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Análise da Atividade Gerencial de Obtenção no Âmbito de um Órgão Federal de


Compras sob a Ótica da Teoria das Restrições
Autoria: Igor de Assis Sanderson de Queiroz, Samuel Cogan

Resumo

O objeto deste estudo é o “coração” do sistema de abastecimento de uma Organização


Federal, alvo de cobranças por parte dos demais componentes da estrutura. Nosso objetivo foi
identificar as críticas dos stakeholders de um Centro de Aquisição, procurar as causas e
sugerir soluções. Assim, empregamos o Processo de Raciocínio da Teoria das Restrições,
utilizando suas ferramentas denominadas Árvore da Realidade Atual, Diagrama de Dispersão
de Nuvem e Árvore da Realidade Futura. Vimos que as restrições legais inerentes às compras
públicas são a causa-raiz dos problemas, e que a solução poderia residir na redução destas
limitações aos níveis mínimos.

Palavras-Chaves: Sistema de Abastecimento; Centro de Aquisição; Teoria das Restrições.

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1 Introdução

Segundo Steele e Court (1996, p. 2), o processo de compras pode ser definido como a
contratação de terceiras partes para obtenção dos bens e serviços requeridos para o
cumprimento dos objetivos de negócios da organização, da maneira mais eficaz em termos de
prazos e custos. No setor público, de acordo com o que preconiza o Art. 2º Lei nº 8.666 de 21
de junho de 1993 (Lei de Licitações), as compras da Administração Pública, quando
contratadas com terceiros, serão precedidas de licitação, ressalvadas as exceções previstas no
mesmo diploma legal.
A Organização Federal cuja estrutura engloba o Centro de Aquisição em questão é
integrante da Administração Pública Federal Direta, estando submetida ao regime de compras
públicas, estabelecido na lei supracitada, no Decreto nº 10.520 de 17 de julho de 2002, no
Decreto nº 3.931 de 19 de setembro de 2001 e demais dispositivos da legislação pertinente.
De acordo com as suas normas internas para execução do abastecimento, o Sistema de
Abastecimento, doravante denominado SAb, é um subsistema integrante do Sistema de Apoio
Logístico. Constituído por órgãos responsáveis pela supervisão geral, técnica,
superintendência, direção e execução, o sistema tem seus recursos e processos, interligados e
interdependentes, estruturados de forma a prover, manter e controlar os materiais necessários
à manutenção de suas organizações em condições de plena eficiência.
O Centro de Aquisição (CAq) é o principal órgão de compra do SAb, com a atribuição
de exercer a atividade gerencial da obtenção, a qual compreende a pesquisa e seleção, tanto no
mercado nacional quanto no internacional, de fornecedores dos materiais necessários, bem
como a aquisição destes materiais e o seu diligenciamento. Após a aquisição, estes materiais
são estocados nos Centros de Distribuição, de onde são despachados para todo o território
nacional e eventualmente, para o exterior.
Em mais de 95% dos casos observados, a modalidade de licitação aplicável é o Pregão
Eletrônico, por ser adequada aos casos de aquisição de bens e serviços comuns (BRASIL,
2002). Na Organização Administrativa do CAq, ao Departamento de Aquisição cabe a
condução de todo o processo de compras. Este está dividido em gerências, às quais são
atribuídas as responsabilidades sobre as categorias específicas de materiais. Cada uma destas
gerências atua de forma estanque, conferindo aos processos um trâmite vertical, no qual o
gerente é o encarregado de receber a previsão das necessidades de material, determinada pelo
Órgão de Controle do SAb, e a partir de então, realizar a pesquisa preliminar de preços,
elaborar o termo de referência e o edital convocatório do certame licitatório, proceder a
execução de todas as fases internas e externas da licitação e posteriormente, mediante
solicitação do órgão de controle, providenciar a emissão das ordens de compra.
Portanto, é fácil depreender que o CAq, por ser o “coração” do SAb, está
constantemente sujeito à pressões externas, tanto por parte dos órgãos a que está subordinado,
quanto proveniente dos usuários do sistema. O fato de seguir procedimentos padronizados por
leis e normas faz com que alguns dos problemas observados em seus processos se tornem
crônicos. A ocorrência de falhas no cumprimento da missão do CAq interrompe o bom
andamento do fluxo logístico, prejudicando grande quantidade de órgãos que dele dependem.
Em face do exposto, justifica-se a realização desta pesquisa, tendo em vista a
necessidade do bom desempenho na atividade obtenção para garantir a manutenção das
tarefas da Organização como um todo. A contribuição esperada é a de traçarmos um
diagnóstico das causas das principais fontes de insatisfação apontadas pelos usuários e pelos
próprios componentes do SAb, e então, podermos sugerir a adoção de ações que promovam
um melhor funcionamento do sistema.
Assim, podemos identificar o CAq como sendo o objeto de nosso estudo. O presente
artigo teve como objetivo responder a seguinte questão de pesquisa: qual é a origem dos

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problemas apontados pelos stakeholders no processo de obtenção desenvolvido pelo CAq, e


que ações adequadas, exequíveis e aceitáveis poderiam ser implementadas na busca das
soluções?
Introduzidas as definições necessárias para a contextualização de nossa meta,
descrevemos a seguir a metodologia usada. Na sequência, apresentamos o referencial teórico,
a análise dos dados coletados, os resultados obtidos, e, por fim, nossas conclusões.
Participamos que os nomes dos órgãos envolvidos nesta pesquisa foram substituídos
por denominações genéricas.

2 Metodologia

Esta pesquisa fez uso de dados obtidos diretamente de pessoas envolvidas nas
atividades do Sistema de Abastecimento, dando-lhe um caráter bastante prático. Por isso, ela
pode ser classificada como um estudo empírico (DEMO, 1994, p.37).
No que tange ao objetivo, segundo Gil (1996, p.45), trata-se o presente estudo de
pesquisa exploratória, que “... na maioria dos casos assume a forma de pesquisa bibliográfica
ou de estudo de caso...”
O levantamento bibliográfico foi realizado com vistas a construir os alicerces para a
pesquisa, conceituando os aspectos envolvidos no Processo de Raciocínio (PR), na “Theory of
Constraints-TOC” (Teoria das Restrições – tradução livre) e na utilização das ferramentas
lógicas conhecidas como Árvore da Realidade Atual (ARA), Diagrama de Dispersão de
Nuvem (DDN) e Árvore da Realidade Futura (ARF).
Com relação à abordagem do problema, a análise dos dados teve tratamento
qualitativo.
Por meio de entrevistas realizadas com servidores que exerceram funções no CAq,
bem como no órgão de controle (Centro de Controle de Estoque), e em órgãos de distribuição
(Centros de Distribuição) e órgãos clientes do SAb, isolamos os nove problemas mais
comumente mencionados e observamos como eles se relacionam entre si. Então, utilizamos as
técnicas da TOC para identificarmos a origem destes sintomas negativos, segundo relações de
causa-efeito, permitindo finalmente a proposição de sugestões para seu aperfeiçoamento.
Foi utilizado, portanto, o estudo de caso concreto como método de pesquisa social
empírica. Este método científico permite a realização de levantamentos, observações e
experimentos, fornecendo conhecimentos sobre opiniões, atitudes, crenças e percepções dos
agentes ou pacientes do processo (CAMPOMAR, 1991).

3 Plataforma Teórica

3.1 Theory of Constraints (TOC)

A “Theory of Constraints”, ou Teoria das Restrições, foi desenvolvida por Eliyahu M.


Goldratt no início da década de 1970. Trata-se de uma ferramenta de gestão administrativa
para permitir que as organizações pensem sobre os seus problemas, vislumbrem soluções
inovadoras e implementem estas soluções com sucesso (MABIN e BALDERSTONE, 2003,
p.569). A aplicação prática deste método foi detalhada pioneiramente na obra “A Meta”,
escrita por Goldratt no início dos anos 80. Por ter sido o livro baseado em problemas
logísticos de produção, até hoje, muitos consideram que a teoria só é aplicável a processos
produtivos.
O princípio desta metodologia é a identificação de forças restritivas e impulsionadoras,
possibilitando ao gestor responder “o que mudar”, “para o que mudar” e “como provocar a
mudança”. Para Ruhl (1996, p.14), “as restrições determinam a performance de algum

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sistema, portanto, os gerentes não deveriam focalizar-se na redução de custos, e sim no


gerenciamento das restrições do sistema”.
Uma restrição é “alguma coisa que limita a performance de um sistema referente a sua
meta” (RUHL, 1996, p. 45). As restrições não são necessariamente boas ou ruins. Elas
simplesmente existem e devem ser distinguidas e administradas, de forma a se tornarem
aliadas do crescimento da empresa, em vez de serem encaradas como obstáculos (CORBETT,
2005).
Segundo ensina Corbett Neto (1997, p. 40) cinco etapas compõem a TOC:

a) Identificação da restrição ou restrições – o elemento limitador tem que ser determinado.


Caso haja mais de uma restrição, deve-se priorizar aquela que, uma vez contornada, permita a
obtenção de maiores ganhos ou melhor desempenho;

b) Decisão sobre como explorar as restrições do sistema – neste estágio, define-se as ações
que maximizem o desempenho do sistema, tendo em vista a existência da restrição;

c) Subordinação das demais ações à forma escolhida para explorar as restrições – segundo
Guerreiro (1999), os recursos que não representem restrições devem ser empregados na
medida exata demandada pela forma empregada de exploração das restrições;

d) Elevação das restrições do sistema – com o objetivo de elevar a capacidade do recurso com
restrição; e

e) Se num passo anterior uma restrição foi quebrada, volte à primeira etapa. A inércia não
deve causar restrições no sistema – Após a etapa d), o ciclo deve ser reiniciado a partir da
etapa a).

Podemos separar as restrições em dois diferentes tipos: as físicas, devidas à escassez


ou ausência de recursos materiais ou humanos, e as políticas, geradas por normas,
procedimentos e práticas cotidianas, conforme especificado na Figura 1:

Mercado; Pessoas;
Físicas Materiais; e Máquinas

Restrições
Normas; Procedimentos; Práticas
Políticas usuais e cotidianas.

Figura 1. Tipos de Restrições


Fonte: Adaptado de WANDERLEY, Carlos A. N.; COGAN, Samuel; SILVA, Anderson C. da. Aplicação do
processo de raciocínio da Teoria das Restrições em sistemas atípicos: uma análise empírica de uma bateria de
Escola de Samba do carnaval carioca. Gestão & Regionalidade - Vol. 26, nº 78, set-dez/2010.

3.2 Processo de Raciocínio (PR)

O Processo de Raciocínio é um conjunto de ferramentas lógicas criadas por Goldratt


para operacionalizar a resolução de problemas de diferentes graus de complexidade. O PR foi
inspirado na 3ª Lei de Newton, que estatui que a cada ação cabe uma reação. Dessa forma,
suas ferramentas procuram estabelecer relações de causa e efeito da física, e foram criadas
para ajudar a resolver problemas. Para Cogan (2007, p. 293) esta técnica complexa vem se

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aprimorando com o passar dos anos, revelando novas perspectivas para os problemas e,
muitas vezes, soluções de senso comum que trazem vantagem competitiva para os negócios.
O PR pode ser usado para resolução de restrições físicas, mas é especialmente
indicado para suplantar problemas advindos das restrições políticas, uma vez que sua
identificação é mais trabalhosa, pois não são tão visíveis e óbvias (NOREEN et al, 1996,
p.49). Conforme Goldratt (apud Dettmer, 1997), as 5 ferramentas do Processo de Raciocínio
são a Árvore da Realidade Atual (ARA), Diagrama da Dispersão de Nuvem (DDN), Árvore
da Realidade Futura (ARF), Árvore de Pré-Requisitos (APR) e Árvore de Transição (AT). Em
consonância com o objetivo estipulado no item introdutório, neste trabalho, consideraremos
apenas as três primeiras citadas.

3.2.1 Árvore da Realidade Atual (ARA)

A construção da Árvore da Realidade Atual tem como propósito responder à questão


“o que mudar?” Consiste na identificação da restrição ou restrições do sistema. Para fazer este
diagnóstico, é fundamental a participação dos envolvidos, internos e externos, nos processos
da organização. Conforme Dettmer apud Cogan (2007, p. 158), a ARA é projetada para
prover as bases para entendimento de sistemas complexos, identificar os Efeitos Indesejáveis
(EI) exibidos pelo sistema, e relacioná-los com as causas-raiz por meio de encadeamentos
lógicas de causa e efeito. Por meio desta análise, geralmente é possível identificar um
problema-raiz que eventualmente produza 70% ou mais dos EI, sendo, portanto, a restrição
cuja transposição deve ser priorizada.

A elaboração gráfica da ARA é relativamente simples, mas demanda atenção e


raciocínio para visualização das relações implícitas entre os diversos EI. De forma a facilitar o
desenho esquemático, o seguinte procedimento sequencial é sugerido (COGAN 2007, p. 159):

a) Com o auxílio de pessoas conhecedoras do sistema, listar de cinco a dez sintomas


negativos, denominados efeitos indesejáveis (EI), os quais deveriam ser eliminados;

b) Fazer o chamado “Teste de Ressalva de Clareza”, a fim de verificar se cada EI foi


traduzido em uma afirmação clara e concisa;

c) Identificar relações de causa e efeito entre os EI, utilizando a lógica socrática “se-então”,
determinando quais deles dão causa aos demais, que são efeitos;

d) Seguir o processo até que todos os EI estejam conectados, examinando cuidadosamente


cada elemento;

e) Dispor os elementos em diagrama como uma árvore, de forma que, sequencialmente, uns
EI “causem” os demais, de baixo para cima. Deve-se observar se a árvore reflete a intuição
sobre a área objeto do estudo. Caso necessário, a árvore deve ser expandida, ou eliminada
qualquer entidade desnecessária;

f) A árvore deve ser verificada por um conhecedor do processo. Para Noreen et al (1996, p.
160), este deverá ler toda a árvore, de baixo para cima, e sempre que uma entidade ou flecha
não ficar clara, deve ser usada uma das sete categorias das “ressalvas legítimas” abaixo:

 Existência da Entidade – questionar a existência da entidade (causa ou efeito),


explicando que a causa ou o efeito não existe realmente;

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 Existência da Causalidade – questionar a existência do elo causal entre a causa e o


efeito com o uso da declaração “se, então”;
 Tautologia – ser redundante ao afirmar a relação causa-efeito. A causa é na verdade
uma repetição fiel do efeito, provocando assim a redundância. Se houver tautologia, é
possível estabelecer a causa como sendo o efeito e o efeito como sendo a causa;
 Existência do efeito (Entidade) Predito – usando outro efeito (E) para mostrar que a
causa hipotética (C) não produz o efeito inicialmente observado (E). Por outro lado, se
a causa original resultar também no efeito adicional, isto apóia a relação original causa
efeito;
 Suficiência de Causa – mostrar que uma causa adicional não-trivial deve existir para
explicar a existência do efeito observado. Se as causas sugeridas não existirem, então
o efeito observado não irá também existir;
 Causa Adicional – explicar que uma causa adicional que aumenta o tamanho do efeito
observado deve existir. As causas amplificam o tamanho do efeito observado e
nenhuma das causas pode, por si mesma, explicar o tamanho ou a extensão do efeito; e
 Esclarecimento – não entender claramente a relação causa-efeito ou a entidade. Pedir
uma explicação adicional da relação causa efeito da relação ou entidade;

g) Por fim, localizar a causa-raiz, que dá origem a aproximadamente 70% dos EI,
para a qual vai se procurar a solução. A causa-raiz localizar-se-á na base da árvore.

Na Figura 2, são apresentadas algumas convenções utilizadas na construção das


árvores, segundo Dettmer apud Cogan (2007, p. 162).

Figura 2. Convenções utilizadas na construção das Árvores


Fonte: COGAN, Samuel. Contabilidade Gerencial: uma abordagem da teoria das restrições. São Paulo: Saraiva,
2007.

A ARA é considerada uma ferramenta de fácil implantação e utilização nas


organizações. Ela retrata o sistema de forma estática em determinado momento, e por isso,
deve ser elaborada por quem conheça o sistema com a maior profundidade possível.

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Identificando o problema-raiz, é possível (e mais fácil) direcionar os esforços sobre a causa,


não dispendendo recursos em vão com os efeitos.

Então...

Se... Se...

Figura 3. ARA

3.2.2 Diagrama de Dispersão de Nuvem (DDN)

De acordo com Cogan (2007, p. 291), o DDN é usado para identificar o conflito
principal que está acarretando a restrição na organização. Portanto, seu objetivo é responder a
questão “para o quê mudar?” Ele é constituído de um objetivo (que deve ser o oposto do
problema-raiz), necessidades (condições essenciais para a obtenção do objetivo) e pré-
requisitos (condições que definem as necessidades do conflito).
O pressuposto desta ferramenta é considerar que algum conflito existe, pois caso
contrário, uma solução simples certamente já teria sido implementada pelos gestores. Partindo do
objetivo desejado para solucionar o problema-raiz, são desenvolvidas novas políticas para
resolução do conflito. O DDN procura atender aos seguintes objetivos Segundo Dettmer (apud
Cogan 2007, p. 176):

 Confirmar que o conflito existe realmente;


 Identificar o conflito que perpetua um problema maior;
 Resolver o conflito;
 Criar soluções em que ambos os lados ganhem;
 Explicar em profundidade porque um problema existe;
 Identificar todos os pressupostos/paradigmas que têm conexão com problemas e
conflitos.

Requisito B Pré‐Requisito D 

Conflito
Objetivo A

Requisito C Não D 

Injeção

Figura 4. Diagrama de Dispersão de Nuvem


Fonte: Adaptado de NOREEN, Eric; SMITH, Debra; MACKEY, James T. A teoria das restrições e suas
implicações na contabilidade gerencial. São Paulo: Educador, 1996.

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3.2.3 Árvore da Realidade Futura (ARF)

Trata-se de uma ferramenta de apresentação gráfica, a qual tem a finalidade de projetar


as relações de causa e efeito futuras, após a implementação das mudanças recomendáveis,
definidas a partir da análise da ARA e do DDN. A partir da injeção proposta para resolver o
problema-raiz, constroem-se as relações lógicas, “esperando-se que, em vez das EIs originais
da ARA, sejam encontrados tão somente Efeitos Desejáveis (ED)” (COGAN, 2007, p. 289).
A ARF testa a eficácia da injeção em transformar os EI em ED. Adicionalmente,
segundo Dettmer (apud Cogan 2007, p. 181), a ARF serve aos seguintes propósitos básicos:

 Permite testar efetivamente novas idéias antes de se comprometer tempo, dinheiro e


pessoas na implementação;
 Determina se o sistema de mudança proposto, de fato, produzirá os ED sem criar
outros novos efeitos devastadores;
 Revela, pelos ramos negativos, se (e onde) as mudanças propostas criarão problemas
novos ou colaterais, quando estiverem resolvendo os velhos problemas;
 Provê um meio de acesso aos impactos de decisões localizadas no sistema inteiro;
 Provê uma ferramenta efetiva para persuadir tomadores de decisão a sustentarem um
desejável curso de ação;
 Serve como uma ferramenta inicial de planejamento para mudar o curso do futuro.

Ocasionalmente, podem surgir ramos negativos, que são EI, desenvolvidos na ARF,
resultantes de uma injeção. Tratam-se dos efeitos colaterais das ideias que estão sendo
introduzidas no sistema. Estes novos EI demandarão então novas injeções secundárias ou
adicionais, a fim de eliminar os seus resultado negativos (COGAN, 2007, p. 293).

4 O caso do CAq

Conforme descrito na introdução, o CAq tem a missão de preparar e conduzir todas as


fases dos certames licitatórios que realiza, a fim de selecionar os fornecedores dos materiais a
serem adquiridos, que fazem parte da linha de fornecimento do SAb. Esta tarefa não é nada
fácil, e algumas observações são recorrentes ao longo do tempo de atuação do órgão.
Levamos em conta nas nossas análises que, sendo um importante órgão da estrutura da
Organização Federal à qual pertence, também o CAq é uma instituição que tem na cultura
uma força vital, sendo a cultura organizacional uma cognição coletiva. Nas entidades que,
como esta, estão imersas na escola cultural de estratégia, percebemos que a ideologia não
encoraja mudanças estratégicas (MINTZBERG et al, 2000).
Desta maneira, considerando que algumas mudanças, embora de difícil
implementação, seriam benéficas, não apenas na sua atuação, mas no sistema em que ele se
insere, contamos com o auxílio de pessoas envolvidas nas atividades de obtenção, seja como
adquirentes ou como utentes, a fim de elaborarmos a Árvore da Realidade Atual, o Diagrama
de Dispersão de Nuvem e a Árvore da Realidade Futura, atinentes ao caso.

4.1 ARA do CAq

Visualisando o sistema de forma geral, foram identificados nove sintomas negativos


comumente apontados como restrições a serem melhoradas. Observando as relações entre
eles, construímos a ARA constante da Figura 5.

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Figura 5. ARA do CAq

A leitura da ARA, de baixo para cima, demonstra as seguintes relações de causa e


efeito:

 A falta de recursos financeiros implica a falta de pessoal, pois não há recursos financeiros
para pagar mão de obra adicional. Por sua vez, com menor força de trabalho, a preparação e
condução das licitações torna-se mais demorada. Caso os processos de aquisição não sejam
concluídos em tempo hábil, a demanda contínua por material pode levar à quebras de estoque
de determinados itens.
 A falta de recursos financeiros ocasiona a redução das quantidades de materiais
comprados. Se estas quantidades forem insuficientes para fazer frente à demanda, poderá
haver quebra de estoques.

 As restrições legais inerentes às compras públicas geram dificuldades administrativas,


que tornam as licitações demoradas. Caso os processos de aquisição não sejam concluídos
em tempo hábil, a demanda contínua por material pode levar à quebras de estoque de
determinados itens.

 As restrições legais inerentes às compras públicas podem inviabilizar a compra das


quantidades de materiais necessárias. Se as compras forem insuficientes para fazer frente à
demanda, poderá haver quebra de estoques.

 As restrições legais inerentes às compras públicas vedam a especificação de marcas de


materiais a serem adquiridas. Especificações genéricas podem conduzir à compra de alguns
itens com baixa qualidade.

 As restrições legais inerentes às compras públicas proíbem a participação de empresas


que não comprovem sua regularidade fiscal. A manutenção desta condição gera custos para
os fornecedores, e pode ocasionar a participação nas licitações de fornecedores com
propostas de preços acima do mercado.

 As restrições legais inerentes às compras públicas dificultam o impedimento da


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participação, nas licitações, de fornecedores com probabilidade de ocasionar transtornos para


a Administração Pública. Assim, pode ocorrer que os certames sejam vencidos por
fornecedores com baixo nível de comprometimento. Este tipo de fornecedor pode: vender
produtos praticando preços incompatíveis com o mercado, fornecer itens de baixa qualidade,
ou ainda deixar de realizar entregas, causando quebras de estoque.

 A falta de recursos financeiros implica a falta de pessoal, o que pode provocar falhas nos
processos, como erros de especificação dos materiais a serem comprados, gerando a
aquisição de alguns itens de baixa qualidade. Outra possibilidade é a realização deficiente
das pesquisas de preços, provocando compras de itens com preços acima do mercado.

 As restrições legais inerentes às compras públicas impõem a necessidade de pessoal


formalmente qualificado para as funções. Quando não há essa disponibilidade, o sistema
sofre com a falta de pessoal. Com menor força de trabalho, a preparação e condução das
licitações torna-se mais demorada. Caso os processos de aquisição não sejam concluídos em
tempo hábil, a demanda contínua por material pode levar à quebras de estoque de
determinados itens.

Pela análise das relações acima, observamos que as “restrições legais inerentes às
compras públicas” podem ser consideradas como o problema-raiz, por estar relacionado à
71,43% dos demais EI. Assim, os esforços devem ser empreendidos no sentido de contornar
este sintoma negativo.

4.2 DDN do CAq

Tendo identificado as “restrições legais inerentes às compras públicas” como


causa-raiz, principal fonte dos efeitos indesejáveis no sistema, podemos estabelecer como
objetivo “suplantar as restrições legais inerentes às compras públicas”.
Para a consecução deste objetivo, consideramos duas possibilidades como condição essencial:
melhorar a estrutura do órgão, para facilitar o atendimento às restrições legais, ou promover a
redução destas mesmas restrições. Cada um destes requisitos, por sua vez, possui pré-
requisitos, entre os quais foi possível identificar uma situação de conflito no sistema.
Enquanto a utilização de uma consultoria jurídica interna pode resultar em melhoria da
estrutura do órgão, a existência de mais um elemento para interpretar as restrições legais pode
resultar em ainda mais restrições. Portanto, percebemos que é necessário introduzir uma
injeção neste conflito. A situação exposta está traduzida graficamente no DDN da Figura 6.
Assim, a leitura das relações lógicas do DDN seria:

 Se A então B – Para suplantar as restrições legais inerentes às Compras Públicas é


necessário melhorar a estrutura.
Pressuposto: Ao melhorar a estrutura é possível suplantar as restrições legais inerentes às
Compras Públicas.
Injeção: Melhorar a estrutura do órgão de compras.

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Figura 6. DDN do CAq

 Se B então D – Para melhorar estrutura a para atender às restrições legais, é


necessário utilizar Consultoria Jurídica Interna.
Pressuposto: ao utilizar Consultoria Jurídica Interna, consegue-se prover uma melhor estrutura
a para atender às restrições legais.
Injeção: Utilização de Consultoria Jurídica Interna.

 Se A então C - Para suplantar as restrições legais inerentes às Compras Públicas é


necessário reduzir as restrições.
Pressuposto: Reduzindo-se as restrições legais consegue-se suplantá-las.
Injeção – Redução das restrições.

 Se C então Não-D – Para reduzir as restrições não deve ser utilizada Consultoria
Jurídica Interna.
Pressuposto: Não usando Consultoria Jurídica Interna reduzem-se as restrições.
Injeção – Não utilizar Consultoria Jurídica Interna.

 Se D então Não D – Para utilizar Consultoria Jurídica Interna, é necessário não


utilizar Consultoria Jurídica Interna.
Pressuposto: Existe um conflito, pois não é possível atender aos pré-requisitos D e Não D
simultaneamente. Esta relação não faz sentido.
Injeção – Adequar o uso de Consultoria Jurídica.

No caso em questão, a injeção proposta poderia ser a utilização somente de


Consultoria Jurídica Externa, como é exigido legalmente.

4.3 ARF do CAq

A Figura 7 demonstra os Efeitos Indesejáveis observados, e os Efeitos Desejáveis a


serem atingidos após a injeção que dê fim ao conflito:

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Figura 7. EI x ED

A partir da injeção “utilização somente de consultoria jurídica externa”, os ED


apresentados poderiam ser alcançados, resultando na seguinte ARF:

Figura 8. ARF do CAq

5 Análise dos Resultados

Observando a ARF da Figura 8, constatamos que o único ED que não seria


influenciado pela injeção é a existência de “recursos financeiros suficientes”. Porém, as
mudanças ocorridas em função dela possibilitariam a economia e otimização dos recursos

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financeiros, de forma a torná-los suficientes, mesmo não havendo disponibilização de


montantes mais elevados de créditos orçamentários.
Embora se tenha visto que a solução proposta seria adequada à solução do conflito,
temos que testá-la quanto à sua exequibilidade e aceitabilidade por parte do CAq . Passamos,
portanto, a fazer estas análises.

5.1 Análise da Exequibilidade

O CAq conta hoje com apenas um servidor, com grau de bacharel em Direito, em seu
efetivo.
No entanto, tendo em vista a grande quantidade de licitações executadas, é provável
que a estrutura atual seja insuficiente para viabilizar a adequada análise jurídica de todos os
processos. Entendemos que a efetivação de um núcleo de consultoria jurídica dentro do
próprio órgão careceria de um aparelhamento do setor com mais recursos, principalmente,
mão de obra especializada.
Por outro lado, a fórmula atualmente utilizada vem apresentando algumas limitações.
As minutas dos editais dos processos licitatórios, após elaborados pelas gerências de material,
e verificados pela chefia do Departamento de Aquisição, são encaminhadas fisicamente para o
setor jurídico da Diretoria de Administração, que atua como consultoria jurídica interna, e se
localiza a uma distância de aproximadamente 25 km. O tempo médio para a restituição do
processo, acompanhado do parecer jurídico, é de aproximadamente uma semana.
Feitas as devidas alterações, o processo segue para a Consultoria Jurídica Externa
(CJE), pertencente a uma outra Organização Federal, onde permanece por aproximadamente
duas semanas, até o regresso com as observações sobre as alterações a serem feitas.
Verificamos que muitas vezes, as alterações formais e procedimentais sugeridas pela
consultoria interna não são compatíveis com as sugestões da CJE. Além das questões
relacionadas à hermenêutica dos textos legais, que naturalmente, já apresentam discussões de
pontos não pacificados pela jurisprudência, as diferenças culturais entre os órgãos envolvidos
também contribuem para gerar estes choques.
Entretanto, tendo em vista que obrigatoriamente, por determinação legal, o CAq tem
que submeter seus processos à análise jurídica da CJE, a princípio, pode-se inferir que a
avaliação da consultoria interna poderia ser dispensável, pois mesmo que não concordando
com as análises da CJE, o ponto de vista desta prevalecerá.
Assim, eliminando-se a consultoria interna, o trâmite de documentos seria mais
rápido; as restrições devido à formalidades seriam reduzidas ao mínimo essencial; haveria
menor incidência de erros devido à diferenças culturais entre órgãos envolvidos na
interpretação legal, representando economia de recursos financeiros; e proporcionaria maior
disponibilidade de pessoal, resultando em melhor execução dos processos licitatórios, já que o
tempo e o material para a preparação de documentação a fim de atender às exigências das
consultorias seriam poupados.

5.2 Análise da Aceitabilidade

A extinção da prática de utilização da consultoria jurídica interna teria que ser objeto
de avaliação por parte da alta administração da Organização Federal, para que a aceitabilidade
desta ação fosse devidamente estudada. Por tratar de aspectos estratégicos, pela subjetividade
do exame a ser realizado, e por ser uma sugestão hipotética, a questão da aceitabilidade da
injeção não foi aprofundada neste trabalho.

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6 Considerações Finais

Como foi demonstrado neste artigo, as ferramentas ARA, DDN e ARF, utilizadas no
plano da “Theory of Constraints”, são eficazes instrumentos na diagnose de “patologias
organizacionais”.
A partir de relatos de pessoas envolvidas no sistema em que se insere o CAq, bem
como do estudo do fluxo de obtenção do SAb, foi possível identificarmos os principais efeitos
indesejados atualmente existentes, e responder a questão de pesquisa proposta na introdução,
sugerindo ações que poderiam ser implementadas na tentativa de solucionar o conflito e
aperfeiçoar o processo.
Porém, a efetiva adoção das propostas elencadas neste trabalho, especialmente em
órgãos onde a cultura está tão rigidamente enraizada na estratégia, depende da
“desaprendizagem” parcial ou esquecimento da lógica dominante anterior (BETTIS e
PRAHALAD, 1995, apud MINTZBERG et al, 2000).
Devemos ter em mente que, não obstantes os aspectos culturais, segundo a escola
ambiental de estratégia, a organização precisa responder às forças do meio externo,
adaptando-se às mudanças, sob pena de ser “eliminada”. Ainda, embora algumas das decisões
em nível estratégico sejam discricionárias, , “a liderança torna-se um elemento passivo para
fins de ler o ambiente e garantir uma adaptação adequada pela organização” (MINTZBERG et
al, 2000).
Tendo em vista a versatilidade das possíveis aplicações do Processo de Raciocínio da
TOC, sugerimos a realização de novos estudos aplicando este método, inclusive considerando
o seu uso também em sistemas atípicos.

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