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Breves reflexões sobre a abordagem evolucionária e neurocientífica da música;

cognição, emoção, expertise musical e inteligências múltiplas

Karollen F. Gomes de Araújo


1. Cognição, emoção e expertise musical
Experiência musical é experiência social e emocional, vivenciamo-las de forma
pluralística ao comando metacognitivo, sentimo-las através de representações,
comparações, traduções, assimilações, memórias, surpresas, afetos... É comum que
busquemos no caos a organização, o padrão, a regularidade, mas que também apreciemos
um caos organizado, tal afirmativa pode parecer contraditória ou paradoxal, mas novas
experiências estimulam a neuroplasticidade e com ela novas conexões internas e externas.
Quando essa experiência musical é adicionada à experiência musical motora, nos
transpomos a um nível mais refinado de experiência cognitiva, conectamo-nos ao
instrumento, e este estimula desde o nível imaginativo-interpretativo do mundo inteligível
ao nível de ação dos cinco sentidos da percepção das corporeidades do mundo sensível.
Para que essa experiência seja bem recebida e posteriormente, bem executada, ações
essenciais precisam ser praticadas com regularidade, assim se inicia o estudo deliberado,
que pode ser praticado individualmente ou grupalmente. Porém, o estudo deliberado varia
de um indivíduo para outro, pois o rendimento do aprendizado dependerá da situação
cognitiva, psicológica, biológica, anatômica, social e ambiental.
Dessa forma a excelência ou expertise musical, de um modo geral, demorará
muitos anos para ser alcançada em um indivíduo, pois além desses fatores, acrescentasse
a disciplina constante para que continue progredindo e aperfeiçoando a execução, caso
contrário, o indivíduo poderá ficar estagnado em um mesmo nível ou até regredir em seus
estudos, são por essas razões que crianças possuem chances mais elevadas de se tornarem
músicos e musicistas prodigiosos, pois além de possuírem uma neuroplasticidade maior
ainda contam com uma possível longevidade que os farão se tornarem expertises musicais
na idade adulta, realidade esta que difere consideravelmente daqueles que iniciam os
estudos musicais numa idade mais tardia.
É importante deixar nítida a ideia de que quanto mais horas se estuda mais o
indivíduo irá se tornar exímio no que faz é errônea, pois o tempo de pico de concentração
de uma pessoa adulta varia de 30 a 50 minutos (este tempo é ainda menor em crianças) e
que a partir desse tempo há mais chances de fadiga mental, que pode suscitar sentimentos
de desmotivação, tédio, cansaço físico e/ou mental dentre outros, o que pode fazer com
que a vontade de potência do indivíduo entre em decadência, caso esteja sendo forçado
ou pressionado a estudar várias horas - muitas vezes sem pausas - por dia, é por isso que
a autorregulação se torna importante, pois avalia as potencialidades e o tempo
confortavelmente necessário para os estudos e práticas diárias de acordo com cada caso,
para que os níveis de evolução sejam maiores do que os de regressão ou abandono.
A memória musical é algo que influencia na receptividade e avaliação geral, quem
apreende e memoriza as obras e depois as executa tem mais liberdade e mais aproximação
com aqueles que assistem a apresentação (além é claro do aumento da potencialidade dos
aprendizados posteriores), sendo avaliados como músicos e musicistas excelentes, já os
que tocam com o apoio das partituras não são tão bem elogiados, visto que a atenção de
quem toca está majoritariamente em uma direção, deixando o público e o próprio
envolvimento afetivo com a música e o instrumento tocados em carência.
A ansiedade é um tipo de emoção que pode ser constituinte da personalidade,
como um traço do indivíduo ou uma predisposição ou pode ser um estado transitório que
os acomete em situações diversas, se essa emoção aparece em excesso se torna uma
doença psicológica passível de tratamento. A ansiedade antes de cada apresentação
poderá levar a performance à ruína ou pode levar à exuberância, mas isso irá depender do
nível de domínio dos músicos e musicistas, quem tem pouco domínio provavelmente
deixará a ansiedade dominar e o medo crescer, impossibilitando uma boa performance, já
quem tem mais domínio e autoconhecimento conseguirá lidar com a ansiedade e
transformará ela em potência na hora da execução.

2. Inteligências Múltiplas
Depois que Gardner discordou do método de avaliação limitado da inteligência
de indivíduos que Binet tinha criado, - para satisfazer as indagações dos pais franceses do
sécul XVIII acerca de suas crianças em anos escolares iniciais – pesquisou diversos
grupos de pessoas em locais e culturas distintas e a partir destas análises, desenvolveu e
determinou 7 tipos de inteligência, são elas: Inteligência linguística; lógico-matemática;
espacial; musical; corporal-cinestésica; interpessoal; e intrapessoal. Sendo assim,
acreditava que a escola deveria ser a responsável por lapidar os tipos de inteligência de
cada indivíduo de acordo com suas predisposições e guiá-las aos seus respectivos
objetivos ao longo da formação educacional e social.
Ele observava também, alguns aspectos sociais que deturpavam o fluxo do
aprendizado pois tinham uma visão unidimensional e 3 preconceitos básicos:
Ocidentalismo, que é colocar a cultura ocidental como a mais completa e digna de ser
seguida e difundida, deixando de lado a riqueza cultural e intelectual de outros pólos;
Testismo, que é padronizar a avaliação, tendo em vista que pessoas costumam se
comportar com padrões diferentes em testes, de acordo com cada realidade individual e
padronização seria mais como um obstáculo do que como uma ajuda; e Melhorismo, que
coloca o pensamento lógico-matemático como sendo o pensamento sempre correto,
verdadeiro, sem falhas, que tudo possui uma resposta pronta ou até mesmo imutável.

3. Uma abordagem evolucionária e neurocientífica da música


A música tem papel onipresente desde o início da humanidade, utilizada sobretudo
como meio de expressar emoções e socializações, sendo por isso uma das principais
linguagens antes da criação de signos e símbolos linguísticos. Hoje a ciência estuda
comportamentos cognitivos e emocionais utilizando a neurobiologia como principal fonte
de investigação e análise evolucionária. Pitágoras foi um dos primeiros a estudar aspectos
físicos, matemáticos e astronômicos da música, ficando famoso com a teoria da música
das esferas na qual relacionava os intervalos musicais com as distâncias entre os planetas
do nosso sistema solar e suas harmonias macro e micro cósmicas e com a invenção do
monocórdio para demonstração de padrões matemáticos que os sons produzem ao
manipular a divisão da corda do instrumento que utilizava. Música e matemática
permaneceram unidas por muito tempo, sendo considerada abstrata e concreta, física e
metafísica, tornando-se o mistério cosmológico e telúrico da humanidade, sendo
considerada como algo sagrado por diversos povos em diversos tempos históricos.
Linguagem verbal e linguagem não-verbal como a música possuem correlação,
mas até hoje estudiosos não conseguem entrar em consenso definitivo para determinar
qual destes foi o percursor, já que ambas consistem em organização intencional de sons
para poder exprimi-las, mas a questão é: a emissão de sons animalescos pelos seres
humanos no início de seu processo evolutivo já possuíam um caráter de intenção para
formulação de signos linguísticos como conhecemos hoje ou seriam apenas exímios
imitadores, que ao observar a forma que outros animais se comunicavam passou também
a criar formas semelhantes de comunicação por intermédio de sons rítmicos e melódicos,
da mesma forma que os outros animais faziam?
A música em - algumas espécies - pode ser considerada autônoma em algum grau,
principalmente em nível perceptivo de padrões rítmicos regulares simples ou compostos,
melodias, intervalos, modulações de até 2 oitavas e harmonias consonantes, já sua
aceitação - afetividade com o que se está ouvindo e percebendo - neurobiológica
dependerá do ambiente em que vive e de suas “predisposições” genéticas. Indo além da
percepção autônoma, há indivíduos que possuem a habilidade aperfeiçoada de ouvir e
distinguir os sons de forma excelente, são as que desenvolvem muito rapidamente o que
chamam de ouvido absoluto, ou seja, sabem dizer exatamente que nota está sendo soada,
independente da fonte sonora, sendo um instrumento musical ou não, mas existe um
detalhe que quebra toda a magnificência do ouvido absoluto, pois a maioria afirma que
não precisam de referência para identificarem a nota, mas em algum momento de seu
aprendizado ele teve que aprender a associar o som com a palavra que lhe foi instituída,
e que o seu poder está na memorização da frequência aprendida, o outro fator a ser
observado é que por ter aprendido e memorizado frequências é quase certo que uma
pessoa que usufrui do ouvido absoluto e que nasceu no ocidente dificilmente identificará
frequências sonoras da música desenvolvida e ensinada no oriente, visto que existe a
microtonalidade e para que pudesse se aperfeiçoar e ser um ouvido absolutamente
absoluto, teria que aprender e memorizar todas as frequências sonoras que todos os povos
já utilizaram e identificá-las sem uma base referencial também, logo conclui-se que o que
chamamos de ouvido absoluto, nada mais é que um ouvido pseudo-absoluto ocidental.
As pesquisas e estudos recentes da neurociência relacionadas ao desempenho
cognitivo atrelado ao processamento musical, estão revelando respostas de como o
indivíduo se comporta após terem lesões cerebrais em determinadas regiões dos córtices,
e avaliam também os comportamentos musicais de indivíduos que possuem desordens
congênitas ou mentais. Dentre essas perturbações do processamento musical temos a mais
famosa, chamada de amusia, que pode ser adquirida depois de algum acidente e lesão na
área ou congênita, este tipo de manifestação neurológica é semelhante a estados alterados
de consciência de maneira desordenada, como alucinações, que podem ser realísticas
(epilepsia musicogênica) ou suscitar apenas estados contemplativos (alucinação musical
visionária), isso dependerá de cada um e de como foi adquirido este distúrbio.
Verifica-se que existem hierarquias de funções, se acaso uma região é lesada a
função correspondente pode ser perdida ou prejudicada, de acordo com seu nível
hierárquico e suas conexões com as outras áreas ou subáreas responsáveis pelas mesmas
funções ou similares à elas. A percepção analítica da melodia se dá predominantemente
no hemisfério esquerdo e a percepção passiva se dá predominantemente no hemisfério
direito, portanto, não há lateralização da percepção auditiva mas um trabalho mútuo,
delegando funções hierarquicamente. Pesquisas recentes mostraram um aperfeiçoamento
da função da área de Broca e aumento da massa cinzenta em indivíduos que estudavam
música ou que já eram músicos, e também da melhora nas habilidades visuo-espaciais,
linguísticas, matemáticas e relativas à memória.
As respostas emocionais da sociedade pela música, apesar de serem sentidas de
forma diversificada, acaba seguindo padrões um tanto quanto homogêneos, deve ser por
isso que certos gêneros musicais são mais aceitos pela massa populacional do que outros,
pois além do fato de serem manipulados e ofertados por intermédio do monopólio
capitalista da indústria fonográfica em seu caráter de liquidez e lucro, são esses gêneros
que acabam se tornando mais acessíveis aos povos que não têm autonomia social ou que
estão presos às investiduras dos empresários fonográficos, o que faz com que muitas
dessas pessoas não tenham a oportunidade de descobrir novos horizontes perceptivos e
consequentemente, novas conexões músico-afetivas.
Referências
ANDRADE, Paulo Estêvão. Uma abordagem evolucionária e neurocientífica da música.
Neurociências. Vol. 1. N° 1. Julho-agosto de 2004. P. 21-33.

GALVÃO, Afonso. Cognição, Emoção e Expertise Musical. Psicologia: Teoria e


Pesquisa. Mai-Ago 2006, Vol. 22, n. 2, p. 169-174.

TRAVASSOS, Luiz Carlos Panisset. Inteligências Múltiplas. Revista de Biologia e


Ciências da Terra. Vol. 1, n. 2. 2001.

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