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O trabalho docente e os caminhos do conhecimento:

a historicidade da Educação Profissional


Maria Ciavatta
© Lamparina editora

Revisão
Mariana Bard

Projeto gráfico
Fernando Rodrigues

Imagem da capa
Cartão Postal da Ponte Zigue-zague do Jardim Yuyuan, Xangai, 1995
Em um belo jardim chinês, em Xangai, há uma ponte em zigue-zague. Diz a lenda que
o espírito do mal caminha em linha reta, mas ele não consegue atravessar a ponte em
zigue-zague. Esta pode ser uma metáfora para pensar como se produz o conhecimento
em uma visão dialética, em que o ser é e não é ao mesmo tempo, e não vemos as coisas
linearmente, mas em relação umas com as outras.

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C497t
Ciavatta, Maria, 1936-
O trabalho docente e os caminhos do conhecimento:
a historicidade da Educação Profissional
Maria Ciavatta
Ia edição - Rio de Janeiro: Lamparina, 2015
1.000 exemplares
128 p., il.; 14 x 21 cm
ISBN 978 85 8316 037 3
1 Educação - Brasil
2 Professores - Formação
I Título
15-26110 CDD 370.1
CDU 37.01

Lamparina editora
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www.lamparina.com.br lamparina@lamparina.com.br
Prefácio 7
Marcelo Badaró Mattos

Apresentação ii
O trabalho docente e a
pesquisa em Educação 16
A historicidade da pesquisa em Educação
Profissional: questões teórico-metodológicas 32
A interdisciplinaridade e a formação integrada:
exercício teórico ou realidade possível? 54
O uso da fotografia na
pesquisa social e a Educação 71
Estudos comparados em Educação:
sua epistemologia e sua historicidade 96
Referências 117
32

A historicidade da
pesquisa em Educação
Profissional: questões
teórico-metodológicas

A Educação Profissional é o locus mais visível da educação pelo trabalho,


seja no sentido técnico e tecnológico, seja no sentido político, como movi­
mento que oscila nas duas direções: quer como educação pelo trabalho na
sua negatividade, enquanto submissão do trabalhador e expropriação do
trabalho, quer na sua positividade, enquanto espaço de conhecimento, de
luta e de transformação das mesmas condições. O que se observa é que, à
medida que a escola adquire a finalidade de preparar para as exigências da
produção capitalista, ela assume, também, as exigências da ordem social
desenvolvida nos processos de trabalho, tais como disciplina, exatidão,
submissão física, técnica e moral, cumprimento estrito dos deveres, pon­
tualidade, contenção corporal e afetiva.
Como avançar na compreensão da história e da historicidade da
Educação Profissional? A história pode ser compreendida em dois sen­
tidos principais inter-relacionados: a questão do espaço-tempo, em que
os fenômenos ganham forma e materialidade, e a própria compreensão
do que seja a história.
No primeiro sentido, lembramos Marc Bloch, para quem “o ofício
do historiador” começa pelo exame dos acontecimentos do presente.
Chegando a Estocolmo, com Henri Pirenne, a primeira coisa que ele
sugere é ver o novo prédio da Prefeitura, e acrescenta: “Se eu fosse um
antiquário, só teria olhos para as coisas velhas. Mas sou um historiador.”
(Bloch, 2001, p.65) Mas presente e passado não são coisas simples:

“A noção de proximidade não apenas falta precisão - de quantos anos


se trata? -, como também nos coloca em presença do mais efêmero
dos atributos. Embora o momento atual, no sentido mais efêmero do
termo, não seja uma perpétua evanescência, a fronteira entre o presente
e o passado não se desloca por isso num movimento menos constante.”
(p.61, grifo nosso)
<> trabalho docente e os caminhos do conhecimento 33

Também para Prost: “A questão do historiador é formulada do presente


em relação ao passado, incidindo sobre as origens, evolução e itinerários
no tempo, identificados através das datas. A história faz-se a partir do
lempo, um tempo complexo, construído e multifacetado.” (2008, p.96)
Mas as datas não dão a dimensão espaço-tempo social dos fenômenos;
são marcos de acontecimentos que antecedem e sucedem o tempo breve
das datas. Esse sentido da historicidade está relacionado à mudança da
concepção de um tempo linear, tão bem aproveitado pelo positivismo
do século XIX como história dos feitos políticos, do Estado-nação, da
sucessão dos acontecimentos e da sua homogeneização pelo tratamento
quantitativo dos fenômenos. O positivismo, como método de produção
tio conhecimento, e todas as ciências que se baseiam na matemática e
quantificam a sucessão dos acontecimentos fragmentam o tempo como
se os fenômenos sociais pudessem ser compreendidos partidos em miga­
lhas.16 “Os fatos humanos são, por essência, fenômenos muito delicados,
entre os quais muitos escapam à medida matemática.” (Bloch, 2001, p.54)
A historicidade da Educação Profissional, em uma concepção dia­
lética do espaço-tempo, trata dos fenômenos sociais da vida humana na
sua temporalidade complexa, a exemplo dos tempos múltiplos de Braudel
(1982), quando fala da longa duração da estrutura, da média duração da
conjuntura e do tempo breve dos acontecimentos.
O segundo sentido a que nos referimos diz respeito à própria com­
preensão do que seja a história, sua relação com o passado, o presente e o
futuro. A história é a produção social da existência, dizem Marx e Engels
(1979)3 abrindo uma janela de possibilidades para a compreensão não
apenas dos grandes feitos, mas de todos os fenômenos da vida, de todas
as classes sociais, da vida e da Educação Profissional dos trabalhadores.
Neste breve texto, buscamos delinear algumas questões teórico-
-metodológicas fundamentais para a historicidade da pesquisa da
Educação Profissional. Nossa reflexão detém-se, primeiro, no trabalho e
em sua historicidade em uma sociedade de capitalismo dependente como
a brasileira. Em segundo lugar, sobre os fundamentos da pesquisa histó­
rica, tratando a história como processo e como método e seus principais
conceitos. Em terceiro, alguns procedimentos metodológicos. Por último,
nossas considerações finais a partir do referencial de pesquisa histórica
apresentado e de políticas atuais sobre Educação Profissional.

16. Segundo François Dosse (1992), apesar dos investimentos sobre outras linhas de
pesquisa, a École des Annales introduziu a fragmentação dos objetos, cujos aspectos
são vistos isoladamente. Na história serial [quantitativa], “a seriação do campo histórico
tem por efeito dar a cada objeto independência em relação aos outros elementos do
real. Desprendido das contingências do concreto, o objeto levanta voo, existe em si,
recobrindo as outras dimensões do real.” (Dosse, 1992, p.190)
34

Trabalho e Educação e sua historicidade


Pelo trabalho, o ser humano produz os meios de vida e reproduz a si
mesmo. A história não é uma abstração, é a narrativa17 desses processos
fundamentais da existência humana. Malerba, resgatando o trabalho me­
tódico de pesquisa e a reflexão teórica dos historiadores ao longo dos
séculos, entre outros, cita Marx, que vai buscar as leis da evolução histó­
rica das sociedades “na observação das contradições internas inerentes
à vida material das sociedades de classes” (2006, p.12). “A história nada
mais é que a sucessão de diferentes gerações, cada uma das quais explora
os materiais, os capitais e as forças de produção a ela transmitidos pelas
gerações anteriores ...” (Marx e Engels, 1979, p.70)
A relação entre o trabalho e a educação se enraiza nas condições
de vida, de trabalho e de educação da sociedade em que vivemos - no
caso, a brasileira, uma sociedade de classes baseada na divisão social do
trabalho e na apropriação privada dos produtos do trabalho coletivo,
expressa na riqueza social concentrada em bens e serviços (educação,
cultura, ciência, tecnologia, arte, comunicação etc) distribuídos de forma
diferenciada para as classes sociais. A compreensão histórica de como as
políticas conduzem a esses resultados implica também o conhecimento
de suas representações. Significa conhecer como os objetos de estudo ou
os fenômenos são representados ao nível dos discursos elaborados pelos
sujeitos envolvidos nos acontecimentos e/ou nos relatos e narrativas, ao
darem ciência dos mesmos pela história escrita ou oral, recorrendo às
imagens, aos documentos, a mapas etc.
O pensamento histórico-crítico que se elabora em torno desse fato
histórico fundamental passa, no Brasil, necessariamente, pelos projetos
de sociedade em disputa: educar todos, toda a população com as defi­
ciências e os agravantes de trabalho escravo e abandono social, gerados
por quatro séculos de colonização e um século de República edificada
sobre os valores vigentes, modernizados sob o incipiente capitalismo?18
Ou educar apenas a parcela da população afeita às humanidades, às letras
e às artes, herdeira do patrimônio fundiário, social e político do país? Que
educação dar para uns e para outros? Sobre esse fato fundamental da
educação brasileira, o filósofo e professor Durmeval Trigueiro Mendes
assim ironizou:

17. Sobre o termo “narrativa” e a discussão sobre seu uso na história e na literatura, entre
outros, ver Moscatelli (2004) e Cardoso (2000).
18. Pesquisa do DIEESE sobre a população brasileira, com base nos dados do IBGE,
registra a taxa de analfabetismo de 12,2 % em homens e mulheres de 10 anos idade ou
mais, e a taxa de estudo de pessoas ocupadas de 19,3%, com 437 anos de estudo (Ensino
Fundamental incompleto), e de 20,5% com 8 a 10 anos de estudo, o que, considerando
o fenômeno da repetência e da frequência à escola fora da idade prevista, pode chegar a
39,6% com baixa escolaridade (DIEESE, 2011, p.84-85).
<) trabalho docente e os caminhos do conhecimento 35

"Se se pode promover uma sociedade com cem ou mil pessoas,


exercendo o papel diretorial, por que educar io milhões, ou ioo
milhões, para exercer a democracia? Se o ‘desengrossamento’ do povo
iité limpidez é tão dispendioso e incerto, por que não admitirmos a
m eia-educação?”
(1983, p.58)

Se nos detivermos apenas na educação dos trabalhadores, com vistas


11 dar-lhes oportunidades de acesso à educação e de compreensão da
complexidade da gênese histórica do trabalho e de suas transformações
11a atualidade, vemos que tanto o trabalho quanto a educação ocorrem
em uma dupla perspectiva. O trabalho tem um sentido ontológico, de
atividade histórica, criativa e fundamental da vida humana; e tem formas
históricas, penosas, socialmente produzidas, particularmente, no espaço
das relações capitalistas (Lukács, 2010).
E a educação tem seu sentido fundamental como formação hu-
manizadora, com base em valores e em práticas ética e culturalmente
elevadas. Particularmente, a Educação Profissional também ocorre em
formas pragmáticas a serviço de interesses e valores do mercado, não con­
vergentes com o seu sentido fundamental de formação humana, poten-
cializadora do desenvolvimento pleno do ser humano (Gramsci, 1978b).
São as relações, tensões e conflitos entre as mudanças conjunturais e
a materialidade estrutural de uma determinada sociedade o tecido social
que nos permite apreender, de forma dialética, o sentido e a natureza
das alterações das políticas e práticas sociais, do trabalho e da educação,
das relações e das condições do trabalho em um determinado momento
histórico. Assistimos a várias mudanças conjunturais que não afetam a
estrutura de desigualdade que dá forma de ser à população.
A complexidade da apreensão do sentido e da natureza dessas mu­
danças do trabalho se amplia quando o tecido estrutural da sociedade,
em suas múltiplas dimensões, apresenta tensões e mudanças abruptas
e profundas, sem que haja uma ruptura do modo de produção. A rees­
truturação produtiva, expressa na introdução de novas tecnologias, na
nova organização do trabalho e das relações de trabalho, fornece muitos
exemplos de como as transformações afetam a vida dos trabalhadores,
geram ideologias e novas tensões, sem mudanças estruturais no modo de
produção e na apropriação da riqueza social produzida.
São exemplos desses fenômenos as novas formas de contratação dos
trabalhadores e as novas denominações das relações entre patrões e em­
pregados: o chamado “trabalho autônomo” subsumido ao trabalho por
conta própria e à terceirização sem garantias sociais; e a mudança da de­
nominação dos assalariados de “empregados”, “funcionários” ou “traba­
lhadores” para “colaboradores”, escamoteando a extração da mais-valia
36

do tempo de trabalho que continua a ocorrer, até de forma mais intensa


na produção atual.
Metodologicamente, na Contribuição à critica da Economia Política,
Marx (1977) expressa, no exemplo da população, como se supera a uni­
versalidade abstrata dos termos gerais em que se baseia a linguagem para
chegar ao “real concreto”, “síntese de múltiplas determinações”:

“A população é uma abstração se desprezarmos, por exemplo, as classes


de que se compõe. Por seu lado, essas classes são uma palavra oca, se
ignoramos os elementos em que repousam, por exemplo, o trabalho
assalariado, o capital etc. Estes supõem a troca, a divisão do trabalho,
os preços etc. O capital, por exemplo, sem o trabalho assalariado, sem o
valor, sem o dinheiro, sem o preço etc, não é nada.”
(p.228-229)

Assim também devemos proceder para entender o capitalismo depen­


dente que estrutura o modo de produção capitalista em nosso país. A
questão da dependência ou a “teoria da dependência” foi a primeira ela­
boração dessa concepção que, se não tem todos os méritos aplaudidos,
tem o merecimento de ser uma reflexão gerada a partir dos problemas
latino-americanos em sua relação com os países do capitalismo central.
“Capitalismo dependente” é seu melhor nome, conforme o trata­
mento que lhe dão Florestan Fernandes e Ruy Mauro Marini. O pensa­
mento de Marini (2000)19 nos ajuda a pensar sobre as causas da subordi­
nação, da natureza da dependência e de suas implicações. O incremento
da indústria no século XIX, nos países centrais, se fez às custas do forne­
cimento de produtos de subsistência de origem agropecuária e da massa
de matérias-primas proporcionados, em grande parte, pelos países latino-
-americanos. Ao mesmo tempo, houve uma elevação da produtividade
dos trabalhadores dos países centrais, enquanto as funções que a América
Latina cumpre na economia mundial transcendem a mera resposta aos
requerimentos físicos induzidos pela acumulação dos países industriais:

“Mais do que facilitar o crescimento quantitativo desses países, a


participação da América Latina no mercado mundial contribuirá para
que o eixo da acumulação da economia industrial se desloque da
produção da mais-valia absoluta à produção da mais-valia relativa, isto
é, que a acumulação passe a depender mais do aumento da capacidade
produtiva do trabalho do que simplesmente da exploração do
trabalhador. No entanto, nos países latino-americanos, essa mudança

19. A 1’ edição (Ediciones Era, 1973) é contemporânea às analises do


subdesenvolvimento e do desenvolvimento na América Latina.
I) iriibalho docente e os caminhos do conhecimento 37

qualitativa dos países centrais se dará, fundamentalmente, com base em


uma maior exploração do trabalhador.”
I Marini, 2000, p.112-113)

1'ura fazer frente aos processos internos de reprodução do capital inter­


nacional e de seus aliados nas sociedades dependentes, a organização
da classe trabalhadora esbarra na superexploração do trabalho. Para
Marini (2000), três fatores expressam esta particularidade das sociedades
dependentes:
(i) o aumento da intensidade do trabalho aparece como um aumento
da mais-valia, por meio de maior exploração do trabalhador, e não pelo
aumento de sua capacidade produtiva, pela sua educação;
(ii) uma maior exploração da mais-valia absoluta em sua forma clás­
sica se manifesta pela prolongação da jornada de trabalho e o aumento
du trabalho excedente;
(iii) um terceiro procedimento consiste em reduzir o consumo do
l rabalhador além de seu limite normal, o que o obriga a um tempo maior
de trabalho excedente que se transforma “em um fundo de acumulação do
capital (Marx, 1980a, I e XIV apud Marini, 2000, p.123-124, grifos do
autor).

lisses fatores configuram sociedades baseadas na superexploração do tra­


balho, e não no desenvolvimento das forças produtivas, tal como se dá
nos países centrais. A transferência de setores industriais com baixo valor
agregado em ciência e tecnologia para os países periféricos permitiu o
desenvolvimento das forças produtivas sem que isso impactasse a força
de trabalho nem reduzisse a sua superexploração, mas incluindo-a na
sociedade de consumo. Essa forma de industrialização dependente do ca­
pitalismo central também se expressa na formação dos trabalhadores rele­
gados a condições de um baixo grau de escolarização, salvo uma minoria
designada para funções mais especializadas. Esse elemento também veio
a contribuir para legitimar a superexploração do trabalho (Marini, 2000).
É a dependência econômica e cultural que torna o país refém das im­
posições dos organismos internacionais. Analisando as classes sociais e o
capitalismo dependente, o pensamento de Florestan Fernandes (2009)20
é convergente com o de Marini (2000) e de outros autores latino-ameri­
canos, como Santos (2000) e Bambirra (1983). Fernandes elucida como
o capitalismo dependente constituiu-se, nas sociedades de classes, em
uma formação histórico-social que se caracteriza pela sobreapropriação

20. A Ia edição (Zahar, 1975) é contemporânea às analises de Ruy Mauro Marini,


Theotônio dos Santos e Vania Bambirra sobre subdesenvolvimento e desenvolvimento na
América Latina.
Maria Ciavatta 38

do excedente econômico e pela superexploração do trabalho (para mais


detalhes, ver Ciavatta eTrein, 2011).
Para Fernandes, as sociedades latino-americanas estruturam-se in­
ternamente de forma que, embora absorvam as transformações do ca­
pitalismo, isso não implica desenvolver a integração nacional e alcançar
a realização de um projeto vernáculo autônomo. Por outro lado, a do­
minação externa também estimula um processo de modernização e de
desenvolvimento das forças produtivas que alimentam a ilusão desenvol-
vimentista, mas que, em realidade, reforçam a dependência e consolidam
o imperialismo ao invés de superá-lo.
O autor considera a situação histórica de “imperialismo total” e des­
taca seus traços mais marcantes:

“... ele organiza a dominação externa a partir de dentro e em todos os


níveis da ordem social, desde o controle da natalidade, a comunicação
de massa e o consumo de massa até a educação, a transplantação
maciça de tecnologia ou de instituições sociais, a modernização da
infra e da superestrutura, os expedientes financeiros ou do capital, o
eixo vital da política nacional etc. Segundo, esse tipo de imperialismo
demonstra que mesmo os mais avançados países latino-americanos
ressentem-se da falta dos requisitos básicos para o rápido crescimento
econômico, cultural e social em bases autônomas.”
(Fernandes, 2009, p.18)

O fenômeno da dependência é dado como fato do passado. No entanto,


está bastante presente no superávit primário que o governo federal deve
manter como reserva para garantir o pagamento dos credores; na prima-
rização da economia (exportação de matérias-primas com baixo valor
agregado); no pagamento religioso ao Sistema da Dívida, que, em 2012,
absorveu 43,98% dos recursos federais brasileiros;21 nos programas go­
vernamentais baseados em modelos internacionais de avaliação e de cer­
tificação; nos “imperativos de desempenho” dos professores (Ciavatta,
2012b). Esses são apenas alguns exemplos de como, ao longo dos anos,
estrutura-se a “subordinação consentida” (Frigotto e Ciavatta, 2003) aos
centros hegemônicos do capital, os países ricos.
Não que haja relação direta dessas mediações com a Educação

21. "... enquanto a educação recebeu apenas 3,34%; a saúde, 4,17%; segurança, 0,39%;
transportes, 0,7%; e, habitação, 0,01%. São dados do Orçamento Geral da União
executado em 2012, que foi de R$ 1,712 trilhão.” (Elaboração da Auditoria Cidadã
da Dívida apud Fattorelli, 2013, p.235-236) “Experiências da Auditoria Cidadã vêm
revelando que a maior parte da dívida pública não foi gerada pelo efetivo ingresso de
recursos, mas, sim, pela utilização de uma série de mecanismos, condições viciadas e
medidas impostas por organismos internacionais que originam um processo contínuo de
autogeração de dívidas ...” (Fattorelli, 2013, p.4)
I > trabalho docente e os caminhos do conhecimento 39

Profissional, mas elas pautam a disponibilidade de recursos e os projetos


ile educação da população. Apenas uma visão histórica dos problemas vi­
vidos no país pode dar os instrumentos para a compreensão dos rumos da
1 úl ucação Básica e da Educação Profissional, a exemplo do atual Programa
Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) e de
outros programas de formação de mão de obra das décadas anteriores,
como o Programa Intensivo de Preparação de Mão de Obra (PIPMO) e o
Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (PLANFOR).
Vale mencionar que o PRONATEC é o principal programa do go­
verno de expansão da educação, inclusive pelo volume de recursos repas­
sado para instituições públicas e privadas, principalmente as do chamado
“Sistema S”. Apesar da recorrente crítica dos educadores em relação ao
reducionismo que ele opera ao subsumir a Educação Básica ao modelo de
Educação Profissional, o programa continuou a oferecer, até 2014, entre
outros cursos de maior duração, uma miríade de cursos de Educação
Profissional breves, aligeirados (160 a 200 horas), em detrimento de con­
solidar uma política de Educação Básica (Fundamental e Média) de qua­
lidade para toda a população, que propiciasse para as pessoas os conheci­
mentos humanísticos e científico-tecnológicos adequados à leitura crítica
do mundo atual, à integração dos conhecimentos profissionais específicos
e a ações que visassem à transformação do país, com uma vida digna
para todos (ver detalhes em Lima, 2012; e Guimarães, 2012 e 2014). Já o
PIPMO foi criado em 1963 e executado em todo o período da Ditadura,
até 1982. O PLANFOR foi criado em 1995, com recursos do Fundo
do Amparo ao Trabalhador (FAT), e desenvolveu-se até 2002, quando
ganhou a denominação de Plano Nacional de Qualificação (PNQ).

Fundamentos da pesquisa histórica:


categorias e conceitos
Por meio da concepção de história como produção social da existência
(Marx e Engels, 1979) e da crítica à economia política (Marx, 1980a),
desnaturalizam-se as relações sociais, remetendo-as à forma como elas
se produzem entre o mundo do trabalho e os sistemas educativos na
sociedade capitalista (Marx, 1980a; e Marx e Engels, 1979). Trata-se de
distinguir a história como processo de a história como método (Labastida,
1983). A história como processo é a história vivida por indivíduos e so­
ciedades, suas organizações sociais, suas estruturas de poder, as formas
sociais de distribuição desigual da riqueza, a estrutura de classes sociais,
a hegemonia política e cultural das classes privilegiadas. A história como
método é a concepção e a narração ou a escrita da história sobre esses
fatos, à luz de sua realidade nas diferentes sociedades (ver, entre outros,
Maria Ciavatta 40

Lukács, 1978; Fontana, 2004; e Gramsci, 1981).


Categorias são classificações de uso corrente nas ciências, particu-
larmente nas ciências da natureza. As categorias devem caracterizar e or­
denar, segundo critérios definidos em gênero, espécies e subespécies, um
número grande de seres que são seu objeto de estudo, como é o caso da
botânica, da zoologia e de outros campos do conhecimento. Elas não estão
ausentes das ciências sociais, mas são de uso mais restrito, em termos de
abrangência, pela dificuldade de ver os seres e fenômenos isoladamente,
fora das relações que os constituem, pela complexidade das múltiplas re­
lações envolvidas nos fenômenos histórico-sociais. Mas esse é um ponto
de vista em que a ciência de corte positivista e a dialética diferem.
As categorias podem ter maior ou menor abrangência na inclusão
dos seres de acordo com os critérios definidos. Mas o que nos importa
aqui é um outro aspecto das categorias, é seu estatuto teórico, a acu­
mulação de conhecimento que lhe dá sustentação. Na medida em que
uma categoria alcança, por seus fundamentos e pesquisa científica, maior
poder explicativo, ela adquire a qualidade de um conceito. Isto é, uma
elaboração com capacidade explicativa da realidade. Mas os dois termos,
no meio acadêmico, costumam ser intercambiáveis.
Galló (1984)22 aponta três características básicas das categorias que
vamos reproduzir em termos muito breves:
(i) objetividade, isto é, não são apenas seres de pensamento, elas se
referem a seres e fenômenos que são exteriores à sua representação;23
(ii) historicidade, ou seja, existem em relação a uma certa temporali­
dade, são duração e mutabilidade simultaneamente;
(iii) universalidade, no sentido de que são gerais, referem-se a grupos
de seres, fenômenos ou objetos de determinadas características.

São essas características gerais das muitas línguas (faladas e escritas) que
permitem a linguagem e a comunicação. O que entendemos por “letra”
independe de suas formas particulares, tamanho, modo de escrever etc.24
No caso desta pesquisa, quando falamos em como se constroem
as categorias, queremos partir das classificações mais simples dos fenô­

22. Os exemplos aqui citados e certas explicitações não pertencem, necessariamente, ao


texto do autor que inspira esta seção.
23. Exceto em filósofos idealistas, como Platão e Kant.
24. Marx (1977) sintetiza de modo simples essas idéias: “Do mesmo modo que em toda
ciência histórica ou social em geral, é preciso não esquecer, a propósito das categorias
econômicas, que o objeto, neste caso, a sociedade econômica burguesa, é dado tanto na
realidade como no cérebro; não esquecer, portanto, que as categorias exprimem formas
de existência, condições de existência determinadas, muitas vezes, simples aspectos
particulares desta sociedade determinada, deste objeto, e que, por conseguinte, esta
sociedade, de maneira nenhuma começa a existir, inclusive do ponto de vista científico,
somente a partir do momento em que ela está em questão como tal.” (1977, p.235, grifos
do autor)
O trabalho docente e os caminhos do conhecimento 4i

menos envolvidos na relação entre capital e trabalho, compreender seu


sentido, sua densidade teórica e como são utilizados na elaboração de
uma determinada produção historiográfica.
Na concepção marxiana, alguns conceitos são fundamentais à pes­
quisa histórica em Educação e em Trabalho e Educação. Nos limites
deste texto, trataremos brevemente de alguns deles: dialética, totalidade,
mediação, contradição, ideologia e espaço-tempo. Faremos uma breve apre­
sentação de cada um deles a seguir.

Dialética - O termo tem uma história antiga na filosofia grega. Em Platão


(428/427-348/347 aC), “a dialética é o processo pelo qual a alma se
eleva, por degraus, das aparências sensíveis às atividades inteligíveis ou
às idéias”. A dialética é uma busca da verdade, uma pedagogia do diálogo
entre mestre e aprendiz (Japiassu e Marcondes, 1996, p.71).25
Para Aristóteles (384-322 aC), “a dialética é a dedução feita a partir
de premissas apenas prováveis”, que se opõem “ao silogismo científico,
fundado em premissas consideradas verdadeiras” (Japiassu e Marcondes,
1996, P-7i)j que é parte da racionalidade metafísica, formal, sobre a qual
se apoia toda a obra do filósofo. Dele divergem, radicalmente, Hegel e
Marx.
Para Hegel (1770-1831), “a dialética não é um método, mas um mo­
vimento conjunto do pensamento e do real”. E “um movimento racional
superior” entre o ser e o nada, formando sempre uma totalidade. Dessa
ideia básica, deriva o conceito de contradição, entendido como uma su­
cessão de momentos, uma unidade de contrários (Japiassu e Marcondes,
1996, p.71).
A dialética em Karl Marx (1818-1883) tem por base o pensamento
hegeliano, mas com a distinção entre do mundo da realidade externa e o
mundo da consciência do sujeito que conhece. Assim se expressa Marx:

“Meu método dialético por seu fundamento difere do método


hegeliano, sendo a ele inteiramente oposto. Para Hegel, o processo de
pensamento - que ele transforma em sujeito autônomo sob o nome de
‘ideia’ - é o criador do real, e o real é apenas uma manifestação externa.
Para mim, ao contrário, o ideal não é mais do que o material transposto
para a cabeça do ser humano e por ela interpretada.”
(1980b, p.16)

25. Parece-nos que esse é o fundamento mais próximo ao pensamento de Paulo Freire,
que, diferentemente do filósofo grego, o conjugou a uma visão de transformação da
sociedade.
Maria Ciavatta 42

Totalidade - Partimos do conceito de totalidade social, que articula, diale-


ticamente, um conjunto de relações sociais relativas a determinado fenô­
meno social sob a ação dos sujeitos sociais. A totalidade social não se con­
funde com tudo, nem com os regimes políticos totalitaristas. O conceito
de totalidade como questão epistemológica e como questão metodológica
opõe-se à ideia de modelo ou de estruturas cristalizadas. Caracteriza-se
pela capacidade de problematizar os fenômenos que não são fatos iso­
lados, mas relacionados a muitos outros fenômenos. Se pensarmos na
Educação Profissional, por exemplo, ela não se esgota na preparação téc­
nica para o exercício de uma atividade.
Tomemos uma lâmpada que se acende. O fenômeno banal, coti­
diano, tem, atrás de si, um conjunto de aspectos que devem ser consi­
derados nos processos educativos. Podem ser os fundamentos da ciência
da eletricidade, o sistema elétrico de que faz parte, os riscos da corrente
elétrica, os beneficiados pela iluminação, os aspectos funcionais e esté­
ticos etc. A escolha das determinações desse fato, aparentemente simples,
depende do foco do conhecimento desejado.
Se a totalidade do fenômeno da lâmpada acesa comporta todos
esses processos ou mediações, tanto no aprendizado operacional quanto
na pesquisa, serão selecionados pelo pesquisador aqueles aspectos que
melhor auxiliem na compreensão do seu objeto. O que ocorre, via de
regra, na análise da Educação Profissional é considerá-la apenas segundo
os ditames do mercado, restrita aos aspectos operacionais, por meio de
uma redução do objeto, como um todo, a um de seus aspectos, à execução
das tarefas produtivas.

Mediação - O termo “mediação”, etimologicamente, remete às palavras


“meio” e “mídia”, aos meios de comunicação. Mas no sentido lukacsiano,
as mediações são as relações ou processos singulares vistos na sua parti­
cularidade histórica, que dão forma aos diferentes aspectos da realidade.
Vistas como processos sociais complexos, essas múltiplas relações, pelas
quais se constituem os objetos e os acontecimentos, são mediações his­
tóricas que reconstroem, ao nível do pensamento, os processos da vida
real, nos seus nexos e significados. A exemplo da lâmpada, o objeto é visto
além de sua aparência de bulbo com fios, problematizado na totalidade
social que lhe dá existência e significado (Ciavatta, 2001).
Os conceitos de essência e aparência (Kosik, 1976) ajudam a dis­
tinguir, no exemplo de Marx (1977), a população, como um nome, uma
convenção linguística que se aplica às populações em geral. Mas, se qui­
sermos conhecer determinada população (a brasileira, a francesa etc) ou
compará-las a outras, temos de buscar os diversos aspectos que as carac­
terizam, como as condições de vida, de trabalho, salários, características
étnicas, culturais etc.
(> trabalho docente e os caminhos do conhecimento 43

Partimos de um nome, de uma abstração que denomina algo con­


creto, a população ou conjunto de seres humanos de determinado espaço
social em determinada época. Mas, somente conhecendo além da apa­
rência do nome “população”, conhecendo os processos sociais ou as me­
diações que a constituem enquanto tal, podemos conhecer a essência
ou voltar ao ponto de partida para alcançar seus significados enquanto
particularidades históricas, ou conhecer “o real como síntese de múltiplas
determinações” (Marx,1977, p.229).

Contradição - Na filosofia metafísica clássica, contradição é a “oposição


entre duas proposições incompatíveis, uma afirmativa, e a outra, ne­
gativa”. Uma premissa fundamental é o princípio da não contradição
(Japiassu e Marcondes, 1996, p.54), isto é, o ser não pode ser e não ser
ao mesmo tempo.
No entanto, para Hegel, a contradição é o momento necessário da
dialética, é o movimento da realidade em transformação, afirmando que o
ser é e não é ao mesmo tempo, ao nível do pensamento e do real, porque
o mundo externo está em permanente transformação. Para o filósofo
idealista, o movimento se realiza em três fases: tese, antítese e síntese, “que
marcam o progresso da consciência e o movimento da história até o espí­
rito absoluto” (Hegel, 1990, grifos do autor).
Marx inscreve a concepção de contradição de Hegel no mundo real.
Para ele, “a contradição é o conflito histórico entre as forças produtivas e as
relações de produção, devendo culminar na revolução suscetível de mudar
um regime social [um modo de produção] para outro” (Marx, 1980a).
Como em outras questões, Marx não teoriza sobre a contradição, mas
utiliza o conceito em diversas análises de O Capital. É MaoTse-tung que,
quase um século depois, em 1937, detém-se em explicitar o conceito: “A lei
da contradição inerente aos fenômenos, ou lei da unidade dos contrários,
é a lei fundamental da dialética materialista.” (2001, p.37) Com Marx,
o autor distingue a contradição fundamental da sociedade capitalista:
“Entre o caráter social da produção e o caráter privado da propriedade.”

“Quando Marx e Engels aplicaram a lei da contradição inerente aos fe­


nômenos, ao estudo do processo da história da sociedade, descobriram a
contradição existente entre as forças produtivas e as relações de produção,
a contradição entre as classes dos exploradores e os explorados, assim
como a contradição existente entre a base e a superestrutura (política,
ideologia etc); e descobriram como essas contradições engendravam dife­
rentes espécies de revoluções sociais nas diferentes espécies de sociedades
de classes.”
(MaoTse-tung, 2001, p.66-67)
Maria Ciavatta 44

Se conjugarmos essa análise ao conceito de mediação, veremos que os


processos sociais ou as mediações que constituem toda e qualquer rea­
lidade estão sempre em um movimento de transformação, e são, muitas
vezes, processos conflituosos, contraditórios. A contradição tem, assim, o
sentido de movimento, que pode ser também de conflito, de um choque
de idéias, de interesses e de ações.

Ideologia26 - O objetivo de identificar algumas mediações históricas que


dão forma à relação Trabalho-Educação implica o estudo das idéias, re­
presentações, normas, leis, valores e ações que constituem o universo dos
fenômenos político-econômico-sociais e educacionais em que estão pre­
sentes inúmeros elementos que podem ser chamados de “ideológicos”.
Além disso, o conceito de história requere uma determinada compreensão
de questões que lhe são correlatas, como ciência, ideologia e classes so­
ciais. Para Marx, fazer história e fazer ciência é sempre considerar o ca­
ráter ideológico dos acontecimentos e buscar sua superação (Ianni, 1984).
A polêmica em torno da noção de ideologia tem sentido se pensarmos
que, desde o início de sua concepção, o termo prestou-se a diferentes inter­
pretações que, por sua vez, foram ampliadas por muitos autores marxistas
e não marxistas. Entendemos que a questão deve ser vista no contexto da
obra marxiana. Marx e Engels dão a chave de leitura que nos permite sua
interpretação como consciência falsa, ao explicitar os interesses de classe
e os mecanismos de dominação de uma classe sobre as outras:

“Com efeito, cada nova classe que toma o lugar da que dominava antes
dela é obrigada, para alcançar os fins a que se propõe, a apresentar
seus interesses como sendo o interesse comum de todos os membros
da sociedade, isto é, para expressar isso mesmo em termos ideais:
é obrigada a emprestar às suas idéias a forma de universalidade, a
apresentá-las como sendo as únicas racionais, as únicas universalmente
válidas.”
(1979, p.75)

Aí reside a ideologização dos processos, a inversão do seu significado real,


os interesses que correspondem às posições de uma classe que elabora
justificativas para seus interesses reais na vida econômica, política etc.
Para a classe que as elabora - os empregadores, por exemplo -, o caso do
trabalho, essas justificativas não são falsas, são a expressão de suas neces­
sidades e interesses. Mas são discursos lacunares, porque não dizem tudo.
Um exemplo recente na história da educação da classe trabalhadora
no Brasil é a proposta dos empresários e a resposta do governo. Os pri-

26. Este tópico tem por base Ciavatta (2009).


<» irabalho docente e os caminhos do conhecimento 45

ineiros defendem a preparação restrita para o trabalho, a separação entre


ii formação geral e a profissional, técnica ou tecnológica, sob a justifica­
tiva da premência dos mais pobres, de obtenção de emprego, sem consi­
derar a necessidade de Educação Básica de qualidade, que é propiciada
às demais classes sociais. Em resposta, o governo criou o PRONATEC
(Brasil, 2012), sobre o qual já nos derivemos anteriormente.
Atendendo, prioritariamente, aos interesses empresariais, a Educação
Básica - que pode preparar para o trabalho, mas não apenas - assume
o lugar de um efetivo projeto de educação geral que deveria dar a base
social, científica, política e tecnológica aos jovens para prosseguimento de
estudos ou para a vida profissional (lei 9.394/96, artigo 22).

lispaço-tempo - Na história da humanidade, é o mundo das coisas, o


inundo da natureza, da matéria, que tem pautado aquilo que entendemos
por tempo e por espaço ou espaço-tempo, na sua concepção mais atual.
Dos ciclos do dia e da noite, das estações, das plantas e das colheitas,
extraíram-se as regularidades do tempo. A regulamentação das atividades
produtivas e religiosas introduziram as chamadas ao trabalho e à oração
pelos sinos das igrejas; mais tarde pelos apitos das fábricas e, progressiva-
inente, os mecanismos quantitativos de contagem do tempo pelo relógio,
em todas as versões, inclusive no telefone celular. José Leite Lopes (1992)
faz detalhada retrospectiva desses processos até chegar ao conceito de
espaço-tempo, recuperando a teoria de Einstein:

“Um ponto do espaço-tempo representa um acontecimento que se


realiza no instante t no ponto do espaço ordinário; uma distância pode
gerar um intervalo de tempo e vice-versa. Neste sentido, 0 espaço e o
tempo são aspectos de uma mesma entidade ...”
(Lopes, 1992, p.173)

Como utilizar um conceito da física, tão complexo, em nossas pesquisas


sobre Educação Profissional? Entendemos que a aproximação possível
passa pela materialidade do mundo de nossos objetos de estudo. São as
coisas, os fenômenos, os acontecimentos. Eles existem em um espaço de­
terminado cuja delimitação é histórica e transforma-se ao longo do tempo.
Fernand Braudel (1982) nos auxilia nesta reflexão ao tratar os fenômenos
sociais da vida humana na sua temporalidade complexa, os tempos múlti­
plos, quando fala da longa duração da estrutura - hoje, o sistema capitalista
-, a média duração das conjunturas e o tempo breve dos acontecimentos.
O historiador francês Pierre Vilar (1992) expôs, em uma conferência,
seus pontos de vista sobre “pensar a história” e “pensar historicamente”.
Para o autor, “querer pensar a sociedade, isto é, sobre sua natureza, e
pretender dissertar sobre ela exige uma contínua referência às dimensões
Maria Ciavatta 4A

temporais” (Vilar, 1992, p.21, grifos do autor). Mais adiante, ele delineia
toda uma perspectiva de trabalho para a pesquisa histórica:

“Tal como estamos fazendo esta noite, tratamos sempre de combinar a


reflexão histórica sobre os textos, a reflexão sugerida pelos acontecimentoa
da atualidade e a reflexão sobre as numerosas obras recentes que se
referem ao mesmo tema.”
(p.28-29, grifos do autor)

Queremos partir de sua reflexão para “pensar historicamente”, focalizar


a Educação Profissional. Diferentemente das ciências sociais (a história,
a sociologia, a economia, a antropologia) e das ciências humanas (a psi­
cologia, a psicanálise), a educação não dispõe de um corpus teórico (con­
ceitos e método) próprio para a produção do conhecimento. Na prática,
a educação confunde-se com a pedagogia que, tradicionalmente, destaca
as formas e métodos de educar, o que, na contemporaneidade, inclui as
tecnologias de ensino, os novos dispositivos da comunicação (informá­
tica, redes digitais etc).
Do ponto de vista da natureza do próprio ato de educar, a pesquisa
educacional traz consigo uma dupla finalidade: primeiro, a questão epis-
temológica de produzir conhecimento, buscando nas ciências sociais e hu­
manas os subsídios teórico-metodológicos para a análise dos fenômenos
da educação; segundo, colocando-se a questão político-pedagógica de
atuar na implementação da formação humana, incluindo os processos
de ensino-aprendizagem.
E a crítica à economia política e a análise histórica do sistema capi­
talista (Marx, 1980a; Mészaros, 2002; Altvater, 2010; e Hobsbawn, 2011)
que respondem de forma imediata à compreensão das contradições dc
presente nas pesquisas da áreaTrabalho e Educação. A produção historio-
gráfica existe, mas de forma bastante restrita, quer seja sobre a Educação
Profissional, a educação dos trabalhadores ou a educação de jovens e
adultos. Em parte, talvez, devido às urgências das questões do presente
que envolvem o capital e a sobre-exploração do trabalho, e sociedades
desiguais, como a brasileira, abundam os estudos na área, com base na
crítica à economia política.
Por outro lado, a pouca incidência dos estudos históricos emTrabalho
e Educação se deva, talvez, também à carência de recursos e de tempo
para a pesquisa documental. Isso não significa que a teoria esteja ausente
dos estudos sobre o trabalho e a educação entre os pesquisadores da área.
Muitos têm sólida formação teórica e têm por base o pensamento crítico,
uma concepção substantiva do marxismo, mas os trabalhos não assumem
os cânones da pesquisa histórica e, raramente, dedicam-se aos arquivos
(são exceções, nesse sentido, Fonseca, 1986; Manfredi, 2002; Moraes,
II tiMliulhu docente e os caminhos do conhecimento 47

«dii b l''rancisco de Oliveira, 2003; Cunha, 2000a, 2000b e 2000c; Lima,


I11117 e 2010; Ciavatta, 2002, 2007 e 2009; e Ciavatta e Silveira, 2010).
()u, ainda, porque não se gerou, nessa área de estudos, suficiente
((iikhii crítica para a problematização dos estudos históricos da relação
huhulho-Educação. Também, à exceção de poucos, raros são os his-
luiludores que se dedicam ao estudo de Educação, como o historiador
1'iuncisco Falcon reconhece (2006). Consequentemente, alguns histo-
tludores (Batalha, 1998; e Gomes, 2004) estudam o Trabalho em suas
diversas formas e temporalidades, mas não a relação entre o mundo do
iiiiluilho e a educação ou a escola. De outra parte, no Brasil, são ainda
nuns raros os historiadores de Educação que se dedicam à pesquisa envol­
vendo o trabalho, a divisão social do trabalho e a estrutura das classes so-
1 tins. Prevalecem os estudos com base na história cultural que, na maioria
das vezes, são interessantes, mas se limitam a cuidadosas e documentadas
descrições.

I ’rocedimentos teórico-metodológicos
Nesta seção, nos detemos na apresentação breve de alguns procedimentos
icórico-metodológicos da pesquisa social de interesse para a pesquisa em
l.ducação, tanto quanto possível, nos limites deste texto, a partir de uma
visão crítica dos mesmos.
Alguns historiadores sinalizam questões conceituais e teórico-
metodológicas, considerando as transformações sociais e intelectuais de­
correntes da violência das guerras e dos conflitos políticos, econômicos e
religiosos que conturbaram todo o século XX. Vivemos cotidianamente
um processo de aceleração dos deslocamentos no tempo e no espaço. Os
meios de transporte e os meios de comunicação introduziram a possibi­
lidade de deslocamentos de um lugar para outro, em áreas distantes, em
outras partes e outras culturas do mundo, impensáveis décadas atrás.
As pessoas agem como se tivessem a aceleração do movimento incor­
porada a seu ritmo e a seus movimentos, contrariando o ritmo interior do
corpo humano e suas conexões mentais. A aceleração do espaço-tempo
dos transportes, da comunicação digital altera a rapidez e a quantidade
de informações e introduz mudanças na subjetividade com que os su­
jeitos sociais lidam com o tempo, com os espaços ou territórios em que
se movem e tendem a abreviar o tempo das relações sociais.
O historiador EnzoTraverso (2012) sinaliza quatro pressupostos da
pesquisa historiográfica: a contextualização, a historicização, a compa­
ração e a conceituação, ressaltando que não são simples procedimentos
metodológicos. Concordamos com sua advertência porque não há proce­
dimentos de pesquisa que não tenham conteúdos teóricos de uma visão
da realidade, uma visão do mundo e uma concepção do ser humano. As
Maria Ciavatta 48

quatro categorias enunciadas concorrem para a apreensão histórica dos


fenômenos. Constituem um roteiro teórico-prático de pesquisa.

Contextualização - “Consiste em colocar um evento ou uma ideia em sua


época, no quadro social, intelectual e linguístico, na paisagem mental ao
qual pertencem.” (Traverso, 2012, p.17) Mais do que uma regra, um pro­
cedimento, como diz o autor, consideramos o lado teórico desta “norma”,
que é considerar o conjunto das múltiplas relações que constituem um
objeto como totalidade social (Kosik, 1976; e Ciavatta, 2001), como “sín­
tese de múltiplas determinações” (Marx, 1977, p.229), o que implica uma
visão de mundo e de história e a contextualização também no quadro
econômico e político, nas contradições sociais da época em que ocorre o
fenômeno estudado.

Historicização - Este é o segundo pressuposto apontado por Traverso


(2012).27 “Significa a necessidade de enfrentar os fatos e as idéias em uma
perspectiva diacrônica, capaz de captar as transformações no tempo.” O
autor recupera Benjamin e sua crítica ao tempo linear “‘homogêneo e
vazio’ que entra em empatia com os vencedores e desemboca irremedia­
velmente em uma visão apologética do passado”. E defende um “histo-
ricismo crítico que afirma com força a ancoragem na história, não obs­
tante a multiplicação dos sujeitos e suas representações literais e rasteiras”
(2012, p.17), o que entendemos como a superação do historicismo fac­
tual, tradicional ou positivista.

Comparação - O terceiro pressuposto é a comparação. Fazer analogias,


comparar são processos inerentes à consciência e ao conhecimento
(Ciavatta, 2000). “E necessário pôr em confronto os acontecimentos, as
épocas, os contextos, as idéias para tentar penetrá-los e compreendê-los.”
(Traverso, 2012, p.17) Esta aproximação diz respeito ao próprio processo
de pesquisa, “à violência de um tempo global, às grandes correntes his-
toriográficas, ao exílio, às trocas culturais de um país a outro, de um
continente a outro” (2012, p.17). Este procedimento de pesquisa articula-
-se ao anterior no sentido da importância do espaço-tempo em que nos
movemos, no qual todos os acontecimentos ganham forma e significados.

Conceituação - O quarto pressuposto é a conceituação-. “Para interpretar


a realidade é necessário captá-la através dos conceitos - alguns ‘tipos
ideais’28 - sem deixar de escrever a história em forma narrativa; em outros

27. Traverso explica que seu método difere “tanto do ‘historicismo’ clássico (Niebuhr,
Ranke e Droisen), quanto do historicismo positivista, hoje mais difundido do que parece,
ou do que é admitido por quem o pratica” (2012, p.17).
28. Não obstante a pertinência dos procedimentos indicados por Traverso (2012), não
O trabalho docente e os caminhos do conhecimento 49

termos, sem nunca esquecer que a história real não coincide com suas
representações abstratas.” ParaTraverso (2012), “os conceitos dão forma
a uma ‘prática’ - escrever a história - que permanece profundamente
ligada ao presente”. É sempre no presente que os historiadores procuram
“reconstruir, pensar e interpretar o passado” (p.17-18).

As fontes de pesquisa - Outro procedimento teórico importante para a


pesquisa histórica é a localização e o tratamento das fontes. As fontes são
o que resta da memória humana, materializada em palavras, imagens e
documentos escritos, registros da história vivida no espaço-tempo com
suas particularidades, suas características e transformações.
Em termos breves, o uso das fontes também tem uma história,
porque os temas, as concepções de mundo e os interesses dos pesqui­
sadores variam no espaço-tempo de suas trajetórias de vida e de identi­
dades culturais. A relação dos historiadores com as fontes tem variado ao
longo do tempo, desde “os documentos [vistos] como fontes de verdade,
testemunhos neutros do passado, aos que analisam seus discursos, reco­
nhecem seus vieses, desconstroem seu conteúdo, contextualizam suas
visões” (Janotti, 2006, p.io e 25), até os que veem as fontes apenas como
expressões discursivas, aparentemente, desencarnadas.
São as fontes que revelam os acontecimentos e permitem a cons­
trução do discurso histórico. Podem ser escritas (documentos históricos,
literários ou jornalísticos), orais (entrevistas, depoimentos) ou iconográ-
ficas (imagens, fotografias, filmes, documentários). Em toda documen­
tação, vários sujeitos estão presentes e precisam ser reconhecidos: são os
autores dos documentos; seu espaço-tempo de preservação; os arquivos
públicos, reservados ou privados; a propriedade dos documentos e a fi­
nalidade dos mesmos.
Lidar com os fenômenos, acontecimentos e sujeitos sociais envolve
também procedimentos específicos aos diversos ramos científicos. O tra­
balho de campo e documental é comum às diversas ciências sociais e hu­
manas, mas seu uso e sua interpretação dependem da teoria acumulada
sobre os dados ou informações coletados.
Além da fundamentação positivista que reduz a complexidade dos
fenômenos e objetos à sua singularidade, à quantidade, é comum, em
uma área recente como a Educação, o uso de procedimentos que, supos-

consideramos os conceitos como “tipos ideais”. O sentido weberiano de tipos ideais


tem referência à ideia de modelo, um recurso analítico, uma representação racional de
um fenômeno (burocracia, religião, economia etc), para ajudar na sua compreensão. Na
pesquisa histórica de base marxista, os conceitos são categorias gerais com conteúdos
teóricos que permitem explicar os fenômenos como processos sociais históricos que não
se enquadram em um tipo ideal, porque a realidade é dialética, está em permanente
transformação no espaço-tempo, sob a ação dos sujeitos sociais.
Maria Ciavatta 50

tamente, prescindem da teoria e se reduzem à prática de coleta de dados e


leitura fora da complexidade histórica em que são gerados. Por isso, longe
de poder esgotar a reflexão acumulada sobre a questão, vamos abordar
alguns aspectos e sinalizar convergências e dissensões a partir do ponto
de vista histórico assumido neste texto.

A pesquisa qualitativa e a etnografia - A crítica ao modelo experimental


das ciências da natureza levou pesquisadores em Educação a buscarem
a pesquisa qualitativa. Segundo Chizzotti, são aqueles que “afirmam, em
oposição aos experimentalistas, que as ciências humanas têm sua especi­
ficidade - o estudo do comportamento humano e social - que faz delas
ciências específicas, com metodologia própria” (1991, p.79). Criticam a
adoção de modelos experimentais que conduzem a generalizações inde­
vidas, baseiam-se em um simplismo conceituai e dissimulam o controle
ideológico das pesquisas.
Outro marco dessa separação está na legitimação dos conhecimentos,
porque “a abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma
relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito” (Chizzotti, 1991, p.70)
e interação deste com o pesquisador. E um conhecimento permeado de
subjetividade, porque o sujeito que pesquisa e o objeto-sujeito pesquisado
são parte do processo de conhecimento.
O autor considera ainda que a pesquisa qualitativa pode ser feno-
menológica e dialética. No primeiro caso, busca-se ultrapassar as impres­
sões imediatas; outras correntes fenomenológicas buscam os significados
que os indivíduos atribuem aos seus atos. No caso da pesquisa dialética,
Chizzotti (1991) ressalta a contradição e as relações presentes nas estru­
turas sociais.
André (2011) destaca os diversos significados do conceito àe pesquisa
qualitativa. Para uns, é a pesquisa fenomenológica; para outros, significa
pesquisa etnográfica; ou é um tipo de pesquisa “guarda-chuva” que pode
incluir estudos clínicos; e, finalmente, seu sentido mais comum como
“aquela que não envolve números, isto é, na qual qualitativo é sinônimo
de não quantitativo” (André, 2011, p.23).
Seu trabalho, nesse livro, detém-se na pesquisa etnográfica. Resgata
brevemente o sentido de “etnografia” para os antropólogos. Primeiro,
“como um conjunto de técnicas que eles usam para coletar dados sobre
os valores, os hábitos, as crenças, as práticas e os comportamentos de
um grupo social”, e, segundo, “ um relato escrito resultante do emprego
dessas técnicas”. No caso da educação, “o que se tem feito, pois é uma
adaptação da etnografia à educação, o que me leva a concluir que fa­
zemos estudos de tipo etnográfico, e não etnografia no seu sentido estrito”
(André, 2011, p.27-28).
A etnografia nos estudos antropológicos tem uma longa tradição,
O trabalho docente e os caminhos do conhecimento 5i

vem dos séculos XIX e XX, dos antropólogos europeus e americanos, que
trabalharam intensamente sobre cultura, evolução e povos primitivos. Um
dos mais recentes e influentes antropólogos foi Clifford Geertz (1926-
2006), que elaborou a teoria da etnografia como “descrição densa” sobre
as “estruturas de significação” de uma cultura (Geertz, 1978, p.15-19).
Fundamentalmente, a distinção entre essas concepções, procedi­
mentos e a pesquisa histórica aqui apresentada se dá em três aspectos: o
tipo de dados utilizado, as teorias de interpretação e a presença do ele­
mento político de transformação da sociedade. Em primeira instância, o
tipo de fontes: na antropologia e, em sua técnica mais apurada, na etno­
grafia, é o trabalho de campo, são os dados empíricos obtidos pela obser­
vação e pela interação, incluindo seu registro oral e iconográfico.
Não são os dados que distinguem essencialmente a antropologia e
a história. Nesta última, as fontes usuais são os documentos (escritos,
iconográficos etc) e toda a ampliação de documentos e objetos de estudo
ocorrida nas últimas décadas, inclusive a história oral. São as concepções
de sociedade, cultura e conhecimento e o tipo de narrativa que as aproxima
ou distancia.
O segundo aspecto das distinções encontradas são as teorias de sus­
tentação para a interpretação dos fenômenos. A antropologia, a socio­
logia, a economia, a ciência política, a psicologia, a história, incluindo a
visão marxista, têm seus clássicos próprios, a partir das pesquisas e es­
tudos de fenômenos específicos de seu campo de estudos.
Em terceiro lugar, o elemento político, no materialismo histórico,
não é apenas um componente descritivo da sociedade ou dos grupos so­
ciais. Do ponto de vista da educação como formação humana, os procedi­
mentos podem ser comuns às outras ciências humanas e sociais, quando
exigidos pelo objeto de estudo. Sua interpretação, entretanto, está na
forma como se estruturam os fenômenos educacionais, na formação dos
sujeitos envolvidos. Sua particularidade está na análise da sociedade em
que vivemos, no modo de produção social da existência, nas classes so­
ciais e na estratégia de transformação ou manutenção do status quo das
sociedades capitalistas, como parte substantiva da visão de história e do
presente que estuda o passado para projetar o futuro.

Considerações finais
Concluindo esta reflexão teórico-metodológica sobre a pesquisa histórica
no campo Trabalho e Educação, recuperamos algumas proposições apre­
sentadas ao longo do texto. Se a crítica à economia política e a análise do
sistema capital configuram o primeiro eixo teórico-metodológico a ser
observado, o segundo ponto é a reconstrução histórica dos fenômenos,
que deve estar voltada para a história como processo social de produção
Maria Ciavatta 52

da existência humana e para a história como método de produção do


conhecimento.
Metodologicamente, em uma visão dialética, são as categorias ou
conceitos utilizados que viabilizam a aproximação com a verdade dos
fatos. No estudo da Educação e da Educação Profissional, são conceitos
fundamentais, para chegar à historicidade do fenômeno, totalidade social,
mediação, contradição, ideologia e espaço-tempo.
Trabalho, educação, formação humana e classes sociais são conceitos
específicos para o estudo do tema focalizado. Mais próximos dos pres­
supostos metodológicos, e não se esgotando na noção técnica de proce­
dimento, estão a contextualização dos fenômenos, sua historicização, a
comparação com aspectos análogos da realidade e a conceituação que,
desde seu início, perpassa todo o processo.
A busca e a crítica das fontes completa o quadro de procedimentos
não apenas técnicos, mas teórico-metodológicos. Uma breve aproximação
com a pesquisa qualitativa e com a etnografia sinaliza o quadro de con­
vergência e de dissensões com essas concepções e técnicas de pesquisa.
A pesquisa em Trabalho e Educação, sobre a Educação Profissional
e Tecnológica nos sistemas de ensino ou na educação dos trabalhadores
por sindicatos, ONGs etc, implica a análise dos fundamentos do sistema
capital, ao qual acrescentamos as particularidades históricas do capita­
lismo dependente em sociedades latino-americanas em que nos situamos.
A necessidade de fazer avançar a produção para a geração de em­
pregos é um dos motivos da ênfase no desenvolvimento econômico decla­
rado pelo governo - que não tem contemplado o desenvolvimento social
de serviços básicos para a população, o que tem sido tratado criticamente
como desenvolvimentismo (ver, entre outros, Castelo, 2010). Outra das
razões, não tão abertamente declarada, mas conhecida pelo nome de
“dívida externa” e, em análises recentes, como Sistema da Dívida, é a
geração de divisas para o equilíbrio da balança de pagamentos com vistas
ao superávit primário, que garante o pagamento dos juros da dívida aos
credores internacionais.
Não cabe nos objetivos, nem nas dimensões deste texto, tratar em
detalhes desses motivos declarados ou ocultos. Podemos pensar, no en­
tanto, sobre as relações internacionais de dependência que contextua-
lizam as políticas de desenvolvimento, as reformas educacionais, os sis­
temas de avaliação e outros modismos gerados fora do país e absorvidos
como próprios. E o caso das Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio e de Educação Profissional e Tecnológica (DCNEM e
DCNEPT) e do PRONATEC (para maiores detalhes, ver Brasil, 2012;
Ciavatta e Ramos, 2012; e Pacheco, 2012).
As pesquisas sobre a Educação Profissional, as DCNEMs, as
DCNEPTs e o PRONATEC, para compreenderem a gênese de seu sen-
,1 iiiihalho docente e os caminhos do conhecimento 53

Hilo social e político, precisam levar em conta o modelo de desenvolvi­


mento econômico em que se inserem. Particularmente, a relação entre
o linsino Médio e a Educação Profissional contraria uma perspectiva de
pilucação geral e profissional, pública, de qualidade, científico-tecnoló-
iiu a e histórico-social para toda a população. A história desse segmento
ilii educação passou do assistencialismo inicial para o suprimento das
necessidades e dos interesses privados empresariais, sob a inspiração de
«eus intelectuais orgânicos e a subordinação aos organismos internacio­
nais (entre outros, ver Ciavatta, 2009).

Ume texto, em sua versão preliminar, discute a história do presente e foi preparado
pura o VII Seminário do Grupo THESE - Projetos Integrados sobre Trabalho, História,
liilucação e Saúde (UERJ-UFF-EPSJV/FIOCRUZ), realizado entre os dias Io e 13 de
dezembro de 2012.

Pura saber mais


Antropologia e etnografia Marxismo
Ruth Cardoso (organização),/! aventura Atílio Borón et al. (compilação), La teoria
antropológica: teoria e pesquisa, Rio de marxista hoy, problemas y perspectivas,
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Roberto DaMatta, Relativizando: uma José Paulo Netto, Marxismo impenitente:
introdução à antropologia social, Rio de contribuição à história das idéias
Janeiro: Rocco, 1987 marxistas, São Paulo: Cortez, 2004
Alba Zaluar Guimarães (organização), -, Economia política: uma introdução crítica,
Desvendando máscaras sociais, 2“ edição, 7a edição, São Paulo: Cortez, 2011
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980

Icoria e pesquisa
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