa abordagem
seja funcional, deixa a desejar por não levar em plena consideração a
história natural e a nosografia desses mesmos transtornos mentais
(BERTOLOTE et al., 2016).
Sendo assim, diante da crescente demanda dos serviços de saúde
para o diagnóstico e tratamento das doenças mentais e da complexidade
do tema da saúde mental no trabalho, há a necessidade do
desenvolvimento de métodos de investigação de nexo causal por meio de
abordagens conceituais, técnicas e específicas desenvolvidas com maior
rigor científico. Este processo deve envolver a participação de equipes
multiprofissionais capacitadas e a elaboração de estudos, que ampliem as
discussões sobre o tema e tragam subsídio técnico para essa investigação,
a fim de promover práticas que permitam uma relação mais harmônica e
menos lesiva entre o trabalhador e sua atividade.
Referências
BERTOLOTE et al. Nexo Causal em Psiquiatria. In: BARBOSA, W. F.;
SCHMIDT, M. L. G.; BERTOLOTE, J. M. Perícia Médica Administrativa:
aspectos conceituais, técnicos e éticos. São Paulo: LTr, 2016. pp. 235-251.
BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de
benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial da
União. 14 ago 1991; Seção 1:14809.
BRASIL. Instrução Normativa INSS/PRES nº 31, de 10 de setembro de 2008.
Dispõe sobre procedimentos e rotinas referentes ao nexo técnico previdenciário e
dá outras providências. Diário Oficial da União. 11 set 2008; Seção1:40.
CAMARGO, D. A. et al. Aspectos do Nexo Causal em Psiquiatria
Ocupacional. In: CAMARGO, D. A. et al. Psiquiatria ocupacional. São
Paulo: Atheneu, 2010. pp. 115-119.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM No. 1488/98, de
11 de feveveiro de 1998. Brasília, 1998.
GLINA, D. M. R.; ROCHA, L. E. Saúde mental no trabalho: da teoria à
prática. São Paulo: Roca, 2010.
JARDIM, S. R. et al. Diagnóstico e nexo com trabalho. In: GLINA, D. M.
R.; ROCHA, L. E. Saúde mental no trabalho: da teoria à prática. São
Paulo: Roca, 2010. pp. 49-53.

313
NEVES, M. A. B. Doenças relacionadas ao trabalho: o que é isso?. In:
NEVES, M. A. B. As doenças ocupacionais e as doenças relacionadas ao
trabalho. São Paulo: LTr, 2011. pp. 11-23.

OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE
Sandra Fogaça Rosa Ribeiro
No campo da saúde mental e trabalho, a observação
participante é uma ferramenta que possibilita verificar de forma
vivencial a organização do trabalho, reproduzida espontaneamente nas
relações formais e informais. É a inserção do pesquisador no campo
para a compreensão qualitativa da realidade (MINAYO, 2010). A
observação participante, conjugada a outros instrumentos, propicia um
aprofundamento no conhecimento da realidade dos trabalhadores no
local de trabalho, com base nos fenômenos observados, sempre
preservando a interação sujeito-pesquisador, indissociáveis em
pesquisas desta natureza. O início da observação deve ser comunicado
aos trabalhadores, partindo de uma concordância deles no processo,
imprescindível para que a participação seja efetiva e transparente,
tornando a presença do observador participante viável no local de
trabalho, a fim de compreender a rotina diária. As impressões do
pesquisador elaboradas logo após as visitas em campo, constituem-se
numa forma preliminar de análise, muitas vezes norteadora do
próximo passo no processo de investigação. Entretanto, é importante
ter-se um distanciamento crítico na observação participante, para que
não se confundam os papéis do pesquisador e dos participantes,
sentimentos pessoais do pesquisador e suscitados pelos participantes.
Os eixos de investigação norteadores podem relacionar-se a:
organização do trabalho, gestão, ações novas e antigas praticadas
pelos trabalhadores; práticas específicas e genéricas; dificuldades
encontradas na execução do trabalho; rotina diária do trabalho. Devem
ser anotadas num diário de campo em forma de registro cursivo.
A utilização da observação participante, regida por uma
premissa metodológica básica, a interação sujeito e pesquisador,
envolve desde o referencial teórico até o seu uso enquanto instrumento
de levantamento de dados. É o referencial teórico que elucidará o que
será observado, o contorno e os limites das observações, constituindo-
se os eixos norteadores a partir das questões pertinentes a saúde
mental no trabalho. Segundo Martins (2005), a observação
participante, inserida na área da saúde mental e trabalho, é uma
alternativa transformadora de um momento histórico de opressão,
“questionando o saber dominante e o paradigma positivista da
neutralidade científica” (p. 140).

314
Uma situação, num contexto de reunião de equipe, é um
exemplo da importância da observação participante no campo da saúde
mental e trabalho, evidenciando o seu caráter investigativo, mas
também elucidativo, na compreensão de questões aparentemente claras,
mas passadas desapercebidas para as pessoas (RIBEIRO, 2006). Os
trabalhadores estavam listando facilidades e dificuldades no processo de
trabalho para levá-las a uma instância superior. Na elaboração da lista
trocavam ideias sobre possibilidades de solução dos problemas, sem se
aperceberem do fato, como o relato demonstra a seguir:
A pesquisadora pergunta se estão percebendo que estão elaborando
propostas? Se gostariam de listá-las e levá-las também à instância
superior? Curiosamente, as mesmas pessoas que acabaram de
elaborar propostas não as reconhecem e perguntam: Qual proposta?
Depois de esclarecidas, ficam admiradas, refletem sobre o que
haviam dito e passam a fazer a lista (RIBEIRO, 2006).

A pergunta da trabalhadora: “Qual proposta?” deixou claro


que os trabalhadores não estavam identificando as propostas que
faziam. A intervenção da pesquisadora, apesar de simples, possibilitou
a tomada de consciência desse fato. Nesse prisma, a observação
participante é uma potente ferramenta, possibilita a busca do
significado da essência das relações de trabalho, inserindo,
gradativamente, questionamentos aos trabalhadores, produzindo
reflexões sobre a organização do trabalho e o sofrimento psíquico e
desencadeando a busca de alternativas nesse processo.
A análise dos dados da observação participante é dinâmica e
processual, relacional e prática, ocorrendo de forma concomitante. No
entanto, também será retomada num momento final de análise,
integrada a outros recursos utilizados na coleta de dados, em situações
de pesquisa acadêmicas ou profissionais. Da mesma forma, a
devolutiva é integrada ao processo, desde seu início, podendo ser
ampliada num momento específico, desde que isso seja demandado.
Referências
MARTINS, S. T. F. O materialismo histórico e a pesquisa-ação em psicologia
social e saúde. In: ABRANTES, A.A.; SILVA, N.R.; MARTINS, S.T.F. Método
histórico-social na psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2005. pp.139-154.
MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: Pesquisa qualitativa em
saúde. São Paulo: Hucitec, 2010.
RIBEIRO, S. F. R. O sofrimento psíquico dos trabalhadores de uma
equipe do Programa Saúde da Família na organização do trabalho.
Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Medicina Botucatu, Universidade
Estadual Paulista, 2006.

315
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E SAÚDE MENTAL
Pedro F. Bendassolli; Fellipe Coelho-Lima; Laura Kyvia de Almeida
Soares
Os impactos do trabalho sobre a saúde mental é um tema
vasto e que remonta, pelo menos, ao século dezessete com os estudos
pioneiros de Ramazzini. Por muito tempo, ou mesmo ainda em nossos
dias, o grande objetivo era adaptar o homem ao trabalho, e não o
inverso. Essa pretensão foi, decerto, motivo para a produção de muito
sofrimento na experiência humana de trabalho. É como se a cama de
Procusto nunca fosse do mesmo tamanho de seu ocupante.
​Na tradição da psicopatologia do trabalho francesa, porém, a
orientação começou a mudar no início do século passado. Não mais
adaptar o homem ao trabalho, mas sim este último àquele, na medida
do possível. Estudos conduzidos por psiquiatras como Le Guillant
confirmam o que hoje conhecemos por nexo causal entre trabalho e
saúde mental. No caso daquele pesquisador, como hoje muitos sabem,
a mudança de ênfase implicou, entre outras coisas, em entender os
determinantes sociais das doenças mentais que afetavam os
trabalhadores. No célebre estudo das telefonistas, é possível, para
além das conclusões contundentes a que Le Guillant chegou sobre a
etiologia das doenças mentais em sua ramificação social, também
perceber que as telefonistas não eram quaisquer pessoas, mas tinham
em comum condições sociais menos favoráveis.
​Similarmente, na história da psicopatologia do trabalho francesa,
há a emergência de uma visão aparentemente antagônica à até então
dominante, no início do mesmo século passado. De fato, se, de um lado, o
trabalho, ao menos graças ao modo como ele vinha sendo organizado em
condições capitalistas em consolidação, era fator de adoecimento e morte,
de outro esse mesmo trabalho tinha o poder de curar. A contribuição de
Tosquelles (2009), neste particular, é fundamental. Ele mostrou que
havia uma capacidade curativa no trabalho, visto não apenas como uma
soma de comportamentos executados por um ‘operador’, mas, sobretudo,
como atividade viva. Então, a questão que logo se colocava, e que ainda
podemos colocar, concerne ao que deve existir, no modo como
organizamos o trabalho, para que ele preserve seu poder de transformação
da pessoa, de desenvolvimento.
​A história da relação entre organização do trabalho e saúde
mental, na esteira dessa tradição da psicopatologia francesa, desagua,
a nosso ver, em uma distinção pouco explorada, mas muito poderosa,
a qual, sob certa medida, coloca autores como Y. Clot e C. Dejours em
diálogo, sendo esta a trilha que gostaríamos de brevemente seguir
neste verbete. De um lado, a organização do trabalho é vista como um

316
processo de organização da tarefa, isto é, como o esforço de articular
um conjunto de ações que precisam ser executadas de determinado
modo e em certos contextos; e, de outro, o núcleo de qualquer
atividade, a relação do sujeito com o real do trabalho. Fundamental,
em uma discussão sobre os impactos das condições ou da organização
do trabalho sobre a saúde é identificar esse relacionamento tenso e
ambíguo entre essas duas dimensões.
​Em certa tradição ergonômica, ou mesmo na psicodinâmica do
trabalho de Dejours, o foco recai sobre a análise dos impactos do gap entre
tarefa e atividade. O sofrimento, o adoecimento, ambos emergeriam do
desencontro entre o desejo de organizar a própria atividade e a imposição
da tarefa, via administração do trabalho (seja ela ‘científica’, ou não). A
organização do trabalho compreende o manejo dos aspectos prescritos, da
impessoalidade de normas e regras, como também as relações de poder, o
ordenamento de pessoas, papéis e comportamentos prescritos. A produção
de sentido no trabalho seria tributária do esforço pessoal para encontrar as
condições possíveis para sublimar, para colocar de si nas diversas
incapacidades de o prescrito absorver todas as possibilidades da atividade,
ou do trabalho real. A luta a ser travada seria, então, contra quem organiza
a atividade, desde a perspectiva desta como tarefa regulada.
​O foco no real do trabalho, ou na atividade real, porém, é
menos evidente. O real acaba ou sendo desprezado ou ignorado. O fato
é que, independentemente do modo como a atividade consiga, via
engajamento e mobilização subjetiva (pessoal e coletiva), vencer os
imperativos do prescrito, mesmo assim não haverá nenhuma garantia de
“saúde” por parte dos trabalhadores. E por quê? Ora, pois existe outro
nível da organização do trabalho que diz respeito ao confronto com a
atividade real, e esta última é incapturável, ou seja, indefinida em sua
essência. O real do trabalho corresponde a tudo aquilo que o trabalhador
gostaria de fazer, mas não pode, que está fazendo no lugar de outra
coisa, que deveria fazer mas não faz, e assim por diante (CLOT, 2009).
É o real que “escapa”, como coloca Dejours (2013).
​Um exemplo talvez ajude a clarificar. Suponha dois médicos.
Um, atuando em um hospital público, típico de grandes cidades
brasileiras, com péssimas condições de trabalho e excesso de demanda.
Outro, atuando em um hospital particular com todas as condições,
humanas e materiais, para que possa realizar um bom trabalho, um
trabalho bem-feito. A despeito das diferenças, em ambos os casos
haverá morte. A morte, neste caso, representa o ocaso, a manifestação
do real. O sofrimento no trabalho não decorre de o médico ser incapaz
de interromper a morte, mesmo porque isso seria impossível. O
sofrimento decorre de o médico testemunhar o real e, nas condições em
que atua, não ter os recursos, pessoais, interpessoais, sociais,
317
tecnológicos ou das “condições de trabalho” mais amplamente falando,
para fazer face contra ele, dentro de critérios que ele, e seu coletivo,
reputam como minimamente “decentes”. É a impotência produzida,
criada, artificial, que mata o trabalhador na sua potência, e não, por si
mesmo, a organização do trabalho, embora esta última contribua como
obstáculo ou impedimento.
​Portanto, a organização conviria de ser analisada contra o pano
de fundo do real do trabalho. Não deveríamos, em ato contínuo, afirmar
que tais condições, necessariamente, levam ao sofrimento, ao
adoecimento. Deveríamos, antes disso, analisar o real do trabalho, para
além das ideologias e dos discursos vazios e, uma vez o
identificando, então, reconstruir, junto com os trabalhadores, as formas de
construção da experiência coletiva para fazer face contra ele, mesmo que
isso implique em “ir contra” a organização prescrita do trabalho. Do
contrário, vamos seguir presos, ainda que com as melhores intenções, de
novas formas de higeinismo, ou de cegueira, pois só falamos em
condições de trabalho, e quase nada do conteúdo do trabalho, seu poder
de cura, como nos lembrou Tosquelles, inclusive seu poder disruptivo em
relação ao real instituído nas organizações de trabalho.
Referências
CLOT, Y. Travail et pouvoir d’agir. Paris, PUF, 2009.
DEJOURS, C. Travail vivant. Paris, Payot, 2013.
TOSQUELLES, F. Le travail thérapeutique en psychiatrie. Paris, Érès, 2009.

ORGANIZAÇÕES PROMOTORAS DE SAÚDE


Andréa Claudia de Souza; Joceli Drummond
Organizações Promotoras de Saúde (OPS) fomentam a saúde de
seus colaboradores e estimulam o bem estar da família e da sociedade.
Segundo a Carta de Ottawa (1986), a saúde é biopsicosocial-espiritual.
Um corpo são, uma mente sã, relações saudáveis em um ambiente positivo
para si e para os outros é uma das premissas para a Organização
Promotora de Saúde. Os indicadores de promoção de saúde organizacional
são: autonomia, justiça, equidade, respeito, comunicação, pertencimento,
aprendizagem contínua e equilíbrio entre trabalho e vida social. Para a
saúde social não basta viver em sociedade, mas o direito a condições
básicas de qualidade de vida incluindo a saúde financeira e
sustentabilidade. As empresas promotoras de saúde são tambem
consideradas humanizadas.
Qualquer organização pode se tornar responsável pela saúde
de seus participantes e de seu entorno e toda organização,
independente de suas peculiaridades, pode ser uma organização em

318
primeiro lugar saudável e em segundo lugar promotora de saúde
(SOUZA, DRUMMOND e DRUMMOND, 2010).
É importante também cuidar do ambiente e da estrutura física
salvaguardando a saúde física e prevenindo doenças. A ergonomia e a
economia devem ser estimuladas de forma saudável e sustentável.
Portanto, uma Organização Promotora de Saúde (OPS) tem
seus integrantes saudáveis em todos estes níveis, em um ambiente que
lhes ofereça liberdade para se desenvolverem e levarem para sua
família, sua comunidade e sua sociedade condições de também se
desenvolverem e se sentirem reconhecidos.
A área ou departamento de Gestão de Pessoas deve contribuir
para a implantação e implementação deste conceito. Levar
informações por meio de treinamentos e projetos de inclusão de todos
os atores sociais envolvidos com a organização e com a sociedade.
Uma organização, envolve uma rede de pessoas que são
afetadas a cada decisão tomada e os rumos de um grupo são definidos
pelo grupo e para o grupo.
Outra questão que fortalece o conceito de OPS é a
interdisciplinaridade e a intersetorialidade (SOUZA, 2012). Não há
empresa que alcance o crescimento sem a comunicação entre as
diferentes áreas e setores e, para tanto, as relações interpessoais
interferem no alcance destas dimensões de formas saudáveis. Outra
dimensão da promoção de saúde é se fazer ver e ser estudada fora de seu
próprio ambiente, levando conhecimento além da própria empresa, para
a sociedade, como avanços tecnólógicos e melhores práticas.
Enfim, uma OPS cuida do trabalhador adoecido, previne por
meio de programas e do incentivo a boa ergonomia e estrutura física,
estimula a prevenção de doenças físicas e emocionais, cuida do
entorno e das famílias, incentiva os estudos sobre saúde, cuida do
bem-estar de todos possibilitando que o trabalho seja produtivo e suas
práticas possam atingir toda a sociedade.
Referências
CARTA DE OTTAWA. Primeira Conferência Internacional sobre
promoção da saúde; novembro de 1986; Ottawa; Ca. In: Ministério da
Saúde (BR). Secretaria de Políticas de Saúde, 1986.
SOUZA, A. C. Organizações Promotoras de Saúde: Um novo tempo.
Artigo apresentado no 18º Congresso Brasileiro de Psicodrama, Distrito
Federal, Brasília, Brasil. (2012, Junho).
SOUZA, A. C.; DRUMMOND, J. R. DRUMMOND, V.Organização
Promotora de Saúde, II Congresso Brasileiro de Psicologia da Saúde;
Inst.promotora/financiadora: Universidade Federal de Uberlândia,
Uberlândia, 2010, agosto.

319
PERCEPÇÃO DE SUPORTE ORGANIZACIONAL
Mauricio Robayo Tamayo
O suporte organizacional é definido por Eisenberger,
Huntington, Hutchison e Sowa (1986) como “as crenças globais
desenvolvidas pelo empregado acerca da extensão em que a
organização valoriza as suas contribuições e cuida do seu bem-estar”
(p. 501). Para esses autores, a percepção do suporte organizacional
funciona conforme o mesmo processo de atribuição que as pessoas
utilizam para definirem o comprometimento dos outros nas relações
sociais. A percepção de suporte organizacional (PSO) depende de
diversos fatores envolvidos na maneira como a organização trata o
empregado. Esses aspectos determinam as interpretações do indivíduo
sobre os motivos da organização subjacentes a esse tratamento
(EISENBERGER; HUNTINGTON; HUTCHISON; SOWA, 1986).
Conforme a Teoria do Suporte Organizacional, a PSO é
explicada pela tendência dos empregados de atribuir características
humanas à organização (personificação). Nesse processo, ações dos
agentes da organização poderão ser consideradas como ações da
própria organização. A personificação da organização explica que um
tratamento favorável ou desfavorável seja visto pelos empregados
como uma indicação de que a organização os favorece ou desfavorece
(RHOADES; EISENBERGER, 2002).
Sob a perspectiva da teoria da troca social, a PSO está baseada
na busca das pessoas por reciprocidade nos seus relacionamentos: o
que elas investem e ganham em uma relação deve ser proporcional aos
investimentos e ganhos da outra parte. Quando o empregado e o
empregador aplicam a norma de reciprocidade na sua relação, o
tratamento favorável recebido por qualquer uma das partes será
recíproco, o que levará à obtenção de benefícios mútuos (RHOADES;
EISENBERGER, 2002).
A teoria do suporte organizacional aborda três processos
psicológicos subjacentes relacionados com as consequências da PSO: a)
tendo em vista a norma de reciprocidade, a PSO deve gerar um
sentimento de obrigação de cuidar do bem-estar da organização e de
ajudar a que organização atinja seus objetivos; b) o cuidado, a
aprovação e o respeito associados à PSO devem preencher as
necessidades socioemocionais, favorecendo a incorporação, na
identidade social, do sentimento de pertencer à organização e do papel e
c) a PSO deve reforçar as crenças dos empregados de que a organização
reconhece e recompensa o aumento do desempenho. Esses processos
devem trazer consequências favoráveis para os empregados e para a
organização (RHOADES; EISENBERGER, 2002).

320
Os trabalhadores ingressam na organização com expectativas
referentes ao seu papel profissional e ao que a instituição fará para
recompensá-los e para facilitar seu trabalho. Com o passar do tempo,
os indivíduos comparam essas expectativas com a realidade que
vivenciam no dia a dia na organização. Resultados discrepantes nessa
comparação podem influenciar o comportamento das pessoas no
trabalho (CORDES; DOUGHERTY, 1993).
Diversos estudos têm abordado a relação da PSO com
fenômenos que afetam a saúde mental do trabalhador de forma
negativa (ex. estresse ocupacional, burnout, assédio moral) ou positiva
(ex. engajamento no trabalho). Em relação ao estresse ocupacional,
por exemplo, níveis altos de PSO têm sido associados negativamente
com estressores relacionados ao papel do trabalhador (conflito de
papéis, ambiguidade do papel). Organizações que se preocupam com
o bem-estar dos seus empregados reduzem as complicações e
distrações que possam afetar o desempenho de seus trabalhadores,
como, por exemplo, as demandas conflituosas. Essas organizações
comunicam claramente a seus colaboradores as suas expectativas e
normas (JAWAHAR; STONE; KISAMORE, 2007).
No que concerne ao burnout, estudos têm evidenciado que os
trabalhadores apresentam níveis mais baixos dessa síndrome quando
percebem que a sua organização se preocupa realmente pelo bem-estar
dos seus empregados (JAWAHAR; STONE; KISAMORE, 2007;
TAMAYO, 2008; TAMAYO; TRÓCCOLI, 2002).
Pesquisas também têm evidenciado o papel mediador da PSO
na relação entre o estresse ocupacional e as dimensões do burnout
exaustão e ineficácia (XU; YANG, 2018) e o papel moderador da PSO
na relação entre o conflito de papéis e a exaustão emocional
(JAWAHAR; STONE; KISAMORE, 2007).
O caráter moderador da PSO também tem sido investigado em
relação a condutas no ambiente organizacional que ameaçam a saúde
mental do indivíduo, tais como o assédio moral no trabalho. Esse
comportamento pode ser interpretado pelos trabalhadores como uma
falha da organização para zelar pelo seu bem-estar (NASEER; RAJA;
SYED; BOUCKENOOGHE, 2018). Sob a ótica das teorias de troca
social e de conservação de recursos, esses autores concluíram que uma
alta PSO facilita o enfrentamento de situações de assédio moral e
favorece a reciprocidade mediante comportamentos de cidadania
organizacional. Já uma baixa PSO pode promover a perda de recursos
do indivíduo, reduzindo o desempenho no trabalho e incrementando
os comportamentos de retaliação organizacional.
Por fim, cabe mencionar a relação da PSO com o engajamento
na atividade laboral. A PSO, refletida em um trabalho significativo
321
para o indivíduo e em uma cultura positiva de suporte, favorece o
engajamento, tal como evidenciado no estudo longitudinal de Biggs,
Brough e Barbour (2014).
Referências
BIGGS, A.; BROUGH, P.; BARBOUR, J. P. Relationships of individual and
organizational support with engagement: Examining various types of
causality in a three-wave study. Work & Stress, v. 28, pp. 236-254, 2014.
CORDES, C. L.; DOUGHERTY, T. W. A review and an integration of research
on job burnout. Academy of Management Review, v. 18, pp. 621-656, 1993.
EISENBERGER, R; HUNTINGTON, R; HUTCHISON, S; SOWA, D. Perceived
organizational support. Journal of Applied Psychology, v. 77, pp. 500-507, 1986.
JAWAHAR, I. M.; STONE, T. H.; KISAMORE, J. L. Role conflict and
burnout: The direct and moderating effects of political skill and perceived
organizational support on burnout dimensions. International Journal of
Stress Management, v. 14, pp. 142-159, 2007.
NASEER, S.; RAJA, U.; SYED, F.; BOUCKENOOGHE, D. Combined
effects of workplace bullying and perceived organizational support on
employee behaviors: does resource availability help? Anxiety, Stress, &
Coping: An International Journal, v. 31, pp. 654-668, 2018
RHOADES, L; EISENBERGER, R. Perceived organizational support: A review
of literature. Journal of Applied Psychology, v. 87, pp. 698-714, 2002.
TAMAYO, M. R. Burnout: aspectos gerais e sua relação com o estresse no
trabalho. [In]: TAMAYO, A. (Org.). Estresse e cultura organizacional. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 2008. pp, 75-105.
TAMAYO, M. R.; TRÓCCOLI, B. T. Exaustão emocional: relações com a
percepção de suporte organizacional e com as estratégias de coping no
trabalho. Estudos de Psicologia, v. 7, p. 37-46, 2002.
XU, ZHIHUA; YANG, FU. The impact of perceived organizational support on
the relationship between job stress and burnout: a mediating or moderating role.
Current Psychology. https://doi.org/10.1007/s12144-018-9941-4.

PERÍCIA MÉDICA EM SAÚDE MENTAL E TRABALHO


Marcos Henrique Mendanha
Antes de adentrarmos no conceito do termo, vale o exercício
aristotélico de o esmiuçarmos.
O termo perícia provém do latim peritia, que significa
“experiência”. Grosso modo, trata-se de um conhecimento especial ou
uma grande habilidade em uma atividade ou área específica. Para
Hermes Rodrigues de Alcântara, “perícia é a capacidade teórica e
prática para empregar, com talento, determinado campo do
conhecimento, alcançando sempre os mesmos resultados”. Na
linguagem jurídica, significa a pesquisa, o exame, a verificação acerca
da verdade ou da realidade de certos fatos; é um meio de prova
admitida no Direito, sendo o perito, sob o compromisso da verdade,
nomeado pela autoridade judiciária (ou administrativa) para ajudar a
322
esclarecer um fato considerado relevante para o pronunciamento do
órgão judicante (FIGUEIREDO, FREIRE, LANA, 2006).
Dessa forma, perícia médica é todo e qualquer ato
propedêutico ou exame realizado por médico, com a finalidade de
contribuir com as autoridades administrativas, policiais ou judiciárias
na formação de juízos a que estão obrigadas. É um ato privativo do
médico, podendo ser exercida pelo médico civil ou militar, desde que
investido em função que lhe assegure a competência legal e
administrativa para tal.
Devido à grande importância da perícia médica, Tourdes
afirma que “os médicos resolvem as questões e os juízes decidem as
soluções”. Hélio Gomes assevera que “o laudo pericial é, muitas
vezes, o prefácio de uma sentença”. Genival Veloso de França defende
que talvez a maior e mais nobre missão da Medicina Legal seja
justamente a de orientar e iluminar a consciência jurídica.
A perícia médica em saúde mental consiste, em essência, na
avaliação médica acurada do periciando (tendo por base e fundamento
maior o exame psiquiátrico clínico) e no registro fiel do que foi
observado, bem como na formulação de comentários médico-legais, nos
quais se buscará relacionar os achados clínicos com a legislação
vigente, e na resposta pelos quesitos formulados pelo juiz e pelas partes.
Importante sublinhar as peculiaridades dessa avaliação
pericial, em especial no que tange as diferenças com a consulta
psiquiátrica assistencial. Nesta, elimina-se, em tese, qualquer interesse
do paciente e seus familiares que não seja a melhora clínica e
reestabelecimento da saúde mental do indivíduo em análise. Na
avaliação pericial, interesses diversos (como por exemplo, obtenção
de indenizações e auxílios previdenciários, entre outros) tornam a
avaliação mais meticulosa e delicada.
A interface saúde mental e trabalho tem ganhado cada vez
mais importância com o aumento da prevalência dos chamados
Transtornos Mentais Relacionados ao Trabalho. Conforme estatísticas
previdenciárias recentes, as doenças mentais já assumiram a segunda
colocação entre as doenças ocupacionais que mais incapacitam os
trabalhadores, perdendo apenas para o grupo das doenças
osteomusculares relacionados ao trabalho (DORTs).
Ante a sua complexidade, entre os maiores desafios da perícia
médica em saúde mental e trabalho estão a formulação e/ou confirmação
do correto diagnóstico psiquiátrico dentro do limitado contexto pericial
(que muitas vezes se estabelece num contato único entre perito e
periciando), e o estabelecimento inequívoco do nexo de causalidade ou

323
concausalidade (ou a exclusão destes) entre a moléstia psiquiátrica
verificada e o ambiente de trabalho.
Perícia médica em saúde mental e trabalho é, portanto, uma
avaliação médica acurada do periciando (tendo por base e fundamento
maior o exame psiquiátrico clínico) que apresenta, entre seus maiores e
instigantes desafios, a formulação e/ou confirmação do correto
diagnóstico psiquiátrico e o estabelecimento inequívoco do nexo de
causalidade ou concausalidade (ou a exclusão destes) entre a doença
mental verificada e o respectivo ambiente de trabalho.
Referências
ABDALLA-FILHO, E.; CHALUB, M.; TABORDA, J. G. V. Psiquiatria
Forense. 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2012.
ALCÂNTARA, H. R. Perícia Médica Judicial. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora
Koogan, 2006.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA: CONSELHO REGIONAL DE
MEDICINA DO ESTADO DE GOIÁS. Perícia Médica. Brasília, 2012.
FIGUEIREDO, A. M.; FREIRE, H., LANA, R. L. Profissões da Saúde:
Bases Éticas e Legais. 1 ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2006.

POLIVALÊNCIA
Dâmaris de Oliveira Antunes; Elaine Cristina Vaz Vaez Gomes;
João Carlos Messias; Vanusa Meneghel
O termo polivalência refere-se, em Psicologia, à possibilidade
que alguns indivíduos têm de exercer muitas funções diferentes e tem
sido utilizado na contemporaneidade, principalmente no contexto
organizacional, devido às mudanças no mundo do trabalho que
exigem a requalificação do trabalhador, que passa a requerer
polivalência e multifuncionalidade.
Para Magalhães (2012) a polivalência pode ser entendida como a
multiplicação da habilidade humana por meio do conhecimento e da
capacidade de interação e realização de um alto número de funções, com
base no trabalho em grupos e autonomia no trabalho. O trabalhador
polivalente é aquele com múltiplas habilitações, capaz de enfrentar
imprevistos, aberto à inovação e ao desenvolvimento e que domina e
administra o seu próprio processo produtivo. Trata-se de um trabalhador
com vários conhecimentos, o que possibilita sua atuação em diferentes
espaços ocupacionais. Esse trabalhador é denominado multifuncional,
por tratar-se de um profissional conhecido e reconhecido em virtude de
sua atuação múltipla no contexto do trabalho.
Observa-se que a polivalência pode ser associada a
plurivalência, versatilidade, ecletismo, como um sinônimo. Entretanto,
o termo que descreve seu sentido original é a multifuncionalidade.

324
Nesse sentido, para alguém se tornar um profissional polivalente, é
necessário buscar conhecimento. No cenário organizacional, a
polivalência também representa a organização das funções para
aumento da flexibilidade e qualidade dos serviços atrelada ao modelo
denominado de reestruturação produtiva, levando em consideração a
polivalência de funções. Para tanto, é necessária a rotação de trabalho
dentro do setor ou entre vários setores da organização.
Dessa forma, a polivalência exercida na empresa tem o propósito
de flexibilizar a mão de obra e contribuir para o cumprimento das tarefas
diárias, de forma que os colaboradores desenvolvam suas competências e
se qualifiquem para o mercado. Berkenbrock (2016) menciona que a
prática da polivalência ocorre atualmente, havendo modelos disponíveis
para sua aplicação e acompanhamento. Esse mesmo autor menciona o
modelo usado pela Toyota, o qual contribui para avaliar qual nível de
conhecimento que operador polivalente possui antes, durante e ao final do
processo de rotação. Quando ele atingir o maior nível, é considerado um
operador polivalente para aquela atividade.
Neste cenário existem vantagens e desvantagens, seja para a
organização quanto para o trabalhador. Esse novo modelo de estruturação
do trabalho pode promover repercussões deletérias na saúde física e
mental do trabalhador, não só em termos da aquisição da doença, mas
também no agravo das doenças relacionadas ao trabalho. Uma vez que o
profissional polivalente precisa atender a um perfil que possui algumas
características tais como disponibilidade para treinamento contínuo,
adequado relacionamento interpessoal, iniciativa, responsabilidade,
criatividade e versatilidade, podem ocorrer, devido ao processo de
intensificação do trabalho, cansaço, ansiedade, estresse, desânimo,
dificuldade para dormir, dores de cabeça, entre outros. (CHIARIELLO e
EID, 2011; CARDOSO 2015, SILVA e ALMEIDA, 2017). Faz-se
necessário avaliar como a polivalência está sendo exercida, uma vez que
acontece no trabalho de maneira informal, pois não há documentos que
registrem como deveria ser praticada e avaliada.
Assim sendo, observa-se que as mudanças em decorrência da
flexibilização refletem diretamente na saúde do trabalhador, que passa
a ter sua capacidade laboral afetada ao inserir-se em condições
precárias e multifuncionais de trabalho, levando a um quadro
disfuncional. De acordo com Abramides e Cabral (2003, p. 7), “[...] a
força de trabalho, considerada mercadoria básica no processo de
produção capitalista, é requerida pelo mercado, mas lhe é exigido ter a
saúde necessária para executar um processo de trabalho”.
Ressalta-se a importância de respeitar a individualidade do
trabalhador, pois cada um reage e é afetado de formas diferentes pelas
325
mesmas questões. No entanto, há situações com maior risco de
desencadear e potencializar reações de estresse, como no caso do
trabalhador polivalente. Sabe-se que cada pessoa tem seus
mecanismos de enfrentamento, porém o processo de adoecimento não
deve ser individualizado, uma vez que este não depende apenas da
relação entre a demanda e as capacidades do indivíduo. Também se
assume que uma situação é estressante quando há disparidade entre as
demandas da empresa e os recursos por ela disponibilizados para que
o trabalhador as possa atender. Sendo assim, o adoecimento pode ser
visto não como indicativo de fragilidade do indivíduo, mas como
revelação do mau funcionamento das empresas (CARDOSO, 2015).
Em suma, o exercício da multifuncionalidade ou polivalência,
aqui entendidas como sinônimos, são perfis que exigem do
trabalhador um ritmo de trabalho intenso e que pode ocasionar maior
pressão mental e física, ocasionando prejuízos. Quando restrito a um
curto ou esporádico período, possivelmente não traria consequências
negativas, entretanto, se o tempo for prolongado podem ocorrer
reações de estresse e, consequentemente, adoecimento (CARDOSO,
2015; SILVA e ALMEIDA, 2017). É importante entender o assunto
polivalência em virtude de sua complexidade e presença latente no
contexto de trabalho da contemporaneidade, com vistas à saúde física
e mental dos trabalhadores, gestores e instituição, a fim de propiciar
uma melhor qualidade de vida no ambiente de trabalho.
Referências
ABRAMIDES, M. B. C; CABRAL, M. S. R. Regime de acumulação
flexível e saúde do trabalhador. São Paulo Perspec. [online]. 2003, vol.17,
n.1, pp.3-10. ISSN 1806-9452. https://doi.org/10.1590/S0102-
88392003000100002.
BERKENBROCK, F. Analise da prática da polivalência em uma cooperativa
de credito. Recape. Revista de Carreira e Pessoas. São Paulo. Número 3.
Volume VI. 2016.
CHIARIELLO, C. L; EID. F. Revisando conceitos: polivalência, politecnia e
cooperação no debate sobre organização do trabalho. Redd – Revista Espaço
de Diálogo e Desconexão, Araraquara, v. 4, n. 1, jul/dez. 2011
CARDOSO, A. C. O trabalho como determinante do processo saúde-doença.
Tempo Social, Revista de sociologia da USP, v. 27, n. 1. 2015.
MAGALHÃES, R. M. C. P. N. Compreender a polivalência em contexto
organizacional: Contributos da Psicologia do Trabalho. Dissertação
apresentada à Universidade Católica Portuguesa. Porto. Portugal. 2012.
SILVA, J. P. C.; ALMEIDA, B. L. F. O trabalho multifuncional e os
impactos na saúde do trabalhador. VIII Jornada de Políticas Públicas.
2017. São Luiz Maranhão. Cidade Universitária.

326
PRESENTEÍSMO E ADOECIMENTO NO TRABALHO
Heloisa Campos Paschoalin
O presenteísmo é definido como a presença do funcionário ao
trabalho, porém, devido a problemas físicos ou mentais, o indivíduo
não consegue desempenhar, em sua plenitude, suas atividades laborais
(LARANJEIRA, 2009; JOHNS, 2010).
O termo presenteísmo foi identificado pelo professor Cary
Cooper, psicólogo especialista em administração organizacional da
Universidade de Manchester, no Reino Unido, na década de 50.
Apesar do conceito ter surgido há décadas, é relativamente novo na
literatura de saúde e produtividade, podendo, ainda, apresentar alguma
dificuldade de entendimento.
Ao longo do tempo e até mesmo nos dias de hoje, muitas
gerações têm assumido que os trabalhadores são produtivos enquanto
estão no trabalho. Porém, as pesquisas têm mostrado que os trabalhadores
podem estar no trabalho, mas não totalmente focados em suas tarefas e
responsabilidades devido a agravos de saúde física ou mental.
Embora num primeiro momento, o presenteísmo possa parecer
vantajoso para as organizações, os empregadores estão começando a
perceber que ele representa um dano silencioso e significativo na
produtividade. É considerado um comportamento de risco para os
próprios trabalhadores, podendo comprometer a saúde mental no
trabalho. Afeta primeiramente o desempenho individual e posteriormente
o desempenho coletivo pode ser igualmente prejudicado.
O funcionário doente, para ser capaz de produzir o mesmo que
os colegas saudáveis, terá um gasto maior de tempo e de esforço. Por
sua vez, os trabalhadores sadios que se envolvem auxiliando o colega
doente, acumulam tarefas e responsabilidades e, muitas vezes, se
sentem injustiçados e penalizados, gerando, assim um desgaste físico
e mental. Dessa forma, o presenteísmo ocasiona o adoecimento de
toda a equipe.
As investigações sobre o presenteísmo evidenciam a tênue
linha que o separa do absenteísmo. Os dois eventos seriam
componentes de um mesmo fenômeno, podendo ocorrer em sequência
ao longo do tempo e a ocorrência de um comportamento pode afetar a
probabilidade do outro. O presenteísmo pode agravar os problemas de
saúde já existentes e promover danos à qualidade de vida no trabalho
sendo reconhecido como um desempenho organizacional negativo
(DEMEROUTI, et al., 2008; BERGSTRÖN, et al., 2009).
O presenteísmo é compreendido por Johns (2010) como um
fenômeno complexo e multifatorial. Segundo o referido autor, os
327
trabalhadores que se encontram plenamente engajados em seu
trabalho, em algum momento de suas vidas são acometidos por algum
evento de saúde. Esses eventos podem ser agudos, episódicos ou
crônicos e, nessas ocasiões, cabe ao trabalhador a decisão de se afastar
ou permanecer no trabalho apesar de doente ou com algum sinal ou
sintoma de adoecimento.
Esta decisão sofrerá influências de características relacionadas
ao contexto de trabalho ao qual o trabalhador está inserido e de
características próprias do indivíduo. Entre as características do
contexto de trabalho, estão as demandas e as obrigações inerentes ao
cargo, a estabilidade e/ou ao tipo de contrato empregatício, a política
organizacional em relação ao absenteísmo, o sistema de recompensas
frente à assiduidade, a cultura da empresa em relação a presença e a
ausência do trabalhador. Outra questões que podem influenciar se
referem a relações interpessoais, sentimento de pertencimento,
facilidade de trocas entre a equipe, além da ameaça de mudanças de
atividades em caso de doença.
Em relação às características pessoais que interferem nessa
decisão, pode-se considerar a atitude do trabalhador em relação ao seu
trabalho e o nível de satisfação que ele tem com o mesmo, o tipo de
personalidade, o excesso de comprometimento com o trabalho e a
percepção de justiça. Considera-se também que o nível de estresse
vivenciado, a percepção que o trabalhador tem sobre a legitimidade da
ausência, como ele vê o papel de doente, o lócus de controle de
doença e o gênero são características pessoais que podem influenciar
na sua decisão (JOHNS, 2010).
Ao se discutir o presenteísmo, faz-se importante considerar
que o mesmo pode interferir muito mais na qualidade do que na
quantidade do trabalho. O trabalhador, mesmo doente ou com algum
sinal ou sintoma de adoecimento pode ser capaz de executar todas as
tarefas que lhe foram designadas, porém com a capacidade de
concentração diminuída, está sujeito a cometer erros que
comprometam sua integridade física e mental e de toda a equipe.
Essa questão, além de interferir na saúde mental dos
trabalhadores que sofrem os efeitos e as pressões psicológicas do erro
cometido, pode impactar na vida profissional e social dos mesmos. O
presenteísmo está associado a qualidade de vida e saúde mental dos
trabalhadores, sendo que permanecer no ambiente de trabalho, mesmo
doente, pode agravar os problemas já existentes e desencadear novos
transtornos psíquicos. Pode-se considerar também que a falta de
interesse e a insatisfação com o trabalho podem ser causas de
presenteísmo, interferindo negativamente no desempenho pessoal.
328
Portanto, é importante reconhecer que toda a equipe de
trabalho sofrerá os efeitos negativos do presenteísmo, principalmente
no que se refere ao bem-estar psicossocial. A convivência com o
estresse e com a sobrecarga física e psicológica, as relações
interpessoais conflituosas e a insatisfação no trabalho são fatores que
contribuem para o adoecimento mental no trabalho.
Referências
BERGSTRÖM, G; BODIN, L; HAGBERG, J; ARONSSON, G;
JOSEPHSON, M. Sickness presenteeism today, sickness absenteeism
tomorrow? A prospective study on sickness presenteeism and future sickness
absenteeism. J Occup Environ Med. V. 51, n.6, pp. 629-38, Jun, 2009.
DEMEROUTI, E.; LE BLANC, P. M.; BAKKER, A.B.; SCHAUFELI,
W.B.; HOX,J. Present but sick: a three-wave study on job demands,
presenteeism and burnout. Career Development International, v.14, n.1,
pp. 50-68, 2009.
JOHNS, G. Presenteeism in the workplace: a review and research agenda.
Jornal of Organizational Behavior, v. 31, pp. 519-542, 2010.
LARANJEIRA, C.A. O contexto organizacional e a experiência de stress: uma
perspectiva integrativa. Revista de Salude Pública, v. 11, n.1, pp. 123-133, 2009.

PREVALÊNCIA
Geovani Gurgel Aciole
Prevalência é um recorte estático, de momento, do que está
presente. É um termo bastante utilizado em epidemiologia e em saúde
pública. Descreve basicamente a força com que subsistem as doenças e
agravos nas coletividades humanas. Junto com incidência, a prevalência
constitui uma das medidas mais simples de calcular, e pode ser obtida
contando os casos existentes de um determinado agravo ou condição
numa determinada população em um determinado tempo. Tal número
expressa, assim, a correlação existente entre pessoas, espaço e tempo
que são os pilares do chamado método epidemiológico, isto é, para o
estudo da distribuição dos agravos e condições de doenças na população
em geral (ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).
Devemos ressaltar que o número de casos conhecidos de uma
determinada doença ou agravo mede os casos que subsistem, ou seja,
mede a soma dos casos antigos e os casos novos surgidos, diagnosticados
ou identificados por ocasião do levantamento. A importância da
prevalência guarda relação com a condição dinâmica de entrada e saída
de acometidos numa dada população, isto é, significa considerar pelo seu
cálculo a relação entre casos novos originários ou importados por
migrações bem como desconsiderar os óbitos, curas e altas decorrentes de
tratamento, caso exista, para a condição ou agravo sob estudo.

329
Em relação a variável tempo, é possível desdobrar o
coeficiente de prevalência em prevalência instantânea e prevalência
lápsica. A primeira é aquela que investiga uma condição ou agravo
num instante temporal definido, que pode ser um dia, uma semana, um
mês ou um ano. Na verdade, para a maioria dos estudos exploratórios
a melhor medida é aquela que mediria a prevalência dia a dia, de
modo a registrar amplamente a variação de ocorrência e acumulação
dos casos, porém, quando isto não é possível, costuma-se ampliar a
unidade de tempo para semanas, meses e até anos, tomando-se uma
frequência centrada na média de intervalo. Por exemplo, para o
coeficiente de prevalência de acometidos por uma doença ocupacional
X num determinado ano, é costume trabalhar com a data de 01 de
julho, ou ainda o último dia do ano.
Assim, se eu quero medir a prevalência de casos de
afastamento do trabalho por depressão ou intoxicação exógena, ou
qualquer condição predefinida, considero a data de 31 de dezembro do
ano em estudo, e somo todos os casos registrados por esta condição ao
longo do ano e desconto as altas e óbitos verificados, se for o caso.
Já a prevalência lápsica considera um intervalo de tempo –
lapso – mais ou menos longo em um dado lugar. Em outras palavras, é
a medida que expressa o número total de casos de uma condição,
agravo ou doença que se sabe ter existido durante um intervalo de
tempo unitário. Consiste na soma da prevalência pontual dia após dia,
semana após semana, ano após ano, dos casos novos diagnosticados
aos casos antigos existentes. Neste caso, não são levadas em conta as
defecções por alta ou óbitos. A prevalência lápsica tem, portanto,
valor bastante limitado e foi aqui apresentada apenas para reforçar o
valor do coeficiente de prevalência instantânea.
Semelhante ao que acontece com relação a incidência, a noção
ou conceito de prevalência pode ser mais importante, operacionalmente
falando, se é utilizada ou expressa em termos de taxa ou coeficiente. O
coeficiente de prevalência nada mais é que a relação entre o número de
casos conhecidos de uma dada doença, agravo ou condição numa
população, multiplicando-se este resultado pela base referencial que é
uma potência de 10, usualmente 100, 1000, 10.0000 (ALMEIDA
FILHO; BARRETO, 2011; MEDRONHO, 2005; ROUQUAYROL,
ALMEIDA FILHO, 2003; WALDMAN, 1998).
O seu cálculo é importante como um passo inicial aos estudos de
investigação sobre uma dada condição ou agravo de interesse. Por
exemplo, a alguém interessado em conhecer e aprofundar investigações
sobre uma condição inerente a saúde do trabalhador ou sobre a saúde
mental deste trabalhador, que queira saber mais, por exemplo, sobre a

330
relação existente entre trabalho em dada condição e ocorrência de
depressão, pode ser importante começar calculando a prevalência existente
entre todos os empregados ou ocupados naquele tipo de trabalho e a
variável que se quer observar. Outro passo importante, é que este mesmo
coeficiente de prevalência pode ser desdobrado ou complementado
relacionando variáveis correlatas como sexo, idade, estado civil etc.
Por dedução de sua fórmula, devemos observar que o coeficiente
de prevalência é proporcional ao tempo de duração do agravo ou doença
sob investigação ou estudo. Supondo estável o surgimento de casos
novos, tanto de doenças agudas quanto de condições crônicas, a tendência
é que ocorra um acumulado crescente de casos, o que permite estabelecer
tendências de prevalência, passível, porém, de modificação, graças aos
avanços terapêuticos e diagnósticos.
Pela simplicidade de obtenção, o coeficiente de prevalência
constitui um elemento de valiosa utilização para o planejamento de
ações em saúde pública (ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011;
ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 2003), muito em função do
número de acometidos por aquela condição ou agravo numa dada
comunidade. Para propósitos estritamente epidemiológicos, no
entanto, como a identificação de fatores causadores ou correlatos a
doenças e agravos, as medidas de prevalência (coeficientes ou taxas
de prevalência) são menos efetivas que as medidas de incidência
(coeficientes ou taxas de incidência).
Referências
ALMEIDA FILHO, N; BARRETO, M. (Orgs). Epidemiologia e Saúde:
fundamentos, métodos, aplicações. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2011.
MEDRONHO, R. Epidemiologia. 2ª Ed. São Paulo: Atheneu, 2005.
ROUQUAYROL, M. Z; ALMEIDA FILHO, N. Epidemiologia e Saúde. 6ª
Ed. Rio de Janeiro: Medsis, 2003.
WALDMAN, E. A. Vigilância em Saúde Pública. Coleção Saúde e
Cidadania, vol. 7. São Paulo: FSP/USP, 1998

PREVENÇÃO PRIMÁRIA, SECUNDÁRIA E TERCIÁRIA


Alessandra Laudelino Neto; Helen Paola Vieira Bueno;
Liliana Andolpho Magalhães Guimarães
Leavell & Clark, em 1965, propuseram com a obra “Medicina
Preventiva” o modelo conceitual de multicausalidade com foco na
história natural da doença, introduzindo três níveis de prevenção em
saúde: prevenção primária, secundária e terciária, privilegiando o
entendimento da saúde como um processo, representando à época um
avanço na história da epidemiologia e influenciando o delineamento
sistemático e o controle de doenças. O modelo proposto indica que a
prevenção em saúde “exige uma ação antecipada, baseada no
331
conhecimento da história natural, a fim de tornar improvável o
progresso posterior da doença” (LEAVELL & CLARCK, 1978, p 17).
O primeiro nível da prevenção primária indica uma atuação em
promoção da saúde coletiva, correspondendo a medidas educativas em
saúde mediante intervenções no meio ambiente (para não favorecer o
desenvolvimento de agentes etiológicos) e/ou nos hábitos e práticas das
pessoas (para resistir às agressões dos agentes). A proteção específica
caracteriza-se um segundo nível da prevenção primária, compondo
ações vinculadas a “interceptar as causas” de uma doença (tais como a
vacinação, saneamento e proteção aos riscos ocupacionais) destinadas a
saúde e o bem-estar das pessoas no período da pré-patogênese.
A prevenção secundária engloba estratégias de diagnóstico
precoce e tratamento adequado e oportuno às pessoas doentes ou
acidentadas, com intuito de evitar complicações e mortes prematuras,
além de possíveis propagações de doenças contagiosas.
A prevenção terciária consiste em intervenções no cuidado
das pessoas com sequelas de doenças ou acidentes, visando a
limitação do dano e o estabelecimento de ações voltadas a
reabilitação com o intuito da recuperação ou a manutenção do
equilíbrio funcional.
Esse modelo, ao evidenciar um esquema de aplicação de
medidas preventivas (períodos de pré-patogênese e patogênese), delineou
uma atuação no prolongamento e na qualidade de vida das populações,
redirecionando as práticas de saúde coletiva e os modelos de
interpretação do processo saúde-doença com objetivo do controle da
transmissão de doenças infecciosas e a redução do risco de doenças
degenerativas ou outros agravos específicos com base em conhecimentos
científicos e de indicações normativas de mudanças de hábitos
(CZERESNIA, 2003).
A prevenção primária, secundária e terciária prioriza as
características básicas dos novos modelos do campo de práticas e saberes
denominado Saúde do Trabalhador (BRASIL, 2001), que busca: 1) a
compreensão das relações entre o trabalho, a saúde e a doença dos
trabalhadores, para fins de promoção e proteção – nessa, incluída a
prevenção de agravos, além da assistência mediante o diagnóstico, o
tratamento e a reabilitação; 2) áreas de atenção à saúde, manual técnico
de promoção da saúde e prevenção de riscos e doenças na saúde
suplementar; 3) ênfase na necessidade de transformações dos processos e
ambientes de trabalho, com vistas à sua humanização; 4) abordagem
multiprofissional, interdisciplinar e intersetorial, para que a relação
saúde/trabalho seja entendida em toda a sua complexidade; 5) a
participação fundamental dos trabalhadores como sujeitos no
332
planejamento e implementação das ações; e 6) a articulação com as
questões ambientais.
Na atualidade, a gestão de saúde e segurança no trabalho
necessita se apropriar das boas práticas de prevenção (e promoção de
saúde) nos ambientes de trabalho. Isso melhora a produtividade, garante a
integridade física e mental dos trabalhadores, torna as organizações mais
competitivas e o ambiente laboral mais seguro e saudável.
Referências
BRASIL. Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os
direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo
assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 abr. 2001.
CZERESNIA, D. O conceito de saúde e a diferença entre prevenção e
promoção. In: Czeresnia, D.; Freitas, C. M. (Org.). Promoção da saúde:
conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz,2003, pp. 39-53.
LEAVELL, H. R.; & CLARK, G. Medicina Preventiva. São Paulo:
McGraw-Hill, 1978.

PROCESSOS PSICOSSOCIAIS NAS RELAÇÕES DE


TRABALHO E SAÚDE
Mateus Bender
Compreende-se por psicossocial a análise de aspectos sociais
na constituição subjetiva dos indivíduos. Trata-se da emoção, da
afetividade, da motivação, da consciência, dos valores e códigos
morais determinantes na conduta dos indivíduos. Os processos
psicossociais são procedimentos de análises da interação do indivíduo
com o meio o qual está inserido, mediante uma perspectiva subjetiva e
social. Assim, a intenção é compreender e explicar a maneira pela
qual os pensamentos, sentimentos e comportamentos dos indivíduos
poderão ser influenciados pelo seu meio.
Trata-se de explicar as ações humanas recorrendo às relações
dos sujeitos com outras pessoas ou grupos, pois toda ação humana é
considerada social. Os processos psicossociais interferem na formação
dos sujeitos, constituindo não só valores, mas sistemas de orientação
para a vida, os quais atuam na forma de enfrentamento da doença, na
realização e na manipulação das ações de saúde (ALLPPORT, 1954).
No cotidiano, a análise psicossocial ganha notoriedade em
diversos campos de estudo, em especial, na área laboral. Nesse contexto,
os processos psicossociais são relacionados aos vínculos do trabalhador
com diferentes aspectos do trabalho. Especificamente quanto à saúde do
trabalhador, são analisados os processos motivacionais, emocionais e
afetivos, ou seja, a relação do indivíduo com o desempenho de seu
trabalho mediante concepção subjetiva e social.

333
As reconfigurações organizacionais e do trabalho, com o
aumento do desemprego e do subemprego, são fonte de tensão
psicossocial, ou seja, apresentam consequências para o indivíduo e
para a comunidade. Visando o aumento da produção e da
lucratividade, novos arranjos organizacionais são criados em busca de
estruturas organizacionais mais flexíveis. As estruturas burocráticas
pesadas ganham mais leveza com o corte de níveis hierárquicos. A
terceirização passa a ser uma prática disseminada com forte
enxugamento de trabalhadores e precariedade nas relações de
trabalho. Os processos de trabalho, sob forte impacto das inovações
tecnológicas, alteram a relação do indivíduo com a atividade laboral e
passam a exigir novas competências e habilidades. Os grupos ou,
idealmente, as equipes de trabalho e, é claro, os indivíduos são
pressionados a dominarem uma gama cada vez mais ampla de tarefas
e a desenvolverem competências múltiplas. Novos modelos de gestão
são construídos tendo em vista a necessidade de manter e ampliar
níveis de produtividade em um contexto cada vez mais competitivo.
Os processos psicossociais em um contexto social de mudanças
no ambiente de trabalho interferem na saúde dos trabalhadores. As
políticas e diretrizes que se estabelecem acabam afetando os valores e
os padrões de comportamento que se propagam no local de trabalho e
acarretam, em maior ou menor grau, o desgaste físico e psicológico. O
distanciamento entre as exigências do ambiente de trabalho e as
expectativas e necessidades do trabalhador intensificam os danos
causados. Sensação de sobrecarga pelo excesso de trabalho, a falta de
controle sobre o próprio trabalho, violências psicológicas no ambiente
de trabalho e o medo permanente de desemprego são apenas alguns
exemplos da influência do processo organizacional sobre a
subjetividade e a interação social do indivíduo por meio do trabalho.
Referências
ALLPORT, G. W. The historical background of modern social psychology.
In: G. Lindzey (Org.). Handbook of social psychology. Reading: Addison-
Wesley. 1954. pp. 3-56.

PROCRASTINAÇÃO
Valdiney V. Gouveia; Mônica de Fátima Batista Correia
Diz respeito ao comportamento recorrente de adiar uma
atividade planejada, necessária e pessoalmente importante, prevendo-
se consequências mais negativas do que ganhos com esse adiamento.
O ato de procrastinar implica retardar a realização de algo que se
esperaria fosse prioritário na agenda da pessoa, a qual ocupa o tempo
com atividades secundárias ou não relacionadas com a sua
consecução. Pode compreender um deficit de autorregulação do
334
comportamento (procrastinação passiva) ou uma estratégia consciente
de gerenciamento do tempo, geralmente por quem realiza múltiplas
atividades, executando-as no último instante do prazo previsto
(procrastinação ativa). Pessoas que apresentam procrastinação ativa
lidam bem com pressão, alcançando comumente resultados
satisfatórios que reforçam sua conduta (GOUVEIA; PESSOA;
BARROS; COUTINHO; ARRUDA; 2014).
Apesar de ser possível falar em procrastinações passiva e ativa
(e também em seu oposto, isto é, precrastinação, uma inclinação a
concluir as atividades antecipadamente), o primeiro tipo é mais
conhecido, recebendo ênfase nesta ocasião. Comumente considerada
como um traço de personalidade ou uma predisposição a se engajar
em condutas postergatórias, a procrastinação é vivenciada ao menos
uma vez na vida por 80% da população em geral; estima-se, ademais,
que cerca de 50% das pessoas costumam procrastinar repetidamente
(CEBALLOS; VARGAS; SANTOS, 2017). Mesmo sendo uma
estratégia recorrente de organizar a vida e lidar com as demandas, a
procrastinação pode ter impacto negativo no cotidiano das pessoas,
sendo estudados seus efeitos, principalmente, nos âmbitos acadêmico
e laboral, embora possa comprometer outras esferas da vida (e.g.,
amizades, relações de casais, atividades esportivas).
Busca realizada no Scielo com a palavra “procrastinação”,
considerando o período de dez anos (2009-2019), permitiu identificar
apenas oito publicações no Brasil. Os temas abordados foram diversos
(e.g., tomada de decisão financeira, problemas éticos em saúde, gestão
de tempo em estudantes universitários, senso de controle, adaptação
de uma medida de procrastinação). Usando o mesmo descritor, na
Biblioteca Virtual em Saúde foi possível localizar 44 artigos, também
cobrindo temas diversos sobre procrastinação e seus correlatos (e.g.,
substrato neuronal da procrastinação, perspectiva temporal, neurose,
desempenho acadêmico), destacando-se a preocupação com
estudantes universitários e os efeitos da procrastinação no contexto da
atenção à saúde. Por fim, destaca-se que mais de 1.000 artigos podem
ser encontrados na base da APA PsycNet, que igualmente cobrem
correlatos diversos, alguns dos mais recentes abordando a questão da
saúde mental de procrastinadores. Chama atenção, entretanto, o
interesse crescente pelo tema, mais do que dobrando o número de
artigos nos últimos anos comparado com o ano de 2010.
A propósito da saúde mental das pessoas quando fazem uso de
estratégias procrastinadoras, existem evidências. Por exemplo,
comprovou-se que pessoas com tendência à procrastinação são mais
prováveis apresentar estratégias de autossabotagem e depressão,
pontuando menos em medidas de autoeficácia e autoestima (STEEL,
335
2007). Dos 31 artigos listados na APA PsycNet no primeiro semestre
de 2019, ao menos sete tratam de procrastinação e questões relativas à
saúde (e.g., ansiedade, autoestima, depressão, problemas de sono).
Portanto, reforça-se a ideia de que a procrastinação pode resultar em
consequências negativas para a saúde dos procrastinadores.
Em atividades laborais, a procrastinação é abordada
principalmente pela discussão entre presenteísmo (i.e., não-trabalhar
no ambiente de trabalho, ausência mental e absenteísmo). Garrido et
al., (2017) discutem o presenteísmo pelas vias da subjetividade do
trabalhador (o significado atribuído ao trabalho) e objetividade do
trabalho (a carga de trabalho envolvida). Por exemplo, quanto menos
significado é atribuído ao trabalho, maior a ocorrência de
comportamento procrastinador, demonstrando a relevância também de
aspectos motivacionais emergentes do sentido atribuído ao trabalho.
Sua análise sugere, principalmente, características individuais como
fatores explicadores da procrastinação, como a capacidade para o
planejamento, o desempenho e a avaliação das ações; embora não se
possam descartar as características organizacionais.
No contexto organizacional, a procrastinação é considerada
um hábito crônico de ilegitimamente justificar que a pessoa não
comece ou realize a tarefa. Ela pode potencializar o desconforto no
ambiente de trabalho, tendo um efeito negativo na organização e,
particularmente, na saúde dos trabalhadores. Comumente, a conduta
de procrastinar está associada com desperdício de tempo, desempenho
insatisfatório e aumento do estresse de membros da equipe do
procrastinador. Frisa-se que o estresse no trabalho é um dos riscos
mais sérios à saúde do trabalhador, resultando em tensão, ansiedade,
irritabilidade e insatisfação com o trabalho (BEHESHTIFAR;
HOSEINIFAR; MOGHADAM; 2011).
Em conclusão, apesar de ser estratégia recorrente, a
procrastinação é um atributo a ser combatido no contexto do trabalho.
Postergar uma atividade poderá implicar pressão contínua no trabalhador,
que tenderá a provocar problemas de ansiedade, depressão e distúrbios do
sono, tendo potencial para produzir estresse no ambiente de trabalho e
comprometer a saúde dos demais trabalhadores.
Referências
BEHESHTIFAR, M. et al. Effect procrastination on work-related stress.
European Journal of Economics, Finance and Administrative Sciences,
n. 38, pp. 59-64. Jan. 2011
CEBALLOS, C. G. T. et al. El estudio de la procrastinación humana como un
estilo interactivo. Avances en Psicología Latinoamericana, v. 35, n. 1, pp.
153-163, Jan. 2017.

336
GARRIDO, G. et al. Presenteísmo: Causas e consequências de um mal dubterrâneo.
Revista de Ciências da Administração, v. 19, n. 48, pp. 54-67. Ago 2017.
GOUVEIA, V. V. et al. Escala de Procrastinação Ativa: Evidências de
validade fatorial e consistência interna. Psico-USF, Itatiba, v. 19, n. 2, pp.
345-354, Ago. 2014.
STEEL, P. The nature of procrastination: A meta-analytic and theoretical
review of quintessential self-regulatory failure. Psychological Bulletin, v.
133, n. 1, pp. 65-94, Jan. 2007.

PROMOÇÃO DE SAÚDE MENTAL E TRABALHO


Alessandra Laudelino Neto; João Massuda Junior;
Liliana Andolpho Magalhães Guimarães
Historicamente, o conceito de promoção de saúde foi referido
no início do século XX pelo sanitarista Henry E. Sigerist, em 1946,
como uma das funções da medicina e por Leavell & Clarck, nos anos
de 1960, como parte da prevenção primária de atenção em medicina
preventiva. Na década de 1970, o conceito de promoção de saúde
obteve um processo de (re)valorização e (re)conceituação, em função
de demandas provenientes de indicadores socioeconômicos advindos
da assistência medica, sobretudo no Canadá, Estados Unidos e países
da Europa ocidental, resgatando, com um novo discurso, o
pensamento médico social do século XIX, de autores, tais como
Virchow, Villermée, Chadwick, acerca da saúde e condições de vida.
A partir de questionamentos recorrentes e movimentos centrados
em aproximações e distinções entre a prevenção de doenças e a promoção
da saúde, a Conferência Internacional sobre Promoção de Saúde,
realizada em Ottawa, em 1986, aproximou o conceito de promoção de
saúde dos aspectos salutogênicos, de proteção à saúde, enfatizando
também as transformações sociais que contemplam a estrutura subjacente
ao processo saúde-doença, em resposta à necessidade de uma nova
concepção de saúde pública, constituindo-se em um conceito positivo,
resultado de um conjunto de fatores sociais, econômicos, políticos e
culturais, coletivos e individuais.
Este conceito de promoção de saúde, estabeleceu uma série de
princípios éticos e políticos, ampliando a compreensão acerca dos
determinantes sociais do processo saúde-doença (e.g. condições de vida e
de trabalho), de forma a incluir a complexidade emergente dos problemas
de saúde, como aqueles relacionados à saúde mental dos trabalhadores,
além de considerar o local de trabalho como um dos espaços
fundamentais para o desenvolvimento de ações em promoção de saúde.
O papel do trabalho no processo de saúde-doença, embora
atual, remonta a antiguidade clássica, em que Hipócrates compreendia
a doença como uma totalidade. Já no século XVI, com a obra ‘De

337
Morbis Artificum Diatriba”, Bernardino Ramazzini elencou e associou
diferentes profissões às doenças típicas dos trabalhadores.
A promoção da saúde mental no local de trabalho
A promoção da saúde mental no local de trabalho inclui todas as
ações voltadas para proporcionar aos trabalhadores um ambiente seguro,
saudável e de bem-estar, incluindo a implementação de medidas de
gestão e controle dos fatores de proteção e de risco psicossociais. É
importante que estas iniciativas, implementadas com o objetivo de
promover a saúde no ambiente de trabalho, sejam integradas a um
programa amplo, cujo foco seja permitir aos trabalhadores explorar todas
as suas potencialidades, cumprindo com as exigências (físicas, biológicas,
psicológicas e sociais) existentes no contexto laboral e extra laboral, em
constante mutação, sem que a sua saúde física e mental seja prejudicada.
Destaca-se que as mudanças socioeconômicas ocorridas nas
últimas décadas, sobretudo na forma de produzir e organizar o
trabalho, trouxeram, de forma geral, consequências negativas para as
sociedades. Em 2016, por exemplo, no Brasil, os transtornos mentais e
do comportamento representaram a terceira maior causa de ausências
e incapacidades para o trabalho.
Este cenário, que antes despertava o interesse apenas de
organismos internacionais preocupados com a saúde dos trabalhadores
e entidades de classe, passou a ser motivo de preocupação para
diversas empresas e organizações afetadas pelos efeitos deletérios
destas transformações para suas operações (e.g. redução da
performance dos trabalhadores, aumento do absenteísmo e
presenteísmo e maior rotatividade dos trabalhadores).
É nessa conjuntura que os estudos desenvolvidos, com o
intuito de compreender as interações entre o conteúdo do trabalho, a
organização do trabalho e a gestão das organizações, despertaram
maior relevância e atenção, tanto na associação entre a presença de
fatores de risco psicossociais no trabalho e a redução do desempenho
dos trabalhadores (indicando a necessidade do manejo adequado
destes elementos), quanto na vinculação de boas práticas, segurança e
bem estar eficazes para uma maior satisfação no trabalho,
engajamento e produtividade em geral, sendo este um bom argumento
para o fomento de ações com foco na promoção da saúde mental no
contexto laboral
As ações precisam ser ampliadas por uma visão que leve em
conta a compreensão sobre o papel do trabalho na produção do
processo saúde-doença, desenvolvendo a promoção de saúde apoiada
em abordagens multidirecionais e multissetoriais com intervenções
integradas e fundamentadas em um modelo salutogênico, buscadas e
fomentadas em todos os níveis organizacionais, sendo que a promoção
338
da saúde valoriza sobretudo os processos e a sua operacionalização,
decorrente da experiência vivida e do protagonismo de todos os
envolvidos, permeando a rede de fatores que influi positivamente em
ambientes de trabalho cada vez mais seguros e saudáveis.
Referências
CZERESNIA, D. O conceito de saúde e a diferença entre prevenção e
promoção. In: Czeresnia, D.; Freitas, C. M. (Org.). Promoção da saúde:
conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003, pp. 39-53.
GUIMARÃES, L. A. M.; GRUBITS, S. Série Saúde Mental e Trabalho,
São Paulo: Ed. Casa do Psicólogo, 2004.

PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL NO TRABALHO


(ESTRATÉGIAS DE...)
Miryam Cristina Mazieiro Vergueiro da Silva
O conceito de que o trabalho é gerador de saúde (e
principalmente de saúde mental), é algo novo e tem sido abordado por
vários autores contemporâneos.
O trabalho pode ser benéfico quando o indivíduo consegue
extrair prazer daquilo que faz, oferecendo assim um cenário para atuação
dos seus impulsos construtivos. O trabalho e o trabalhar para o indivíduo
adulto – os confrontos e desafios dele advindos – constituem o espaço
privilegiado do desenvolvimento da sua identidade. Porém, o trabalho
também carrega em si um sofrimento intrínseco a ele, e este sofrimento
engendrado pelo trabalho é inerente a esse processo de confronto
identitário e não será necessariamente patológico: se o trabalhador tem
condições de superá-lo, poderá ser fator de crescimento e
desenvolvimento psíquico. Por isso podemos dizer que o trabalho na
atualidade, é central na busca por saúde (DEJOURS, 1994).
Sendo assim, promover a saúde mental no trabalho significa
possibilitar que o trabalhador possa desenvolver a base de sua identidade,
possa encontrar uma fonte fundamental de sentido para a vida, bem como,
promover a sua autorrealização no aspecto social (DEJOURS, 2019).
As ações que podem promover uma boa saúde mental, segundo a
Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho (OSHA) são: o
apoio social, sentimento de inclusão e de realização de um trabalho com
significado, encontrar sentido no trabalho realizado, ter condições para
tomar decisões no trabalho; ter condições para organizar o trabalho de
acordo com o seu próprio ritmo2.

2
In: https://osha.europa.eu/pt/publications/factsheets/102
339
Já em um guia, publicado em 2016 pelo Fórum Econômico
Mundial, foi recomendado que as intervenções nas organizações
devem contemplar três abordagens:
- proteger a saúde mental reduzindo os fatores de risco relacionados
ao trabalho;
- promover a saúde mental ao desenvolver aspectos positivos de
trabalho e as habilidades dos empregados;
- enfrentar casos de problemas de saúde mental já instalados,
promovendo sua recuperação e readaptação ao trabalho. 3
Em relação ao primeiro item – proteger a saúde mental
reduzindo os fatores de risco relacionados ao trabalho, Neto (2015)
pontua que os principais riscos psicossociais encontrados no ambiente
de trabalho seriam: o estresse, o burnout, o assédio moral e sexual, o
bullying, a precarização contratual, a alienação laboral, o conflito
interpessoal, a discriminação, a segregação, a desmotivação, o
desgaste cognitivo e emocional, as lesões musculoesqueléticas e a
interferência com a vida pessoal e familiar. Para combatê-los, propõe
que as empresas criem um plano de ação que deverá ser validado pela
alta liderança. Deve haver investimento em comunicação efetiva do
plano para toda a empresa; uma relevante avaliação das exposições
aos riscos psicossociais presentes; e a gestão destes riscos.
O processo deverá obedecer às seguintes etapas:
- identificação de fatores de risco – compilação de informação relativa aos
componentes materiais e ambientais de trabalho, a listagem dos perigos
inerentes às condições normais de trabalho e a identificação das pessoas
potencialmente expostas a riscos resultantes dos perigos identificados;
- estimativa dos riscos – visa a medição o mais objetiva possível da
probabilidade de ocorrência de dano e da gravidade suscitada por esse
mesmo dano.
- valoração dos riscos – considera um processo de comparação dos
riscos estimados com indicadores/resultados de referência, obtidos
tanto no histórico da organização como na legislação, estatísticas
oficiais ou modelos teóricos com validade científica;
- controle e/ou eliminação de fatores de risco – visa o desenvolvimento de
estratégias de gestão das exposições ao risco, tendo por base as
prioridades determinadas no procedimento de valoração dos riscos. O
princípio básico da intervenção é a eliminação dos riscos, caso não seja
possível, o foco direciona-se para a minimização do efeito dos riscos nos

3
In: https://osha.europa.eu/pt/publications/factsheets/102
340
trabalhadores, por via da implementação de medidas que os
salvaguardem dos riscos evidenciados (NETO, 2015).
A avaliação e gestão de riscos (físicos, químicos e biológicos)
é uma abordagem central na intervenção em saúde e segurança do
trabalho, e os mesmos princípios que lhe são atribuídos, também
poderão ser aplicáveis no âmbito dos riscos psicossociais do trabalho.
Assim, importa sublinhar que, para ser tão eficaz quanto possível, a
promoção da saúde mental deve incluir também uma combinação da
gestão dos riscos e da promoção da saúde geral (NETO, 2015).
Outra medida proposta por um grupo reunido como parte do
Conselho da Agenda Global sobre Saúde Mental, convocado pelo
Fórum Econômico Mundial, inclui entender as oportunidades e
necessidades dos empregados individualmente, ajudando a
desenvolver melhores políticas para a saúde mental no ambiente de
trabalho. O guia também sugere alertar funcionários sobre ferramentas
de apoio e sobre onde eles podem encontrar ajuda dentro ou fora da
organização. Do ponto de vista de investidores ou proprietários, as
políticas que promovem a saúde mental são boas não apenas para as
pessoas que trabalham para a organização, mas também para o seu
próprio desempenho financeiro.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) propõe ainda, que as
intervenções em saúde mental precisam ser entregues como parte de
uma estratégia integrada de saúde e bem-estar que cubra prevenção,
identificação precoce, apoio e reabilitação.
Referências
DEJOURS, C.; ABDOUCHELI, E.; JAYET, C. Psicodinâmica do
Trabalho: Contribuições da escola dejouriana à análise da relação prazer,
sofrimento e trabalho. São Paulo, Ed. Atlas, 1994.
DEJOURS, C. Entrevista. Disponível em:
https://www.pagina12.com.ar/197853-sin-posibilidades-de-sublimar-a-
traves-del-trabajo-es-muy-di. Acesso em 03 jun.2019.
Agência Europeia para a Saúde e Segurança no Trabalho (OSHA). Promoção a
Saúde Mental no local de trabalho- Resumo de um relatório de boas práticas.
FACTS, 102.
In: https://osha.europa.eu/pt/publications/factsheets/102 . Acesso em 28 abri 2019
Seven actions towards a mentally healthy organization: A seven-step guide to
workplace mental health; World Economic Forum’s Global Agenda
Council on Mental Health 2014-2016; 2016. Available at:
https://www.mqmentalhealth.org/articles/global-agenda-council-mental-
health-seven-actions. Acessado em 28/04/2019.
NETO, H.V. Estratégias organizacionais de gestão e intervenção sobre riscos
psicossociais do trabalho. International Journal on Working Conditions,
No.9, June, 2015.

341
PROTOCOLO DE INTERVENÇÃO INDIVIDUAL DE
ESTRESSE OCUPACIONAL
Fátima Cristina Macedo; Fernando Faleiros de Oliveira;
Márcia Regina Teixeira Minari
Estressores ocupacionais tendem a estar vinculados à
organização do trabalho (pressão, metas, falta de segurança no trabalho,
pouca orientação, relacionamentos abusivos ou de assédio entre
supervisores e subordinados, falta de controle sobre as atividades, entre
outros) se apresentando como circunstâncias que impõem ao
trabalhador alta demanda a ser enfrentada. Se o indivíduo não consegue
atender a tais demandas solicitadas por seu trabalho, isso causa
sofrimento psíquico, mal-estar, mudanças de comportamento, distúrbios
do sono e sentimentos negativos.
Esta relação psicossocial negativa no ambiente de trabalho além
de trazer prejuízos à saúde do trabalho, também pode levar a perdas
econômicas para as empresas, já que o estresse ocupacional pode estar
relacionado a numerosos casos de absenteísmo, presenteísmo, além das
baixas na qualidade e produtividade dos serviços prestados (GLINA,
2010). Neste contexto, torna-se imperativa a importância de ações de
prevenção e tratamento do estresse no ambiente de trabalho, a fim de
reduzir o impacto de experiências potencialmente estressantes e nocivas
aos trabalhadores e organizações.
Entre as diversas possibilidades de intervenção do estresse
ocupacional, o presente texto tem o objetivo de apresentar um relato
de experiência, por meio de um protocolo de tratamento psicológico,
de aplicação individual, composto por 12 sessões semiestruturadas,
tendo por alvo a resposta de estresse relacionada a estressores no
ambiente de trabalho e suas consequências na saúde.
Desenvolvido em 2016, pelas psicólogas Débora Miriam Raab
Glina e Fátima Macedo, testado em 36 casos com diagnósticos de
Estresse Ocupacional, nas fases de resistência, quase-exaustão e exaustão,
identificados por meio do Inventário de Sintomas de Stress de LIPP
(ISSL) (LIPP, GUEVARA, 1994) e que também apresentavam
Transtornos Mentais Menores ou comuns no SRQ-20 – Questionário de
Auto Resposta (Self-Reporting Questionnaire) (MARI, WILLIANS,
1986), tem por objetivo central habilitar o funcionário a reconhecer os
sintomas de estresse, identificar os aspectos do trabalho que contribuem
para a resposta de estresse, e desenvolver formas mais adaptativas e
efetivas de lidar com o estresse no trabalho.
Para o seu desenvolvimento foi utilizado como base teórica o
Work Stress, os conceitos da Saúde Mental do Trabalhador, da
Psicologia da Saúde Ocupacional, técnicas cognitivas

342
comportamentais e técnicas indicadas no tratamento do estresse
(ABREU, GUILHARDI, 2004; GLINA, 2010).
Tem por objetivo ensinar o funcionário a:
- Compreender o que é o estresse e o estresse ocupacional, seus
sintomas e desencadeantes, para que consiga também identificar
quando sua sobrecarga de tensão no ambiente de trabalho está
chegando a um ponto crítico;
- Reconhecer os estressores no ambiente de trabalho, e tentar reduzir
ou eliminar os que forem passíveis de mudança;
- Reestruturar seu modo de pensar, de ver o mundo e sua relação com
o trabalho (avaliação cognitiva, pensamentos automáticos,
sentimentos e crenças);
- Reconhecer e ampliar os fatores de proteção individuais;
- Ser assertivo no ambiente de trabalho com os diversos stakeholders,
independentemente de suas posições hierárquicas, sem experimentar
desconforto ou tensão;
- Manter a calma e buscar resolver os problemas do ambiente de
trabalho, sem elevar o nível de estresse;
- Adquirir/desenvolver técnicas de manejo de estresse no ambiente de
trabalho para serem utilizadas em situações que não possam ser evitadas;
- Reconhecer seus limites, aprender a respeitá-los e identificar a hora
de mudar de cargo ou função, de departamento ou mesmo de empresa;
- Estabelecer prioridades e melhorar sua qualidade de vida no geral.
O protocolo não ignora as queixas relativas à vida pessoal do
funcionário, abordando-as de forma pontual, porém evitando perder o foco
do estresse ocupacional, cuja centralidade está no ambiente de trabalho.
Procedimentos e técnicas indicadas no processo de intervenção:
1) Anamnese ocupacional; 2) Psicoeducação (ver verbete específico);
3) RPD (Registro de Pensamentos Disfuncionais); 4) Exercícios de
Respiração Diafragmática, Relaxamento Muscular Progressivo,
Meditação, Imaginação Guiada; 5) Reestruturação Cognitiva; 6)
Enfrentamento focado no problema e treino em solução de problemas;
7) Treino assertivo; 8) Auto monitoramento; 9) Manejo de tempo; 10)
Lócus de Controle, Coping e Hardiness.
O profissional deverá avaliar, de acordo com o caso, o
momento adequado de utilizar as ferramentas e técnicas indicadas. A
efetividade do tratamento será mensurada por meio da aplicação dos
mesmos instrumentos aplicados inicialmente (ISSL e SRQ20) ao final
da sessão de nº 11, com devolutiva final na sessão de nº 12, onde serão
discutidos com o paciente os resultados dos questionários aplicados, a
343
comparação com os resultados iniciais e os ganhos terapêuticos
obtidos ao longo do processo de intervenção.
Este cenário reafirma a necessidade de intervenções com foco na
saúde mental dos trabalhadores, por meio de apoio profissional
competente da área de saúde mental, com intuito de promover a saúde, a
segurança e o bem-estar no trabalho. Destaca-se ainda a relevância de
intervenções organizacionais relacionadas ao campo da Saúde Mental e
Trabalho, particularmente da Psicologia da Saúde Ocupacional, incluírem
não somente o sujeito/trabalhador, mas também a instituição em seus
conteúdos e contextos organizacionais e sociais, como corresponsáveis
pela promoção e manutenção de saúde e/ou adoecimento no trabalho.
Referências
ABREU, C. N. GUILHARDI, H. J. Terapia Comportamental e Cognitivo-
comportamental – Práticas Clínicas. São Paulo: Roca, 2004.
GLINA, D. M. R. Modelos Teóricos de Estresse e Estresse no trabalho e
repercussões na saúde do trabalhador. In: GLINA, D. M. R.; ROCHA, L. E.
(Org.). Saúde mental no trabalho: da teoria à prática. 1ed. São Paulo:
Roca, 2010. pp. 3-30.
LIPP, M. E. N.; GUEVARA, A. J. H. Validação Empírica do Inventário de
Sintomas de Stress (ISS). Estud. psicol. (Campinas); 11(3): 43-49, set., 1994.
MARI, J. J.; WILLIAMS, P. A validity study of a psychiatric screening questionnaire
(SRQ- 20) in primary care in the city of São Paulo. The British Journal of
Psychiatry: the journal of mental science, London, 148, pp. 23-26. 1986.
SPONCHIADO, A. R.; SILVA, C. R.; KRISTENSEN, C. H. Psicoterapia
Cognitivo-comportamental para o Transtorno de Estresse Agudo: Uma
Revisão Sistemática. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e
Cognitiva, Vol. XV, nº 2, 64-74, 2013.

PSICODINÂMICA DO TRABALHO
Marcos Mariani Casadore
A Psicodinâmica do Trabalho é uma das teorias que integra as
Clínicas do Trabalho. Desenvolvida, principalmente, na década de
1980 e tendo como seu maior representante o médico e psicanalista
francês Christophe Dejours, avança a partir dos estudos centrados na
psicopatologia do trabalho. Como abordagem científica, interessa-se
pela análise dos processos psicodinâmicos intersubjetivos mobilizados
em situações de trabalho – tem sua pesquisa fundamentada nas
práticas de intervenção e com foco na articulação entre a organização
do trabalho e os processos de subjetivação, pensando a inter-relação
saúde-trabalho a partir das vivências dos sujeitos envolvidos.
Para Dejours (2007), há uma ampliação de campo marcada pela
transição entre uma psicopatologia do trabalho stricto sensu,
direcionada às descobertas e descrições das doenças mentais ligadas ao
trabalho, e a busca pela compreensão dos mecanismos de enfrentamento
344
e defesa do trabalhador contra as condições adversas oriundas da
organização do trabalho. Deste modo, a Psicodinâmica passa a
considerar o trabalho não só como promotor exclusivo de sofrimento,
mas também como potencial fonte de prazer e felicidade inerente à
promoção de saúde. Segundo o autor, o termo “psicopatologia” já não
seria suficiente para traduzir um amplo domínio da clínica intrínseco às
produções e práticas da Psicodinâmica.
Dentre suas principais fundamentações e influências teóricas,
destacam-se a ergonomia, a sociologia do trabalho, a psicologia social
e a psicanálise. Deste modo, trabalha a partir da concepção de um
sujeito do inconsciente, estruturado com base em conflitos
intrapsíquicos, mas constituído a partir da relação com o outro.
A Psicodinâmica considera a atividade laborativa como
central em nossa sociedade. Com base nessa ideia da centralidade do
trabalho, Dejours (2007) o analisa como operador fundamental na
construção do sujeito social. Despontaria, por fim, como constituinte
da identidade e intimamente atrelado às condições de saúde e à
realização pessoal pelo reconhecimento, além de se articular como
importante mediador para as relações interpessoais, concernente,
ainda, à evolução da convivência em sociedade e da cultura.
Identifica, nessa intersecção entre o trabalho e as vivências do
sujeito, questões fundamentais para se pensar os processos de saúde e
adoecimento. Entende que uma rigidez excessiva referente à
organização do trabalho – no que concerne, por exemplo, aos modelos
de gestão, ambiente de trabalho, condições para execução da tarefa,
relações profissionais ou informais – afeta a saúde mental do
trabalhador, podendo ser categorizada como fonte de sofrimento
patogênico. Nesta perspectiva, porém, como salientam Giongo,
Moteiro e Sobrosa (2015), a ideia de saúde, pelo outro lado, não
significaria, simplesmente, a ausência de doenças ou de sofrimento,
“mas o potencial que cada trabalhador possui de utilização dos
recursos internos e externos para transformação do sofrimento na
busca pelo prazer e realização” (p. 805) – o que Dejours denomina
como sofrimento criativo. Segundo as autoras, esta dinâmica seria
reconhecida pela possibilidade de utilização de estratégias defensivas
capazes de mobilizar os sujeitos, individual e coletivamente, na
construção de uma relação mais satisfatória com o trabalho, calcada
também no reconhecimento consequente à execução das atividades.
Quanto à abordagem e intervenção, Bendassolli e Soboll
(2011) dizem sobre o caráter de pesquisa-ação (ou “pesquisa-
intervenção”) próprio da metodologia da Psicodinâmica do Trabalho,
ao destacarem que seus resultados se fundamentam nos espaços

345
coletivos de palavra e seus registros são validados pelos sujeitos
implicados na ação. O uso dessas técnicas, segundo os autores,
permite “que os trabalhadores tomem conhecimento de processos que
eles mesmos relatam, mas que não tinham clareza antes de explicá-los
aos pesquisadores” (2011, p. 10); deste modo, os instrumentos
favorecem a perlaboração coletiva das vivências no trabalho,
permitindo modificações nas relações subjetivas que estabelecem com
sua atividade. Como salienta Mendes (2007), partindo de uma análise
da organização do trabalho, compreende-se, dentre as vivências dos
trabalhadores, os processos de prazer e sofrimento, saúde e
adoecimento, mecanismos de defesa e mediação de conflitos e
dificuldades relacionadas ao sofrimento. Busca-se, assim, a
mobilização subjetiva – para além de uma tarefa simplesmente
racionalizada – a partir da inteligência da prática e da utilização dos
espaços públicos de discussão, dependente, ainda, dos processos de
reconhecimento advindos da dinâmica contribuição-retribuição
simbólica (responsáveis pela construção da identidade social e da
realização de si mesmo).
Referências
BENDASSOLLI, P.; SOBOLL, L. Introdução às clínicas do trabalho: aportes
teóricos, pressupostos e aplicações. In: BENDASSOLLI, P.; SOBOLL, L.
(Org.) Clínicas do Trabalho: novas perspectivas para compreensão do
trabalho na atualidade. São Paulo: Atlas, 2011.
DEJOURS, C. Prefácio. In: MENDES, A. M. (Org.) Psicodinâmica do
Trabalho: teoria, método e pesquisas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007.
GIONGO, C.; MONTEIRO, J.; SOBROSA, G. Psicodinâmica do trabalho no
Brasil: revisão sistemática da literatura. Temas psicol., Ribeirão Preto, v. 23,
n. 4, pp. 803-814, dez. 2015.
MENDES, A. M. Da psicodinâmica à psicopatologia do trabalho. In:
MENDES, A. M. (Org.) Psicodinâmica do Trabalho: teoria, método e
pesquisas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007.

PSICOLOGIA AMBIENTAL E SAÚDE MENTAL NO


TRABALHO
Matheus Fernandes de Castro
A Psicologia Ambiental tem se debruçado sobre a
compreensão da inter-relação entre o sujeito e o ambiente, ressaltando
suas características físicas e sociais (MOSER, 2018). Comumente,
costuma-se datar o nascimento da Psicologia Ambiental no final da
década de 50 e início da década de 60 do século passado, quando,
junto com a arquitetura e a engenharia, começa a estudar os efeitos
dos ambientes construídos sobre o comportamento das pessoas.
Contudo, já nos primeiros momentos do século XX, estudos como os
realizados na General Eletric enfatizavam os efeitos de fatores
346
ambientais sobre o desempenho dos trabalhadores. Mas é nos anos 80
que a Psicologia Ambiental passa a criticar o viés determinista da
relação pessoa/ambiente, aprofundando seus estudos sobre fatores
mais sociais e culturais do mesmo. Estas transformações, ou seja,
essas novas possibilidades teóricas, abriram as portas para novos
objetos e novas propostas metodológicas. Desta maneira, a forma
como os trabalhadores agem ou reagems às condições ambientais
durante a realização de suas atividades, somadas a todos os aspectos
culturais, que possam estar envolvidos nessa inter-relação
pessoa/ambiente, passam a compor seu objeto de pesquisa. Quanto aos
estudos sobre a saúde mental no trabalho, eles foram realmente
intensificados depois da década de 60, do século passado (DEJOURS,
1996). A Psicodinâmica do Trabalho, que surge de uma reestruturação
teórica da Psicopatologia do Trabalho, destaca que os fatores físicos
ambientais (ruídos, temperatura, presença de agentes químicos no ar
etc.) são as condições de trabalho e interferem diretamente sobre a
saúde física dos trabalhadores, enquanto fatores sociais e
organizacionais do ambiente, ou seja, a organização do trabalho tem
impacto direto na saúde mental das pessoas. No Brasil, a teoria do
Desgaste Mental também sublinha o importante papel da organização
do trabalho na manutenção, ou não, da saúde mental (SELIGMANN-
SILVA, 1994). Contudo, muitos estudos que enfocam os fatores físicos
do trabalho mostram que eles, de forma direta ou indireta, estão
correlacionados com o aumento do estresse dos trabalhadores e,
consequentemente, com impactos na saúde mental do sujeito.
Pensando então que o ambiente é composto de fatores físicos e sociais
em inter-relação com as pessoas que trabalham, podemos dizer que a
conexão ambiente/saúde mental se torna evidente. Alguns autores da
Psicologia Ambiental têm destacado em seus estudos as maneiras
como essa relação pode influenciar a saúde das pessoas. Kuhnen,
Felippe, Bernardi e Faria (2010) ressaltam que a capacidade de
modificar, de controlar o ambiente, personificando-o é muito
importante na manutenção dos níveis de estresse: 90% dos
trabalhadores personalizam seu local de trabalho com objetos que
representam seus hobbies, suas famílias, ou utilizam plantas, músicas,
entre outras, que lhes permita uma relação ambiental menos
estressante. Estudos sobre conceitos clássicos da Psicologia
Ambiental, como identidade de lugar, apego ao lugar e enraizamento,
têm se aprofundado na dimensão psicossocial do ambiente,
evidenciando a importância da cultura na inter-relação
pessoa/ambiente. Eles também destacam a importância do tempo de
permanência, do conhecimento do lugar, das possibilidades de
modificação e de controle do mesmo, bem como das possibilidades de

347
participação política. Os trabalhadores passam grande parte de suas
vidas dentro das organizações, mas devido ao grande controle dos
modelos de organização do trabalho atuais, dificilmente o trabalhador
consegue construir uma relação de concepção do trabalho e muito
menos consegue controlar ou interferir em aspectos da sua
organização. Dessa forma, cada vez mais, o trabalhador se vê
obrigado a se identificar com os padrões comportamentais e subjetivos
das grandes corporações. Esses padrões têm se espalhado,
irregularmente (temporal e geograficamente), porém de forma
constante, pelo mundo, mais especificamente, desde o começo do
século XX, com o Taylorismo. Para compreender como os aspectos
ambientais deste tipo de organizações têm impactado o sujeito, muitos
pesquisadores buscaram construir teorias organizacionais que
permitissem compreender o que é uma Organização. Os estudos de
Peter Spink são basilares a esse respeito: ao tomar o cotidiano como
elemento central, em suas análises, ele nos oferece uma compreensão
da organização como um fenômeno psicossocial, ou seja, a
organização nada mais seria do que o resultado de uma série de
negociações cotidianas propiciadas pelo ambiente organizacional
(SPINK, 1996). Portanto, o ambiente organizacional não é uma
moldura que contém os trabalhadores, ele é o resultado da interação
entre os trabalhadores e os aspectos físicos e culturais do ambiente,
produzido, diariamente, na realização das atividades que têm como
objetivo a consecução de um produto previamente definido. Estudos
como esse permitem realçar a importância do espaço e do simbólico
como dimensões de análise fundamentais para a compreensão do
mundo do trabalho. Eles permitem uma aproximação entre o que se
estuda na Psicologia Ambiental e outras áreas da Psicologia, que
estudam a saúde do trabalhador, com maior ênfase nos aspectos da
subjetividade, através de metodologias mais qualitativas que buscam
os sentidos atribuídos a esta relação pelos trabalhadores, como a
Psicologia Social e do Trabalho, pois contemplam a importância da
inter-relação entre o sujeito e o ambiente, através do simbólico.
Referências
DEJOURS, C. Uma nova visão do sofrimento humano nas organizações. Em
CHANLAT, Jean-François (Coord.). O indivíduo na organização:
dimensões esquecidas. 3- ed. São Paulo: Atlas, 1996.
KUHNEN, A.; FELIPPE, M. L.; LUFT, C. B.; FARIA, J. G. A importância
da organização dos ambientes para a saúde humana. Psicologia & Sociedade
[on-line] 2010, 22 (Setembro-Dezembro). Disponível em:
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=309326440014. Acesso em 08 mai
2019. ISSN 0102-7182.
SPINK, P. K. Organização como fenômeno psicossocial: notas para uma redefinição
da psicologia do trabalho. Psicologia & Sociedade, 1996, 8 (11), 174-192.
348
MOSER, G. Introdução à psicologia ambiental: indivíduo e ambiente.
Campinas, SP: Alínea, 2018.
SELIGMANN-SILVA, E. Desgaste mental no trabalho dominado. São
Paulo: Cortez, 1994.

PSICOLOGIA DA SAÚDE OCUPACIONAL:


CONTRIBUIÇÕES PARA O CAMPO DA SAÚDE MENTAL E
TRABALHO
Fernando Faleiros de Oliveira; Liliana Andolpho Magalhães
Guimarães
Desenvolvida a partir da década de 1990, a Psicologia da Saúde
Ocupacional (PSO) criou-se na intersecção de duas grandes áreas da
Psicologia: Saúde & Organizações e Trabalho. Nesse novo campo se
compreende o estudo do papel dos comportamentos relacionados à
saúde, na prevenção, desenvolvimento e/ou exacerbação de problemas
de saúde com ênfase no modelo biopsicossocial. Sua aplicação se dá na
avaliação, tratamento e prevenção de problemas da saúde, ou como
melhor, aplica-se a psicologia à saúde e à segurança ocupacional,
objetivando a melhoria da Qualidade de Vida no Trabalho (NIOSH,
1999; SAUTER; HURRELL JR., 1999).
Podemos entender também como propostas dessa interface
emergente contribuições aos seguintes fatores: 1) o reconhecimento de
transtornos psicológicos relacionados ao trabalho, e como se
relacionam à saúde ocupacional e representam alto custo humano e
econômico; 2) a aceitação dos fatores psicossociais existentes no
trabalho como executores de importante papel na etiologia de
problemas emergentes em saúde e segurança no trabalho (SST), por
exemplo, as DORT-LER; e, 3) a mudança recente e dramática na
organização do trabalho que repercute diretamente nas questões de
SST (GUIMARÃES et al, 2018).
Psicólogas/os que visem atuar nesse novo campo trabalharão
diretamente com o desenvolvimento de organizações de trabalho, que
visem melhorar a SST e, consequentemente, o bem-estar dos
trabalhadores. Esse caminho tende a se construir quando a/o
profissional priorizar a prevenção primária dos fatores psicossociais
de riscos organizacionais, atuando em questões estruturais do trabalho
que permitam efetividade e perenidade dos achados sobre a saúde e
qualidade de vida dos trabalhadores.
Nesse sentido, Saúde Mental e Trabalho (SMT) diz respeito
ao processo multifacetado e que atende, ao mesmo tempo, o
adoecimento e a promoção da saúde, já que o trabalho tem papel
estruturante na vida cotidiana do homem contemporâneo e na própria
construção da condição humana e das sociedades, por meio do qual se
349
sustenta o pressuposto da existência de nexo entre o trabalho e a saúde
psíquica (BORGES, GUIMARÃES, SILVA, 2013).
Observa-se que a articulação de níveis de análises individuais
(micro), grupais (meso) e ocupacionais (macro), se organizam para
que a explicação do processo saúde/adoecimento parta
prioritariamente das condições de trabalho, tendo o trabalho como
foco principal, as quais se alinham as características pessoais como
elementos facilitadores do processo saúde/doença ou mediadores da
relação pessoa/trabalho, de modo que trabalho e ambiente ocupacional
sejam vistos como fontes de adoecimento ou de realização de
potencialidades do indivíduo (GUIMARÃES et al., 2015).
Portanto, PSO e SMT vinculam-se na medida em que
influenciam a segurança e o bem-estar das populações trabalhadoras
bem como na qualidade do ambiente e sustentabilidade dos resultados
das organizações de trabalho – considerando na importância dos
estudos desses campos, desde as características individuais
(competências, personalidade, suscetibilidade a doenças e
incapacitações) até as institucionais (processos, práticas e políticas
empresariais). Articulam-se também pois analisam de perto as
questões relativas à intensa transformação do mundo do trabalho e das
relações de emprego ocorridas nas últimas décadas, em todo mundo, e
buscam intervir com mudanças nas estruturas e processos
organizacionais para influenciar de forma positiva a saúde e o bem-
estar dos trabalhadores e de suas famílias.
Para ambas as áreas o desafio tem sido conseguir ambientes
de trabalho saudáveis, que são aqueles em que os trabalhadores e os
gestores colaboram para o uso de um processo de melhoria contínua
da proteção e promoção da segurança, saúde e bem-estar de todos os
trabalhadores, no qual a empresa se comprometa com a ação e permita
a participação dos funcionários na criação e aplicação das políticas e
atividades de promoção de saúde, visto que isso demanda um processo
gradativo de propagação de novos modelos de cultura organizacional
entre instituições e profissionais das áreas de saúde e trabalho.
Espera-se, assim, que essas contribuições da PSO para a SMT
permitam que o trabalho passe a ser pensado não apenas na
sobrevivência, mas também em seu propósito, de modo a reconhecer e
valorizar os trabalhadores por suas realizações, sabendo o que estão
realizando e não alienados a isso, de modo que todo ambiente
combine características que valorizem e potencializem a pessoa, sua
respectiva saúde, qualidade de vida e consequentemente a qualidade e
os resultados do trabalho.

350
Referências
BORGES, L. O.; GUIMARAES, L. A. M.; SILVA, S. S. Diagnóstico e
promoção da saúde psíquica no trabalho. In: BORGES, L. O.; MOURÃO, L.
O trabalho e as organizações: atuações a partir da psicologia. Curitiba:
Artmed, 2013, v. 1, pp. 231-240.
GUIMARÃES, L. A. M.; OLIVEIRA, F. F.; SILVA, M. C. M. V.;
CAMARGO, D. A.; RIGONATTI, L. F.; CARVALHO, R. B. Saúde mental
do trabalhador e contemporaneidade. In: GUIMARÃES, L. A. M.;
CAMARGO, D. A.; SILVA, M. C. M. V. (Org.). Temas e pesquisas em
saúde mental e trabalho. 1ed. Curitiba: CRV, 2015, v. 1, pp. 15-39.
GUIMARÃES, L. A. M.; CERCHIARI, E. A. N.; BUENO, H. P. V.; MINARI, M. R.
T.; FONTOURA JR, E. E.; MENEGHEL, V.; MASSUDA JR, J.; GOMES, E. C. V.
V.; OLIVEIRA, F. F. Psicologia da Saúde Ocupacional e Processos de Intervenção
nos Fatores Psicossociais do Trabalho. In: Maria Luiza Gava Schmidt; Matheus de
Castro; Marcos Mariani Casadore. (Org.). Fatores Psicossociais e o Processo
Saúde/Doença no Trabalho. 1 ed. São Paulo: FiloCzar, 2018, v. 1, pp. 137-170.
NIOSH. National Institute for Occupational Safety and Health. Stress at
work. DHHS (NIOSH) Publication No. 99–101. Cincinnati, Ohio: 1999.
SAUTER, S. L.; HURRELL, J. J. Occupational health psychology: origins,
content, and direction. Professional Psychology: Research and Practice,
30, pp. 117-122, 1999.

PSICOLOGIA DO TRABALHO E SAÚDE MENTAL NOS


CONTEXTOS LABORAIS
Lucas Martins Soldera
Nem a Psicologia do Trabalho nem a Saúde Mental
relacionada aos estudos sobre o trabalho surgiram da forma como são
entendidas atualmente. Apesar de contínuo, o processo de
desenvolvimento de uma teoria não é linear, o que permite fazer
recortes e interpretações no modo como se lerá esse percurso. Assim,
aqui, será exposta uma forma de se contar essa história.
Para Martin-Baró (1989), a Psicologia do Trabalho pode ser
entendida por meio de três enfoques: Individualista, Sistêmico e da
Psicologia Política. O enfoque Individualista considera adaptar
características pessoais às condições de trabalho, a partir da lógica
capitalista, com foco nos traços da personalidade da mesma, não
questionando os objetivos da organização, ainda que afetem
diretamente os trabalhadores. Em decorrência da crise do modelo
precedente, surgiu o enfoque Sistêmico, baseado na “teoria dos
sistemas”, onde as organizações passaram a ser vistas como sistemas
abertos em constante troca com o meio; onde o homem aparece como
integrante funcional, constituído de subjetividade e capaz de se
adaptar a qualquer nuance desse sistema. Já o enfoque da Psicologia
Política nasceu em resposta às mudanças advindas da Terceira

351
Revolução Industrial, mais preocupado com relações de poder,
exploração do trabalhador, controle, rompendo a fronteira da
patologização, cuja qual a área nasceu vinculada.
Tais ideias corroboram com a proposta de Sampaio (1998),
por meio da qual é possível entender o desenvolvimento da Psicologia
do Trabalho a partir daquilo que ele chamou de “três faces”, as quais
se dividem didaticamente em: “Psicologia Industrial, Psicologia
Organizacional e Psicologia do Trabalho”. A Psicologia Industrial
nasceu ligada ao momento de entrada da Psicologia no contexto
industrial para lidar com demandas de colocação de pessoal e
aplicação de testes (psicometria), nos anos 1920. A Psicologia
Organizacional surgiu como uma forma de desenvolvimento da face
anterior e em resposta à crise da psicometria, onde as indústrias
passam a serem vistas como organizações, sistemas integrados e
dinâmicos, por volta de 1960. Já a Psicologia do Trabalho nasceu, nos
anos 1990, oferecendo uma resposta a esses dois momentos anteriores
e rompendo com o foco dado aos interesses do capital.
Esses rompimentos da Psicologia do Trabalho, citados por
Martin-Baró e Sampaio, não desconsideram todos os avanços dos
períodos anteriores, eles buscam superar as deficiências que essas
propostas deixaram. Até o momento de rompimento, qualquer questão
organizacional que escapasse da “normaliadade” produtiva era culpa
do próprio trabalho, a exemplo: problemas de relacionamento,
adoecimento no trabalho, assédio. A desvinculação direta do caráter
produtivista possibilitou à Psicologia do Trabalho sua aproximação de
diferentes teorias, como: Psicologia Social, Saúde Coletiva, Saúde
Mental, Sociologia, Psicanálise.
Foi destarte que a Psicologia do Trabalho se aproximou da
Saúde Mental, no intuito de encontrar maior respaldo para pensar seu
objeto de estudo: relação homem/trabalho. Para que houvesse esse
tipo de aproximação a “Saúde Mental Vinculada ao Trabalho”
(SMRT), como hoje é chamada, apesar de recente, percorreu seu
próprio percurso tentando responder como o trabalho é suscetível de
afetar, positivamente e/ou negativamente, a saúde mental das pessoas.
Seu início remonta ao fim da Segunda Guerra Mundial, na
França. Nesse período foi possível constatar vários esforços de
profissionais vinculados à psiquiatria para incorporar a dimensão
laboral às práticas da psiquiatria, além de pesquisas atrelando doenças
mentais com origem nas atividades profissionais, fruto disso, Paul
Sivadon, em 1952, foi o primeiro a utilizar a denominação
“Psicopatologia do trabalho”. François Tosquelles também se destacou
ao estudar a importância das trocas interpessoais às atividades laborais

352
(eficiência terapêutica para além do resultado industrial). Já Louis Le
Guillant discordava em partes de Sivadon e Tosquelles por preconizar
o rompimento da lógica asilar, para ele o trabalho perde seu potencial
terapêutico quando utilizado somente dentro de hospitais. Esse
crescimento evidenciou-se até meados de 1960, após esse período a
área passou por vários anos sem publicações teóricas relevantes. Uma
das explicações para o fato é o grande crescimento econômico,
período onde prevalecia o ideal de que todos problemas de saúde
seriam “naturalmente resolvidos pela via da economia”. O campo
voltou a ganhar fôlego, em 1980, quando Dejours publicou “Travail,
usure mentale”, estudo que possibilitou o desenvolvimento tanto da
Psicopatologia do Trabalho quanto da SMRT, ao aproximar essas
teorias da Psicanálise, fonte de onde utilizam concepções como
homem, psiquismo e saúde/doença mental (LIMA, 2015).
Nesse ínterim, essa teoria se desenvolveu de forma ímpar.
Contudo, atualmente, frente a toda complexa configuração que nossa
sociedade assumiu, segundo Seligmann-Silva (2017), cabe ainda a
SMRT difundir mais conhecimentos sobre como determinantes
políticos e econômicos também são geradores de desgastes à saúde do
trabalhador. Apenas amenizar estressores é uma forma de mitigação
ao conferir no curto prazo um alívio ao desgaste e ao sofrimento.
Consequentemente, um grande desafio que desponta a área é
desenvolver ações de transformação das condições que hoje levam ao
adoecimento. Questões que aproximam ainda mais a SMRT da
Psicologia do Trabalho.
Cabe àqueles que se aventurarem em adotar uma postura que
utilize a Psicologia do Trabalho e Saúde Mental considerar toda
amplitude do contexto laboral, além de não desvincular o
entendimento geral sobre saúde, compreendendo esse conceito em
todos seus aspectos bio-psíquico-social.
Referências
LIMA, M.E.A. Saúde Mental e Trabalho. In: Bendassolli, P.F. & Borges-
Andrade, J.E. Dicionário de Psicologia do Trabalho e das Organizações.
São Paulo: Casa do Psicólogo. pp. 607-616, 2015.
MARTÍN-BARÓ, I. Psicologia Política do Trabalho na América Latina.
(1989). Trad. Fernando Lacerda Jr. In: Rev. Psicologia Política, 14(31), 609-
624. Set. – Dez. 2014
SAMPAIO, J.R. Psicologia do trabalho em três faces. In: Goulart, I. B. (Org).
Psicologia do trabalho e gestão de recursos humanos: estudos
contemporâneos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998, pp.19-40, 1998.
SELIGMANN-SILVA, E. Entrevista: saúde mental relacionada ao trabalho
― concepções e estratégias para prevenção. Revista Laborativa, v. 6, n. 2,
pp. 103-109, out, 2017.

353
PSICOPATOLOGIA (NA ABORDAGEM DA PSICODINÂMICA
DO TRABALHO)
Mateus Bender
O sofrimento psíquico gerado do conflito entre o sujeito e a
organização do trabalho é o objeto do campo de estudos da
Psicopatologia do Trabalho. Com origem na França, nos anos de 1950,
as primeiras análises sobre as interações do indivíduo e o seu
ambiente de trabalho advertem sobre a necessidade de se considerar o
papel exercido pelo meio ambiente, tanto no surgimento, quanto no
desaparecimento de distúrbios mentais. Nesse sentido, avalia-se as
causas de sofrimento psíquico do trabalhador surgidas no ambiente
laboral. Resumidamente, a Psicopatologia do Trabalho preocupa-se
em estudar o sofrimento da mente em razão da atividade laboral, ou
seja, doenças psíquicas ligadas ao trabalho.
O foco da Psicopatologia do Trabalho, até a década de 1960,
era o sofrimento do trabalhador. Este sofrimento ocorria em função de
uma relação causal entre a organização do trabalho e o adoecimento
do trabalhador. Para que as síndromes e doenças acontecessem,
entendia-se que a organização do trabalho era considerada rígida e
imutável, por isso, a relação causal entre organização do trabalho e
adoecimento. Porém, diante de novas formas organizacionais do
trabalho e das próprias mudanças da sociedade, o foco de análise
tornou-se mais abrangente a partir das décadas de 1970 e 1980.
Para Christophe Dejours (1998), o objeto de estudo da
Psicopatologia do Trabalho é, acima de tudo, o sofrimento, mas isto não
significa que tudo fique reduzido à constatação desse sofrimento. Ele
observa que muitas vezes não é possível alcançar um equilíbrio entre as
exigências da organização do trabalho e as necessidades tanto
fisiológicas quanto psicológicas do trabalhador. Deste conflito emerge
um sofrimento que pode ser mais ou menos elaborado e apresentar
repercussões mais ou menos acentuadas sobre a saúde mental. Segundo
Dejours (1998), o grande enigma para a Psicopatologia do Trabalho não
é a doença mental e sim a normalidade, ou seja, o que importa
realmente é compreender as estratégias defensivas (individuais e/ou
coletivas) adotadas pelos trabalhadores com a finalidade de evitar a
doença e preservar ainda que precariamente seu equilíbrio psíquico. A
partir dessa constatação, Dejours propõe uma nova construção teórica,
denominada de “Psicodinâmica do Trabalho” (DEJOURS, 2004).
A proposta de Dejours (1998) refere-se ao campo de estudos
focado na relação coletiva entre trabalho e trabalhadores, transpondo a
concepção de análise psicopatológica do trabalho, que analisa o
indivíduo isoladamente. Nessa nova proposta, a psicodinâmica

354
expande a análise, não se restringindo apenas ao sofrimento, mas
também ao prazer do trabalho; não apenas ao homem, mas ao
trabalho; não apenas à organização do trabalho, mas às situações de
trabalho no detalhe rigoroso de sua dinâmica interna. O
desenvolvimento da psicopatologia do trabalho em direção da
psicodinâmica do trabalho está baseado em uma “descoberta
essencial” que é o reconhecimento de que a relação entre organização
do trabalho e o homem não é um bloco rígido, mas está em contínuo
movimento (DEJOURS, 1994; 1998; 2004; 2005).
Deste modo, a Psicodinâmica do Trabalho pode ser definida
como a análise psicodinâmica dos processos intersubjetivos mobilizados
pelas situações de trabalho. Ao tratar como dinâmica, significa que a
investigação toma por centro de interesse os conflitos que surgem do
encontro do sujeito portador de uma história singular, preexistente a esse
encontro, com uma situação de trabalho cujas características são, em
grande parte, fixadas independentemente da vontade do sujeito.
Referências
DEJOURS, C., ABDOUCHELI, E., & JAYET, C. Psicodinâmica do
trabalho: Contribuições da escola dejouriana à análise da relação prazer,
sofrimento e trabalho. São Paulo, SP: Atlas, 1994.
DEJOURS, C. A loucura do trabalho: estudo de Psicopatologia do
Trabalho. São Paulo: Cortez, 1998.
DEJOURS, C. Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Rio de
Janeiro, RJ: Editora da Fundação Oswaldo Cruz, 2004.
DEJOURS, C. O fator humano. Rio de Janeiro, RJ: Editora da Fundação
Getúlio Vargas, 2005.

PSICOPATOLOGIA DO TRABALHO
Maria Elizabeth Antunes Lima
O surgimento da Psicopatologia do Trabalho enquanto um
novo campo de estudos ocorreu na França, no período imediatamente
posterior ao final da segunda guerra mundial. Sua emergência foi
marcada por uma rica controvérsia entre psiquiatras que faziam parte
do movimento da Psiquiatria Social, que resultou, em parte, dos
acontecimentos dramáticos recentes (BILLIARD, 2001).
Foi Paul Sivadon, um dos principais membros desse
movimento, que empregou pela primeira vez a expressão
“psicopatologia do trabalho”, em uma conferência realizada em julho
de 1951 e cujo conteúdo foi publicado um ano depois (SIVADON,
1993). No ensaio que inaugurou a disciplina, ao mesmo tempo que a
nomeava, Sivadon (1993) tratou de algumas questões centrais, entre
elas, o aumento de quadros de fadiga nervosa nos contextos laborais
franceses, fortemente taylorizados.
355
No entanto, em decorrência da sua visão fundamentalmente
organicista a respeito do adoecimento mental, esse teórico
preocupava-se mais com as capacidades adaptativas dos trabalhadores
do que com as pressões impostas a eles pela organização do trabalho.
Assim, apesar da relevância do seu questionamento sobre o
lugar ocupado pelo trabalho na gênese dos transtornos mentais, sua
hipótese central era a de que as vulnerabilidades individuais
ocupavam um lugar prioritário nesse processo. Como suas reflexões
em torno do caráter patogênico do trabalho estavam marcadas por uma
perspectiva organodinamista, herdada de Henri Ey, acabaram
suscitando uma reação entre aqueles que discordavam dessa
perspectiva, com destaque para Louis Le Guillant, psiquiatra que
também fazia parte do movimento da Psiquiatria Social.
Assim, apenas dois anos após a publicação de Sivadon, em uma
conferência intitulada “Introdução a uma psicopatologia social” e que foi
publicada em 1954, Le Guillant criticou os organicistas afirmando que a
psiquiatria já percebia, desde seus primórdios, que o meio afeta
profundamente o homem, tendo um papel essencial na etiologia dos
distúrbios mentais (LE GUILLANT, 2006). Ao contrário de Sivadon e
dos adeptos do organicismo, Le Guillant ressaltou a primazia do meio na
gênese do adoecimento mental, ressaltando em suas reflexões a ideia de
que os quadros trazidos pelos pacientes, inclusive aqueles que vinham
dos contextos de trabalho, eram fortemente afetados pelas contradições
sociais. Ao propor uma abordagem mais ampla e profunda a respeito do
adoecimento mental, por meio da qual permitiu uma melhor compreensão
sobre as relações indivíduo/meio, sem desconsiderar as dimensões
psicológicas e orgânicas, Le Guillant contribuiu para o avanço da
Psicopatologia do Trabalho à sua época. Assim, durante os anos 1950 e
1960, foram lançadas as bases da nova disciplina, sendo que, após um
período relativamente longo de relativo silêncio em torno dos temas
suscitados pelos seus fundadores, emergiu outro teórico importante no
cenário francês. Trata-se de Christophe Dejours, médico, psiquiatra e
psicanalista, que trouxe, em 1980, uma nova perspectiva para esse campo
de estudos, no qual permaneceu até o início dos anos 1990, quando
sugeriu uma nova denominação para a disciplina que passaria a ser
chamada Psicodinâmica do Trabalho. Assim, no posfácio à segunda
edição do livro Travail, usure mentale, com o qual fez sua entrada para
esse campo, Dejours (2000) propôs que a Psicopatologia do Trabalho
fosse denominada de outra forma, uma vez que seu objeto passaria a ser a
análise psicodinâmica das situações de trabalho. Esclarecia ainda que,
com essa proposta, estava assumindo uma posição contrária àquela dos
fundadores da disciplina, vistos por ele como adeptos de um modelo
causalista da doença mental no trabalho, cuja inspiração vinha da
356
medicina do trabalho e da toxicologia industrial. Finalmente, ao
argumentar sobre a ausência de comprovações científicas a respeito da
existência de doenças mentais decorrentes do trabalho, renunciou à ideia
de focalizar suas pesquisas sobre essa dimensão, preferindo deslocar sua
atenção “para o sofrimento e as defesas contra o sofrimento, isto é,
dirigindo o olhar para aquém da doença mental descompensada”
(DEJOURS, 2000, p. 204).
Assim, como o enigma central passou a ser, segundo ele, a
forma pela qual o trabalhador preserva sua saúde, permitindo efetuar a
passagem da patologia para a normalidade, estaria justificada a proposta
de uma nova denominação para suas pesquisas. No entanto, apesar do
número considerável de adeptos a essa proposta, a Psicopatologia do
Trabalho permanece como uma disciplina válida e cientificamente
respeitada, à qual muitos pesquisadores ainda se dedicam no intuito de
aprofundar as reflexões iniciadas por seus fundadores, preservando seu
legado e mantendo vivo o propósito de entender cada vez melhor a
relação entre transtornos mentais e trabalho.
Referências
BILLIARD, I. Santé mentale et travail. L´émergence de la
psychopathologie du travail. Paris: La Dispute, 2001.
DEJOURS, C. Travail, usure ment1ale. Essai de psychopathologie du
travail. (nouvelle édition augmentée). Paris: Ed. Bayard, 2000.
LE GUILLANT, L. Escritos de Louis Le Guillant – da ergoterapia à
psicopatologia do trabalho. Petrópolis: Ed. Vozes, 2006.
SIVADON, P. Psychiatrie et socialités – récit autobiographique et
réflexions théoriques d´un psychiatre français. Toulouse: Éd. Érès, 1993.

PSICOSSOCIOLOGIA E SAÚDE MENTAL NO TRABALHO


Livia de Oliveira Borges; Sabrina Cavalcanti Barros
A psicossociologia é mais comumente definida como uma
perspectiva de análise e de compreensão dos fenômenos da realidade
psicossocial do que como um campo de estudo. Carreteiro e Barros (2011),
revisando suas aplicações às pesquisas e intervenções acerca do trabalho,
resgataram uma história que remete há 50 anos, sendo considerada
relativamente jovem. Estuda os sistemas ou objetos que estão entre os
indivíduos e a sociedade, como grupos, organizações e instituições
(LHULIER, 2014; LÉVY, 2001). Por isso, os fenômenos psicossociais são
pensados de forma a considerar os distintos níveis de análise (individual,
grupal, coletivo e societal), o que enfatiza as dimensões sociohistóricas dos
mesmos ou contextualização no cenário social.
Provavelmente pela juventude, esta perspectiva de análise formou-
se pela conjunção de várias outras correntes do saber (LHULIER, 2014)
historicamente mais consolidadas e/ou anteriores. Tal diversidade de
357
influências se reflete nas origens dos pressupostos assumidos e
compartilhados pelos psicossociólogos. Dentre eles, destacam-se os de
caráter ontológico, cuja atenção deve: recair na concretude da realidade
vivida; partir de uma concepção de ser humano que se constrói segundo a
realidade histórica (material e social) de seu tempo; partir das noções do
papel estruturante do trabalho para a formação de identidades sociais, de
que a sociedade se estrutura e se constrói por meio das instituições e/ou
realidade social. Esses pressupostos são influenciados pelo existencialismo,
materialismo-dialético, interacionismo-simbólico, construtivismo social,
neoinstitucionalismo sociológico e ciências hermenêutica-compreensivas.
Aqueles de caráter epistemológico abrangem as noções de:
impossibilidade de neutralidade; implicação social do pesquisador,
sendo sensível às demandas dos diversos segmentos da sociedade; e
consideração das pesquisas como ações sociais. Os referidos
pressupostos expõem influências do existencialismo, das contribuições
de Kuhn e da Psicologia Social Crítica.
Os de caráter metodológico, por sua vez, defendem o papel
transformador da ciência e a inseparabilidade entre prática e teoria, para
os quais as influências mais evidentes são advindas das abordagens
sistêmicas, interacionismo-simbólico, neoinstitucionalismo sociológico
e Psicologia Social Crítica.
Os psicossociólogos do trabalho têm tratado uma diversidade de
temas, como identidades coletivas e realidade do trabalho (incluindo
precarização, terceirização, trabalho sujo, violência, significados e
sentidos do trabalho, formas de resistências, etc.). As ações (de pesquisa e
intervenção) dos psicossociólogos sobre tais temas partem dos
pressupostos mencionados e se pautam em um forte compromisso ético
com a democracia, os direitos universais do ser humano, a promoção da
qualidade de vida e cidadania, bem como com a diversidade humana.
Saúde mental e trabalho, por sua vez, é um campo de ações tanto
de produção do saber quanto de cuidados humanos. É complexo,
abrangendo uma série de dilemas entre os quais o reconhecimento do nexo
entre saúde mental e trabalho; nexo esse que é a razão da existência do
próprio campo. Seus temas (patologias, bem-estar, estresse no trabalho,
alterações psíquicas, prevenção, etc.), além de complexos, envolvem
dimensões institucionais (políticas em voga, infraestrutura dos serviços,
relação entre profissionais e usuários, impactos das condições de trabalho,
etc.). É, assim, um campo de aplicação da psicossociologia do trabalho. A
adoção de tal perspectiva o beneficia, identificando causas de bem-estar
e/ou de sofrimento e adoecimento mental nas suas dimensões coletivas,
institucionais e políticas, de modo a potencializar a ênfase nas estratégias
preventivas (ARAÚJO; FERREIRA; ALMEIDA, 2015; BORGES, L. O.;
GUIMARÃES, L. A. M.; SILVA, 2013; LIMA, 2002).
358
Referências
ARAÚJO, J. N. G.; FERREIRA, M. C.; ALMEIDA, C. P. (Orgs.), Trabalho
e Saúde: cenários, impasses e alternativas no contexto brasileiro. 1. ed.
São Paulo: Opção, 2015.
BORGES, L. O.; GUIMARÃES, L. A. M.; SILVA, S. S. Diagnóstico e
promoção de saúde no trabalho. In: BORGES, L. O.; MOURÃO, L. (Orgs.),
O trabalho e as organizações; atuações a partir da Psicologia. Porto
Alegre: Artmed, 2013, pp. 581-618.
CARRETEIRO, T. C. O., & BARROS, V. A. Clínicas do Trabalho:
contribuições da psicossociologia no Brasil. In: Bendassolli, P. F.; Soboll, L.
A. (Orgs.), Clínicas do Trabalho: Novas perspectivas para compreensão
do trabalho na atualidade. São Paulo: Atlas, 2011, pp. 99-131.
LÉVY, A. Ciências Clínicas e Organizações Sociais – sentido e crise de
sentido (Tradução de Galery, E. D.; Torres Lima, M. E. A.; Franco, N. M.).
Belo Horizonte: Autêntica/FUMEC, 2001.
LHULIER, D. Introdução à psicossociologia do trabalho. Cadernos de
Psicologia Social do Trabalho, v. 17, n. especial 1, pp. 5-20, 2014.
LIMA, M. E. A. Esboço de uma crítica à especulação no campo da saúde
mental e trabalho. In: Jacques, M. G.; Codo, W. (Orgs.), Saúde Mental &
Trabalho: Leituras. Petrópolis: Vozes, 2002.

PSYCHOSOCIAL SAFETY CLIMATE - APRESENTAÇÃO DO


MODELO
João Massuda Júnior; Liliana Andolpho Magalhães Guimarães
Durante anos, pesquisadores de diversas áreas dedicaram-se a
buscar elementos que poderiam estar associados ao surgimento do estresse
ocupacional e o consequente adoecimento dos trabalhadores. Dentre os
diversos modelos propostos com este fim, os frameworks Person-
Environment Fit (PE-Fit), Job Demands-Control (JD-C), Job Demands-
Control-Support (JD-C-S), Effort-Reward Imbalance (ERI) e, mais
recentemente, Job Demands-Resources (JD-R) receberam maior atenção,
por parte da comunidade científica, dada a sua capacidade de explicar
satisfatoriamente o processo de surgimento do estresse no trabalho.
Embora tais modelos analisem o estresse ocupacional
avaliando a interação entre diferentes variáveis, é inegável que todos
reconhecem o desenho do trabalho desenvolvido pelos indivíduos
como variável de grande influência para o surgimento do estresse
laboral, adoecimento dos trabalhadores e a redução na performance
das organizações. Este fato fez com que as atenções dos pesquisadores
tenham se voltado para discutir os elementos que possam estar na
gênese da composição desta variável, aproximando-se, assim, das
causas raízes do estresse ocupacional (IDRIS; DOLLARD, 2014).
O modelo Psychosocial Safety Climate (PSC) nasce neste
contexto e associa-se ao framework Job Demands-Resources (JD-R),

359
propondo que o constructo “clima de segurança psicossocial”, um recurso
organizacional de primeira ordem, precederia o desenho do trabalho e,
consequentemente, as demandas e os dispositivos de suporte existentes e
vivenciados no nível individual (IDRIS; DOLLARD, 2014).
De acordo com Dollard e Bakker (2009), em organizações em
que este recurso inexista, possivelmente, os trabalhos serão
desenhados sem que haja preocupação com a saúde psicossocial e o
bem-estar dos trabalhadores, fazendo com que as demandas
ocupacionais sejam excessivas e os recursos disponíveis para
enfrentá-las sejam muitas vezes insuficientes.
Em instituições em que o clima de segurança psicossocial seja
um recurso organizacional presente e incorporado pela alta gestão, a
saúde e a segurança psicossocial dos indivíduos estará em equilíbrio
com os objetivos de desempenho da organização, ou seja, o trabalho
será desenhado tendo em mente a saúde e segurança dos indivíduos e
haverá recursos suficientes para que os mesmos possam lidar com as
demandas existentes no ambiente de trabalho.
É importante salientar que ao se associar ao framework JD-R, o
modelo PSC coloca o clima de segurança psicossocial como elemento
precursor do estresse ocupacional e/ou do engajamento, por meio de sua
influência direta sobre as demandas e recursos existente no trabalho.
Tal abordagem, indiretamente, também evidencia empiricamente
o papel da gestão/gestores para o processo de saúde-doença nas
organizações, uma vez que a presença em maior ou menor grau do clima
de segurança psicossocial nestas instituições é, em grande parte, resultado
de decisões gerenciais baseadas nas crenças e valores da alta gestão
(HALL; DOLLARD; COWARD, 2010).
Conceitos, terminologias e implicações
O constructo “clima de segurança psicossocial” é uma faceta
específica do clima organizacional que se refere às políticas, práticas e
procedimentos adotados pela organização para a proteção da saúde e
segurança psicossocial dos trabalhadores.
Largamente associado às crenças e valores da alta gestão, tal
constructo reflete o apoio e comprometimento das lideranças para com a
prevenção do estresse no trabalho e a criação de ambientes mais saudáveis
e seguros do ponto de vista psicossocial (DOLLARD et al., 2012).
Quanto mais as organizações avançam rumo a implementação
de políticas, procedimentos e práticas que visam proteger a saúde
psicossocial e promover o bem-estar dos trabalhadores, dizemos que
tal organização apresenta um clima de segurança psicossocial
positivo. O caminhar no sentido oposto, levará tal instituição a
perceber seu clima de segurança psicossocial como negativo (BOND;
TUCKEY; DOLLARD, 2010).
360
Para que as organizações possam implementar com sucesso
políticas, procedimento e práticas que as levem a um clima de
segurança psicossocial positivo é preciso que: os gestores seniores
apoiem e se comprometam com a prevenção do estresse no trabalho
por meio de ações efetivas; a gestão como um todo busque um maior
equilíbrio entre os esforços necessários para que as tradicionais metas
sejam alcançadas e a saúde psicossocial dos trabalhadores seja
preservada; canais de comunicação devem estar disponíveis para que
os trabalhadores tenham acesso aos gestores, inclusive sugerindo
melhorias em seus processos de trabalho; e a organização deve estar
aberta a um maior envolvimento com instituições focadas na melhoria
da saúde e segurança dos trabalhadores, trocando informações
valiosas para que possa caminhar rumo a uma organização mais
segura e saudável do ponto de vista psicossocial.
Referências
BOND, S.; TUCKEY, M. R.; DOLLARD, M. F. Psychosocial safety climate,
workplace bullying, and symptoms of posttraumatic stress. Organizational
Development Journal, v. 28, n. 1, pp. 37–56, 2010.
DOLLARD, M. F. et al. Psychosocial safety climate as an antecedent of
work characteristics and psychological strain: A multilevel model. Work
and Stress, v. 26, n. 4, pp. 385–404, 2012.
DOLLARD, M. F.; BAKKER, A. B. Psychosocial safety climate as a
precursor to conducive work environments, psychological health problems,
and employee engagement. Journal of Occupational and Organizational
Psychology, pp. 1–21, 2009.
HALL, G. B.; DOLLARD, M. F.; COWARD, J. Psychosocial safety climate:
Development of the PSC-12. International Journal of Stress Management,
v. 17, n. 4, pp. 353–383, 2010.
IDRIS, M. A.; DOLLARD, M. F. A Multi-level Study of Psychosocial Safety
Climate, Challenge and Hindrance Demands, Employee Exhaustion,
Engagement and Physical Health. In: DOLLARD, M. F. et al. (Org.). .
Psychosocial factors at work in the Asia Pacific. Adelaide: Springer
Publishing, 2014. pp. 127–143.

QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO (QVT) E SAÚDE


MENTAL
Mário César Ferreira
A Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) engloba duas
perspectivas interdependentes: a. Sob a ótica das organizações, a QVT
é um preceito de gestão organizacional que se expressa por um
conjunto de normas, diretrizes e práticas no âmbito das condições, da
organização e das relações socioprofissionais de trabalho que visa à
promoção do bem-estar individual e coletivo, o desenvolvimento
pessoal dos trabalhadores e o exercício da cidadania organizacional
nos ambientes de trabalho; e b. Sob a ótica dos trabalhadores, ela se
361
expressa por meio das representações globais (contexto
organizacional) e específicas (situações de trabalho) que estes
constroem, indicando o predomínio de experiências de bem-estar no
trabalho, de reconhecimentos institucional e coletivo, de possibilidade
de crescimento profissional e de respeito às características individuais.
Quanto à noção de saúde mental não há uma definição
consensual entre os especialistas e, regra geral, costuma-se evocar a
definição de saúde da OMS que inclui o bem-estar mental. Há, todavia,
um conjunto de atributos de saúde mental que são recorrentemente
citados na literatura que autorizam a delinear algumas de suas
características principais. Nesta perspectiva, a saúde mental aparece
fortemente associada com a capacidade do indivíduo para: avaliar e
construir soluções em face das dificuldades postas na sua interação com o
mundo; buscar o equilíbrio entre a experiência pessoal, os limites e as
capacidades individuais na resolução de problemas; realizar autogestão
da vida pessoal (avaliação de riscos; capacidade de crítica/autocrítica;
procura de ajuda); agir com autonomia; buscar o autodesenvolvimento e a
autorrealização; protagonizar sua história individual e social; assumir
atitudes positivas consigo e com os outros; lidar assertivamente com
afetos negativos (ex. tristeza) e positivos (ex. alegria); se sentir bem
consigo e com outros.
O cotejamento entre o conceito de Qualidade de Vida no
Trabalho (QVT) e os atributos principais da saúde mental mostra um
alinhamento inequívoco de propósitos. Assim, a gestão organizacional
(normas, diretrizes e práticas no âmbito das condições, da organização e
das relações socioprofissionais de trabalho) devem ser modos de
promoção de experiências de bem-estar no trabalho, de reconhecimentos
institucional e coletivo, de possibilidade de crescimento profissional e de
respeito às características individuais. A Qualidade de Vida no Trabalho
(QVT) é, portanto, uma alternativa sustentável para a garantia e a
promoção da saúde mental dos trabalhadores.
Resultados de pesquisas empíricas no campo da Qualidade de
Vida no Trabalho (FERREIRA, 2017) mostram quais são as principais
queixas dos trabalhadores e como eles definem no que vem a ser a
própria QVT. Ao serem indagados sobre as principais fontes de mal-
estar no trabalho, eles verbalizam: a. Condições precárias de trabalho
(ex. “Quando falta material de trabalho, não tem jeito, tenho que
improvisar. A pressão é grande.”); b. Organização desumana de
trabalho (ex. “A rotina enfadonha me incomoda muito.”); c. Relações
socioprofissionais conflituosas (ex. “Tem muita competição e cada um
querendo se sair melhor que o outro.”); d. Falta de reconhecimento e
desvalorização profissional (ex. “Cadê a carreira? Não tem chance de se
progredir mais.”); e. Elo trabalho-vida social (ex. “Tenho passado muito
362
tempo aqui no trabalho. Os filhos e a mulher têm reclamado muito.”).
Eis, portanto, as raízes mais profundas do mal-estar no trabalho que
potencializam o adoecimento mental e transformam o tempo de vida
passado no trabalho motivo de sofrimento e de estresse (OIT, 2016).
Em contrapartida quando chamados para definirem a QVT, as
verbalizações dos trabalhadores assinalam: a. Trabalho deve ser fonte de
prazer (ex. “Bem-estar, alegria, motivação, gostar do que faz.”); b.
Valorização do tempo de vida (ex. “Integrar trabalho à vida de forma que
estejamos tão satisfeitos trabalhando aqui nessa organização quanto nas
demais atividades que constituem parte de nossas vidas.”); c. Condições
de trabalho adequadas (ex. “Poder desempenhar as atividades inerentes a
cada função com os recursos materiais e pessoais adequados.”); d.
Relações socioprofissionais saudáveis (ex. “Relações pessoais boas com
os colegas e chefias.”); e. Reconhecimento e crescimento profissional (ex.
“Ser reconhecido pelos superiores em virtude da dedicação no trabalho,
tendo oportunidades de crescimento profissional.”). Os fatores e os
exemplos de verbalizações dos trabalhadores, evidenciados por resultados
de pesquisas em QVT, indicam bases empíricas sólidas para a efetiva
gestão e proteção da saúde mental nos contextos de trabalho. Investir em
tal perspectiva significa contribuir para que os trabalhadores
protagonizem suas histórias pessoais e seus trajetos sociais no interior das
organizações, facilitando o autodesenvolvimento e a autorrealização.
Isto implica em superar as práticas hegemônicas de viés
assistencialista de QVT do tipo “ofurô corporativo” presentes nas
organizações. Este se caracteriza por oferecer aos trabalhadores um
cardápio de ações do tipo antiestresse (ex. massagens) que visam
compensar paliativamente o desgaste vivenciado por eles durante a
jornada de trabalho. Trata-se, a rigor, de uma ótica do tipo restauração
corpo-mente que tem o trabalhador/a como variável de ajustes (GUÉRIN,
et al., 2001). Tal enfoque em nada contribui para a prevenção do estresse
no trabalho e a promoção sustentável da QVT e da saúde mental.
Referências
FERREIRA, M. C. Qualidade de Vida no Trabalho. Uma abordagem
centrada no olhar dos trabalhadores. 3ª. ed. Brasília: Paralelo 15, 2017.
GÜÉRIN, F. et al. Compreender o trabalho para transformá-lo: a prática
da ergonomia. São Paulo: Edgard Blucher, 2001.
OIT – ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Estrés en el
trabajo. Un recto colectivo. Genebra: OIT, 2016.

QUARTEIRIZAÇÃO
Cássio Adriano Braz de Aquino
A quarteirização é um fenômeno compreendido a partir da
implementação e expansão da terceirização como estratégia
363
organizacional e de gestão. O termo remete, a exemplo da terceirização, a
um neologismo – um quarto/a – que se soma na relação entre uma
organização que contrata, uma empresa que é contratada, um (ou mais)
trabalhador(es), constituindo-se como elemento que deve assumir a
gestão das relações entre os três primeiros elos.
A referência numérica dos componentes das relações
organizacionais, no entanto, pode produzir uma imprecisão conceitual
que deve ser explicada para não gerar problemas de compreensão e
abrangência do termo, uma vez que ele pode ser tomado como apenas
mais um, entre outros terceiros, que assume uma parte da gestão dos
serviços. O fundamental é perceber que a origem da quarteirização é a
proliferação dos contratos terceirizados.
A quarteirização está, assim, diretamente associada ao fenômeno
da terceirização. Ela responde ao aumento e ampliação dos contratos
terceirizados, configurando-se como uma estratégia de repasse da gestão
desses contratos para outra empresa, em qualquer uma das dimensões que
configuram a terceirização, como a situa Salerno (1993): a) eliminação da
produção de certos itens que passam a ser buscados em fornecedores que
não a própria organização; b) repasse de atividades de apoio às atividades
fins da organização; c) sublocação de mão-de-obra para atuação direta no
processo produtivo. Ademais desses itens incluiríamos, ancorada na
abrangência da legislação da terceirização, um escopo que pode fazer
referência a qualquer atividade que componha o processo de produção e
serviço de uma dada organização.
Como processo inovador de gestão, a quarteirização deve,
teoricamente, articular os interesses e conciliar os objetivos das
organizações contratantes e contratadas.
Se do ponto de vista administrativo é fácil perceber a função
da quarteirização, as implicações jurídicas e sociais são menos nítidas.
Ao configurar-se como ente – setor, gestor ou organização – que
administra os contratos de empresas parceiras ou subcontratadas é
importante entender que, intrinsecamente, a quarteirização reflete
transformações na sociedade e nas relações trabalhistas.
Juridicamente, a quarteirização é o reconhecimento do uso
intensivo de contratos de terceiros que, por seu volume, demanda o
surgimento de um especialista na gestão de prestadores de serviços, ou
como define Dias (2008, p. 141), “na administração da terceirização”.
Seguindo a reflexão jurídica, Delgado (2002) aponta que o
neologismo é próprio da área de administração de empresas, não se
vinculando à cultura do Direito, onde o terceiro seria concebido como
um estranho numa relação jurídica, muito embora a noção de

364
estranhamento se dê na implicação do trabalhador nos contextos
organizacionais, gerando instabilidade e sofrimento psíquico.
Socialmente, no entanto, o fenômeno revela seu matiz mais
nocivo, ao eliminar ou não considerar, com a devida relevância, o fator
humano. Por guardar relação com a terceirização e pressupor uma
derivação dessa última, a quarteirização amplifica as implicações nefastas
à saúde que já são reconhecidamente apontadas na terceirização.
Ao possibilitar a gestão de contratos por parte de outra
empresa que não a prestadora de serviço em si, ou viabilizar, por parte
de empresas terceirizadas, a (sub)contratação de outra(s) empresa(s)
para execução e prestação de serviços contratados por ela (também
reconhecido como quarteirização), nos encontramos diante de uma
situação de distanciamento cada vez mais acentuado do trabalhador da
empresa a qual dedica sua atividade. Esse distanciamento acaba se
complexificando ao implicar que a terceirização e a quarteirização
emergem, de forma quase hegemônica, no contexto de expansão da
flexibilização e precarização das relações de trabalho, onde a
vulnerabilidade e debilidade dos laços de pertencimento
organizacional se veem profundamente comprometidos gerando
impactos na saúde do trabalhador.
As dificuldades acima apontadas acabam por ter repercussão
na ideia dos contratos psicológicos estabelecidos entre os
trabalhadores e as distintas empresas às quais se vinculam. Os
contratos psicológicos, fundamentais na construção das relações
sociais desenvolvidas no ambiente de trabalho não estão
fundamentados por cláusulas formais de natureza jurídica, mas
remetem às percepções, crenças e expectativas constituídas na
inserção laboral dos trabalhadores.
Se por um lado – ancorados principalmente na perspectiva da
flexibilização – a quarteirização tem se constituído como uma prática
defendida pelos empresários, por outro, ela coloca o trabalhador diante
da vulnerabilidade, insegurança e fragilidade dos direitos (mesmo os
que estão assumidamente legislados), evidenciando um risco
psicossocial a saúde dos implicados. Reconhecemos que os riscos já
discutidos no âmbito da terceirização são ampliados pela quarteirização
– pseudoestabilidade, volatilidade dos contratos, assédio, etc –
fragilizando ainda mais o laço social e acentuando as pressões
psicológicas que agravam as condições de saúde dos trabalhadores.
A quarteirização é assim um fenômeno que pode derivar uma
dupla compreensão: recurso administrativo que viabiliza uma melhor
gestão da terceirização, na perspectiva empresarial; e/ou processo de
agravo das condições de saúde já degradadas.
365
Referências
SALERNO, M. Trajectory of autolatina - Brazil. In: First International
Encyclopedia of Business Management. Routledge: M. Warner, 1995.
DELGADO, M. G. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002.
DIAS, R. Sociologia das Organizações. São Paulo: Atlas, 2008.

READAPTAÇÃO PROFISSIONAL – RESSIGNIFICAÇÃO


COM O TRABALHO E SAÚDE MENTAL
Maria Luiza Gava Schmidt; Walnei Fernandes Barbosa;
Silvia Cristina Camargo Pinceli
A readaptação decorre da reorganização/recolocação do
trabalhador após situação de perdas parciais da capacidade laboral
devido a limitações decorrentes de acidentes ou adoecimento. Nesse
contexto, como situações em que o grau da incapacidade laborativa é
considerado parcial, o trabalhador pode retornar ao trabalho na mesma
função/cargo desde que suas limitações sejam respeitadas, ou em
atividades diferentes, em ambos os casos há um novo modus operandi
que requer adaptações às novas atribuições, que podem exigir
diferentes habilidades, além dos desafios cotidianos presentes no
contexto de trabalho. A readaptação efetiva-se com a reorganização do
trabalho requerida pela prescrição médica para ajustar o trabalhador às
exigências e às restrições das outras esferas de atividades, bem como
aos desejos e aspirações dele (LHUILIER, 2017).
Desse modo, é evidente que o processo de readaptação é
permeado por múltiplos aspectos psicológicos que podem desencadear
reações diversificadas, caracterizadas pelos estados subjetivos do
trabalhador. Nossa experiência no acompanhamento de trabalhadores
readaptados confirma a afirmação de Oliveira (2000) de que “as
perdas inerentes à deficiência, independentemente da sua maior ou
menor gravidade, se físicas, cognitivas ou simbólicas podem originar
respostas emocionais mais ou menos previsíveis, certamente sujeitas a
uma importante variabilidade individual (e, por isso, sempre
imprevisíveis na sua globalidade)” (p. 438).
A incapacidade laboral, tanto física como mental, provoca
alterações nos modos de ser do indivíduo, ultrapassando a esfera
objetiva e impactando em sua identidade profissional devido as
dificuldades em lidar com as perdas funcionais, levando a insatisfação
e sofrimento psíquico (SCHMIDT & BARBOSA, 2014). Dejours
(1992) considera a insatisfação no trabalho como uma das formas
fundamentais de sofrimento do trabalhador e relacionada ao conteúdo
da tarefa, segundo ele “executar uma tarefa sem investimento material
ou afetivo exige a produção de esforço e de vontade, em outras
circunstâncias apoiada pelo jogo da motivação e do desejo” (p.49).
366
Em razão disto, um dos aspectos que merece atenção neste
processo é o risco da perda do sentido do trabalho, pois manter-se no
trabalho gera grandes dificuldades, mas afastar-se dele por licença
médica significa perder as referências que auxiliam no enfrentamento
do sofrimento da doença e dos tratamentos (LHUILIER, 2017).
Tomando como referência os anos de experiência em ações
voltadas a trabalhadores afastados e readaptados, mediante seus
discursos, anseios, medos e perspectivas externalizados em diferentes
contextos, ficou evidenciado que o sentido e a centralidade do
trabalho na vida desses indivíduos, quando retornam ao trabalho, está
focado no envolvimento afetivo com a atividade a ser desempenhada,
levando em consideração suas limitações físicas ou mentais.
Desse modo, a ressignificação com o trabalho tem um papel
expressivo para o exercício das suas competências e aspirações, ao
passo que ao encontrar prazer nas atividades que lhe são permitidas, o
indivíduo se reencontra em seu papel de trabalhador, firmando sua
identidade na relação com o trabalho.
Barbosa e Schmidt (2014) salientam que a eficácia da
readaptação profissional deve estar alicerçada na classificação
biopsicossocial e para isto consideram que três variáveis são de extrema
relevância: não apresentar afastamentos pela mesma doença e/ou sequela
que gerou a readaptação; ser considerado engajado pela chefia; sentir
satisfação no trabalho.
Ao perceber seu potencial, sentir-se novamente incluído,
prestigiado e respeitado, o trabalhador readaptado se realiza e resgata
a essência de seu ser, aspectos importantes para promoção de sua
saúde mental.
Referências
BARBOSA, W. F; SCHMIDT, M.L.G. Reflexão sobre a importância do
processo de readaptação profissional através de um olhar tridimensional. In
SCHMIDT, M. L. G & DEL MASSO, M.C.S. Readaptação profissional :
da teoria à prática (org) Cultura Acadêmcia, 2014. Cap.12, pp. 217- 225.
DEJOURS, C. A loucura do trabalho. Editora Cortez, 1992.
LHUILIER, D. (2017) O agir em psicossociologia do trabalho. Psicologia
em Revista, Belo Horizonte, v. 23,, Texto traduzido por Nina de Melo
Francon. 1, p. 295-311. Disponível em:
http://periodicos.pucminas.br/index.php/psicologiaemrevista/article/view/166
57/12647. Acesso em: abr. 2019.
OLIVEIRA, R. A. Elementos psicoterapêuticos na reabilitação dos sujeitos
com incapacidades físicas adquiridas. Aná. Psicológica, Lisboa, v. 18, n.
4, p. 437-453, nov. 2000. Disponível em:
http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870-8231200
0000400002&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 07 dez. 2020.

367
SCHMIDT, M.L.G; BARBOSA, W.F. Ação interdisciplinar na readaptação
ao trabalho: caminhos e desafios. In: Schmidt, M.L. G & Del Masso, M.C.S.
Readaptação profissional: da teoria à prática (org) Cultura Acadêmcia,
2014. Cap.3, pp. 55-70.

RELAÇÃO TRABALHO-FAMÍLIA
Ednéia Albino Nunes Cerchiari; João Carlos Messias
Há quase uma década, a Organização Internacional do
Trabalho (OIT) já aponta para a importância dos estudos das relações
entre o trabalho e a família com a compreensão de que são duas
esferas da vida humana, primordiais, indissociáveis e regidas,
aparentemente, por lógicas diferentes; uma pública e a outra privada
(OIT, 2009). Contudo, essas duas esferas se entrelaçam, denotando a
complexa natureza entre os domínios do trabalho, da família e da
saúde, sugerindo que seus efeitos dependem da demanda de recursos
do trabalho e a possibilidade de reposição após a utilização dos
mesmos. Portanto, o que acontece com uma repercute diretamente na
outra e estas na saúde física e mental do trabalhador.
O processo de trabalho vem sofrendo modificações, cada vez
mais abruptas, ao longo das décadas. A atenção à saúde mental,
porém, diretamente impactada com essas alterações, não conta com
reajustes proporcionais. A partir daí, é perceptível que as formas de se
realizar o trabalho sofreram acentuadas alterações ao longo do tempo
– avanço tecnológico e as novas organizações – diferindo das
modificações ocorridas no sofrimento patogênico do trabalho, do seu
tratamento e das implicações familiares.
O conceito de conflito trabalho-família foi explicado, em
1964, por Kahn e colaboradores, tendo como referencial a estrutura da
teoria de papel, os quais propõem que o principal determinante de um
comportamento individual é a expectativa de comportamento que os
outros têm para ele ou ela (LAMBERT, 1990). A teoria do papel prevê
que a expectativa em torno de cada um desses diferentes papéis que
uma pessoa executa, pode gerar conflito de papel, quando envolve
pressão para dominar o tempo da pessoa para focar e satisfazer todas
as expectativas de seus papéis em família ou em seu trabalho, uma vez
que cada papel exige tempo, energia e empenho, estudos sobre o
assunto têm assinalado que a falta de conciliar a vida profissional e a
não profissional tem o potencial de afetar tanto os empregados, como
as empresas e criar problemas de saúde para os empregados.
O conflito entre papéis acontece quando as pressões que
surgem em um papel são incompatíveis com a pressão que surge em
outros papéis. Portanto, conflito entre papéis pode ser compreendido
como (LAMBERT, 1990):

368
a) Conflito trabalho – família: definido como uma forma de conflito
entre papéis no qual as demandas criadas pelo trabalho interferem no
desempenho de responsabilidades familiares;
b) Conflito família – trabalho: entendido como uma forma de conflito
entre papéis no qual as demandas criadas pela família interferem no
desempenho de responsabilidades profissionais.
Esse fenômeno de transbordamento é definido como o
fenômeno psicológico spillover e refere-se à transferência de atitudes,
competências, comportamentos e emoções do âmbito familiar para a
esfera de trabalho e do trabalho para o familiar. Essa via bidirecional
pode ser caracterizada como spillover positivo (promoção do papel) e
spillover negativo (conflito de papéis). No que diz respeito ao
spillover negativo, o conflito de papéis vem a ser a insuficiência de
tempo, recursos psicológicos e fisiológicos para as exigências dos
papéis sociais, que se tornaram múltiplos na sociedade
contemporânea, acarretando efeitos negativos nas vidas relacionadas.
Já o positivo, está conectado apenas ao transporte dos aspectos
favoráveis de uma esfera social para outra (VOYDANOFF, 2002).
Grzywacz e Marks (2000) analisam a relação de
transbordamento em ambos os sentidos (trabalho-família e família-
trabalho) com ambas valências (impactos positivos e negativos) a partir
de variáveis dependentes e variáveis independentes. Na primeira
categoria, configuram elementos como estresse, cansaço, habilidades
aprendidas e suporte emocional. Na segunda, aspectos do microssistema
familiar, como suporte ou desacordo conjugal, suporte ou demandas de
outros membros da família e microssistema de trabalho, como
amplitude de decisão, pressão e apoio de colegas, por exemplo.
Em busca de uma explicação sobre a repercussão do trabalho
na família dois mecanismos procuram dar uma resposta; o mecanismo
de drenagem de recursos e o mecanismo de transbordamento de
humor. O primeiro propõe que o desempenho de atividades no
trabalho reduz o número de recursos internos (energia física e
psíquica) para o desempenho das atividades familiares. Já o segundo
sustenta a hipótese de que o trabalho desencadeia emoções no
indivíduo, que são transferidas consciente ou inconscientemente para
o ambiente familiar, interferindo significativamente neste cenário
(KRANNITZ, GANDEY & ALMEIDA, 2015).
Nota-se, em diversos contextos, uma tendência a compartilhar
espaços de trabalho, bem como realizar tarefas em casa, como acontece
nos casos de co-working e home-office. Assim, é relevante
compreender a relação entre trabalho e família em função do redesenho
do trabalho no mundo contemporâneo, cujos contornos se mostram cada
vez mais flexíveis e imprecisos.
369
Referências
GRZYWACZ, J. G., & MARKS, N. F. Reconceptualizing the work–family
interface: An ecological perspective on the correlates of positive and negative
spillover between work and family. Journal of Occupational Health
Psychology, 2000, 5(1), 111–126.
KRANNITZ, M. A., GRANDEY, A. A., LIU, S., & ALMEIDA, D. A.
Workplace Surface Acting and Marital Partner Discontent: Anxiety and
Exhaustion Spillover Mechanisms. Journal of Occupational Health
Psychology, 20(3), 314–325, 2015.
LAMBERT, S. J. Processes linking work and family: A critical review and
research agenda. Human Relations, 1990, 43 (3), 239-257.
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Trabalho e
família: rumo a novas formas de conciliação com corresponsabilidade social.
Brasília, 2009. Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br. Acesso em: 28 fev.2016.
VOYDANOFF, P. Linkages between the work family interface and work,
family and individual outcomes: An integrative model. Journal of Family
Issues, 2002, 23 (1),138-164.

RELAÇÕES INTERPESSOAIS E CORRELAÇÕES NO


PROCESSO SAÚDE – DOENÇA DO TRABALHADOR
Andréa Claudia de Souza; Joceli Drummond
Trabalhar é um dos pilares da saúde, segundo a Organização
Mundial da Saúde, e é importante que seja criado um clima afetivo
pelas organizações e lideranças (GONÇALVES, 2016). O trabalho e
seus resultados compõem um conjunto de valores para a saúde
pessoal. A saúde inclui as dimensões bio-psico-social e o adoecimento
pode estar associado a estas dimensões.
No mundo de hoje, existem dois tipos de trabalho, os tóxicos,
que causam estresse e a síndrome de burnout, e o trabalho
humanizado, que contribui para a sa também que as pessoas
pertencentes aquele grupo aprenda a lidar com as diferenças para
alcançarem resultados em conjunto.
Uma organização não tem somente um conjunto de pessoas
trabalhando para alcançarúde da pessoa (KETS DE VRIES, 2001)
O trabalho pode ser gratificante e considerado como um dos
aspectos que tornam a vida mais motivadora e satisfatória. A
satisfação é considerada revigorante e auxilia a persistência frente a
dificuldades e desafios profissionais, a partir do desenvolvimento das
competências, das habilidades e do caráter, o que facilita o
crescimento deste papel de maneira natural.
Trabalhar também estimula o relacionamento com outras
pessoas, pertencer a um grupo e manter bons vínculos torna a pessoa mais
saudável e mais revigorada para a vida. Possibilita objetivos, pessoas que
se influenciam mutuamente e por consequência influenciam os ambientes
370
em que atuam, formando uma dinâmica própria de comportamentos e
manifestações nesses ambientes. A tomada de decisões e soluções de
problemas estimulam as organizações humanizadas a desenvolverem e
manterem equipes com relações saudáveis. Compartilhar ideias e propor
soluções é estimulante para o ser humano. É usar da sua espontaneidade
para solucionar os desafios e ser adequado para cada contexto.
A Sociometria auxilia a aferir as relações para estimular o
bom vínculo de um grupo, medindo as relações interpessoais. Quando
um profissional se identifica com a equipe, reconhece seu valor e é
reconhecido por ela, abastece a necessidade própria de pertencer a um
grupo que busca objetivos de forma saudável.
As formas como as pessoas se aproximam e/ou se afastam entre
si, afetam a elas mesmas e aos demais integrantes de um grupo. Quando
duas pessoas se rejeitam em um grupo, todo o grupo é afetado. Quando se
aproximam também. Segundo Moreno (1992), é o átomo social de um
grupo e pode ser demonstrado por sociogramas (desenhos representativos
das relações). Os fatores de aproximação e dificuldade podem ser
trabalhados em um grupo. A percepção das pessoas em relação a um
contexto favorece as relações e, por vezes, causa conflitos, dependendo
da própria percepção, da dinâmica grupal e dos acontecimentos. Além de
tratar as relações aumentando as relações positivas e/ou neutras e
minimizando as relações negativas e de afastamento, o sociodrama
(método de tratamento grupal) promove a saúde grupal, minimizando os
contrastes entre as posições hierárquicas, colocando as diferenças no
patamar dos papéis, e não do valor pessoal dos participantes.
A sociometria pode auxiliar também no desenvolvimento da
autoestima, pois a pessoa, com suas qualidades individuais, se percebe
contributiva para a dinâmica grupal, conquistando a interdependência
na dinâmica da equipe e não dependência ou subserviência. A
corresponsabilidade, por vezes, é acompanhada de emoções negativas
como ansiedade e medo de errar. Quando há uma boa relação, um
profissional pode auxiliar o outro a superar as emoções negativas.
O bem-estar das pessoas é refletido no clima organizacional
em que elas se encontram, facilitando a manutenção de um ambiente
de cooperação, aprendizagem contínua, justiça e comunicação aberta e
franca; com lideranças atentas às necessidades de suas equipes,
promovendo o respeito à conciliação entre vida profissional, familiar e
social. É um papel auxiliando o desempenho de outros papéis.
Para se sentir mais feliz, é preciso tirar proveito das
experiências e vivê-las, transformando as experiências em fluxo. “A
felicidade é um estado que precisa ser preparado, cultivado e
defendido por todos nós” (CSIKSZENTMIHALYI, 2008). Para
Moreno (1974), viver o aqui e agora de forma plena, aberto aos
371
acontecimentos e de forma adequada para reagir as situações, chama-
se espontaneidade, que evita a robotização e estimula o protagonismo
e a saúde da pessoa nas relações com o mundo circundante. É o
indivíduo capaz de agir a partir de uma necessidade interna e de uma
demanda externa, sentir-se pleno e sujeito da ação, tornando-se capaz
e valoroso no seu crescimento e nas relações estabelecidas.
Concluindo, o prazer e a satisfação no trabalho motivam a
pessoa para o trabalho e a motivação no trabalho eleva a satisfação na
vida. Existe uma roda de realimentação positiva contribuindo para
melhoria no aspecto psicológico da própria pessoa e do ambiente no
qual ela vive. Quando se tem mais segurança psicológica, a pessoa
torna-se mais receptiva e aberta para compartilhar com os outros.
Percebe-se corresponsável pelos resultados alcançados e na própria
dinâmica relacional estabelecida, gerando mais saúde ou menos para
si e para o grupo. Os fatores psicológicos e as formas de olhar o
mundo e as relações podem afetar diretamente a condição física e
emocional do trabalhador, gerando doenças. O Psicodrama, como
outras linhas, ao invés de trabalhar somente as doenças, estimula
também os vínculos saudáveis com as pessoas e consigo mesmo.
Referências
CSIKSZENTMIHALY, M. Flow: the psychology of optimal experience.
Ed. Harper Perennial, 2008.
GONÇALVES, J. R. D. Climas organizacionais positivos, relação ótima
em equipa e compromisso organizacional. Tese (Doutorado em Psicologia)
– Faculdade de Psicologia, Universidade Autónoma de Lisboa. Lisboa, 2016.
KETS DE VRIES, Manfred. Creating Authentizotic Organizations: Well-funcioning
Individuals in Vibrant Companies, Human Relations, 2001, 54 (1), 101-111. 9
MORENO, J. L. Psicodrama. São Paulo: Ed. Cultrix,1974.
MORENO, J. L. Quem sobreviverá? Fundamentos da Sociometria,
Psicoterapia de Grupo e Sociodrama. Goiânia: Dimensão, 1992.

RESILIÊNCIA E CORRELAÇÕES COM A PROMOÇÃO DA


SAÚDE MENTAL NO TRABALHO
Silmar Maria da Silva; Patrícia Campos Pavan Baptista;
Sandra das Dores Souza
O ambiente de trabalho é permeado por situações que geram
desgastes emocionais e mentais ao trabalhador. Alguns fatores podem ser
reduzidos ou minimizados, contudo, outros são inerentes do processo de
trabalho, como, por exemplo, a complexidade e instabilidade dos
pacientes em uma unidade terapia intensiva, a imprevisibilidade em um
serviço de urgência e emergência, gerenciamento de crises, de conflitos,
entre outros. Assim, é preciso investir no enfrentamento salutar das

372
adversidades no contexto do trabalho, a fim de que o trabalhador possa
manter o seu equilíbrio mental e emocional, sem adoecer.
Nesse sentido, estratégias que contribuem para o
enfrentamento destas situações estressantes são caminhos para a
preservação da saúde do trabalhador, como para a promoção de sua
saúde mental, emocional e física.
Uma das estratégias para a promoção da saúde mental do
trabalhador é a resiliência que, de acordo com Grotberg (2005, p.15), é
“a capacidade humana para enfrentar, vencer e sair fortalecido ou
transformado por experiências de adversidade”, como o estresse, o
sofrimento, o aborrecimento, os conflitos, entre outros.
A resiliência se manifesta na vivência de situações de
adversidades e não conota a ideia de retorno ao ponto de partida, mas
sim de evolução (GROTBERG, 2005), pois a experiência vivenciada
de adversidade leva à transformação e ao aprendizado, tornando a
pessoa mais forte e preparada (WAGNILD, 2011).
Assim, as pessoas resilientes enfrentam as mesmas dificuldades e
níveis de estresse que outros indivíduos, não sendo imunes ou resistentes
ao estresse. Porém, o que as diferencia das demais é que são capazes de,
após a adversidade, recuperar o equilíbrio, tanto em termos mentais
quanto emocionais, e de aprender com a experiência (WAGNILD, 2011).
A resiliência não preserva o indivíduo das adversidades, do
sofrimento, do estresse, tornando-o invulnerável (um dos precursores
do conceito), inatingível, mas sim, o torna capaz de enfrentar, de
superar, de transformar-se e aprender. Por outro lado, o conceito não
deve ser entendido como um atributo fixo, estático, pois a capacidade
de enfrentamento e superação varia de acordo com as circunstâncias
enfrentadas, pois a resiliência se transforma em decorrência das
circunstâncias (BRANDÃO; MAHFOUD, 2007).
De tal modo, não se é resiliente mas apresenta-se conduta ou
comportamento de resiliência, pois as situações adversas não são
estáticas, mudam e requerem mudanças nas condutas resilientes, à
medida que as condições vão-se modificando, exigindo para o
comportamento resiliente: preparo, vivência e aprendizagem com as
experiências adversas (GROTBERG, 2005).
Nesse sentido, no contexto de trabalho, deve haver iniciativas
institucionais na implementação de programas que invistam na
promoção da resiliência dos trabalhadores, considerando que este
programa deva ser permanente, pois a resiliência é flutuante e requer
promoção constante.
Importância e implicações
A resiliência diminui a atitude negativa em relação aos
conflitos, às dificuldades, ao mesmo tempo que contribui para o
373
enfrentamento das adversidades, tornando os trabalhadores menos
propensos a problemas de saúde mental. Por conseguinte, a resiliência
é considerada um preditor da saúde mental (GAO et al., 2017).
Estudos têm demonstrado o efeito positivo da resiliência na
saúde mental dos trabalhadores. Evidenciando o efeito da resiliência
na promoção do bem-estar e na redução dos resultados negativos do
estresse, consequentemente, na proteção contra a ocorrência da
síndrome de burnout (ARROGANTE; APARÍCIO-ZALDIVAR, 2017;
GAO et al., 2017). Além do mais, a resiliência tem um papel mediador
na redução do impacto das consequências negativas da síndrome de
burnout (ARROGANTE; APARÍCIO-ZALDIVAR, 2017).
Assim, a resiliência minimiza e atenua os resultados negativos
relacionados ao estresse crônico, no contexto do trabalho, ao envolver
um processo de adaptação positiva ao estresse e à adversidade.
A compreensão do processo de resiliência nas organizações
abarca a identificação dos fatores de risco e de proteção que permeiam o
ambiente de trabalho, e envolve os modos de ser e de existir do
trabalhador, considerando que, muitas vezes, os valores organizacionais
são impostos aos trabalhadores de forma a moldar sua subjetividade
(RIBEIRO et al., 2011).
Ademais, é necessário diferenciar resiliência de subserviência, de
forma que a resiliência não seja compreendida como uma adaptação total
do trabalhador aos contextos da organização, como uma submissão aos
fatores presentes. Além disto, é necessário enfatizar, junto às
organizações e aos seus gestores, a corresponsabilidade na elaboração e
implantação de políticas preventivas e de promoção da saúde e qualidade
de vida no trabalho, com vistas a redução dos fatores de risco e promoção
dos fatores de proteção aos trabalhadores (RIBEIRO et al., 2011).
Nesse sentido, a literatura aponta que a resiliência é uma
habilidade que pode ser aprendida.
Referências
ARROGANTE, O.; APARICIO-ZALDIVAR, E. Burnout and health among
critical care professionals: The mediational role of resilience. Intensive and
Critical Care Nursing, v. 42, p. 110–115, 2017.
BRANDÃO, J. M.; MAHFOUD, M.; GIANORDOLI-NASCIMENTO, I. F.
A construção do conceito de resiliência em psicologia: discutindo as origens.
Paideia, v. 21, n. 49, p. 263-271, 2011.
GAO, T. et al. The influence of resilience on mental health: The role of general well-
being. International Journal of Nursing Practice, v. 23, n. 3, e12535, 2017.
GROTBERG, E. H. Introdução: novas tendências em resiliência. In: Melillo
A, Ojeda ENS. Resiliência: descobrindo as próprias fortalezas. Porto Alegre:
Artmed, 2005. p. 15-22.
RIBEIRO, A. C. A. et al. Resiliência no trabalho contemporâneo: promoção e/ou
desgaste da saúde mental. Psicologia em Estudo, v.16, n. 4, p. 623-633, 2011.
374
WAGNILD, G. M. The Resilience Scale User´s Guide for the US English
version of the resilience Scale and the 14-Item Resilience Scale (RS-14).
Worden, MT: The Resilience Center, 2011.

RETORNO AO TRABALHO APÓS AFASTAMENTO POR


TRANSTORNO MENTAL
Carla Júlia Segre Faiman
É a situação em que o indivíduo volta a desempenhar atividade
profissional após um período em que esteve afastado dela em decorrência
de algum transtorno mental. Transtornos mentais podem variar em sua
natureza, em sua forma de manifestação e no grau de comprometimento
que trazem à vida de quem é acometido e são responsáveis por
afastamento do trabalho quando incapacitam, mesmo que
temporariamente, a pessoa de seguir realizando suas atividades
profissionais. A linha divisória a partir da qual se define que alguém sofre
de um transtorno que impede (ou não) a continuidade do trabalho nem
sempre é clara. Sofrimento, angústia, medo e dificuldades relacionadas às
funções mentais fazem parte da vida comum, mas podem, em algumas
situações, configurar um transtorno em que se fazem necessários tanto o
tratamento como o afastamento do trabalho. Além de características do
transtorno, aspectos relacionados ao tipo de trabalho e à experiência
subjetiva de desempenhar a atividade são também fatores considerados
na decisão pelo afastamento.
Na experiência pessoal, ver-se na situação em que o
afastamento se faz necessário é algo bastante doloroso, que
geralmente desperta insegurança quanto às perspectivas futuras.
O trabalho é um aspecto muito importante na vida das pessoas,
pois proporciona subsistência, inserção social, desenvolvimento, organiza
a rotina, dá a oportunidade de a pessoa sentir-se útil e reconhecida em seu
valor. É, assim, fator de sustentação da identidade pessoal (SOUZA;
FAIMAN, 2007). Por tudo isso, a experiência de afastamento representa
uma ruptura muito importante na vida pessoal e tende a ter sérias
repercussões. No afastamento por transtorno mental, à perda de tudo que
foi citado somam-se o estigma e a vergonha associados ao não-trabalho e
à doença mental. Por outro lado, socialmente, apenas a condição médica
permite que a pessoa não trabalhe sem ser recriminada por isso, e, nesse
sentido, o diagnóstico legitima a interrupção ao mesmo tempo em que
confere uma identidade de doente (BRANT; MINAYO-GOMEZ, 2007).
Sofrer de um transtorno mental, precisar se afastar do trabalho
em função disso e retornar à atividade compõem uma experiência
marcante. Assim, ao retornar, o trabalhador estará mudado, o que se
reflete na sua relação com o trabalho. Poderá existir o medo de recaídas
bem como insegurança no que se refere às próprias capacidades.
375
Pode ocorrer de uma pessoa não ser mais capaz de suportar
determinada atividade realizada previamente sem, no entanto, estar
incapacitada para o trabalho de uma maneira geral. E, por vezes, aspectos
do próprio trabalho contribuíram para o desencadeamento de um
transtorno mental (FAIMAN, 2012). Quando isso ocorre, as dificuldades
de retornar para a mesma atividade e/ou ambiente são ainda maiores.
Algumas pessoas voltam com indicação médica de que sejam
poupadas de algumas atividades específicas. Um exemplo de restrição
deste tipo seria a de um técnico de enfermagem que retorna ao trabalho
com dificuldade relacionada à atenção e, por isso, não deve separar e
ministrar medicamentos. A prescrição de uma restrição, por um lado,
favorece o retorno ao levar em conta tanto o potencial como a dificuldade
presentes. Mas, por outro lado, às vezes ocorre de a pessoa se ver
impedida de fazer aquilo que dá sentido ao seu trabalho, tanto
subjetivamente como no âmbito da equipe, resultando em frustração e em
sobrecarga para os colegas, que acabam tendo que suprir as faltas.
Por vezes, há indicação de que a pessoa retorne ao trabalho em
função diferente da que vinha desempenhando, o que demanda nova
inserção, aprendizado, adaptação e, dependendo do caso, pode trazer uma
dolorosa experiência de perda relacionada à profissão e à formação
anteriores. Soma-se a isso o fato de que funções que exigem menos
formação têm remuneração menor, e um funcionário que passe a
desempenhar atividade menos valorizada deixa de ser interessante para a
empresa que deve manter seu salário no patamar anterior. Considerando
que a pessoa não disponha das mesmas habilidades que antes, o que
dificulta sua empregabilidade, essa situação aumenta a insegurança
quanto à possibilidade de conseguir se mantertrabalhando.
É também necessário considerar que, a partir do afastamento
de um trabalhador, podem ter sido realizadas mudanças para que suas
funções continuem a ser desempenhadas por outra(s) pessoa(s). E a
ocasião do retorno exige novas reformulações na organização do
trabalho, que podem ser vividas como um acréscimo em dificuldade.
O afastamento também tem como reflexo uma ruptura no modo como
a empresa, a equipe e/ou o chefe contavam com a presença e com o
desempenho do trabalhador. E, dependendo da forma como se dá essa
experiência, a confiança de poder contar com ele será abalada,
impactando na receptividade e, consequentemente, na reinserção.
O retorno ao trabalho pode, também, ser muito benéfico ao
indivíduo. A retomada de uma rotina organizada, ativa e produtiva pode
ter importantes efeitos terapêuticos. Em situações favoráveis, no retorno,
o trabalhador volta a desfrutar do que o trabalho pode oferecer de melhor,
como campo de desenvolvimento e de ação construtiva na coletividade.

376
Favorecer que as pessoas voltem a trabalhar, buscando as
melhores possibilidades de reinserção após afastamento é um desafio
social importante. Exige que se pense de maneira articulada nas
formas de organização do trabalho, na gestão e nos indivíduos.
Retornos bem-sucedidos são benéficos para os trabalhadores, para a
sociedade e para o sistema econômico como um todo.
Referências
BRANT, L. C.; MINAYO-GOMEZ, C. Dispositivos de transformação do sofrimento
em adoecimento numa empresa. Psicologia em estudo, v. 12, n. 3, pp. 465-473, Dec.
2007. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722007000300003 .
FAIMAN, C. J. S. Saúde do trabalhador: possibilidades e desafios da
psicoterapia ambulatorial. Coleção Clínica Psicanalítica. São Paulo: Casa
do Psicólogo, 2012.
SOUZA, M. E.; FAIMAN, C. J. Trabalho, saúde e identidade: repercussões
do retorno ao trabalho, após afastamento por doença ou acidente, na
identidade profissional. Saúde, Ética & Justiça, v. 12, n. 1-2, p. 22-32, 7
nov. 2007. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2317-2770.v12i1-2p22-32 .

SATISFAÇÃO PSICOSSOMÁTICA (DEFINIÇÃO) NAS


RELAÇÕES COM O TRABALHO E SAÚDE
Mateus Bender
A palavra psicossomática é um termo oriundo da aglutinação das
palavras “psique” (denotando mente, processos mentais, ou atividades
emocionais) e “somática” (soma, significando corpo e algo distinto da
mente). Caracteriza a abordagem baseada na crença de que a mente
(psique) desempenha um papel em todas as doenças que afetem os vários
sistemas corporais. O termo pode se reportar tanto ao quesito da origem
psicológica de determinadas doenças orgânicas, quanto às repercussões
afetivas do estado de doença física no indivíduo, como até confundir-se
com simulação e hipocondria, onde toma um sentido negativo. A ideia de
que o nosso corpo pode adoecer em consequência de problemas
emocionais é um assunto contemporâneo em razão das mudanças
relacionadas ao mundo do trabalho.
Christophe Dejours (1993, p. 100) tem desenvolvido estudos
nessa área, buscando compreender a relação entre “o que se passa na
cabeça das pessoas e o que se passa em seu organismo”. Segundo o
autor, as doenças não surgem e/ou evoluem por acaso na vida das
pessoas, mas precisamente quando alguma coisa danosa ocorre na
vida psíquica, na vida afetiva. E mesmo as doenças físicas são
desencadeadas por conta de uma situação afetiva insustentável, no
momento em que o sujeito está sob pressão psíquica.
Muitos indivíduos só conseguem manter seu equilíbrio e obter
satisfações afetivas graças ao trabalho, porém, da mesma forma que o

377
trabalho pode contribuir para o desenvolvimento humano, pode também
originar sofrimento psicológico. O trabalho pode ser fonte de satisfação
e criação de condições para a satisfação de necessidades, como também,
ao contrário disto, pode se tornar uma verdadeira prisão, em decorrência
de inúmeras situações ruins nas relações de trabalho. Portanto, as
relações e a organização do trabalho podem interferir positivamente ou
negativamente sobre a subjetividade do indivíduo.
As emoções que afetam o indivíduo no ambiente de trabalho
decorrentes do choque com a organização do trabalho e que podem
gerar doenças vêm a ser definidas como doenças psicossomáticas. A
insatisfação em relação ao conteúdo significativo da tarefa gera um
sofrimento cujo ponto de impacto é, antes de tudo, mental, em oposição
ao sofrimento resultante do conteúdo ergonômico da tarefa. O
sofrimento mental resultante de uma frustração em nível do conteúdo
significativo da tarefa pode levar a doenças somáticas, as quais surgem
como um mecanismo defensivo no qual o trabalhador converte o
problema psicológico em fisiológico, representando uma reação
adaptativa às condições de trabalho. Portanto, trata-se de uma reação da
tensão, uma resposta para as circunstâncias do meio ambiente
percebidas pelas pessoas como ameaçadoras, ou seja, é o processo
através do qual conflitos profundos do âmbito psíquico, uma vez não
resolvidos satisfatoriamente, usam a via corporal para conhecer um
necessário alívio, podendo resultar em transtornos físicos.
As relações de trabalho podem originar doenças
psicossomáticas. As principais causas das doenças psicossomáticas
são o estresse, a ansiedade, a frustração, entre outras emoções que,
quando não controladas, podem causar depressão, além de afetar
diversos outros sistemas orgânicos. A manifestação pode ocorrer em
diversos sistemas em nosso organismo, como, por exemplo, no
sistema nervoso (enxaqueca, vertigens), nas articulações (artrite,
artrose, tendinite, reumatismos), gastrointestinal (úlcera, gastrite,
retocolite), respiratório (asma, bronquite), cardiovascular (hipertensão,
taquicardia, angina), dermatológico (vitiligo, psoríase, dermatite,
herpes, urticária, eczema), endócrino e metabólico (diabetes).
Diferentemente da somatização, que é diagnosticada por médicos
quando os sintomas de uma doença se manifestam mas não são
observados efeitos físicos no corpo, as psicossomáticas têm efeitos
verificáveis no organismo dos indivíduos.
Dejours (1998) argumenta que existem consideráveis diferenças
entre as pessoas quanto ao tipo de trabalho que desenvolvem e a
“satisfação psicossomática” que este lhe proporciona. A esse respeito,
Seligmann-Silva (2002) defende que as pessoas conseguem, em geral,
estabelecer um “modo de trabalhar” harmonizado com a sua própria
378
economia psicossomática, sempre que haja a perspectiva de variações
(flexibilidade/liberdade) na maneira de executar as tarefas,
possibilitando que o sujeito consiga transpor o que está prescrito.
Assim, por outro lado, as relações e a organização do trabalho
podem interferir positivamente sobre a subjetividade dos indivíduos. A
percepção da qualidade de vida no trabalho reflete a satisfação do
indivíduo com seu trabalho e sua vida em geral. Assim, a satisfação irá
ocorrer mediante a prevalência de emoções positivas e percepções de
desenvolvimento de potencialidades e novas possibilidades, alcançando
suas metas de vida.
É inegável que o trabalho contempla uma dimensão
representativa da vida cotidiana, interferindo tanto nas condições
materiais quanto subjetivas da existência humana. Assim, a satisfação
psicossomática é dependente de relações de trabalho que possibilite,
por meio de estratégias e ferramentas, a autorrealização e o
desenvolvimento e/ou fortalecimento de capacidades humanas
coerentes com o bem-estar no trabalho.
Referências
DEJOURS, C. Por um trabalho, fator de equilíbrio. Revista de dminAistração
de Empresas. São Paulo, 33, pp. 98-104, 1993.
DEJOURS, C. A loucura do trabalho: estudo de Psicopatologia do Trabalho.
São Paulo: Cortez, 1998.
SELIGMANN-SILVA, E. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser dono de
si mesmo. São Paulo: Editora Cortez, 2011.

SAÚDE E NOVAS CONDIÇÕES DE TRABALHO


Fellipe Coelho-Lima; Pedro F. Bendassolli
Após a manifestação da última grande crise estrutural do capital,
em 2008, foram aprofundadas, ao redor do mundo, tendências já
analisadas na literatura, desde a década de 1970, como a precarização do
trabalho. Em particular, chama a atenção, a partir de investigações como
as conduzidas pelo sociólogo Guy Standing (2011), da emergência do que
ele denomina de uma “nova classe” de trabalhadores, a do precariado.
Este texto explora brevemente esse fenômeno, com o particular interesse
de discutir a relação trabalho/saúde contra um pano de fundo mais
concreto e atual.
O precariado seria definido por três condições básicas. A
primeira delas é quanto à relação de produção. Em geral, as pessoas
realizam trabalhos com contratos inseguros e flexíveis (tempo parcial,
por demanda, intermitente, temporário, etc.), sem a chance de
desenvolverem uma identidade ocupacional segura. Além disso,
precisam se dedicar arduamente para conseguir esses trabalhos e,

379
paradoxalmente, possuindo formação ou capital intelectual superior às
demandas colocadas. A segunda característica é quanto ao lugar que o
trabalhador ocupa nas relações de distribuição. O precariado depende
integralmente das remunerações diretas obtidas com o trabalho, já que
não possuem outras formas de renda como o pagamento de férias, 13º,
pensão ou plano de saúde empresarial. Também não possuem acesso a
seguro-desemprego ou outros benefícios sociais. A última
característica refere-se à relação com o Estado. Por sua condição de
trabalho, eles não conseguem acessar nenhum dos direitos previstos
nas condições ou os serviços públicos de maneira geral. Portanto, têm
dificuldade de, ou é simplesmente negado, seu acesso à saúde,
educação, transporte, lazer, moradia ou alimentação providos pelo
poder público (STANDING, 2014).
A resultante dessa condição não seria apenas o crescimento da
pauperização entre essa parcela – que, segundo o senso comum, teria
os melhores rendimentos por conta do nível de formação –, mas a
produção de um sentimento de revolta (STANDING, 2011). Nesse
sentido, o precariado estaria por detrás das principais movimentações
de massa hoje no mundo (BRAGA, 2017), como, por exemplo, o
Occupy Wall Street, nos EUA; os Indignados, na Espanha; as
Jornadas de Junho, no Brasil; e a Primavera Árabe. Ainda que esse
sentimento de revolta não redunde em um projeto político bem
definido, de maneira geral, eles têm girado em torno da busca pela
melhoria das condições de vida desse grupo.
Do ponto de vista dos efeitos psicossociais, a condição de
precariado, conforme se depreende da literatura, traz, como
consequências: a) o sentimento de revolta próprios desse grupo, como
já destacado; b) a negação dos organismos historicamente construídos
de representação da classe trabalhadora; c) a rivalização com os
trabalhadores mais envelhecidos e/ou em postos de trabalho com mais
acesso a direitos trabalhistas; e e) a capacidade de mobilização e ação
de massas (BRAGA, 2017; STANDING, 2011; 2014).
O que chama a atenção, e isto se relaciona diretamente com a
temática deste verbete, são as resultantes desse quadro sobre a
deterioração da saúde das pessoas nessas novas condições de trabalho.
Assim, a insegurança própria do trabalho, somada à falta de amparo
da rede social e do Estado, desdobra-se em uma insegurança de vida,
que impede qualquer projeção de futuro.
Estudos, desde a década de 1970, têm apresentado uma
correlação positiva entre empregos inseguros e a presença de quadros
de ansiedade e depressão (BAMBRA & EIKEMO, 2018). Parece que,
para além de ser um trabalho em si precário, ele também traz as

380
condições, ou propicia a base para uma situação de “saúde precária”.
Isso levou Standing (2011) a incluir características como ansiedade
como definidoras do precariado, e Neilson (2015) a relacionar o
crescimento de quadros de ansiedade, depressão e suicídio ao
crescimento da precariedade do trabalho.
Poderíamos usar o exemplo do precariado para definir saúde
em sua relação com o trabalho? Pensamos na existência de algumas
pistas nessa direção. Primeira, saúde não é algo que alguém “possua”,
mas, como colocou Dejours em várias de suas obras, saúde é algo que
se conquista, ou refere-se a uma luta incessante. A condição de
precariado, embora, pelas razões aqui apontadas, comporte elementos
de ataque frontal à saúde, entendida em sua dimensão psicossocial,
por outro traz novas convocações às pessoas, como a de fazer sua luta
por novas configurações mais “justas” de trabalho incluir também
uma luta pela saúde.
Segunda pista, atividade é saúde. Realizar uma atividade que
permita o pleno exercício das potencialidades vitais é condição para
“estar saudável”, estar ativo. A pergunta, neste ponto, é, portanto: é
possível, nas condições do precariado, a realização de uma atividade
enriquecedora? Obviamente, o mesmo poderia se aplicar a outros
contextos de trabalho e a dúvida sobre em que consiste tal
“enriquecimento” ainda estaria posta, e, a nosso ver, ela passa,
também, pela questão do sentido: um ataque adicional do precariado é
justamente sobre o sentido do que se realiza, da sua finalidade. Que o
capitalismo tenha, já desde sua origem, praticamente, causado a cisão
entre sentido (o propósito social da atividade, por exemplo) e
significado (a razão consciente dada para se trabalhar, com para se
obter um meio de vida, salário, etc.), não é nenhuma novidade. Porém,
o precariado parece expandir essa cisão, invadindo segmentos do
social que, supostamente, estariam mais “protegidos” contra suas
investidas – por exemplo, a juventude dita escolarizada, mesmo com
educação superior. Voltados à crise do sentido, muitos, até para se
protegerem em termos de saúde mental, mergulham no pragmatismo
do tipo “realizo esta atividade hoje, mas amanhã é outro dia”. E
seguem, entre resignação e revolta, aceitando a expulsão do sentido de
suas atividades e, consequentemente, de um dos pilares para se
conquistar a saúde.
Se, como colocou Standing (2011), estar no precariado não
representa apenas estar em um emprego precário, mas em uma
existência precária, então o desafio para psicólogos do trabalho
desdobra-se, minimamente, em duas frentes: no plano político, pela
organização coletiva; no plano psicossocial, pelo debate da saúde no
trabalho como dependente de se entender a saúde como uma
381
conquista, e de visá-la a partir da plausibilidade de se conduzir uma
atividade com sentido, para si e para os outros.
Referências
BAMBRA, C. & EIKEMO, T. A. Insecurity, unemployment, and health: a
social epidemiological perspective. In U. C. Klehe & E. A. J. van Hooft
(Eds.), The Oxford Handbook of Job Loss and Job Search. Londres:
Oxford University Press, 2018, pp. 111-125
BRAGA, R. A rebeldia do precariado: trabalho e neoliberalismo no Sul
global. São Paulo: Boitempo, 2017.
NEILSON, D. Class, precarity, and anxiety under neoliberal global capitalism:
from denial to resistance. Theory & Psychology, v. 25, n. 2, pp. 184-201, 2015.
STANDING, G. The precariat: the dangerous new class. New York:
Bloomsbury Academic, 2011.
STANDING, G. The precariat. Contexts, v. 13, n. 4, pp. 10-12, 2014.

SAÚDE MENTAL E TRABALHO


Holmes Antonio Vieira Martins; Fernando Freitas
Análise da doença/transtorno mental do trabalhador: Por meio da
semiologia médica, a psiquiatria, enquanto especialidade da Medicina,
analisa os processos de adoecimento mental do trabalhador. O exame
psicopatológico é a especificidade da semiologia que possibilitará a
elaboração do diagnóstico do estado mental, que por sua vez guiará as
diretrizes para o tratamento: o “projeto terapêutico”. Para tal, a semiótica
médica pode considerar em seus processos analíticos as seguintes
abordagens: 1) a identificação dos sintomas que comporão, como um
mosaico, a “doença” ou “transtorno”; 2) a narrativa do paciente, no caso
o paciente-trabalhador, para que a partir das histórias por ele contadas o
examinador possa identificar, compreender e ocasionalmente resolver
eventuais causalidades de suas queixas e seus sofrimentos. Além de
meramente identificar os sintomas, sua compreensão pode ser objetivo de
um exame psicopatológico.
Identificação de sintomas de transtorno mental x identificação do
sofrimento mental e suas causalidades: A investigação de sintomas,
mas não instigação da produção de narrativas, integra o dia a dia do
médico. Entre profissionais experientes,não costuma haver grandes
diferenças entre conclusões diagnósticas baseadas unicamente em
sintomas. Se o examinado estiver com um transtorno ansioso ou
depressivo, por exemplo, essas conclusões podem ser objetivadas pelo
exame psicopatológico ao identificar, respectivamente, sintomas de
ansiedade ou de rebaixamento de humor, já bem sistematizadas pela
semiótica médica. Por outro lado, a capacidade de se ouvir narrativas
varia sobremaneira entre psiquiatras, o que invariavelmente causará
vieses na forma de tratar, considerando que o “projeto terapêutico”

382
toma como ponto de partida o diagnóstico psicopatológico. Viéses
pois, estritamente pelo exame psicopatológico, podem não se
considerar eventuais causalidades para os sintomas identificados,
como por exemplo as relações entre um ambiente de trabalho precário
ou metas inatingíveis com ansiedade que essas situações provocam.
Anamnese é a parte do exame médico no qual se ouvem as
queixas do paciente, para a partir daí se investigar possíveis variáveis
deflagradoras. Os sintomas buscados numa anamnese psiquiátrica, no
exame psicopatológico de um trabalhador, são: oscilações do humor
(depressão em seus diversos graus ou exacerbações), ansiedades e fobias,
alterações da sensopercepção (escuta alucinatória, por exemplo),
alterações do pensamento e delírios, insônias, irritabilidades, dentre outros.
Num exame psicopatológico, reconhecer sintomas psiquiátricos se torna
tarefa menos complexa por profissionais experientes, pois a formação
médica ensina identificar os fenômenos observáveis. E há os manuais de
diagnóstico oficiais (DSM e CID), que orientam o clínico na identificação
das queixas apresentadas pelo paciente-trabalhador como possíveis índices
de sintomas classificáveis como transtorno mental. A introdução da
narrativa na anamnese médica, ainda incipiente nas escolas de Saúde, foi
iniciada na década de 90, com os trabalhos de Rita Charon na
Universidade de Colúmbia (CHARON, 2016). Contudo, a sua abordagem
específica para a Medicina Ocupacional ainda carece de sistematização.
Identificação de sintomas x análise de narrativas: Enumeramos
alguns dos motivos das diferenças na forma de escutar narrativas de
médicos de maneira geral, psiquiatras em particular e de
multiprofissionais da Saúde Mental: 1) o estímulo e o
desenvolvimento da capacidade de ouvir e registrar uma narrativa não
constam das ementas da maior parte dos cursos de Medicina; 2) são
raros os professores que fomentam no estudante, até que conclua a
graduação, uma maior familiarização com as diferenças
socioeconômicas e culturais que lhe permita perceber também o
sofrimento humano em contextos sociais diferentes do seu de origem.
Esse distanciamento do profissional em formação do seu futuro
público cristaliza seus vieses de leitura do corpus social e, com isso,
limita sua capacidade de percepção das diferenças inerentes ao
humano. A capacidade de escuta do profissional, portanto, tem como
variável além de 1) a leitura de obras literárias, 2) o exercício de uma
sociabilidade plural, no sentido de vivenciar experiências em mais de
um núcleo de convívio, e relacional, no sentido de querer criar e
manter vínculos afetivos.
Semiótica dos sintomas e a iatrogenia: O risco da análise do
sofrimento mental a partir exclusivamente dos sintomas do sofrimento
(ansiedade ou depressão, por exemplo) é deixar de fora a identificação
383
das variáveis que causaram, exatamente, o adoecimento, tais como: 1)
assédios físicos e psicológicos nos locais de trabalho que podem,
inclusive, reeditar traumas que teriam ocorrido no período da infância
e adolescência; 2) extenuantes períodos em transporte público não
considerados pelo empregador na composição das jornadas de
trabalho; 3) problemas familiares que estejam ocupando objetiva e
subjetivamente o trabalhador, como por exemplo horários escolares
com entradas e saídas de filhos e dependentes de trabalhadores que
demandem algum ajuste para o exercício da jornada de trabalho, ou
pelo empregador ou pela escola; 4) os riscos inerentes à condição de
trabalhador específicos àquela ocupação e que lhe podem impactar a
vida de forma definitiva, como por exemplo acidentes de trabalho e
doenças ocupacionais, principalmente quando evitáveis.
Como é próprio da Medicina, a semiologia na Psiquiatria visa a
instrumentalizar uma decisão terapêutica, como repercussões para a vida
do próprio paciente, mas também para a sua família, amigos, emprego,
sistema de seguridade social, justiça, etc. O grande perigo reside em não
se relacionar os sintomas evidenciados por critérios, que em princípio são
objetivos, com o contexto em que tais sintomas se manifestam. Sintomas
tendem a ser respostas adaptativas a contextos de vida nos quais o
paciente e/ou os membros de seu núcleo familiar sofreu ou sofre formas
de agressão ou violência à sua integridade psíquica e física (THE
BRITISH PSYCHOLOGICAL SOCIETY, 2018). Num momento em que
sintomas são descontextualizados de sua vida tendem a ser enfrentados
com a prescrição de psicofármacos. Quando a literatura científica
demonstra serem inúmeros e variados seus efeitos colaterais quando
utilizados como tentativa para se enfrentar os problemas do cotidiano –
sonolência, redução das capacidades cognitivas, emocionais, físicas e
mesmo riscos de suicídio –, a consequência dessa forma de tratar pode ser
a perpetuação do problema gerador da queixa do trabalhador, colocando-
o em uma posição mais vulnerável que aquela de antes do início do
tratamento (HENGARTNER; PLÖDERL, 2019; DONNELLY, 2019). O
nome desta situação é iatrogenia (CROWELL-WILLIAMSON, 2019;
HORGAN, 2016; LUCIRE, 2016; MARTINS, 2013).
Perspectivas: É crescente a tomada de consciência entre médicos,
psiquiatras e pesquisadores do campo da saúde mental de que a
iatrogenia em Psiquiatria é um fenômeno de grandes proporções para
a saúde pública.
Há uma tendência cada vez maior para se relativizar as diretrizes
oficiais fundamentadas pelos Manuais de Diagnóstico DSM e o CID, que
são hoje oficiais e prescritoras de condutas (FRANCES, 2017). E, por
conseguinte, de também se relativizar o tratamento psicofarmacológico
como a primeira opção terapêutica, visto ser este fator identificado por
384
diversos pesquisadores como uma das causas do crescimento da epidemia
de doenças mentais em nossas sociedades, e não sua resolução. Irving
Kirsch identificou que antidepressivos não têm efeitos terapêuticos
maiores que os placebos, com a desvantagem de causarem efeitos
colaterais. Robert Withaker identificou que a introdução de psicotrópicos
esteve relacionada a um aumento e não a uma diminuição dos transtornos
mentais (WHITAKER, 2016). Ele aponta um fato curioso: a introdução
de antibióticos, no período entre Grandes Guerras, fez despencar a
incidência de mortes por infecções; o mesmo também observado para
uma série de doenças oncológicas e a introdução de fármacos para
tratamento de cânceres; todavia, após a introdução de psicotrópicos, a
prevalência de transtornos mentais – ou seja, de casos novos somados aos
antigos – aumentou exatamente nos grupos medicalizados.
O estímulo ao aperfeiçoamento desta percepção, pelo médico
psiquiatra, do sofrimento mental do trabalhador implicará num
deslocamento da ênfase dada aos sintomas descritos para as
narrativas dos pacientes, seus conteúdos e formas. Contextualizando a
fenomenologia do sofrimento psíquico com a biografia do paciente-
trabalhador, os sintomas poderão ser percebidos como condensadores
de um sentido para aquela pessoa, e não de uma doença ou transtorno
para o qual nada pode fazer que não seja se submeter a medicamentos.
Poderá compreender que esses sintomas poderiam representar
respostas adaptativas para situações nas quais percebeu
vulnerabilidade a suas integridades psíquica, emocional ou mesmo
física. Que se trataria, em última análise, da maneira como respondeu
a uma situação de extremo estresse.
Esstresse x sentido e propósito: Da compreensão do(s) sentido(s) de
uma resposta ao estresse, o projeto terapêutico do paciente-
trabalhador poderá passar para a identificação do que poderia
representar um propósito. Outros recursos, portanto, além dos
medicamentos, passam cada vez mais a serem considerados como
variáveis de um projeto terapêutico bem sucedido.
Isso implica na necessidade de mudanças significativas na
cultura corporativa, cujo apoio terapêutico para trabalhadores com
transtornos mentais/sofrimentos identificados nos locais de trabalho: 1)
está historicamente enraizada em suposições a respeito da separação da
mente e do corpo, e do indivíduo separado do social; 2) na crença ainda
vigente de que existe uma racionalidade separada da emoção; e 3) na
crença em uma objetividade, ou na possibilidade de separar valores, ética
e poder, da teoria e da prática dos sistemas relacionais humanos
existentes. Considerar o sentido e suas formas de produção como sendo
essenciais para dar conta da fenomenologia dos transtornos psiquiátricos
no trabalho, é uma perspectiva cada vez mais presente.
385
Empresas podem ter efeito terapêutico?
O conceito de propósito: O conceito de “healing organizations”,
“empresas que curam” foi introduzido por Raj Sisodia e Michael Gelb
em 2018 (SISODIA; GELB, 2019). São empresas descritas como “as
que vão além de suas expressões de amor e cuidados para com as
pessoas. Elas ativamente buscam as causas de sofrimento e dor para
todos stakeholders”.
Esta inovação na gestão tem como denominador comum, entre
pessoas e corporações, a instigação na produção de um propósito para
todos seus atores. À empresa cabe ter um propósito para as
comunidades nas quais estão inseridos seus stakeholders, e isso não a
afasta do lucro. E muito pelo contrário, como apontou Larry Fink,
CEO da BlackRock, a maior gestora de ativos financeiros do mundo,
com um ativos de mais de U$ 6,4 trilhões:
O propósito [das empresas] não é a busca de lucros, mas a força que
anima as pessoas a buscá-los. Mas para tal devem fomentar, entre os
stakeholders, a manifestação de seus propósitos e, e possível, a
possibilidade de que os realize.

O desafio que se configura, portanto, é que as empresas possam


compreender como a saúde mental de seus trabalhadores, de forma
específica, e de seus stakeholders, de forma mais ampla, está articulada
ao propósitos da própria empresa. A empresa que cuida, portanto, começa
a se configurar como um caminho de gestão que tende a se ampliar.
Referências
CHARON, R., DasGupta, S. The Principles and Practice of Narrative
Medicine. 1Ed. Oxford: Oxford University Press, 2016.
CROWELL-WILLIAMSON, G. Psiquiatras reivindicam mais atenção aos
danos iatrogênicos. In: Madinbrasil.org . Disponível em:
https://madinbrasil.org/2019/06/psiquiatras-reivindicam-mais-atencao-aos-
danos-iatrogenicos/. Acesso em: 25jun.2019.
DONNELY, L. Commun Drugs including anti-depressants could increase
dementia risk by up to 50 per cent. The Telegraph, 24 june 2019. Disponível
em: https://www.telegraph.co.uk/news/2019/06/24/common-drugs-including-
antidepressants-could-increase-dementia/. Acesso em: 25 jun.2019.
FRANCES, A. Voltando ao Normal. Como o excesso de diagnóstico e
medicalização da vida estão com a nossa sanidade e o que pode ser feito
para retomarmos o controle. Rio de Janeiro: Versal Ed., 2017.
HENGARTNER, M.P. e PLÖDERL, M. Newer-Generation Antidepressants
and Suicide Risk in Randomized Controlled Trials: A Re-Analysis of the
FDA Database. Psychotherapy and Psychosomatics. June, 24 2019.

386
HORGAN, J. Psychiatrists must face possibility that medications hurt more than
they help. In: Scientific American, December 13, 2016. Disponível em:
https://blogs.scientificamerican.com/cross-check/psychiatrists-must-face-
possibility-that-medications-hurt-more-than-they-help/. Acesso em: 25jun.2019
KEMP, J., Lickel, J., Deacon, B.; Effects of a Chemical Imbalance Causal
Explanation on Individuals’ Perceptions of Their Depressive
Symptoms. Behaviour Research and Therapy. Online March 6, 2014.
LUCIRE, Y. Pharmacological Iatrogenesis: Substance/Medication-Induced
Disorders That Masquerade as Mental Illness. Lucire, Epidemiology
(sunnyvale) 6:217. 2016.
MARTINS, H.A.V. Manual de Desmedicalização Assistida a Benzodiazepínicos.
Anais do XII Congresso Brasilero de Saúde da Família e da Comunidade.
Belém-PA, 2013.
SISODIA, R. A Iminência de um capitalismo mais consciente. Reportagem
de Pedro Nascimento. Entrevista a Raj Sisodia e Michael Gelb por Adriana
Salles Gomes. In: HSM Management nº 133, pgs 32 a 39. São Paulo: Qura
Editora, Maio 2019.
SISODIA, R., Gelb M. J. The Healing Organization. Ed. HarperCollins
Leadership, 2019.
THE BRITISH PSYCHOLOGICAL SOCIETY. Power Threat Meaning
Framework, December 2019. Disponível em:
https://www.bps.org.uk/sites/bps.org.uk/files/Policy/Policy%20-
%20Files/PTM%20Main.pdf. Acesso em: 25 jun.2019.
WHITAKER, R. Anatomia de uma Epidemia. Rio de Janeiro: Editora
FIOCRUZ, 2016.

SAÚDE MENTAL POSITIVA OCUPACIONAL (SMPO)


Julio César Vázquez-Colunga
A SMPO é baseada em psicologia positiva, psicologia
ambiental, salutogênese e humanismo. Seus antecedentes históricos e
referências epistêmicas estão fundamentados nos estudos de vários
autores (CANNON, 1932; SIGERIST, 1941; JAHODA, 1958;
ANTONOVSKY, 1979; ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO
TRABALHO (OIT), 1984; PETERSON E SELIGMAN, 2003;
PANDO, 2006; BUTTLER E KERN, 2016; CITADOS EM
VÁZQUEZ-COLUNGA, 2017a) que apontam que a saúde não é
medida pela ausência de doença, mas através de indicadores positivos
e, por isso, concentram-se especificamente na promoção da saúde.
Argumentam ainda que a saúde e a doença são fenômenos diferentes e
não simplesmente opostos de um mesmo contínuo e, portanto, podem
coexistir. A OIT (1984) apresenta uma das primeiras abordagens
positivas à saúde mental ocupacional. Em 2006, Pando propõe um
modelo eugênico de saúde mental no trabalho. Buttler e Kern (2016),
baseados nas ideias de Peterson e Seligman (2003), trazem o modelo
PERMA de cinco elementos para o âmbito do trabalho e acrescentam
387
o cultivo da saúde como sexto elemento. Vázquez-Colunga (2017a)
propõe um modelo teórico para a abordagem da saúde mental positiva
ocupacional a partir de um foco verdadeiramente positivo e oferece
um instrumento para medi-la.
A definição conceitual da SMPO supõe uma postura
transacional do trabalhador com o ambiente de trabalho. Este é um
fenômeno gerado por um processo dinâmico e pessoal do trabalhador,
resultado de sua interação com as condições diárias de trabalho. O
processo inclui, por um lado, os aspectos cognitivos, socioafetivos,
comportamentais e espirituais do trabalhador e, por outro, o trabalho,
seu ambiente e as condições em que trabalha. A partir daí derivam
percepções e experiências de realização, bem-estar e transcendência
que influenciam o desenvolvimento integral das capacidades e
potencialidades humanas do trabalhador e a criação e aumento de
indicadores positivos como o bem-estar pessoal pelo trabalho, as
relações interpessoais positivas no âmbito ocupacional, a imersão na
tarefa, o empoderamento no trabalho, a filosofia de vida laboral e o
uso de pontos fortes pessoais no trabalho, tais como
autoconhecimento, autonomia, criatividade, senso de humor, altruísmo
no trabalho, entre outras. Estes indicadores positivos devem ser
isolados dos indicadores tradicionalmente considerados de saúde
mental no trabalho, que procuram patologias - por exemplo burnout -
que, sem dúvida, influenciam a saúde e a produção, mas não
contribuem para a abordagem positiva da saúde mental (VÁZQUEZ-
COLUNGA, 2017a). Também não devem ser considerados os critérios
de adesão do trabalhador aos padrões produtivos, normativos ou
institucionais vivenciados por ele de maneira acrítica e alienante ou
estoica. A SMPO contribui para o processo produtivo, porém não se
concentra nele, mas sim no valor humano do trabalhador, em suas
potencialidades e na busca pela felicidade e sentido da vida através de
sua atividade profissional.
O conceito de SMPO oferece a possibilidade de medi-la no
âmbito ocupacional e gerenciar programas com uma perspectiva
verdadeiramente positiva, reconhecendo a coexistência da saúde e da
doença como entidades distintas (VÁZQUEZ-COLUNGA et al.,
2017b). Por outro lado, permite identificar, nas condições de trabalho,
fatores salutogênicos transponíveis aos regulamentos para garantir sua
vigilância psicoepidemiológica eugênica. Permite educar, visando um
trabalho digno, concentrando-se nas condições que melhor garantam a
vida e a saúde dos trabalhadores com foco na promoção e não apenas
na segurança que protege contra fatores negativos ou que buscam o
restabelecimento da saúde prejudicada pelo trabalho.
Tradução: Jussara Mantovani
388
Referências
BUTLER, J.; KERN, M. L. The PERMA-Profiler: a brief multidimensional
measure of flourishing. International Journal of Wellbeing, Adelaide, v. 6, n.
3, pp. 1-48, 2016.
OIT – ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO. Factores
psicosociales en el trabajo: naturaleza, incidencia y prevención. Ginebra, 1984.
PETERSON. C.; SELIGMAN, M. E. P. Positive clinical psychology. In: ASPIN-
WALL, L. G.; STAUDINGER, U. M. (Ed.). A psychology of human strengths:
perspectives on an emerging field. Washington, DC: American Psychological
Association, 2003. pp. 305-317.
VÁZQUEZ-COLUNGA, J. C. Diseño, validez y fiabilidad de un instrumento
multidimensional para medir la salud mental positiva ocupacional. 2017. Tesis no
publicada (Doctorado Interinstitucional en Psicología)
– Centro Universitario de
Ciencias de la Salud, Universidad de Guadalajara, México, 2017a.
VAZQUEZ-COLUNGA, J. C. et al. Saúde Mental Positiva Ocupacional:
proposta de modelo teórico para abordagem positiva da saúde mental no
trabalho. Saúde e sociedade, São Paulo, v. 26, n. 2, p. 584-595, 2017b.
Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/s0104-12902017169061. Acesso em: 2
mai 2019.

SAÚDE ORGANIZACIONAL
Sinésio Gomide Júnior
As primeiras proposições sobre o constructo “saúde
organizacional” surgiram na década de cinquenta, atreladas à noção de
efetividade organizacional. A efetividade organizacional é definida
pela literatura como a extensão em que uma organização, como um
sistema social, alcança seus objetivos sem incapacitar os meios e
recursos e sem gerar tensão entre seus membros. A partir desta
definição, a literatura aponta que seriam três as atividades centrais da
organização: a realização dos objetivos organizacionais, a manutenção
do sistema interno e a adaptação ao ambiente externo. Assim,
efetividade é concebida como a maximização dos rendimentos
organizacionais e seu êxito em obter os insumos necessários.
No entanto, alguns pontos de divergência aparecem na
literatura relativos aos conceitos de efetividade, principalmente no
tocante a seus critérios. Os critérios de lucratividade, satisfação do
empregado, absenteísmo, elevado moral dos membros e rotatividade
não seriam apropriados por não se referirem à natureza do sistema
organizacional em si.
Na tentativa de superar os entraves apontados pela literatura,
Bennis (1962) propôs que os mesmos critérios empregados para a
identificação do indivíduo mentalmente sadio fossem empregados
para a identificação da organização saudável. Propôs, assim, a
definição de um novo constructo na literatura, baseado nos critérios de
389
saúde mental: Saúde Organizacional. Conforme Bennis (1962), a
organização saudável seria aquela que apresentasse adaptabilidade,
teste da realidade e senso de identidade. A adaptabilidade é uma
característica que coincide com a capacidade de resolver problemas,
que por sua vez, depende da flexibilidade organizacional que é a
liberdade de aprender através da experiência. O teste da realidade
refere-se à habilidade organizacional para perceber, conhecer e
interpretar de forma correta as condições do meio ambiente que são
relevantes para o funcionamento da organização. O senso de
identidade é o conhecimento que a organização possui sobre o que ela
é, quais são suas metas e o que deve fazer.
Há, ainda, um quarto critério de saúde organizacional - o
estado de integração indivíduo-organização - que diz respeito ao grau
de harmonia entre os sistemas da organização. Em uma organização
saudável deveria haver uma integração entre os objetivos individuais e
os objetivos da organização.
Assim, a organização saudável seria independente, afirmativa,
otimista, responsável, não se surpreenderia facilmente, seria sensível e
adaptável a mudanças. A organização saudável seria aquela com um
forte sentido de sua própria identidade e missão, teria a capacidade de
se adaptar prontamente às mudanças e seria mais bem-sucedida em
buscar e utilizar métodos mais efetivos para conduzir seus negócios.
Uma visão ampliada dos critérios de saúde organizacional foi
apresentada por Mello (1978), que desmembrou estes quatro critérios
em sete: identidade (a organização sabe o que ela é), orientação (a
organização conhece seus objetivos), sensibilidade realista (capacidade
de perceber modificações internas e externas), criatividade (capacidade
de criar, inovar, buscar soluções e improvisar adequadamente),
flexibilidade (capacidade de modificar atitudes, comportamentos,
atividades, tarefas, estruturas, métodos e metas), integração (harmonia,
balanço, coordenação e convergência entre as metas da organização e as
necessidades dos indivíduos que nela trabalham) e reserva de energia
(existência de reservas de recursos energéticos dentro do sistema e/ou
capacidade de obtê-los facilmente do meio externo).
Jaffe, em 1995, redefiniu saúde organizacional como uma noção
ampliada de efetividade. O autor considera que a organização deve ser
saudável para si mesma pelo crescimento, coerência e adaptabilidade;
para os empregados, oferecendo-lhes um local de trabalho saudável; para
os acionistas pelo aumento dos valores das ações; para os fornecedores e
clientes oferecendo bons valores e serviços e, finalmente, para a
comunidade, tendo responsabilidade econômica e social.

390
As definições contemporâneas atenderam ao questionamento
de Jaffe (1995) quanto à inclusão de bem-estar e saúde do empregado
como critérios de saúde organizacional. Na década de noventa do
século passado, o conceito de saúde organizacional ganha em
amplitude, integrando os conceitos de lucratividade, controle de
qualidade, absenteísmo, resultados, bem-estar físico e psicológico dos
empregados, bem como a avaliação das ações dos trabalhadores.
Assim, a noção de saúde do empregado foi atrelada à saúde da
organização, se fazendo necessária a compreensão das interações e
associações entre os fatores ambientais que circundam a organização e
as saúdes física, mental e social do trabalhador, para definir uma
organização saudável. Desta forma, para o entendimento da saúde
organizacional, outros fatores como demandas físicas e mentais do
trabalho e características individuais devem ser considerados. Uma
organização saudável, portanto, seria aquela que cria saúde para os
seus empregados e para a comunidade a que pertença.
Nas décadas atuais, a saúde organizacional é definida como o
bem-estar da organização toda, mensurada em termos de produtividade,
desempenho, qualidade, competitividade e lucratividade. A análise da
saúde organizacional deve incorporar fatores individuais e culturais para a
determinação da saúde organizacional e individual. Sendo assim, a saúde
da organização e a saúde dos trabalhadores determinariam a qualidade de
vida no trabalho. Um ambiente estável em que as pessoas sabem o que
esperam delas e o que têm que fazer para permanecer na empresa seria
confortável e redutor de estresse. O cerne da questão é atribuir à saúde
individual e organizacional o mesmo valor, considerando-as
simultaneamente nas investigações. O argumento utilizado pelos autores
é que a ênfase exclusiva sobre a saúde do trabalhador pode impor
restrições e regulações que acabam por comprometer a saúde da empresa;
mas também a ênfase exclusiva na saúde da organização pode, por sua
vez, criar um ambiente negativo que estimule o sucesso imediato, mas
que em longo prazo, induza a doenças crônicas, estresse nos
trabalhadores e baixo desempenho.
Em 2011, Nascimento e Gomide Jr. propuseram uma
definição para saúde organizacional que, na literatura nacional, é a
mais contemporânea. Conforme a proposição dos autores, a
organização saudável seria aquela que possuísse capacidade de
fornecer apoio e manutenção às saúdes física e mental dos
empregados, sendo capaz, também, de gerir todos os seus
componentes internos, de se adaptar, se desenvolver e apresentar uma
imagem externa favorável, maximizando seus impactos positivos no
mercado (NASCIMENTO E GOMIDE JR., 2011).

391
Referências
BENNIS, W. G. Toward a truly scientific management: the concept of
organizational HEALTH. General systems yearbook, 7, 269-282, 1962.
JAFFE, D. T. The Healthy Company: Research Paradigms for Personal and
Organizational Health, 1995 In: S. L. Sauter, & L. R. Murphy (Eds.)
Organizational risk factors for job stress (pp. 13-39). Washington:
American Psychological Association.
MELLO, F. A. F. Desenvolvimento das organizações: uma opção
integradora. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1978.
NASCIMENTO, J. O.; GOMIDE Jr., S. Percepções de Saúde e Efetividade
Organizacionais: construção, validação e discriminação das medidas dos
constructos. Horizonte Científico (Uberlândia), v. 5, pp. 72 -76, 2011.

SELF: RELAÇÕES COM O TRABALHO E SAÚDE


Mateus Bender
O uso do termo self é extremamente extensivo e carece de
uniformidade. A concepção contemporânea do termo originou-se da
tradição filosófica de Descartes (1983, 2001), Kant (2011) e,
posteriormente, Piaget (2011). Para William James (1974), self pode se
referir ou à pessoa como o alvo de avaliação, ou seja, a pessoa avalia
introspectivamente como está se saindo, ou à pessoa como a fonte de
avaliação, nesse caso, o indivíduo atribui a fonte de regulação de
percepção, pensamento e comportamento ao próprio corpo ou mente. O
processo pelo qual a consciência de um indivíduo se individualiza ou se
diferencia das outras é chamado por Carl Gustav Jung (1875-1961) de
Processo de Individuação. Nessa concepção, o termo “individuação” nos
remete a um processo através do qual o ser humano se torna realmente
um “individuum psicológico”, ou seja, ele se transforma em uma unidade
autônoma e indivisível, se tornando uma totalidade (JUNG, 2000, p.274).
O processo de individuação é considerado o conceito central da
Psicologia Junguiana, pois este processo é a realização do Self.
Nesse sentido, pode-se inferir que self refere-se à totalidade do
indivíduo, consistindo de todos os atributos característicos,
conscientes e inconscientes, mentais e físicos. O self é tratado como
“si mesmo”, a tomada de consciência de ser uma entidade
independente e autônoma em relação ao outro. Uma visão racionalista
do psiquismo, que ressalta uma perspectiva individualista, pois
descreve algo que se passa no interior do sujeito.
De origem inglesa, a palavra self traz em sua etimologia tanto o
significado de “eu” quanto de “mesmo”. Remete ao conceito de
“segurança ontológica”, ou seja, ao senso de termos uma existência real e
uma unicidade no mundo. Nossa segurança ontológica depende de
atributos como permanência, estabilidade e consistência, ou melhor, do

392
fato de que, apesar da passagem do tempo e das mudanças de lugar,
seguimos sendo, e nos reconhecendo, como a mesma pessoa. Self é a
soma daquelas formas de recordação por meio dos quais o agente
caracteriza reflexivamente “o que” está na origem de sua ação
(GIDDENS, 2001).
O self não é apenas uma entidade passiva, determinada por
influências externas. Ao forjarem as suas autoidentidades, e
independentemente do caráter reduzido dos seus contextos de ações
específicas, os indivíduos contribuem para (e promovem diretamente)
influências sociais em consequências e implicações globais. O self
forma uma trajetória de desenvolvimento do passado para o futuro
antecipado; o indivíduo se apropria do seu passado, passando-o pelo
crivo do que é antecipado para um futuro (organizado). A sua
trajetória tem uma coerência que advém de uma consciência cognitiva
das várias fases do tempo de vida (GIDDENS, 2001).
Em nosso cotidiano, a reflexividade do self afeta de modo
penetrante tanto o corpo quanto os processos psíquicos. O corpo é
cada vez menos um “dado” extrínseco, funcionando fora dos sistemas
internamente referenciais da modernidade; ao contrário, ele mesmo
passa a ser reflexivamente mobilizado. O “culto” ao corpo perfeito e a
sanidade psicológica estão intimamente ligados a um estilo de vida
proposto socialmente. Deste modo, a busca por estes valores está
acima da própria autoidentidade.
Processos de mudanças, situações críticas ou crises existenciais,
tão frequentes no atual estágio da modernidade, ligam-se intrinsecamente
às influências globalizantes; o simples sentimento de “vítima” dessas
transformações já é perturbador. O ritmo crescente das mudanças, a
intensidade do trabalho, entre outras mudanças sociais de nossa época,
abrangem também a nossa subjetividade, penetrando cada vez mais no
terreno próprio da atividade individual e da constituição do self. Alcançar
o controle sobre as mudanças, no que concerne ao estilo de vida, exige
um engajamento com o mundo social exterior e não uma retração diante
dele. Todavia, em condições sociais modernas, as crises tornam-se
endêmicas, tanto no nível individual quanto no coletivo. A “crise” existe
sempre que as atividades ligadas aos objetivos importantes da vida de um
indivíduo ou coletividade pareçam subitamente inadequadas. Portanto, as
crises tornam-se uma parte “normal” da vida, mas por definição não
podem ser rotinizadas (GIDDENS, 2001).
Os indivíduos inseridos em nossa modernidade podem agir de
diversas maneiras diante de situações de crise. A formação contínua
da autoidentidade do self é que irá determinar suas respostas. Porém,
alguns sentimentos e reflexos subjetivos em nossa identidade,

393
radicalizados com a modernidade, estarão inevitavelmente presentes
em algum momento de nossas vidas.
Referências
DESCARTES, R. Meditações; trad. J. Guinsburg e Bento Prado Jr. São
Paulo: Abril Cultural, 1983.
DESCARTES, R. Discurso do método. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
GIDDENS, A. Modernidade e identidade pessoal. Oeiras, Portugal: Celta, 2001.
JAMES, W. Princípios da Psicologia. Em Coleção os pensadores. São
Paulo: Abril Cultural. 1974.
JUNG, C.G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes, 2000.
KANT, I. Crítica da Razão Prática. 3. ed. Tradução, introdução e notas de
Valerio Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
PIAGET, J. Seis estudos de Psicologia. Tradução: Maria Alice Magalhães D’Amorim
e Paulo Sérgio Lima Silva. 25ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.

SENTIDO DO TRABALHO E SAÚDE MENTAL


Camila Teixeira Heleno; Livia de Oliveira Borges
O trabalho é considerado um dos eixos estruturantes da
condição humana. Entretanto, é um fenômeno dinâmico, tanto porque
encerra muitas contradições, quanto por se metamorfosear
historicamente em conformidade com a conjuntura social e as trajetórias
das pessoas e dos coletivos. Esse dinamismo tem se ampliado pelas
crises e renovações contínuas do capitalismo contemporâneo, criando
novos ideários acerca do mundo do trabalho. Lembremos que a
literatura especializada (p. ex., SCHWAB, 2016) já comentara acerca do
avanço em direção da quarta revolução industrial. Igualmente, os
sentidos e significados atribuídos pelas pessoas e pelos coletivos ao
trabalho são dinâmicos (BARROS; BORGES; ÁLVARO, 2017)
No Brasil, a discussão com a designação de sentidos do
trabalho foi difundida pelos trabalhos de Morin (2001) e Tolfo e
Piccinini (2007). As autoras defendem que o sentido do trabalho é
composto por uma dimensão mais cognitiva (representações do
trabalho), por outra relativa à orientação (o que se busca na realização
do trabalho) e pela dimensão de coerência (self-trabalho). Para elas,
um trabalho com sentido é aquele que conduz a resultados úteis, como
ser aceitável moralmente, possibilitar fontes de experiências de
interações entre as pessoas, promover a autonomia e um sentimento de
segurança, estruturar a rotina e manter a pessoa ocupada. Desse modo,
mudanças na organização do trabalho, por exemplo, podem contribuir
para que o trabalho das pessoas tenha mais sentido.
Bendassolli, Coelho-Lima, Pinheiro e Gê (2015) resgataram
diferenciações terminológicas na literatura nacional encontrando
quatro formas de uso dos termos: somente sentidos do trabalho;

394
somente significados do trabalho; sentidos e significados do trabalho
utilizados indiscriminadamente; e, sentidos e significados do trabalho
utilizados de forma diferenciada, porém articulada. Aqueles que
utilizam apenas significado do trabalho geralmente o tomam por uma
cognição subjetiva e social construída historicamente, sendo
multidimensional, multifacetada e com caráter dinâmico (BORGES;
TAMAYO, 2001). Segundo Bendassolli et al. (2015), os que os
utilizam de forma indiscriminada compreendem sentido/significado do
trabalho como: fonte de prazer ou sofrimento; uma construção
histórica; ou, dependente das condições e/ou rotinas de trabalho. Por
último, aqueles que os consideram interdependentes consideram o
sentido do trabalho como produção individual e significado como
produção coletiva e/ou de representação social.
Outra forma de compreender essa diferenciação é considerar
que os sentidos remetem aos aspectos positivos e atrativos do trabalho
(diferenciando trabalhos com mais sentido e menos sentido pela
presença/ausência desses aspectos) e que os significados seriam mais
diversos e complexos por considerarem aspectos positivos, negativos
e neutros, muitas vezes, em ocorrência simultânea. Desse modo, os
sentidos constituiriam parte dos significados.
Todas as perspectivas conceituais, para além das proximidades
e divergências teórico-conceituais e epistêmicas, convergem quando
apontam os impactos seja no bem-estar humano e na promoção da
saúde, afetando, por exemplo, a motivação no trabalho e a autoestima,
seja na saúde mental, deteriorando-a quando os sentidos são
esvaziados ou pobres e, ao contrário, promovendo-a quando
enriquecidos. Revisões de literatura de saúde mental e trabalho (p. ex.,
BORGES; GUIMARÃES; SILVA, 2013; SCHMIDT; BARBOSA;
PINCELI; LUCCA, 2017) têm mostrado a variância conjunta dos
significados e sentidos do trabalho com a síndrome de burnout, com a
depressão narcísica, com a frequência de suicídios, com o uso abusivo
de álcool e outras substâncias, com definhamentos de habilidades
cognitivas entre outros. Portanto, o profissional e pesquisador de
saúde mental deve considerar a necessidade de compreender os
sentidos e significados do trabalho.
Referências
BARROS, S. C.; BORGES, L. O.; ÁLVARO, J. L. Economic changes and
the meanings of work and money. Journal of Work and Organizational
Psychology, v. 33, pp. 23-31, 2017. DOI: 10.1016/j.rpto.2017.01.001
BENDASSOLLI, P. F.; COELHO-LIMA, F.; PINHEIRO, R. A.; GÊ, P. C. S. The
Brazilian scientific production on sense and meaning of work: review of use of
terminology and current thematic classifications. Avances en Psicología
Latinoamericana, v. 33, n. 2, p. 203-221, 2015. DOI: 10.12804/apl33.02.2015.03

395
BORGES, L. O.; GUIMARÃES, L. A. M.; SILVA, S. S. Diagnóstico e promoção de
saúde no trabalho. In: BORGES, L. O.; MOURÃO, L. (Orgs.). O trabalho e as
organizações: atuações a partir da Psicologia. Porto Alegre: Artmed, 2013, pp. 581-618.
BORGES, L. O.; TAMAYO, A. A estrutura cognitiva do significado do
trabalho. Psicologia: Organizações e Trabalho, v.1, n. 2, p. 11-44, 2001.
MORIN, E. Os sentidos do trabalho. Revista de Administração de
Empresas, v. 41, n. 3, pp. 8-19, 2001.
SCHMIDT, M. L. G.; BARBOSA, W. F.; PINCELI, S. C. C.; LUCCA, S. R.
Significados e sentidos do trabalho: reflexões para a atuação do médico do
trabalho na contemporaneidade. Revista Psicologia, Diversidade e Saúde,
v. 6, n. 2, p. 138-142, 2017.
SCHWAB, K. A quarta revolução industrial. (Tradução de Daniel Moreira
Miranda). São Paulo: Edipro, 2016.
TOLFO, S. R.; PICCININI, V. Sentidos e significados do trabalho:
explorando conceitos, variáveis e estudos empíricos brasileiros. Psicologia &
Sociedade, v. 19, n. especial, p.38-46, 2007. DOI: 10.1590/S0102-
71822007000400007.

SÍNDROME DE BURNOUT – FATORES ASSOCIADOS


Mary Sandra Carlotto; Sheila Gonçalves Câmara
A Síndrome de Burnout (SB) tem sido caracterizada como
um fenômeno psicossocial que acomete trabalhadores expostos a
estressores ocupacionais crônicos. Está presente em diversas
profissões que prestam serviços de forma contínua e altamente
emocional, geralmente em contextos organizacionais com altas
demandas e poucos recursos (MASLACH; LEITER, 2016).
Inicialmente, os estudos eram voltados para profissionais da saúde e
educação e, ao longo dos anos, com a consolidação e divulgação do
construto, as investigações passaram a ser direcionadas a várias
categorias profissionais como motoristas de transportes urbanos,
jornalistas, treinadores e atletas profissionais, agentes penitenciários,
líderes religiosos e mais recentemente tem se dedicado à população
em formação profissional como estudantes e residentes de medicina.
Diversos modelos teóricos têm definido a Síndrome de
Burnout, o primeiro foi desenvolvido por Maslach e Jackson em 1981
sendo este constituído de três dimensões: exaustão emocional
(sentimento de desgaste emocional e esgotamento de recursos
pessoais para lidar com as demandas de trabalho), despersonalização
(desenvolvimento de atitudes e comportamentos de distanciamento e
insensibilidade emocional frente à clientela), e falta de realização
profissional (sentimentos de insatisfação com seu desenvolvimento
profissional e declínio no sentimento de competência e êxito).
Um novo modelo teórico, desenvolvido por Gil-Monte (2005),
explica Burnout a partir de quatro dimensões, três delas bastante
396
semelhantes ao modelo clássico, como a ilusão pelo trabalho, avaliada de
forma invertida (sentimento de que os objetivos e metas relacionadas ao
trabalho são atraentes e fonte de satisfação pessoal e profissional); o
desgaste psíquico (sentimento de exaustão emocional e física gerado pelo
contato direto com pessoas que apresentam ou causam algum tipo de
problema), e a indolência (desenvolvimento de atitudes de indiferença
frente às pessoas que necessitam ser atendidas no ambiente de trabalho).
Esse modelo também apresenta uma nova dimensão, denominada culpa
(sentimento de culpabilização sobre o comportamento e atitudes
negativas desenvolvidas no trabalho que não condizem com as normas
internas e cobranças sociais do papel profissional).
Neste modelo, mais recente, é possível identificar dois perfis
de Burnout: o Perfil 1 é constituído pelas dimensões de baixa ilusão
pelo trabalho, desgaste psíquico e indolência. Esse caracteriza-se por
um conjunto de sentimentos e comportamentos que geram uma forma
moderada de mal-estar, mas não incapacitam o profissional de exercer
suas atividades laborais, embora pudesse realizá-las de forma mais
qualificada e eficaz. O Perfil 2, constitui-se das mesmas dimensões
acrescidas da dimensão de culpa. Assim, representa casos clínicos de
maior comprometimento, que apresentam comorbidadades
importantes, sendo os transtornos depressivos os mais prevalentes.
Estes profissionais, não raras vezes, já se encontram afastados do
trabalho para tratamento de saúde ou aposentados precocemente por
motivos de saúde.
Diversos são os fatores associados à SB identificados em
recente revisão sistemática realizada em diferentes categorias
profissionais (ARONSSON G. et al., 2017). No entanto, algumas
variáveis têm sido comuns, independente das características do cargo
e contextos organizacionais. Dentre os principais fatores de risco,
pode-se citar a alta demanda quanti e qualitativa, o baixo controle
sobre o trabalho, a falta de autonomia, as baixas recompensas, a falta
de apoio social de chefias e colegas e a insegurança no trabalho,
dentre outras.
A SB acarreta importantes consequências para o bem-estar e a
saúde dos trabalhadores, impactando em aspectos físicos, psicológicos
e ocupacionais. Revisão sistemática da literatura, desenvolvida por
Salvagione et al. (2017), identificou como problemas físicos a
hipercolesterolemia, a diabetes tipo 2, as doenças coronarianas,
hospitalizações por doença cardiovascular, dores musculoesqueléticas,
fadiga prolongada, dores de cabeça, problemas gastrointestinais,
problemas respiratórios, ferimentos graves, Na categoria efeitos
psicológicos foram encontrados problemas como insônia, sintomas
depressivos, uso de medicamentos psicotrópicos e antidepressivos,
397
hospitalização por transtornos mentais e sintomas psicológicos de
saúde. As consequências ocupacionais detectadas foram a insatisfação
no trabalho, absenteísmo, aposentadoria por invalidez e presenteísmo.
Referências
ARONSSON G. et al. A systematic review including meta-analysis of work
environment and Burnout symptoms. BMC Public Health, v.17, n.1, 264. 2017.
GIL-MONTE, Pedro Raphael. El síndrome de quemarse por el trabajo.
Madrid: Pirâmide, 2005.
MASLACH, C.; LEITER, M. P. Understanding the burnout experience:
recent researchand its implications for psychiatry. World Psychiatry, v.15,
pp.103–111, 2016.
SALVAGIONI, D. A. J. et al. Physical, psychological and occupational
consequences of job burnout: A systematic review of prospective studies.
PLoS ONE, v.12, n.10: e0185781, 2017.

SOCIODINÂMICA DO TRABALHO E SAÚDE MENTAL


Hilda Alevato
Estudos baseados na Taxonomia dos Estressores (ALEVATO,
2018, p. 502) vêm mostrando que, isoladamente, a Organização do
Trabalho (OT) é a fonte de estresse laboral com maior potencial de
danos à Saúde Mental. Como esclarece Dejours (1994, p. 126):
Se, por um lado, as condições de trabalho têm por alvo
principalmente o corpo, a organização do trabalho, por outro lado,
atua a nível do funcionamento psíquico. A divisão de tarefas e o
modo operatório incitam o sentido e o interesse do trabalho para o
sujeito, enquanto a divisão de homens solicita sobretudo as relações
entre pessoas e mobiliza os investimentos afetivos, o amor e o ódio,
a amizade, a solidariedade, a confiança, etc.

Podemos dizer que a Organização do Trabalho tem duas faces:


uma, psicodinâmica e outra, sociodinâmica. Enquanto “a Psicodinâmica
do Trabalho coloca o sofrimento no centro da relação psíquica entre o
homem e o trabalho, movendo o sujeito que trabalha a buscar a solução
para se libertar dessa vivência que o aflige” (FACAS & MENDES, 2018,
p. 1103), a Sociodinâmica do Trabalho volta-se aos modelos de gestão, às
práticas gerenciais e políticas corporativas e seu caráter ameaçador à
Saúde Mental dos profissionais, investigando-as e intervindo para
desvelar e desnaturalizar a dimensão invisível das relações de poder no
cotidiano laboral, em busca de formas menos agressivas de OT.
A Sociodinâmica do Trabalho volta-se, então, às ações típicas
do management, cotidianas e comunicativas: políticas, regulações,
práticas, relacionamentos e poderes sobre os afetos, as singularidades, a
saúde mental, etc. Seu estudo abriga-se em um espaço interdisciplinar

398
para o qual convergem contribuições dos estudos culturais, da
Psicologia Social do Trabalho, da Sociologia do Trabalho, da
Economia, da Filosofia, da Psicanálise Organizacional e outros.
Nos primórdios da Administração Científica, o principal alvo
da Organização do Trabalho era a divisão da operação e a
coordenação e controle dos homens em suas atividades. Mais
recentemente, a OT subordinou-se aos mercados, aos investidores e à
competição em um ambiente de negócios globalizado que atinge não
apenas as grandes corporações, mas toda sua cadeia rizomática.
Com isso, o foco mudou do controle das tarefas dos empregados para a
busca de meios de utilizar seu conhecimento e criatividade na construção
dos diferenciais da organização. [...] Portanto, existem técnicas específicas
de gestão para marketing, finanças, operações, logística, pessoas etc. Em
todas elas, porém, o objetivo é o mesmo: definir o que fazer e como
otimizar os recursos disponíveis para tal (FERREIRA, 2018, p. 565).

Como é possível inferir, as pessoas fazem parte dos “recursos


disponíveis para serem otimizados”, frequentemente menos
importantes que as máquinas, os prédios e outros itens materiais. Isso
significa que, diferentemente dos tempos do capitalismo dito
industrial, o capitalismo patrimonialista que se dissemina no mundo
contemporâneo tende a desumanizar o trabalhar enquanto cultua
investidores e acionistas. Mesmo os clientes, cuja vontade era lei,
tornam-se recursos a serem gerenciados de modo a consumir o que
oferece melhores e maiores lucros aos acionistas: uma droga
dispensável, um veneno agrícola mais violento, um novo modelo inútil
de qualquer coisa, um outro modo de viver sua própria vida.
A partir daí, em um contexto altamente competitivo e em
permanente reestruturação, o esgotamento, o excesso, o adoecimento
do corpo e da mente dos assalariados, inclusive dos managers do
cotidiano, chefes e gerentes, tendem a se refletir em enfrentamentos,
em assédio, em práticas cruéis e indiferentes ao bem-estar e às
condições de trabalho. Responsáveis pelas chamadas “violências
inocentes” (GAULEJAC, 2007, p. 211), os quadros de chefia
intermediários (e às vezes até superiores) encontram-se geralmente
excluídos e distantes dos centros de decisão, sendo convocados, sem
maiores explicações, a implantar políticas, planos e estratégias de
caráter ambíguo, dos quais muitas vezes discordam, solidarizando-se
com a impotência dos atingidos e enfrentando o dilema de salvar-se
ou morrer com a tropa.
Finalizando, cabe um esclarecimento: a palavra
Sociodinâmica é utilizada também no âmbito da Ciência Socionômica,
apresentada em meados do século XX, por Jacob Levi Moreno,
399
médico e filósofo nascido na Romênia. A Sociodinâmica, a
Sociometria e a Sociatria compõem os três ramos da Socionomia,
popularizada como Psicodrama ou Sociodrama, ainda que haja
diferenças entre esses termos. O foco mais central desse importante
conjunto conceitual é a contextualização do indivíduo em relação
àquilo que o cerca, favorecendo a expressão da realidade vivida, com
vistas ao bem-estar e à saúde.
Por seu lado, a Sociodinâmica do Trabalho é uma expressão mais
recente, usada pela primeira vez na publicação “Diferentes Estressores,
diferentes formas de controle” (ALEVATO, 2004) que deu origem à
Taxonomia dos Estressores (ALEVATO, 2018, p. 502), também
desenvolvida pela autora. Seu objetivo é explicitar as necessárias
intervenções na própria OT, diante das ameaças à Saúde Mental dos
assalariados. Seu estudo originou-se da constatação que intervenções
sobre o poder adoecedor do contexto organizacional, das ações gerenciais
e das políticas corporativas ocupa um segundo plano na literatura
consagrada, cujo foco é o sujeito adoecido. Evidentemente, não se propõe
deixar de atender e de fortalecer os atingidos, mas de discutir e
implementar formas mais humanizadas de Organização do Trabalho.
Referências
ALEVATO, H. Estressores e trabalho: uma taxonomia, segundo sua natureza.
[In]: MENDES, R. (org.) Dicionário de Saúde e Segurança do Trabalhador.
Novo Hamburgo: Proteção Publicações Ltda, 2018, pp. 502-504.
ALEVATO, H. Diferentes estressores, diferentes estratégias de controle. In:
Anais do IV Congresso Internacional de Stress da ISMA. Disponível em:
http://www.ismabrasil.com.br/?obj=site&con=artigos&con=artigos&q=ALE
VATO. Acesso em 30jun.2019.
DEJOURS, C. Psicodinâmica do Trabalho. São Paulo, Atlas, 1994.
FACAS, E.P. & MENDES, A.M. Sofrimento mental no trabalho. In:
MENDES, R. (org.) Dicionário de Saúde e Segurança do Trabalhador.
Novo Hamburgo: Proteção Publicações Ltda, 2018, pp. 1103-1104.
FERREIRA, G.S. Gestão. In: MENDES, R. (org.) Dicionário de Saúde e Segurança
do Trabalhador. Novo Hamburgo: Proteção Publicações Ltda, 2018, p. 565
GAULEJAC, V. Gestão como doença social. Aparecida: Ideias e Letras, 2007.

SOCIODRAMA NAS ORGANIZAÇÕES E SAÚDE MENTAL


NO TRABALHO
Andréa Claudia de Souza; Joceli Drummond
O Sociodrama nas Organizações tem como referência a
Socionomia de Jacob Levy Moreno (MORENO, 1993). O autor
concebe a ciência Socionômica como aquela que estuda as relações
grupais e a Sociatria, com seus métodos sociátricos, para cuidar e tratar
os grupos. Dentro destes métodos cria o Psicodrama, que atua nas
questões individuais e como são as ações dos indivíduos em suas

400
relações, e o Sociodrama, que trabalha com as ações grupais e seus
mecanismos de interação social. O Sociodrama investe na reflexão da
prática dos grupos e suas relações interpessoais (MORENO, 1997). Já o
Sociodrama nas Organizações prioriza as relações grupais dentro das
organizações e a busca de saídas mais saudáveis para seus conflitos e
propósitos. O método reflete a prática por meio de aquecimento, jogo,
compartilhamento e processamento, etapas básicas propostas por Jacob
Levy Moreno, o que proporciona momentos de experimentações de
possibilidades de novas respostas mais criativas e/ou originais.
Dentre as teorias da Socionomia, entende-se como primordial a
teoria de papéis, a espontaneidade/criatividade, fases da matriz de grupos
e a sociometria, que estuda as medidas das relações. Por meio da
visibilidade das ações, o grupo tem maior clareza dos conflitos instalados
ou latentes. A saúde relacional parte da inteligência relacional dos
participantes e a reflexão sobre ela provoca autoconhecimento e maior
liberdade de atuação.
Como na vida, um trabalho de Sociodrama passa por
determinadas fases. Sempre se inicia com um aquecimento
inespecífico para entender o clima do grupo, como se compõe e como
está chegando no “aqui e agora”. O segundo momento propõe um
aquecimento mais específico para que o grupo vá se sentindo à
vontade para ver e refletir um determinado tema. Durante a fase do
jogo, cena ou dramatização, o tema surge com força e é visto, sentido
e revisto de vários ângulos de modo ativo (sentir na pele). Para que, na
última fase seja refletido de forma mais clara e objetiva, só assim
podendo chegar a propostas mais reais de soluções saudáveis.
Vivenciar situações em um momento de reflexão pode trazer saídas
muito mais adequadas do que apenas teorizar planos de ação que nem
sempre estão correspondentes à necessidade prática.
Em Sociodrama nas Organizações, as autoras Drummond e
Souza (2008) lançam mais uma etapa denominada mais tarde
vinculação; quando a proposta final é sempre um trabalho de feedback
afetivo que favoreça a aproximação de todos os participantes mesmo
após as diferenças de pensamento e ações que apareceram durante o
trabalho. Saúde relacional é apresentada pelo respeito às diferenças e à
complementariedade de pensamentos. A socialização no ambiente de
trabalho deve ir além do resultado esperado pela empresa, mas
também como ponto de desenvolvimento da pessoa em outros papéis.
Dentro do Sociodrama são infinitas as possibilidades temáticas e
diferentes técnicas e recursos utilizados. Autoras como Datner (2005) e
Schmidt (2010) reforçam a ideia do Sociodrama como meio de
transformações mais rápidas dentro das organizações, posto que ao
vivenciar seus dramas os participantes são mobilizados para novas ações.
401
A saúde do trabalhador também depende dos resultados
encontrados em seu trabalho, para si, para a empresa e para a
sociedade. O sentido de visão, missão e valores dos indivíduos lhes
dando motivações saudáveis para a vida. Autores recentes confirmam
a ideia de que os relacionamentos adoecem ou fortalecem a saúde e a
eficiência do papel profissional. Peterson, Park, Hall e Seligman
(2009) afirmam que a satisfação no trabalho e na vida é uma vocação,
ou seja, é individual e precisa ser exercitada com otimismo e
renovação, acreditando nas próprias capacidades.
Schaubroeck, Lam e Peng (2011) asseveram que quando se
tem segurança psicológica no trabalho em equipe, aumenta a
disposição dos membros para partilhar os seus conhecimentos e
habilidades e, como resultado, eles não são apenas mais capazes de
identificar e utilizar estratégias mais eficazes para o desempenho, mas
também os membros tendem a se tornar mais afetivamente
envolvidos. Portanto, o Sociodrama realizado dentro das Organizações
e com foco no papel profissional, também fortalece os participantes
em seu papel pessoal, ampliando o bem-estar e a saúde.
Referências
DATNER, Y. B. O método do sociodrama nas organizações. In: Fleury,
Heloisa Junqueira. e Marra, Marlene Magnobosco. Intervenções grupais nas
organizações. São Paulo: Ed. Ágora, 2005, cap.1, pp. 15-42.
DRUMMOND, J.; SOUZA, A. C. Sociodrama nas Organizações. São
Paulo: Ed. Ágora, 2008.
MORENO, J. L. Psicodrama. São Paulo, Cutrix, 1997.
MORENO, J. L. Quem Sobreviverá? Fundamentos da sociometria,
psicoterapia de grupo e sociodrama, v.1. Goiânia: Dimensão Editora, 1993.
PETERSON, C.; PARK, N.; HALL, N.; SELIGMAN, M. Zest and work.
Journal of Organizational Behavior, 2009, 30, 161–172.
SCHMIDT, M. L. G. Saúde e doença no trabalho: uma perspectiva
sociodramática. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010.
SCHAUBROECK, J; LAM, S. e PENG, A. C. Cognition based and affect-
based trust as mediators of leader behavior influences on team performance.
Journal of Applied Psychology, 2011, 96(4), 863–871.

SOCIOLOGIA CLÍNICA
Matheus Viana Braz
A Sociologia Clínica remete a um campo de conhecimentos
teórico-metodológicos cuja finalidade é a compreensão e intervenção,
sistêmica e integrada, da interpenetração de fenômenos sociais e
psíquicos. Ao enfatizar o trabalho sobre histórias de vida e trajetórias
sociais, busca-se atuar no nível das emoções, corporal e dos processos
sociais, com base em uma postura clínica favorecedora da construção
coletiva de sentido (GAULEJAC; HANIQUE; ROCHE, 2012).
402
Amplamente desenvolvida na França, a partir da
Psicossociologia, sob a égide da pesquisa-ação, a Sociologia Clínica
se expandiu no pós-guerra, em um contexto intelectual marcado pelo
marxismo e pela Psicanálise. Inscreve-se, ainda, na filiação da
Sociologia Compreensiva de Max Weber, nos estudos sobre os
fenômenos sociológicos-psíquicos de Émile Durkheim e na Sociologia
de Marcel Mauss, a qual parte da premissa que os fenômenos sociais
somente podem ser apreendidos em sua integralidade quando
articulados com as formas como os indivíduos os vivenciam, os
representam e os reproduzem (GAULEJAC; ROY, 1993).
Ao romper com o método experimental, a Sociologia Clínica
afirma sua postura antipositivista, rejeita a oposição entre Psicologia e
Sociologia, interioridade e exterioridade, objetivação e subjetivação, e
assume a irredutibilidade entre o social e o psíquico. Embora
possuam uma autonomia relativa, pois obedecem a lógicas distintas,
ambos, social e psíquico, nutrem-se uns dos outros de forma
permanente e indissociável (GAULEJAC, 2009), o que faz com que o
pesquisador seja desafiado a compreendê-los enquanto processos
sócio-psíquicos em constante articulação dinâmica.
A Sociologia Clínica no contexto da Saúde Mental no Trabalho
Em relação às intervenções no cenário laboral, parte-se da
premissa que Saúde Mental e Trabalho devem ser compreendidos
como frutos de uma miríade de fenômenos de ordem familiar, social e
existencial, mas também de estruturas políticas, ideológicas e
gestionárias. A Sociologia Clínica coloca em primeira plano a
sensibilidade perante o sofrimento no trabalho, à medida que se
debruça sobre a trama complexa das emoções e angústias, para além
do realismo econômico. Seu diferencial reside na superação do
paradigma hegemônico e individualizante de intervenção, pelo fato
mesmo de que as intervenções em situações de mal-estar e sofrimento
no trabalho se dão em grupo e/ou no espaço laboral. Para tanto, o
pesquisador/interventor prescinde da crença na neutralidade de sua
posição e busca aproximar-se ao máximo das vivências dos
trabalhadores envolvidos. Esse caminho lhe garante condições para
criar um campo de escuta, implicação e mudança, cuja finalidade é a
promoção de saúde dos sujeitos envolvidos e o trabalho sobre
conflitos sócio-organizacionais.
Tanto os Grupos de Implicação e Pesquisa (GIP) quanto o
Organidrama foram concebidos e se consolidaram como dispositivos
de intervenção/pesquisa na década de 1990, no seio do extinto Institut
International de Sociologie Clinique (IISC) e do Laboratoire de
Changement Social da Université Paris Diderot VII, à época dirigido

403
por Vincent de Gaulejac. Enquanto dispositivos independentes (porém
complementares) compartilham como denominador comum às
intervenções realizadas em grupo. Mais ainda, ambos os espaços
permitem aos participantes explorar as faces individuais e coletivas
dos conflitos existentes em suas relações com o trabalho, atravessados
também por suas histórias de vida.
Trabalha-se no plano intersubjetivo e por meio de ressonâncias
emocionais vislumbra-se compreender diferentes aspectos sociais e
coletivos inerentes aos conflitos concretos e situações imaginárias
suscitadas na dinâmica grupal. A partir da contextualização de cada
história de vida e da produção coletiva de hipóteses interpretativas, a
análise de impasses psíquicos, familiares e sociais é validada e
elaborada recursivamente no grupo (GAULEJAC, 2012).
As vivências dos trabalhadores, nesse reduto, se inscrevem em
movimentos existenciais dialéticos, frutos da confrontação de
determinações sociais, familiares, genealógicas e psíquicas. Na
tentativa de evitar tanto a individualização do sofrimento como a
psicologização das contradições sociais, considera-se que
problemáticas individuais e sócio-organizacionais se imbricam
irredutivelmente a uma dimensão coletiva, que exige de qualquer
interventor uma postura analítica compreensiva, crítica e complexa.
Em suma, a Sociologia Clínica oferece subsídios para intervir
nas organizações de forma sistêmica, colocando em questão também
sua estrutura coletiva e jogos de poder (GAULEJAC, 2012). É
reforçada a necessidade de analisar os cenários de acordo com a
perspectiva clínica da complexidade, incluindo ingredientes como a
historicidade, as narrativas de vida, as emoções genuínas (inclusive as
consideradas ameaçadoras) e as angústias. Tratar de fato os conflitos
implica, nessa ótica, sair do paradigma da imediatidade e assumir que
para mudar é preciso abandonar posições maniqueístas e metodologias
prescritivas (VIANA BRAZ, 2019). Por meio da intervenção em
Sociologia Clínica, é possível compreender o indizível, o não-dito e as
contradições estruturais que permeiam os conflitos nas organizações
de trabalho. Esse caminho, enfim, conjuga a necessidade de se
considerar as dinâmicas e imaginários sociais coletivos, ademais de
uma ampla gama de variações e fenômenos (do intersubjetivo ao
societal), o que implica uma ótica sensível em relação aos processos
de exclusão, servidão, alienação, dominação, instrumentalização,
juntamente às relações de conflito, solidariedade, confiança, estima e
emancipação no mundo do trabalho.
Referências
GAULEJAC, V.; ROY, S. (Orgs.) Sociologies Cliniques. Re-Connaissances.
Marseille: Hommes et perspectives, 1993.
404
GAULEJAC, V.; HANIQUE, F.; ROCHE, P. (Orgs.) La sociologie clinique:
enjeux théoriques et méthodologiques. Toulouse: Érès, 2012.
GAULEJAC, V. Qui est « je » ? Sociologie Clinique du sujet. Paris:
Éditions du Seuil, 2009.
GAULEJAC, V. L’histoire en héritage: roman familial et trajectoire
sociale. Paris: Éditions Payot & Rivages, 2012.
VIANA BRAZ, M. Paradoxos do Trabalho: as faces da insegurança, da
performance e da competição. Curitiba: Appris, 2019.

SOFRIMENTO CRIATIVO NO TRABALHO (NA ÓTICA DE


CHRISTOPHE DEJOURS)
Ana Cláudia Almeida Machado; Emílio Peres Facas
Para a Psicodinâmica do Trabalho (PdT), não há trabalho sem
sofrimento, entretanto, é nesse sofrimento original que está a origem
do sofrimento criativo. O sofrimento está no cerne do trabalho e surge
quando do embate inevitável entre a subjetividade do trabalhador e as
limitações impostas ao seu exercício pelo real do trabalho. O
sofrimento é, em relação ao trabalho, “um ponto de partida, e não
apenas uma consequência lamentável” (DEJOURS, 2007, p. 17), já
que é nesse sofrimento que inicia o caminho que segue rumo ao
sofrimento criativo no trabalho.
Saúde no trabalho não é o desfecho final do sofrimento
criativo, diferentemente do adoecimento, que é a consequência do
sofrimento patogênico. O conceito de saúde é ficcional, uma ilusão,
alguma coisa da qual se tem apenas uma ideia. Não é também um
estado de bem-estar, pois esse é um conceito vago, impossível de
definição. Há uma tendência em se considerar a saúde como sendo um
fim, um objetivo a ser atingido, porém, ela é apenas um estado ideal, e
não algo que possa ser concretamente alcançado (DEJOURS, 1986).
A primeira premissa que embasa essa noção dejouriana de
saúde é a de que o organismo humano é instável, está em constante
mudança, então, “se quisermos trabalhar pela saúde deveremos deixar
livres os movimentos do corpo, não os fixando de modo rígido ou
estabelecido de uma vez por todas” (DEJOURS, 1986, p. 8). A
segunda premissa é que não se pode negligenciar a grande variedade
de doenças psicossomáticas (DEJOURS, 1986), tendo em vista a
estreita relação que existe entre os conteúdos psíquicos e o
desenvolvimento de doenças físicas. Aqui cabe a cautela de não se
tentar definir o que é normal (e o que não é) do ponto de vista da
saúde mental, pois, além de serem diferentes e possuírem histórias de
vida distintas, as pessoas estabelecem seu equilíbrio (que também é
dinâmico) de modos igualmente singulares. Exemplificando, há

405
pessoas que estão melhor quando sentem um certo nível de angústia,
como é o caso dos militantes. Segundo Dejours (1986),
Quando se vê um militante angustiado por problemas de lutas,
problemas políticos, de relação de força, seria a solução dizer-lhe
que é necessário parar de militar? Compreende-se que isso é o
contrário da definição de saúde mental. Aliás, se se dissesse a todos
que militam e que estão angustiados porque militam para pararem de
militar, não estamos certos de que eles se sentiriam melhor;
provavelmente, alguns se sentiriam muito pior (p. 9).

As diferenças individuais, portanto, são a regra, e não as exceções. A


terceira premissa diz respeito à origem da PdT, que é a Psicopatologia do
Trabalho, cuja relação com a primeira será desenvolvida a seguir, pois
contribui sobremaneira para a compreensão de por que a PdT passou a se
preocupar em entender a dinâmica por trás do sofrimento criativo no
trabalho, ao invés de focar no processo de adoecimento do trabalhador.
O foco da Psicopatologia do Trabalho era o estudo de doenças
mentais, do sofrimento e das defesas contra esse sofrimento
(DEJOURS, 2004). Na transição entre os dois campos, Dejours admitiu
ter encontrado impasses na pesquisa sobre patologia mental no trabalho,
pois, apesar dos trabalhadores estarem inseridos em ambientes
desfavoráveis à sua saúde mental, na maioria das vezes “conseguiam
esconjurar a loucura, em detrimento dos constrangimentos deletérios da
organização do trabalho” (DEJOURS, 2004, p. 51). Segundo Dejours,
restava-lhe “compreender porque todo mundo não é doente. Essa
normalidade enigmática é uma conquista e pode legitimamente ser
considerada uma vitória. Temos de reverenciar as pessoas capazes de
permanecer normais a despeito das forças que as impelem para a
doença” (DEJOURS, 2007, p. 17). O sofrimento criativo é exatamente a
luta por essa normalidade.
Alguns aspectos do trabalho privilegiam o sofrimento criativo.
A passagem do sofrimento para o prazer no trabalho depende, em
grande parte, do reconhecimento, da apreciação, do julgamento que os
outros fazem sobre o trabalho realizado (DEJOURS, 2010). Assim,
faz-se relevante estimular a cooperação no trabalho e oferecer
ambientes laborais nos quais seja possível o estabelecimento de
relações de confiança entre os trabalhadores. A avaliação individual
do desempenho é também um aspecto importante a se considerar, pois
pode prejudicar a construção de laços de colaboração entre os colegas
por meio do estímulo à competitividade. Outra premissa é a de que ao
trabalhador deve encontrar liberdade para colocar em prática sua
criatividade, iniciativa, inventividade, formas de inteligência
específicas - sua engenhosidade (DEJOURS, 2004). Sobre avaliação
406
individualizada, é necessário considerar a natureza imensurável do
trabalho (DEJOURS, 2012) - diferentemente da sua produção (essa,
sim, podendo ser medida, mas representa apenas uma parte dele).
Trabalhar é uma experiência afetiva que acontece até mesmo quando
não se está no ambiente de trabalho, uma vez que
para tornar-se hábil (no trabalho) é preciso fazer-se habitar pela
experiência do real e do fracasso, experienciar o sofrimento até não
poder dormir à noite, até envenenar as relações no espaço doméstico,
até sonhar com essa experiência (DEJOURS, 2012, p. 364).

Sendo assim, o sofrimento criativo no trabalho não é circunscrito


por decisões de cada trabalhador, ao contrário: dependem de modos de
gestão que permitam com que o trabalhador, diante das situações de
sofrimento, tenha condições de sair em luta pela normalidade.
Referências
DEJOURS, C. Por um novo conceito de saúde. Revista Brasileira de Saúde
Ocupacional, n. 54. v. 11, pp. 7-11, 1986.
DEJOURS, C. Addendum: Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. In
Lancman, S.; Sznelwar, L. I. Christophe Dejours: da psicopatologia à
psicodinâmica do trabalho. Brasília: Paralelo 15, 2004.
DEJOURS, C. Psicodinâmica do Trabalho na Pós-Modernidade. In: Mendes,
A. M.; Lima, S. C. C.; Facas, E. P. Diálogos em Psicodinâmica do
Trabalho. Brasília: Paralelo 15, 2007.
DEJOURS, C. Entretien avec Christine Delory-Momberger: Le travail entre
souffrance individuelle, intelligence collective et promesse d’émancipation. Le
sujet dans la cite, v. 1, p. 59-72, 2010. Disponível em:
http://www.lesujetdanslacite.com/1/upload/entretiendejoursnumero1.pdf. Acesso
em 20 nov.2020.
DEJOURS, C. Psicodinâmica do Trabalho e a teoria da sedução. Psicologia
em Estudo, v. 17, n. 3, pp. 363-371, 2012.

SOFRIMENTO PATOGÊNICO NO TRABALHO (NA ÓTICA


DE CHRISTOPHE DEJOURS)
Ana Cláudia Almeida Machado; Emílio Peres Facas
Apesar de não se tratarem de sinônimos, a despeito da
similaridade semântica entre os termos, as denominações “sofrimento
patogênico” e “sofrimento” no trabalho são, por vezes, confundidas e
usadas incorretamente. Para a Psicodinâmica do Trabalho (PdT), o
sofrimento está no cerne do trabalho, uma vez que surge do embate
inevitável entre o sujeito que trabalha e o real do trabalho. Entretanto,
mais importante que admitir a existência desse sofrimento original e
inexorável, é entender qual será o seu destino sobre a saúde mental,
tendo em vista suas consequências positivas ou negativas sobre o

407
trabalhador. Por sofrimento patogênico entende-se o destino negativo
(ou indesejável) do sofrimento no trabalho.
Ao deparar-se com a situação provocadora de sofrimento, o
trabalhador tentará modificá-la por meio da transformação da organização
do trabalho, uma vez que é aí que se encontra a sua origem (esse
movimento é denominado “mobilização subjetiva”). Em nome da saúde,
se essa tentativa não for bem-sucedida, o trabalhador ainda pode lançar
mão de estratégias defensivas, tendo em vista que as mesmas
insensibilizam o indivíduo em relação ao que faz sofrer, tornando
aceitável o que não deveria ser (DEJOURS, 2006). Se, por um lado, as
defesas não são capazes de transformar a organização do trabalho, por
outro, criam uma estabilidade psíquica artificial ao trabalhador e
impedem a manifestação patológica do sofrimento, que é o adoecimento.
Em um terceiro cenário, quando não há liberdade para transformar o
trabalho, e diante da também impossibilidade de usar mecanismos para
conter as pressões, frustrações, aborrecimento, medo e sensação de
impotência dele oriundas, o sofrimento residual começa a destruir tanto o
aparelho mental quanto o equilíbrio psíquico do sujeito. Assim, de forma
lenta ou brutal, passa a ser produzida uma descompensação mental ou
psicossomática e a própria doença, ou o sofrimento patogênico no
trabalho (DEJOURS & ABDOUCHELI, 1994).
Outro conceito importante para a PdT, que se relaciona à ideia de
sofrimento patogênico no trabalho, é a própria noção de normalidade, a
qual, para Dejours, não é a ausência de sofrimento, mas sim, a luta bem-
sucedida do trabalhador contra a desestabilização psíquica oriunda dos
constrangimentos no trabalho (DEJOURS, 2006). A normalidade pode
ser alcançada quando o trabalhador possui acesso aos meios necessários
para lutar contra o sofrimento original. Da mesma forma, não se pode
dizer que saúde mental e bem-estar psíquico sejam sinônimos, pois a
primeira depende menos do ponto de chegada do que do caminho
percorrido. Saúde “é ter meios de traçar um caminho pessoal e original
em busca do bem-estar psíquico” (DEJOURS, 1986, p. 11).
As patologias mentais relacionadas ao trabalho, que têm no
suicídio a sua manifestação mais extrema, podem ser influenciadas
pelo coletivo de trabalho. O banimento das condutas de ajuda mútua e
solidariedade entre colegas de trabalho demonstram a intensa
degradação do “viver-junto” em coletividade. Antes, eram mais
comuns os sentimentos de solidariedade e atenção para com os
colegas que passavam por situações de mal-estar no trabalho,
entretanto, as relações socioprofissionais parecem ter se desgastado ao
longo do tempo, a ponto do ambiente de trabalho não ser mais capaz
de prevenir as descompensações. Tem-se a banalização da injustiça no
trabalho. Se, antes, diante de incômodos, o trabalhador era
408
reconfortado, protegido e amparado pelo coletivo, o que contribuía
para a prevenção do sofrimento patogênico, agora “instalou-se a
fórmula do cada um por si, e a solidão de todos tornou-se regra”
(DEJOURS & BÉGUE, 2010, p. 21).
O sofrimento patogênico no trabalho surge com o processo
massivo de individualização da produção, ligado às formas tayloristas
de organização do trabalho. Do ponto de vista analítico e conceitual,
não se pode reduzir o sofrimento no trabalho ao seu aspecto
patológico, pois há também uma dimensão política ligada à
dominação do trabalhador. Do ponto de vista prático ou pragmático,
tornou-se difícil escutar o sofrimento no trabalho, por razões ligadas à
desestruturação da coletividade (DEJOURS, 2010). Essa tendência em
isolar-se vai minando a possibilidade de troca entre os trabalhadores e
instalando um ambiente propício às manifestações patológicas do
sofrimento. O silêncio instalado, cada vez mais, atua em prol da
individualidade e quebra os laços sociais entre trabalhadores. Para
exemplificar, Dejours (2010) chama a atenção para a vergonha que um
trabalhador pode sentir de protestar contra situações provocadoras de
sofrimento caso perceba que há outras pessoas em situações ainda
mais deploráveis que a sua, como é o caso do desemprego. Em
consequência, o trabalhador passa a negar seu próprio sofrimento,
isolar-se e tratar o sofrimento alheio com indiferença. Tais práticas
vão tornando cada vez mais difícil ao coletivo de trabalho prevenir o
adoecimento. Ainda tratando de sua dimensão política, destaca-se que
o sofrimento não gera o movimento de despolitização dos
trabalhadores, ao contrário: é justamente a sua despolitização que tem
como consequência o sofrimento do trabalhador (DEJOURS, 2010).
Referências
DEJOURS, C. Por um novo conceito de saúde. Revista Brasileira de Saúde
Ocupacional, n. 54. v. 11, p. 7-11, 1986.
DEJOURS, C; ABDOUCHELI, E. Itinerário Teórico em Psicopatologia do
Trabalho. In Dejours, C; Abdoucheli, E; Jayet, C. Psicodinâmica do
Trabalho: contribuições da escola dejouriana à análise da relação
prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas, 1994.
DEJOURS, C. A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.
DEJOURS, C. Entretien avec Christine Delory-Momberger: Le travail entre
souffrance individuelle, intelligence collective et promesse d’émancipation. Le
sujet dans la cite, v. 1, p. 59-72, 2010. Disponível em:
http://www.lesujetdanslacite.com/1/upload/entretiendejoursnumero1.pdf. Acesso
em: 20 nov.2020.
DEJOURS, C; BÈGUE, F. Suicídio e Trabalho: o que fazer? Brasília:
Paralelo 15, 2010.

409
SOFRIMENTO PSÍQUICO (DEFINIÇÃO)
NA RELAÇÃO COM O TRABALHO
Lucas Martins Soldera
O raciocínio para compreensão desse verbete teve início na
proposta da Psicopatologia, seguiu no sentido da Psicopatologia do
Trabalho e, na sequência, para a Psicodinâmica do Trabalho, a fim de
entender a relação do sofrimento psíquico com o trabalho.
Ao se debruçar sobre a expressão Psicopatologia, o leitor
poderá perceber uma riqueza de possibilidades e desdobramentos em
seu estudo, entretanto, a mesma fora utilizada aqui apenas para dar o
start nessa discussão. Psicopatologia é um vocábulo composto por três
palavras gregas Psico-pato-logia – das quais “Psychê” deu origem à
expressões como alma e psique, consequentemente, a psíquico e
psiquismo; “Pathos” gerou expressões como paixão, excesso,
passividade, sofrimento, patológico; e “Logos” derivou em lógica
sobre um determinado assunto, narrativa. Na interpretação das
expressões que a compõem, Psicopatologia pode, então, ser entendida
também como o estudo sobre o sofrimento psíquico.
Mesmo que, em linhas gerais, ao portador de pathos caiba o
desconhecimento da origem daquilo que o faz sofrer, Ceccarelli
(2005) expõe que é possível averiguar, no decorrer da história da
humanidade, diversas tentativas e modos de fragmentar
loucura/doença/sofrimento/pathos para entendê-la. Na Grécia pré-
socrática, essa ideia estava vinculada a um castigo dos deuses que se
irritavam com a hybris do homem. Na época medieval o entendimento
sobre pathos deixou de ser algo vinculado ao divino e passou estar
vinculado a possessão de demônios. No século XV e XVI, a visão
religiosa/mística começou a perder forças a medida que a medicina
(influenciada pelos estudos de Galeno) incorporou alguns aspectos do
domínio do psicológico. O século XVII e XVIII foram marcados pelo
pensamento médico positivista de classificação e aferição desse
sofrimento. Porém, foi no século XIX, com os estudo de Pinel, que se
percebeu uma revolução na forma de entender o sofrimento. A partir
da obra “Tratado Médico-Filosófico sobre a Alienação Mental” (1801),
o autor muda a forma como a loucura era vista e inaugura o que mais
tarde viria a ser denominada, dentro da medicina, de Psiquiatria.
Simples resgates como esse permitem observar que até o final
do século XIX não existia uma área de estudo específico para o
sofrimento psíquico, a preocupação era com a doença (conhecer para
classificar tudo aquilo que fugia do “normal”). Herdeira dessa corrente
de pensamento, nasce a Psicopatologia, organizada por Karl Jaspers,
com o intuito de objetivar e sistematizar as doenças mentais. Todavia

410
foi Freud, e seus estudos sobre a Psicanálise, quem possibilitou uma
cisão epistemológica à ideia médica predominante desse período,
visando superar as práticas de cura (por ele também empregadas),
investindo também esforços em estratégias de “retificação do sujeito”.
Freud trouxe um entendimento de que pathos pode se manifestar a
partir do desejo, estando o sujeito “louco” ou não. Pathos é parte
integrante e necessária da experiência (trama) humana, assim foi
possível articular o gozo mesmo dentro do sofrimento.
Apoiado tanto na proposta da Psicopatologia de ordem
psiquiátrica – principalmente nos estudo de Sivadon, Tosquelles e Le
Guillant –, porém também afeito aos ideais da Psicanálise, Dejours
explorou um campo vasto e complexo. Todavia, frente sua
competência, esse campo também se mostrou fértil. Em 1980 publicou
Travail, usure mentale, obra que conferiu uma nova forma de analisar
o sofrimento psíquico articulado a atividade do trabalho; e marcou
uma nova configuração àquilo que Sivadon denominou, em 1952,
Psicopatologia do Trabalho.
Tal proposição teve um início ainda marcado pela relação
entre a atividade do trabalhar e como a mesma gerava sofrimento
psíquico que, posteriormente, poderia evoluir para doença. Além da
preocupação com o desenvolvimento metodológico e com a
aplicabilidade de sua teoria em campo, o autor também se preocupou
em desenvolvê-la teoricamente. O que o levou Dejours a publicar, em
1992, De la psychopathologie à la psychodynamique du travail, um
adendo ao texto de 1980, publicação em que propôs a troca da
denominação de sua teoria para Psicodinâmica do Trabalho. Além
disso traçou um novo tipo de preocupação com a “normalidade”, ou
seja, aquilo que faz os trabalhadores desempenharem suas funções e
manterem um estado de equilíbrio psíquico com o meio, mesmo frente
às adversidades da “organização do trabalho”. Esse equilíbrio é
possível por meio das estratégias encontradas pelos trabalhadores para
enfrentar tais situações (“estratégias defensivas”). Elaborações que
culminaram no destaque ao sofrimento psíquico na teoria dejouriana,
pois cabe ao trabalho uma atividade para passagem do sofrimento ao
prazer, atividade onde o desejo se confronta com a realidade.
É como o sujeito lida com esse sofrimento no trabalho que
dará destino a sua pulsão. Esses destinos, Dejours (1992) denominou
de “sofrimento criativo” e “sofrimento patogênico”. Em linhas gerais,
o “sofrimento criativo” surge quando emerge da situação adversa a
criação, a solução de problemas que incomodam o sujeito; o
sofrimento, então, desempenha função de mobilizador, incentivando a
busca de soluções. E o “sofrimento patogênico” aparece quando a
distância entre o trabalho prescrito e o real se torna insuperável,
411
quando o sujeito se sente incapaz, fracassado em resolver a situação,
não encontrando mais sentidos naquilo que faz, nesse tipo de
movimento os recursos defensivos são esgotados.
Para Dejours (1992), o sofrimento no trabalho é “como o espaço
de luta que ocorre no campo situado entre, de um lado, o bem-estar, e, de
outro, a doença mental ou a loucura”. Esse sofrimento tem sua origem na
história pessoal do sujeito e reverbera no que esse autor denominou
“teatro do trabalho” – construções estabelecidas desde a infância, onde
nesse teatro tecem relações quando se encontram com a organização do
trabalho –, o que permite afirmar que o sofrimento psíquico é algo que
depende da construção social e psíquica de cada sujeito.
Portanto, sofrimento psíquico e sujeito estão intimamente
ligados, uma vez que o sujeito da Psicodinâmica do Trabalho é o
“sujeito do sofrimento” que está em relação com as adversidades da
organização do trabalho e que pode ser entendido sujeito como efeito
da experiência com a realidade. Logo, deve-se entender sofrimento
psíquico e sujeito do sofrimento como forças que impulsionam à
subjetivação, mas não totalmente capturados por ela, ao invés disso é
plausível pensar em uma situação temporária de resistência ao
instituído, de resistência à falta de sentido.
Referências
CECCARELLI, P. O sofrimento psíquico na perspectiva da psicopatologia
fundamental. Psicol. estud., Maringá, v. 10, n. 3, pp. 471-477, Dec. 2005 . Disponível
em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
73722005000300015&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 29 abr. 2019.
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722005000300015.
DEJOURS, C. Uma nova visão do sofrimento psíquico nas organizações. In:
CHANLAT, J.F. (Coord.) O indivíduo na organização: dimensões
esquecidas. Org. Ofélia de Lanna Sette Torres. Trad. Arakcy Martins
Rodrigues et. al. São Paulo: Atlas, 1992.
DEJOURS, C. Travail: usure mentale – De la psychopathologie à la
psychodynamique du travail. Bayard édi, 1980.

SOFRIMENTO PSÍQUICO E RELAÇÃO COM O TRABALHO


Sandra Fogaça Rosa Ribeiro
Dentre as áreas e teorias do conhecimento voltadas para o
sofrimento psíquico e a relação com o trabalho, optou-se por aquelas que
possibilitam a sua compreensão a partir da organização do trabalho e as
possibilidades de transformações, no âmbito das questões envolvidas no
que se tem denominado de Saúde do Trabalhador. Considerando a
complexidade do assunto, várias lentes são necessárias para dar melhor
visibilidade ao problema e ampliar as discussões, envolvendo
conhecimentos da psicodinâmica do trabalho e da saúde coletiva.

412
Uma definição de saúde feita por pesquisadores da Saúde
Coletiva contribui na compreensão desse verbete. Os sanitaristas,
Carvalho e Cunha, discorrem sobre a saúde enfatizando exatamente a
forma como as pessoas a vivem (2006, p. 842): indivíduo saudável é
como um sujeito que possui um sentimento de segurança para viver
a vida, para criar valores e instaurar normas vitais a partir de seus
desejos, interesses, necessidades individuais e do entorno social. No
lugar da centralidade da doença, da resignação e da conformidade de
que o adjetivo paciente insinua, julgamos ser fundamental afirmar o
usuário na saúde como ativo portador e criador de direitos, um
sujeito capaz de viver a vida com liberdade e criatividade.

Diante dessa definição e em conformidade com a busca de


descobrir o que cada um espera da sua própria saúde, o estudo sobre a
saúde mental e trabalho é um desafio:
um desafio para os pesquisadores do novo campo é, portanto o de
integrar, de forma compreensiva, as contribuições dos autores que têm
se preocupado em analisar as instâncias ‘macro’ às daqueles que têm
estudado fenômenos microssociais, nas equipes e nos/dos locais de
trabalho e ainda às dos que detectam a complexidade dinâmica
intrapsíquica decorrente da vida laboral [...] A dimensão coletiva e
individual dos fenômenos de ordem psicológica conectados ao trabalho
não podem ser compreendidas se isolarmos entre si, uma vez que
mantêm estreitas reciprocidades (SELIGMANN- SILVA, 1994, p. 71).

Utilizar teorias que partam da análise da organização do


trabalho possibilita olhar para essas complexidades citadas por
Seligmann-Silva (1994). O estudo de Paparelli, Sato e Oliveira (2011)
expõe a complexidade desse olhar, mas também os benefícios, que se
constituem em deslocar a compreensão dos agravos unicamente a
partir do sujeito e ampliá-lo para o entendimento do processo saúde-
doença no trabalho, trazendo a categoria “organização do trabalho”
como norteadora da análise.
Deste modo, na medida em que se incorporaram as
contribuições da Psicanálise e da Psicodinâmica do Trabalho, é
possível definir sofrimento psíquico e a relação com o trabalho.
A psicanálise compreende a relação entre sofrimento psíquico
e trabalho a partir do constructo de que saúde e sofrimento psíquico se
constituem do mesmo material, mas variam em grau de complexidade
maior ou menor, configurando transtornos ou não. Coloca que na
busca de felicidade o homem utiliza técnicas diversas para evitar o
sofrimento. Dentre elas, está o redirecionamento da libido para o
trabalho, garantindo-lhe inserção segura na comunidade humana.
413
Também aponta que para a minimização do sofrimento psíquico, o
homem recorre de maneira diversa, com maior ou menor intensidade,
tanto ao mundo externo, tentando alterá-lo frente às suas necessidades,
quanto ao mundo interno.
Partindo desse referencial teórico, Dejours (1992) afirma que o
sofrimento psíquico no âmbito do trabalho caracteriza-se como uma zona
cinzenta que fica entre a saúde e a doença, fugindo da polarização clínica.
É uma luta constante contra as agressões dos ambientes de trabalho, o que
requer negociações e um ajuste constante entre desejos e possibilidades.
Entretanto quando o espaço de negociação fica bloqueado, o sofrimento
psíquico se acentua. As estratégias defensivas desempenham importante
papel nessas negociações. As constantes lutas vão deixando marcas no
indivíduo, que vai se transformando, deixando de ser o que era antes de
ter assumido determinado trabalho. Entretanto, se essas negociações
forem baseadas somente na singularidade de cada um, na estrutura mental
que se tem, as mudanças nem sempre serão possíveis, desde que
dependem muitas vezes do ambiente externo.
Dessa forma, define-se a relação entre sofrimento psíquico e
trabalho a partir da centralidade do trabalho no mundo social e na
constituição do ser humano, com destaque na hominização do sujeito,
entretanto também causa sofrimento pelas vias da produção capitalista
e da denominada “Organização Científica do Trabalho”. Dessa forma,
a relação com o trabalho está longe de ser um espaço neutro, para o
bem ou para o mal. Segundo Heloani & Capitão (2003, p. 106) o
sofrimento psíquico é consequência direta da organização de trabalho,
permeado pelo viés capitalista, isto é, “da divisão do trabalho, do
conteúdo da tarefa, do sistema hierárquico, das modalidades de
comando, das relações de poder, etc.”. Há uma perda de sentido da
vida no trabalho, deixando marcas de sofrimento no corpo e no
psiquismo do trabalhador.
Referências
CARVALHO, S. R.; CUNHA, G. T. A gestão da atenção na saúde:
elementos para se pensar a mudança da organização na saúde. In: CAMPOS,
G. W. S.; MINAYO, M. C. S.; AKERMAN, M.; DRUMOND JUNIOR, M.;
CARVALHO, Y. M. (orgs.). Tratado de Saúde Coletiva. São Paulo:
Hucitec. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006. pp. 837-868.
DEJOURS, C. Trabalho vivo: trabalho e emancipação. Brasília: Paralelo,
15, 440. 2010
HELOANI, J.R.; CAPITÃO, C.G. Saúde mental e psicologia do trabalho.
São Paulo Perspec., v.17, n.2, pp.102-108, 2003.
PAPARELLI, R.; SATO, L. ; OLIVEIRA, F. A Saúde Mental relacionada ao
trabalho e os desafios aos profissionais da saúde. Rev. bras. Saúde ocup.,
São Paulo, 36 (123): 118-127, 2011.

414
SELIGMANN-SILVA, E. Desgaste mental no trabalho dominado. Rio de
Janeiro: Cortez, 1994.

SOFRIMENTO SOCIAL E OS IMPACTOS NA SAÚDE


MENTAL DO TRABALHADOR
Rosangela Werlang
Sofrimento social é um sofrimento psíquico de origem social.
Tal premissa encontra esteio na inexistência de indivíduos que vivem
em isolamento e acompanha, por sua vez, as transformações sociais. O
sofrimento social encontra-se articulado com a vulnerabilidade
estrutural de uma sociedade de propriedade de si. Relaciona-se à
autonomização da existência enquanto norma social em um cenário
onde os suportes institucionais, as proteções formais, encontram-se em
processo de erosão. Vincula-se a várias dimensões da vida, como as
relações familiares, o trabalho e a saúde, resultando de processo social.
Os problemas de saúde, por exemplo, seriam funções da realidade
social, uma vez que as relações sociais entre indivíduos, grupos ou
estados, produzem, de forma desigual, repartição das doenças e
patologias e, portanto, disparidades também no que condiz à
mortalidade, morbidade e esperança de vida. É neste vasto campo que o
sofrimento social brota: da situação paradoxal resultante de uma
autonomia obrigada ao indivíduo, sem os suportes sociais disponíveis e
em contexto social de desigualdade (FURTOS, 2008; JACQUES 2004).
O sofrimento social é muito mais amplo e genérico que o
sofrimento no trabalho e o sofrimento psíquico, entretanto, são
indissociáveis. Aborda várias questões pertinentes ao trabalho na
atualidade, possibilitando compreender a dimensão social desta
relação perpassada, ademais, por relações de poder,
desregulamentações, exploração e perda de direitos. Expressa
vulnerabilidades, como a questão das perdas reais, a exemplo da perda
do emprego, de dinheiro ou bens, mas também o medo da perda, o
sentimento de perda. Para Furtos (2008) e Jacques (2004), em ambos
os casos os indivíduos vivem a questão relativa à perda, tanto real
quanto antecipada, no plano da interioridade. A palavra sofrimento
não indica, como a dor, uma localização específica no corpo, uma
localização anatômica como uma dor orgânica, mas trata-se de uma
dor da existência, de um sofrimento que até pode vir acompanhado de
uma dor orgânica, mas também da humilhação e do menosprezo
social. Esta seria talvez a maior contribuição teórica quando se aborda
o sofrimento social: a articulação entre a precariedade social e a
interioridade, entre o concreto social e a vida psíquica. Para a Saúde
do Trabalhador implica ter em conta que o sofrimento social é uma

415
experiência que vincula o sujeito ao seu contexto social, político e
econômico, anunciando a dimensão cruel de uma sociedade desigual.
Pode-se inferir que o que tem ocorrido no plano social é, de
forma constante, a perda de objetos sociais e que esta perda tem levado a
exclusão ao seu limite, à autoexclusão. Como exemplo pode-se citar os
eventos envolvendo o suicídio e as tentativas de suicídio, além da
automutilação. Os objetos sociais, por sua vez, podem ser entendidos
enquanto formas de segurança, status, vínculos sociais e tais perdas
podem retirar o sujeito do jogo da existência. Um objeto social pode ser
também algo não necessariamente concreto, mas idealizado dentro de
uma dada sociedade em resposta a todo um sistema de valores aí
existente. A perda de objetos sociais pode significar a perda da
capacidade de jogar, de interagir com outros sujeitos e seria por meio
dessa perda ou possibilidade de perda que se daria o processo de exclusão
e autoexclusão. Significaria, ademais, entrar em sofrimento psíquico,
impactando severamente na saúde mental do trabalhador. O sofrimento
social pode impedir o sujeito de viver, de querer viver, de se manter vivo.
Referências
FURTOS, J. (Org.). Les cliniques de la précarité: contexte social,
psychopathologie et dispositifs. Elsevier Masson, 2008.
JACQUES, P. Souffrance psychique et souffrance sociale. Pensé Plurielle, n.8, 2004.

SUBLIMAÇÃO
Leandro A. Todesqui Tavares
O conceito de sublimação em psicanálise é, sem dúvida, um
dos mais importantes e instigantes, pois trata com especial interesse as
questões e complexidades psíquicas relacionadas à criatividade, ao
mesmo tempo em que, em virtude das lacunas no pensamento freudiano
sobre o tema, este conceito figura-se como um dos mais controversos e
ricos, tendo em vista as várias possibilidades de apreensão consideradas
a partir das especificidades metapsicológicas de cada escola
psicanalítica (vertentes teóricas na psicanálise).
Numa perspectiva referente ao campo metapsicológico de
Freud e Lacan, definimos a sublimação como mecanismo psíquico que
se caracteriza enquanto processo de subjetivação, por onde se
viabiliza uma modalidade singular de destino/satisfação possível às
pulsões, diferenciando-se, enquanto processo psíquico, das formações
defensivas como as formações reativas, retornos do recalcado como
sintomas e, ainda, o redirecionamento das intensidades pulsionais ao
próprio eu (defesa). Aclaramos de antemão, que existe na função da
criatividade objetos e elementos de conteúdos recalcados e de
formações reativas (defesas), contudo, a criatividade sublimatória
strictu sensu (gozo para além do registro fálico) constitui um modo de
416
satisfação distinto destes e bem específico, sobretudo, por designar um
destino à pulsão (intensidades/desejos) que, desde a sua origem, já não
passa pelo recalcamento e outras formações defensivas. Neste sentido,
sugere-se utilizar a concepção de “processos criativos” ao abordar a
criatividade de forma mais geral, em psicanálise, e o uso da concepção
de “ato criativo” quando se visa especificar as criações delimitadas
metapsicologicamente como sublimatórias.
Tem-se, desta forma, que a sublimação está diretamente
relacionada aos modos possíveis do sujeito de desejo em fazer-lidar
com o vazio do psiquismo (a Falta e a Coisa (das Ding)),
caracterizada, também, pelo além do princípio do prazer, implicando
um gozo suplementar (gozo Outro) ao sujeito, e possível de ocorrer
somente por meio do ato criativo – criar um objeto digno de
representar aquilo que não é passível de representação.
Considerar a sublimação em relação à Coisa (“objeto
perdido”) resulta em compreendê-la como um modo possível de saber-
fazer com a falta numa espécie de sustentação deste vazio (objeto
elevado à dignidade de Coisa) e não a evitação dele, como é
característica na ocorrência do gozo fálico e/ou sintomático. Assim,
consideramos a sublimação como possibilidade de produção de bem-
estar (gozo e prazeres), e em sua especificidade dinâmica, tomamos
este processo como um destino possível das pulsões (Freud
[1915]/1996), e o seu produto (a criação) como um objeto elevado à
dignidade de Coisa (LACAN, [1959-60]/2008).
Para além de concepções psicanalíticas conservadoras que
tendem a persistir e superestimar a sublimação dependendo de
reconhecimento e valorização social do objeto produzido
(normatividades sociais), Lacan retoma a teoria freudiana modificada
pelas novidades da segunda tópica e define que sublimar é elevar um
objeto à dignidade de Coisa (aquilo que não pode ser representado
definitivamente). Este processo constitui-se como a possibilidade de
advento do sujeito (destinos outros que não os mecanismos de defesa do
ego e esgotamentos correlatos, e afirmação da singularidade) e que só
pode se dar pela via do ato criativo, na medida em que se cria algo a
partir do nada, do vazio da Coisa: “Estabeleço isto – um objeto pode
preencher essa função que lhe permite não evitar a Coisa como
significante, mas representá-la na medida em que esse objeto é criado”
(LACAN, [1959-60]/2008, p. 146). A sublimação, portanto, está
diretamente relacionada à possibilidade de elevar um objeto à dignidade
de Coisa, via ato criativo, denotando uma lógica psíquica da ordem do
além do princípio do prazer e configurando-se como território psíquico
do advento do sujeito (criatividade, satisfações e singularidade).

417
Sua complexidade e sua independência em relação aos
esforços voluntários do Eu evidenciam que a sublimação não é
possível a todas as pessoas e, quando possível, está subjugada às
possibilidades psíquicas e variações de indivíduo para indivíduo.
Recordemos que o próprio Freud, ao mesmo tempo em que associou a
sublimação às artes, à ciência e ao trabalho, também se referiu a ela
enfatizando sua raridade e difícil desenvolvimento pela maioria dos
indivíduos. Dessa forma, conclui-se que as capacidades psíquicas
sublimatórias estão relacionadas diretamente aos momentos iniciais da
constituição psíquica, em suma, na gênese da intersubjetividade
(sujeito-Outro), coincidindo com os tempos da pulsão invocante
(início do circuito pulsional). O tempo da sublimação, dadas suas
relações com a Coisa (das Ding), antecede e muito o desenvolvimento
do eu (ego), por isso, criar e atingir o modo de gozo específico da
sublimação (gozo Outro, gozo místico, gozo feminino) não depende
exclusivamente dos esforços voluntários do Eu-consciente. Sublimar é
uma possibilidade psíquica, vicissitude pulsional que pode se
viabilizar ou não, pura possibilidade potencial que poderá ocorrer pelo
ato criativo que lhe confere destino e existência.
De todo o modo, através de uma produção pela via da
sublimação o sujeito contorna o vazio da Coisa, produzindo algo a
partir disso, de onde se constitui um destino possível ao pulsional, o
que lhe acarretará uma satisfação parcial, por vezes também uma
catarse, mas principalmente um movimento de subjetivação que
amplia a riqueza simbólica de sua própria estruturação psíquica.
Assim, o sujeito causado e em movimento pelo excesso do pulsional
acaba por não atingir a Coisa (das Ding), no entanto, do seu contorno
em relação ao vazio situa-se a eficácia subjetiva do percurso
sublimatório: satisfações psíquicas e singularização (bem-estar
psíquicos e leveza existencial). Seja no ato criativo, seja nos processos
criativos de forma geral, haverá satisfações psíquicas (guardadas suas
devidas diferenciações qualitativas); fundamentalmente, trata-se,
portanto, de possibilidades de invocação das capacidades criativas dos
sujeitos, eis a fundamental importância da sublimação e outros
processos criativos correlatos para a psicanálise.
No que se refere às relações entre sublimação, criatividade e
trabalho, evidencia-se a importância de um contexto laboral em que se
estimule, ou, ao menos, seja permissível para possibilidades de
criatividade e espontaneidade. Considerando, especificamente, os
modos de produção de subjetividade nos contextos de trabalho,
enfatizamos para uma sensibilidade necessária para organização
destes como espaços subjetivos que propiciem, dentro das
possibilidades impostas, a construção de modos de produção e fazer
418
laborais em que o advento do sujeito (satisfações, realizações,
autenticidade no trabalho) possa se concretizar. Obviamente que,
algumas profissões e atividades laborais já estão no campo da
criatividade ou muito próximo delas, contudo, isso por si só não
garante ambientes e situações de trabalho necessariamente mais
saudáveis e satisfatórios; quando o próprio fazer criativo encontra-se
subjugado a regras e normatividades rígidas de produção em
detrimento da liberdade e certa espontaneidade criativa, os efeitos de
esgotamento psicológico e variadas formas de sintomas relacionados
ao trabalho (“mal-estar” do trabalho) também se constituirão.
Deste modo, não se trata da natureza dos processos criativos (arte
ou não-arte), mas, fundamentalmente, de condições de trabalho, bem
como, todo o entorno institucional-subjetivo que permeia o campo das
atividades laborais, que irá incidir como um contexto enquanto produtor
de processos de subjetivação promotores ou potencializadores de saúde,
ou formas de “mal-estar” e adoecimentos. Quanto mais enrijecida uma
organização, pouco flexível, rotineira, e quiçá, repressora da
espontaneidade e criatividade de seus funcionários, maior o índice de
insatisfação e monotonia, podendo derivar em situações de esgotamento,
estresse, frustração, decepção, tristeza, entre outros mal-estares e
sintomas relacionados ao adoecimento no e pelo trabalho.
Em contrapartida, ambientes ou condições laborais favoráveis a
liberdade e espontaneidade criativa dos funcionários, e na melhor das
hipóteses, organizações que estimulam as potencialidades criativas de
seus trabalhadores, tendem a constituir um contexto subjetivo em que se
aumentam significativamente as possibilidades de promoção de saúde,
leveza e bem-estar psicológicos, caracterizando-se como um Outro-
invocante para os sujeitos-trabalhadores. Aos trabalhadores que
vivenciam ambientes de trabalho propícios nestes termos aqui discutidos,
num sentido mais metapsicológico, identifica-se que os indivíduos podem
advir como sujeitos de seus atos (liberdade e espontaneidade) criativos
(realizações, satisfações) afirmando-se em sua singularidade enquanto
sujeitos de falta-à-ser: mobilização de construção de caminhos e formas
para expressão subjetiva, reconhecimento, maior realização e satisfação
nas atividades de trabalho.
Referências
FREUD, S. “Os Instintos e suas Vicissitudes”. In: FREUD, S. Obras
Psicológicas Completas: A História do Movimento Psicanalítico, Artigos
sobre a Metapsicologia e Outros Trabalhos. Tradução de Jayme Salomão.
Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. 14. pp. 115-144, [1915].
LACAN, J. (1959-1960). O Seminário, Livro 7: A Ética da Psicanálise.
2.ed. Tradução de Antônio Quinet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

419
LACAN, J. (1964). O Seminário, Livro 11: Os Quatro Conceitos
Fundamentais da Psicanálise. Tradução de M.D. Magno. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 1998.
TAVARES, L. A . T. Psicanálise e Musicalidades: sublimação,
invocações, laço social. São Paulo: Unifesp, 2020.
TAVARES, L. A. T; HASHIMOTO, F. Sublimation as a paradigm of the psyche
constitution: metapsychology and theoretical-clinical developments. Ágora (Rio
J.), Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, pp. 295-310, ago. 2016.
WINE, N. Pulsão e Inconsciente: A Sublimação e o Advento do Sujeito.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.

SUBJETIVIDADE E SAÚDE MENTAL NO TRABALHO


Guilherme Elias da Silva
A Psicodinâmica do Trabalho sustenta a hipótese segundo a
qual o trabalho não é redutível a uma atividade de produção no mundo
objetivo. O trabalho sempre coloca à prova a subjetividade, da qual esta
última sai enriquecida, enaltecida, ou ao contrário, enfraquecida,
mortificada. Trabalhar constitui, para a subjetividade, uma provação que
a transforma! Podemos exclamar, pois: trabalhar, conforme Dejours
(2004), não é somente produzir; é, também, transformar a si mesmo e,
no melhor dos casos, é uma ocasião oferecida à subjetividade para se
testar, até mesmo para se realizar.
Como vimos, o trabalho não se reduz a um emprego visando
garantir o sustento. Ele transcende a mera luta pela subsistência, e, “na
relação de significados para os indivíduos, o trabalho que faz sentido é
aquele que emancipa e que possibilita crescimento e desenvolvimento
daquele que o realiza” (LUCCA, 2017, p. 151). Destarte, as
organizações e seus respectivos modos de gestão do trabalho têm uma
função preponderante ao favorecer ou anteparar que a atividade possa
ou não fazer sentido para as pessoas que a realizam. De acordo com
Clot (2011), a obstaculização do poder de agir acarretará o
desencadeamento do sofrimento psíquico e, muitas vezes, culminará
em adoecimento aos trabalhadores.
Segundo Dejours (2013), na análise sobre trabalho e produção
subjetiva, o prazer e a realização no trabalho estão atrelados à
possibilidade dos trabalhadores poderem mobilizar sua inteligência, e
de reagirem às situações concretas (e não prescritas pela organização),
na vivência do trabalho real. A saber, o exercício da subjetividade
ocorre, de acordo com o autor supracitado, durante o real do trabalho.
Ou seja, dentre o conjunto de expectativas objetivas e simbólicas do
desejo e das pulsões, poderíamos considerar o trabalho real enquanto
potencial de ser exercício da sublimação.

420
Saúde mental é, deste modo, descrita como o equilíbrio
emocional entre as exigências ou vivências externas e os desejos
subjetivos. Podemos afirmar, assim, que a saúde mental é um estado de
bem-estar emocional e psicológico, através do qual o sujeito é capaz de
utilizar suas capacidades cognitivas, habilidades afetivas e funções sociais,
bem como de responder às solicitações da vida cotidiana. Neste sentido, “a
saúde mental no trabalho não deve ser confundida com ‘adaptação’ do
trabalhador, como sujeito passivo e moldado ou subordinado aos
interesses da organização” (LUCCA, 2017, p. 153). Contrário a isso,
“deve-se procurar compreender a subjetividade do trabalhador no
desenvolvimento de seu trabalho, e os conflitos que emergem entre as
expectativas do sujeito e as necessidades da organização” (LUCCA, 2017,
p. 153). Neste sentido, a permanente dinâmica que se opera entre as
necessidades objetivas [de subsistência] e subjetivas [de estima, realização
e reconhecimento] do sujeito com o seu trabalho, ou melhor, do
trabalhador com as condições e a organização do trabalho, configura-se
um campo de conflito ético, político e ideológico e, por conseguinte, não
deve ser resolvido na esfera estritamente individual, e sim quando a
intersubjetividade entra em cena, ou seja, no coletivo do trabalho, a partir
de suas arbitrariedades e reivindicações (DEJOURS, 2004).
A saúde depende, como estado ideal, de uma harmonização
entre a variabilidade biológica e psicossocial no percurso existencial do
sujeito e dos processos de saúde e doença desencadeados em suas
vivências em distintos campos institucionais e, dessa forma, a saúde
mental consolida-se pela liberdade de ter os meios de ação para atuar e
não se subordinar (DEJOURS, 1986). Entretanto, conforme abaliza
Seligmann-Silva (2011), as forças políticas, econômicas e sociais
motrizes e organizadoras dos campos institucionais, em cada momento
da história, podem fragilizar ou favorecer a saúde dos seres humanos,
conforme as situações que estes experienciam em conjunturas
macrossociais e circunstâncias de vida e labor. Desta maneira, Lucca
(2017, p. 157) expõe que: “A fragilização das instâncias sociais e de
suporte aos trabalhadores e a falta de trabalho ou mesmo a ameaça de
perda do emprego pode provocar situação de vulnerabilização e
sofrimento psíquico”, além do mais, concomitantemente, pode abalar a
valoração subjetiva que a pessoa se atribui, gerando sentimentos de
menos-valia, desânimo, angústia, insegurança e desespero,
caracterizando, muitas vezes, quadros ansiosos e depressivos [marcantes
da sociedade do desempenho e da performance na contemporaneidade].
Na dinâmica do sofrimento mental relacionado ao trabalho e em
suas manifestações mórbidas, quem é atingida é a subjetividade do
trabalhador. Esta última é construída ao longo das realizações sociais da
existência de cada ser humano. Diante do que vem sendo apresentado, a
421
percepção intersubjetiva dentro do cenário institucional de trabalho e a
competência de realização de si mesmo no campo das relações sociais,
ser ou não reconhecido pelos pares, líderes e/ou pela organização são
decisivos na dinâmica da própria identidade do sujeito com o trabalho.
Fatores estes que, articulados, podem resultar em prazer, satisfação e
saúde ou insatisfação e sofrimento psíquico (DEJOURS, 2004).
Claramente, a organização do trabalho deve favorecer aos seus
integrantes a oportunidade de concretizarem algo que produza sentido e,
nesta lógica, os trabalhadores possam desenvolver e operar os
conhecimentos e habilidades regozijantes de autonomia, a fim de que
estes possam assumir responsabilidades e se sentirem mobilizados
desafiadamente na realização do trabalho. Sendo assim, o
reconhecimento por parte do coletivo de trabalho e organização (através
de julgamentos de utilidade e estética) e a satisfação pelo trabalho
realizado têm determinante significado na preservação da saúde psíquica
dos indivíduos, bem como na constituição de subjetividades autênticas
(GERNET & DEJOURS, 2013).
Referências
CLOT, Y. Clínica do trabalho e Clínica da atividade. In: BENDASSOLLI,
P.F.; SOBOLL, L.A.P. (orgs.) Clínicas do trabalho: novas perspectivas para
a compreensão do trabalho na atualidade. São Paulo: Atlas, 2011.
DEJOURS, C. Por um novo conceito de saúde. Revista Brasileira de Saúde
Ocupacional, São Paulo 1986, abr/jun;14(54):7-11.
DEJOURS, C. Subjetividade, trabalho e ação. Revista Produção, São Paulo,
2004, 14(3), pp. 27-34.
DEJOURS, C. A sublimação, entre o sofrimento e prazer no trabalho.
Revista Portuguesa de Psicanálise, 2013, 33(2),9-28.
GERNET, I. & DEJOURS, C. Avaliação do trabalho e reconhecimento. In.
BENDASSOLLI, P. F. & SOBOLL, L. A. (Orgs.). Clínicas do trabalho:
Novas Perspectivas para Compreensão do Trabalho na Atualidade. São
Paulo: Atlas, 2013, pp. 61-70.
LUCCA, S. R. Saúde, saúde mental, trabalho e subjetividade. R. Laborativa,
v. 6, n. 1 (especial), pp. 147-159, abr./2017. Disponível em:
http://ojs.unesp.br/index.php/rlaborativa. Acesso em: 02 dez 2020.
SELIGMANN-SILVA, E. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser
dono de si mesmo. São Paulo: Cortez, 2011.

SUPORTE SOCIAL (NO TRABALHO) E EFEITOS À SAÚDE


MENTAL DOS TRABALHADORES
Hugo Ferrari Cardoso
Discorrer sobre suporte social no trabalho, também concebido
por suporte organizacional (ou ainda suporte laboral), a depender dos
referenciais teóricos, remete a um período histórico de investigações
sobre as ações, benéficas ou não, que levam os indivíduos a
422
perceberem (ou não) apoio por parte da organização. Esse construto
passou a ser investigado com maior afinco na literatura internacional a
partir da década de 1970, com grande ênfase na percepção do suporte
social como promotor de bem-estar físico e mental (levando-se em
conta mais os diversos contextos de atuação do indivíduo, como
família, espaços sociais e, em menor escala, o contexto laboral).
Entretanto, a partir da década de 1980, o construto suporte social
passou a ser investigado com maior frequência na literatura científica
levando-se em conta o contexto organizacional.
Dos principais expoentes, Cobb (1976) foi considerado o
primeiro pesquisador a desenvolver estudos e conceituações acerca do
contexto, sendo que para o mesmo o suporte social deveria ser
observado levando-se em consideração três importantes categorias
(crenças percebidas pelos indivíduos), sendo essas, a) crenças de que
o mesmo é amado; b) que é apreciado e tem valor; e c) que está
incluído em uma rede de comunicação e de obrigações mútuas. O
autor buscou compreender como a precariedade do suporte social
poderia aumentar a vulnerabilidade a doenças, e como o suporte social
funcionava como fator protetivo para os indivíduos contra danos à
saúde física e mental. É possível constatar a partir das ideias do autor
que uma fonte fundamental de percepção do suporte social era
relacionada a questões emocionais (por exemplo, ser amado,
apreciado e sentir-se valorizado).
Outros teóricos foram marcantes nas décadas seguintes (em
especial décadas de 1980 e 1990) e aprofundaram as ideias e
investigações iniciais. De forma mais específica, Thoits (1982) sugeriu
uma nova fonte de percepção de suporte social, sendo essa a
instrumental. Para o mesmo, o suporte social poderia articular, além das
crenças sobre acessibilidade a recursos afetivos (ser amado, cuidado,
apreciado e valorizado), outras crenças relativas ao pertencimento a
redes sociais, que disponibilizariam a ele recursos tangíveis e práticos,
de caráter instrumental (como a existência ou disponibilidade de
pessoas em quem se podem confiar, em especial nas questões de ordem
prática – como cuidar do indivíduo quando o mesmo encontra-se
doente, por exemplo). Também nesse momento histórico o suporte
social foi vinculado como uma importante variável quanto a promoção
do bem-estar e na redução do estresse, podendo inibir o
desenvolvimento de doenças, e atuando remediativamente na
recuperação de doenças.
Na década seguinte (1990), dois autores (RODRIGUEZ &
COHEN, 1998) conceberam a existência de vários tipos de apoio
fornecidos pelas redes sociais, sendo três deles os mais difundidos e
estudados, a saber, suporte emocional, suporte instrumental (já
423
apresentados anteriormente) e suporte informacional (relacionado ao
recebimento de diretrizes/dados indispensáveis que possam guiar e
orientar as ações de uma pessoa ao se deparar com uma situação
problemática ou um momento de tomada de decisão. Em síntese,
atualmente o suporte social é concebido como um construto
multidimensional muito presente em estudos na área da saúde, como
fator social de proteção, promoção da saúde e do bem-estar.
Siqueira e Gomide Jr. (2008) destacam que pesquisas sobre o
suporte social no âmbito das organizações se voltaram para a
possibilidade do construto explicar e/ou predizer determinados
indicadores relevantes naquele contexto, tais como comprometimento
organizacional, satisfação no trabalho, desempenho e produtividade.
Nesse contexto foi nítido o crescimento dos estudos a partir da década
de 1980, muito impulsionado por alguns autores, dos quais muitos
ainda estão ativos, no que tange a produção do conhecimento sobre o
construto (EISENBERGER et al., 1986; EISENBERGER, FASOLO,
& DAVIS-LAMASTRO, 1990; EISENBERGER, CUMMINGS,
ARMELI & LYNCH, 1997; RHOADES & EISENBERGER, 2002).
Para Eisenberger et al. (1986), a teoria de percepção do
suporte organizacional passou a ser empregada à medida que se
percebeu que os empregados acreditavam que os valores
organizacionais e as contribuições da organização se concretizavam
no cuidado e bem-estar com os eles próprios. O modelo foi
denominado Teoria de Percepção do Suporte Organizacional (PSO).
Cabe destacar, portanto, que a literatura não faz diferenciação entre
suporte social no trabalho e suporte organizacional (e até mesmo
suporte laboral). Acerca do coneito, suporte organizacional foi
definido como as crenças globais do empregado sobre o quanto a
organização o valoriza e cuida de seu bem-estar.
Esse construto está associado com as percepções do trabalhador
sobre a qualidade do tratamento que recebe da organização,
especialmente em retribuição ao esforço que despende no trabalho
(EISENBERGER et al., 1986; EISENBERGER et al.,1997;
EISENBERGER, FASOLO, & DAVIS-LAMASTRO, 1990). Nesse
sentido, a identificação da percepção dos trabalhadores sobre o suporte
laboral poderia resultar no empenho das organizações em minimizar a
ocorrência de eventos que pudessem dificultar os relacionamentos
intralaborais. Os autores ainda propõem que um bom nível de Percepção
de Suporte Organizacional (PSO) seria compreendido como um indicador
de que os dois lados (trabalhadores e organização) sairiam ganhando.
Referências
COBB, S. Social support as a moderator of life stress. Psychosomatic
Medicine, v. 38, pp. 300-314, 1976.

424
EISENBERGER, R.; CUMMINGS, J.; ARMELI, S.; LYNCH, P. Perceived
organizational support, discretionary treatment, and job satisfaction, Journal
of Applied Psychology, v. 82, n. 5, pp. 812-820, 1997.
EISENBERGER, R.; FASOLO, P.; DAVIS-LAMASTRO, V. Perceived
organizational support and employee diligence, commitment, and innovation.
Journal of Applied Psychology, v. 75, n. 1, pp. 51-59, 1990.
EISENBERGER, R.; HUNTINGTON, R.; HUTCHISON, S.; SOWA, D.
Perceived Organizational Support. Journal of Applied Psychology, v. 71, n.
3, pp. 500-507, 1986.
PROBST, T. M.; BRUBAKER, T. L. Organizational safety climate and
supervisory layoff decisions: preferences versus predictions. Journal of
Applied Social Psychology, v. 37, n. 7, pp. 1630-1648, 2007.
RHOADES, L.; EISENBERGER, R. Perceived organizational support: a review
of the literature. Journal of Applied Psychology, v. 87, n. 4, pp. 698-714, 2002.
RODRIGUEZ, M. S.; COHEN, S. Social Support. Encyclopedia of
menthal health. 3ed., New York: Academic Press, 1998.
SIQUEIRA, M. M. M.; GOMIDE-JR, S. Suporte no trabalho. Em M. M. M.
Siqueira (Org.), Medidas do comportamento organizacional: ferramentas
de diagnóstico e de gestão (pp. 283-294). Porto Alegre: Artmed, 2008
TAMAYO, A. Valores e Clima Organizacional. Escola, saúde e trabalho:
estudos psicológicos. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999.
THOITS, P. A. Conceptual, methodological and theoretical problems in
studying social support as a buffer against life stress. Journal of Health and
Social Behavior, v. 23, pp. 145-159, 1982.

TECNOESTRESSE
Mary Sandra Carlotto; Sheila Gonçalves Câmara
O termo tecnoestresse foi utilizado primeiramente pelo
psicólogo estadunidense Greig Brod, em 1984, que conceitualizou o
construto como uma doença contemporânea decorrente da inabilidade
de lidar de forma saudável com as novas tecnologias. O psicólogo
referiu-se pela primeira vez ao estresse associado ao uso de
tecnologias e seu impacto no nível psicológico.
Os primeiros trabalhadores estudados eram bibliotecários, os
primeiros a envolverem-se na revolução da alta tecnologia, levando ao
nascimento de bibliotecas eletrônicas. Eles reagiram à introdução de
novas tecnologias, mostrando comportamentos como resistência e,
muitas vezes, exibiram uma incapacidade ou falta de vontade de
serem treinados ou de aprender os novos sistemas de tecnologias de
informação e comunicação (TIC).
Posteriormente, em 1997, a definição de tecnoestresse foi
revisada e ampliada por dois outros psicólogos, Larry Rosen e
Michelle M. Weil, os quais o caracterizaram como o resultado do
impacto negativo, direto ou indireto, em atitudes, pensamentos e

425
comportamentos causado pelo do uso de tecnologias (CHIAPETTA,
2017). Em 2003, a pesquisadora Marisa Salanova caracterizou este
construto como um estado psicológico negativo relacionado com o
uso de TIC ou com a ameaça de seu uso futuro. Esse estado está
condicionado pela percepção de um desajuste entre as demandas e os
recursos relacionados ao uso de TIC, que conduz a um alto nível de
ativação psicofisiológica não prazerosa e leva ao desenvolvimento de
atitudes negativas frente às TIC. Nesta perspectiva compõe-se de
quatro dimensões: 1) Descrença - caracterizada pelo sentimento que o
uso de TIC não traz benefícios ao seu trabalho; 2) Fadiga - refere-se
ao cansaço mental e cognitivo pelo uso continuado de TIC; 3)
Ansiedade - constitui-se em estado de tensão frente ao uso de TIC; e,
4) Ineficácia - revela sentimentos negativos sobre a própria
capacidade e competência no uso de TIC. A última definição, e a mais
aceita atualmente, é a proposta por Ragu-Nathan et al. (2008), a qual é
bastante ampla, na medida em que caracteriza o tecnoestresse como
um estresse prolongado experimentado por usuários de TIC.
Embora as novas TIC tenham o potencial de oferecer ganhos
significativos no desempenho do usuário final, elas também trazem
alguns efeitos colaterais negativos, como o tecnostresse: uma reação
cognitiva que um indivíduo experimenta quando é incapaz de lidar ou
se adaptar às novas TIC (TU et al., 2008). A introdução das inovações
tecnológicas ocasionou mudanças nos comportamentos individuais e
grupais nos mais diferentes contextos da vida humana, pessoal,
educacional e laboral. Os sinais que identificam o risco do
tecnoestresse são: uso constante do smartphone, mesmo em reuniões
sociais; telefone constantemente ligado; despertar noturno para
conectar-se a plataformas sociais; realizar chamadas em lugares
privados como cinemas, bibliotecas; escrever mensagens enquanto
estiver em movimento; utilização de TV em tablets ou celular. Esses
comportamentos de risco podem levar a sintomas físicos como:
aumento da frequência cardíaca; distúrbios cardiovasculares
(hipertensão, doença cardíaca coronária); distúrbios gastrointestinais
(síndrome do intestino irritável, gastrite, refluxo); dor de tensão
muscular; formigamento nos membros; insônia e distúrbios do ritmo
de acordar; dor de cabeça; fadiga crônica; sudorese; dor cervical;
distúrbios hormonais e menstruais em mulheres; afecções da pele
relacionadas com o estresse (psoríase, dermatite) e a sintomas mentais
(comportamentais e cognitivos) como irritabilidade; depressão;
mudanças comportamentais; diminuição do desejo sexual; crises de
choro; apatia. Os sintomas causados pelo tecnoestresse
frequentemente coexistem com outros fenômenos psicológicos e

426
físicos, como a síndrome de esgotamento e os distúrbios derivados da
adição ao trabalho (CHIAPETTA, 2017).
No contexto de trabalho, Salanova (2005) aponta como
principais fatores de risco do tecnoestresse as altas demandas laborais
com uso de TIC e a falta de recursos tecnológicos e sociais para lidar
com elas. Os efeitos do uso das TIC dependem de fatores como as
exigências e a falta de recursos gerados no trabalho, das crenças nas
próprias capacidades e competências para enfrentar com êxito as
mudanças tecnológicas (POCINHO; GARCIA, 2008). O tecnoestresse
em trabalhadores afeta o desempenho e produtividade e gera aumento
de rotatividade e absenteísmo.
Referências
CHIAPPETTA, M. The Technostress: definition, symptoms and risk
prevention. Senses Science, v.4, pp. 358-361, 2017.
POCINHO, M. D.; GARCIA, J. C. Impacto psicosocial de la tecnología de
información y comunicación (TIC): tecnoestrés, daños físicos y satisfacción
laboral. Acta Colombiana de Psicología, v.11, n. 2, pp.127-139, 2008.
RAGU-NATHAN, T. S. et al. The consequences of technostress for end
users in organizations: Conceptual development and empirical validation.
Information Systems research, v. 19, n. 4, pp. 417-433, 2008.
SALANOVA, M. Metodología WONT para la evaluación y prevención de riesgos
psicosociales. Gestión Práctica de Riesgos Laborales, v.14, pp.22-32, 2005.
TU, Q.; TARAFDAR, M.; RAGU-NATHAN, T.; RAGU-NATHAN, B. S.
Improving end-user satisfaction through techno-stress prevention: some
empirical evidences. Proceedings of the Fourteenth Americas Conference
on Information Systems, Toronto, ON, Canada August 14th-17th, 2008
Disponível em:
http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.231.3593&rep=rep
1&type=pdf. Acesso em 20 nov.2020.

TECNOLOGIA OFF-SHORE E IMPACTOS NA SAÚDE


MENTAL DOS TRABALHADORES
Alexandre de Carvalho Castro; Luís Henrique da Costa Leão
No cenário brasileiro, a tecnologia off-shore tem recebido
constante destaque graças às descobertas de petróleo na Bacia de
Campos nos anos de 1970 e, mais recentemente, em 2006, no pré-sal,
na Bacia de Santos. Realmente, é possível verificar, numa análise da
produção brasileira de petróleo dos últimos anos, um grande
desenvolvimento do trabalho off-shore, dado que, segundo a
perspectiva das inovações e dos avanços tecnológicos, é
impressionante, pois a Petrobras obteve seguidos recordes em
atividades de perfuração em águas cada vez mais profundas. O caso é
que, como a capacidade operativa decorrente das inovações
tecnológicas incrementou a produção de petróleo off-shore,
427
principalmente em plataformas marítimas baseadas em profundidades
cada vez maiores, o trabalhador passou a enfrentar novas situações e
demandas (CASTRO, 2013). Assim, as correlações da exploração de
petróleo off-shore com o processo saúde/doença no trabalho passaram,
ao longo desse período, a se tornar muito claras e evidentes.
O Brasil, assim como o mundo todo, enfrenta os grandes
desafios das fontes de energia, o que explica o avanço em direção ao
trabalho off-shore. Avanço que historicamente repercutiu no
surgimento de um tipo específico de trabalhador. Isso porque o
imperativo de extrair petróleo das reservas marítimas trazia em seu
bojo a necessidade de um trabalhador com um novo perfil, com
adequação para trabalhar confinado em instalações marítimas. Assim,
a fim de explorar e produzir petróleo no meio do mar, de forma
rentável, profissionais tiveram tanto de incorporar funções oriundas da
indústria on-shore, quanto algumas outras características, derivadas ou
da marinha ou do próprio ambiente específico de trabalho off-shore.
O que se verifica, contudo, pela ótica do processo
saúde/doença, é que na medida em que a tecnologia de prospecção se
desenvolve, viabilizando a construção de novas plataformas
marítimas, as implicações para o psiquismo do trabalhador muitas
vezes pioram (CASTRO, 2013). Por esse motivo, numa análise de
conjuntura de toda essa atividade econômica, há de se considerar os
dois lados da questão, porque se por um lado existem efetivas
conquistas tecnológicas, por outro também existem efeitos colaterais
marcados por desgaste mental e emocional no trabalho.
O trabalho off-shore é predominantemente realizado em
plataformas marítimas, que constituem sistemas complexos no que diz
respeito ao gerenciamento dos riscos, porque estão tecnologicamente
ligadas ao processamento de hidrocarbonetos inflamáveis, ao uso de
compostos químicos tóxicos e à operação de equipamentos que podem
desencadear acidentes de grandes proporções (FREITAS; SOUZA;
MACHADO, 2001). Além da questão dos riscos, no entanto, atividades
off-shore implicam um trabalho árduo, pois a produção deve fluir
ininterruptamente, durante as 24 horas de todos os dias ao longo do ano,
condição, aliás, que demanda o revezamento de vários grupos de
trabalhadores na execução das tarefas. Desse modo, os trabalhadores
tendem a atuar em turnos de 12 horas (com escala de trabalho das 7h00
até 19h00 e das 19h00 até 7h00), com algumas poucas exceções. No
caso do regime referido como de “sobreaviso”, por exemplo, é exigida a
disponibilidade do trabalhador em tempo integral, a fim de garantir a
normalidade das operações e os aspectos de segurança industrial. Vale
lembrar também que, por conta da legislação específica, os
trabalhadores off-shore têm direito a folga de 14 dias para cada 14 dias
428
de trabalho (concursados da Petrobrás, no entanto, podem dispor de 21
dias de descanso para 14 dias embarcados).
Numa perspectiva organizacional, essas atividades de
exploração, perfuração, produção e transferência de petróleo do mar
constituem partes de um sistema tecnológico interligado numa estrutura
de rede, estando sempre sujeitas a certo grau de desencadeamento de
efeitos. Ou seja, em decorrência das diversas conexões, os casos de falhas
podem acarretar acidentes graves devido à imprevisibilidade das
múltiplas interações (ALVAREZ et al., 2007). Daí a classificação dessas
atividades off-shore como interdependentes, desgastantes e perigosas.
Consequentemente, estudos realizados com tais trabalhadores
de plataformas marítimas têm constatado vários impactos na sua saúde
mental. Dentre os fatores que podem influenciar a condição psíquica
dos trabalhadores off-shore são frequentemente listados: o
confinamento como limitação de espaço e como repressão ao desejo de
ir e vir; isolamento social; distância da família em eventos de grande
significado simbólico; ausência de privacidade a bordo; e abstinência
sexual forçada (RODRIGUES, 2001). O horizonte das investigações,
contudo, é bem amplo. Elas indicam evidências subjetivas e objetivas
de relação entre sofrimento psíquico e condições de trabalho off-shore,
aspecto igualmente ressaltado por estudos que mostram os
trabalhadores terceirizados como sendo os principais atingidos, uma vez
que os riscos se agravam e se ampliam pelo fato de receberem não
somente menos treinamento e informação, mas também por trabalharem
em condições mais precárias (FREITAS; SOUZA; MACHADO, 2001;
ALVAREZ et al., 2007; CASTRO, 2013). Todas essas evidências,
inclusive, levaram alguns pesquisadores da área a desenvolverem uma
escala de avaliação de estressores ambientais off-shore, em amostras
brasileiras (SILVA JÚNIOR; FERREIRA, 2007).
Referências
ALVAREZ, D. et al. Reestruturação produtiva, terceirização e relações de
trabalho na indústria petrolífera offshore da Bacia de Campos (RJ). Gestão
& Produção, v. 14, n. 1, pp. 55-68, 2007.
CASTRO, A. de C. Produção Offshore na Bacia de Campos (RJ): a perspectiva da
Psicologia do Trabalho. Gest. Prod., São Carlos, v. 20, n. 4, pp. 833-846, 2013.
FREITAS, C. M.; SOUZA, C. A. V.; MACHADO, J. M. H. Acidentes de
trabalho em plataformas de petróleo da Bacia de Campos.Cadernos de
Saúde Pública, v. 17, n. 1, p. 117-130, 2001.
RODRIGUES, V. F. Relações de trabalho em unidades de perfuração marítima:
Estudo de caso com ênfase em trabalho em turnos. 2001. Dissertação (Mestrado
em Administração) - Universidade José do Rosário Vellano, Alfenas, 2001.
SILVA JÚNIOR, D. I.; FERREIRA, M. C. Escala para avaliação de
estressores ambientais no contexto off-shore oil (EACOS). Avaliação
Psicológica, v. 6, n. 2, p. 139-146, 2007.
429
TECNOLOGIAS DIGITAIS CONECTADAS À INTERNET E
OS IMPACTOS NA SAÚDE DO TRABALHADOR
Matheus Fernandes de Castro
Desde muito cedo, no desenvolvimento filogenético humano,
começou-se a produzir instrumentos que ajudaram a modificar o mundo.
A importância disso é tão significativa, que divide-se a Pré-história de
acordo com os tipos de instrumentos que eram produzidos e utilizados.
Com o passar do tempo, eles se aperfeiçoaram e se tornaram, cada vez
mais, contundentes em suas capacidades de transformação da natureza.
Mais do que isso, esses instrumentos também têm um papel fundamental
em nossa cultura (VIGOTSKY, 1987). Hodiernamente vive-se na Era
Digital e sob a égide de dispositivos eletrônicos cada vez mais avançados,
em suas potencialidades de uso, o que levou a espécie humana a
construção de uma Cibercultura (LEVY, 1999), ou seja, a cultura da
sociedade depois da massificação do uso das tecnologias digitais através
de dispositivos eletrônicos, conectados pela internet. Para alguns autores,
toda essa inovação trouxe mudanças benéficas a sociedade; para outros
essas transformações são prejudiciais; outros, ainda, relativizam tal
fenômeno, dizendo que o que vai delimitar sua positividade ou sua
negatividade é a forma como a tecnologia é usada. Estes últimos,
costumam pautar suas análises em estudos atuais sobre os impactos das
novas tecnologias na vida comum, mas também retomam exemplos
passados, da relação humana com os dispositivos mais antigos, os quais
também foram motivo de desconfiança. Na época em que foram
inventados, eles levaram algumas pessoas a pensar que sua destruição
seria a melhor solução: fenômeno que ficou historicamente conhecido
como Ludismo. Retomando nossa atualidade, o fato é que para uma
análise mais efetiva, do ponto de vista da saúde do trabalhador e de seus
interesses, é necessário tratar a relação do homem com a tecnologia, seja
ela antiga, ou atual, a partir do contexto de seu surgimento e
desenvolvimento e também compreender os motivos que as levaram a ser
amplamente distribuídas e consumidas. Então, quando se fala de trabalho
e sua relação com as tecnologias, não se deve deixar de citar a Revolução
Industrial do século XVIII, pois desde esse momento as transformações
tecnológicas assumiram um ritmo cada vez mais frenético de inovação e
de consequente transformação social e contribuíram para a precarização
do trabalho e para a ampliação das formas de adoecimento dos
trabalhadores. Assim, o modelo econômico e produtivo, que fez parte do
surgimento e do desenvolvimento da sociedade industrial, também não
deve ser analisado separadamente das tecnologias que ele sempre
incentivou: elas contribuíram com o seu sucesso. As formas de organizar
o trabalho, que decorrem do modelo econômico escolhido e do
desenvolvimento da organização científica do trabalho, a partir do início
430
do século XX, otimizaram a relação ser humano/máquinas no processo de
trabalho e são chaves fundamentais para a compreensão das implicações
da tecnologia sobre o trabalho e do trabalho sobre a saúde das pessoas
que trabalham. Há algum tempo, sabe-se que tanto as máquinas quanto as
formas de organização do trabalho têm interferência direta na saúde física
e mental dos trabalhadores. Desde Mustenberg (1913), passando por Weil
(1979) e Dejours (1992), para ser econômico nas citações, observa-se e
estuda-se este fenômeno. Atualmente, a tecnologia, como nos aponta
Castells (1999), é responsável pela manutenção de uma “sociedade em
rede”, e não é mais um adendo do sistema produtivo e econômico, mas
sim o princípio de organização de tudo. A tecnologia deixou de ser parte
integrante do sistema econômico e produtivo para ser o que possibilita
toda a sua organização. Na era digital, da sociedade em rede, antigos
trabalhos desapareceram e novos surgiram, mas os impactos sobre a
saúde do trabalhador continuam e, ao que parece pioraram, quando
observamos o aumento significativo do suicídio no trabalho (DEJOURS,
BÈRGE, 2010). Ricardo Antunes (2018) nos mostra a grande alteração
na morfologia do trabalho atual e a consequentes alterações na classe que
vive do trabalho e uma palavra define bem essas transformações: a
precarização do trabalho. Diante de tudo que foi dito acima, somente
podemos pensar que o impacto das tecnologias digitais conectadas à
internet no trabalho e na saúde do trabalhador é imenso, mas que o que
define sua negatividade não são as tecnologias em si, mas sim as
finalidades que lhes foram atribuídas na sua criação e, principalmente, na
forma como são usadas dentro da atual organização do trabalho. Mais
uma vez, não se trata de destruir as tecnologias, mas sim de construir
formas mais sadias de vida aprendendo como as inovações podem
contribuir com o bem comum.
Referências
ANTUNES, R. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na
era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.
CASTELLS, M. A sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
DEJOURS, C. A loucura do trabalho: Estudo de psicopatologia do
trabalho. São Paulo: Cortez-Oboré, 1992.
DEJOURS, C; BÈRGE, F. Suicídio e trabalho: o que fazer? Sobradinho
(DF): Paralelo 15, 2010
LEVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
MÜNSTERBERG, H. Psychology and industrial efficiency. New York:
The Riverside Press Cambridge, 1913.
VIGOTSKY, L. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
WEIL, S. A condição operária e outros escritos sobre a opressão. Org.
Ecléa Bosi. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

431
TELEATENDIMENTO (CONCEITO) - IMPACTOS NA SAÚDE
MENTAL DO TRABALHADOR
Patricio Nusshold
Desde 2000, temos testemunhado um verdadeiro boom das
centrais de atendimento telefônico. Em alguns países latino-americanos,
os call centers se transformaram em uma das principais fontes de
emprego formal para as populações mais jovens e no primeiro emprego
mais frequente (DEL BONO & BULLONI, 2008). Na maioria das
organizações, sejam públicas ou privadas, foi criada uma área chamada
“atendimento ao cliente”, “ao cidadão” ou “ao usuário”. Esse fenômeno
mundial relacionado à globalização, terceirização, flexibilização do
mercado de trabalho e práticas gerenciais padronizadas está vinculado a
um extenso processo de desintegração vertical que subcontrata serviços
em uma ampla gama de tarefas que historicamente eram realizadas
dentro da própria organização. As áreas de atendimento ao cliente,
internas ou externas às organizações, são responsáveis pelo
relacionamento com o usuário do serviço.
É possível identificar uma forma relativamente comum de
estruturar a organização do trabalho nos diferentes call centers: a
distribuição do espaço, as escutas e gravações das ligações pelos
supervisores, os scripts ou roteiros que os operadores devem respeitar
“ao pé da letra” e as metas de desempenho são características comuns
na grande maioria dos centrais de atendimento telefônico. Esse tipo de
distribuição das tarefas faz com que os responsáveis pela relação com o
usuário do sistema não sejam aqueles que realizam o trabalho. Dessa
forma, aqueles que se relacionam com o usuário nem sempre conhecem
em detalhes o trabalho que administram ou até mesmo vendem (ROLO,
2015). Por sua vez, o trabalho de cada operador é avaliado pelo nível de
satisfação de quem telefona e pela quantidade e duração das ligações
atendidas em seu horário. Essa avaliação nem sempre possibilita um
serviço satisfatório, pois, muitas vezes, a organização do trabalho obriga
o operador a fornecer informações que, obviamente, não deixarão quem
telefona satisfeito. Esse conjunto de fatores, muitas vezes somado a
roteiros rígidos, escutas e gravações permanentes da atividade de
trabalho do teleoperador, torna esse trabalho objeto de estudo não
apenas em relação às diferentes modalidades de controle e dominação
no trabalho, mas também ao avanço do desenvolvimento de quadros
psicopatológicos de origem profissional.
O trabalho em centros de atendimento telefônico tornou-se um
dos terrenos mais férteis para a psicopatologia do trabalho. É possível
identificar trabalhadores de call center que sofrem por precisar atuar, no
cenário do contexto de trabalho, de uma forma que reprovam
moralmente. Em psicopatologia e psicodinâmica do trabalho,
432
chamaremos esses tipos de situação de sofrimento ético (DEJOURS,
[1998] 2006). A pesquisa clínica nos permitiu identificar não apenas o
risco para a saúde mental daqueles que se envolvem nesse tipo de
atividade, mas também a maneira pela qual, ao desenvolver estratégias
defensivas para poder suportá-la, podemos encontrar populações inteiras
de trabalhadores que se dispõem a consentir práticas que reprovariam em
outro contexto. A partir desses estudos é possível identificar não apenas
o quanto o trabalho pode estar na origem da doença mental, mas
também, em razão de sua centralidade política, o quanto pode ser o local
da banalização do mal que os trabalhadores fazem aos usuários do outro
lado da linha telefônica. Assim, a percepção de realizar um trabalho
“lixo” aproxima-se da concepção de sale boulot descrita em outras
atividades (MOLINIER, 2009). A disposição dos trabalhadores de
distorcer as informações para se adaptarem parece indispensável para a
realização do trabalho. Então, nesse contexto, alguns trabalhadores de
call center utilizam essas estratégias individuais e coletivas de defesa
para garantir o emprego e não desenvolver sintomas relacionados ao
sofrimento. Outros desenvolvem uma sintomatologia associada ao
sofrimento psíquico que pode assumir a forma de quadros de ansiedade,
depressão ou sintomas físicos como os transtornos musculoesqueléticos.
Além disso, foram detectados quadros relacionados às chamadas
patologias de sobrecarga, como o burnout, em trabalhadores de call
center. Também foram detectados casos de suicídio, inclusive no local
de trabalho (NUSSHOLD, 2015).
Contudo, como os trabalhadores de call center se defendem para
evitar adoecer quando o caminho da satisfação não é possível? É possível
identificar estratégias de defesa comuns nos trabalhadores de call center
em diferentes países como Argentina, França e Brasil. A infantilização, a
guerra entre grupos sociais e a negação do mal causado aos usuários são
frequentes. Temos observado em nossas pesquisas clínicas na América
Latina que prestar um serviço em outro idioma, em alemão, por exemplo,
teria um efeito narcisista no trabalhador, não apenas porque coloca em
evidência sua capacidade de se comunicar em um idioma estrangeiro,
mas também pela distância dos países “desenvolvidos”. Assim, os
trabalhadores se concentrariam mais na dimensão linguística do que no
serviço prestado. Dessa forma, tentariam ludibriar menos, durante o
atendimento telefônico, alguém de um país rico, do que um compatriota.
Da mesma forma, a desobediência à autoridade, ou a redução do
comprometimento com o trabalho, aparece como uma das principais
estratégias para se defender e “suportar” esse trabalho sem sentido em
que a margem de manobra é restrita. A falta de reconhecimento assume
várias formas que vão desde a falta de transparência no pagamento até
controles médicos abusivos em casos de doença.
433
As experiências sugerem que não é no contexto das centrais
de atendimento telefônico que é fácil conseguir encontrar a satisfação
e a possibilidade de se emancipar no trabalho. No entanto, também
não podemos dizer que esse caminho não é possível. Certos grupos
conseguem prestar um serviço de excelente qualidade. Muitas vezes,
para conseguir isso, contam com determinadas condições que diferem
das formas de controle mais clássicas descritas. Outras vezes, as boas
relações de confiança entre colegas, e com supervisores e chefes,
permitem, através de uma posição de resistência e com frequência
discrição (e, às vezes, até mesmo de clandestinidade), superar as
restrições que a organização do trabalho impõe para conseguir realizar
um trabalho que faça sentido, um trabalho que esteja a serviço de
quem telefona e da qualidade.
Tradução: Jussara Mantovani
Referências
DEJOURS, C. La banalización de la injusticia social. Buenos Aires. Topía
Editora, [1998] 2006.
DEL BONO, A., & BULLONI, M. N. Experiencias laborales juveniles. Los
agentes telefónicos de call centers offshore en Argentina. In Indagaciones sobre
el trabajo, la cultura y las prácticas políticas en sociedades segmentadas. n.
10, vol. IX, Otoño 2008, ISSN 1514-6871. Buenos Aires: Caicyt, 2008.
MOLINIER, P. Des féministes et de leurs femmes de ménage: entre
réciprocité du care et souhait de dépersonnalisation. Multitudes 2009/2 (n°
37-38), pp. 113-121, 2009. DOI 10.3917/mult.037.0113
NUSSHOLD, P. Organisation du travail et souffrance psychique dans les
activités de service. Le cas des centres d’appels en Argentine. Thèse de doctorat
en psychologie du travail, préparée en cotutelle: Universidad de Buenos Aires et
École doctorale Abbé Grégoire, Centre de recherche sur le travail et le
développement, Conservatoire National des Arts et Métiers, Paris, 2015.
ROLO, D. Mentir au travail. PUF, Paris, 2015.

TRABALHO, EMOÇÕES E SAÚDE MENTAL


Emanuel Missias Silva Palma; Ana Lucia Teixeira Hirschle;
Sonia Maria Guedes Gondim
O trabalho é uma atividade essencialmente humana capaz de
transformar a realidade, a própria pessoa e os modos de convivência
social (para mais definições, ver Yamamoto, 2015). Embora cumpra uma
função psicológica (CLOT, 1999), contribuindo para a constituição do
sujeito e dando sentido à vida humana e em sociedade, está fortemente
associado ao sofrimento psíquico e à atividade criativa (DEJOURS, 1987;
LIMA, 2015). Essa ambivalência encontra respaldo teórico e empírico
nos trabalhos sobre saúde mental do trabalhador em suas vertentes
positiva (e.g., sentido, felicidade e florescimento) e negativa (e.g.,
transtornos mentais decorrentes de condições de trabalho).
434
A relação entre trabalho e saúde mental pode ser
compreendida, em parte, mediante um complexo conjunto de estados
afetivo-emocionais (emoções, sentimentos, humores, etc.) derivados de
diferentes elementos estruturais, dinâmicos e interacionais presentes no
contexto laboral (GONDIM, 2015). Há quatro perspectivas de entender
as emoções nesse contexto: (a) emoções com o trabalho (emotion with
work), (b) emoções no trabalho (emotion at work), (c) emoções
dirigidas ao trabalho (emotion toward work), e (d) trabalho emocional
ou emoções demandadas pelo trabalho (emotional work or emotional
labor) (MILLER; CONSIDINE; GARNER, 2007). A primeira
perspectiva é a dos estados afetivos experimentados nas interações com
colegas e superiores hierárquicos (conflitos interpessoais, coesão
grupal, etc.). A segunda é a de estados afetivos oriundos de outros
contextos como a família e sociais repercutindo no ambiente de
trabalho (equilíbrio ou conflito trabalho-família, estados de humores,
etc). A terceira se refere à experiência emocional da pessoa em relação
ao seu trabalho (satisfação, sentido, significado, ethos, identidade de
trabalho, identidade profissional, etc.). A quarta perspectiva engloba
duas facetas, que podem ser complementares: o trabalho emocional
decorrente de estados afetivos demandados pelo próprio tipo de
ocupação ou função, como no caso de profissionais da área de saúde; e
o trabalho emocional fruto do gerenciamento do trabalhador para lidar
com regras emocionais exigidas pela organização. Tal gerenciamento
pode resultar em expressões emocionais inautênticas (sorrir estando
triste, por exemplo) ou em sobrecarga emocional para o trabalhador,
pelo esforço em mudar estados afetivos iniciais (esforçar-se por adotar
o ponto de vista do paciente agressivo para evitar os sentimentos de
mágoa para com ele, por exemplo).
Essas diversas perspectivas de entender as emoções no
contexto de trabalho geram impactos diferenciados nos processos
físicos, psicológicos e sociais e nas reações do indivíduo frente às
demandas do trabalho. Em alguns casos contribuem para a emergência
de síndromes e transtornos mentais associados a diversas doenças
ocupacionais, exigindo intervenção para assegurar proteção ao
trabalhador e evitar o seu adoecimento. Nesse sentido, uma tendência
crescente nos estudos sobre as relações entre trabalho, emoções e
saúde mental tem sido a de identificar e examinar os antecedentes e
consequentes de experiências emocionais no trabalho. Os resultados
dessas pesquisas têm revelado o importante papel dos fatores
emocionais e afetivos no trabalho (e.g., eventos afetivos positivos,
percepção de suporte social, clima de segurança psicológica) e
individuais (e.g., estabilidade emocionai, autorregulação emocional),
para a melhoria do bem-estar laboral (SONNENTAG, 2015). Tomem-
435
se, como exemplo, dois indicadores de saúde mental associados ao
trabalho: a síndrome de burnout e a felicidade no trabalho.
A síndrome de burnout, referida como um construto
tridimensional, envolvendo exaustão emocional, cinicismo e ineficácia
(TAMAYO, 2015), apresenta fortes componentes afetivos negativos,
como tristeza, humor deprimido, ansiedade e apatia, relacionados ao
trabalho. Em sua revisão da literatura, Schaufeli, Leiter e Maslach
(2009), pioneiros na investigação do burnout, destacaram dois
importantes preditores dessa síndrome associados ao trabalho no século
XXI: a) o desequilíbrio entre as demandas do trabalho e os recursos
para atendê-las (e.g., pessoais, insumos e equipamentos insuficientes), o
que reduz ou elimina o tempo para descanso; b) diferenças entre valores
individuais e organizacionais, o que potencializa o conflito entre as
crenças pessoais e as ações do trabalhador.
Numa perspectiva mais otimista, impulsionada especialmente
pela Psicologia Positiva (SNYDER; LOPES, 2009), destacam-se os
estudos sobre a felicidade no trabalho, conceito guarda-chuva para
uma série de variáveis associadas a estados emocionais positivos (e.g.,
alegria, inspiração, amor, entusiasmo e orgulho), como a satisfação e o
engajamento no trabalho. Em sua revisão integrativa da literatura
sobre felicidade no trabalho, Sender e Fleck (2017) apontaram que
fatores de ordem organizacional como oportunidades para
desenvolvimento e treinamento, percepção de justiça nas relações de
trabalho, atividades e habilidades variadas e compatibilidade afetiva
com a gestão e o grupo encontravam-se entre os principais preditores
laborais de experiências positivas no trabalho. Tais experiências, além
de contribuirem para indicadores de saúde mental positiva, como o
bem-estar no trabalho, podem atuar como fatores de proteção,
evitando o desenvolvimento de psicopatologias ocupacionais, como a
depressão e o burnout.
A partir de uma revisão sistemática de literatura e meta-
análise, Nielsen et al. (2017) destacaram os principais recursos no
trabalho investigados e relacionados ao bem-estar dos trabalhadores:
no nível individual, o capital psicológico (autoeficácia, otimismo,
esperança e resiliência); no nível grupal, o suporte social; no nível do
líder, a liderança transformacional, e no nível organizacional, as
práticas de RH para melhoria da satisfação no trabalho. Ações de
gestão que contemplem essas variáveis podem vir a aumentar o bem-
estar e a felicidade no trabalho.
Embora tenha sido destacado haver dois enfoques mais gerais
nos estudos relacionados ao trabalho: um direcionado aos fatores que
contribuem para o adoecimento no trabalho e outro focado na construção

436
de vínculos positivos para com o trabalho, os modelos de pesquisa não
são necessariamente concorrentes. Ambos ampliam a capacidade de
compreender o complexo fenômeno da relação do homem com o seu
trabalho e a organização empregadora, e também a de atuar para
potencializar os efeitos benéficos e atenuar os efeitos indesejáveis e
deletérios, com impactos negativos para a saúde física e mental do
trabalhador. Há que se levar em conta, no entanto, o papel de variáveis de
ordem pessoal (e.g., genética, estados afetivos, traços de personalidade e
temperamento), organizacional (e.g., formas de organização e condições
de trabalho, estrutura e valores organizacionais) e contextual (e.g., cenário
político e econômico) no processo de adoecimento ou florescimento no
trabalho. Certamente essa é uma agenda de pesquisa que exige interface
entre diferentes campos do conhecimento, como a psicologia, a
economia, a administração, a psiquiatria e a saúde do trabalhador.
Referências
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DEJOURS, C. A loucura do trabalho. Estudo da psicopatologia do trabalho.
São Paulo: Oboré,1987.
GONDIM, S. M. G. Emoções no trabalho. In Bendassolli, P. F.; Borges-
Andrade, J. E. (Orgs.) Dicionário de psicologia do trabalho e das
organizações. São Paulo: Casa do Psicólogo/Pearson, 2015.
LIMA, M. E. A. Saúde mental e trabalho. In Bendassolli, P. F.; Borges-
Andrade, J. E. (Orgs.) Dicionário de psicologia do trabalho e das
organizações. São Paulo: Casa do Psicólogo/Pearson, 2015.
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Management Communication, n. 20, pp. 231-260, 2007.
NIELSEN, Karina et al. Workplace resources to improve both employee
well-being and performance: A systematic review and meta-analysis. Work
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(Orgs.) Dicionário de psicologia do trabalho e das organizações. São
Paulo: Casa do Psicólogo/Pearson, 2015.
437
TRABALHO PRESCRITO E TRABALHO REAL
Paulo Antonio Barros Oliveira
Desde o início do desenvolvimento dos estudos sobre a atividade
de trabalho, e notadamente no campo da Ergonomia, entende-se que o
trabalho prescrito difere do trabalho real. Trabalho prescrito é o que é
determinado para ser executado; corresponde aos procedimentos como
utilizar as máquinas e ferramentas, o tempo concedido para cada
operação, os modos operatórios necessários e as regras a respeitar. Sua
prescrição pode ser verbal ou por escrito ou pode, ainda, ser apenas
implícita. O Trabalho real é aquele realmente executado, como o
trabalhador se apropria do que lhe foi prescrito e executa a tarefa.
Assim, no trabalho, há uma parte que compõe a prescrição, o
comando, e o que a organização oferece para a execução do mesmo, e
outra parte, que é a maneira como o trabalhador executa essa tarefa
que lhe é determinada. A execução de uma tarefa pode apresentar
contradições e desconformidades, dificultando o atendimento das
obrigações. O trabalho real é, assim, resultado de um compromisso
dos trabalhadores e a Empresa tendo em vista a produção exigida, as
condições de trabalho oferecidas pela empresa e as condições de
saúde dos trabalhadores.
O Trabalho prescrito compreende a quantidade e a qualidade da
produção, como exigido, e os meios para realizá-la, relativos a um posto
de trabalho, a um trabalhador ou a um grupo de trabalhadores. É
constituído pela organização (as condutas, os métodos de trabalho, as
instruções, bem como o conjunto de objetivos a ser atingido, as
especificações do resultado a obter (normas de qualidade, quantidade e
manutenção, etc.), os meios fornecidos para a execução da tarefa
(condições da matéria prima, máquinas e equipamentos, formação e
experiência exigidas do trabalhador, composição da equipe de trabalho,
etc.) e as condições necessárias para a execução do trabalho (ambiente
físico e humano, tempo, ritmo e cadência da produção, etc.).
O Trabalho real é como a tarefa é entendida pelo trabalhador,
como o ambiente de trabalho, as condições descritas na constituição
da tarefa, da matéria prima, das máquinas e equipamentos, e das
equipes de trabalho estão constituídas de fato para que a tarefa seja
executada. É o resultado de uma síntese entre a tarefa (objetivos,
resultados esperados, meios oferecidos, exigências requeridas) e o
homem que a executa (sua história, sua experiência, formação,
cultura, estado interno de saúde física e mental). É fruto da capacidade
social, histórica e econômica (entre outras) que tem o trabalhador de,
na presença de diferentes e variáveis determinantes e condicionantes,
escolher quais fins e critérios são mais ou menos valorizados nas
438
escolhas que tem que fazer, diuturnamente, na execução de
determinada tarefa.
Assim, na construção do trabalho real, há uma forte integração
entre exploração perceptiva e execução das ações. A exploração
perceptiva é entendida, aqui, como um fenômeno permanente da
atividade cognitiva. Ela é seletiva em função dos objetivos
perseguidos e das ações em curso. É diretamente ligada tanto à
experiência e à antecipação permanente de eventos futuros/resultados
esperados, como ao controle entre resultados esperados e obtidos, e à
planificação do desenvolvimento futuro.
Os estudos do trabalho real evidenciam tanto os fatores
temporais (intensificação do trabalho - aceleração da cadência,
desaparecimento dos tempos mortos, prazos curtos, sensação de falta de
tempo) como a fatores de outras ordens como a fragmentação e
interrupção do trabalho, “trabalho picado”, o crescimento do número de
tarefas a cumprir contrapondo-se à pressão da urgência, e a exigências de
disponibilidade permanente criadas pelas tecnologias de comunicação,
como o uso do celular, do notebook e da internet via banda larga.
Outros aspectos organizacionais que compõem esta diferença
entre o prescrito e o real são aqueles advindos da precarização
objetiva (contrato por prazo determinado, trabalho temporário,
contrato de trabalhadores via formação de empresas individuais, ou
via cooperativas de trabalho), e a precariedade subjetiva (instabilidade
dos contextos técnicos e organizacionais, responsabilização dos
assalariados, tornando-os responsáveis pela sobrevivência das
empresas). Neste contexto, a solicitação mental leva ao aumento de
solicitações gestuais e posturais, ligadas às tarefas repetitivas,
aumento de exigências sensoriais, em particular, solicitações visuais;
aumento de solicitações mentais e psíquicas (o trabalhador é obrigado
a construir e manter uma representação mental do objeto - ou objetos -
de sua atividade, atividades de antecipação e simulação mental,
intensas solicitações mnésicas). Temos encontrado situações de
verdadeira sobrecarga informacional, um quase “soterramento” sob
informações, hipersolicitação, tratamento paralelo de tarefas
múltiplas. Nestas condições, a análise do trabalho real permite
identificar a sensação de transbordamento cognitivo e de saturação
causadas pela impressão de fazer o urgente passar na frente do
importante, de não conseguir fazer o que se planificou, sem
compreender o porquê da insatisfação com o trabalho realizado.

439
Referências
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PATESSON, R. (Org), Intervenir par l’Ergonomie: regards, disgnostics et
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Traduzido por VIDAL, M. C. in Série Textos Escolhidos em Ergonomia
Contemporânea, Título 8, Programa de Engenharia de Produção, Grupo de
Ergonomia e Novas Tecnologias, COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, 1996, 8 p.
FALZON, P. Ergonomia. São Paulo: Editora Blucher, 2007
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WISNER. A. Por dentro do trabalho - Ergonomia: Método & Técnica.
São Paulo: FTD/Oboré,1987.
WISNER. A. A Inteligência no Trabalho. São Paulo Fundacentro, 1994.

TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO E


RELAÇÕES COM O TRABALHO
Luiziana Souto Schaefer; Christian Haag Kristensen
O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) é
caracterizado por um conjunto de sintomas desenvolvidos após a
exposição a um ou mais eventos traumáticos que envolvam risco ou
ameaça de morte, ofensa à integridade física, ferimentos ou violência
sexual. Como exemplos de eventos traumáticos, encontram-se:
sequestro, assalto à mão armada, desastres naturais ou causados pelo
homem, acidentes automobilísticos graves, amputação de membros do
corpo, ameaça ou ocorrência real de agressão física ou violência
sexual, entre outros. O indivíduo pode ter vivenciado diretamente ou
ter testemunhado pessoalmente o evento traumático ocorrido com
outras pessoas, ou ainda, pode ter obtido conhecimento acerca de uma
situação traumática que ocorreu com familiar ou amigo próximo.
Além disso, a exposição ao trauma pode incluir situações nas quais o
indivíduo é exposto de forma repetida ou extrema a detalhes aversivos
de situações traumáticas, por vezes em decorrência de sua atividade
laboral, como nos casos de socorristas ou de profissionais que
constantemente ouvem detalhes de abuso infantil (AMERICAN
PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
O conjunto de sintomas desenvolvidos pelo indivíduo é
dividido em categorias que incluem (1) intrusão do evento traumático,
440
que pode ocorrer através de lembranças intrusivas e sonhos
angustiantes relacionados ao conteúdo do trauma, reações
dissociativas em que o indivíduo sente ou age como se o evento
estivesse novamente ocorrendo, sofrimento psicológico intenso e
prolongado, reações fisiológicas intensas diante de estímulos
relacionados ou que relembrem o evento traumático; (2) evitação
persistente de estímulos, lembranças, locais, pessoas, pensamentos,
sensações e/ou objetos relacionados ao trauma; (3) alterações
negativas persistentes em cognições e no humor relacionados ao
trauma, como crenças negativas a respeito de si mesmo, dos outros e
do mundo, autoculpabilização, sentimentos de distanciamento,
diminuição de interesse em atividades anteriormente prazerosas e
incapacidade de sentir emoções positivas; e (4) alterações em alerta e
reatividade, que pode incluir comportamento irritadiço, surtos de
raiva, hipervigilância, resposta de sobressalto exagerada, dificuldades
de concentração, alterações no sono, comportamento imprudente ou
autodestrutivo. Estes sintomas persistem por pelo menos um mês e
não necessariamente iniciarão imediatamente após a vivência do
trauma. Há registros na literatura que apontam que o indivíduo pode
apresentar este mesmo quadro sintomatológico depois de seis meses
da exposição do trauma, por exemplo. É importante reforçar que o
TEPT acarreta inúmeras mudanças para a vida dos indivíduos, que
acabam constantemente revivendo a situação traumática com
sofrimento e prejuízos significativos nas relações familiares, sociais e
ocupacionais (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
Cada vez mais tem se investigado o TEPT no contexto laboral,
não somente entre aqueles trabalhadores cuja natureza da sua ocupação
envolve a exposição constante a situações traumáticas, mas também
entre aqueles trabalhadores que sofrem alguma violência ou acidente de
trabalho. A literatura aponta que as profissões mais suscetíveis a
desenvolverem este diagnóstico são aquelas que lidam com valores
monetários elevados, às que estão mais expostas a situações perigosas e
à violência urbana e aquelas cujas atividades envolvem diretamente o
atendimento ao público, como as que lidam com vidas humanas,
transporte e segurança (BUODO et al., 2011). O TEPT relacionado ao
contexto laboral pode ser incapacitante, acarretando em diminuição no
nível de satisfação do trabalho, altos índices de absenteísmo,
rotatividade de funcionários, licenças para tratamento de saúde e
aposentadorias precoces (SCHAEFER; LOBO; KRISTENSEN, 2012).
Apesar do TEPT possuir uma etiologia multifatorial, é um dos
únicos transtornos mentais que permite estabelecer uma relação de
causalidade direta com o trabalho, uma vez que, para o seu
diagnóstico, é imprescindível a exposição a um evento estressor
441
traumático que tenha sido vivenciado no trabalho ou em razão deste.
A constatação do TEPT e sua relação com o contexto laboral exige
minuciosidade na investigação de seus sintomas, incluindo a análise
da história pregressa do indivíduo, a presença de comorbidades, o
diagnóstico diferencial entre outros possíveis quadros
psicopatológicos e o nexo causal entre a situação e a sintomatologia
pós-traumática. A partir da avaliação clínica realizada e da
causalidade estabelecida, deverá ser possível mensurar as
consequências da situação traumática vivenciada, incluindo questões
como incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e
projeções futuras em termos de necessidade de tratamentos e
compensação (SCHAEFER; LOBO; KRISTENSEN, 2012).
Entre os trabalhadores que sofreram algum trauma, convém
ressaltar para a importância do acolhimento e do encaminhamento a
tratamento especializado logo após o acontecimento do evento
traumático, a fim de evitar o desencadeamento e a cronificação do
TEPT, uma vez que a falta de apoio social é um fator preditivo para
esse transtorno. A prevenção do TEPT no ambiente de trabalho requer
uma abordagem interdisciplinar e uma melhoria geral das condições
de trabalho, o que inclui uma ação articulada entre os sistemas
assistenciais e de vigilância, de modo que estejam capacitados e
preparados para lidar com esse tipo de acidente, atentando tanto ao
sofrimento psíquico, como aos aspectos sociais e de intervenção nos
contextos organizacionais (GAVIRAGHI et al., 2016).
Referências
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and statistical
manual of mental disorders (DSM-5). 5. ed. Washington, DC: Author, 2014.
BUODO, G. et al. Assessment of cognitive functions in individuals with
post-traumatic symptoms after work-related accidents. Journal of Anxiety
Disorders, v. 25, pp. 64-70, 2011.
GAVIRAGHI, D. et al. Medicalização, uso de substâncias e contexto de
trabalho em bancários do Rio Grande do Sul, Brasil. Revista Psicologia:
Organizações e Trabalho, v.16, n.1, pp. 61-72, jan./mar. 2016.
SCHAEFER, L.; LOBO, B. O. M; KRISTENSEN, C. H. Transtorno de
estresse pós-traumático decorrente de acidente de trabalho: implicações
psicológicas, socioeconômicas e jurídicas. Estudos de Psicologia, v. 17, n. 2,
pp. 329-336, mai./ago. 2012.

TRANSTORNO DEPRESSIVO MAIOR – REPERCUSSÕES


SOBRE A SAÚDE MENTAL DOS TRABALHADORES
Juliana de Almeida Prado
O Transtorno Depressivo Maior (TDM) é um transtorno mental
do humor de origem multifatorial, ou seja, é causado por uma somatória
de fatores (sociais, psicológicos, laborais, de saúde) que, quando
442
combinados, o desencadeiam em pessoas geneticamente vulneráveis. Na
5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
(DSM V) da Associação Psiquiátrica Americana (APA), o TDM está
descrito na seção de Transtornos Depressivos e tem como característica
predominante a presença de humor triste, vazio ou irritável, acompanhado
de alterações neurovegetativas (cansaço, falta de energia, lentificação,
perturbação do sono, apetite, peso, libido) e cognitivas (desatenção,
déficits mnêmicos, distorções do pensamento) que afetam
significativamente a funcionalidade com duração maior que duas
semanas (APA, 2013).
O TDM apresenta alta tendência à recorrência e à cronicidade
(50% de chances de recorrência após o primeiro episódio, 75% após o
segundo e 90% após o terceiro) com elevados índices de sintomas
residuais e alguma limitação mesmo após o episódio agudo (APA, 2013).
Os deficits funcionais associados ao TDM vêm ganhando
cada vez mais destaque na literatura especializada em virtude de sua
elevada prevalência (90% dos depressivos apresentam deficits
funcionais) (FRIED et al., 2014) e pelos impactos sobre o
funcionamento psicossocial e laboral (WHO, 2016).
Dentre os prejuízos funcionais no TDM, os deficits cognitivos
são os mais conhecidos e constam, inclusive, como critérios
diagnósticos pelo DSM V (“diminuição da capacidade de pensar ou se
concentrar e indecisão”) (APA, 2013). É comumente observado
alteração da velocidade de processamento mental, da aprendizagem,
atenção e da memória (KERR, SCOTT & PHILLIP, 2005).
No universo do trabalho, os prejuízos funcionais associados à
depressão repercutem sobre a funcionalidade de diferentes formas
como diminuição da produtividade, aumento da ocorrência de erros e
dos riscos de acidentes, conflitos interpessoais e inabilidade para lidar
com situações adversas (LERNER et al., 2008). De fato, não é difícil
compreender a repercussão de sintomas típicos como cansaço, falta de
energia, perda da qualidade do sono, desatenção, insegurança e
desmotivação sobre a rotina e bem-estar no trabalho: se o trabalhador
se apresenta indeciso, com dificuldades para tomar decisões, lidar com
situações novas ou para acumular diversidade de tarefas, certamente
terá problemas no trabalho, qualquer que seja a sua natureza.
Referências
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical.
Manual of Mental Disdorders, Fifth Edition (DSM V). Arlington, VA, 2013.
FRIED, E.I; NESSE, R.M. The impact of individual depressive symptoms on
impairment of psychosocial functioning. Plos One. 9 (2), 2014.
KEER, N, SCOTT, J & PHILLIPS, M. Patterna of attentional déficits and
emotional bias in bipolar and major depressive disorder. The British Journal
of Clinical Psychology, 44(3), pp. 343-356, 2005.
443
LERNER, D, HENKE, R.M. What does research tell us about depression,
job-performance and work productivity? J Occup Environ Med. 50 (4), pp.
401-410, 2008.
WORLD HEATH ORGANIZATION. Depression and other common
mental disorders: global heath estimates, 2016.

TRANSTORNO MENTAL NÃO ORGÂNICO RELACIONADO


AO TRABALHO
Eduardo Costa Sá
Segundo Camargo (2010) e col, estes transtornos são
desencadeados por conflitos emocionais vinculados às condições e à
organização do trabalho. Assim, se torna importante conhecer os fatores
psicossociais e organizacionais, e como esses influenciam na gênese e no
agravamento dos transtornos mentais relacionados ao trabalho.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho
(ILO, 1986), os fatores psicossociais no trabalho são definidos como
“as interações entre o ambiente de trabalho, a satisfação no trabalho,
as condições de organização e, quanto ao trabalhador, as capacidades,
necessidades, cultura, importâncias pessoais fora do trabalho que
podem, pelas percepções e experiências, influenciar na saúde,
rendimento e satisfação no trabalho”.
Segundo a OIT, os principais estressores psicossociais do
trabalho são:
excesso de atividades, pressão de tempo e trabalho repetitivo;
conflito de papéis entre subordinados e superiores;
falta de apoio social, por parte da chefia, colegas e família;
estressores físicos: produtos químicos, ruído, altas temperaturas e outros;
tecnologia de produção em série e processos de trabalho extremamente
automatizados;
trabalhos em turnos e noturnos (ILO, 1986).
Em 1999, foi proposta uma lista de transtornos mentais
relacionados ao trabalho, e foram reconhecidos pelos Ministérios da
Saúde e da Previdência. Esta lista marca a legitimação destes quadros
em esferas mais operacionais e um avanço da discussão do tema,
embora ainda não contemple toda a complexidade do assunto e das
peculiaridades da abordagem (BRASIL, 2001).
Dentre alguns exemplos destes transtornos estão, com as CID
10: a síndrome de burnout (Z73.0), os transtornos de estresse pós-
traumático (F43.1) e os episódios depressivos (F32).
Burnout, considerada como doença pela Organização Mundial da
Saúde (OMS) a partir de maio de 2019, é uma síndrome caracterizada por
exaustão emocional, despersonalização e autodepreciação. Inicialmente
relacionada a profissões ligadas à prestação de cuidados e assistência a
444
pessoas, especialmente em situações economicamente críticas e de
carência, a denominação vem sendo estendida a outras profissões que
envolvem alto investimento afetivo e pessoal, em que o trabalho tem
como objeto problemas humanos de alta complexidade e determinação
fora do alcance do trabalhador, tais como dor, sofrimento, injustiça,
miséria (SÁ, GOSLING, TORRES, 2019).
Quanto ao estresse pós-traumático, segundo o Manual de
Procedimentos para os Serviços de Saúde do Ministério da Saúde: o
estado de estresse pós-traumático caracteriza-se como uma resposta
tardia e/ou protraída a um evento ou situação estressante (de curta ou
longa duração) de natureza excepcionalmente ameaçadora ou
catastrófica. E, reconhecidamente, causaria extrema angústia em
qualquer pessoa. São exemplos: os desastres naturais ou produzidos
pelo homem, acidentes graves, testemunho de morte violenta ou ser
vítima de tortura, estupro, terrorismo ou qualquer outro crime. O
paciente experimentou, testemunhou ou foi confrontado com um evento
ou eventos que implicaram morte ou ameaça de morte, lesão grave ou
ameaça da integridade física a si ou a outros (BRASIL, 2001).
Já com relação ao episódio depressivo relacionado ao
trabalho, no Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde do
Ministério da Saúde afirma-se que: a tristeza e a alegria são afetos.
Portanto, estão presentes em todos os relacionamentos humanos,
incluindo os relacionamentos no trabalho e com o trabalho. A tristeza
que se sente com as perdas pode caracterizar um estado de luto que é
normal ou pode evoluir para um estado depressivo (melancólico). O
episódio depressivo relacionado ao trabalho caracteriza-se pela perda
do convívio no trabalho: perda do emprego, perda de posição na
hierarquia, frustração de aspirações relacionadas ao trabalho e à
carreira, lembrando que a inserção pelo trabalho é uma dimensão
humana fundamental na nossa sociedade (BRASIL, 2001).
Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Transtornos Mentais e do Comportamento
Relacionados ao Trabalho. In: Dias, E.C. (org). Doenças Relacionadas ao
Trabalho: Manual de procedimentos para os serviços de saúde. Brasília:
Ministério da Saúde, 2001. pp. 161-194.
CAMARGO, D.A., CAETANO, D., GUIMARÃES, L.A.M. Psiquiatria
ocupacional: aspectos conceituais, diagnósticos e periciais dos transtornos mentais e
do comportamento relacionados ao trabalho. São Paulo. Atheneu; 2010. pp. 57-72.
INTERNATIONAL LABOUR ORGANISATION (ILO). Psychosocial
factors at work: recognition and control. Report of the Joint ILO/WHO
Committee on Occupational Health. Ninth Session, Geneva, 18-24 September
1984. Geneva; 1986. (Occupational Safety and Health Series, 56). Disponível
em: http://www.ilo.org/public/libdoc/ilo/1986/86B09_301_engl.pdf. Acesso
em: 03 jul. 2019.
445
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Riesgos emergentes y
nuevos modelos de prevención en un mundo de trabajo en transformación. 2010.
Disponível em: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/---protrav/--
-safework/documents/publication/wcms_124341.pdf. Acesso em: 22 jul. 2019.
SÁ, E.C., GOSLING, F.J., TORRES, R.A.T. Saúde mental e trabalho: transtornos
mentais relacionados ao trabalho. In: Sociedade Brasileira de Clínica Médica;
Lopes, A.C, Cipullo J.P, Kubiak, C.A.P, (org). PROCLIM Programa de
Atualização em Clínica Médica: Ciclo 16. Porto Alegre: Artmed Panamericana;
2019. pp. 131-51. (Sistema de Educação Continuada a Distância; v.2).

TRANSTORNO MENTAL ORGÂNICO RELACIONADO AO


TRABALHO
Eduardo Costa Sá
Esses transtornos podem se apresentar de forma aguda ou
crônica, e podem ter origem em excessos, como por exemplo, o uso de
bebidas alcoólicas ou por exposição a agentes químicos neurotóxicos.
Para Camargo e col. (2010), alguns exemplos, com suas
respectivas CID 10, são: exposição ao manganês e sulfeto de carbono,
com manifestações clínicas características de demência (F02.8); ou
intoxicação por brometo de metila e quadro sugestivo de delirium
(F05.0); ou ainda, transtornos de personalidade e de comportamento
decorrentes de lesão e disfunção cerebral (F07) após exposição
excessiva a tolueno e outros solventes aromáticos neurotóxicos, além
de tricloroetileno, tetracloroetileno e outros solventes halogenados. Os
autores citam ainda, o alcoolismo crônico (relacionado com o
trabalho) (F10.2) com os problemas que envolvem o emprego e/ou o
desemprego: condições difíceis de trabalho; e circunstâncias relativas
às condições de trabalho.
Segundo Glina & Rocha (2010), para a Organização Mundial
da Saúde (OMS), existem mais de cem mil substâncias químicas que
são potencialmente causadores de doenças profissionais. Sabe-se que
850 substâncias químicas presentes no ambiente de trabalho são
potencialmente neurotóxicas. Os riscos podem variar a partir da
atividade/função desempenhada pelo trabalhador e a neurotoxina
específica, e ainda: o sexo, a idade, a carga horária da jornada de
trabalho, além da suscetibilidade individual de cada um.
Para se estabelecer o nexo ocupacional deve-se levar em
consideração, em relação à exposição: a sua natureza (aguda ou
crônica), a sua intensidade (com ou sem contato físico e exposição
direta ou indireta), a sua duração (se existirem ou não “picos” durante
a jornada de trabalho), a sua frequência; e ainda o tipo de absorção
(inalação, dérmica, gastrointestinal ou algumas associadas).

446
Os sintomas podem se apresentar de forma isolada ou
associada, do tipo: comportamentais, cognitivos e ainda afetivos,
relacionados primariamente a lesões estruturais ou à exposição
química (GLINA; ROCHA, 2010). E, quanto à classificação do nexo
ocupacional, na sua maioria, devem ser categorizados como do Grupo
1 da Classificação de Schilling.
Sá e col. (2019) citam que, atualmente, entre os principais
produtos neurotóxicos que podem ocasionar estes transtornos estão:
- metais pesados (mercúrio, manganês e chumbo);
- sulfeto de carbono;
- hidrocarbonetos alifáticos ou aromáticos e seus derivados halogenados
tóxicos;
- tolueno e outros solventes aromáticos neurotóxicos;
- brometo de metila;
- substâncias asfixiantes (monóxido de carbono e sulfeto de hidrogênio).

Se o paciente for companheiro (a) ou familiar de um


trabalhador exposto a um dos agentes descritos anteriormente, deve-se
avaliar a possibilidade de exposição indireta.
As “neurointoxicações”, assim chamadas de forma genérica,
foram inseridas na lista de Doenças Profissionais Relacionadas ao
Trabalho, através do Decreto nº 3.048/99, do Ministério da Previdência e
Assistência Social, publicado no Diário Oficial da União, em 07 de maio
de 1999 no capítulo “Transtornos Mentais e do Comportamento
Relacionados ao Trabalho”, associados à Classificação Internacional das
Doenças (CID), edição nº 10 (BRASIL, 2001).
Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Transtornos Mentais e do Comportamento
Relacionados ao Trabalho. In: Dias, E.C, organizadora. Doenças
Relacionadas ao Trabalho: Manual de procedimentos para os serviços de
saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. pp. 161-194.
CAMARGO, D. A., CAETANO, D., GUIMARÃES, L.A.M. Psiquiatria
ocupacional: aspectos conceituais, diagnósticos e periciais dos transtornos
mentais e do comportamento relacionados ao trabalho. São Paulo. Atheneu;
2010. pp. 41-55.
GLINA, D. M. R & ROCHA, L.E, (org). Saúde mental no trabalho: da
teoria à prática. São Paulo: Rocca, 2010. p. 85, 416-26.
SÁ, E. C., GOSLING, F.J., TORRES, R.A.T. Saúde mental e trabalho:
transtornos mentais relacionados ao trabalho. In: Sociedade Brasileira de
Clínica Médica; Lopes, A. C, Cipullo, J. P; Kubiak, C.A.P, (org). PROCLIM
Programa de Atualização em Clínica Médica: Ciclo 16. Porto Alegre: Artmed
Panamericana; 2019. pp. 131-51. (Sistema de Educação Continuada a
Distância; v. 2).

447
TRANSTORNOS ANSIOSOS (TA)
Ana Carolina Esteca
Definição: Grupo de transtornos mentais caracterizados por medo e
ansiedade excessivos ou persistentes e consequentes alterações do
comportamento (APA, 2014; WHO, 2018), com gravidade suficiente
para gerar angústia ou prejuízo significativo (WHO, 2018). Segundo
Sadock e Sadock (2007), a ansiedade é uma resposta insidiosa a uma
ameaça percebida antecipadamente, desconhecida, interna e
conflituosa; e o medo é uma resposta súbita a uma ameaça iminente,
conhecida, externa, definida e sem conflitos. Geralmente o medo é
acompanhado de excitabilidade autonômica aumentada, com cefaleia,
sudorese, taquicardia, aperto no peito, desconforto epigástrico e
inquietação (APA, 2014). O comportamento nestes transtornos pode
ser de cautela excessiva ou esquiva, inquietação e vigilância. Outras
alterações comuns são apreensão, vergonha, irritabilidade, tensão
muscular, diminuição da atenção e concentração, alterações do sono e
hipervalorização dos riscos. Segundo a CID-11, os TA são compostos
pelos seguintes transtornos: Transtorno de ansiedade generalizada,
Transtorno de pânico, Agorafobia, Fobia específica, Transtorno de
ansiedade social, Transtorno de ansiedade de separação, Mutismo
seletivo, Outros transtornos de ansiedade ou relacionados ao medo,
especificados e Transtornos de ansiedade ou relacionados ao medo,
não especificados. A diferenciação entre estes transtornos se dá pelas
diversas situações ou estímulos que desencadeiam o medo, a
ansiedade e o comportamento de esquiva, e pelo conteúdo de
pensamentos ou crenças associados. E tais alterações não devem ser
decorrentes de outros transtornos mentais, uso de sustâncias
psicoativas ou patologias clínicas, nem serem melhor explicadas por
determinado contexto cultural (APA, 2014; SADOCK, B. J.;
SADOCK, V. A., 2007; WHO, 2018).
Correlações no contexto laboral: Os TA podem causar problemas de
relacionamento no ambiente de trabalho, visto que o indivíduo portador
do TA costuma apresentar inquietação, irritabilidade, discurso aumentado
e com pressão de fala (interrompendo a fala dos outros) e dificuldade em
lidar com imprevistos ou adversidades. Apesar disso geralmente os TA
não trazem incapacidade laboral. Nos quadros mais graves, a capacidade
laboral muitas vezes está comprometida, e em geral afastamentos curtos
são suficientes. Entretanto quando estes casos são crônicos, podem
necessitar de afastamentos recorrentes ou longos (ASSUNÇÃO, 2016). A
análise da capacidade laboral precisa ser individualizada, já que esta
depende da função exercida e do ambiente de trabalho, além do
transtorno em si (TABORDA et al., 2012).

448
Referências
APA - AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Transtornos de
Ansiedade. In: APA. DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de
transtornos mentais. 5. Ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. pp. 189-234.
ASSUNÇÃO, M. C. Transtornos de Ansiedade. In: BARBOSA, W. F.;
SCHMIDT, M. L. G.; BERTOLOTE, J. M. et al. Perícia Médica Administrativa:
aspectos conceituais, técnicos e éticos. São Paulo: LTr, 2016. Cap. 16, pp. 193-197.
SADOCK, B. J.; SADOCK, V. A. Transtornos de Ansiedade. In: SADOCK, B. J.;
SADOCK, V. A. Compêndio de psiquiatria: ciência do comportamento e psiquiatria
clínica. 9ª Ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. Cap. 16, pp. 630-685.
TABORDA, J. G. V. et al. Perícias psiquiátricas previdenciárias e administrativas. In:
Psquiatria forense. 2. Ed. Porto Alegre: Artmed, 2012. Cap. 15, pp. 293-316.
WHO – WORLD HEALTH ORGANIZATION. Mental, behavioural or
nerodevelopmental disordes. In: WHO. International Classification of
Diseases for Mortality and Morbidity Statistics Eleventh Revision ICD-11.
Geneva: WHO, 2018. pp. 1-233. Disponível em: https://icd.who.int/browse11/l-
m/en#/http%3a%2f%2fid.who.int%2ficd%2fentity%2f1336943699. Acesso em:
29 abr.2019.

TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE
Fabiana Travaglini de Abreu Silva
A Classificação de transtornos mentais e de comportamento,
em sua décima revisão (CID-10), define o termo transtorno específico
de personalidade como uma perturbação grave da constituição
caracterológica e das tendências comportamentais do indivíduo, não
diretamente imputável a uma doença, lesão ou outra afecção cerebral
ou a outro transtorno psiquiátrico e que geralmente envolve várias
áreas da personalidade, sendo quase sempre associado a considerável
ruptura pessoal e social (CID-10, 1993). São caracterizados por
padrões de comportamento arraigados e permanentes, manifestando-se
como respostas inflexíveis a uma série de situações pessoais e sociais
(CAMARGO et al., 2010). É importante considerar o caráter
processual do desenvolvimento da personalidade, sendo esta fruto de
um somatório entre características biológica ou geneticamente
determinadas e a interação do indivíduo com o meio ambiente
(ABDALLA-FILHO, 2012, p. 433).
Abaixo seguem os principais transtornos de personalidade
classificados na CID-10 (1993) e seus respectivos critérios
diagnósticos, sendo para cada um deles, requerida a presença de ao
menos três dos traços ou comportamentos.

F60.0 Transtorno de Personalidade Paranóide


(a) Sensibilidade excessiva a contratempos e rejeições;

449
(b) Tendência a guardar rancores persistentemente, isto é, recusa a perdoar
insultos e injúrias ou desfeitas;
(c) Desconfiança e uma tendência invasiva a distorcer experiências por
interpretar erroneamente as ações neutras ou amistosas de outros como hostis
e desdenhosas;
(d) Um combativo e obstinado senso de direitos pessoais em desacordo com
a situação real; suspeitas recorrentes, sem justificativa, com respeito à
fidelidade sexual do cônjuge ou parceiro sexual;
(e) Tendência a experimentar autovalorização excessiva, manifesta em uma
atitude persistente de auto-referência;
(f) Preocupação com explicações “conspiratórias”, não substanciadas, de
eventos ocorrendo próximos ao paciente assim como no mundo.

F60.1 Transtorno de Personalidade Esquizoide


(a) Poucas (se algumas) atividades produzem prazer;
(b) Frieza emocional, afetividade distanciada ou embotada;
(c) Capacidade limitada para expressar sentimentos calorosos, ternos ou raiva
para com os outros;
(d) Indiferença aparente a elogios ou críticas;
(e) Pouco interesse em ter experiências sexuais com outra pessoa (levando-se
em conta a idade); preferência quase invariável por atividades solitárias;
(f) Preocupação excessiva com fantasias e introspecção;
(g) Falta de amigos íntimos ou de relacionamentos confidentes (ou ter apenas
um) e de desejo de tais relacionamentos;
(h) Insensibilidade marcante para com normas e convenções sociais predominantes.
F60.2 Transtorno de Personalidade Antissocial
(a) Indiferença insensível pelos sentimentos alheios;
(b) Atitude flagrante e persistente de irresponsabilidade e desrespeito por
normas, regras e obrigações sociais;
(c) Incapacidade de manter relacionamentos, embora não haja dificuldade em
estabelecê-los;
(d) Muito baixa tolerância a frustação e um baixo limiar para descarga de
agressão, incluindo violência;
(e) Incapacidade de experimentar culpa e de aprender com a experiência,
particularmente punição;
(f) Propensão marcante para culpar os outros ou para oferecer racionalizações
plausíveis para o comportamento que levou o paciente a conflito com a sociedade.
F60.3 Transtorno de Personalidade Emocionalmente Instável
F60.30 Tipo impulsivo: as características predominantes são instabilidade
emocional e falta de controle de impulsos. Acessos de violência ou comportamento
ameaçador são comuns, particularmente em resposta a crítica de outros.
F60.31 Tipo borderline (limítrofe): várias das características de instabilidade
emocional estão presentes; em adição, a autoimagem, objetivos e referências
internas (incluindo a sexual) do paciente são com frequência pouco claras ou
perturbadas. Há em geral sentimentos crônicos de vazio. Uma propensão a se
envolver em relacionamentos intensos e instáveis pode causar repetidas crises
emocionais e pode estar associada com esforços excessivos para evitar abandono
450
e uma série de ameaças de suicídio ou atos de autolesão (embora estes possam
ocorrer sem precipitantes óbvios).
F60.4 Transtorno de Personalidade Histriônica
(a) Autodramatização, teatralidade, expressão exagerada de emoções;
(b) Sugestionabilidade, facilmente influenciada por outros ou por circunstâncias;
(c) Afetividade superficial e lábil;
(d) Busca contínua de excitação, apreciação por outros e atividades nas quais
o paciente seja o centro das atenções;
(e) Sedução inapropriada em aparência ou comportamento;
(f) Preocupação excessiva com atratividade física.
F60.5 Transtorno de Personalidade Anancástica
(a) Sentimentos de dúvida e de cautela excessivas;
(b) Preocupação com detalhes, regras, listas, ordem, organização ou esquema;
(c) Perfeccionismo que interfere com a conclusão de tarefas;
(d) Consciencioso em excesso, escrupulosidade e preocupação indevida com
produtividade, com exclusão do prazer e das relações interpessoais;
(e) Pedantismo e aderência excessivos em relação às convenções sociais;
(f) Rigidez e teimosia;
(g) Insistência não razoável por parte do paciente para que os outros se submetam
exatamente à sua maneira de fazer as coisas ou relutância não razoável em
permitir que os outros façam as coisas;
(h) Intrusão de pensamento ou impulsos insistentes e inoportunos.

F60.6 Transtorno de Personalidade Ansiosa (de Evitação)


(a) Sentimentos persistentes e invasivos e tensão e apreensão;
(b) Crença de ser socialmente inepto, pessoalmente desinteressante ou
inferior aos outros;
(c) Preocupação excessiva em ser criticado ou rejeitado em situações sociais;
(d) Relutância em se envolver com pessoas, a não ser com a certeza de ser
apreciado;
(e) Restrições no estilo de vida devido à necessidade de segurança física;
(f) Evitação de atividades sociais e ocupacionais que envolvam contato
interpessoal significativo por medo de críticas, desaprovação ou rejeição.

F60.7 Transtorno de Personalidade Dependente


(a) Encorajar ou permitir a outros tomarem a maioria das importantes
decisões da vida do indivíduo;
(b) Subordinação de suas próprias necessidades àquelas dos outros dos quais
é dependente e aquiesciência aos desejos desses;
(c) Relutância em fazer exigências ainda que razoáveis às pessoas das quais depende;
(d) Sentir-se inconfortável ou desamparado quando sozinho por causa dos
medos exagerados de incapacidade de se autocuidar;
(e) Preocupações com medos de ser abandonado por uma pessoa com a qual
tem um relacionamento íntimo e de ser deixado para cuidar de si próprio;
(f) Capacidade limitada de tomar decisões cotidianas sem um excesso de
conselhos e reasseguramento pelos outros;

451
(g) Aspectos associados podem incluir perceber-se como desamparado,
incompetente e com falta de vigor.

O tratamento destes transtornos consiste basicamente na


abordagem psicoterapêutica, uma vez que as medicações podem
apenas controlar ou reduzir algumas de suas manifestações ou
sintomas. Seu prognóstico é bastante variável, pois é possível a
coexistência de mais de um tipo de transtorno de personalidade, bem
como de comorbidades com outros transtornos psiquiátricos,
principalmente os transtornos de humor e a dependência química. No
geral, é considerado pouco favorável em função de suas caraterísticas
inflexíveis e da dificuldade dos indivíduos de se autoperceberem e
consequentemente do desinteresse pelo tratamento.
Como os portadores destes transtornos tendem a reagir aos
fatores estressores de forma disfuncional, atribuindo ao meio ambiente
os motivos para seu comportamento, tentando modificá-lo e não a si
mesmos, é comum que haja problemas no local de trabalho, sejam nos
relacionamentos com colegas e/ou chefes, sejam em relação ao seu
desempenho (SILVA e BERTOLOTE, 2016).
Estes mesmos autores citam Morana (2005), que afirma em
seu Protocolo de avaliações psiquiátricas em perícia administrativa
que, em condições muito específicas, no que se refere a avaliações
periciais ocupacionais, um indivíduo com transtorno de personalidade
pode ser encaminhado para aposentadoria, pois há casos em que este é
o único recurso possível, uma vez que se trata de condição permanente
e refratária ao tratamento. São as únicas condições em que se
considera o prejuízo ao meio e não apenas ao próprio indivíduo.
Vale mencionar que os quatro primeiros tipos de
personalidade descritos anteriormente, por suas características
irrascíveis, em geral, têm grande dificuldade no estabelecimento de
vínculos familiares e sociais, razão pela qual a sua ocorrência no
ambiente ocupacional não é frequente (CAMARGO et al., 2010).
Referências
ABDALLA-FILHO E. Transtornos de Personalidade. In: TABORDA, J.
G.V.; ABDALLA-FILHO E.; CHALUB, M. Psiquiatria Forense, 2 ed.
Porto Alegre: Artmed, 2012, pp. 430-449.
CAMARGO, D. A. Psiquiatria Ocupacional: Interface com a Psiquiatria
Geral. In: CAMARGO, D.A. et al. Psiquiatria Ocupacional. São Paulo:
Atheneu, 2010. pp. 23-31.
MORANA, H.C.P. Protocolo de avaliações periciais psiquiátricas em
perícia administrativa. Arq. Bras. Psiquiatr. Neurol. Med. Legal, vol 99,
n.3, pp. 43-54, 2005.

452
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação de transtornos
mentais e de comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes
diagnósticas. Porto Alegre: Artmed, 1993.
SILVA, F. T. A. e BERTOLOTE, J. M. Diagnóstico Nosográfico e Diagnóstico
Funcional. In: BARBOSA, W. F.; SCHMIDT, M. L. G.; BERTOLOTE, J. M.
Perícia Médica Administrativa: aspectos conceituais, técnicos e éticos. São
Paulo: LTr, 2016

TRANSTORNOS DO CICLO VIGÍLIA-SONO


RELACIONADOS AO TRABALHO
Elaine Cristina Marqueze; Frida Marina Fischer
Os transtornos do ciclo vigília-sono relacionados ao trabalho,
de acordo com a terceira Classificação Internacional dos Transtornos
do Sono (ICSD-3), (AMERICAN ACADEMY OF SLEEP
MEDICINE, 2014) estão inseridos na classificação dos transtornos do
ritmo circadiano de sono-vigília. Esses ocorrem em decorrência do
desalinhamento entre o sono biológico e o período social de 24 horas,
levando a alterações dos sistemas de temporização internos. Os outros
transtornos do ritmo circadiano de sono-vigília são: 1. Tipo atraso de
fase do sono, 2. Tipo avanço de fase do sono, 3. Tipo sono-vigília
irregular, 4. Tipo sono-vigília não de 24 horas, 5. Jet lag, 6.
Transtorno do ritmo circadiano de sono-vigília não especificado.
O homo sapiens, por ser uma espécie diurna, tem o seu período
principal do sono na fase escura, enquanto que as atividades são
desenvolvidas na fase clara do ciclo claro/escuro, em que a informação
luminosa exerce um papel central na sincronização dos ritmos
biológicos. No momento que as pessoas alteram seus tempos de sono e
vigília, como ocorre entre os trabalhadores em turnos e noturnos, são
identificados transtornos dos ritmos circadianos do sono que precisam
ser tratados. As principais queixas desses transtornos são a insônia e a
sonolência excessiva, tornando-se fatores de risco à saúde mental
(estresse, depressão), dificuldade de concentração, irritabilidade e
ansiedade, acarretando prejuízos sociais, laborais, físicos, entre outros
(MORENO et al., 2019). Na esfera social, é comum o distanciamento
dos familiares e amigos, impactando negativamente nas relações
interpessoais. No âmbito laboral, pode aumentar os custos às
organizações, pois trabalhadores sonolentos não conseguirão manter a
atenção necessária durante a jornada de trabalho, e sentir-se-ão
indispostos. Estas alterações poderão eventualmente levar ao aumento
da fadiga, de incidentes e acidentes do trabalho, e a um maior
absenteísmo (WONG, POPKIN, FOLKARD, 2019).
Algumas possíveis intervenções podem ser realizadas para
minimizar os transtornos do ciclo vigília-sono relacionados à exposição

453
ao trabalho em turnos e noturno. Dentre elas podemos destacar a
permissão de cochilos durante o horário de trabalho; a exposição à luz
mais intensa no trabalho noturno durante a primeira metade da jornada
de trabalho, visando aumentar o alerta; o acompanhamento de saúde por
profissionais de serviço ocupacional; a oferta de alimentação
equilibrada tanto para a saúde dos trabalhadores como para minimizar a
sonolência durante o trabalho; e ações educativas para a higiene do
sono, estabelecendo uma rotina para o sono, Dentre estas ações podem
ser citadas as seguintes: manter regularidade dos horários de dormir e
acordar quando isto for possível; evitar assistir televisão, ficar no
telefone celular, trabalhar ou ter leituras excitatórias na hora de dormir;
não se expor à luz intensa antes de dormir, evitar consumo de alimentos
que tenham difícil digestão; não tomar bebidas estimulantes pelo menos
quatro horas antes do horário de dormir; ter um ambiente agradável e
facilitador para o repouso – dormir em local com adequado conforto
térmico e acústico; e realizar atividades físicas regularmente, embora
devam ser evitadas as atividades vigorosas próximas ao horário de
dormir (REDEKER, et al., 2019).
Referências
AMERICAN ACADEMY OF SLEEP MEDICINE. The International
classification of sleep disorders, 3rd Ed (ICSD-3). Darien (IL); 2014.
MORENO, C.R.C.; MARQUEZE, E.C.; SARGENT, C.; WRIGHT, K. P. JR.;
FERGUSON, S.A.; TUCKER P. Working Time Society consensus statements:
Evidence-based effects of shift work on physical and mental health. Ind Health.
Apr 1; 57(2):139-157, 2019. doi: 10.2486/indhealth.SW-1.
REDEKER, N. S.; CARUSO, C. C.; HASHMI, S. D.; MULLINGTON, J.
M.; GRANDNER M.; MORGENTHALER, T. I. Workplace Interventions to
Promote Sleep Health and an Alert, Healthy Workforce. J
Clin Sleep Med. Apr 15;15(4): 649-657, 2019. doi: 10.5664/jcsm.7734.
WONG, I.S.; POPKIN, S.; FOLKARD, S. Working Time Society consensus
statements: A multi-level approach to managing occupational sleep-related
fatigue. Ind Health. Apr 1; 57(2):228-244, 2019. doi: 10.2486/indhealth.SW-6.

TRANSTORNOS PSICÓTICOS (TP)


Ana Carolina Esteca
Conjunto de transtornos mentais caracterizados por perda do
discernimento entre a realidade e a fantasia, que geralmente tem a
presença de delírios, alucinações, pensamento desorganizado,
embotamento ou achatamento afetivo, alterações psicomotoras como a
passividade e a agitação, e diminuição (hipobulia) ou ausência da
vontade (abulia), com prejuízo das atividades (pragmatismo). Tais
alterações não devem ser decorrentes de outros transtornos mentais,
uso de sustâncias psicoativas ou patologias clínicas, nem serem
melhor explicadas por determinado contexto cultural (APA, 2014;
454
SADOCK, B. J.; SADOCK, V. A., 2007; WHO, 2018). Segundo a
CID-11 (2018), os seguintes transtornos compõe os TP: Esquizofrenia,
Transtornos esquizoafetivos, Transtorno esquizotípico, Transtornos
psicóticos agudos e transitórios, Transtornos delirantes, Manifestações
sintomáticas do transtorno psicótico primário, Outra esquizofrenia
especificada ou outro transtorno psicótico primário, Esquizofrenia ou
outro transtorno psicótico primário inespecífico.
Correlações no contexto laboral: Os TP comprometem a capacidade
laboral do indivíduo dependendo do estado em que a doença se
encontra. Os TP costumam gerar incapacidade para o trabalho quando
o indivíduo está em surto psicótico (fase aguda) ou em estados
avançados de doença. Nos surtos psicóticos o indivíduo geralmente
apresenta alucinações e delírios, e necessita de pelo menos poucos
meses de afastamento do trabalho para se recuperar com o tratamento
adequado. E em estados avançados da doença o indivíduo está com o
afeto embotado (então não se importa com as repercussões de não
trabalhar), o pensamento desorganizado ou empobrecido (por isso com
pouca clareza de suas vivências), e a volição reduzida ou abolida (o
que gera falta de iniciativa ou apatia completa), de forma irreversível.
Assim não consegue trabalhar ou recuperar a sua capacidade para tal.
Antes disso, o indivíduo pode passar por situação intermediária, na
qual a capacidade laboral está reduzida, mas mantém condições de
exercer trabalhos simples. Nestes casos a readaptação é possível.
Outra situação ocorre quando os delírios são antigos (encapsulados) e
circunscritos a determinado aspecto da vida, sem relação com o
trabalho ou o seu acesso, e sem outras alterações. Nestes casos
capacidade laboral geralmente está preservada (ESTECA, 2016).
Referências
APA - AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Espectro da
esquizofrenia e Outros Transtornos Psicóticos. In: APA. DSM-5: Manual
diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5. Ed. Porto Alegre:
Artmed, 2014. pp. 87-122.
ESTECA, A. C. Transtornos Psicóticos. In: BARBOSA, W. F.; SCHMIDT, M.
L. G.; BERTOLOTE, J. M. et al. Perícia Médica Administrativa: aspectos
conceituais, técnicos e éticos. São Paulo: LTr, 2016. Cap. 19, pp. 209-215.
SADOCK, B. J.; SADOCK, V. A. Esquizofrenia. In: SADOCK, B. J.;
SADOCK, V. A. Compêndio de psiquiatria: ciência do comportamento e
psiquiatria clínica. 9ª Ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. Cap. 13, pp. 507-541.
WHO – WORLD HEALTH ORGANIZATION. Mental, behavioural or
nerodevelopmental disordes. In: WHO. International Classification of Diseases
for Mortality and Morbidity Statistics Eleventh Revision ICD-11. Geneva:
WHO, 2018. Chap. 6, p. 1-233. Disponível em: https://icd.who.int/browse11/l-
m/en#/http%3a%2f%2fid.who.int%2ficd%2fentity%2f1336943699 . Acesso em:
28 abr. 2019.

455
UTILIDADE NO TRABALHO
Leandro A. Todesqui Tavares
Trata-se experiências psicológicas em torno das qualidades do
sentir e das representações psíquicas que constituem possíveis
sensações transitórias e/ou sentimentos mais duradouros e
permanentes de utilidade, sentir-se útil, perceber-se útil, importante e
valorizado, a partir das trocas relacionais (laços sociais) estabelecidas
nos grupos, sociedades, instituições, na cultura de forma geral, e, em
especial, no contexto e/ou situações de trabalho.
O trabalho, como se sabe, constitui toda a existência e
experiências subjetivas humanas desde os primórdios das grupalidades e
civilizações: dos grupos primitivos em seus afazeres necessários à
sobrevivência (proteção diante dos perigos da natureza) até, por fim, o
trabalho como regulação de trocas sociais, necessário em termos de
acesso a bens materiais, condições mínimas de sobrevivência,
também, como possibilidade de emancipação e ascensão social e,
esteio e território para realizações e satisfações pessoais. Nesta
perspectiva, salienta-se que nos processos de evoluções das
sociedades e, em especial na contemporaneidade, os fazeres laborais
adquirem outras necessidades especiais que vão muito além da mera
troca mercantil, da garantia de subsistência e/ou acúmulo de capital e
bens, apresentam-se como meios privilegiados para a constituição de
identidades pessoais, profissionais e sociais, denotando importantes
aspectos de identificações psicológicas e, por sua vez, das
possibilidades de sentidos existenciais e subjetivos construídos por
meio da vida no trabalho. Circunscreve-se, portanto, o trabalho como
possibilidade de construções subjetivas importantes figurando como
produtor de modos de subjetivação que tenderão a constituir formas de
desenvolvimento de bem-estar (saúde mental) individuais e/ou
organizacionais, ou “mal-estar” (sofrimentos).
Nas sociedades contemporâneas o trabalho apresenta-se como
modo privilegiado de condição de possibilidade para uma existência
mais plena dos sujeitos, figurando-se como um fator importante de
equilíbrio psíquico, vez que os indivíduos sem trabalho, ou que não
encontram sentidos e identificação de interesses, ou ainda, em
determinadas condições em que o trabalho não gera reconhecimentos,
constitui-se, na grande parte das vezes, uma condição de “mal-estar”
psíquico podendo resultar em estados depressivos e/ou melancólicos,
entre outras formas de esgotamento e adoecimentos psíquicos aos
trabalhadores (ENRIQUEZ, 2001).
Considera-se, portanto, que a sensação e os sentimentos de
utilidade no trabalho são multideterminados, estando na dependência de

456
uma confluência de fatores, tais como: o trabalho como meio digno de
sobrevivência; possibilidades de inclusão e emancipação social por meio
do trabalho; a realização de independência financeira e pessoal; a
utilidade social e o reconhecimento social do trabalho; possibilidades de
experimentar e aprimorar capacidades e potências (individuais e
coletivas); a construção dos laços sociais no trabalho (vínculos, amizades)
e suas qualidades; a formação de uma identidade social; a possibilidade
de construção de projetos pessoais e profissionais (projetar futuros);
realização e autoestima no trabalho; possibilidades de prazer na
produção/realização das atividades laborais; sentimentos de aceitação e
pertencimento; existência de desafios no trabalho como fontes de
estímulo e motivação.
No mundo organizado do trabalho produz-se nos indivíduos a
obrigação de adaptação a normas, metas e objetivos impostos pelos
ritmos de produtividade, de modo que os fazeres laborais implicam
em um engajamento psicológico profundo dos indivíduos,
mobilizando processos de pensamento, reflexões, capacidades de
interpretação da realidade e condições de reagir frente às variadas
situações, denotando possibilidades de sentir, criar e inventar, a partir
das atividades laborais cotidianas (DEJOURS, 2012). Da mesma
forma, o trabalho constitui-se essencialmente enquanto espaço de
relações, trocas relacionais entre funcionários, trabalhadores e a
hierarquia organizacional, a própria sociedade, promovendo a
possibilidade de construção de laços sociais que se dão
especificamente a partir das realidades e situações de trabalho.
Consideramos, neste sentido, que o trabalho caracteriza-se, então,
como produção social fruto das próprias relações de trabalho
engendradas, bem como, figura como produtor de novas
possibilidades de laços sociais, evidenciando, assim, condições de
reconhecimento social no/do trabalho, e da mesma forma, entre os
pares (os próprios trabalhadores) e a hierarquia, possibilitando a
construção de sentidos psicológicos importantes no que diz respeito às
representações psíquicas relacionadas ao próprio trabalho; em suma,
possibilidades de tornar-se visível, notado afetivamente e socialmente
em virtude dos reconhecimentos profissionais.
Note-se, portanto, que as sensações e sentimentos referentes
às possibilidades de sentir-se útil e importante no trabalho, dependem
diretamente das condições do próprio trabalho enquanto um campo
que possibilite a construção de sentidos positivos acerca do mesmo, a
partir dos vários fatores e características mencionados. Numa
perspectiva mais metapsicológica, tomando o trabalho em suas
dimensões inconscientes, destacamos que as organizações,
instituições, empresas, empregador, etc., ao encarnar o Outro das
457
situações laborais (dimensão inconsciente do trabalho) devem se
constituir não só como uma das vozes e facetas do superego
(exigências por metas, produções, obrigações, objetivos, etc.), ou seja,
das demandas por vários ideais do eu a serem atingidos, como
também, e principalmente, construírem-se como uma estrutura de
organização e de relações em que possam figurar como Outro fraterno.
As possibilidades de sentir-se útil no trabalho estão, portanto,
diretamente atreladas às condições favoráveis de identificação, prazer
e satisfação nos seus fazeres e execuções laborais, e,
fundamentalmente, nas condições de reconhecimento do(s) outro(s).
Enquanto o Outro dos trabalhadores, as organizações (mundo do
trabalho) devem figurar como campo concreto e simbólico de forma a
não assujeitar e anular os trabalhadores; se faz, portanto, sempre
necessária a construção de ambientes e condições concretas, afetivas e
simbólicas de trabalho como forma de produzir a possiblidade de
advento do sujeito-trabalhador, expressão de sua subjetividade e
construção de sentidos próprios e coletivizados, como condições
essenciais para o desfrute de prazer, reconhecimento e utilidade no
trabalho e com o trabalho.
Referências
DEJOURS, C. Trabalho Vivo: Trabalho e Emancipação. Rio de Janeiro:
Fiocruz, 2012.
ENRIQUEZ, E. Instituições, Poder e Desconhecimento. In: ARAÚJO, J. N.
G.; CARRETEIRO, T. Cenários Sociais e Abordagem Clínica. São Paulo:
Escuta; Belo Horizonte: Fumec, 2001.
FREUD, S. (1921) “Psicologia de Grupo e a Análise do Ego”. In: FREUD, S.
Obras Psicológicas Completas: Além do Princípio do Prazer, Psicologia
de Grupo e Outros Trabalhos. Tradução de Jayme Salomão. Rio de
Janeiro: Imago, 1996. v. 18. pp. 77-154.
KAUFMANN, P. (Ed.) Dicionário Enciclopédico de Psicanálise: o Legado
de Freud e Lacan. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.
LACAN, J. (1958 [1957]). O Seminário, Livro 5: As Formações do
Inconsciente. Tradução de Vera Ribeiro, Marcus André Vieira. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

VIGILÂNCIA EM SAÚDE MENTAL DO TRABALHADOR


Luís Henrique da Costa Leão
A vigilância em saúde do trabalhador (VISAT) é uma ação
contínua e sistemática no sentido de conhecer e intervir nos determinantes
e condicionantes dos agravos à saúde relacionados aos processos de
trabalho, a fim de eliminá-los ou controlá-los (BRASIL, 1998). É parte de
um amplo leque de ações ligadas ao sistema de vigilância em saúde e visa
proporcionar melhorias nas condições de saúde dos trabalhadores.

458
A vigilância em saúde mental (SM) dos trabalhadores se refere à
integração da SM em todas as etapas de planejamento, preparação,
realização e avaliação da VISAT. Não é uma vigilância à parte, nova e
isolada, mas uma qualificação dos saberes e práticas da VISAT que
incorpora as especificidades dos aspectos e dimensões “mentais” como
objeto de intervenção.
É uma perspectiva de defesa da SM dos trabalhadores e seu
objetivo é a redução dos sofrimentos, estresse, riscos psicossociais,
desgastes, violências psicológicas, suicídios, assédios, agravos e transtornos
do mentais e do comportamento (TMC) relacionados ao trabalho.
O foco das ações é o processo de trabalho, as relações e
condições do sistema laboral e seus componentes técnicos, socioculturais,
tecnológicos, ambientais, ergonômicos e organizacionais.
Tem como pressuposto que o processo saúde-doença é uma
produção social e, por isso, busca detectar e intervir nos fatores,
aspectos, contextos, riscos, perigos e situações críticas nocivas à saúde
mental produzidas no processo de trabalho.
Considerando que o sofrimento e adoecimento mental
expressa as formas de exploração da classe trabalhadora, a vigilância
tem a responsabilidade de compreender, controlar e transformar
quaisquer elementos com potencial para ferir a integridade e
dignidade dos trabalhadores, em qualquer setor e tipo de trabalho
(urbano/rural, formal/informal, indústria/serviços, etc.).
Cabe à vigilância analisar, monitorar e controlar as fontes das
queixas e demandas, assédios, violências, uso abusivo de álcool e
drogas, insatisfações, mal-estar e sofrimentos, casos de suicídios,
psicopatologias e TMC relacionados ao trabalho; e gerar informações
necessárias e modalidades de intervenção possíveis para transformar
as situações impulsionadoras.
A VISAT-SM pode ser assim considerada um conjunto de
ações que incidem sobre os contextos geradores de múltiplas
manifestações de sofrimento dos trabalhadores. Ela é pesquisa-ação
contínua que se organiza em diferentes níveis de complexidade para
reduzir a morbi-mortalidade da população trabalhadora e induzir
mudanças nos processos e organizações de trabalho, transformando os
determinantes do processo saúde-doença (LEÃO, 2014).
O sujeito dessas ações deve ser um coletivo formado por
trabalhadores organizados, representantes de órgãos públicos (ex.
Centro de Referência em Saúde do Trabalhador, Secretarias de
Vigilância Sanitária, Ambiental e Epidemiológica, Atenção Básica e
outros atores da rede SUS e de instâncias como Trabalho, Assistência
Social, Meio Ambiente, etc.), Ministério Público, associações,
movimentos, entre outros. Demanda diálogos e interlocuções
459
interinstitucionais e intersetoriais mediadas por agentes interessados
na defesa da saúde integral dos trabalhadores. São atuações
transdisciplinares caracterizadas pela pluralidade, coletividade,
multiprofissionalidade e participação social.
Requisito básico para todo o ciclo da vigilância é a
incorporação do saber e experiência dos trabalhadores no intuito de
reconhecer fontes dos sofrimentos e identificar saídas possíveis
mediante possibilidades técnicas e políticas. A sua participação efetiva
como protagonistas reais das etapas fortalece sua autonomia enquanto
sujeitos da transformação. Essa é, portanto, uma vigilância
emancipatória protagonizada pelos próprios trabalhadores à medida
que tomam a saúde como meta e objeto de luta nos espaços sociais.
O processo da vigilância envolve ciclos sistemáticos de
identificação, reconhecimento e compreensão das demandas, registro
de casos e situações para a produção, investigação e análise de
informação, a construção de propostas de intervenção, fiscalização,
acompanhamento e avaliação dos resultados. Não existe uma
orientação única capaz de fornecer um modelo rígido de ação. Até
porque a pluralidade de perspectivas teóricas em Saúde Mental e
Trabalho implica em uma teia de práticas de níveis, dimensões e
objetos variados.
Essa teia envolve: 1) acolhimento de trabalhadores, escuta e
cuidado integral, além de articulações com a Rede de Atenção
Psicossocial; 2) produção, análise e uso de informações epidemiológicas
a partir de fontes diversas, incluindo os instrumentos, sistemas e unidades
de saúde já existentes no SUS para monitoramentos desses eventos em
SM, bem como a articulação com atenção básica, centros de atenção
psicossocial, entre outros. Isso requer indução e criação de instrumentos
que capacitem a rede do SUS local a reconhecer o sofrimento dos
trabalhadores e criar fluxos que produzam informações múltiplas em
nível territorial; 3) intervenção (inspeção e fiscalização) nos processos e
ambientes laborais com foco na organização do trabalho, 4) formação
contínua junto aos trabalhadores e representações associativas visando ao
desenvolvimento de estratégias de fortalecimento dos coletivos de
trabalho. Ou seja, abarca uma heterogeneidade de ações possíveis.
O processo de intervenção implica na avaliação de todo o
sistema de trabalho: ambiente, posto e instrumentos de trabalho,
características dos trabalhadores, operações, atividades, fluxos,
mecanismos de gestão, cultura organizacional, exposição a químicos
ambientais, metais pesados e produtos perigosos (ex. brometo de
metila, mercúrio, chumbo e agrotóxicos neurotóxicos, etc.), conteúdo
das tarefas, ritmo e intensidade das atividades, sistema de turnos,
premiação e incentivos, relações entre chefia e colegas, ameaça de
460
desemprego, desemprego e instabilidade, entre outros. A ação de
vigilância não se restringe à fiscalização com fins punitivos, mas se
vincula à promoção da saúde.
Referências
BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria nº 3.120, de 01 de Julho de 1998.
Aprova a Instrução Normativa de Vigilância em Saúde do Trabalhador no SUS.
Brasília: Ministério da Saúde. 1998. Diário Oficial da União, Brasília:
14/07/1998.
LEÃO, L. H. C. Vigilância em saúde mental do trabalhador: subsídios
para a construção de estratégias de intervenção. 190 p. Tese (Doutorado),
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2014.
LEÃO, L. H. C.; GOMEZ, C.M. A questão da saúde mental na vigilância em saúde do
trabalhador. Ciência & Saúde Coletiva. 2014, vol.19, n.12, pp. 4649-4658.
LEÃO, L. H. C. Saúde mental de trabalhadoras e trabalhadores: cenários, práticas
e desafios para a vigilância no SUS. In: CASTRO, M. L.; SOARES, N. R. F.;
CHARBEL, S. C. (Org.). Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde em Mato
Grosso: Protagonismo e Mudança. 1ed. Cuiabá: EdUFMT, 2017, v. 1, p. 137-154.

VIOLÊNCIA ORGANIZACIONAL
Roberto Heloani; Margarida Barreto
Podemos compreender que a violência laboral, em suas múltiplas
expressões, estratégias e formas, é uma subcategoria de uma categoria
maior, mais geral, que é a da violência genérica, que se expressa no
ambiente de trabalho, sendo inerente às relações antagônicas que existem
nas relações sociais. Embora pareça pleonástico o termo “violência moral
e/ou assédio laboral” optamos, por assim dizer, pois não acreditamos
numa violência exclusivamente individual. Sem firulas, que fique bem
esclarecido: toda violência laboral é organizacional!
Em nosso entender, a violência laboral é consequência daquela
que a “alimenta” num processo dialético perverso do qual nascem
diversas outras manifestações de violências e entre elas, o assédio laboral
e o sexual. Igualmente, a violência ou tortura psicológica afirma-se sem a
necessidade da frequência ou mesmo da intencionalidade, para
caracterizá-la como tal. Por vezes, pode advir de um só ato, cuja
intensidade tenha efeitos arrasadores para aquele que a sofreu,
constituindo-se em uma grave lesão moral, tais como boa parte dos atos
de agressão que têm por escopo a pressão organizacional por aumento da
produtividade e punição daqueles que não a obtiveram. Ações pontuais,
não repetitivas, podem ser julgadas como condutas de violência
psicológica causadora de contratempos e percalços, oriundas de vícios e
abusos de poder. Entretanto, não se caracterizam necessariamente como
assédio laboral. Ao afirmarmos isso, deixamos objetivado que um ato de
violência, sempre causa sofrimento e danos àquele que a sofre!

461
O assédio moral contém danos, ou melhor, é uma constelação
de danos morais, de micro violências e traumas psíquicos cuja
gravidade se acentua quanto mais tempo ficar exposto a humilhações e
constrangimentos. Deste modo, todo assédio moral contém um
conjunto de danos morais embutidos em si mesmo, mas nem todo
dano moral constitui, por si só, um assédio moral. Desta forma,
embora sejam fenômenos que caminhem juntos de maneira
compassada, são conceitos distintos e, naturalmente, acarretam
consequências jurídicas diversas. Alargando a interpretação, é
possível afirmar que o assédio moral (e, por extensão, o sexual) é uma
categoria ou espécie de dano moral que, por conta de sua forma de
expressão, temporalidade e frequência, possui singularidades e
particularidades. O dano moral é gênero. Esse dispositivo jurídico está
previsto na Constituição Federal e no Código Civil do Brasil. Somente
uma cuidadosa e responsável busca na coleta de dados e informações
poderá discriminar o dano moral, produto de um ato isolado – que
pode ser gravíssimo – e um assédio moral, decorrente de um conjunto
de danos morais que ocorrem durante a jornada de trabalho,
prolongando-se no tempo e com características e sinais específicos.
O que distingue o assédio laboral de outros fenômenos de
violência no e do trabalho é a frequência das condutas abusivas dirigidas
contra um coletivo ou mesmo uma pessoa do grupo, de duração variável
e com a intencionalidade – ou não – de forçar a autoexclusão e prejudicar
o outro. Em consequência da repetição, durante a jornada de trabalho,
destes atos de perseguição, humilhação, desprezo, isolamento etc., os
danos à saúde física e psíquica do “escolhido” geralmente são
significativos. Agora cremos que podemos identificar o construto assédio
laboral como um tipo específico de violência psicológica que pode ou não
abarcar as múltiplas situações de violência que ocorrem no mundo do
trabalho. Deste modo, todo assédio moral no trabalho contém em si, atos
de violência psicológica, abuso de poder e práticas autoritárias, que
atingem a todo o coletivo, de forma direta, indireta, ativa ou passiva,
explícita ou sutil. Porém nem todo ato de violência é assédio moral. O
que devemos reconhecer é que ambos são oriundos de violências
organizacionais e estão relacionados a práticas e modos de organizar o
trabalho, mesmo quando se manifestam de forma individualizada e
pontual, como podemos notar pela definição que se segue:
Assédio moral é uma conduta abusiva, intencional, frequente e
repetida, que ocorre no meio ambiente laboral, cuja causalidade se
relaciona com as formas de organizar o trabalho e a cultura
organizacional, que visa humilhar e desqualificar um indivíduo ou
um grupo, degradando as suas condições de trabalho, atingindo a

462
sua dignidade e colocando em risco a sua integridade pessoal e
profissional (HELOANI & BARRETO, 2018, p. 53).

Entendemos que é preciso ter em mente que o assédio moral é


em si um problema organizacional simplesmente porque ocorre dentro do
ambiente de trabalho, entre pessoas que são parte da estrutura
organizacional. O assédio moral detém prerrogativas a partir de papéis
organizacionais e encontra respaldo em questões ou aspirações
organizacionais, o que torna a organização (seja esta uma fábrica, escola,
hospital, etc) corresponsável ou não isenta pelos atos culposos ou dolosos
que ocorrem em seu interior. Assim, no assédio moral, a violência ocorre
no ambiente de trabalho a partir de relações de poder entre patrão e
empregado, empregado e empregado.
Para nós, a violência organizacional consiste em toda e
qualquer ação que degrade, humilhe ou controle os comportamentos,
emoções e as ações no meio ambiente de trabalho ou a ele associado.
Pode se dar mediante a utilização de “ferramentas” rudes, explícitas ou
sutis para as quais as condutas abusivas, os maus tratos, as humilhações
e os constrangimentos constituem a matéria-prima do terror.
Geralmente, acarreta prejuízos à saúde psicológica, à autoestima,
ocasionando micro traumas que assinalaremos como dano psíquico, o
que dificulta o desenvolvimento pessoal e profissional.
Referência
HELOANI, R. & BARRETO, M. Assédio moral: gestão por humilhação.
Curitiba: Editora Jurua, 2018.

463
SOBRE OS AUTORES E COAUTORES DOS VERBETES

Alessandra Laudelino Neto - Psicóloga, Mestre e Doutoranda em


Psicologia pela UCDB. Psicóloga Clínica e Professora em cursos de
Pós-graduação. Membro do grupo de pesquisa Laboratório de Saúde
Mental e Qualidade de Vida no Trabalho (UCDB/CNPq).
Alexandre de Carvalho Castro - Psicólogo, doutor em Psicologia
Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2005) e
Professor permanente tanto do Programa de Pós-Graduação em
Engenharia de Produção e Sistemas quanto do Programa de Pós-
Graduação em Relações Étnico-raciais do CEFET-RJ.
Alice Dias Paulino - Mestre em Ciências Sociais (UEM, 2012 –
Campus Maringá-PR), e Psicóloga do Trabalho (UNESP, 1977-
Campus Assis-SP). Trabalho de Docência desde 1996, com pesquisas
em psicologia social e saúde mental. Experiência de formação e
atuação profissional volta-se às questões dos fatores no trabalho, da
produção da subjetividade no contemporâneo.
Ana Carolina Esteca - Graduação em Medicina e Residência em
Psiquiatria pela FMB/UNESP, médica perita da CSST (Coordenadoria
de Saúde e Segurança do trabalhador) / UNESP, pós-graduada em
Dependência de álcool e drogas pela UNIAD/UNIFESP e pós-
graduanda em Psicofarmacologia e Psicogenética pelo BIPP
(Brazilian Institute of Psychopharmacology and Pharmacogenetics).
Ana Carolina Perroni Lima - Psicóloga formada pela UCDB,
especialista em Psicologia Organizacional e do Trabalho pela UCDB,
especialista em Dinâmica dos Grupos pela Sociedade Brasileira de
Dinâmica dos Grupos, Especialista em Psicologia Organizacional e do
Trabalho pelo Conselho Federal de Psicologia, Mestre em Psicologia
pela UCDB, mais de 10 anos de experiência em Psicologia
Organizacional e do Trabalho. Membro do Laboratório de Saúde
Mental do Trabalhador vinculado ao CNPQ.
Ana Cláudia Almeida Machado - Doutoranda em Psicologia Clínica e
Cultura da Universidade de Brasília. Psicóloga, Especialista em Bioética e
Mestra em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações (UnB).
Membro convidada do GT "Psicologia da Saúde em Instituições e na
Comunidade" da Anpepp e psicóloga voluntária do Programa de
Prevenção e Tratamento de Consumidores Superendividados do TJDFT.
André de Figueiredo Luna - Psicólogo clínico e organizacional e do
trabalho. Mestre em Psicologia Organizacional e do Trabalho pela
UFBA. Atua na clínica e em consultoria e projetos com empresas,
especialmente envolvido com iniciativas de prevenção de adoecimento,
465
gestão de fatores psicossociais de risco, capacitação de equipes e
lideranças vinculadas à saúde ocupacional e à gestão de pessoas.
André Luis Amorim Silva Filho - Graduado em Psicologia pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Trabalha
clinicamente como Psicoterapeuta Cognitivo-Comportamental e é
Psicólogo Organizacional e do Trabalho da Universidade Federal
Fluminense (UFF) exercendo suas atividades na Pró-reitoria de Gestão
de Pessoas (PROGEPE). Possui mestrado e doutorado em Psicologia
com ênfase em Psicologia Organizacional e do Trabalho pela
Universidade Salgado de Oliveira (Universo-RJ).
Andréa Claudia de Souza - Doutora em Psicologia pela Universidade
Autónoma de Lisboa, Mestre em Psicologia pela Universidade Metodista
de São Paulo, Psicodramatista didata supervisora pela Potenciar e
reconhecimento da Federação Brasileira de Psicodrama. Coautora de
Sociodrama nas Organizações (2008) e Sociodrama na Educação (2018),
entre outros capítulos de livros e artigos em revistas especializadas.
Consultora e Coaching com mais de 30 anos de experiência.
Adriana Cristina Zavanelli - Cirurgiã-Dentista pela UNESP, Mestre
e Doutora em Reabilitação Oral pela USP e Especialista em Prótese
Dentária. Docente e Vice-Coordenadora do Centro de Promoção da
Qualidade de Vida – PromoVi na Faculdade de Odontologia Campus
de Araçatuba – UNESP.
Ana Lucia Teixeira Hirschle - Psicóloga graduada pela PUC-Rio,
doutora em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (2017) e
mestre em Administração pela Universidade Federal de Pernambuco
(2006). Possui experiência em empresa de grande porte, atuando na área
de Gestão de Pessoas, Saúde Ocupacional e Gestão da Qualidade. Desde
2003 é docente em cursos de Graduação em Psicologia e Administração e
na Pós-graduação lato sensu em Gestão de Pessoas. É professora e
pesquisadora de Pós-doutorado no PPGPSI/UFBA e desenvolve pesquisas
sobre regulação emocional, estresse e bem-estar no trabalho.
Antônio Alves Filho - Doutor em Psicologia pela Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN); Mestre em Administração pela UFRN e
Graduado em Psicologia, também pela UFRN. É professor Adjunto do
Departamento de Administração Pública e Gestão Social e professor
permanente do Mestrado Profissional em Gestão Pública da UFRN.
Bruno Chapadeiro - Psicólogo e Mestre em Ciências Sociais pela
UNESP. Doutor em Educação pela UNICAMP com período sanduíche
pela École des hautes études em sciences sociales (EHESS/Sorbonne).
Pós-doutorando em Saúde Coletiva pela UNIFESP.

466
Camila Teixeira Heleno - Psicóloga, Mestre em Psicologia, Doutora
em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
com estágio sanduíche na Universidade de Oviedo e estágio pós-
doutoral na UFMG. Professora Adjunta na Universidade Federal dos
Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).
Carla Júlia Segre Faiman - Psicóloga na Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (USP) e em consultório particular. Mestre e
Doutora pelo Instituto de Psicologia da USP. Autora do livro Saúde do
trabalhador: possibilidades e desafios da psicoterapia ambulatorial,
da Ed. Casa do Psicólogo. Coordenadora do curso Saúde e Trabalho do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Carlos Roberto Campos - Especialista em Ergonomia, Ortopedia,
Medicina do Trabalho, Medicina Legal e Perícias Médicas. Avaliação do
Dano Corporal Pós-Traumático Universidade de Coimbra. Máster em
Prevenção e Proteção de Riscos Laborais/Ergonomia e Psicossociologia
OISS/Universidade de Alcalá de Henares Espanha. Presidente ANAMT
2007-2013. Consultoria/Mentoring em Gestão de SST.
Cassiano Ricardo Rumin - Psicólogo (FCL-UNESP/Assis);
Especialista em Saúde Pública (FCF-UNESP/Araraquara); Mestre em
Ciências Médicas (FMRP-USP/Ribeirão Preto) e Doutor em
Psicologia (FFCLRP-USP/Ribeirão Preto). Docente do Centro
Universitário de Adamantina (UNIFAI) e Coordenador do Núcleo de
Atenção à Saúde do Trabalhador (NAST).
Cássio Adriano Braz de Aquino - Professor do Departamento de
Psicologia da Universidade Federal do Ceará, doutor em Psicologia
Social pela Universidad Complutense de Madrid, com instância pós-
doutoral na mesma instituição. Coordenador do Núcleo de Psicologia
do Trabalho, atuando em temas como precarização laboral, saúde do
trabalhador e tempo social.
Christian Haag Kristensen - Psicólogo, Mestre e Doutor em
Psicologia (UFRGS). Pesquisador 1D do CNPq. Professor Titular do
PPG em Psicologia na Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUCRS), Coordenador do Grupo de Pesquisa
Cognição, Emoção e Comportamento e do Núcleo de Estudos e
Pesquisa em Trauma e Estresse (NEPTE-PUCRS).
Cláudio Marcelo Brunoro - Graduado em Engenharia de Produção
pela Universidade de São Paulo (2001). Mestrado em Engenharia
Elétrica pela Universidade de São Paulo (2007) dissertação em energia
e sustentabilidade. Doutorado pelo Programa de Pós Graduação do
Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da

467
Universidade de São Paulo (2013). Professor em cursos de pós-
graduação POLI USP (FCAV e PECE) e Senac.
Dâmaris de Oliveira Antunes - Psicóloga, concursada pela Prefeitura
Municipal de Campo Grande/MS (2017), lotada na Subsecretaria de
Políticas para a Mulher (SEMU), Casa da Mulher Brasileira de Campo
Grande – MS, Exerce função de Psicóloga, nos seguintes temas:
aspectos sociais da violência contra a mulher, políticas públicas,
políticas para a mulher, violência doméstica.
Daniele Almeida Duarte - Psicóloga, doutora em Psicologia pela
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP).
Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de
Maringá (UEM) e membro do grupo de Pesquisa Laboratório
Interinstitucional de Subjetividade e Trabalho (LIST).
Deivis Perez - Psicólogo pela Universidade estadual Paulista/UNESP
e doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo/ PUC/SP. Atualmente é professor no Departamento de
Psicologia Social e Educacional e no Programa de Pós – Graduação
em Psicologia da UNESP. Coordenador do Grupo de Pesquisa em
Psicologia Sócio Histórica Cultural, certificado pelo CNPq.
Diana Pancini de Sá Antunes Ribeiro - Professora Assistente
Doutora junto ao Departamento de Psicologia Clínica da FCL da
UNESP/Assis. Mestre em Psicologia Clínica pela USP - São Paulo e
Doutora em Psicologia como Ciência e Profissão pela PUC-Campinas.
Membro do Grupo de Pesquisa CNPq Figuras e Modos de
Subjetivação no Contemporâneo.
Dinael Corrêa de Campos - Professor Assistente Doutor na UNESP -
Universidade Estadual Paulista - “Júlio de Mesquita Filho” - Campus
Bauru. Supervisor de Estágio e docente. Doutor em Psicologia como
Profissão e Ciência pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Atua principalmente nos seguintes temas: Psicologia Organizacional e do
Trabalho; Psicossociologia das Organizações, Psicologia Positiva,
Felicidade e Felicidade no Trabalho. Especialista em Psicologia
Organizacional e do Trabalho pelo Conselho Federal de Psicologia. Autor
dos livros: Ousadia em Estar Feliz; Atuando em Psicologia do Trabalho,
Psicologia Organizacional e Recursos Humanos (2ª edição.) e
Metodologias de Pesquisa em Ciências - análises quantitativa e
qualitativa (2ª edição).
Eduardo Espíndola Fontoura Junior - Possui graduação em
Enfermagem e Obstetrícia pela Fundação Universidade Federal do Rio
Grande (FURG, 1998). Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade
de Brasília (UnB, 2009). Doutor em Psicologia pela Universidade Católica

468
Dom Bosco (UCDB, 2018). Docente da Universidade Estadual de Mato
Grosso do Sul - UEMS, Campus Dourados.
Edneia Albino Nunes Cerchiari - Psicóloga. Psicanalista (IPA,
FEPAL, FEBRAPSI, SPMS). Doutora em Ciências Médicas
(FCM/UNICAMP). Pós doutorado em Psicologia (UCDB). Professora
Adjunta Aposentada da UEMS. Pesquisador Sênior da UEMS -
Programa de Pós Graduação em Ensino em Saúde PPGES/UEM.
Eduardo Costa Sá – Médico, Doutor e Mestre pela Faculdade de Saúde
Pública da USP, com linha de pesquisa em Saúde do Trabalhador. Vice
Supervisor do programa de residência médica em Medicina do Trabalho
do HCFMUSP. Professor convidado do Curso de Especialização em
Medicina do Trabalho da FMUSP. Professor concursado da disciplina da
graduação de Saúde Ocupacional do Centro Universitário Saúde ABC
(Faculdade de Medicina do ABC). Perito Médico Federal concursado da
Previdência Social, desde 2006. Membro efetivo da International
Commission on Occupational Health (ICOH). Membro efetivo da
International Ergonomics Association (IEA) .
Elaine Cristina Marqueze - Professora Associada do Programa
Stricto Sensu em Saúde Coletiva da Universidade Católica de Santos.
Orientadora de mestrado e doutorado. Experiência na área de
Cronobiologia humana, Saúde Pública e Epidemiologia, com ênfase
em Trabalho em turnos e noturno e Sono.
Elaine Cristina Vaz Vaez Gomes - Assistente Social Perita do Poder
Judiciário de Campo Grande-MS, concursada da Prefeitura Municipal
de Campo Grande/MS, cedida para Secretaria de Segurança Pública
de MS - ACADEPOL. Professora do curso de Serviço Social na
Universidade Católica Dom Bosco-UCDB, Mestre e Doutoranda em
Psicologia da Saúde-UCDB (2016-2019).
Emílio Peres Facas - Professor Adjunto da Universidade de Brasília.
Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do
Trabalho e das Organizações (UnB). Psicólogo, Doutor em Psicologia
Social, do Trabalho e das Organizações pela Universidade de Brasília
com período sanduíche em Université Catholique de Louvain.
Coordenador do Núcleo Trabalho, Psicanálise e Crítica Social (UnB).
Emanuel Missias Silva Palma - Psicólogo, mestre e doutor em
Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professor
adjunto do curso de Psicologia da Escola Bahiana de Medicina e
Saúde Pública. Tem experiência em psicologia clínica e
organizacional, especificamente na área de integração ensino, serviço
e comunidade. Tem interesse em investigar temas associados à
psicoterapia, desenvolvimento humano, regulação emocional,
orientação epistêmica e bem-estar psicológico
469
Fabiana Travaglini de Abreu Silva - Médica psiquiatra com a
graduação e residência médica pela Universidade Esradual Paulista
(UNESP). Especialista em psiquiatria pela Associação Brasileira de
Psiquiatria. Pós-graduação lato senso em Perícias Médicas e Medicina
Legal pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São
Paulo. Atua como psiquiatra em perícias administrativas na UNESP
desde 2010. Psiquiatra colaboladora do Departamento de Neurologia e
Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB).
Fátima Cristina Macedo - Psicóloga, Especialista em Terapia Cognitiva
Comportamental e em Transtornos Alimentares, MBA em Promoção de
Saúde e Gestão de Programa de Qualidade de Vida e em Gestão
Empresarial. Membro do Grupo de Saúde Mental e Psiquiatria do
Trabalho (SAMPO/IPq-HCFMUSP) e da Associação Brasileira de
Qualidade de Vida (ABQV). Professora Colaboradora do IPq-HCFMUSP.
Fundadora e CEO da Mental Clean. Desenvolveu e implantou Programas
de diagnóstico, bem-estar, qualidade de vida, saúde mental e dependência,
pelos quais recebeu prêmios nacionais e internacionais.
Fellipe Coelho-Lima - Psicólogo, doutor em Psicologia e professor do
Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Tem se dedicado a área de Psicologia Social do Trabalho, com
interesse nos temas de ideologia e significado do trabalho; políticas de
emprego, trabalho e renda; e teoria social marxista.
Fernando Faleiros de Oliveira - Psicólogo, Mestre e Doutorando em
Psicologia pela UCDB, Pós-graduado em Formação Docente pela
UNIDERP. Professor Colaborador do IPq-HCFMUSP. Atua e
pesquisa Programas Corporativos de QVT, Psicologia Organizacional,
do Trabalho e da Saúde Ocupacional e Saúde Mental e Trabalho.
Membro do Laboratório de Saúde Mental e Qualidade de Vida no
Trabalho (UCDB/CNPq). Atualmente é Coordenador Acadêmico e
Professor da Unigran Capital.
Fernando Freitas - Doutor Psicologia. Professor adjunto da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro e da Fundação Oswaldo Cruz, atuando
principalmente nos seguintes temas: drogas, reforma psiquiátrica, saúde
mental, políticas públicas e doença mental. Editor do MAD IN BRASIL,
2016. Tema: A formação de uma comunidade internacional que visa
alternativas ao “modelo de doença” da psiquiatria: https://madinbrasil.org/.
Flávia Cristina Santiago de Oliveira - Psicóloga Graduada pela UNIP
Araçatuba, Mestranda em Psicologia do Desenvolvimento e
Aprendizagem, (Comportamento e Saúde) pela UNESP Bauru.
Especialização em Psicologia e Saúde pela UNESP Araçatuba.
Desenvolve pesquisas na área da saúde, com foco em construtos
emocionais e personalidade.
470
Flávia Heloísa Santos - Professora Assistente junto à University College
Dublin, Irlanda. Orientadora do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem da Universidade
Estadual Paulista (UNESP, campus de Bauru). Doutora em Psicobiologia
pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) com período de
intercâmbio acadêmico na University of Durham, Inglaterra; Especialista
em Psicologia da Infância pelo Departamento de Pediatria da UNIFESP.
Flaviany Aparecida Piccoli Fontoura - Possui graduação em Enfermagem
Geral pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (2000). Mestrado
(2012) e Doutorado (2018) em Psicologia pela Universidade Católica Dom
Bosco - Campo Grande/MS. Docente da Universidade Estadual de Mato
Grosso do Sul - UEMS, Campus Dourados.
Flavinês Rebolo - Psicóloga, Mestre e Doutora em Educação pela
USP. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Católica Dom Bosco. Desenvolve pesquisas
relacionadas ao trabalho docente, com foco nos fatores determinantes
do bem-estar subjetivo e da saúde física e psíquica do professor na
escola contemporânea. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre
Formação, Trabalho e Bem-Estar Docente/GEBEM (CNPq).
François Hubault - Economista, doutor em ergonomia, professor
emérito do Departamento de Ergonomia e Ecologia Humana da
Universidade Paris I - Pantheon-Sorbonne. Diretor do Laboratório
ATEMIS - Laboratório de Intervenção e Pesquisa - Análise do
Trabalho das Mutações na Indústria e nos Serviços.
Frederico Gomes - Professor do curso de Engenharia de Produção da
UFOP. Mestre e graduado pelo Departamento de Engenharia de Produção
da UFMG. Atualmente encontra-se realizando o doutorado no Programa
de Pós-Graduação da Engenharia de Produção da POLI-USP (2017-2021).
Atua na área de Engenharia de Produção, com ênfase em Inovação,
Gestão da Inovação Radical, Tomada de decisão sob Incerteza, Percepção
de Incertezas, Organização do Trabalho e Startups.
Frida Marina Fischer - Professora titular do Departamento de Saúde
Ambiental, Faculdade de Saúde Publica da Universidade de São Paulo.
Orientadora de mestrado e doutorado do programa de pós graduação em
Saúde Publica da Faculdade de Saúde Publica da USP. Bolsista
produtividade do CNPq 1B. Membro do Board da ICOH triênio 2018-2021.
Geovani Gurgel Aciole - É médico (UFPB, 1984), mestre e doutor
em Saúde Coletiva pela Unicamp (1999; 2004). É autor de A Saúde no
Brasil: cartografias do público e do privado (2006) e de Depois da
Reforma: contribuição para a crítica da Saúde Coletiva (2013),
publicados pela Hucitec. Atualmente, é Professor Associado do Curso
de Medicina e do Programa de Pós-Graduação em Gestão da Clínica

471
da UFSCar, onde Coordena o Grupo de Pesquisa Quíron: Estudos e
Práticas em Saúde.
Gracielle Pereira Aires Garcia - Graduada em Bacharel e
Licenciatura em Enfermagem pela Universidade Federal de
Uberlândia, Mestre em Ciências pelo Programa de Saúde
Fundamental da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo, especialização em Saúde do Trabalhador e
Atenção Primária à Saúde e enfermeira assistencialista
Glória Stefania Alves Siqueira: Psicóloga, pós-graduada em
Neuropsicologia pelo Instituto de Psicologia, Educação,
Comportamento e Saúde (IPECS). Residência multiprofissional em
Reabilitação Física pela Faculdade de Medicina de Rio Preto
(FAMERP). Mestranda em Psicologia do Desenvolvimento e
Aprendizagem pela Universidade Estadual Paulista (UNESP, campus
de Bauru), bolsista CAPES durante o ano de 2018.
Guilherme Elias da Silva - Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia
pela UNESP - Campus Assis, na área de conhecimento: Subjetividade e
Saúde Coletiva. Professor Adjunto do Departamento de Psicologia e do
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Estadual de
Maringá. Área de atuação: Psicologia do Trabalho e Organizacional,
principalmente nos seguintes temas: Saúde Mental e Trabalho,
Subjetividade e Intersubjetividade nas Relações de Trabalho e
Teletrabalho.
Helen Paola Vieira Bueno - Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia
pela UCDB. Professora na Universidade Federal de Mato Grosso do SUL
(UFMS), Campus de Aquidauana. Experiência em Psicologia
Organizacional, Saúde Mental do Trabalhador e Escolar. Pesquisadora do
Laboratório de Saúde Mental e Qualidade de Vida do Trabalhador
(UCDB/CNPq).
Heloisa Campos Paschoalin – Graduada em Enfermagem pela
Universidade Federal de Juiz de Fora; Mestrado em Enfermagem pela
Universidade Federal de Minas Gerais; Doutorado em Enfermagem
pela Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do
Rio de Janeiro; Professora Adjunta Aposentada da Faculdade de
Enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Hilda Alevato - Doutora em Educação pela Universidade Federal
Fluminense. Especialista em Psicanálise Organizacional e Neuroses.
Pós-doutoramento em Psicologia Organizacional (não concluído) na
Universidade de Coimbra. Ex-Diretora Técnica da Fundacentro.
Professora de Psicologia aposentada pela Universidade Federal
Fluminense. Coordenadora do Núcleo de Educação e Saúde no
Trabalho e na Família (NEST).

472
Holmes Antonio Vieira Martins - Médico Pediatra e Psiquiatra.
Diretor do Núcleo de Estudos em Medicina Diagnóstica e Pericial.
Perito Judicial Federal em Psiquiatria, com mais de dez mil laudos
produzidos em avaliações de trabalhadores. Ex Professor em
Psicologia Médica da Universidade Federal Fluminense. Autor do
Manual de Desmedicalização Assistida a Benzodiazepínicos, utilizado
pela primeira vez no NASF (Núcleo de Apoio a Saúde da Família) no
município de São Gonçalo, RJ, em 2011.
Hugo Ferrari Cardoso - Psicólogo (Universidade Sagrado Coração),
mestre, doutor e pós-doutor (Universidade São Francisco).
Atualmente é Professor Assistente Doutor da Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) dos cursos de Psicologia
(Graduação e Pós-graduação). Atuação em pesquisas ligadas à
Psicologia Organizacional e do Trabalho, Orientação Profissional e de
Carreira e Avaliação Psicológica.
Ivan Bolis - Engenheiro de Produção com duplo diploma, formado
pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) em 2006
e pelo Politecnico di Milano em 2007. Mestre (2011), doutor (2014) e
pós-doutorando (desde 2015) em Engenharia da Produção pela Escola
Politécnica da USP. Uma das principais área de formação, linha de
pesquisa e atuação profissional como consultor foi em ergonomia,
com foco em ergonomia organizacional e da atividade.
João Carlos Messias - Psicólogo pós-doutor em Saúde Mental dos
Trabalhadores sob a supervisão da Dra. Liliana Guimarães (UCDB),
professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUC
Campinas e lider do grupo Psicologia e Trabalho: Abordagem
Experiencial (DGP/CNPq) orientando bolsistas de Iniciação
Científica, Mestrandos e Doutorandos em Psicologia da Saúde
Ocupacional e da graduação em Psicologia.
João Massuda Júnior - Administrador e Mestre em Administração
pela UFMS, Especialista em Administração da Informação pela
UNIDERP e Doutor em Psicologia pela UCDB. Professor
Colaborador do IPq-HCFMUSP. Atua como professor no Instituto
Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS) e Membro do Laboratório de
Saúde Mental e Qualidade de Vida no Trabalho (UCDB/CNPq).
João Silvestre Silva-Junior - Graduado em Medicina e Especialista em
Medicina do Trabalho e em Medicina Legal e Perícias Médicas;
Doutor e Mestre em Saúde Pública, com ênfase em Saúde do
Trabalhador; Perito Médico Federal do Ministério da Economia do
Brasil; Professor e Pesquisador do Departamento de Medicina do
Centro Universitário São Camilo (CUSC/SP).

473
Joceli Drummond - Doutora em Psicologia. Tema da Tese: Clima
Autentizótico, Equipe de Ótimo Desempenho e Comprometimento
Organizacional. Psicodramatista Didata pela FEBRAP, Sócia da
Potenciar Consultores Associados. Especializada em Coaching
Executivo e Desenvolvimento de Lideranças para empresas, atuando
em diversas empresas no Brasil, Chile, México, Portugal e Itália.
Professora MBA da FGV – Fundação Getúlio Vargas. Coautora dos
livros: Sociodrama nas Organizações (2008), Coaching com
Psicodrama (2014) e Sociodrama na Educação (2018).
Jorge Miguel Soares Rodrigues – Psicólogo pela UCDB,
Especialista em Gestão de Pessoas pela UCAM, Psicólogo Clínico e
Psicólogo do Trabalho na UEMS.
José Luiz Riani Costa - Médico, Especialista em Medicina do
Trabalho, Mestre em Medicina e Doutor em Saúde Coletiva, pela
Unicamp, e Especialista em Politicas Públicas e Gestão
Governamental pela ENAP. Atualmente, é Professor no Curso de
Medicina do Claretiano Centro Universitário - Rio Claro.
José Manoel Bertolote - Médico; Especialização em Psiquiatria;
Mestrado em Social and Transcultural Psychiatry; Doutorado em
Ciências Clínicas. Médico Perito, Coordenadoria de Saúde do
Trabalhador, UNESP. Professor Voluntário, Faculdade de Medicina de
Botucatu - UNESP. Membro da International Academy for Suicide
Research. Conselheiro do CONED-SP e da ABEAD. Coordenador do
Centro de Referência Regional em Políticas sobre Drogas,
UNESP/SENAD-MJ e da Rede de Proteção à Vida – Botucatu.
Juliana de Almeida Prado - Professora Doutora da área de Saúde
Mental do Departamento de Medicina da Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar) e psiquiatra do Hospital Universitário da UFSCar.
Juliana de Oliveira Barros – Possui graduação em Terapia
Ocupacional (2006), Mestrado (2010) e Doutorado (2016) em
Ciências da Reabilitação, todos pela Faculdade de Medicina da USP
(FMUSP) - Doutorado com período sanduíche no exterior (CNAM,
Paris / França - 6 meses), sob a orientação do Prof. Christophe
Dejours. Atua no Laboratório de Investigação e Intervenção em Saúde
e Trabalho (LIIST) do Curso de Terapia Ocupacional do
Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional
da FMUSP desde fev/2010
Juliana Seidl - Psicóloga pela Universidade de Brasília, Mestre pela
Universidade de Coimbra com mobilidade na Universidade de Barcelona
e doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela
Universidade de Brasília, com mobilidade na Universidade da Flórida
(bolsista Capes). Fundadora e consultora da Aposentadoria Plena, realiza
474
pesquisa e oferece consultoria sobre educação para aposentadoria e gestão
da diversidade etária nas organizações.
Julio César Vázquez-Colunga - Doctor en Psicología. Profesor e
Investigador de la Maestría en Ciencias de la Salud en el Trabajo de la
Universidad de Guadalajara. Miembro del Sistema Nacional de
Investigadores (CONACyT) y del Sistema Mexicano de
Investigadores en Psicología (SMIP). Miembro activo del Instituto
Internacional de Investigación Social, Ambiental y de Salud
Ocupacional (IIISASO).
Jussara Brito - Pesquisadora Titular da Escola Nacional de Saúde
Pública (ENSP)/ Fiocruz. Pós-doutorado em Ergologia (Institut
d’Ergologie / Université d’Aix-Marseille - França). Doutora em Saúde
Pública (ENSP/Fiocruz).
Laerte Idal Sznelwar – Graduação em Medicina pela Universidade
Estadual de Campinas (1980), DEA pelo Conservatoire National des
Arts et Metiers (1984) , doutorado em Ergonomia pela Conservatoire
National des Arts et Metiers (1992) e pós-doutorado no Laboratoire de
Psychologie du Travail et de l’Action du CNAM - Psychodynamique
du Travail (dez 2000 a fev 2001), Livre-docente pelo Departamento de
Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São
Paulo(2013), Membro da equipe do Laboratoire de Psychologie du
Travail et de l’Action du CNAM (dez08 a fev09). Professor RDIDP
do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo.
Laura Kyvia de Almeida Soares - Graduanda em Psicologia pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Atualmente é bolsista no
Laboratório de Pesquisa e Extensão em Neuropsicologia (LAPEN-UFRN).
Leandro Anselmo Todesqui Tavares - Doutor em Psicologia
(UNESP/Assis). Mestre em Psicologia (UNESP/Assis). Graduação em
Psicologia (UNIFIL/Londrina-PR). Psicólogo Clínico com formação
em Psicanálise (Lacan/Freud); Músico autodidata; Pesquisador e
Professor de Psicologia e Psicanálise. Professor Adjunto-A no Dep. de
Psicologia e Psicanálise na Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Atuação e Pesquisa com ênfase em: Clínica Psicanalítica
(Lacan/Freud); Metapsicologia e Fundamentos da Psicanálise;
Psicopatologias; Psicanálise e Musicalidades (sublimação e
invocação); Cultura e Sociedade; Clínica Ampliada. Autor dos livros:
Psicanálise e Musicalidades: sublimação, invocação, laço social (Ed.
Unifesp, 2020). E também, A Depressão como Mal-Estar
Contemporâneo (Ed. Unesp/Cultura Acadêmica, 2010), além de
outros artigos e capítulos de livros em psicanálise e psicologia.

475
Músico instrumentista nos projetos “Mandrágoras Experimental” e
“Prezadíssimos Ouvintes – a banda de Cá”.
Leonardo Gomes - Professor do curso de administração na FEA-USP.
Doutor em Engenharia de Produção pelo Departamento de Engenharia
de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, com
período sanduíche na Universidade de Cambridge, possui graduação
em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Minas
Gerais, intercalada com um intercâmbio na École Superieure
D’Ingenieurs En Eletrotechnique Et Eletronique.
Lidia Carolina Rodrigues Balabuch - Graduada em Psicologia pela
Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Pós-graduanda em
Gestão de Pessoas. Faz parte do Grupo de Pesquisa vinculado ao
CNPq intitulado Laboratório de Saúde Mental e Qualidade de Vida no
Trabalho. Tem experiência profissional nas áreas de Psicologia
Organizacional e do Trabalho.
Liliana Andolpho Magalhães Guimarães - Graduada em Psicologia,
Especialista em Psicologia Hospitalar e em Administração Hospitalar,
Mestre em Psicologia da Saúde, Doutora em Saúde Mental pela
Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP, Pós-doutora em
Saúde Mental pela UNICAMP- FCM/DPMP (1994) e em Medicina
do Estresse pelo Instituto Karolinska, Estolcomo, Suécia. Professora
convidada do curso de pós-graduação Mestrado e Doutorado em
Psicologia da Universidade de Guadalajara, México. Professora e
pesquisadora do SAMPO - Setor de Psicologia do Trabalho e
Psiquiatria Ocupacional do IPq-HCFMUSP. Professora do Programa
de Mestrado e Doutorado em Psicologia da Universidade Católica
Dom Bosco - UCDB. Líder do grupo de pesquisa “Laboratório de
Saúde Mental e Qualidade de Vida no Trabalho” da UCDB/CNPq e
pesquisadora Instituto de Psiquiatria- IPq da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo-USP. Fundadora e diretora do
Ambulatório de Saúde Mental do trabalhador da UCDB/MS.
Livia de Oliveira Borges - Doutora em Psicologia pela UnB (1998), com
estágio pós-doutoral na Universidade Complutense de Madri (2005);
Professora Titular da UFMG atuando no Programa de Pós-graduação em
Psicologia; Pesquisadora de produtividade CNPq (PQ-1A).
Lucas Martins Soldera - Doutor em Psicologia pelo Programa de Pós-
graduação em Psicologia da Universidade Júlio de Mesquita Filho -
Faculdade de Ciências e Letras (UNESP/Assis). Professor adjunto do
Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá
(UEM). Pesquisador e membro vinculado ao “Laboratório
Interinstitucional de Subjetividade e Trabalho” – LIST – reconhecido e
certificado pelo CNPq.
476
Lucia Helena de Freitas Pinho França - Psicóloga Social e
Organizacional, PhD na Universidade de Auckland (NZ). Pesquisadora
e Professora titular na Universidade Salgado de Oliveira - UNIVERSO
(Niterói, RJ), onde orienta alunos de mestrado e doutorado. É
consultora em Programas de Preparação para a Aposentadoria. Seus
principais temas são atitudes, decisão e o bem-estar na Aposentadoria;
Ageismo nas Organizações e Programas Intergeracionais.
Luciana Bezerra de Souza Gianasi - Doutora em Psicologia pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Mestre em Psicologia
pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Graduada em
Psicologia pela mesma universidade. Atualmente, atua como professora
Adjunta no Departamento de Ciências Administrativas (DEPAD) da UFRN.
Luís Henrique da Costa Leão - Psicólogo e doutor em Saúde Pública.
Professor adjunto IV da Universidade Federal de Mato Grosso,
Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (PPGSC/UFMT) e em
Psicologia (PPG-PSI/UFMT), Professor Visitante do Departamento de
Filosofia, Sociologia, Pedagogia e Psicologia Aplicada da Universidade
de Padova (FISPPA/UNIP), Itália.
Luiziana Souto Schaefer - Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia
(PUCRS). Pós-Doutorado em Medicina Legal e Ciências Forenses
(Universidade do Porto). Especialista em Psicologia Clínica e em
Psicologia Jurídica. Atua como Perita Criminal Oficial no Departamento
Médico-Legal (IGP-RS). Pesquisadora Pós-doc no PPG em Psicologia da
PUCRS. Docente em Cursos de Graduação, Extensão e Pós-Graduação.
Luziane de Fátima Kirchner - Doutora em Psicologia pela
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Professora no Curso
de Graduação em Psicologia e no Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).
Desenvolve pesquisas no tema dor crônica e variáveis psicoafetivas
relacionadas as condições crônicas de saúde.
Mara Sampaio - Psicóloga Social, mestre pela USP onde pesquisou a
qualidade de vida no trabalho (QVT) de empreendedores. É coacher e
psicodramatista didata-supervisora, atua como professora de Atitude
Empreendedora e desenvolvimento de papel profissional. Autora do
livro: Atitude Empreendedora: descubra com Alice seu país das
maravilhas, Senac, 2014.
Marcos Henrique Mendanha - Diretor e Professor da Faculdade
CENBRAP. Médico do Trabalho. Especialista em Medicina Legal e
Perícias Médicas. Pós-Graduado (lato sensu) em Psiquiatria. Advogado.
Especialista em Direito do Trabalho. Coordenador dos Congressos
Brasileiro de Medicina do Trabalho e Perícias Médicas, e Brasileiro de
Psiquiatria Ocupacional. Mantenedor do site SaudeOcupacional.org.
Autor e coautor de várias obras relacionadas ao tema.
477
Marcos Mariani Casadore - Psicólogo (Universidade Estadual Paulista –
UNESP/Assis). Mestre e Doutor em Psicologia (Universidade Estadual
Paulista – UNESP/Assis). Professor e supervisor de estágio clínico e do
trabalho no curso de Psicologia do Centro Universitário das Faculdades
Integradas de Ourinhos (UniFIO).
Márcia Regina Teixeira Minari - Psicóloga, Especialista em Terapia
Cognitivo-Comportamental, Mestre e Doutora em Psicologia pela
UCDB. Servidora da UFMS. Trabalha, pesquisa e publica nas áreas de
Psicologia Organizacional e do Trabalho e Saúde Mental do
Trabalhador. Integrante do Laboratório de Saúde Mental e Qualidade
de Vida do Trabalhador (UCDB/CNPq).
Márcia Pereira Bernardes - Psicóloga Psicodramatista Didata
Supervisora (FEBRAP) e doutoranda de Psicologia da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC).
Margarida Barreto - Doutora em Psicologia Social pelo Programa de
Pós-Graduação da PUC/SP. Coordenadora da Rede Nacional de
Combate ao Assédio Laboral e outras manifestações de Violência no
Trabalho. Instrutora convidada do curso de pós-graduação,
Especialização em Medicina do Trabalho, da Faculdade de Ciências
Médicas da Santa Casa de São Paulo e da Universidade de São Paulo.
Maria Aparecida Canale Balduino - Administradora pela Universidade
Cândido Mendes, Mestre em Educação pela UFMS e Doutora em
Educação pela UCDB. Foi Instrutora e Consultora do SEBRAE (2014),
Coordenadora de Cursos de Extensão (2010-2011) e de Pós-Graduação
lato sensu a distância (2012-2016) da UCDB. Atualmente é coordenadora
e professora do curso de Administração (presencial e EAD) da UCDB,
Integrante do Laboratório de Saúde Mental e Qualidade de Vida do
Trabalhador (UCDB/CNPq) e Membro da Comissão Assessora do
ENADE na área de Marketing (INEP/MEC).
Maria Elisa de Lacerda Faria - Graduada em Psicologia pela
UCDB, Mestranda em Psicologia pela UCDB, possui formação em
Professional and Self Coaching pelo Instituto Brasileiro de Coaching e
em Prevenção do Uso de Drogas - Capacitação para Conselheiros e
Lideranças Comunitárias pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Trabalha com a abordagem psicanalítica com adolescentes e adultos,
avaliação psicológica e psicodiagnóstico. Tem experiência de trabalho
na área de Psicologia Organizacional e do Trabalho e faz parte do
grupo de pesquisa vinculado ao CNPq “Laboratório de Saúde Mental
e Qualidade de Vida no Trabalho”.
Maria Elizabeth Antunes Lima - Psicóloga e Mestre em
Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais. Doutora
em Sociologia do Trabalho pela Universidade de Paris IX. Professora
478
aposentada da Universidade Federal de Minas Gerais, atualmente
atuando como professora e pesquisadora no Mestrado do Centro
Universitário Novos Horizontes (MG).
Maria Helena Palucci Marziale - Professor Livre-Docente da Escola
de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
(EERP/USP), diretora da EERP/USP, pesquisadora 1A do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq), líder
do Núcleo de Estudos Saúde e Trabalho (NUESAT/USP), coordena a
Rede de Prevenção de Acidentes de Trabalho (REPAT/USP), coordena
a Red Internacional de Enfermería en Salud Ocupacional (REDENSO).
Maria José Chambel - professora associada com agregação na Faculdade
de Psicologia da Universidade de Lisboa, onde lecciona no âmbito da
Psicologia do Trabalho e das Organizações. Membro do Centro de
Investigação em Ciências Psicológicas da Universidade de Lisboa, no qual
coordena o grupo Processos de Adaptação em Contexto (Psicologia
Aplicada) e tem participado e coordenado vários projectos de
investigação. Os seus principais interesses de investigação incluem a
relação de emprego e o stress e o bem-estar no trabalho. Está
particularmente interessada em estudar os trabalhadores contingentes e os
empregados em contextos de risco psicossociais (i.e. bombeiros, militares,
profissionais de saúde, professores). No ano de 2017 foi galardoada com o
Prémio Científico da Universidade de Lisboa, em reconhecimento do
mérito da atividade científica no período 2012-2016, com base nas
publicações em revistas internacionais de impacto na área da psicologia.
Maria Luiza Gava Schmidt – Psicóloga, Psicodramatista e
Arteterapêuta. Doutora em Saúde Coletiva pela Faculdade de Ciências
Médicas – Unicamp. Pós- Doutora em Saúde Pública pela Faculdade
de Saúde Pública – USP. Professora do Departamento de Psicologia
Experimental e do Trabalho – Faculdade de Ciências e Letras –
Campus de Assis, UNESP.
Maria Teresa Pires Costa - Psicóloga; Mestre em Administração
com ênfase em Organizações e Recursos Humanos; Doutora em
Psicologia com Pós-Doutorado em Psicologia da Saúde. Professora do
Departamento de Administração Pública e Gestão Social e do
Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública da UFRN.
Mariana Neves Gonçalves de Souza – Psicóloga graduada pela
Faculdade de Ciências e Letras da UNESP/Assis. Pós-graduanda em
Psicossomática pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de
São Paulo e pela Associação Brasileira de Medicina Psicossomática.
Marianne Ramos Feijó – Professora Assistente Doutora dos Cursos
de Psicologia da UNESP-Bauru. Professora e Orientadora do Curso de
Pós-graduação em Psicologia da Aprendizagem e do

479
Desenvolvimento da UNESP-Bauru. Pós-Doutora pelo Departamento
de Psicobiologia da Unifesp. Doutora, Mestre e Especialista pela PUC
(NUFAC-SP). Psicóloga, com experiência em práticas sistêmicas,
narrativas, colaborativas, de Orientação Profissional e de Mediação de
Disputas. Pesquisa preconceitos, estigma, violência, família, rede
social e trabalho, com visão sistêmica e complexa.
Mário César Ferreira - Psicólogo, ergonomista. Doutor em
Ergonomia, École Pratique des Hautes (França). Professor titular no
Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília.
Mário Lázaro Camargo - Doutor em Psicologia pela USP, Mestre
em Psicologia e Sociedade pela UNESP, Especialista em Terapia de
Casais e Famílias pelo IBAP/APTF, Graduado em Formação do
Psicólogo e em Licenciatura para Psicologia pela USC. Desde 2012 é
Professor Assistente Doutor nos Cursos de Formação do Psicólogo e
Engenharia de Produção da UNESP-FC-FEB – Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências e
Faculdade de Engenharia, Campus de Bauru/SP.
Mário Sérgio Vasconcelos - Doutor em Psicologia Escolar e do
Desenvolvimento Humano (USP) e Livre-docente em Psicologia do
Desenvolvimento (UNESP). Professor Associado do Curso de
Psicologia da Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade
Estadual Paulista (UNESP).
Mary Sandra Carlotto - Psicóloga, mestre em Saúde Coletiva e
doutora em Psicologia Social. Docente do PPG em Psicologia na
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Coordenadora
do Grupo de Pesquisa em Psicologia da Saúde Ocupacional. Membro
da equipe de investigação da Unidad de Investigación Psicosocial de
la Conducta Organizacional-Universidade de Valencia/ES.
Membership of Society for Occupational Health Psychology/EUA.
Mateus Bender - Doutorando em Sociologia e Política pela
Universidade Federal de Santa Catarina, Mestre em Ciências Sociais
pela Universidade Federal de Pelotas e Graduado em Direito pela
Universidade Federal do Rio Grande. Professor e Advogado.
Matheus Fernandes de Castro - Doutor em Psicologia Social e do
Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em
Psicologia e Sociedade pela UNESP (Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho). É Professor Assistente Doutor do
Departamento de Psicologia Experimental e do Trabalho onde
também é Coordenador do Laboratório de Psicologia Ambiental
(LAPA-PET). Tem se dedicado a área Social, do Trabalho, Ambiental
e Estudos do Cotidiano.

480
Matheus Viana Braz - Professor de Psicologia do Trabalho e das
Organizações na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG),
unidade de Divinópolis – MG. Doutorado pelo Programa de Pós-
graduação em Psicologia da Universidade Estadual Paulista
(UNESP/FCLA). Correspondente no Brasil do Réseau International
de Sociologie Clinique (RISC). Coordenador do Laboratório de
Trabalho, Saúde e Processos de Subjetivação (LATRAPS-UEMG).
Mauricio Robayo Tamayo - Psicólogo. Mestre e Doutor em Psicologia
pela Universidade de Brasília. Realizou pós-doutorado na Universidad
Autónoma de Madrid. É professor Associado da Universidade de Brasília
– Campus Ceilândia. Desenvolve pesquisas no campo da saúde mental no
trabalho. Tem interesse no estudo dos seguintes temas: burnout, estresse
ocupacional, engajamento e construção e validação de medidas.
Michelle Morelo Pereira - Graduada em Psicologia pela Universidade
Federal de Mato Grosso (UFMT). Trabalha como docente no curso de
graduação em Psicologia na Faculdades Integradas Maria Thereza
(FAMATH). Possui mestrado e doutorado em andamento em Psicologia
com ênfase em Psicologia Organizacional e do Trabalho pela
Universidade Salgado de Oliveira (Universo-RJ).
Milton Athayde - Docente do Instituto de Psicologia da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. Pós-doutorado em Ergologia (Institut
d’Ergologie / Université d’Aix-Marseille - França) e em Psicologia do
Trabalho (Universidade do Porto – Portugal).
Miryam Cristina Mazieiro Vergueiro da Silva - Mestre em Ciências da
Saúde pela Faculdade de Medicina da USP.Possui Especialização em
Psiquiatria social pela Escola Nacional de Saúde Pública –
ENSP/FIOCRUZ – RJ; e Especialização em Saúde Coletiva pela
Universidade Federal de Uberlândia – MG. Membro fundadora do
SAMPO - Grupo de Saúde Mental e Psiquiatria Ocupacional - do Instituto
de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP;
coordenadora e professora do Curso: Transtornos Mentais Relacionados
ao Trabalho e Saúde Mental no Trabalho. Atualmente é Psicóloga do
Trabalho no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da USP, atuando nas áreas de Ensino, Pesquisa e Assistência.
Atua também na área de Pericias Psicológicas Trabalhistas.
Mônica de Fátima Batista Correia - Graduada em Psicologia
(UFPB), Especialista em Avaliações e Medidas em Psicologia –
Psicometria (UnB), Mestre e Doutora em Psicologia Cognitiva
(UFPE), Pós-doutorado em Educação (University of California,
Berkeley) Professora Associada (UFPB). Tem interesse em cultura,
educação, aprendizagem, desenvolvimento e avaliação psicológica.

481
Narbal Silva - Pós Doutorado em Psicologia Organizacional e do
Trabalho e Professor Titular do Departamento de Psicologia e do
Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC).
Nelson Pedro-Silva - Doutor em Psicologia do Desenvolvimento e
Escolar (USP). Docente do curso de Psicologia da Faculdade de
Ciências e Letras – Universidade Estadual Paulista “ Júlio de
Mesquita Filho” - UNESP, Campus de Assis/SP.
Nilson Rogério Silva - Professor Associado - Livre-Docente junto ao
Curso de Terapia Ocupacional da UNESP Campus de Marília, Livre-
Docência em Terapia Ocupacional em Saúde do Trabalhador, Docente
junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UNESP de Marília.
Paulo Antonio Barros Oliveira - Médico (UFRGS-1976). Especialista
em Medicina do Trabalho (UFCSPA - 1979), Mestre em Educação
(PUCRS-1990), Doutor em Engenharia de Produção (COOPE/UFRJ-
2000); Professor Titular de Medicina Social da UFRGS, Auditor Fiscal
do Trabalho, aposentado; Presidente da Associação Brasileira de
Ergonomia (ABERGO), Gestões 2015/2017 e 2018/1020, Co-Chair do
International Development Committee para a América Latina, da
International Ergonomics Associations (Gestãos 215/2017 e
2018/2020); Membro da Comisión de Relaciones Institucionales da
União Latino-americana de Ergonomia (ULAERGO); Diretor de
Relações Internacionais do Instituto Trabalho Seguro.
Paulo Roberto Ribeiro Marinho - Mestre em Psicologia
pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Especialista em terapia
Cognitiva Comportamental e Psicologia Organizacional e do Trabalho.
Graduado em Psicologia pela Universidade do Sagrado Coração.
Patrícia Campos Pavan Baptista - Enfermeira. Mestre e Doutora
pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Professora
Titular do Departamento ENO da Escola de Enfermagem da
Universidade de São Paulo.
Patricio Nusshold - Doctor en Psicología (CNAM y UBA). Master en
Ergonomía (Universidad de Lille 3) Investigador asociado en el
Laboratorio PCPP (Psicología Clínica, Psicopatología, Psicoanálisis)
del Instituto de Psicología de la Universidad Paris Descartes - Sorbonne
Paris Cité. Miembro del equipo del Instituto de Psicodinámica del
Trabajo - ASTI, dirigido por el Dr. Christophe Dejours.
Pedro Fernando Bendassolli - Psicólogo, doutor em Psicologia e
professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte. Informações sobre temas de pesquisa e
publicações: http://www.pedrobendassolli.com.

482
Renato Salviato Fajardo - Cirurgião-Dentista (Unicamp) e Psicólogo
(Unip) Mestre (Unicamp) e Doutor (USP) em Materiais Dentários,
Mestre em Saúde Pública (UC Berkeley), Especialista em Psicologia
da Saúde e Prótese Dentária, Docente e Coordenador do Centro de
Promoção da Qualidade de Vida – PromoVi na Faculdade de
Odontologia Campus de Araçatuba – UNESP.
Roberto Heloani - Bacharel em Ciências Jurídicas (USP) e Psicólogo
(PUC/SP). Professor Titular no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
e na Faculdade de Educação da UNICAMP. Livre-Docente em Teoria das
Organizações (UNICAMP), Pós-Doutorado em Comunicação (USP),
Doutor em Psicologia Social (PUC/SP), Mestre em Administração
(FGV/SP). Pesquisador na área de Assédio Moral/Sexual e Ética Laboral.
Professor conveniado à Université Paris-X-Nanterre.
Rodney Querino Ferreira-Costa - Mestre em Psicologia pela
Universidade Estadual Paulista (UNESP). Docente do curso de
Psicologia da Faculdade Anhanguera de São José dos Campos (SP).
Rosângela de Oliveira Rosa Zarza - Coach, Psicodramatista e
Consultora. Acumula 32 anos de experiência profissional, 18 anos de
carreira desenvolvida em grandes empresas atuando em áreas
estratégicas e de negócios. E, 14 anos empreendendo na área de
Desenvolvimento Humano tanto em empresa públicas como nas
privadas em diversos segmentos.
Rosangela Werlang - Socióloga (PUCRS), Mestre em Sociologia
(UFRGS), Mestre em Direitos Humanos e Desenvolvimento
(UPO/Sevilha), Doutora em Psicologia Social e Institucional (UFRGS),
Pós-Doutora em Psicologia Social e Institucional (UFRGS/CNPq). Foi
Pesquisadora Visitante do Programa de Pós Graduação em Psicologia Social
e Institucional do Instituto de Psicologia da UFRGS, com bolsa do CNPq.
Ruchelli Stanzani Ercolano - Psicóloga e mestre em Psicologia pela
Universidade Estadual Paulista/UNESP. Atualmente é doutoranda em
Psicologia pela UNESP. Desenvolveu estudos sobre a instrução ao sósia
e sua contextualização para o Brasil em pesquisas de iniciação científica
e mestrado, com apoio, respectivamente da FAPESP e CAPES.
Sabrina Cavalcanti Barros - Doutora em Psicologia pela UFMG e pela
Universidade Complutense de Madrid (2017); Professora do curso de
Psicologia da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi (FACISA-UFRN).
Sandra das Dores Souza - Psicóloga. Mestre pela Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Psicóloga Clínica
e Hospitalar do Hospital de Pronto Socorro João XXIII – FHEMIG.
Sandra Fogaça Rosa Ribeiro - Psicóloga, Mestre em Saúde Coletiva
(UNESP), e Doutora em Educação (Unicamp). Professora Adjunta da

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Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). Coordenadora
do grupo de pesquisa/CNPq “Saúde Mental, Trabalho e Gestão”, com
publicações de livros e artigos nessa área.
Seiji Uchida - Possui graduação em Psicologia (1977), mestrado
(1985) e doutorado (1996) em Psicologia Social, todos pelo Instituto
de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP - USP). Pós
Doutorado em Psicodinâmica do Trabalho pelo Conservatoire
National des Arts e Métier (CNAM - Paris, FR) sob supervisão do
Prof. Christophe Dejours. Membro fundador e titular da Associação
Internacional de Especialistas em Psicodinâmica do Trabalho
(LAISPDT - LAssociation Internationale des Spécialistes en
Psychodynamique du Travail). Atualmente é professor da Fundação
Getúlio Vargas (FGV- SP
Selma Lancman - Possui graduação em Terapia Ocupacional pela
Universidade de São Paulo (1978), mestrado em Saúde Coletiva pela
Universidade Federal da Bahia (1988) e doutorado em Saúde Mental
pela Universidade Estadual de Campinas (1995). Atualmente é
pesquisador associado - CONSERVATOIRE NATIONAL DES ARTS
ET METIERS e professor titular da Universidade de São Paulo.
Sheila Gonçalves Câmara - Psicóloga, mestre em Psicologia Social e
da Personalidade e doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade
Católica do rio Grande do Sul (PUCRS). Docente do Departamento de
Psicologia e do PPG em Psicologia e Saúde da Universidade Federal
de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).
Silmar Maria da Silva - Enfermeira. Mestre e Doutora pela Escola de
Enfermagem da Universidade de São Paulo. Professora Adjunta do
Departamento de Enfermagem Básica da Escola de Enfermagem da
Universidade Federal de Minas Gerais.
Silvia Cristina Camargo Pinceli – Enfermeira, Responsável pela área
de Saúde do Trabalhador e Perícias Médicas Coordenadoria de Saúde e
Segurança do Trabalhador - CSST-PROPEG- Reitoria – UNESP.
Sinésio Gomide Júnior - Graduado em Psicologia com Mestrado e
Doutorado em Psicologia pela Universidade de Brasília. É Professor
Titular da Universidade Federal de Uberlândia. Pesquisa os seguintes
temas: saúde organizacional, construção e validação de medidas em
Psicologia e bem-estar no trabalho.
Sonia Maria Guedes Gondim - Psicóloga e Professora Titular do
Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia. Possui
mestrado em Psicologia Social pela Universidade Gama Filho (1990)
e doutorado em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (1998). Fez estágio pós-doutoral na Universidade
Complutense de Madri e no Magdalene College em Cambridge, UK,
484
ambos com bolsa CNPq. Fez segundo estágio pós-doutoral na
Espanha em 2013, tendo sido contemplada com Bolsa CAPES do
Programa de Cooperação Internacional Brasil/Espanha. Atua na
graduação e pós graduação do Instituto de Psicologia). Todos
pertencentes à UFBA. É bolsista produtividade nível 1D do CNPq. Foi
vice-diretora do Instituto de Psicologia da UFBA, editora associada da
rPOT(Revista Psicologia, Organizações e Trabalho), e vice-presidente
da Associação Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho
(SBPOT). Foi Secretária Geral da atual diretoria da Associação
Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP)
(gestão 2016/2018). Coordena o grupo de pesquisa Emoções,
Sentimentos e Afetos em Contextos de trabalho, desenvolvendo
pesquisas sobre trabalho emocional, regulação emocional.
Sylvio Takayoshi Barbosa Tutya - Psicólogo pela Universidade Católica
Dom Bosco- UCDB; Mestre em Psicologia da Saúde pela Universidade
Católica Dom Bosco - UCDB; Graduado em Processos Gerenciais pelo
SENAI/MS; Pós-graduando em Psicoterapia de Orientação Psicanalítica;
Membro do Laboratório de Saúde Mental e Qualidade de Vida no
Trabalho da Universidade Católica Dom Bosco, coordenado pela Profa.
Dra. Liliana Andolpho Magalhães Guimarães; Membro da Red
Iberoamericana de Psicología de las Organizaciones y el Trabajo – RIPOT.
Tânia Maria de Araújo - Professora Titular Pleno/ Universidade
Estadual de Feira de Santana (UEFS). Docente dos Programas de PG
em Saúde Coletiva/UEFS e Saúde, Ambiente e Trabalho/UFBA.
Graduação em Psicologia/UFMG, Mestre em Saúde Comunitária e
Doutora em Saúde Pública/ UFBA, Pós-Doutorado na UMASS-Lowell-
EUA (2004) e na Universidade de Dusseldorf- Alemanha (2019).
Thamyres Ribeiro Pereira - Graduada em Psicologia pela
Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Pós graduanda em
Psicopedagogia Clínica, Institucional e Hospitalar pelo Libera Limes.
Possui formação em Psicologia Positiva Essential Level, pelo Instituto
Brasileiro de Psicologia Positiva e tem experiência de trabalho na área
de Psicologia Clínica e Processo Grupal.
Thaysa Maria Ribeiro Garcia - Psicóloga formada pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro com especialização em Saúde Pública pela
Fundação Oswaldo Cruz e mestrado em Psicologia Social (em curso) na
Universidade Salgado de Oliveira no RJ. Atua como psicóloga do
Programa de Preparação para Aposentadoria vinculado à Coordenação
de Saúde do Trabalhador da Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ.
Valdiney V. Gouveia - Itabaianense (PB), graduado em Psicologia
(UFPB) e Direito (Unipê), Especialista em Psicometria (UnB), Mestre
em Psicologia Social e do Trabalho (UnB) e Doutor em Psicologia
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Social (Universidade Complutense de Madri). Professor Titular de
Psicologia Social (UFPB) e Pesquisador 1A (CNPq). Tem estudado
valores humanos, atitudes, traços de personalidade e bem-estar.
Vanusa Meneghel - Psicóloga clínica, formada pela Universidade
Católica Dom Bosco (2009), graduação em Pedagogia pela Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul (2004), mestrado em Psicologia da Saúde
pela Universidade Católica Dom Bosco (2013), doutoranda em Psicologia
da Saúde pela Universidade Católica Dom Bosco (2015-2018).
Walnei Fernandes Barbosa - Médico do Trabalho e Perito. Professor
Assistente Doutor da FMT – UNITAU. Assistente Doutor do Departamento
de Clínica Médica da Faculdade de Medicina – Campus de Botucatu-
UNESP. Professor Adjunto da Faculdade de Medicina – UNIFAA.
Wladimir Ferreira de Souza - Docente do Instituto de Psicologia da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Pós-graduação
em Gestão Estratégica de Pessoas do NPG/FAF-UERJ. Pós-doutorado
em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz. Doutor e Mestre em Psicologia
Social pelo PPGPS/UERJ, com estágio doutoral (PDEE/CAPES) no
Institut d’Ergologie / Université d’Aix-Marseille (França).

Sobre a Tradutora
Jussara Mantovani - Pós-graduada em tradução em pela
Universidade Gama Filho – UGF – Campus São Paulo/SP/Brasil.

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SOBRE A ORGANIZADORA

Maria Luiza Gava Schmidt – É psicóloga, psicodramatista,


arteterapeuta, atua como docente e no Departamento de Psicologia
Social da Faculdade de Ciências e Letras – FCL UNESP – Campus
de Assis –, onde coordena Laboratório de Psicologia Ambiental.
Doutora em Saúde Coletiva pela Faculdade de Ciências Médicas –
Unicamp e Pós-Doutora em Saúde Pública pela FSP/USP. Editora
Chefe da Revista Laborativa. Autora e Organizadora dos Livros:
SCHMIDT, M. L. G.; CASTRO, M. F.; CASADORE, M. M. (Orgs.).
Fatores Psicossociais e o Processo Saúde/Doença no Trabalho. 1.
ed. São Paulo: FiloCzar, 2018.
SCHMIDT, M. L. G.. Arteterapia Sociopsicodramática na
Readaptação Profissional - Aspectos Teóricos e Metodológicos. 1.
ed. São Paulo: LTr, 2017.
BARBOSA, W. F.; SCHMIDT, M. L. G.; BERTOLOTE, J. M. (Orgs.).
Perícia Médica Administrativa: Aspectos Conceituais, Técnicos e
Éticos. 1. ed. São Paulo: LTr, 2016.
SCHMIDT, M. L. G.; VANIN, M. R. C. L. (Orgs.) . Psicodrama, Cinema
e Processos de Subjetivação. 1. ed. São Paulo: FiloCzar, 2016.
SCHMIDT, M. L. G; DEL-MASSO, M. C. (Orgs.). Readaptação
Profissional: da Teoria à Prática. 1. ed. São Paulo: Editora UNESP, 2014.
SCHMIDT, M. L. G. Saúde e Doença no Trabalho: uma perspectiva
sociodramática. 1. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010.

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Outras publicações da Editora FiloCzar

Educação
Educação Vegana: Perspectivas no ensino de Direitos Animais
Educação Vegana: A urgência de novos olhares

Educomunicação
Você, Repórter da Periferia: Visões e Vivências do Jornalismo nas Periferias

Filosofia
A formação das crenças na era das fake news: emoções e sentimentos epistêmicos
Da semântica do corpo ao gesto da palavra
Debates contemporâneos em Filosofia da Mente
Diálogos em Filosofia Clínica
Ética Cristã e Filosofia Clínica
Filosofia Clínica, Epistemologia e Lógica
Filosofia da Mente, Ciência Cognitiva e o pós-humano: para onde vamos?
Informação, Conhecimento, Ação Autônoma e Big Data: Continuidade ou
Revolução? (co-edição Cultura Acadêmica/UNESP)
Introdução à Filosofia Clínica e Filosofia Aplicada: Avaliações e Fundamentações
Minorias: da sociedade de consumo à sociedade do convívio
O homem como animal na Historia Animalium de Aristóteles
O príncipe eletrônico: Mídia, política e sociedade
Ortega y Gasset e o nosso tempo
Os memes e a memética: O uso de modelos biológicos na cultura
Peirce e a Neurociência do século XXI: Reflexões sobre filosofia e medicina
Reflexões Epistemológicas: Diálogos sobre filosofia clínica e educação
Sementes de Pragmatismo na Contemporaneidade: Homenagem a Ivo Assad Ibri
Semiose: Aspectos traduzíveis em clínica
Subjetividade e corporalidade na Filosofia e na Psicologia: Karl Jaspers,
Merleau-Ponty e a Filosofia Clínica [Edição Bilíngue]
Tecnologias e sociedade: Discussões contemporâneas
Visões Filosóficas sobre ciência e natureza

História
Tempo histórico, pandemia e fascismo no Brasil

Infantil
Pé de goiabeira
Você conhece o Jack?
Crico, o ratinho pensador

Leitura
Formação e desenvolvimento do leitor: Os sujeitos envolvidos e suas responsabilidades
Psicodrama
Psicodrama: Apontamentos e criação
Psicodrama, cinema e processos de subjetivação
Psicologia
Fatores psicossociais e o processo saúde/doença no trabalho: Aspectos
teóricos, metodológicos, interventivos e preventivos
Os motoboys de São Paulo e a produção de táticas e estratégias na realização
das práticas cotidianas

Psicopedagogia
Henri Wallon e a prática psicopedagógica

Terapia Ocupacional
Formação em Terapia Ocupacional no Brasil

Literatura
Ângela, um Jardim no vermelho
Escritas diversas do eu
O Antropólogo
Os miseráveis da seca
Ser-tão-nordestino... e onde mora sua liberdade

Contos
Na década de dez – vol. II
Contos em Clave de Sol

Cordel
Lamarca, Herzog e Outros Heróis
Florestan Fernandes: O engraxate que se tornou sociólogo

Poesia
Além
Caos
Dos olhos pra fora mora a liberdade
Esteticidades de um paulistano
Felicidade Brasileira: Os versos de um Semblantes
Luz & Tom
O quintal de Joaquina
Relíquias de minha inspiração
Versando pela África

Teatro
Luz & ribalta

www.editorafiloczar.com.br
E ste dicionário nasceu em meio a um período de pandemia e
distanciamento social em que todos tivemos que nos adaptar
às mudanças, aos obstáculos e, no pior dos casos, às perdas.
r
A própria Saúde no Trabalho ganhou uma nova perspectiva f ente
aos desafios que se instauraram, tanto para os que passaram a lidar
diretamente com a pandemia, quanto para os que se viram
trabalhando em casa pela primeira vez.
A flor em foco na capa desta obra é a Dipladênia, também
conhecida como Mandevilla. A imagem da planta simboliza a força
necessária para vencermos os obst;ículos, com suas hastes fo11es e
vigorosas, ultrapassa os espaços enb·e os furos dos tijolos e
sobressai de um lado ao outro da pare.de para briUrnr em
ornamentação. Este movimento espontâneo da planta nos remete às
ações cotidianas no campo da Saúde Mental e TrabaU10, na incansável
luta de profissionais de diferentes áreas do conhecimento que se
dedicam a vencer os enn·aves em prol da saúde dos b·abaUrndores/ras.
Que este dicionário possa fincar as raízes do conhecimento, que a
força de construção conjunta destes autores possa emergir para a
luz, formando um jardim de Dipladênias de conquistas no campo
da Saúde Mental e Trabalho.
lngrid Schmidt

FiloC'a1r

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