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"Virtualidades, limites e contrastes da investigação qualitativa e quantitativa em

Educação"

Segundo Mialaret, a expressão “Ciências da Educação” “não é o resultado de uma


[nova] moda”, mas de “alguma coisa de mais profundo e que corresponde a uma nova
realidade” (Mialaret, 1976: 3). Esta assertiva remete-nos para o facto do fenómeno educativo
ter passado a ser alvo de um tratamento científico, recorrendo-se à metodologia científica como
disciplina que “examina e avalia as técnicas de pesquisa bem como a geração ou verificação de
novos métodos que conduzem à captação e processamento de informações com vista à
resolução de problemas de investigação” (Barros e Lehfeld, 1986: 1).
Para cada tipo de abordagem da realidade educativa a investigar, o investigador dispõe
de diferentes correntes e de diversas metodologias, podendo optar, entre outros, pelos
paradigmas1 quantitativo2 ou qualitativo3, considerados por muitos autores como antagónicos,
uma vez que o paradigma quantitativo é mais empirista, partindo o investigador do
conhecimento teórico existente ou de resultados empíricos anteriores enquanto, o paradigma
qualitativo é mais construtivista e interpretativo.
Ancorado no positivismo lógico de Comte (séc XIX), segundo o qual cada fenómeno
deve ter apenas uma interpretação científica, o paradigma quantitativo busca as causas de
fenómenos sociais, sem dar relevo ao aspecto subjectivo dos indivíduos. Assim, guia-se pela
objectividade, pela medição rigorosa (os fenómenos devem ser medidos e quantificados4),
posicionando-se o investigador/observador à margem dos dados, como um outsider, para
conseguir apresentar dados sólidos, fiáveis e reprodutíveis. Baseado num processo inferencial e
hipotético-dedutivo, o percurso deste paradigma está orientado para a comprovação e
confirmação das hipóteses apresentadas, numa amostra representativa da população, assumindo
um carácter generalizável (permitindo formular leis gerais aplicáveis em estudos de múltiplos
casos5), arrogando uma realidade estável.
No que concerne o paradigma qualitativo, frisa-se que este se fundamenta em várias
correntes: no idealismo de Kant6, na fenomenologia7 e no interaccionismo simbólico8.
Tendo como eixo condutor estas premissas, o paradigma qualitativo distingue-se por:
privilegiar a selecção dos casos pela sua importância para o tema em estudo ao invés da sua

1
“Esquema de algumas hipóteses de base sobre as quais cada época científica baseia as suas orientações privilegiadas de
orientação” (Le Moigne, J. L. (1990). A Teoria do Sistema Geral: Teoria da Modelização. Lisboa:Instituto Piaget, cap 2. p. 59)
2
Até metade do século XX, na investigação educacional ressaltou o predomínio da metodologia quantitativa.
3
A partir dos anos 80, emerge o interesse pelo conhecimento de “pessoas e ambientes (…) [pela] compreensão do
comportamento humano” (Bogdan e Biklen, 1994:83)
4
“O rigor científico afere-se pelas medições, o que não é quantificável é cientificamente irrelevante” (Sousa Santos, B. (2001).
Um Discurso sobre as Ciências. 12 ª ed. Porto: Edições Afrontamento)
5
“The aim of the positive researcher is to seek generalizations and „hard‟ quantitative data” (cf. Wellington, (2003).
http://books.google.pt/books?id=glvWme8vEgQC&pg=PP4&lpg=PP1&ots=1njwy_NfMc&dq=Educational+Research&hl=pt-
BR#v=onepage&q&f=false
6
Segundo Kant existem tantas interpretações da realidade, quanto o número de investigadores dessa mesma realidade.
7
Segundo a fenomenologia de Edmund Husserl, a compreensão da conduta humana parte do(s) ponto(s) de vista do indivíduo
que actua, já que o mundo é aquilo que ele percebe, é aquilo que ele vê.
8
Esta corrente advoga que o indivíduo age em relação aos fenómeno, baseando-se no(s) significado(s) que esses fenómenos
têm para si. Este(s) significado(s) resulta(m) não só da interacção social do indivíduo, mas também é/são modificado(s) pela
sua interpretação.
representatividade, adoptar a observação naturalista (sem grande controlo), ser subjectivo,
assumindo o investigador a posição de insider, assumindo ser o principal instrumento de
pesquisa. Enquanto paradigma exploratório, indutivo e descritivo, este paradigma está
orientado para a descoberta dos pressupostos teóricos de uma realidade dinâmica, para o
processo (sendo as hipóteses de investigação, muitas vezes, (re)formuladas, no decorrer do
mesmo), o que exige (na maioria dos casos) um longo período de tempo. Os dados revelados
são válidos, mas não generalizáveis. Consequentemente, este paradigma será mais apropriado,
por exemplo, aquando da realização de estudo de casos isolados.
Actualmente, defende-se que a ciência não é o resultado de um roteiro totalmente
previsível. Como tal, para minimizar os limites, maximizar as virtualidades de cada um dos
paradigmas supra referidos, o investigador utiliza métodos mistos (que evoluíram a partir da
prática da triangulação), combinando, frequentemente, de diferentes formas, ambos os
paradigmas na investigação, não só para obter uma complementaridade de dados, mas também
para conseguir uma maior riqueza e multiplicidade de perspectivas da realidade, que não
alcançaria usando um dos paradigmas isoladamente. Tal como advoga Morse “ (…) because
different „lenses‟ or perspectives result from the use of different methods, often more than one
method may be used within a project so the researcher can gain a more holistic view of the
setting” (Morse, 1994: 224).
Assim, o recurso a metodologias mistas é cada vez mais recorrente em investigação em
educação. Cito, como exemplo, dois tipos de metodologia mista que assumem diferentes
especificidades: o Mixed method research e o Mixed model research.
O primeiro tipo “is research in which the researcher uses the qualitative research
paradigm for one phase of a research study and the quantitative research paradigm for another
phase of the study” (c.f.Wellington, 2003). Este tipo de investigação associa as diferentes
metodologias em fases parcelares, mas dentro de um mesmo projecto de investigação.
Wellington frisa que o segundo tipo “is research in which the researcher mixes both qualitative
and quantitative research approaches within a stage of the study or across two of the stages of
the research process”. Este tipo de metodologia denota já um nível de interdependência que
reúne vários elementos e características de ambas as metodologias (qualitativa e quantitativa).
Ressalva-se, no entanto, que os dois tipos de metodologia mista supra apresentados não
estão a salvo de alguns constrangimentos. O Mixed method research (acumulando
contribuições parcelares da metodologia qualitativa e da quantitativa) pode encontrar
problemas na articulação dos resultados das diferentes fases em que foram utilizados, sobretudo
se os dados/resultados obtidos não forem convergentes. Por seu lado, mais complexo, o Mixed
model research pode não ser facilmente realizável, pois deverá ultrapassar alguns aspectos
antagónicos e/ou conflituosos, como por exemplo, entre a validação de uma teoria pré-definida
(característica da metodologia quantitativa) e a observação naturalista que, segundo De
Landsheere é uma “observação de comportamento dos indivíduos nas circunstâncias da sua
vida normal” (De Landsheere, 1979:191) (característica da metodologia qualitativa).
Enquanto mestranda, nos casos concretos lidos/estudados de investigações que
recorreram à metodologia mista, esta assumia diferentes designs.
Cito, como exemplo concreto, a tese de Doutoramento em Educação da Universidade do
Minho, defendida em Março de 2010 pela Dr.ª Filipa Isabel Barreto de Seabra. A Autora
adoptou uma metodologia mista de investigação. Recorreu à entrevista, ao questionário e à
análise documental como técnicas de recolha de dados e adoptou como técnicas de análise de
dados a análise estatística (descritiva e inferencial) e a análise de conteúdo.
No percurso da sua investigação, aplicou a um determinado número de professores (de
dois distritos do Norte do país) um questionário sobre o conceito de competência e suas
implicações na prática docente, assim como uma entrevista semi-estruturada referente ao
conceito de competência e seus reflexos sobre as práticas de planificação, leccionação e
avaliação. Salienta-se que a entrevista semi-estruturada sendo mais flexível que a estruturada,
pois permite combinar questões de um guião pré-definido, para poder “obter dados
comparáveis entre vários sujeitos” (Bogdan e Biklen, 1994: 135) com informações adicionais
que surgem ao longo da entrevista é um exemplo de metodologia híbrida. A análise documental
realizada recaiu não só sobre um corpus de documentos legais nacionais e europeus, mas
também sobre uma amostra de planificações e instrumentos de avaliação utilizados por
professores.

Referências bibliográficas

Barros, Aidil de J. P.; Lehfeld, Neide A. S. (1986). Fundamentos de Metodologia: um guia para a iniciação
científica. São Paulo: Mc Graw-Hill, p.1

Blumer, H. (1980). “A natureza do interaccionismo simbólico”. In: Mortensen, C.D. Teoria da comunicação: textos básicos.
São Paulo: Mosaico, pp. 119-138. [em linha]. Disponível a partir de:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_de_Chicago_(comunica%C3%A7%C3%A3o) [Acedido Novembro 2010]

Bogdan, Robert, Biklen, Sari (1994). Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos
métodos. Colecção Ciências da Investigação. Porto, Porto Editora.

Christensen, L. B., Johnson, B. (2007). Educational Research: Quantitative, Qualitative, and Mixed Approaches, 3th ed. Sage
Publication [em linha]. Disponível a partir de: http://www.southalabama.edu/coe/bset/johnson/dr_johnson/2textbook.htm

[Acedido Novembro 2010]

De Landsheere, G. (1979). Dictionnaire de l’évaluation et de la recherche en éducation, Paris, PUF, p.191

Le Moigne, J. L. (1990). A Teoria do Sistema Geral: Teoria da Modelização. Lisboa: Instituto Piaget, cap 2, p. 59

Mialaret, Gaston (1976). Les sciences de l’Education, Paris, PUF, p. 3

Morse, J. (1994). “Designing Funded Qualitative Research”, in Denzin, N. K.; Y. S. Lincoln (eds.), Handbook of
Qualitative Research, Thousand Oaks, Sage, pp. 220-235

Seabra, Filipa, I. B. de (2010). Ensino Básico: Repercussões da Organização Curricular por Competências na
Estruturação das Aprendizagens Escolares e nas Políticas Curriculares de Avaliação. Tese de Doutoramento em
Educação, Área do Conhecimento em Desenvolvimento Curricular. Universidade do Minho, Instituto de Educação
e Psicologia. [em linha]. Disponível a partir de:

http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/10877/1/tese.pdf [Acedido Dezembro 2010]

Sousa Santos, B. (2001). Um Discurso sobre as Ciências. 12 ª ed. Porto: Edições Afrontamento.

Wellington, J.J. (2003). Educational research: contemporary issues and practical approaches

[em linha]. Disponível a partir de:

http://books.google.pt/books?id=glvWme8vEgQC&pg=PP4&lpg=PP1&ots=1njwy_NfMc&dq=Educational+Resear
ch&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false [Acedido Novembro 2010]

Azeitão, 3 de Dezembro de 2010

Dulce Oliveira

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