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Amor

&
Preconceito

Paloma White
2ª Edição

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Copyright © 2019 Paloma White

Capa: Jandui Felipe


Revisão: Valéria Avelar/ Andrea Moreira

Diagramação Digital: Valeria Avelar

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes,


personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação
da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.
Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte
dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o
consentimento escrito da autora.
Criado no Brasil.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98
e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

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Sumário
Agradecimentos
Dedicatória
Prólogo
Capítulo I
Capítulo II
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo V
Capítulo VI
Capítulo VII
Capítulo VIII
Capítulo IX
Capítulo X
Capítulo XI
Capítulo XII
Capítulo XIII
Capítulo XIV
Capítulo XV
Capítulo XVI
Capítulo XVII
Capítulo XVIII
Capítulo XIX
Capítulo XX
Capítulo XXI
Capítulo XXII
Capítulo XXIII
Capítulo XXIV
Capítulo XXV
Epílogo I
Epílogo II

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Agradecimentos

Gostaria de agradecer a todos os leitores que estão para iniciar essa


nova aventura, me emociona saber que estão dispostos a dar uma
oportunidade a esses meninos valentes e, apaixonantes. Obrigada! Como não
poderia deixar de ser, agradeço mais uma vez de forma muito especial àquela
que todos já conhecem no Facebook como uma das maiores apoiadoras da
literatura nacional: Adiany.
Adiany, querida, seus conselhos, tanto na sinopse como no epílogo 2,
foram primordiais. Obrigada!

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Dedicatória

Dedico essas linhas para aqueles que já tiveram coragem para superar,
e aqueles que ainda sofrem por não encontrar dentro de si mesmos a força
para romper essa barreira e enfrentar seus medos do preconceito.
Mas, com toda certeza, essa história foi escrita com todo carinho para
você, porque, mesmo tarde, você encontrou a coragem para tomar a decisão
que, para mim, foi a mais correta. Quero que saiba o orgulho imenso que
sinto por você, meu amigo querido. Talvez algum dia eu tome coragem e
mostre esse livro a você.

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Prólogo
Levantei a minha mão e liberei o hands-free que tinha preso ao meu
ouvido. Apoiei a testa e as minhas mãos sobre o vidro frio da janela da sala
do escritório e levei um bom tempo para me recuperar. Era sempre assim, um
jogo que eu nunca estaria disposto a perder, e esse era só mais um.
A adrenalina corria em minhas veias, fazendo meu coração bater fora
do compasso e minha respiração ficar superficial e acelerada. Eu estava
eufórico. Queria dividir a minha alegria com alguém antes que a sensação me
abandonasse. Sabia que tudo estaria acabado em questão de horas e, assim, eu
teria que buscar um novo jogo, novos jogadores, e começar uma nova
disputa.
Virei-me, ainda sorrindo sozinho. Vi Poul sentado em meu sofá com
um dos tornozelos apoiado sobre o joelho me encarando com cara de poucos
amigos.
— Que foi que eu fiz? — Encarei-o de volta.
— Nada. Nem sei por que ainda fico bravo. Sempre foi assim. —
Levantou-se, passando a mão pelos cabelos loiros rebeldes, bagunçando-os.
— Se você não me falar, como vou saber o que fiz de errado? — Parei
no meio da sala e o enfrentei. Ele poderia até pensar que eu podia adivinhar o
porquê de toda a sua frustração, mas não, eu estava completamente perdido.
— É o que sempre acontece. Você esquece a hora de tudo quando está
nesse seu maldito jogo. Estou cansado, com fome e você sequer notou
quando entrei — esbravejou.
— Desculpe-me, Poul. — Quando o ouvi dizer isso, lembrei-me que o
havia chamado para almoçar comigo, e isso foi um pouco antes de eu receber
a ligação dos empresários indianos. Ele tinha razão.
— Esquece, vamos comer. Eu estou realmente esfomeado. — Ele
levantou a mão para que eu me calasse. — Desculpe-me, mas eu me esqueci
completamente. Já é tão tarde assim? — Tentei novamente.
— Já. Já passa das duas. Eu estou com fome, cansado de esperar e, para
completar, mal-humorado. Vamos. — Poul geralmente era tranquilo, e para

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que ele estivesse me dando uma bronca, era porque estava realmente
chateado.
— Você sabe que há meses estou negociando a compra dessa fábrica na
Índia. Por fim, fechamos o negócio. — Percebi pelo olhar dele que tinha
conseguido piorar a minha situação.
— Sim, você pensa que eu não entendo? Hoje foi na Índia, amanhã vai
ser na China, sempre haverá uma empresa em problemas e você sempre
estará lá para terminar de destruí-la. Chega! Cansei! Estou com fome,
cansado e de mau humor. Estou indo. Tchau. — Ele girou, indo em direção à
porta, mas tratei de impedi-lo, não gostava de vê-lo chateado.
— Ei, Poul, tudo isso por que perdi a hora do almoço? — Eu o trouxe
pelo braço e o fiz se sentar novamente.
— Está difícil. Você é um cara inteligente e prova disso é que com
trinta anos já é um dos dez mais ricos do planeta. Então, como não pode
entender o que estou dizendo, Julian? Você está se destruindo. Pare com isso,
não consigo mais assistir.
— Não consigo, Poul. — Desabei no sofá ao lado dele.
— Conheço você desde a faculdade, Julian, mas nunca soube nada do
seu passado. Só conheci seus pais. Sei que você tem amigos que querem o
seu bem, eu sou o primeiro da fila, mas você é solitário. Desde que nos
separamos, você vive para isso que chama de trabalho. O que você faz
quando não está jogando? Porque isso não é trabalho, é um jogo.
Fiquei olhando para ele. Era a primeira vez que eu via Poul explodindo
e perdendo o controle comigo. Ele se levantou e me deixou sentado, em
seguida pegou o interfone e ligou para o meu assistente.
— Chris, peça algo para comer para mim e para o senhor Fox. Você
conhece os nossos gostos — dito isso, ele voltou a atenção para mim. Agora
que ele tinha começado, eu sabia que não iria parar. Mas o meu passado era
isso – meu passado. Eu não estava a fim de acordar os demônios que tanto
tinham me custado pôr para dormir.
— Escute, Poul, não quero falar sobre isso. Por favor, não me force
lembrar o que quero esquecer.
— O que é tão terrível no seu passado? Desculpe-me insistir. — Ele se

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ajoelhou à minha frente e pegou as minhas mãos, as levou aos lábios e beijou
os nós dos meus dedos.
— Por favor, não, Poul. Levei anos tentando esquecer. — Sentindo
uma pressão no meu peito, eu me levantei e saí do meu escritório, indo até a
sala de reuniões. Estava começando a sentir um ataque de pânico, eu
precisava me acalmar. Sentei-me, baixei a cabeça entre meus joelhos, fechei
meus olhos e inspirei profundamente várias vezes até me sentir mais calmo.
Ao ouvir a porta se abrindo, percebi que Poul tinha me seguido.
— Desculpe-me, Julian, não pensei que fosse tão grave. Sinto muito.
Levantei meus olhos e o vi parado à minha frente, parecendo desolado.
— Tudo bem, você não tinha como saber. Mas, por favor, nunca mais
volte a perguntar do meu passado.
Chris bateu à porta pouco depois e a entreabriu, colocando a cabeça
pela abertura e nos avisando que o almoço já estava em minha sala.

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Capítulo I

FAZENDA SCOTT
NOAH SCOTT

— Noah querido, eu acho que vocês estão gastando muito com esse
encontro. — Todos viramos a cabeça para ouvir a voz de Penn reclamando
do encontro pela enésima vez.
Deixei de olhar a planilha que Elijah estava me apresentando para
prestar atenção nela, que, como sempre, estava muito elegante; a calça branca
e a blusa de seda bordô caíam com perfeição no seu corpo bem-marcado com
todas as curvas nos lugares exatos, os cabelos loiros abundantes, os lábios
cheios e vermelhos, os olhos azuis amendoados. Ela era uma das garotas mais
lindas da região quando nos casamos cinco anos atrás, e continuava a ser. Fui
até ela e a abracei, sentindo o perfume Red Door que ela usou toda a vida.
— Querida, não estamos gastando nada. Já disse isso a você, todo o
encontro está sendo patrocinado pelos garotos Scott, como sempre. Fique
despreocupada. E você sabe como papai adorava reuniões e casa cheia.
— Maggie me contou que você está pensando em mandar construir
mais cabanas no lado leste — ela voltou a reclamar e eu pude sentir vários
olhares sobre nós.
— Sim, só estamos com uma cabana de reserva, mas não estamos
construindo ainda, apenas estudando projetos. Se recebermos as doações
necessárias, faremos, caso contrário, eu só quero deixar tudo pronto para

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mostrar, e se alguns se dispuserem a ajudar…
— Esse dinheiro seria melhor investido aqui, na fazenda, e não
construindo cabanas. Até hoje não entendo como você e Kate deixaram seu
pai dividir a propriedade.
Tratei de me acalmar ou iríamos ter uma discussão na frente de todos.
— Escute, Penn querida, já tivemos essa conversa muitas vezes e agora
não é a hora e nem o lugar para começar novamente a mesma discussão.
Tenho que terminar essa reunião. Por que você não sai com as suas amigas
para relaxar? Eu ainda vou demorar por aqui, temos muitas coisas para
resolver. — Olhei para ela, implorando que entendesse.
— Tudo bem, eu vou ligar para elas. Mas depois que terminar esse
encontro, você vai ter que me levar para fazer compras em Nova Iorque. Meu
guarda-roupa está completamente desatualizado.
Voltei a prestar atenção nela. Estava linda, como sempre, vestindo
roupas de grifes. Ela nunca se vestiu para a fazenda. Bolsas, sapatos, roupas,
tudo era de marca e não combinavam com galinhas, vacas e cavalos, além de
grama e barro. Ela era infantil, cheia de mimos e eu gostava de agradá-la. Ela
me deu um beijo e saiu fazendo biquinho, com o toc-toc dos Manolo Blahnik
no assoalho gasto.
— Deus me livre! Como você aguenta?
Deus, será que agora que eu tinha conseguido acalmar Penn ia começar
uma briga com Kate?
— Ela é só um pouco mimada. — Esperava que Kate aceitasse e assim
pudéssemos continuar com nossa reunião.
— Ela é uma bruxa fingida, você é que não vê. Como ela ousa reclamar
do encontro que estamos organizando, se cada bolsa que ela compra daria
para alimentar uma família durante um mês? Ela é fútil e má, mas finge
muito bem para você — explodiu.
— Não fale mal da minha esposa. Eu não falo mal do seu marido —
contra-ataquei, já estava de cabeça quente.
— Você não pode falar mal dele. Cody dá o sangue por essa fazenda,
mas me pergunte onde ela está agora?

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— Vamos parar por aqui. Não acredito que Elijah, Jake e Jordan
queiram ouvir a nossa discussão familiar. — Tratei de pôr um ponto final ou
ela não pararia.
— Por mim, vocês podem continuar. Adoro uma boa discussão. Mas
Kate tem razão, Noah, Penn não se encaixa na fazenda. Não sei por que você
se casou com ela e ela com você. — Olhei para Jordan, que sorria encostado
na mesa onde estavam esparramados os projetos que estudávamos. Ao lado
dele, Jake e Elijah me olhavam com sorrisos debochados.
— Jordan! Eu só te deixo falar assim comigo, porque é como um pai
para mim, mas eu sei como a minha vida funciona. — Olhei bravo para eles.
Cristo! Eu não precisava de ninguém para me dizer que Penn não
combinava com o lugar, que ela era fútil… Ela suportava muitas coisas
minhas, não custava mantê-la feliz.
— Vamos continuar. Você conseguiu encontrar o Red? — Kate
perguntou a Jordan. Por fim, parecia ter entendido que eu não estava para
brincadeira, mas fiquei gelado ao ouvir o nome de Nath.
— Eu não sabia que vocês estavam procurando por ele. — Tratei de dar
um tom normal à minha voz.
— Seu pai queria que ele fosse encontrado. Sempre procuramos por
ele, mas seu pai não queria que você soubesse.
Essa declaração fez com que eu me sentisse pior.
— Por que papai não queria que Noah soubesse que ele estava
procurando Red? Isso é novidade para mim — foi a vez de Kate perguntar,
incrédula.
— Não sei, era coisa do seu pai, mas eu tentei fazer a vontade dele e
consegui — Jordan sorriu ao informar, mas eu não consegui acompanhar a
felicidade dele.
— Você o achou? — perguntei, não querendo ouvir a resposta.
— Sim. Pelo menos eu acho que sim. Ele é um dos jovens empresários
mais badalados de Nova Iorque. Mesmo que leve uma vida discreta, tudo o
que ele faz vira notícia. Nunca o encontramos porque sempre procuramos por
Nathanael Red ou só por Red, como todos o conhecíamos.

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— E ele mudou de nome? — Agora que ele tinha começado, eu estava
curioso para ter todas as informações.
— Não que ele tenha mudado. Ele agora é conhecido como Julian Fox.
Como o nome completo dele é Julian Nathanael Red Fox, ele só encurtou
para Julian Fox — explicou Jordan como se não fosse algo muito importante,
enquanto voltava a atenção aos projetos que estavam sobre a mesa.
— Eu nunca soube que ele tinha Julian no nome. Só o conhecíamos por
Red, como todo mundo — Kate resmungou, pensativa.
— Eu não gosto desse cara, nunca gostei. — Ficamos surpresos com a
explosão de desgosto de Elijah.
— Como você pode não gostar dele, se não o conheceu? — Jake, que
até o momento tinha se mantido calado, encarou Elijah, esperando uma
resposta.
— Eu cheguei aqui depois, mas me lembro muito bem de como foi.
Tudo bem que ele não era um dos meninos Scott, mas deveria saber que
partir sem se despedir de ninguém iria afetar e ferir papai, e muito. Ele se foi
no sábado, eu cheguei aqui na terça-feira e não pude acreditar no que estava
acontecendo. Quase não fomos recebidos por culpa dele. Se não fosse por
você, Jordan, eu não sei o que teria sido da minha vida. Você nos deixou ficar
até papai Scott melhorar. — O desabafo de Elijah pegou todos de surpresa.
— É, eu sei, mas você não chegou a conhecer Red, por isso você diz
isso. Ele era um bom garoto, todos gostávamos dele. Era muito querido. Ele e
Noah eram amigos inseparáveis. Mesmo ele sendo um dos riquinhos das
redondezas, trabalhava e ajudava como qualquer um dos meninos, comia a
mesma comida e sempre estava sorrindo. Tanto eu como John queríamos
saber o que aconteceu para ele partir do jeito que partiu, por isso, passamos
todos esses anos procurando por ele. Lembro que os pais dele vieram
conversar com John na segunda-feira cedo. Naquele dia, nós ainda não
sabíamos que ele já tinha partido. Depois eles também se foram e tudo foi
vendido, nunca mais voltaram. Vou enviar o convite. Espero que ele venha e
conte o que aconteceu. — Jordan apontou para alguns convites que restavam
ser entregues.
— Talvez ele não venha já que, como você disse, é um top 10 do
planeta no momento — eu disse, tentando evitar a acidez na minha voz, mas

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foi impossível.
— Se ele não vier, poderemos dizer que foi por qualquer motivo,
menos pela fortuna. E você sabe disso melhor do que eu. Eu vi aquele garoto
nascer. Seu pai e eu ensinamos vocês a montar. Se ele não vier, não será
porque agora é rico e famoso. Será por qualquer outra coisa, e eu vou
descobrir — Jordan o defendeu, batendo com o punho fechado sobre a mesa.
Eu sabia que se Nath não viesse, Jordan iria atrás dele para descobrir o que
tinha acontecido, mas eu não sabia se iria querer isso.
— Vou dar uma volta para ver como está indo a montagem das
estruturas para as tendas. — Passei por Kate, pegando a chave do meu jipe de
cima da mesa do escritório.
— Aonde você está indo? Ainda não terminamos aqui — Jordan me
chamou de volta.
— Continuem sem mim. Eu assino embaixo tudo que você e Kate
decidirem. — Precisava sair.
— Noah! O que foi? Cody está cuidando das instalações. O que está
acontecendo, você ficou assim porque falei mal da Penn? É isso? — Kath
disse, preocupada, quando me alcançou em frente à porta. Sabia que ela não
queria me magoar criticando a minha esposa, mas, neste momento, preferiria
que fosse isso.
— Não, Kate, está tudo bem. Só preciso sair um pouco. Segure as
pontas para mim, sim? — Eu precisava de um tempo só. Precisava pôr a
minha mente no lugar novamente. Ela me olhou, entendendo que tinha
alguma coisa errada, mas me daria o tempo que eu estava pedindo.
Saí do escritório e pulei dentro do meu jipe que estava estacionado em
frente ao galpão onde funcionavam os escritórios da sede da fazenda. Tomei
o caminho que ia em direção aos chalés que papai havia doado às famílias
dos meninos mais antigos, passei pelo parque e pelo campinho de beisebol.
Estava tudo quieto, o sol estava muito quente. Girei, voltando pelo mesmo
caminho, passando novamente em frente à sede, onde, naquele instante,
estava acontecendo a reunião. Segui em frente. Quase três quilômetros
depois, acionei o controle do portão do haras da fazenda. Fui direto às baias,
entrei e cumprimentei alguns funcionários que estavam no lugar. Neil, um
garoto magro sardento que não devia ter mais de quinze anos, veio correndo

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ao meu encontro.
— Vai querer seu cavalo, sr. Noah? — perguntou quando me viu
acariciando o focinho do meu puro sangue.
— Sim, vou fazê-lo correr um pouco…
— Hum… Desculpe, senhor, mas acho que não é uma boa hora. Está
um pouco quente para fazê-lo correr — ele me interrompeu, preocupado.
— Não vamos correr, só vou cavalgar um pouco. Além disso, seguirei a
trilha do bosque até o rio. Vai estar fresco por lá. — Ele se tranquilizou com
a minha informação e começou a me ajudar a selar o cavalo. Saímos do
estábulo e pude sentir o calor, o dia estava realmente muito quente, mas
quando tomamos a trilha do bosque, o ar mudou radicalmente. Estava muito
mais fresco.
Cavalguei devagar. Essa era a trilha preferida de Red. Sempre
vínhamos ao rio por esse caminho e, mesmo sendo eu um ano mais velho, era
ele quem sempre tomava a dianteira quando era para fazer as coisas certas.
Eu sempre me metia em problemas e carregava Red nas minhas trapalhadas.
Como no dia em que eu quis apostar uma corrida na trilha e ele foi
contradizendo que era perigoso. Mas, quando disparei, não teve opção a não
ser me seguir até eu ser despachado no ar quando meu cavalo freou de
repente ao avistar uma serpente. Red me colocou no cavalo dele, já que o
meu tinha desaparecido, e ainda assumiu uma culpa que não era dele para me
livrar de uma surra certeira.
Parei na margem do rio e fiquei olhando. O lugar estava limpo, talvez
alguns dos garotos ainda o frequentassem. Afrouxei as rédeas de Tormenta
para que ele tomasse água e depois o amarrei junto à sombra. Deitei-me na
grama e fiquei pensando em como iria resolver o problema se Red aparecesse
e, principalmente, se chegasse a contar o motivo da sua intempestiva partida.
Eu tinha estragado tudo e, mesmo que o remorso me matasse um pouco a
cada dia, eu nunca soube como resolver. Não tinha mais coragem de olhar
para ele. Eu rezava para que ele não aparecesse.
Eu estava deitado na grama olhando para o infinito, quando ouvi
barulho de cascos de cavalo vindo pela trilha. Não me dei ao trabalho de
olhar, sabia quem era. Kate. A peste da minha irmã que nunca respeitava
meus desejos e nunca me deixava em paz.

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— O que está fazendo aqui? Que parte do “eu preciso ficar sozinho”
você não entendeu? Diga-me e eu lhe explico — disse eu quando ela se jogou
na grama ao meu lado.
— Pare de ser chato. Vi que você não saiu legal da reunião e resolvi vir
atrás só para ter certeza que estava bem.
— E como me achou? Faz mais de dez anos que não venho aqui.
— Sim, eu sei, desde que Red se foi. Mexeu com você saber que
poderá vê-lo novamente?
Continuei olhando para o céu ponderando sobre o que ela me dizia.
— Ele não virá! — Eu nunca estaria preparado para vê-lo de novo.
— Como você pode ter tanta certeza? — Ela parecia naturalmente
curiosa.
— Se ele se foi sem se despedir ninguém, o que a faz pensar que agora
que está lá em cima, ele vai querer voltar a ver essa fazenda e as pessoas que
vivem aqui? — Eu tinha plena consciência da minha mentira.
— Não sei. Só espero que ele venha e veja o resultado do que papai e
mamãe fizeram aqui. Além disso, ele era um dos garotos mais lindos da
escola. Pena que nunca olhou para mim. Quero ver se ele continua lindo —
ela riu com a própria travessura.
— Você não tem vergonha? Vou contar para Cody que a esposa dele
está de olho no bilionário nova-iorquino. — Acompanhei-a no riso, enchendo
seu saco.
— Você não faria isso. Além disso, Cody sabe que eu o amo — ela
afirmou muito segura.
— Tudo bem, não vou contar. Eu sei que ele adora você, e isso só o
deixaria com ciúmes sem motivo. Bem, vamos indo. Logo vai escurecer. —
Levantei-me e a puxei para cima, colocando-a de pé e indo em direção ao
meu cavalo, enquanto ela fazia o mesmo.
Já tinha escurecido quando entregamos os cavalos a Neil para que
cuidasse deles.
Cheguei em casa e Penn ainda não tinha voltado. Aproveitei para tomar
um banho demorado, tentando parar de me preocupar com a possível vinda

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de Red, mas era impossível. Vesti um moletom e fui procurar alguma coisa
para comer. Quando me sentei, Penn chegou e começou a me falar, toda
animada, sobre o chá que teve com as amigas.
— Quer comer? — ofereci.
— O que você está comendo? — Ela olhou meu prato, pensando.
— Filé de peixe à parmegiana. Dorothy deixou preparado. Ela fez
vegetariano para você e posso esquentar, se quiser.
— Não, não estou com fome, mas aceito o vinho — sorriu enquanto
colocava a bolsa em uma banqueta e se sentava em outra, esperando que eu a
servisse.
Servi uma taça e entreguei a ela, enquanto ela me contava as últimas
fofocas da cidade. Quando tomou o último gole, ela se levantou e deixou a
taça sobre o balcão, então se aproximou e me deu um beijo no canto da boca.
— Vou tomar um banho, não demore. — Enlaçou e brincou com meus
cabelos da nuca em um gesto carinhoso, e foi rebolando pelo corredor em
direção ao quarto.
Depois que ela desapareceu pela porta, voltei a comer. Terminei meu
jantar, coloquei a louça na máquina, peguei minha garrafa de vinho e fui para
a varanda. Não sei quanto tempo fiquei esperando que o tempo parasse ou
saltasse algumas semanas. Despejei na taça o que restava da garrafa e entrei,
esperava que Penn já estivesse dormindo. Não estava a fim de sexo, mas
sabia que era uma esperança vã.
Entrei no quarto e a vi deitada de bruços com um babydoll de fio dental
branco sobre um lençol de seda bordô. A cena seria de tirar o fôlego para
qualquer homem, mas o meu pau não se entusiasmou. Mesmo assim, tratei de
fazê-lo acordar. Coloquei meu joelho sobre a beirada da cama, derramei um
pouco do vinho sobre a calcinha. Ela gemeu e eu aproveitei para lamber e
chupar o vinho que estava ali.
— Você demorou — reclamou.
— Mas agora estou aqui e você não vai ter do que reclamar —
sussurrei enquanto massageava seu bumbum firme e redondo.
— Espero que sim — ronronou entre gemidos.

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Virei-a de frente para mim, puxei o fio dental, retirei-o e derramei o
restante do vinho na bocetinha rosa. Comecei a lamber devagar. Ela já estava
molhada. Intensifiquei minhas lambidas, intercalando com chupadas no
clitóris já inchado. Quando vi que ela estava pronta, parei de brincar,
ajoelhei-me entre suas pernas e comecei a fodê-la devagar com o dedo,
enquanto ela se contorcia de tesão. Penn abriu os olhos, olhou-me com um
brilho de luxúria enquanto meu dedo continuava lentamente entrando e
saindo dela. Ela se contorceu, levou ambas as mãos aos seios, tentando
chupar o próprio mamilo.
— Está gostando? — Acelerei os movimentos.
— Mais — gemeu, levando os longos dedos para baixo, unindo-os aos
meus, ajudando-me na masturbação, alucinada.
Deixei-a brincando. Tirei minha camiseta, meu moletom, afastei a mão
dela e me enterrei até o fim.
— Sim, já não estava aguentando esperar mais — gemeu ainda mais
alto, se empurrando contra o meu pau.
— Isso, aproveita. Agora ele é todinho seu — disse, olhando para ela,
enquanto entrava e saía com força. Não sei em que momento Red decidiu
aparecer em minha mente. Era a pior hora.
— Pare, Noah! — A voz de Penn me trouxe rapidamente à realidade.
— O que foi? Não está bom? — Esforcei-me para manter a minha
ereção quando percebi que estava quase totalmente flácido. Merda!
— Como, “não está bom”? Nem sei se você ainda está aqui comigo —
reclamou, se afastando.
— Desculpe, amor. Eu me desconcentrei…
— Desconcentrar? Que merda, Noah! Desde quando alguém precisa se
concentrar para foder? — ela me interrompeu, furiosa.
Pisquei várias vezes, tentando entender o que estava acontecendo.
Precisava arrumar aquela situação antes que fosse tarde.
— Então é isso, vadia? Você quer ser fodida?
Ela me olhou, arregalando os olhos.
— Noah…

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Não dei tempo a ela de reclamar. Virei seu corpo, deixando a bunda
durinha de frente para mim e, sinceramente, a visão do cuzinho apertado
franzidinho, lindo, me fez vibrar. Meu membro voltou a subir mais duro que
antes. Eu adorava aquele rabinho, sempre que o via meu pau vibrava.
— Calada, quieta. — Desferi um tapa forte, deixando rosada a sua
bundinha branca. Puxei o cordão do meu moletom e amarrei seus pulsos na
grade da cama.
— Noah…
— Eu disse calada. Ainda não lhe dei permissão para falar. — Dei
outro tapa com força, mas logo acariciei o lugar e desci meu dedo até a
entrada úmida dela. Estava molhada, suculenta, se derramando para mim. Ela
voltou a gemer e se empurrou contra a minha mão.
— Você é mesmo uma vadia safada, não? Gosta de um tapa. — Aticei-
a.
Inclinei-me e peguei o vibrador e o lubrificante que estavam na
mesinha de cabeceira. Aproveitei para roçar meu pau no cuzinho que já
estava vibrando, me esperando.
Acariciei a entrada escorregadia dela. Meu dedo girou dentro dela,
deixando-a ainda mais agitada. Troquei meus dedos pelo vibrador e liguei. O
efeito foi imediato. O corpo todo dela vibrou com o orgasmo e o cuzinho
abria e fechava com os espasmos do prazer, me chamando. Joguei uma boa
quantidade de lubrificante sobre meu membro e fui me enterrando nela até
chegar à base. Ela já estava acostumada comigo. Anal me deixava louco.
Quando estava todo dentro dela, pude sentir o vibrador na cabeça do meu
pau. A cada entrada, ele vibrava sobre ela e eu enlouquecia.
— Vamos lá, baby! Goze comigo, me acompanhe.
Ouvi o grito alto que saiu da garganta dela um segundo antes de todo
seu corpo ficar tenso e logo explodir em espasmos descontrolados, gozando
de forma intensa. Acelerei meus movimentos e a acompanhei. Quando senti
meu corpo se liberando de um orgasmo como nunca antes havia tido, percebi
que era a imagem de Red que estava nítida em minha mente. Desliguei e
puxei para fora o vibrador. Meu coração estava batendo enlouquecido. Isso
não podia estar acontecendo. Saí dela, puxei o cordão, liberei seus pulsos e,
por fim, desabei, tentando me acalmar. Eu a trouxe, lânguida, de encontro a

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mim e a abracei.
Enquanto ela se entregava ao sono, meus pensamentos voltaram ao
Red. Ele não podia voltar. Eu sabia que éramos nós que o estávamos
buscando, mas ele deveria recusar o convite e simplesmente não aparecer.
Minha vida ao lado de Penn não era perfeita, mas era a que eu tinha
conseguido. Eu era como um alcoólatra em recuperação – todos os dias eu
me levantava com a promessa de manter-me focado e não desviar do
caminho que havia decidido seguir. E a vida tranquila da fazenda ajudava.
Deixei Penn dormindo, voltei a vestir o moletom e fui para a varanda
novamente.
Uma semana depois, eu estava dirigindo para a sede da fazenda com
Penn ao meu lado. Estava mais tranquilo, já que não tínhamos tido notícias de
Red. Ainda bem que o todo poderoso CEO tinha decidido não aparecer, assim
a minha vida seguiria o rumo que eu já tinha estabelecido anos atrás. Penn
estava, como sempre, muito elegante, perfumada, linda. Perfeita. Ela era a
segurança que eu precisava ao meu lado para seguir sempre em frente.
Passamos por várias tendas. Algumas tocavam músicas lentas, mais
estilo retrô, outras estavam preparadas para os jovens, e a última para as
crianças com animadores e palhaços. Kate tinha pensado em tudo, ninguém
ficaria de fora.
Circulei devagar pela tenda maior onde seria servido o almoço e, por
fim, chegamos a que serviria de capela. A fazenda contava com uma linda
capela feita com toras, mas, com a quantidade de gente que tinha confirmado,
seria impossível colocar todos dentro dela.
Era cedo ainda. Deixei Penn perto da tenda/capela e estacionei na
entrada da sede. Desci do carro e dei uma olhada geral, todos que viviam na
fazenda, de alguma forma, estavam ajudando. Havia manobristas contratados,
mas os garotos Scott faziam questão de dar uma mão. Acenei para alguns
deles, cumprimentando. Estava me dirigindo à capela, quando vi Kate
acenando para mim. Corri de encontro a ela, esperando que não quisesse me
dar nenhuma má notícia.
— Alguma má notícia? — Olhei para ela, apreensivo, esperando uma
resposta.
— Não! Está tudo ótimo. Cody e os outros estão dando uma última

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olhada antes de irmos para a capela — sorriu, feliz. Ela era igual papai,
adorava reuniões, movimento, gente.
— Que bom. Os garotos também estão ajudando os manobristas. Já que
tem muita gente chegando, fica mais fácil, assim ninguém fica esperando.
Papai ficaria feliz e orgulhoso dos garotos dele.
— Sim, já dei uma conferida com o pessoal do buffet e está tudo certo
também. Além disso, as mulheres trouxeram várias sobremesas feitas por elas
com produtos da fazenda. Está tudo perfeito. Acho que esse vai ser o melhor
encontro de todos. — Ela estava vibrando.
— Sim, ele ficaria feliz. — Ouvi a voz grave de Jordan às minhas
costas.
— Vocês já deram uma geral? Está tudo certo? — perguntou Kate.
— Sim, coronel, está tudo em ordem — responderam Elijah e Jake ao
mesmo tempo, rindo. Kate tinha simplesmente infernizado a vida de todos na
última semana. Tudo teria que ficar perfeito, e ela tinha conseguido.
— Vocês falam assim, mas hoje teremos aqui políticos, empresário,
atores… Pessoas de influência em várias camadas da sociedade.
— Sim, mas antes de serem tudo isso, eles foram os garotos e garotas
da fazenda — eu disse a ela, tentando acalmar seu nervosismo. Todos os anos
realizávamos encontros desse tipo, e ela sempre ficava nervosa.
— Sim, mas hoje não são mais — rebateu.
— Eu sei, mas eles amam esse lugar e a forma como passaram a
infância aqui. Por que acha que muitos perguntaram se serviremos churrasco
de novo? Eles querem o simples.
Kate tinha razão, muitos dos que viriam estavam realizados na vida,
mas eles só haviam conseguido isso com a ajuda de papai.
— Tá, tá, já entendi. Jordan, alguma notícia de Red? — ela perguntou,
de repente.
— Não. Uma pena, eu tinha quase certeza que ele viria. Mas, fazer o
quê? Decidi não ir atrás. Vou respeitar a vontade dele de manter distância, já
que é isso que ele quer. — Ouvi Jordan dizendo com uma ponta de decepção
e amargura na voz, afinal, Red tinha crescido conosco. Mas, para mim, era

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melhor assim.
— Você está certo. Se ele recebeu o convite e não se deu ao trabalho
sequer de responder, é porque quer distância de todos aqui. Já fizemos a
nossa parte. Bem, vamos para a capela. Já está quase na hora. — Para mim,
essa era a melhor notícia do dia.
O trajeto para chegar à capela demorou quase meia hora, não pela
distância, mas pela quantidade de cumprimentos pelo caminho. Tínhamos
que parar a cada momento, cumprimentar e responder perguntas de todos os
tipos. Encontramos a capela lotada. Mais cumprimentos até chegarmos à
primeira fila de cadeiras reservadas. Penn já estava sentada, então me sentei
ao lado dela.
Quando todos já estavam acomodados, o padre entrou e deu início à
celebração. Ao terminar, ainda dedicou uns bons minutos falando sobre papai
e mamãe, sobre a fazenda e sobre os garotos Scott. Depois dele, Jordan subiu,
agradeceu a presença de todos e falou um pouco mais. Elijah subiu e fez o
mesmo agradecimento, mas aí tocou no ponto que o tinha incomodado
durante as semanas prévias ao encontro. Red.
Começou contando como um dos garotos Scott os ajudou – ele e a sua
mãe – a chegarem à fazenda. Depois, a revolta ao chegar e saber o que Red
tinha feito e como papai estava. Percebi que se não o interrompessem, ele
acabaria jogando merda em Red, mas, assim que fiz menção de me levantar,
Jordan subiu e falou que Elijah não tinha conhecido Red o suficiente para
saber o bom garoto que ele tinha sido. Depois ele desceu e eu subi, finalizei
os agradecimentos e convidei a todos para o almoço.
Antes de sair, fomos rodeados pelos convidados. Eu me lembrava de
todos eles, e mesmo que tivessem se transformado em homens e mulheres
conceituados, aqui eles podiam ser apenas eles mesmos. Ainda caminhando e
conversando, nos dirigimos à tenda onde seria servido o almoço, então parei,
em choque. Ele estava maior, mais homem – o menino tinha desaparecido.
Mesmo depois de doze anos, eu o reconheceria em qualquer canto do mundo.
Estava de perfil, conversando com Jordan, mas percebi quando ele sentiu a
minha presença, pois girou lentamente e me olhou diretamente nos olhos.
Congelei.

22
Capítulo II

SEDE DAS EMPRESAS FOX


JULIAN NATHANAEL RED FOX

Olhei para a porta que Chris acabara de fechar. Respirei, tentando me


acalmar, antes de voltar a olhar para Poul, que tinha voltado a se ajoelhar à
minha frente. Eu não sabia o que dizer. Já fazia mais de três anos que o nosso
relacionamento de quase cinco tinha acabado. Poul decidira dar um basta e eu
simplesmente aceitei, afinal, nunca poderia ser o companheiro que ele
esperava.
— Não vou mais tocar no assunto. Vem cá. — Ele me puxou para o
tapete onde estava e eu caí de joelhos, abraçando-o. Senti ser abraçado de
volta ao enterrar o meu rosto no pescoço morno dele. Continuava com o
mesmo cheiro incrível. Girei minha cabeça e beijei seu pescoço. Ele riu, me
fazendo sentir a vibração do seu riso em meus lábios.
— Não sei o que teria sido de mim sem você ao meu lado, Poul. Espero
que nunca me abandone. — Eu tinha tentado, mas tinha falhado
miseravelmente. Sabia que nunca o amaria, mas, mesmo assim, ele era a
fortaleza que me mantinha firme.
— Nunca. Você foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida.
Espero que Frank não me ouça, ele ainda morre de ciúme de você — ele riu
ao mesmo tempo em que virava o rosto para olhar a porta, como se Frank o
estivesse ouvindo.

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— Ele deveria ter medo e não ciúme, pois terá que se ver comigo se
chegar a magoar você. — Eu poderia não o ter amado, mas nunca o magoaria
e mataria quem o fizesse.
Levantei meu olhar para os olhos castanhos mais doces que eu já havia
visto e fui ao encontro da sua boca, encostando meus lábios nos dele, macios,
mornos. Toquei-o com um beijo suave. Afastei-me e, com um impulso, eu
me levantei, puxando-o comigo.
— Se Frank visse isso, morreria. — Sabíamos que tinha sido um leve e
inocente beijo, mas Frank poderia surtar pensando que estávamos nos
reconciliando.
— Nunca deixaria isso acontecer. Eu amo você, Poul, mas ele o merece
muito mais do que eu. Ele pode dar a você o que eu nunca poderei, e ambos
sabemos disso.
— Vou falar para ele — disse, sério, mas logo depois riu. — Agora
vamos comer, meu estômago já está grudado de tanta fome. Seja o que for
que Chris tenha pedido, já deve estar frio, mas com a fome que estou, nem
vou me importar.
— Nunca vi igual. Quando você vai aprender a controlar essa fome
desvairada? — ri dele. Quando a fome o atacava, ele era capaz de matar
alguém.
— Nunca — respondeu, rindo alto, enquanto nos dirigíamos à minha
sala.
Realmente, a comida já estava fria – quatro hambúrgueres, sendo que
dois eram de ovelha (o meu preferido), batata frita e suco de toranja, que era
mais um vício de Poul. Perfeito, mesmo estando tudo gelado e as batatas
murchas.
— O que você tem para hoje à noite? — ele me perguntou, deixando de
lado o hambúrguer e tomando um gole do suco azedo.
— Ainda não sei. Tenho que estudar alguns relatórios, estamos tendo
algumas perdas. Foi você mesmo que me informou na reunião passada. —
Parei de comer enquanto falava, depois peguei uma batata já murcha e joguei
na boca.
— Nada disso. Você não vai virar a noite com a cabeça enfiada nisso

24
de novo. Frank vai preparar uns petiscos e vamos ver o jogo.
Suspirei. Não estava a fim de segurar vela durante o jogo.
— Não estou a fim de ver jogo, prefiro ficar em casa. — Por mais que
eu estivesse bem e feliz com a relação dos dois, não me sentia à vontade, pois
sabia que era algo que eu jamais teria.
— Não seja chato. Além da Patrícia, os Tysons e os Shelbys também
vão estar lá. Frank vai ficar ofendido se você não aparecer.
Continuei mastigando a minha batata murcha, enquanto decidia o que
fazer.
— Tudo bem, eu vou — disse, me levantando e indo em direção à
minha mesa.
— Leve sua mochila para passar a noite. Amanhã é sábado, podemos
aproveitar o dia juntos. — Ele já estava saindo pela porta levando a sacola
com os restos para jogar no lixo.
— Não, isso não. Não vou me arriscar a ouvir você e Frank gemendo a
noite inteira. — Isso seria demais.
— Gemendo? Quando você me ouviu gemendo com Frank? — Ele se
encostou na porta e me olhou com cara de espanto.
— Todas as vezes que eu dormi lá. Não sei se vocês faziam de
propósito ou não, mas não foi legal.
— E você ficou com ciúme, Julian? — ele perguntou, sério. Quando
olhei, a cara de espanto tinha desaparecido e ele caiu na gargalhada.
— Vocês faziam de propósito? — Não podia acreditar que os dois
imbecis gemiam esperando que eu ouvisse.
— Eu não, mas Frank sempre dizia que era para você saber o que tinha
perdido. — Ele continuava rindo.
— Eu sei que não perdi você nem nunca perderei, mas também sei que
está melhor com ele do que comigo. — Essa era a mais simples e pura
verdade. Ambos sabíamos disso. — Ele ama você e pode lhe dar tudo que eu
jamais poderei — eu disse sério a Poul, que estava encostado na porta.
— Sei disso, e é por isso que amo você. — Ele saiu logo, fechando a
porta atrás de si.

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Depois que Poul se foi, enviei e-mails para que os meus advogados
preparassem os contratos para a compra da nova empresa, separei as pastas
com os relatórios das empresas que eu queria estudar, ainda dei uma avaliada
nas minhas ações, e só depois me preparei para ir para casa. Ao sair da minha
sala, quase me choquei com Chris, que estava entrando.
— Essa carta acabou de chegar para o senhor — ela disse, me
entregando um envelope.
Peguei-a e guardei. Deveria ser um pedido de doação ou alguma outra
trivialidade. Em casa veria do que se tratava.
Saí do escritório e passei em uma vinoteca, escolhi duas garrafas de um
bom merlot, segui em frente e entrei em uma confeitaria. Levei algumas
baguetes, meia dúzia de tortinhas de mirtilo e mais uma torta de creme de
limão – a preferida de Poul.
Entreguei minhas compras a George, que estava logo atrás de mim, e
continuei andando. O fim da tarde estava lindo. Cumprimentei as atendentes
ao entrar na minha livraria favorita e caminhei devagar, indo até a pequena
cafeteria que funcionava dentro do local. Bethany, ou Beth, como eu a
chamava, estava atendendo.
— Bom dia, sr. Fox, o que vamos ouvir hoje? — sorriu, curiosa, e eu
sorri de volta.
— Ainda não me decidi. Vou me sentar e deixar rolar — respondi,
pegando a chave que ela me entregava.
Olhei em volta. Minha plateia era formada basicamente por alguns
casais e jovens adolescentes. Destravei o piano, busquei em minha memória
sons e os comecei a dedilhar, parando somente quando senti uma mão sobre o
meu ombro. George estava me chamando. Olhei para o relógio e vi que
tinham passado duas horas. Voltei a observar ao meu redor e percebi que a
quantidade de pessoas na pequena cafeteria tinha triplicado. Alguns sentados
no chão, outros de pé, mas todos em silêncio. Quando fiz menção de fechar o
piano, eles reclamaram com pedidos de “toque mais uma.” Fechei-o, agradeci
e me dirigi ao balcão sob aplausos. Beth já me esperava com o meu café.
Tomei-o devagar enquanto via a movimentação das pessoas se preparando
para sair. Devolvi a chave a ela, voltei a agradecer, acenei uma despedida
para os que restavam e saí me sentindo bem melhor.

26
Tomei o elevador, desci um andar antes do meu e abri a porta sem tocar
a campainha. O cheiro de maçã e canela tomava todo o apartamento. Entrei
na cozinha, deixei minhas compras sobre o balcão e vi uma porção de torta
coberta por uma cúpula transparente. Sorri sozinho. Fui até a geladeira e
peguei o chantili, coloquei uma enorme porção ao lado da torta e me sentei
para desfrutar, feliz igual criança.
— Ora, ora, se não é o meu invasor de todas as tardes — Emily estava
sorrindo, encostada no batente da porta da cozinha.
— Oi, querida. Esse cheiro está incrível, cheguei flutuando aqui.
Humm, você está toda gata. Aonde vai? — Ofereci meu rosto a ela para
receber o beijo.
— Marcamos uma pequena reunião com as meninas. Vamos nos
encontrar no apartamento da May para tomar um vinho, jogar baralho…
Nada de mais — quando ela respondeu, vi que meus planos estavam se
desfazendo, mas insisti mesmo assim.
— Eu estava pensando em convidar você para ver o jogo no
apartamento do Poul. — Eu sabia como ela era fã dos Red Sox. Se havia
alguma chance de ela esquecer May e as outras meninas, seria com uma
partida deles.
— Sério? Eu estava louca para ver esse jogo, mas não queria ver
sozinha, e como as meninas insistiram tanto… Vou ligar para elas e cancelar.
A que horas saímos? — Ela já estava com o celular na mão, me fazendo rir
com seu entusiasmo adolescente.
— Só o tempo de eu tomar uma ducha. — Meu plano de fugir da casa
de Poul estava novamente em andamento.
Levantei-me, fui até a pia e lavei meu prato, enquanto ouvia Emily se
lamentando com May por não poder participar da reunião. Sequei e guardei
tudo. Em cima do balcão, estava uma torta inteira e outra que faltava uma
porção, que era justamente a que eu tinha acabado de comer.
— Tudo resolvido, querido. Vou subir com você, assim não perdemos
tempo. — Ela já estava pegando as coisas, era só falar dos Red Sox que
Emily ficava elétrica.
— Ainda é cedo, o jogo só começa daqui a duas horas. — Comecei a
juntar as minhas compras que havia deixado sobre o balcão.

27
— Eu sei, mas você sempre se atrasa — ela resmungou enquanto me
empurrava em direção à saída com as duas tortas na mão, e eu sabia que uma
era minha e a outra era de Poul. Emily o adorava. Nunca aceitou
completamente o fim do nosso relacionamento.
Entrei na minha cobertura e deixei as sacolas na cozinha, indo em
direção à minha suíte, seguido de perto por Emily, que contava as últimas da
sua neta, Rose. Entrei no banheiro, tirei minha roupa e Emily sentou-se no
vaso para continuar a conversa enquanto eu tomava o meu banho. Saímos do
apartamento meia hora antes de começar o jogo.
No estacionamento, pedi a chave do carro a George e o mandei subir no
banco traseiro. Emily sentou-se no banco do passageiro, como já estava
acostumada quando era eu quem dirigia. Eu adorava carros e direção.
Durante o trajeto, ela terminou de contar mais uma das muitas aprontadas por
Rose e, como sempre, não eram boas notícias. Eu simplesmente a odiava.
Emily era maravilhosa, não merecia todas as dores de cabeça que Rose lhe
causava.
Chegamos com tempo suficiente, mas já estavam todos reunidos.
Depois de passar e cumprimentar os presentes, fomos à cozinha e
encontramos Poul e Patrícia preparando uma bandeja para levar para a sala.
Mostrei a ele o vinho e guardei na adega refrigerada que eles tinham ali,
enquanto Emily lhe entregava a torta de maçã. Retirei minha torta de limão e
entreguei também a ele no exato momento em que Frank entrou na cozinha.
— Ei, vocês estão querendo deixar o meu namorado gordo? — sorriu e
pegou o embrulho das mãos dele, beijando o rosto de Emily.
— Lembrem-se de que eu os conheço. Sei que hoje à noite, rapidinho,
vocês queimam todas essas calorias. — Ela devolveu o comentário com uma
piscadela.
— Emily! — Poul exclamou, fingindo estar indignado.
— Querido, me dê essas tortas. Sei que são as suas preferidas, por isso
vou guardá-las no frigobar da suíte. Porque, com essa quantidade de gente na
casa, tenho certeza que você não as encontrará mais tarde. — Frank deu a
volta indo direção ao balcão, pegou os doces e saiu novamente da cozinha.
Servi uma taça de vinho para Emily e abri uma cerveja para mim.
Acompanhados de Poul, fomos para a sala, onde o jogo já estava começando

28
e Patrícia servia os petiscos.
Passava da meia-noite quando o jogo terminou com a vitória dos Red
Sox. Todos já estavam um pouco altos, inclusive eu. Procurei Poul para me
despedir com a desculpa de que Emily estava cansada.
— Eu pedi a você para trazer uma mochila e dormir aqui — reclamou,
jogando os restos da comida no triturador.
— Eu sei, mas eu queria convidar Emily. Ela adora vocês e gosta de
assistir aos jogos do Red Sox, então…
— Ela pode dormir aqui — insistiu.
— Não vai dar, Poul. Na próxima eu fico, ok? Agora tenho que ir, eu
também estou cansado. — Isso não era mentira.
Um pouco a contragosto, ele aceitou as minhas desculpas. Voltamos à
sala e Emily e eu nos despedimos de todos. Poul nos acompanhou até o
elevador, ainda tentando me convencer a almoçar com eles em uma vinícola
que Frank tinha descoberto.
— Então, como pensa resolver esse problema de dinheiro com a Rose?
— perguntei a Emily assim que o carro entrou em movimento. Tinha deixado
George encarregado da direção, já que havia tomado mais do que era
permitido.
— Ainda não sei. Tínhamos um acordo que ela estudaria e apresentaria
regularmente informes da faculdade e eu pagaria todas as contas sem pegar
no pé dela. Mas a única coisa que ela vem me apresentando são as faturas do
cartão. — Ouvi seu suspiro de desolação e a minha vontade de matar
apareceu novamente.
— Se ela não cumpriu o combinado, não vejo por que você tem que
cumprir a sua parte. Mande-a trabalhar e pagar as próprias contas. Só assim
ela vai aprender. — Sabia que Emily jamais me ouviria, mas não custava
tentar.
— Eu sou a única pessoa que ela tem no mundo e prometi à minha filha
que cuidaria dela. Somos só nós duas, entende? — Eu não queria ser cruel
com ela, mas, para Rose, Emily só existia para pagar contas, nada além disso.
Ao jogar minhas chaves em um cubo de cristal no balcão da sala, eu vi
que já passava de uma e meia. Subi a escada, sabendo que, no dia seguinte,

29
fugiria dos exercícios da manhã. Depois de um banho quente, pude me jogar
na cama. Era tarde, eu estava cansado e, mesmo assim, não conseguia dormir.
Levantei-me e peguei meu laptop para procurar algumas ações de empresas
pelo mundo. Seria um bom passatempo. Se Poul soubesse, me mataria, mas
talvez assim o meu sono voltasse. Quando retirei o laptop da mochila, um
envelope caiu – o que Chris havia entregado na saída do escritório. Já estava
para jogá-lo de volta na pasta quando vi o nome do remetente. Sufoquei.
Ainda bem que a cama não estava longe ou eu teria caído e batido a
cabeça em alguma quina. Com as mãos trêmulas, girei várias vezes o
envelope, olhando, lendo e relendo o nome só para ter certeza que não havia
nenhum engano. Mas estava tudo correto. Era o meu nome e o da minha
empresa, e o remetente era Jordan, em nome da Fazenda Scott. Fiquei um
tempo sem saber o que fazer, se o abria ou simplesmente o ignorava e jogava
no lixo, deixando assim tudo como estava. Talvez fosse essa a decisão mais
correta, mas decidi abrir. Quase treze anos tinham se passado, eu já deveria
ter superado. Suspirei, tentando expulsar uma dor presa no peito, pois sabia
que não superara.
Coincidência ou não, justo hoje que Poul havia tocado em meu
passado, eu recebia algo vindo diretamente dele. Talvez fosse apenas um
aviso de que eu deveria deixar de fugir e enfrentá-lo. Respirei, procurando
forças. Com cuidado, rasguei um lado do envelope e o abri, fazendo o
conteúdo cair sobre a cama – um convite em um papel que parecia reciclado.
Sorri sozinho ao me lembrar que a mamãe Scott sempre dizia que tudo
poderia ser reaproveitado, nada deveria ser jogado fora. Outro papel, que
parecia ser uma carta, também caiu sobre a cama e ali ficou, como se
estivesse me acusando.
Olhei meu celular sem saber o que fazer. Já fazia mais de oito anos que
eu tinha abandonado as consultas com meu psicólogo. Pensei ligar para Poul.
A impressão que eu tinha era de que ele havia trazido o meu passado de
volta. Desisti dos dois e abri o convite, que era para o dia seguinte. Deixei-o
sobre a cama, depois eu decidiria o que fazer, e abri o outro envelope e tirei
uma carta de dentro. Com ela queimando em meus dedos, fui até o bar da
sala. Eu precisava de uma dose. Olhei as várias garrafas e me decidi por um
de Buchanan’s 18. Cowboy duplo, não poderia ser nada menos. Tomei um
gole e estava guardando a garrafa, mas decidi levá-la para o quarto comigo.
Do jeito que as coisas estavam, iria precisar dela mais tarde.

30
Não sabia definir o tipo de sentimento que tomou conta de mim ao
terminar a leitura. Tristeza, frustração, raiva. Tanto papai como mamãe Scott,
assim como meus pais, haviam falecido em um acidente. Kate e Noah haviam
se casado. Claro, ele seguiu a vida dele, só eu tinha estacado no passado. A
fazenda, que na minha época era apenas um simples refúgio para que
meninos com poucos recursos não se metessem em encrencas – já que tinha
se tornado, no início, um lugar para mães solteiras, mulheres vítimas de
maridos abusivos – era agora um centro de apoio para todos da cidade e fora
dela também. Na carta, Jordan contava as maravilhas que papai Scott havia
conseguido e da promessa que havia feito a ele de me encontrar.
Tomei a minha decisão. Liguei para o meu piloto, ele tinha que ver uma
forma de me fazer chegar a tempo para o encontro no dia seguinte. Eu estava
apreensivo de como o meu reencontro com Noah iria me afetar, mas já era
hora de superar. Não sabia se ele tinha noção do que tinha feito comigo.
Mesmo que agora fôssemos adultos, na época, a atitude dele não só quase
acabou comigo, mas com a minha família também. Agora ele estava casado
e, segundo Jordan, era com a mais linda e fútil das garotas, mas eles se
adoravam. Ao saber disso, um sentimento de tristeza começou a tomar conta
de mim. Ele estava feliz, tinha seguido com os planos de ter uma família,
mesmo que Jordan não mencionasse filhos. Eu faria isso. Iria ao encontro
deles, veria a todos, voltaria e seguiria com a minha vida. Encerraria, assim,
esse capítulo do meu passado.
O sol já estava alto quando pousamos na pequena pista da fazenda.
Evitei bebida alcoólica durante a viagem, não queria chegar bêbado. A
primeira coisa que me chamou a atenção foi a quantidade de aeronaves, desde
pequenos monomotores a jatinhos potentes. Esperei até estar completamente
parado para só então olhar o terno que eu estava vestindo. Estava mais a fim
de jeans e camisa, mas me decidi pelo terno de verão. Não tinha problema
com ternos, era a minha roupa de todos os dias. Desci a curta escada e um
carro já estava parado em frente a ela.
— Boa tarde, senhor, só temos o jipe no momento. O carro já foi
chamado, mas vai demorar uns dez minutos para chegar. Acho melhor o
senhor esperar dentro da sua aeronave. — Um garoto que não aparentava ter
mais de dezesseis anos me olhou desconfiado.
Agora que eu já estava aqui, não queria mais esperar.

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— Você não pode me levar? — Ele olhou para o jipe e depois para
mim, como se estivesse avaliando o estrago que poderia causar. Então decidi
por ele ao ir até o jipe, abrir a porta do motorista e subir. — Vai ficar aí
parado?
— Senhor? — Ele continuava parado, sem reação. Dei a partida,
fazendo menção de arrancar e deixá-lo para trás. Ele se decidiu rapidamente
ao abrir a outra porta e saltar para dentro do carro.
O vento bagunçou meus cabelos soltos. Levei a mão ao bolso, tirei um
elástico, soltei o volante e, com prática, rapidamente fiz um rabo um cavalo.
— Pensei que quisesse ficar — ri da cara assustada do garoto. Acelerei,
saindo da pista e seguindo na direção que eu me lembrava de ser a sede da
fazenda.
— O senhor sabe o caminho? — Ele se segurava enquanto eu acelerava
pelo caminho, agora asfaltado, que na minha época era de terra.
— Não. Mas você pode me dizer. — Deixei em suspenso. Não me
lembrava de ele ter se apresentado.
— Neil, sou Neil. Ajudo com os cavalos no haras, senhor… — Ele fez
o mesmo, esperando que eu me apresentasse.
— Fox — apresentei-me. Não esperava que ele soubesse quem eu era,
mas me enganei.
— O senhor Fox? O senhor é o Red? — ele praticamente berrou no
meu ouvido. — Estavam comentando que o senhor não viria. — Nunca
alguém tinha demonstrado tanta alegria com a minha presença. — Agora
entendi o logo do seu jato. Eu não tinha entendido a raposa vermelha. De
longe, esse foi o logo mais foda que já apareceu por aqui. — Ele fez uma
pausa, constrangido. — Desculpe.
— Relaxa, eu também o acho foda. — Vi como respirou aliviado. Não
me aguentei e ri na cara dele.
— O sr. Jordan vai enlouquecer quando ficar sabendo que o senhor
veio — enquanto falava, ele puxou um celular do bolso e começou a ligar
para alguém. Era o entusiasmo em pessoa.
— Vamos fazer o seguinte. Não diga a ninguém que eu cheguei. Não
estrague a minha pequena surpresa. — Não era a surpresa que me

32
preocupava. Na realidade, se fosse possível, queria só conversar com Jordan,
dar um abraço em Kate, cumprimentar alguns velhos conhecidos e voltar a
desaparecer. Sabia que seria impossível, mas não custava sonhar, e quanto
mais retardasse o momento de enfrentar o Noah, melhor seria.
— Tudo bem, não vou contar. Vire aqui, a sede da fazenda mudou —
ele se apressou a dizer quando viu que eu estava tomando um caminho
errado.
— Parece que muita coisa mudou por aqui. — Olhei ao redor.
Estávamos atravessando um pomar de laranjas que não existia na minha
época.
— Sim, melhora a cada ano. Depois dos encontros, muitos colaboram.
Do outro lado, ficam os chalés para os moradores mais antigos. O sr. Noah, a
sra. Kate, o sr. Jordan e mais alguns moram lá. Já estamos quase chegando —
foi ele dizer e apareceu um complexo gigantesco rodeado por várias barracas
imensas.
— Parece que a festa vai ser grandiosa. — Eu me surpreendi com o
tamanho da organização.
— Sim, esse ano está fazendo cinco anos de encontros, e a sra. Kate
queria que fosse especial. Ah, também porque vai fazer três anos da morte do
sr. e sra. Scott. Ainda bem que tudo está ocorrendo como programado. Ela
vai matar alguns se alguma coisa sair errada. — Ele pareceu genuinamente
apavorado ao referir-se a Kate. Não conseguia imaginar como uma garota
baixinha e magrela pudesse causar tanto medo. — Por que não avisou que
estava vindo?
— Eu não sabia, só recebi o convite ontem — disse e ele deu de
ombros.
— Não importa. O que importa é que o senhor está aqui e vai ser a festa
que o sr. Scott tanto queria — voltou a sorrir. — Pode estacionar perto
daquela barraca. É a capela. Mas parece que já começou. — Ele colocou o
pescoço para fora da janela, apreciando o lugar.
Estacionei o carro onde ele indicou e pude ouvir cantos e vozes vindo
de dentro. Neil me disse para esperar e correu até outra barraca. Logo depois
voltou a sair, trazendo com ele uma cadeira. Ele pensava em tudo. Fez sinal
para que eu o seguisse, entrou e foi direto a um dos cantos, onde colocou a

33
cadeira. O ar de dentro estava bem mais fresco por conta do climatizador, que
deveria estar funcionando a todo vapor. Segui Neil e recebi algumas viradas
de cabeça e olhares de interrogação. Sentei-me, ele fez um aceno e
desapareceu por uma lateral da barraca. Tratei de me concentrar, mas o ritual
era o mesmo de que eu me lembrava da época que assistia às celebrações com
meus pais. Tive que me esforçar para acompanhar. Se eu fosse contar,
deveria estar mais de vinte quatro horas sem dormir. Mesmo assim, consegui
me manter desperto até o final.
Vi Jordan subindo ao estrado para fazer os discursos de praxe. Ouvi
como ele agradeceu a todos e completou o que o padre já havia dito sobre os
Scott. Sob aplausos, voltou a descer e no lugar dele subiu Elijah, um rapaz
totalmente desconhecido para mim. Também falou e agradeceu à família
Scott, mas logo tocou no meu nome. A surpresa não foi só por ele ter me
mencionado, mas por ter colocado raiva ao se referir a mim. Eu sequer o
conhecia. Primeiro, eu nem imaginava que alguém ainda se lembrasse de
mim, mas falar mal seria ir longe demais. Já estava pensando em uma forma
de escapar antes que alguém me reconhecesse, quando Jordan subiu
apressado e interrompeu o que deveria ter sido uma série de xingamentos à
minha pessoa. Percebi que o sentimento de ódio direcionado a mim não era
compartilhado pelos demais. Jordan não só defendeu o meu nome, como
também disse que as coisas que o tal Elijah havia dito não era real, porque ele
não tinha me conhecido e, com esse puxão de orelha, eles desceram. Pensei
que já havia terminado quando eu o vi se levantando.
Senti que uma taquicardia começava a ameaçar a minha vida. Queria
desviar meu olhar, mas era impossível. Noah estava perfeito, impecavelmente
vestido. O menino tinha desaparecido, talvez assim como eu. O corpo esguio,
os cabelos loiros queimados de sol, força era o que transparecia nos músculos
das costas largas. Poderiam pensar que, por morar em uma fazenda, ele
estaria vestido com uma camisa xadrez e botas sujas, mas não, ele seria
facilmente confundido com um yuppie de Wall Street.
Quando limpou a garganta para falar, foi como se o tivesse feito direto
no meu ouvido. Toda raiva, frustração e ódio que estava sentindo por ele
desapareceram. Percebi que a minha taquicardia já não era pela apreensão do
encontro. Eu estava suando, com o coração disparado e muitas outras coisas
mais. A voz aguda havia mudado para um tom grave, seguro. Enquanto
falava, levantou a vista, fazendo contato visual com todos. Por um segundo,

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seus olhos se detiveram em mim. Ele parou de falar, mas logo sacudiu a
cabeça como se estivesse tentando tirar algo de dentro dela. Depois, piscou
várias vezes e desviou para os outros presentes. Novamente aplausos, mas
agora com mais entusiasmo.
Permaneci sentado enquanto esperava o burburinho da saída diminuir.
Quando vi um pequeno espaço, levantei-me e me dirigi à saída. Ainda pude
ver Noah rodeado pelos convidados e, ao lado dele, uma loira de parar o
trânsito que imaginei ser a esposa. Sufoquei o gemido de dor que ameaçou
vir à tona. Kate, que era apenas uma pirralha quando parti, tinha se
transformado em uma bela mulher. Ao lado dela, um urso com forma de
homem deveria ser o marido.
Procurei por Jordan com a vista, mas não o vi. Saí no sol escaldante do
meio-dia e tirei o blazer – muitos faziam o mesmo –, arregacei as mangas da
camisa, abri os primeiros botões e deixei a minha gravata pendurada ao redor
do pescoço. Andei um pouco sem rumo, só retribuindo cumprimentos de
desconhecidos. Vi que todos se dirigiam a uma das maiores tendas montadas
e imaginei que seria onde serviriam o almoço. Procurei Neil com o olhar, mas
meus olhos bateram em outra pessoa. Jordan. Por um momento, ele pareceu
duvidar, mas logo acelerou o passo e correu ao meu encontro, me abraçando
e quase me tirando do chão, mas teria sido uma tarefa difícil. Eu não era leve,
um metro e noventa e quase cem quilos não era para ser tirado do chão com
facilidade.
— Red? É você mesmo, garoto? — Vi que os olhos dele estavam
vermelhos. Não sabia o que dizer, não esperava esse tipo de reação.
— Olá, senhor Grant — respondi, correspondendo o abraço. Por um
segundo, eu tinha sido transportado para os dias em que ele me ensinava
todos os trabalhos da fazenda.
— Senhor? — riu. — Ninguém mais me chama de senhor por aqui, me
chame de Jordan. Apenas Jordan. Por que não avisou que estava vindo?
— Não tive tempo, só recebi o convite… — Não pude completar,
minha voz falhou quando senti todos os pelinhos da minha nuca se eriçarem.
Meu coração disparou e meu tronco girou de forma automática, levando meu
olhar direto ao dele.

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36
Capítulo III

NOAH SCOTT
Não posso dizer quanto tempo fiquei paralisado sem conseguir me
mover em nenhuma direção, o que só percebi quando recebi um pequeno
cutucão de Penn.
— É ele? — perguntou Penn.
Tentei responder, mas minha voz estava presa.
— Sim, é ele, e que gato, não? Não pensei que ele pudesse ficar ainda
mais lindo do que já era, mas ele conseguiu — Kate respondeu por mim,
babando por ele em frente ao marido sem nenhum pudor.
— Kate, pare de ser assanhada — Cody rosnou, entrando na conversa e
dando uma bronca na esposa.
— E eu estou dizendo alguma mentira? Ele é ou não um gato, Penn? —
Ela ignorou a bronca e ainda chamou Penn para o fã clube relâmpago.
— Sim, ele é, mas eu ainda prefiro o meu loiro doce. — Penn se
derreteu para mim.
— Eu também prefiro o meu urso, mas isso não quer dizer que não
posso admirar essa bela visão masculina. — Essa era a minha irmã. Ainda
bem que Cody a conhecia e sabia do amor que ela sentia por ele, ou haveria
derramamento de sangue.
— Você vai ficar aí, parado, só olhando para ele? Pensei que esse
reencontro seria mais emocionante — foi a vez de Elijah falar.

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— Vocês disseram que ele não tinha vindo — foi tudo o que eu
consegui dizer no estado de choque em que me encontrava.
— Pensamos que não, mas aí está ele. O todo poderoso. — Elijah
colocou todo o sarcasmo que pôde na voz e começou a se afastar. — Vou ver
se está tudo em ordem.
— Vamos lá. Quero saber se aqueles olhos continuam tão azuis como
eu me recordo. — Kate já estava se afastando e levando com ela pela mão um
urso nada feliz.
— Venha, me apresente a ele. Imagino que deve conhecer toda a alta
sociedade nova-iorquina. Quero que ele me conte tudo. — Penn pegou a
minha mão e começou a me puxar com ela. Só assim pude mover meus pés.
Senti-me arrastado por Penn como se tivesse chumbo em meus pés. Já
estava a meio caminho quando, por fim, ele desviou seus olhos dos meus para
receber o abraço eufórico de Kate. Enquanto eu me aproximava, pude ver
como ele havia mudado. Quando se foi era apenas mais um dos muitos
garotos magricelas que perambulavam pela fazenda.
Na época, ele era bem mais baixo que eu e mantinha os cabelos negros
em um corte escovinha. Agora, de longe, eu já pude perceber que ele me
passava em estatura – eu era da mesma estatura de Jordan – e, lado a lado, ele
superava Jordan. Não podia saber o comprimento dos cabelos, pois estavam
presos em um rabo de cavalo, deixando livre o rosto moreno de um tom
acobreado único, marcado por um queixo quadrado forte e penetrantes olhos
azuis, dando a ele um ar exótico. Quanto mais eu me aproximava, mais
rápidas eram as batidas do meu coração. A gravata estava pendurada de
forma displicente em volta do pescoço; os primeiros botões da camisa
estavam abertos, deixando ver alguns caracóis de pelos negros escapando
pela abertura; as mangas estavam arregaçadas até quase os cotovelos; o corpo
tinha um porte atlético. Tudo nele exalava masculinidade e feromônios, pela
forma que as mulheres, e até mesmo alguns homens, estavam sendo atraídos
por ele.
Nath retribuiu o abraço de Kate, mas voltou a capturar o meu olhar, e
eu não tinha forças para desviar. Os olhos continuavam com a mesma
intensidade, azul ao extremo, contrastando com a pele cor de cobre. Ninguém
podia negar, ele era absolutamente lindo, e muitas garotas já estavam
lançando olhares de desejo em sua direção.

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— Como vai, Red? — Estendi a mão. Por alguns segundos, pensei que
fosse ser recusada, me fazendo quase entrar em pânico, mas ele estendeu a
dele e, de forma fria, aceitou a minha. Eu não poderia tirar dele a razão.
— Vou bem, obrigado. — A forma seca que respondeu não passou
despercebida.
— Que foi? Pensei que haveria mais emoção nesse reencontro de
vocês. — Jordan nos fitou, incrédulo.
Mas antes que eu pensasse em alguma desculpa, Nath desconversou.
— Pelo que vejo, houve muitas mudanças por aqui. — Olhou ao redor,
jogando o blazer sobre os ombros como se eu tivesse deixado de existir,
voltando a prestar atenção em Jordan.
— Sim. Vamos almoçar, vou lhe contar tudo e depois podemos fazer
um tour. Você vai se surpreender. — Ele tinha tocado no ponto fraco de
Jordan. A fazenda.
Segui os dois. Enquanto caminhávamos entre as mesas, Jordan falava,
cumprimentava e, com orgulho, apresentava Nath a todos. Um dos garotos
trouxe mais uma cadeira e a espremeu entre a de Jordan e a de Kate. Eu
estava sentado em linha reta com ele e, por mais que eu tentasse, meus olhos
insistiam em se prender aos dele. Algumas vezes eles se fixavam nos meus e
se apertavam como se alguma lembrança ruim estivesse vindo à tona, outras,
eu percebia um pequeno sorriso no canto da boca, e meu coração saltava nem
sabia contar quantas batidas. Ainda bem que eram tantas perguntas que todos
estavam fazendo a ele, que ninguém percebia como ele estava me afetando. E
como também não tinham percebido que não nos havíamos dirigido mais
nenhuma palavra além do cumprimento inicial.
— Sou louca para passar uma temporada em Nova Iorque. Noah vive
me prometendo, mas nunca cumpre. Só fomos lá duas vezes e nem deu para
visitar todas as lojas — Penn reclamou, fazendo biquinho.
Ele olhou para ela, levou a mão à nuca em um gesto que eu sabia que
era puro nervosismo, depois sorriu. Muitas se derreteram com aquele
pequeno e inocente gesto. Mas eu aproveitei para olhar para a mão dele em
busca de uma possível aliança, porém Kate pareceu ler meus pensamentos.
— Já que a minha cunhada está interessada em passar uma temporada
junto à civilização, será que pode nos dizer se existe alguma possibilidade de

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ela cruzar com uma senhora Red?
Ele sorriu com a pergunta.
— Não, docinho… Desculpe, Kate, nenhuma possibilidade —
desculpou-se pelo apelido de infância de Kate. Parecia alheio a todos os
olhares de desejo que estavam sendo dirigidos a ele.
— Namorada? — insistiu a peste da minha irmã e ele simplesmente
gargalhou da forma mais sensual e erótica que alguém poderia emitir.
Neste momento, eu tinha que me levantar e sair. Não sabia qual era a
intenção dele, por que diabos tinha resolvido aparecer.
— Com licença. — Joguei o guardanapo sobre a mesa e tentei me
afastar.
— Que falta de consideração. Seu amigo aparece depois de anos, você
nem dirigiu a palavra a ele e agora vai nos deixar plantados? — Penn falou
alto e eu pude perceber que o calor e as várias taças do vinho branco gelado
estavam fazendo estragos na sua conduta.
— Não se preocupe, sra. Scott, eu o conheço muito bem. Ele não é de
se importar com os amigos, mas isso não me afeta. Não mais — disse isso me
olhando direto nos olhos, e o desprezo neles me atravessou como uma lâmina
afiada.
— Com licença. — Voltei a repetir, me retirando. Eu não podia
continuar. Comecei andando rápido e quando percebi já estava correndo entre
as mesas. Cheguei do lado de fora e tentei me acalmar. Então fiz o mesmo
que ele, eu me livrei do blazer, da gravata e abri a minha camisa, tentando
respirar. Estava me sentindo sufocado.
— Que merda aconteceu lá dentro? — A voz de Jordan entrou por
meus ouvidos, fazendo meu estômago revirar.
— Pare, Jordan. Não vê que ele não está bem? — Agradeci a
intervenção de Kate.
No momento, eu não estava em condições de entrar em nenhuma
discussão. Estava atrás da barraca, com ambas as mãos apoiadas sobre meus
joelhos, tentando encontrar ar para pôr em meus pulmões, mas tudo que eu
conseguia era sentir meu estômago querendo colocar a comida para fora.

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— Tudo bem, mas isso não vai ficar assim. Procuramos tanto por ele e,
agora que ele está aqui, você faz esse tipo de desfeita. Encarregue-se dele,
Kate, eu vou lá ver se dou alguma desculpa e ajeito a situação, porque os
convidados que estavam perto perceberam. — Depois disso, Jordan
desapareceu dentro da tenda e eu fiquei lá, com a cabeça enfiada entre as
pernas, sentido o carinho das mãos de Kate em minhas costas.
— Está mais calmo agora? — A peste havia desaparecido e, no lugar
dela, estava uma irmã carinhosa e preocupada.
— Estou sim, obrigado. — Endireitei-me e tratei de me recompor.
Percebi vários olhares em nossa direção.
— Não quero ser enxerida, mas você passou mal desde que soube da
possibilidade de ele aparecer. O que está acontecendo? — Sabia que seria
difícil me livrar dela, a peste estava de volta.
— Não aconteceu nada, vamos entrar. — Tentei empurrá-la em direção
à entrada, mas ela empacou igual uma mula.
— Noah! — Passei as mãos pelos cabelos em uma tentativa de mandar
para longe o meu desespero, mas foi inútil. — Eu não sou burra. O que
aconteceu? Vai me contar ou vou ter que perguntar a ele?
— Não! Kate, não faça isso, pelo amor de Deus. — Coloquei ambas as
mãos sobre seus ombros, implorando.
— O que de tão grave pode ter acontecido para você se apavorar assim?
— Agora era ela que tinha ambas as mãos sobre meu peito e sentia a força
com que meu coração batia – um pouco mais arrebentaria as minhas costelas.
— Será que você pode deixar isso no passado? Eu não quero falar.
Vamos voltar para a festa antes que alguém pense que estamos brigando ou
algo parecido — implorei mais uma vez, esperando que ela pudesse entender.
— Sim, você tem razão. Não é hora e nem lugar, mas eu ainda vou
cobrar você. Vamos. — Ela pegou a minha mão e me levou de volta para
dentro.
Assim que entramos, procurei por ele novamente, mas não estava mais
à vista. Muitas pessoas estavam deixando a tenda do almoço e se dirigindo à
outra, onde a música já havia começado. Jordan e Penn também haviam
desaparecido. Elijah e Cody eram os únicos que restavam e os dois pareciam

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emburrados.
— Se você não ficar esperto, vai acabar perdendo a sua esposa para o
riquinho. Ele acabou de levá-la para dançar — avisou-me Elijah.
— Vocês são dois idiotas mesmo. Basta um cara ser educado para
começarem a pensar besteira — alfinetou Kate.
— Ei, eu não disse nada. Sequer abri a minha boca. — Cody sabia da
desvantagem de ir contra a esposa.
— Por que você não chama uma dessas garotas para dançar, em vez de
ficar aí criticando os convidados? — ela terminou de falar, já puxando Cody
para a outra tenda. Eu os segui, deixando Elijah falando sozinho.
A música alta no melhor estilo rock anos 80 tocava a todo vapor e, na
pista, casais davam seu melhor ao se exibir depois das doses de álcool do
almoço circulando livre na corrente sanguínea. Procurei por eles enquanto
Cody tomava Kate pela cintura e a levava para o centro da tenda. Jordan
dançava sem qualquer sincronia com a música, mas ria parecendo se divertir
o suficiente para não perceber o mico que estava pagando. Houve uma
pequena brecha e eu pude ver Penn e Nath. Os dois riam e giravam ao
compasso do ritmo. Penn era uma excelente dançarina, eles formavam um par
perfeito. Fiquei olhando até ele perceber meu olhar sobre eles. Sem parar de
dançar, ele tomou Penn pela cintura e levou o rosto ao seu ouvido. Um
segundo depois, ela girou a cabeça e sorriu, acenando para mim. Devolvi o
aceno, e eles continuaram. A música mudou, passando para um ritmo lento.
Penn levou os braços à nuca dele e encostou a cabeça em seu peito. Ele, por
sua vez, a puxou até ter o corpo dela colado ao dele. Tremi de ciúme.
— Como eu já avisei, vai acabar perdendo a esposa para o riquinho.
Você sabe que ela nunca gostou dessa fazenda. Se existe alguém que pode
levá-la para longe daqui é ele, e pode apostar que ela já está cogitando essa
possibilidade. — Olhei para Elijah e não pude conter a minha fúria.
— Não me atormente, Elijah, ou vai acabar sem alguns dentes.
Ele riu enquanto eu me afastava.
— Será que posso dançar com a minha esposa? — Ao me ouvir, Nath
levantou a cabeça que estava descansando sobre a juba loira de Penn, abriu os
olhos devagar, mas não a soltou. Penn parecia ter adormecido nos braços
dele. Ainda me encarando, passou lentamente a língua pelos lábios,

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umedecendo-os. Nesse momento, quase perdi o controle, minha respiração
começou a ficar superficial, meu coração bateu totalmente fora do ritmo.
— Que merda está acontecendo com vocês? Será que vou ter que dar
uns bons puxões de orelha em ambos? — Jordan disse, entredentes. Só então
pude ver que a música havia parado e muitos casais nos observavam com
curiosidade.
— Não está acontecendo nada, Jordan. Parece que Noah sentiu
ciuminho de mim. — Penn já havia se desvencilhado dele e se pendurado em
meu pescoço. — Mas não há nenhum motivo para isso — completou.
— Tenho certeza que não — emendou ele com um brilho nos olhos que
eu não consegui definir.
— Espero mesmo que não esteja acontecendo nada, porque a impressão
que deu era de que estavam a ponto de se pegarem. — Jordan ainda não
parecia totalmente convencido.
— Bem, a festa está muito boa, mas acho que está na minha hora. —
Nath fez menção de se afastar, mas foi interrompido por Jordan.
— Como assim? Você não está pensando em ir agora. Sei que Noah
está se comportando como um perfeito idiota, mas você não irá embora hoje.
Dê-me só um segundo.
Eu me senti sendo arrastado por Jordan até o canto afastado.
— Solte-me, Jordan. A época em que eu aceitava seus puxões de orelha
já passou. — Eu me safei das garras dele e fiz menção de voltar ao lugar de
onde tínhamos vindo, mas fui impedido.
— Você tem razão. A época dos puxões de orelhas acabou, o que você
está merecendo agora são uns bons socos. Que merda deu em você? Só
destratou Nath desde que ele chegou. Pensei que fossem amigos. Seu pai
procurou por ele, eu procurei, todos queríamos saber dele e, agora que ele
está aqui, o que você faz? — Percebi que seria como ele estava dizendo, um
pouco mais e ele me socava.
— Ok, vou tratar de me controlar. — Dei a volta para retornar ao meu
lugar, mas fui retido por ele.
— Aonde pensa que vai sem me dizer o porquê dessa raiva dele? —
Quando colocava algo na cabeça, ele era pior que a peste.

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Suspirei, passei as mãos pelos cabelos, tentando achar uma forma de
me livrar não só da pergunta, mas dele também.
— Outro dia. Hoje não estou com cabeça. — Recebi um olhar
contrariado, mas ele não podia ir além, havia muitas pessoas ao redor.
— Vou convidá-lo para um tour. Você vai ter que ir com a gente.
Abri minha boca para negar, mas o olhar que recebi me dizia que era
melhor ficar calado.
— Tudo bem, eu vou. Você vai ver que não tenho nada contra ele. É só
que o tempo passou e já não somos mais as mesmas pessoas, mas posso levar
adiante uma conversa civilizada sem nenhum problema. — Recebi de volta
um meio sorriso de deboche, como se estivesse duvidando da minha
capacidade.
— O que você acha de fazermos aquele tour agora? — Ele não esperou
a minha resposta, apenas se dirigiu para onde estavam os músicos e começou
a falar, convidando a todos para um passeio pela fazenda e assim conhecerem
as novas instalações e os projetos futuros. Muitos começaram a se levantar e
outros continuaram dançando. A festa continuaria.
Quando voltamos ao lugar onde Nath estava, nós o encontramos em
uma entretida conversa com alguém que permanecia de perfil e não pude
identificar. Estavam rindo de alguma coisa e ele tinha a mão pousada sobre o
braço Nath de forma íntima.
— Vejo que já encontrou alguém conhecido — Jordan os interrompeu.
— Jordan! Olha quem eu encontrei perdido aqui. — Ele se virou para
nos cumprimentar.
Era um arquiteto que, junto com a mãe, tinham passado alguns anos na
fazenda enquanto ela se escondia de um marido violento. Depois que ele foi
preso, ela voltou à cidade, mas ele sempre manteve contato com todos na
fazenda. Não podia imaginar como ele se lembrava de Nath, já que o tempo
deles juntos foi de menos de um ano.
— Sim, por fim o encontramos e conseguimos trazê-lo. Estamos felizes
com ele por aqui. — Jordan se aproximou e colocou a mão no ombro de
Nath, fazendo um carinho.
Um sentimento de possessão tomou conta de mim. Eu quis ir até lá e

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tirar as mãos de Jordan de cima dele. Mas o que eu mais queria era ir até ele e
implorar para que se fosse ou eu iria acabar cometendo uma loucura. Ele não
deveria ter voltado. Procurei Penn com o olhar. Ela era a minha fortaleza, a
que me mantinha sobre os trilhos, não poderia me afastar dela. Vi que ela
continuava dançando, mas agora com Elijah. Fiz sinal para ela vir até mim.
Ela sorriu, falou algo no ouvido dele, e depois, ainda dançando, começou a
abandonar a pista.
Quando chegou perto, ela me abraçou e me puxou contra o seu corpo,
estalando um beijo em minha boca. No mesmo instante, percebi os olhos de
Nath sobre mim, principalmente sobre a minha boca, em nosso beijo. Eu me
senti mal e me afastei da boca de Penn, envergonhado, coisa que nunca antes
havia sentido. Ele estreitou o olhar, mas logo o desviou, voltando a atenção
para a conversa à sua frente.
— Melhor irmos agora. Se sairmos muito tarde, vai escurecer antes de
terminarmos o passeio — Jordan incentivou e, dando um pequeno tapinha
nos ombros de Nath, começou a andar em direção à saída.
— Sim, vamos, vai ser um lindo passeio. — Olhei para Penn, que sorria
com um entusiasmo poucas vezes visto. Ela nunca quis fazer o passeio para
mostrar a propriedade.
— Por que toda essa euforia? Você nunca quis fazer esse tour. — Kate
estava tão espantada quanto eu.
— Só porque eu nunca quis fazer, não posso ir agora? — ela reclamou
e eu tratei de acalmar os ânimos ou as duas começariam uma discussão.
O passeio durou mais do que o previsto, já que Nath pedia para parar a
todo momento, fazia perguntas, olhava os campos, colhia alguma fruta, e
tudo isso só deixava Jordan ainda mais encantado. Ele fazia questão de
responder todas as perguntas. Quando chegamos ao rio onde terminava a
propriedade, Nath pediu para descer novamente. Ele olhou a terra e
perguntou se havia algum agrônomo na nossa enorme comitiva, logo
apareceram quatro. Perguntou a eles o que achavam das propriedades da
terra, para que tipo de cultivo seria boa. Mais alguns entraram na conversa.
Olhei para o sapato dele e vi que estava sujo – enquanto alguns evitavam a
terra, ele parecia não se importar. Era engraçado ver Penn com os saltos
altíssimos tentando acompanhar.

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Já estava escurecendo quando estacionamos o jipe em frente à sede da
fazenda. Ele saltou, bateu com a mão nas pernas da calça para retirar a poeira,
depois levou-a ao rabo de cavalo e, desamarrando-o, sacudiu os cabelos,
retirando pequenas folhas que haviam ficado presas a ele. Percebi que não era
só eu que o olhava com cara de bobo, muitas mulheres estavam com o olhar
cravado em cada gesto dele. Quando percebeu o meu olhar, ele sorriu e
piscou de uma maneira que eu tive que piscar várias vezes para saber se era
real, mas a minha reação só o levou a rir e, logo depois, gargalhar.
— Aquela piscadinha foi para você? — A voz de Penn me fez
engasgar.
— Ele está testando a minha paciência. — Tentei desconversar.
— Não sei se está testando, mas foi a coisa mais sexy que já vi na
minha santa vida. — Ela descaradamente babou por ele na minha cara.
— Penn! Lembre-se que você é casada e de santa você não tem nada.
— Eu não sabia o que me deixava mais nervoso. Ela se interessar por ele ou a
possibilidade de ele se interessar por ela.
— Não encha, Noah, só estou brincando. Você é a coisa mais sexy que
eu tenho na vida — ela riu, completando com outra piscadinha.
— Vão entrar ou querem continuar com o papinho aqui fora? — Olhei
e percebi que éramos os únicos parados em frente à entrada, todos já haviam
desaparecido dentro da sede.
Ao entrar, a primeira coisa que vi foi Nath debruçado sobre os planos
da fazenda. Jordan estava explicando onde pretendia construir as novas
cabanas se conseguisse alguns padrinhos que as patrocinassem. Nath estava
dizendo que o lugar onde seriam construídas era muito afastado, distante das
demais e se famílias com crianças se instalassem nelas, ficaria muito longe
para as crianças frequentarem a escola que ficava no outro extremo.
— Sabemos disso, mas é o único lugar livre grande o suficiente para
construção de vinte cabanas — lamentou-se Jake, que havia feito não só o
estudo do local, mas os projetos também. Ele não era arquiteto, mas tinha um
diploma de perito em obras e era o encarregado de não deixar nada na
fazenda cair.
— E deste lado? O que temos aqui? — Ele apontou uma área cruzando
o rio, mas que ficava perto de tudo. Infelizmente não pertencia a Scott.

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— Este lado não nos pertence — apontou Cody, juntamente com Kate.
— Scott chegou a fazer várias ofertas quando ainda estava vivo, mas
nunca conseguiu, então o único espaço que nos sobra livre é esse. Não
podemos sacrificar o haras e nem as pastagens. O pomar também é muito
importante, enfim…
— Podemos fazer uma boa oferta, uma que será irrecusável — um dos
muitos empresários opinou.
— Já tentamos — Jordan disse, com voz cansada.
— Deem-me uma semana, talvez um pouco mais, e eu compro essas
terras pelo melhor preço do mercado. — Todos se voltaram para Nath,
incrédulos. Eu, inclusive.
— Por que você acha que consegue em uma semana o que não
conseguimos em anos? — Por mais que eu tentasse, não estava conseguindo,
a minha voz, de novo, saiu azeda.
— Porque eu consigo — ele disse isso como se não fosse grande coisa,
mas olhando-me sério. Tentei, mas não pude perceber nenhum exibicionismo
nele, apenas confiança, e ele não pareceu ter notado a minha implicância.
— Isso seria incrível! Aquelas terras são planas, excelentes para a
construção. Só teríamos que construir uma ponte, mas ficaria perto da sede,
do haras e, principalmente, perto das outras cabanas e, com isso, perto da
escola, do parque, do campinho. — Kate já estava sonhando. — Será que
você consegue? — voltou a perguntar a ele.
— Com certeza — afirmou ele sem nenhuma dúvida. — Só peço
alguns dias.
— Filho — emocionou-se Jordan. —, se você conseguisse essa compra,
papai Scott dançaria no túmulo. Esse era um dos grandes sonhos dele.
— Bom, se o sr. Fox conseguir resolver o problema dessa compra,
teríamos oitenta por cento dos nossos problemas resolvidos. — Jake dobrou e
colocou de lado os planos da fazenda e, no lugar, abriu o projeto das cabanas.
— Teríamos que mudar quase todo esse projeto, mas, mesmo assim,
podemos dar uma olhada para que vocês possam ter uma ideia do que
pretendemos.
— Sim, podemos adiantar isso. — Isaac, um dos ex-garotos que agora

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era um engenheiro e já havia participado das outras obras da fazenda, ajudou
Jake a abrir o projeto, e começaram a discutir as mudanças que deveriam ser
feitas caso conseguissem as novas terras.
Perdi-me olhando Nath. Percebi que cada opinião que ele emitia era
recebida com entusiasmo. Ele naturalmente tomou a liderança e todos o
estavam seguindo sem pestanejar. Nada daquele garoto inseguro havia
restado. Passava das seis horas quando, por fim, decidiram que a reunião
estava encerrada. Penn já havia reclamado várias vezes e Kate tinha dito para
que ela se retirasse se não possuía interesse em ajudar. Toda vez que as duas
trocavam farpas, Nath levantava o olhar e sorria de um jeito, que fazia todas
as mulheres se derreterem. Eu sabia disso porque algumas das que estavam
participando da reunião suspiravam sem nenhum pudor. As solteiras não
tinham problemas, mas as casadas recebiam olhares atravessados dos
maridos. Ele parecia não perceber todo o caos que causava.
— Bem, temos um lanche sendo servido. Por que não vamos todos para
lá? — convidou Kate.
— Vamos sim, já era hora — Penn novamente reclamou e Kate se
absteve de dar a ela uma nova bronca.
Nath se distanciou, conversando com Jake. Ele já o tinha elogiado
sobre os projetos que havia apresentado, deixando-o inchado de orgulho. Vi
que estavam trocando telefones, logo depois, outros se acercaram deles e
começaram a fazer o mesmo. Nath ainda estava conversando quando o
celular tocou. Ele olhou, pediu desculpas e se afastou para atender. Enquanto
os outros se afastavam, ouvi várias palavras de elogios a ele, mas eu não
conseguia participar da conversa, só seguia cada movimento de lábios, cada
meio sorriso, cada gargalhada. Quem poderia ter tanta intimidade com ele
para tirar dele todas aquelas reações? Ele havia dito que não tinha esposa e
nem namorada, não queria pensar que tivesse outro tipo de relação. Ainda
sorrindo enquanto falava, ele se dirigiu a uma das cadeiras onde o blazer
estava sobre o encosto e o pegou, jogando-o sobre as costas para só então
seguir Jordan, que o esperava em frente à porta.
— Vai ser difícil, Jordan. Estou com três pessoas comigo. Teriam que
ter alojamento para todos nós. — Ao subir no jipe, pude pegar o fim do que
ele estava dizendo. Ele estava sentado na frente com Jordan e eu me sentei ao
lado de Penn.

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— Isso não será problema, acho que ainda temos uma cabana livre.
Eles podem se hospedar nela. Não sabia que você estava com alguém —
surpreendeu-se Jordan.
— São meus pilotos e meu comissário de bordo. Neil disse que se
encarregaria deles — esclareceu.
— Mas você pode ficar conosco. — Gemi ao ouvir o convite de Penn.
Hoje ela estava com a língua totalmente sem filtro.
— Não acredito que ele queira ficar em nossa casa. Talvez se sinta
mais confortável na sua casa, Jordan. Acho que você vai querer colocá-lo a
par de tudo que aconteceu por aqui nesses últimos anos — tratei de explicar
para não parecer rude.
— Não quero causar nenhum problema. Posso perfeitamente me
arranjar na cabana junto com meus funcionários.
— Você não vai ficar na cabana quando temos um quarto de hóspedes
livre em nossa casa. Noah, diga a ele para ficar em casa. — Recebi um
cutucão de Penn, obrigando-me a reforçar o pedido.
— Sim, seria um prazer. — Fui forçado a dizer, mas, no fundo, o que
eu queria era pôr a maior distância entre mim e ele. Eu já estava com a minha
vida toda estruturada, não precisava dele para bagunçá-la.
— Como eu disse, não vim preparado para passar mais de um dia,
assim como meus funcionários. — Ele tinha girado o corpo para nos ver
enquanto falava.
— Isso não será problema. Noah pode lhe emprestar algumas roupas, se
você não se importar de usá-las, claro. — Girei lentamente minha cabeça para
olhar para a minha esposa. Que merda estava acontecendo com ela? Não
bastava colocá-lo dentro da nossa casa, tinha que colocá-lo dentro das minhas
calças também?
Parecia que a previsão de Elijah estava certa. O próximo passo seria
colocá-lo dentro do nosso quarto e, consequentemente, dentro dela. Desviei
rápido meu olhar, piscando, numa tentativa de tirar a imagem que se apossou
da minha mente. Não, mesmo que ele tentasse se vingar seduzindo minha
mulher, Penn jamais faria isso.
Quando chegamos ao local, a maioria dos convidados já havia se

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retirado. Os que permaneciam eram os que ainda tinham familiares na
fazenda ou que passariam a noite em uma cabanas que tinham reservado.
Passei por muitos deles e recebi elogios sobre o sucesso do encontro e muitos
queriam saber sobre o próximo. Alguns estavam um pouco altos, mas felizes.
A próxima reunião estava prometendo ser um sucesso novamente antes
mesmo de essa terminar.
Chegamos a uma mesa que Kate já tinha arrumado com cafés, sucos,
chás, além de uma grande variedade de tortas, pães, panquecas, waffles,
queijos, embutidos e geleias. Era uma mesa farta e deliciosa. Eu a ouvi
explicando a Nath que a maioria dos produtos eram produzidos na fazenda.
Enquanto ouvia, ele encheu uma xícara de café e o tomou, preto, puro. Kate
riu, mandando que ele, com uma intimidade só dela, colocasse um pouco de
açúcar. Para ela, era inconcebível alguém tomar café amargo, já que ela era
uma formiga. Ele apenas riu, dizendo que jamais estragaria um bom café com
açúcar. Ela fez cara feia e voltou a ser a peste que sempre nos infernizava
quando éramos crianças. Os dois continuaram se espetando e rindo, fazendo
todos se divertirem.
O lanche foi demorado. Depois de muitos risos e gargalhadas, até
Elijah já tinha mudado de opinião. Ele poderia ser um multimilionário, mas,
no momento, era a mais simples das pessoas, respondia todas as perguntas e
era educado, assim como nos lembrávamos que era. O dinheiro não o havia
mudado em nada. Terminamos a refeição e nos levantamos para sair. Kate se
afastou para conversar com os encarregados antes de se retirar também.
Jordan estava instruindo Neil para acompanhar os funcionários de Nath à
cabana que estava livre. Não precisariam levar nada, já estava preparada para
o caso de algum convidado precisar.
— Vamos indo, então. Minha casa não fica longe. Meu carro está logo
ali. — Peguei as mãos de Penn e me dirigi à saída, enquanto Nath se despedia
de Jordan e dos demais. — Minha casa não é um palacete, mas é confortável.
— Eu não sou de luxo. Cresci aqui, lembra? — Eu o tinha espetado e
recebido a resposta que merecia.
Estacionei e só aí percebi o cansaço. Abri a porta ouvindo Penn dizer a
Nath que tínhamos uma piscina, se ele quisesse dar um mergulho para relaxar
antes de dormir. Liguei as luzes, esperei eles entrarem para fechar novamente
a porta e joguei as chaves do carro sobre o aparador da entrada. Passamos

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pela sala e, como eu havia dito, não era uma casa luxuosa, mas era bastante
confortável. Perguntei a ele se queria tomar alguma coisa antes de dormir,
mas ele se limitou a negar e agradecer. Entramos, então o guiei escada acima,
depois pelo curto corredor. No fim, abri a porta e indiquei a ele o quarto.
— Olha aqui, devem servir em você. — Penn havia desaparecido em
nosso quarto e agora estava de volta com um pijama, uma bermuda e uma
camiseta, além de toalhas. Ela colocou tudo nos braços dele, que começou a
examinar.
— Sim, vão servir sim. Obrigado. — Ele pegou a bermuda, a camiseta,
as toalhas e devolveu o pijama. — Esse eu não vou precisar, não gosto de
nada me atrapalhando na cama. Eu durmo sem nada — disse isso como se
apenas estivesse pensando, sem olhar diretamente para mim ou Penn.
— Ah… Sim, claro. Humm… Dê-me aqui, vou guardar. — Pela
primeira vez, vi Penn ficando vermelha e engasgando na frente de alguém.
Ele não percebeu ou fingiu não perceber o que tinha causado.
Peguei Penn pelo braço e a puxei para fora, fechando a porta logo atrás
de nós, deixando-o. Seguimos pelo corredor enquanto Penn, reclamando de
cansaço, dirigiu-se ao quarto, avisando que tomaria um banho e dormiria logo
a seguir. Desci as escadas e fui direto ao bar. Enchi um copo de uísque e virei
tudo de uma vez. Tossi várias vezes, me recuperei, voltei a encher o copo –
só que agora com duas pedras de gelo. Fui para a varanda ainda sem acreditar
que Nath estava, neste momento, em um quarto ao lado do meu, dentro da
minha própria casa. Terminei minha bebida querendo jogar o copo na parede.
Fiquei um tempo esperando me acalmar. Quando decidi voltar, eu o vi
subindo as escadas com uma garrafinha de água na mão. A bermuda estava
frouxa, caindo dos quadris de forma descuidada, as costas perfeitas… Os
cabelos, que havia mantido amarrados durante todo o dia, agora estavam
molhados, pingando água pelas costas, deixando um rastro brilhante que
desaparecia dentro da bermuda. Ele desapareceu no alto da escada sem me
ver e eu fiquei ali, com o coração acelerado, a boca seca e raiva, muita raiva
dele – talvez muito mais do que havia sentido no dia em que ele tinha me
feito perder a cabeça.
Minha noite foi uma das piores, tanto que recebi vários socos de Penn
reclamando da minha agitação e resmungos enquanto dormia. Meu medo era
de ter falado demais durante o sono, mas parecia que foram apenas

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resmungos mesmo.
Quando senti a claridade da manhã entrando no quarto, chiei. Não
estava a fim de ver o senhor perfeito novamente. Penn já estava saindo do
banheiro, toda vestida e perfumada, avisando que ajudaria a empregada a pôr
a mesa do café, já que ela queria tudo perfeito. Afundei minha cabeça no
travesseiro, querendo retardar o máximo possível o momento de me
reencontrar com ele.
Apenas tive tempo de sonhar com um delicioso cochilo. Quando senti
as mãos de Penn me sacudindo e, logo depois, me chamando com voz
histérica, tirei o travesseiro da minha cabeça para olhar para ela a fim de
saber o porquê de tanto escândalo.
— Ele se foi, Noah, você me ouviu? Ele se foi.

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Capítulo IV

NATH (JULIAN FOX)

Quando coloquei a minha cabeça sobre o travesseiro, já sabia que não


conseguiria dormir. Noah estava casado com uma mulher belíssima e, a todo
momento, davam sinais de estarem apaixonados. Quase sufoquei quando a vi
se apossando da boca dele e ele correspondendo. Odiei-me pelo ciúme que
senti. Eu deveria estar com raiva dele por tudo que me tinha feito passar.
Mesmo que a desculpa fosse estar bêbado, ele tinha abusado de mim, tinha
violentado não só o meu corpo, mas a minha alma também, levando com ele
a minha inocência, me humilhando. Mesmo assim, pensei que, quando o
encontrasse, veria que o passado já estava superado, que nenhum sentimento
bom ou ruim havia sobrevivido, mas eu estava enganado. Não só estava vivo,
mas sentia que agora era ainda mais forte do que antes.
Queria estar preparado para enfrentá-lo e exigir dele, no mínimo, um
pedido de desculpas, mas simplesmente me esqueci de tudo quando o vi
novamente, e a única coisa que fiz durante todo o dia foi ficar como um
idiota enciumado com cada toque que ele recebia da esposa. Cada carinho
dela me fazia tremer. Eu tentava não demonstrar, mas a cada hora que
passava ficava mais difícil. À medida que o tempo passava, a repulsa dele por
mim parecia aumentar. Como ele já tinha me dito uma vez, o que havia
acontecido entre nós causava nojo nele. Ele preferia morrer a me tocar
novamente – e era isso mesmo que ele demonstrara durante todo o encontro.
Já fazia horas que eu estava deitado, rolando na cama de um lado para o

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outro sem conseguir dormir, mesmo que na noite anterior eu não tivesse
dormido mais de quatro horas. Toda vez que eu fechava meus olhos, eu
imaginava os dois no quarto ao lado. Imaginava que ela o tocava e ele
correspondia. Eu tinha errado no meu julgamento e paguei um preço muito
alto. Ele era hétero quando eu o julgava gay. Abri meu coração sem pensar
nas consequências. Ainda estava forçando meu cérebro a me obedecer e
apagar, quando meu celular tocou. Automaticamente, as luzes de alerta se
acenderam. Quem poderia estar me ligando à uma da manhã? Se já estava
apreensivo, minha tensão foi às alturas ao ver o nome de Emily na tela.
Atendi no mesmo segundo.
— Emily? O que está acontecendo? Você está bem? — Atropelei-a
com uma profusão de perguntas. Ela só me ligaria a essa hora se fosse algo
grave. Mesmo tendo toda liberdade comigo, sempre respeitava meu espaço.
— Nath querido, eu não queria incomodar, mas é que eu não estava me
sentindo muito bem. Então vim até o seu apartamento, mas não o encontrei.
Deitei-me aqui na sua cama para esperar por você e acabei adormecendo, mas
agora acordei pior. Você vai demorar? — Não imaginava o que poderia ser,
mas percebia sua voz longe e fraca.
— O que você está sentindo? — perguntei a ela só para ter tempo de
organizar minhas ações. No momento, eu já estava me enfiando na calça que
havia deixado sobre a cadeira. Minha camisa estava impossível de ser
colocada no corpo novamente, acabei pegando emprestada a camiseta de
Noah.
— Quando eu desci, estava com muita dor no braço, mas agora a dor se
espalhou para o meu peito e eu me sinto sufocando, Nath. Diga-me, você vai
demorar muito? Posso esperar por você aqui? — ela me respondeu com
apenas um fio de voz e, ao ouvir, soube que não tinha tempo a perder, teria
que agir rápido.
— Sim, querida, eu vou demorar, mas já estou enviando ajuda. Se você
puder ir até a porta e deixá-la aberta para quando a ajuda chegar, seria ótimo.
Mas se não puder, não tem problema, só espere por eles aí na cama. Não se
preocupe, eles já estão chegando. Agora tenho que desligar.
Quando desliguei, já estava na sala. A primeira ligação foi para
emergência. Emily estava enfartando e eu não sabia quanto tempo ela ainda
tinha. Dei a eles todas as coordenadas e autorizei que arrombassem a porta se

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não estivesse aberta. Desliguei e liguei para o porteiro. Ele a conhecia tão
bem quanto eu. Informei o que estava acontecendo e dei a mesma autorização
– que arrombassem a porta caso fosse preciso. Percebi que ele já estava
correndo enquanto falava comigo. Desliguei.
Minha ligação seguinte foi para Poul. Repeti a ele tudo como se fosse
um robô. Nesse momento, eu já estava como um louco, dirigindo o carro de
Noah depois de deixar um curto bilhete me desculpando e avisando que tinha
pegado seu carro emprestado e onde o deixaria. Quando disquei para o piloto,
eu já estava na área das cabanas. Como eu já conhecia a fazenda, não foi
difícil encontrá-las, mas saber em qual delas eles estavam era o problema.
Depois de encontrá-los, eles se encarregaram de conseguir o mais rápido
possível um horário para o pouso.
Encontrei Poul e Frank. Os dois estavam de moletom e camiseta, e com
os cabelos bagunçados como se tivessem vindo direto da cama para o
hospital. Eu também não estava em melhores condições. Da cintura para
baixo, eu vestia a calça de um terno fino feita sob medida e da cintura para
cima, era uma camiseta preta que, por mais que ficasse certa em mim, não
combinava em nada com o resto. Meus cabelos estavam uma bagunça, soltos,
caindo sobre os ombros. Poul, assim como eu, tinha por Emily um carinho
mais que especial.
— Então, como ela está? — No caminho do aeroporto ao hospital ele já
havia me informado que ela tinha sofrido um enfarte e que, se não fosse pela
rapidez do atendimento, ela poderia estar morta.
— Ainda não sabemos. Quando chegamos, tentamos nos informar,
mas, como não somos da família, não nos disseram nada — lamentou-se
Poul, já que ele sabia que o único familiar direto se encontrava nesse instante
do outro lado do oceano. Rose.
— Não se preocupe, já resolvi isso.
Ele me olhou intrigado.
— Como? Já tentamos extrair algo da bruxa encarregada de passar
informações. Ela só diz que estão tentando localizar algum familiar, e você
sabe tão bem como eu que eles não vão conseguir nada. — Poul levantou-se e
caminhou pela sala, inconformado.
— Eu sou o representante legal de Emily. Faz tempo que fui nomeado,

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justamente para responder por ela em um caso como esse. — Dei a volta,
saindo da sala e indo atrás de informações.
Deixei Poul na sala de espera e me dirigi à recepção, e informando
quem eu era, pedi urgência para conversar com o médico responsável. Não
queria perder um minuto a mais. Já tinha informado ao advogado de Emily o
que estava acontecendo e que poderia precisar da presença dele no hospital
munido de todos os documentos que atestavam que diante de qualquer
emergência eu responderia por ela. Depois de conversar com o médico,
assinar todas as autorizações, voltei à sala onde Poul estava ansioso
esperando informações.
— E então? Como ela está? — Não me sentei, simplesmente me deixei
cair no sofá ao lado deles. Por fim, parecia que todo o estresse do susto estava
se manifestando. Senti meus músculos tremerem sem controle.
— Está estável, respirando por aparelho. Autorizei uma cirurgia para
desobstruir uma artéria. — Meu coração batia fora do ritmo. Tinha sido a
mesma sensação de quando recebi a notícia do acidente aéreo no qual havia
perdido meus pais.
— Você não parece bem. Quer que eu chame o médico? — Abri meus
olhos quando senti as mãos de Poul passeando sobre meus cabelos e
encontrei o olhar preocupado dele.
— Não precisa. Foi só o susto mesmo, mas já passou. Sei que ela vai
sair dessa. — Ainda estava respondendo a ele quando o advogado entrou. Ele
já tinha conversado por telefone com os encarregados e passado a eles todos
os dados que precisavam.
— Bom dia, sr. Fox, Poul, Frank. — Ele nos olhou, nitidamente
analisando o nosso estado. — Parece que ela deu um bom susto em vocês,
não?
— Nem me diga. Eu estava fora do estado, quase cheguei pelado aqui
— ri da minha piada. Na verdade, um pouco mais e teria sido isso mesmo.
— Nós também nos assustamos. Mas, agora, me diga onde você estava.
Que eu saiba, você não tinha nenhuma viagem programada. — Poul olhou-
me sério.
— Foi uma viagem rápida, depois eu conto a você. Agora quero fazer
algo que há muito vem me tirando do sério. — O advogado sentou-se

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enquanto eu pegava meu celular e procurava o número da neta inconsequente
de Emily. Rose.
— Para quem você está ligando? Quem anda tirando você do sério?
— Rose — foi tudo que respondi.
— Olha o que vai aprontar… Emily adora a neta. — Não precisava dos
conselhos de Poul. Eu sabia dessa adoração desmedida dela pela neta ingrata,
mas já estava decidido: eu a faria entrar na linha de qualquer forma.
— Sei disso, mas ela não merece um terço do amor que Emily dedica a
ela, e vai saber disso.
— Estou preocupado. — Ele se levantou e começou a caminhar pela
sala.
— Eu também — completou Frank.
Eu já ia perguntar ao advogado se ele também estava, quando uma voz
berrada atravessou meus ouvidos.
— Alô! — Só pude ouvir isso. O barulho do som eletrônico era muito
alto. Olhei meu relógio, era quatro da tarde em Londres. Ela estava em uma
festa? Ainda não sabia por que me surpreendia.
— Você é Roselyn, neta da Emily? — O barulho ensurdecedor nos
meus ouvidos só estava aumentando a minha raiva.
— Quem quer saber? — O barulho continuava junto com os berros dela
do outro lado. Por que não ia a algum lugar onde pudesse conversar?
— Preciso conversar com você sobre a sua avó. Ela está doente. —
Mesmo sabendo que era uma idiota, não queria assustá-la dizendo que Emily
quase tinha morrido e que, nesse momento, se encontrava em uma cama de
hospital. — Será que você pode ir para algum lugar com menos barulho? —
completei.
— Escute, se ela está doente tem que procurar um médico, coisa que eu
não sou. Estou em uma festa. Vê se não me atormenta com problemas que
podem ser resolvidos por outras pessoas. — Olhei o telefone sem acreditar no
que acabara de ouvir.
— Escute aqui, sua garota estúpida, se você não estiver no primeiro
voo para cá, vou cortar todos os seus cartões. Vou deixar uma reserva na

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primeira classe. Se você perder, vai ter que vir de classe econômica e, se
voltar a perder, vai ter que vender a bunda para comprar a maldita passagem,
porque não terá mais nenhum cartão funcionando. Se ainda assim não fizer
isso, vai ser despejada de onde estiver, ouviu bem? Eu não estou brincando.
— Quem você pensa que é, seu idiota? — berrou do outro lado.
— No momento, seu pior pesadelo. E por ter me chamado de idiota, o
primeiro cartão vai ser bloqueado agora, só para você ter um pouco de noção
de quem é o idiota.
Desliguei.
— Ligue para alguém encarregado das contas dessa idiota e diga para
bloquear o cartão que ela mais usa. Quero saber quantos ela tem, também. E
não quero desculpa de que é domingo. — O advogado, que até aquele
momento estava sentado de forma relaxada, deu um pulo e começou a
trabalhar.
Nunca pretendi me meter nos negócios de Emily. Ela era forte,
inteligente e perfeitamente capaz, mas não ia deixar alguns abutres pensarem
que, só porque ela estava em uma cama de hospital, podiam fazer a festa. Até
ela voltar, eu ia fazer todos andarem mais do que na linha.
— Você vai pegar pesado mesmo com ela. Coitada — Frank estava
rindo, mas Poul me conhecia bem, sabia que os dias de festa da sem noção
tinham acabado. Eu poderia ser uma pessoa centrada e coerente, até baterem
de frente comigo.
— E eu nem comecei! — Olhei para o advogado que tinha se afastado
para explicar o que estava ocorrendo. Emily estava incapacitada no hospital e
eu estava assumindo o comando.
— Está feito, sr. Fox.
Meu demônio interior sorriu, feliz. Esperava que ela não demorasse
para perceber que a vida dela tinha acabado de tomar um rumo totalmente
diferente.
— Ela vai ficar furiosa — Poul estava rindo. Ele também sabia que ela
merecia uma boa lição.
— Pouco me importa. Ela já não é mais criança, está com vinte e dois
anos e ainda nem terminou a faculdade. Age como um adolescente rebelde…

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Está mais do que na hora de alguém enfiar um pouco de juízo naquela cabeça
oca… — Ainda estava falando, quando meu celular tocou. Pensei que fosse
Rose me ligando de volta, mas era um número desconhecido. Se fosse em
outro momento, teria recusado a chamada.
— Fox.
— Nath, humm… É você? — Olhei para o telefone sem saber o que
dizer. Não reconhecia o número e muito menos a voz da pessoa do outro
lado, mas os únicos que me chamariam de Nath eram os da fazenda.
— Sim, sou eu, quem está falando? — Afastei-me quando percebi o
olhar curioso de Poul sobre mim.
— Sou eu, Kate. Desculpe estar incomodando você. Consegui seu
número com Jake… — Ela parecia indecisa para continuar.
— Oi, docinho… Desculpe, Kate. — Já era a segunda vez que eu a
chamava pelo apelido infantil. — Não se preocupe, eu ia mesmo pedir o
número de todos vocês, mas surgiu um imprevisto.
— Não se desculpe, eu até que gosto. Já fazia muito tempo que
ninguém me chamava assim — ela riu. — Eu estou ligando porque Jordan
está desolado, está se culpando por ter deixado você com Noah. Está dizendo
que ele fez alguma merda e, por isso, você se foi.
— Não, ele não fez nada. Uma amiga muito querida precisou da minha
ajuda, por isso saí dessa maneira. Mas tudo que combinamos na reunião
continua valendo. — Optei por entender que ela estava dizendo pela recente
fuga e não pela antiga.
— Você não imagina como fico aliviada. Noah disse que não tinha
feito nada, mas depois da forma que ele agiu durante todo o dia, ninguém
acreditou. — Nisso, ela tinha razão, mas eram motivos nossos, que só nós
entendíamos.
— Diga a Jordan que assim que eu resolver tudo por aqui, vou entrar
em contato com ele. — Primeiro eu tinha que resolver a vida de Emily e só
depois começaria a pensar nos problemas da fazenda. Para isso, eu precisava
estar com a cabeça fria, tranquila. No momento, estava longe disso.
— Vou falar, sim. Ele já estava querendo jogar Noah no primeiro meio
de transporte para ir pedir desculpas a você. — Gelei ao ouvir. Eu não o

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queria perto de mim. Um dia tinha sido um inferno, agora eu tinha a noção do
quanto ele ainda me afetava.
— Diga a ele que não será preciso, Noah não me deve nenhum pedido
de desculpa. — O simples fato de pronunciar o nome dele fez meu coração
disparar.
— Mudando de assunto, será que você pode me dizer quem é essa
garota que chama e faz você largar tudo e correr para ela? — Ela não tinha
mudado nada, continuava a mesma menina curiosa que, quando queria saber
algo, fuçava até conseguir. Peste, como Noah sempre se referia a ela. Ri ao
me lembrar das brigas homéricas entre os dois.
— Emily. Ela se chama Emily, mas ela não… — Antes de completar, o
médico entrou na sala. — Vai me desculpar, Kate, tenho que resolver algo
urgente aqui. Assim que puder, entro em contato novamente. Diga a Jordan
que está tudo bem. — Desliguei sem esperar uma resposta dela.
— Ela está se recuperando, a cirurgia correu melhor do que
esperávamos. — Peguei o fim da resposta do médico à pergunta de Poul.
— Agora podemos vê-la? — Ele olhou para três descabelados e apenas
um decente, talvez pensando nos momentos difíceis que havíamos passado.
— Ela ainda não acordou. Vai ficar hoje na UTI só por segurança, mas
está tudo bem. Por que não vão almoçar e voltam mais tarde? Aí ela já terá
acordado.
Meu estômago roncou ao ouvir a palavra “almoçar”. Olhei para o
relógio e percebi que tinha passado do meio-dia fazia tempo.
— Não sei se vocês querem ir, mas eu vou esperá-la acordar. — Poul
olhou-me, fazendo sinal que pensava o mesmo.
— Eu não vou precisar mais de você por hoje, mas se Emily estiver
bem, amanhã quero me reunir com os responsáveis pelos negócios dela.
— Sim, senhor, me encarregarei disso. — O advogado se levantou e
dirigiu-se à saída, ajeitando o terno. — Vou indo, então. Amanhã cedo vou
aparecer para fazer uma visita para a sra. Norton.
— Não, deixe que eu digo a ela que você se preocupou, que esteve aqui
e deixou cumprimentos. Se ela vir você, vai ligá-lo a trabalho e, no momento,
não quero isso para ela.

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Ele confirmou com a cabeça, entendendo a minha posição e saiu logo
depois, fechando a porta atrás de si.
— Nossa, puta susto a Emily nos deu. — Poul caiu sentado ao lado de
Frank, passando a mão de forma carinhosa na coxa dele sobre o moletom. Os
dois demonstravam sinais de cansaço, mas, assim como eu, dificilmente
deixariam o hospital antes de terem certeza que ela estava bem.
— Você não imagina… Para dizer a verdade, nem sei como cheguei
aqui. — Sentei-me em frente a eles vendo a cabeça de Poul apoiada sobre o
ombro de Frank, enquanto, inconscientemente, fazia carinho em seus cabelos.
Perdi-me olhando a forma carinhosa com que os dois se tratavam. Eu
estava bem vendo o amor que Frank tinha por ele, Poul não merecia menos
que isso. Mesmo que tivéssemos passado quase cinco anos juntos, eu nunca
fui capaz de amá-lo da forma como ele merecia. Agora, assistindo todo o
carinho entre os dois, depois de voltar a passar um dia ao lado de Noah, eu
sabia o porquê.
— Você não disse onde estava. — A voz sonolenta de Poul me trouxe
de volta dos meus devaneios. Ainda não estava pronto para dividir com ele,
mas sabia que isso não demoraria. Ele era o meu braço direito e, se eu fosse
resolver o problema da compra de terras da fazenda, ele logo ficaria sabendo
de tudo.
— Recebi um chamado do passado — ao terminar de dizer, ri da minha
piada infeliz.
— Como? — Agora ele estava completamente desperto e sentou-se
com os cotovelos apoiados sobre os joelhos, me encarando.
— Recebi um convite para visitar meu passado. Era lá que eu estava.
— Levantei-me, fui até o bebedouro e tomei um pouco de água enquanto
pensava como o pôr a par de tudo.
— Na sexta-feira conversamos, você disse que não queria tocar no
passado e no sábado você vai visitá-lo? Como é isso? — Ele agora estava ao
meu lado, enquanto Frank apenas assistia à nossa discussão. — Quando
pensava em me contar que pretendia viajar? Depois que passou tão mal, não
pensei que quisesse ver ninguém do seu passado.
Voltei ao lugar onde antes estava sentado, com Poul pisando meus
calos. Desabei, ele fez o mesmo. Olhei para o relógio na parede – minha

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fome havia ido embora. Estávamos em um extremo da sala que não era muito
grande, éramos os únicos esperando alguma notícia. Não podia usar a
desculpa de falta de tempo, pois, no momento, isso era o que mais tínhamos.
Então, contei a ele sobre o convite em cima da hora. Contei também, da
forma mais reduzida possível, o meu desentendimento com Noah.
— É ele o grande amor da sua vida? É por ele que você não consegue
seguir em frente? — Acho que devo ter colocado toda a incredulidade do
mundo em meus olhos, pois ele apenas perguntou: — Você nunca viu isso?
— O que você quer dizer com “eu não consigo seguir em frente”? Olha
tudo que eu conquistei! Você acha que se eu tivesse parado no tempo, teria
chegado onde cheguei? — Ele não tinha razão de me questionar sobre isso.
Eu não tinha herdado um império, tinha construído um.
— Não é isso que eu quero dizer. Você nunca teve ninguém, só tem
encontros casuais. Eu fui a pessoa mais próxima a você e mesmo assim você
nunca se entregou a mim. Mesmo me entregando por completo, eu nunca tive
você. — Senti a amargura na voz dele, sabia que o havia machucado e que
ele tinha aceitado apenas por me amar demais.
— Eu nunca quis ferir você. Só queria poder seguir adiante e você era
como uma luz da qual, naquele momento, eu não poderia me afastar ou me
perderia por completo. Eu sinto muito mesmo.
Ele se aproximou de mim.
— Eu sei. Só que dói ver você ainda tão apaixonado por alguém que
nunca lhe deu nada, enquanto eu me doei por completo. Ainda bem que
superei ou estaria assim como você, sem poder seguir em frente. Você
deveria falar com ele. Ou ele tem alguém?
Não aguentei e ri. Toda a minha desgraça havia começado por eu ter
tido a coragem de me abrir com Noah. Na época, pensava que a nossa
amizade ajudaria, mas tinha me enganado.
— Não posso me abrir com ele por vários motivos. O primeiro é que eu
já fiz isso uma vez e me dei muito mal. Segundo, ele tem alguém. E terceiro e
mais importante de todos, ele é cem por cento hétero, está felizmente casado
e ontem, a única coisa que fez, foi esfregar toda a felicidade dele na minha
cara — desabafei.
— Eu sinto muito. Então, ontem não deve ter sido um dia muito fácil

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para você. Não quero ser invasivo, mas como foi se declarar a ele? Ele não
tinha namorada na época? — Poul parecia realmente interessado. Frank, com
a desculpa de buscar alguma coisa para comer, desapareceu. Não havia mais
nenhum motivo para viver fugindo do meu passado, já o tinha enfrentado no
dia anterior e ainda estava vivo. Melhor seria contar de uma vez, aproveitar
que estávamos nisso. Era a hora e o lugar perfeito.
— Sabe aquilo que todos chamam de “coragem líquida”? Pois bem, eu
usei para me declarar a ele — dei risada da minha idiotice de adolescente,
mas Poul permaneceu sério.
— Sabemos como isso é difícil, principalmente quando somos
adolescentes e nos apaixonamos por um hétero. Imagino o que você deve ter
passado.
— Bem — apenas olhei para ele e continuei —, eu tinha me
embebedado para criar coragem, e ele estava bêbado, se divertindo. Papai
Scott tinha organizado uma reunião para que comemorássemos a nossa
formatura. Já não tinha quase ninguém quando eu o chamei atrás de um dos
galpões com a desculpa de lhe mostrar algo. Ele me seguiu, rindo como todo
bêbado, e eu não estava diferente. Nós nos sentamos nos rolos de feno que
estavam contra a parede. Como eu disse, a coragem corria por minhas veias.
Toquei o braço dele com carinho e perguntei o que ele diria se eu dissesse
que gostava dele de uma forma diferente. No começo, ele apenas resmungou,
mas depois pareceu gostar de ter a minha mão nele, pois a levou até a sua
coxa. Adolescentes, hormônios a mil… Ele tinha acabado de completar
dezessete anos, eu ainda estava nos meus dezesseis. Não demorou para a
minha mão passar da coxa para o pau. Eu levei um susto, não pensei que ele
estivesse gostando.
— Vocês transaram? Como, se você diz que ele é hétero?
Olhei para Poul com raiva, já estava começando a me arrepender de
contar a ele.
— Será que dá para deixar a boca fechada até eu terminar? — Ele
levantou ambas as mãos e se calou. — Não, nós não transamos. Ele transou
comigo.
— Porra! — Ele soltou quando imaginou o que aquela frase
significava. Mas se calou, e eu pude continuar.

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— Bem, eu não sabia se era a bebida que o estava afetando, mas ele
estava muito excitado. Começou a gemer, me pedindo mais. Quando não foi
suficiente, ele simplesmente abriu o jeans e baixou tudo, se liberando,
deixando em frente aos meus olhos uma ereção impressionante. Juro que eu
babei. Era a primeira vez que eu via um membro masculino que não fosse o
meu e ele era perfeito. Enquanto eu me distraía, olhando, ele puxou a minha
cabeça e começou a me beijar. Eu nunca tinha sido beijado antes, era virgem
em todos os sentidos, mas ele, eu sabia que tinha pegado algumas meninas.
Sentir a língua esperta dele explorando a minha boca foi a glória. Na verdade,
eu só o tinha chamado atrás do galpão para conversar, nunca pensei que ele
pudesse sequer me tocar. Beijar, então, estava fora da minha humilde
imaginação.
“Quando o tesão ficou insuportável — inspirei fundo e continuei —,
ele levou a mão até meu zíper e abriu. Eu também não deixava nada a
desejar. Ele rosnou quando me viu, fechou a mão em torno do meu pau, que
já estava todo lambuzado de tanto tesão, passou o dedo pela ponta e logo
começou a me bombear. Juro que eu gemia igual a uma vadia. Eu estava
completamente louco, faltando pouco para explodir, então ele me perguntou
se eu teria coragem de fazer um boquete nele. Antes de ele ter terminado de
falar, eu já estava com ele enterrado em minha garganta.”
— Puta merda, imagino como deve ter sido. A primeira vez é sempre
inesquecível e se é com uma pessoa que se gosta, então. — Olhei feio para
ele, se não se calasse, eu pararia. — Certo, não falo mais nada.
— Enquanto eu o chupava, ele deu um jeito de continuar me
massageando. Eu senti que ele estava chegando lá quando parou e me virou
de costas, inclinado no feno. Naquele momento, minha coragem líquida
desapareceu, e eu disse “não”. Eu estava apavorado, mas ele não quis me
ouvir. Disse que eu deveria estar preparado, já que havia me oferecido para
ser a mulherzinha dele. Eu só queria me declarar, nunca pensei que iríamos
tão longe. Eu era tão forte quanto ele, mas acho que fiquei petrificado. Ele
aproveitou esse momento e me forçou. Senti como se a minha alma estivesse
sendo rasgada, implorei para parar, mas ele continuou. Quando eu o chamei
para conversar, não pensei que ele poderia fazer o que fez. Não sei se foi a
bebida… Quanto mais eu implorava para parar, com mais raiva ele me
atacava. Eu mordia o feno para não gritar tamanha era a dor que eu sentia.
Quando gozou, disse que eu não passava de uma bicha vadia, que ele era

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hétero, que só estava me dando o pau que eu queria e que se eu ousasse
contar o que tinha acontecido, ele contaria para toda a cidade que eu o tinha
embebedado para transar com ele. Eu estava sangrando, com muita dor, sem
forças para enfrentar.
— Ele o forçou? Abusou de você? — Poul me olhava, incrédulo, talvez
por não querer acreditar que eu tinha passado por semelhante trauma.
— Não sei qual foi o pior abuso, o físico ou o mental. — A dor física
tinha passado rápido, eu já nem me lembrava mais, mas as palavras tinham
ficado marcadas. Eu havia passado noites em claro lembrando-me de cada
uma delas e, ainda hoje, eu me lembrava de cada frase, cada palavra, cada
maldita vírgula.
— E você se calou? Não o denunciou? — Nesse momento, Frank
colocou a cabeça dentro da sala, nos olhou e decidiu que ainda não era o
momento, então voltou a fechar a porta novamente.
— Sim, me calei. Não o denunciei. Peguei minha moto e tentei voltar
com ela para a fazenda dos meus pais que ficava só alguns quilômetros da
Scott, mas não consegui chegar lá. A dor era muito grande. Então, deixei-a e
segui caminhando. Cheguei em casa, fui direto para o quarto dos meus pais e
contei tudo a eles. Eu era filho único, sempre contei com o total apoio e
confiança deles. Falei sobre a minha condição, a minha paixão por Noah e,
principalmente, o que tinha acontecido e as ameaças dele. Meu pai ficou fora
de si. A primeira coisa que fez foi pegar o rifle que estava pendurado na
parede. Se não fosse por minha mãe, uma tragédia teria acontecido.
— Dou toda razão a ele. Nesse momento, eu mesmo quero matá-lo —
sibilou Poul entredentes.
— Sim, mas todos sabemos que essa jamais seria a solução. Eu só
queria desaparecer e disse isso a eles. Meu pai me assegurou que resolveria
isso. Minha mãe disse para eu tomar um banho enquanto ela preparava um
chá para que eu pudesse relaxar e dormir. Ela era formada em botânica,
conhecia todo tipo de ervas.
— Você nunca me disse que a sua mãe era formada.
Suspirei, um pouco envergonhado. Na verdade, eu nunca havia contado
a ele nada sobre o meu passado.
— Continuando, depois do banho, tomei o chá que ela havia preparado

65
e me preparei para deitar e tentar esquecer o que tinha acontecido. Só acordei
quando a minha mãe me chamou no dia seguinte, já com as minhas malas
prontas. Eu iria passar um tempo com os parentes do meu pai, pessoas que eu
nunca havia conhecido.
— Como assim? Nunca havia conhecido nenhum parente? Todo mundo
conhece parentes.
Mais uma vez olhei feio para ele, se continuasse me interrompendo, eu
acabaria desistindo.
— Nunca, nem do lado do meu pai, nem da minha mãe. Eles tiveram
um problema quando se casaram, por isso, eles haviam se afastado, mas,
segundo o meu pai, eles estavam felizes em me receber. O tempo havia
passado e as mágoas também. Para terminar, eu parti e uns dias depois meus
pais se encontraram comigo, e eu nunca mais soube nada de Noah até ontem.
— Agora posso entender tudo, a sua relutância em tocar no passado. —
Senti os braços dele me envolvendo com carinho.
— Chame Frank. Vamos comer o que ele trouxe, estou morrendo de
fome. Não quero mais falar sobre isso. — Fiquei em pé e me alonguei. Não
queria mais pensar em Noah. Ele estava casado, feliz, e eu continuava sendo
um idiota por seguir pensando nele.
— Sim, se Noah é um hétero convicto, casado e feliz, só brincou
mesmo com você. O melhor que você faz é esquecer. — Poul abriu a porta e
Frank entrou, olhando-nos com curiosidade.
— Está tudo bem por aqui?
Lancei a ele um meio sorriso a fim de tranquilizá-lo. Ele deixou sobre a
mesa uma caixa de suco com alguns copos descartáveis e entregou um
sanduíche de pastrami para cada um e uma sacola de frango frito. Peguei um
frango e o mordi. Não sabia se estava realmente bom ou se era a fome.
Afastei-me até um canto do sofá e comecei a comer. Poul chegou perto e me
ofereceu um copo de suco, peguei das mãos dele, tomei um gole e deixei
sobre o braço do sofá. O momento parecia fora de tempo – nós três
estávamos calados, minha mente viajava entre Emily, Rose e, principalmente,
Noah. Estava terminando de comer quando uma enfermeira entrou, olhou e
fez cara feia por estarmos lanchando em uma área comum, mas não tinha
ninguém e eu não ia sair enquanto não tivesse notícias.

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— A sra. Norton está acordada. O doutor liberou só dez minutos para
um visitante. Amanhã poderá receber mais visitas, mas hoje não.
Poul abriu a boca para reclamar, mas logo se calou, ele entendia que
todo o cuidado seria pouco nesse pós-operatório.
Minha visita foi mais rápida do que eu queria. A única coisa que fiz foi
tranquilizá-la, ela nem parecia a minha Emily. Saí prometendo uma nova
visita assim que fosse liberada. Contei que Poul e Frank estavam ali fora e
mandavam beijos. Ela apenas sorriu. Minha visita estava encerrada antes
mesmo de ter começado. Deixei-a com uma tristeza no coração, mas feliz por
ela ter superado.
Assim que coloquei meus pés fora da UTI, fui bombardeado. Ainda
estava explicando a Poul e Frank o estado dela, quando meu celular vibrou
em minha mão. Olhei e meu estômago deu voltas. Rose. Antes de conversar
com ela, eu já sabia que não tinha tomado voo, que iria reclamar do cartão
bloqueado e ainda me chamaria de idiota.
— Fox.
— Ah, então é você o idiota que teve a ousadia de bloquear o meu
cartão! — Afastei o telefone do ouvido. — Onde está Emily? Quero falar
com ela. Já liguei várias vezes e ela não atende.
— Você prestou atenção ao que eu disse hoje mais cedo? Que ela está
doente, que eu estou à frente de tudo, que se você não voltasse na primeira
classe teria que voltar na econômica e, se perdesse, teria que vender a bunda
para pagar uma passagem? Por você ter me chamado de idiota a primeira vez,
eu bloqueei um cartão, por essa segunda vez, vão ser mais dois. Se você não
me avisar que já está no aeroporto, em uma hora o último vai ser bloqueado.
Depois disso, você terá que se virar para chegar aqui. Amanhã, ao meio-dia, o
seu apartamento será fechado. Você volta ou mora na rua, porque daqui não
vai sair mais nenhum centavo.
— Idi…
Desliguei.
Já passava da meia-noite quando, por fim, pude me arrastar para dentro
do meu apartamento todo bagunçado. Nem parei para pensar na bagunça,
simplesmente passei pela sala, entrei na cozinha, abri a geladeira, servi uma
taça de vinho e subi a escada. O cansaço estava pesando, era a minha terceira

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noite quase sem dormir. Passei reto pelo meu quarto e fui direto para o quarto
de hóspedes. Depois de uma ducha demorada para relaxar os músculos, tomei
meu vinho e desmaiei na cama. Esse tinha sido um fim de semana totalmente
fora do normal.

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Capítulo V

NOAH

Meu domingo tinha sido um inferno. Amanheci com Penn gritando no


meu ouvido que Nath havia partido. No início, ela não tinha visto o bilhete
que ele deixara sobre o aparador, de onde tinha levado a chave do carro.
Mesmo assim, recebi todas as acusações de Jordan até Kate decidir intervir a
meu favor e ligar para Nath. Mesmo ele dizendo que tinha tido um
imprevisto, Jordan continuou me olhando atravessado, sem me pedir
desculpas.
Uma tristeza começou a tomar conta de mim. Quando Nath apareceu,
eu só queria que voltasse a desaparecer, mas agora havia uma dor
desconhecida, eu poderia voltar a não vê-lo novamente. Eu não consegui ser
um bom anfitrião com os convidados que ainda estavam durante o último
almoço que foi servido no domingo, pegava-me o tempo todo procurando por
ele. Pedi a Kate que se encarregasse de tudo, inventei uma dor de cabeça e
voltei para casa. Passei o resto do domingo jogado no sofá tentando
acompanhar filmes, esportes, mas nada prendia a minha atenção.
Meu início de segunda-feira, assim como o domingo, estava sendo
péssimo depois de falhar duas vezes seguidas com Penn e deixá-la dizendo
que era uma vergonha ter que se satisfazer com brinquedos mesmo tendo um
marido com um pau maravilhoso, mas que se negava a deixá-lo duro para ela.
Calei-me para não iniciar uma discussão. Eu dificilmente discutia com ela e
nunca a tinha deixado na mão, me esforçava para satisfazê-la em todos os

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sentidos. Mas, desde que eu soube da possível vinda de Nath, alguma coisa
tinha mudado. Isso só fazia eu me sentir pior, não conseguia tirá-lo da merda
da minha cabeça.
Tínhamos uma remessa de milho a fazer, os caminhões já estavam
sendo carregados. Entrei no escritório e assinei todas as planilhas para as
entregas que deveriam ser feitas naquela manhã. Se no domingo eu havia
inventado um dor de cabeça, hoje ela era real.
— Chegou cedo. — Jordan jogou mais papelada em cima da minha
mesa antes de sentar-se à minha frente.
— Sim, tinha muita coisa para fazer. Com essa semana do encontro,
houve muitos atrasos. — Eu o vi coçando a cabeça, parecia nervoso querendo
dizer algo. Eu não estava a fim de perguntar, não queria saber de mais
problemas.
— Saiu cedo ontem também.
Fechei meu laptop, coloquei de lado as planilhas, joguei o lápis sobre a
mesa e o encarei.
— Fale de uma vez. — Ele me encarou de volta e eu só fiquei
pensando que tipo de puxão de orelha viria agora.
— Eu estava pensando… Percebi que aquela amizade tão linda que
existia entre você e Nath não existe mais. Fiquei surpreso com o reencontro
de vocês.
— Como assim? — Não gostava da direção que a conversa estava
tomando e não ia facilitar para ele.
— Vocês eram muito unidos, pensei que iam soltar foguetes, mas eu só
vi duas pessoas mandando indireta uma para outra o tempo todo. — Ele se
mexeu na cadeira sem encontrar uma posição cômoda.
— Aonde quer chegar com isso? — Eu queria terminar logo com
aquelas meias afirmações. Se ele sabia de alguma coisa, seria melhor que
dissesse de uma vez.
— Quero dizer que aconteceu alguma coisa que nenhum dos dois quer
contar. Durante toda a festa, vocês pareciam a fim de se matar. Só abriram a
boca para se agredirem, mas eu vi como ele olhava para você quando você
não percebia. — Nesse momento, meu coração falhou várias batidas, mas ele

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completou: — Percebi você olhando de forma dissimulada para ele também,
e vi não só o carinho, mas como seus olhos brilhavam, mesmo que um
segundo depois você parecia disposto a querer matá-lo.
— Mas que merda você está dizendo? Meus olhos brilhando ao olhar
para ele? Por acaso está me chamando de gay? — A rapidez com que me
levantei fez a minha poltrona voar para longe. Meu punho encontrou a mesa
fazendo o laptop saltar, mas o pulo maior foi o de Jordan que, no susto,
acabou derrubando a cadeira também.
— Pelo amor de Deus, Noah, você ficou louco? Estou falando de
amizade verdadeira, carinho, tipo de um irmão. Eu jamais insinuaria uma
coisa dessas. Sei que você de gay não tem nada, senão não estaria casado
com Penn por tanto tempo. — Quando ele terminou de falar, procurei a
minha poltrona que tinha ido parar contra a parede. Não só as minhas pernas
tremiam, minhas mãos também.
— Desculpe, acho que o estresse remanescente do encontro está me
afetando. — Tentei voltar a minha respiração ao normal. Ele também se
agachou, colocando a cadeira na posição normal, ainda me olhando
desconfiado.
— E tem mais, você não ouviu o que Kate disse? Que o nome da garota
que o fez sair daqui correndo como um louco era Emily? Você acha que se
ele fosse gay correria assim para alguma garota? — Jordan se mantinha de pé
enquanto falava, como se a qualquer momento eu fosse saltar sobre ele
novamente.
— Sim, eu ouvi. Já pedi desculpas. Vamos, diga o que você ia dizer.
Ele voltou a se sentar, só que agora parecia mais inseguro que antes.
— O que eu ia dizer era que eu estive pensando… hmmm… vocês
eram muito amigos. Agora, parece que essa amizade acabou. Talvez, se vocês
pudessem conversar sozinhos… Não sei… Foi só uma ideia. — Ele parou de
falar e esperou uma resposta minha.
— Não tenho nada contra ele, mas você deve entender que muitas
coisas mudaram. Não vou ligar para conversar sobre algo que não existe.
Entenda, dificilmente voltaremos a ser amigos novamente. O tempo da nossa
amizade passou, somos pessoas diferentes agora, pode entender? — Seria
difícil ele entender – eu o enrolava, repetindo as mesmas palavras com uma

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explicação totalmente sem sentido, mas era a única que no momento eu tinha
para dar.
— Não estou dizendo para que você ligue para ele, assim, sem mais
nem menos. Estou dizendo que você tome um tempo e vá para Nova Iorque.
Peça para fazer um estágio na empresa dele, pode aprender coisas
interessantes sobre negócios, coisas que podemos aplicar aqui na fazenda.
Assim, pouco a pouco, podem voltar a se entender. Aquela amizade de
garotos ainda pode voltar. Seus pais ficariam felizes, eu ficaria.
Minha boca só não caiu, porque meus dentes estavam travados. Ele não
fazia ideia do absurdo que estava me propondo.
— Jordan, acho que você ainda tem um resto de uísque correndo nas
suas veias. De onde você tirou essa ideia idiota?
— Não é tão idiota como parece. — Ele ficou sério. — Ele é um master
em negócios, você não pode negar que é sempre bom aprender um pouco
mais. Quando ele negociar a compra das terras, você pode estar por perto
para saber que argumentos vai usar, porque ele disse que consegue e,
segundo ele, por um bom preço. Além disso, desde que se formou, você
nunca saiu dessa fazenda. Seria como umas férias — ele riu, dando de
ombros com os argumentos apresentados.
— Se eu fosse passar uma temporada em Nova Iorque, pode apostar
que a minha vida seria em lojas e passeios. Penn ocuparia todo o meu tempo.
— Eu não disse para levar Penn. Se ela fosse com você, seria uma
segunda lua de mel. Prometa isso depois a ela. Ela pode passar esse tempo
visitando os parentes no sul. Ela não adora Miami? Pois bem. — Nisso ele
tinha razão, a única coisa que faria Penn me deixar solto em Nova Iorque
seria uma temporada nas praias do sul.
— Eu não estou interessado em me separar tanto tempo assim da minha
mulher. Não a quero deixar solta perambulado pelas praias de Miami. — Não
estava preocupado com Penn, era eu que não queria ficar muito tempo
sozinho perto de Nath.
— Ciúme idiota. Penn pode ser oca, mas não é uma vadia —
resmungou.
— Eu sei, mas não quero mais falar sobre isso. Deixe Nath para lá e me
ajude com esses preços. — Passei a ele a planilha que estava estudando,

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encerrando assim a nossa conversa.
Depois da conversa com Jordan, as coisas só pioraram. Nath não saía
da minha cabeça. Com o passar dos dias, comecei a pensar como seria passar
uns dias só com ele. No fim de semana eu já cogitava seriamente a ideia de,
pelo menos, tentar uma conversa. Tentar. Talvez não seria o meu velho
amigo, mas tentaríamos, pelo menos, ter uma boa convivência, já que
teríamos que negociar a compra e trabalhar nos novos projetos da fazenda.
Quinta-feira cheguei cedo ao escritório. Minha vida com Penn estava
cada vez mais complicada. Eu estava vivendo em outro mundo, como ela
fazia questão de me dizer o tempo todo. Adiantei todos os pedidos de compra
para o mês e revi as ofertas dos produtos para o mês seguinte. Depois de tudo
pronto, saí do escritório e segui rumo ao haras. Jordan estava por lá. Agora
era eu que queria continuar a conversa interrompida no início da semana.
Buzinei quando vi que ele estava subindo no jipe.
— Algum problema? — Olhou-me desconfiado quando me viu subindo
no jipe ao lado dele sem dizer nada.
— Não, só quero conversar um pouco. O que você ia fazer?
— Estava indo ao galpão conferir a remessa de sementes especiais que
recebemos da faculdade de Agronomia para fazer o plantio de controle.
Depois, estava pensando dar mais uma namorada nas terras vizinhas. Não
paro de sonhar com elas — sorriu como criança.
— Ainda bem que você tocou nesse assunto. Tenho pensado bastante
no que você disse sobre passar algum tempo nos escritórios de Nath. Pode ser
que eu aprenda um pouco com eles. Talvez a ideia não seja assim tão
absurda. Bem, isso se ele aceitar.
— Claro que vai. Só me parece que ele está um pouco enrolado com
essa namorada dele, Emily, se não me engano.
Ao ouvir a palavra “namorada”, meu coração torceu de dor. Olhei para
a paisagem que passava rápido pela janela, qualquer coisa para que Jordan
não percebesse.
— No dia da festa, ele disse à Kate que não tinha nem esposa, nem
namorada, lembra? — Não sabia de onde essa tal de Emily tinha aparecido,
mas estava ocupando todo o tempo dele. Eu sabia de duas chamadas que ele
havia interrompido por Emily precisar dele. Mesmo que ele negasse um

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relacionamento, não podia negar que ela era muito importante.
— Na verdade, na última conversa que tivemos, que foi bastante curta,
ele apenas mencionou que ela estava precisando muito dele. Por isso, no
momento ele não podia nos dar toda a atenção. — Jordan freou no meio do
caminho para olhar as plantações. O lugar era absolutamente lindo. De onde
estávamos, víamos algumas montanhas. Eu já tinha passado por aquele lugar
inúmeras vezes, mas naquele instante me bateu uma saudade terrível de Nath,
das vezes que apostávamos corridas a cavalo ou nos nossos quadriciclos.
— Vamos sair daqui. — Jordan me olhou contrariado, mas voltou a
colocar o jipe em marcha.
Eu precisava encontrar um ponto de equilíbrio em minha vida
novamente. Até poucas semanas atrás, esse ponto era Penn, agora eu já não
sabia mais. Olhei para o milharal que passava rápido pela janela, não
conseguia mais me entender. Em um momento eu queria vê-lo, estava
sentindo uma saudade que nunca imaginei sentir, e no momento seguinte,
queria apenas matá-lo. Ouvir que ele possivelmente tinha uma namorada
doeu mais do que o esperado. Não queria imaginar que estava sentindo
ciúmes, mas era isso mesmo. Eu estava morrendo de ciúmes. Mesmo ele não
tendo se casado, assim como eu, poderia ter sim uma garota que ele amava.
Emily. Mesmo sem conhecê-la, eu já a odiava.
Naquela noite eu tinha estragado tudo. Ele tinha dito que estava
confuso, mas que estava gostando de mim de um jeito diferente, um jeito que
o estava assustando. Ele tinha sido homem o suficiente para dizer que gostava
de mim. Eu o acusei de um monte de merdas apenas para esconder que eu
sentia o mesmo por ele. Talvez aquela louca declaração tivesse sido pelo
efeito do álcool, e ele era hétero.
— Vai ficar aí dentro ou vai descer?
Jordan tirou-me dos meus devaneios. Estávamos parados em frente ao
galpão onde descarregavam as sementes que ele queria verificar.
— Vou descer e dar uma olhada nessa remessa com você.
Passamos a manhã inteira verificando, anotando, fazendo chamadas. Já
passava do meio-dia quando finalmente terminamos. Ele deu o ok a todos os
produtos, assinou a papelada e tomamos rumo à sede novamente.
— Vai almoçar no galpão ou vai para casa? — Tínhamos um refeitório

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na sede onde serviam almoços e lanches para as crianças e vários
trabalhadores.
A mesa com comida farta era uma das prioridades de mamãe. Quando
ainda estava viva, era ela que comandava a cozinha para que nunca faltasse
boa comida para todos. Era simples, mas saborosa, feita pelas esposas
voluntárias, com oitenta por cento dos produtos da fazenda. As crianças se
fartavam com tortas, doces, sucos, e os adultos bem alimentados trabalhavam
melhor. Quando meus pais estavam vivos, eram nos almoços que nos
encontrávamos. Depois que eles se foram, deixei de frequentar o refeitório –
era difícil entrar e não os encontrar sorrindo. Mas fui voltando aos poucos.
Primeiro, porque Penn não sabia nem como lavar uma alface e depois, porque
várias vezes ficava até tarde trabalhando e ela não queria me esperar.
— Vou almoçar com vocês. Aproveito para pedir uns conselhos à Kate.
— No início da manhã, a ideia parecia ser boa, mas agora que estava se
tornando uma possibilidade real, o medo de ser rejeitado estava me
apavorando.
— Se você quer conversar com ela durante o almoço é melhor ligar,
porque ela já saiu ou está para sair. O horário do almoço faz tempo que
terminou.
Olhei para o meu relógio e decidi ligar para ela, assim aproveitaríamos
um pouco de tempo juntos.
Quando encostamos o jipe em frente ao galpão onde os almoços eram
servidos, já não restava mais quase ninguém. Poucos cavalos, motos, jipes e
bicicletas, que a criançada usava para se locomover pela fazenda. Avistei
Kate sentada num dos degraus falando ao telefone. Assim que me viu, ela
sacudiu a poeira da bunda do jeans e veio ao meu encontro, empurrando o
telefone na minha cara.
— Reclame com ele. — Revirou os olhos, levantou as mãos para cima
e se afastou, praguejando todos os impropérios que sua boca suja conhecia.
Jordan a seguiu, rindo. Quando desapareceram dentro do galpão, respirei e
tentei acalmar Penn.
— O que aconteceu, amor? — suspirei e rezei para que ela não soltasse
em cima de mim um monte de marimbondos furiosos.
— Amor? Você ainda me chama de amor? Você me deixou na mão

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ontem à noite e hoje pela manhã, então mandei preparar um almoço
afrodisíaco delicioso só para ver se você se animava e assim poderíamos
aproveitar um pouco da tarde namorando, mas você nem apareceu, sequer
atendeu ao telefone. — Levei minha mão aos cabelos, sem saber como
resolver o problema. Penn estava insatisfeita e meu tesão estava zero.
— Sim, você continua sendo meu amor, só que no momento estou com
tantas coisas na cabeça que está sendo um pouco difícil para mim. Entenda,
por favor — suspirei. Uma angústia que eu sabia muito bem de onde estava
vindo começou a querer tomar conta de mim.
— Você sempre foi um pouco frio comigo, Noah. Quem sempre deu
mais nesse casamento fui eu. Estou cansada — lamentou-se, fazendo eu me
sentir pior do que já estava.
— Essa não é uma conversa para termos por telefone. Vou almoçar por
aqui, mas vou tratar de chegar mais cedo para conversarmos. — Desliguei.
Não iria conseguir explicar tudo em apenas alguns minutos.
— Olha, peguei para você batata assada picante. Sei como gosta e já
estão preparando bifes para os dois — enquanto Kate falava, ela espetou com
o garfo umas das minhas batatas e começou a comer.
— Espero que não demore. Estou morrendo de fome. — Fiz o mesmo
que ela, comecei a comer minhas batatas enquanto esperava pelo bife.
— O que você aprontou? Nunca vi Penn tão furiosa. Você sabe que eu
não vou muito com a cara dela, mas também não gosto de vê-la sofrendo. Ela
ama muito você. Vê se você se comporta. — Ela pegou mais uma batata e
continuou comendo enquanto me encarava, esperando uma posição da minha
parte.
— Eu não aprontei nada, mas talvez eu apronte. — Ela parou com a
batata na entrada da boca.
— O quê?
— Se você está pensando em um caso, já aviso que não é isso — tratei
de me explicar quando vi para onde estavam indo seus pensamentos.
— Tenha em conta que não sou só eu que estou pensando isso — ela
completou, enquanto terminava de comer a batata.
— Deixa que com Penn eu me entendo mais tarde. O que queria

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conversar com você é que Jordan me aconselhou a dar um tempo em Nova
Iorque. Para ser mais exato, com o Nath, aprender um pouco com ele, talvez
assim possamos nos entender novamente — disse a ela o que Jordan tinha
proposto, mas o que eu queria era simplesmente vê-lo novamente. Talvez se
eu o visse com alguma garota, eu conseguiria superar todas as minhas
dúvidas.
— Penn vai com você? Porque se for só vai atrapalhar, mas se não for
vai pirar.
Eu tinha absoluta certeza disso.
— Sei disso, por isso vou propor a ela uma temporada em Miami. Ela
tem alguns primos por lá, sei que vai gostar. — Para dizer a verdade, não
tinha tanta certeza, mas era a minha única opção.
— Espero que funcione. — Meu estômago roncou quando um enorme
beef eye foi posto à minha frente. Kate se levantou, indo em busca de mais
batatas, já que tinha comido várias das minhas.
— Já estou me arrependendo dessa minha ideia idiota — Jordan, que
até aquele momento tinha permanecido calado, resolveu falar.
— Não acho que a ideia seja tão idiota. — Não queria que ele se
arrependesse, agora que eu a tinha posto em minha cabeça, não queria voltar
atrás.
— Não quero que você tenha problemas com Penn. Talvez não seja o
momento de dar um tempo, mas o contrário, planejar uma segunda lua de
mel. O que você acha? — Não, no momento, eu precisava de um tempo longe
dela, ficar junto poderia arruinar para sempre o nosso casamento.
— Não. Eu preciso desse tempo, preciso conversar com Nath também.
— Olhei o prato dele, que já estava limpo. — Por que você não liga para ele
enquanto termino de comer, antes que você mude de ideia?
— Mudar de ideia sobre o quê? — Kate estava de volta com uma tigela
de batatas. Peguei-a das mãos dela e despejei ao lado do meu bife. Ela me
olhou de cara feia, eu sabia que a intenção dela era continuar comendo.
— Jordan acha que talvez não seja uma boa ideia deixar Penn nesse
momento, já que ela está se sentindo insegura.
Kate olhou novamente para as minhas batatas, ponderando se deveria

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ou não continuar comendo, mas logo desistiu da ideia.
— Penso que você deva ir, acho que está merecendo umas férias da sua
querida esposa — sorriu, dando de ombros. Com isso, Jordan se levantou,
começando a fazer a chamada e eu, por fim, pude continuar comendo.
Kate se afastou dizendo que ainda tinha muito trabalho para terminar.
Jordan continuava ao telefone. Saí do refeitório, não queria ouvir como ele
implorava para que Nath me aceitasse por uma curta temporada em sua
empresa. O céu estava limpo, azul de uma forma pouco usual. Decidi
caminhar até o escritório. Jordan me alcançaria. No caminho, cruzei com
alguns garotos em suas bicicletas e não pude acreditar que aquele meu tempo
já tinha passado – mesmo que não parecesse tão distante, era nosso costume
sair do refeitório e ir direto para aula. E no caminho, sempre
cumprimentávamos alguns peões, assim como os garotos tinham acabado de
fazer comigo. A distância entre os prédios onde estavam os escritórios e o
refeitório não era longa, mas também não era curta, por isso, eu me
surpreendi ter chegado antes de Jordan.
Tentei de todas as formas fazer o tempo passar mais rápido, mas não
consegui. Eu sabia que se Nath negasse seria com toda a razão, mas não
queria acreditar nessa possibilidade. Aproveitei para ir até a sala de Jake e o
encontrei trabalhando no novo projeto que seria erguido do outro lado do rio.
— Você é muito otimista. Está trabalhando em algo que ainda não
temos a garantia se teremos ou não. — Aproximei-me para ver como estava
ficando.
— O sr. Fox garantiu de que teríamos essas terras, então, não quero
perder tempo. Assim que tivermos a posse delas, poderemos começar. —
Fiquei impressionado. Jake tinha trocado apenas algumas palavras com Nath,
mas já o tinha em um pedestal.
— Espero mesmo que ele consiga ou muita gente vai se decepcionar.
— Dei mais uma olhada e me afastei quando vi o jipe de Jordan
estacionando. Por mais que eu quisesse me manter controlado, era
impossível.
Saí da sala de Jake e me dirigi à minha para esperar por ele, porque era
para lá que, com boas ou más notícias, iria. Passei por algumas portas abertas
e outras fechadas. Nossa fazenda não era uma fazenda normal, era uma

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pequena cidade que precisávamos manter funcionando. Muitas doações
chegavam e eram repartidas para construções e ajuda a algumas famílias.
Muitos dos nossos estudantes dependiam também desse dinheiro. Kate se
encarregava de controlar todos esses fundos e, para isso, contava com a ajuda
de muitos dos filhos dos que viviam na fazenda. Além disso, eles preparavam
e enviavam planilhas mensais a todos os colaboradores, assim como as notas
de todos os estudantes apadrinhados – tudo era transparente. Deveríamos
manter tudo assim para que a fazenda pudesse continuar funcionando e
crescendo. Todos os colaboradores sabiam exatamente em que seu dinheiro
tinha sido usado.
O sonho de ajudar umas poucas crianças havia se transformado em algo
gigantesco e continuava crescendo, pois todos os que, de alguma forma,
tinham obtido sucesso na vida graças à fazenda, faziam questão de voltar e
ajudar os outros a conseguirem também. Para eles, serem chamados de
garotas e garotos Scott era um orgulho. Eu olhava, feliz, papai e mamãe
tinha vivido o suficiente para verem onde o sonho deles tinha chegado.
Não tive tempo sequer de me sentar, pois Jordan entrou logo atrás e não
trazia uma cara muito boa. Senti meus planos se desfazendo. Toda raiva que
eu sentia de Nath se transformou em impotência e tristeza. Com meus medos,
eu tinha destruído tudo e tinha conseguido piorar ainda mais a situação
quando ele apareceu. Eu deveria ter pelo menos tentado explicar, mas,
durante todo o dia, eu tinha agido como um idiota. Se ele tivesse dito a
Jordan que eu fosse para o inferno, talvez ainda fosse pouco - e com toda a
razão.
— Ele não me quer por lá, não é? — Decidi adiantar e, assim, livrá-lo
de me dar a notícia desagradável.
— O que aconteceu com vocês? Porque agora eu sei que ele se foi por
sua culpa.
Ainda bem que eu estava sentado. Minhas pernas tremeram, meu
cérebro disparou, procurando uma resposta. Ele não podia ter contado, não a
Jordan.
— O que ele lhe contou? — Minha voz falhou, tentei limpar a garganta,
mas não consegui.
— Eu perguntei primeiro. De todas as possibilidades que eu podia

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imaginar, você nunca estaria entre elas. Vai me dizer ou vai ficar com meias
perguntas tentando descobrir o que eu sei? — Ele ainda não estava sentado,
só passeava de um lado para o outro como um animal prestes a me atacar.
Mas eu já me sentia atacado. Estava estraçalhado.
— Eu não vou dizer nada. Também não estou interessado no que ele
lhe contou. Quer saber? Melhor esquecer essa ideia sem sentido. Se eu
preciso de um tempo longe daqui para pôr minhas ideias no lugar, pode ser
em outro local. Ele que se foda. — Levantei-me. Nesse momento, minha
melhor defesa era o ataque. Funcionou, porque Jordan se jogou na cadeira e
pareceu tentar respirar para se acalmar.
— Calma, ele não me contou nada, só me pareceu estranho que ele,
assim como você, foge dessa conversa. No início, disse que não era uma boa
ideia, mas que estava disposto a receber Jake ou até mesmo o mal-humorado
de Elijah. Mas não você. Você é capaz de me explicar isso?
— Pois mande um deles, então. — A última coisa que eu queria era um
deles perto de Nath, mas eu não poderia deixá-lo saber disso.
— Não, eu disse a ele que não enviaria nenhum dos dois. Que se vocês
tiveram um problema no passado, essa era a melhor hora para resolverem.
Olhei para ele, tentando ver que tipo de solução seria a melhor para nós
dois.
No passado, eu tinha chamado Nath de bicha e abusado dele. Só depois
percebi tudo. Talvez a bicha não fosse ele, e sim eu. Tinha passado anos
lutando para levar uma vida na qual eu não me encaixava. No entanto, ele
parecia muito feliz. Tinha uma garota e, mesmo negando um relacionamento,
saía como louco atrás dela.
— Que problema você acha que temos para resolver? E o que ele disse
quanto a isso?
— O problema eu não sei, isso é com vocês. Quanto ao que ele me
disse… — Ele me olhou, me deixando novamente apreensivo, mas logo
completou: — Disse que seria melhor não mexer no passado e que quanto
mais longe vocês ficassem um do outro, melhor seria. Foi por isso que eu
disse que a culpa era sua.
— Também acho melhor. — Para mim, pelo menos era.

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— Nada disso. Vou falar com Kate para ela organizar a sua passagem e
estadia. E você, trate de conversar com Penn. Hoje à noite, resolvam seus
problemas, porque amanhã você viaja. — Ainda bem que ele já estava se
levantando para sair, assim não poderia ver como eu tinha ficado com a
notícia de que poderia voltar a ver Nath no dia seguinte.
Depois dessa conversa, eu simplesmente juntei minhas coisas e saí. Fui
para casa, não tinha mais estrutura para continuar trabalhando. Cheguei em
casa, joguei as chaves sobre o aparador da sala, entrei na cozinha vazia e
olhei pela janela. Penn estava jogada na beira da piscina com um biquíni
minúsculo, de bruços com os cotovelos apoiados sobre uma toalha colorida,
lendo. Em frente a ela, uma jarra de suco. Fiquei um bom tempo olhando,
tentando me decidir se me juntava a ela ou fugia para o quarto com a
desculpa de preparar a mala. Decidi por enfrentar de uma vez a situação. Saí
da cozinha em busca de um calção. Subindo as escadas, cruzei com Dorothy,
que estava descendo, aproveitei e a dispensei. Já sabia que Penn não me
deixaria viajar sem uma boa despedida.
Quando entramos no quarto, depois de ela ficar sabendo da minha
iminente viagem, eu sabia que teria que dar o meu melhor ou as coisas
poderiam se complicar para o meu lado. Só não pensei que pudesse ser tão
difícil. Sempre tive que me esforçar para agradar a minha fogosa Penn, mas
hoje, nem com todo o esforço eu estava conseguindo. Meu pau simplesmente
se recusava a fazer seu serviço. Com isso, Penn estava cada vez mais nervosa
e eu, desesperado. Quando já não sabia mais o que fazer e Penn tinha
esgotado todo o vocabulário de xingamentos contra mim, voltei a ver em
minha mente a camisa aberta de Nath… Vi os caracóis negros que insistiam
em se mostrar e acabei me perdendo na imagem. Queria saber como seria a
dureza dos mamilos… Fiquei com água na boca com a vontade de tê-los
entre meus dentes. Só percebi que estava com uma dureza de ferro, porque
Penn gemeu alto e montou meu pau até as bolas.
Fechei meus olhos rapidamente, com medo de perder a ereção. Se era
Nath que meu pau queria, era Nath que ele teria. Comecei a imaginá-lo de
todas as formas enquanto uma Penn alucinada rebolava sobre uma ereção de
doer. Mas o pior não foi só pensar nele, minha mente tomou rumos
assustadores. Urrei ao me ver sendo empalado por Nath. A imagem foi tão
assustadoramente real, que pude sentir Nath completamente enterrado em
mim. O orgasmo que acompanhou a cena foi violento o suficiente para

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levantar Penn com a força com que a minha bunda saiu cama, com os gritos
dela se juntando aos meus. Não sabia se só estava gritando ou chamado por
ele. Pisquei várias vezes, forçando minha respiração a voltar ao normal. Meu
coração batia totalmente fora do ritmo. Penn estava desmaiada sobre meu
peito, eu não tinha forças para a colocar de lado. Meu pensamento era um só
– que merda tinha acabado de acontecer?
Neste momento, tive certeza que o melhor seria ligar para Jordan e
pedir para que cancelasse a viagem, mas o que fiz foi exatamente o contrário.
Ainda pensando em Nath, levantei-me, fui até o closet, de onde tirei uma
mala, e com calma comecei a dobrar as roupas que pretendia levar na viagem.

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Capítulo VI

JULIAN FOX

Minha semana tinha sido uma verdadeira montanha russa ao lidar com
a recuperação de Emily e com a neta desaforada que não só não tinha
aparecido, mas que ligava a todo momento para saber quando os cartões
seriam liberados. Nunca. A arrogante garota teve a ousadia de reclamar que
estava vivendo de favores na casa de amigos. Eu já havia confiscado o celular
de Emily com a desculpa de que o médico havia exigido repouso absoluto.
Quinta-feira, subi as escadas rumo à academia que eu tinha no último
andar da minha cobertura tríplex. Ali era a área mais festiva da minha casa -
não que eu fosse festeiro, mas, além da academia, tinha uma sala com mesas
de bilhar, baralho, churrasqueira, piscina e uma sala com sofá gigantesco,
onde podíamos nos reunir para ver os jogos. Emily adorava o espaço.
— Bom dia, Brandon — cumprimentei meu instrutor, tentando evitar
um bocejo. Geralmente, eu era mais animado pelas manhãs, mas já ia fazer
uma semana que eu apenas dormia à noite, e durante o dia só me estressava.
— Bom dia, sr. Fox. Amanheceu animado, não?
Limitei-me a olhar para ele sem vontade até de rebater a ironia.
— Qual é o sacrifício de hoje? Vamos começar logo, talvez assim meus
músculos acordem. — Ele já tinha me dado as costas e estava se dirigindo a
uma esteira. Eu sabia que a esteira era só para aquecer, depois ele viria sem
piedade para cima de mim.

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Duas horas depois e sentindo que cada fibra do meu corpo tinha levado
uma surra, Brandon sorriu, malignamente satisfeito. Enquanto ele juntava as
coisas, eu fui direto para a ducha. Primeiro água morna, depois quente e, para
terminar, jatos potentes de água gelada. Depois disso, eu me senti como se
tivesse acabado de nascer, novinho, com cem por cento da energia correndo
por meu corpo. Saí do banho com uma toalha na cintura e desci até meu
quarto. Olhei os ternos e peguei um de três peças, negro, assim como meu
humor.
Desci com o colete aberto e as abotoaduras no bolso, a gravata em volta
do pescoço e o blazer jogado nas costas. O cheiro da comida estava ótimo.
Olhei o que Holly tinha preparado de bom para mim – um café completo.
Tomei o suco enquanto abria o laptop, comi as frutas picadas, navegando
pelas bolsas de valores do mundo, vendo como estava a economia mundial.
Por último, li todos os relatórios da minha empresa, enquanto comia os ovos
com bacon e pão quentinho, acompanhado de um café preto bem forte.
Quando acabei, eu me senti renovado. Em frente ao espelho da sala, fechei o
colete, retirei as abotoaduras do bolso e, com elas, prendi o punho da camisa,
vesti e fechei o blazer, tirei o elástico que estava em outro bolso e amarrei
meu cabelo. Uma última olhada no espelho e estava pronto para mais um dia.
— Para o hospital, sr. Fox? — Tyler deu a partida e começou a se
afastar do estacionamento.
— Sim, vamos para lá. Amanhã Emily volta para casa, mas eu preciso
dar uma olhada nela só para ter certeza que está tudo bem. — Eu já tinha
conseguido uma enfermeira para cuidar dela, me doía não poder fazer isso eu
mesmo. Esse era o momento em que a neta deveria estar ao seu lado, não
uma pessoa estranha. Mas eu não podia fazer mais nada.
Passei pelo hospital e encontrei Emily bem e falante. Já tinha feito
amizade com todas as enfermeiras. Aproveitei para conversar com a que eu
havia contratado para acompanhá-la nos primeiros dias de recuperação em
casa. Deixei Emily com a promessa que voltaria à tarde. Demorei mais do
que o previsto. Cheguei ao meu escritório quando a tarde já estava
começando. O café que tinha tomado havia tempo que se fora. Poul, como
sempre, tinha adiantado a minha agenda, resolvendo o que era mais
importante.
— Chris, peça algo para o meu almoço, por favor. — Não me

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preocupei com o que iria comer, ela sabia do que eu gostava.
Tirei meu paletó e o pendurei em um cabideiro atrás da cadeira. Poul
me colocava a par dos problemas que deveríamos resolver, enquanto eu
esperava pelo meu almoço. Preferi sentar-me no sofá e não em minha cadeira.
Poul continuou sentado onde estava, apenas girou a cadeira para ficar de
frente para mim. Já estava na metade das planilhas, quando Chris entrou
trazendo a comida. Abri a cúpula e, na hora, a fome apareceu. Risotto al Nero
di Seppia, com polvo grelhado e salada de funcho. Gemi de satisfação ao
colocar o primeiro bocado na boca, mas parou por aí. Infelizmente, meu olhar
desviou para a tela do celular que tinha começado a tocar naquele instante.
Jordan. Não era uma chamada que eu poderia passar a Poul e também não
queria recusar. Meu olhar foi do meu prato para a tela, que piscava com a
música tocando, depois para Poul me encarando. Empurrei o prato e atendi:
— Fox. — Mesmo sabendo de quem se tratava, usei meu nome atual. O
Nath ou Red, que era como eles me conheciam, não existia mais e eu não me
sentia à vontade ouvindo.
— Nath? Sou eu, Jordan, será que você tem um tempinho? — Por um
segundo, vi meus piores pesadelos se tornando realidade.
Passei as mãos pelos cabelos, soltando-os. Sacudi minha cabeça, como
se assim fosse possível mudar o meu passado. Poul percebeu meu
nervosismo. Chegou perto e, por gestos, começou a me fazer perguntas,
querendo saber com quem eu estava falando e, principalmente, o que estava
acontecendo. Levantei a mão, indicando que estava tudo bem. Mesmo assim,
ele continuou me vigiando e ouvindo, já que eu não tinha feito menção de me
afastar, tampouco havia dito a ele que era particular.
— Jordan — informei a Poul que continuava me olhando intrigado,
mas só piorou. Ele levantou a sobrancelha, sinalizando que não tinha
entendido. Completei: — Da fazenda.
— Ah — foi tudo que expressou como resposta. Voltei a minha atenção
a Jordan, que me esperava do outro lado da linha.
— Hmm… — Calculei de quanto tempo seria o tempinho que ele
estava me pedindo e olhei para o prato que esfriava à minha frente. — Tenho
sim, pode falar.
Poul fez cara feia, cobriu o prato com a cúpula e empurrou-o para o

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lado, sentando-se a seguir no lugar onde ele estava. Apoiou ambos os
cotovelos sobre os joelhos, decidido a ouvir cada vírgula da conversa. Não
me importei. Eu ainda guardava algum segredo sobre a minha vida, mas se a
conversa fosse para onde eu temia que iria, não haveria nada que ele já não
soubesse. Só me restou ignorá-lo e tratar de prestar a atenção ao que viria.
— Sabe que, desde o domingo, venho tendo umas ideias, gostaria de
discuti-las com você… — Ele parou de falar, mas não o incentivei, queria
saber o que se passava pela cabeça do velho Grant. Como ele percebeu que
eu a não ia dizer nada, continuou: — Estava pensando se você receberia
Noah.
Um “puta que pariu” explodiu na minha cabeça e ameaçou disparar da
minha boca, mas consegui segurar. Mesmo assim, minha cara deve ter me
denunciado, pois Poul saltou, querendo tirar o telefone da minha mão. Girei
meu tronco, evitando a mão dele.
— Não estou entendendo, o que você quer dizer com “receberia”? —
Eu não estava preparado para receber Noah. Acho que nunca estaria.
— Hmmm. — Ele hesitou. — Como vai negociar a compra das terras,
pensei que, talvez, ele pudesse estar por perto e assim aprender um pouco
com você. Entende? Talvez possamos usar o seu conhecimento na compra
dos produtos para a fazenda.
Meu coração estava acelerado e meu cérebro, trabalhando com todas as
energias em busca de uma resposta que pudesse satisfazê-lo, sem que
desconfiasse que a última pessoa que eu queria perto de mim era Noah.
— Sim, entendo, acho que Jake poderia vir. Ele parecia estar por dentro
de tudo. Tanto eu como Poul poderíamos ensinar muitas coisas a ele. Aquele
outro, Elijah, se não me engano, também parece saber tudo da fazenda. —
Foi a única solução que pude achar.
— O que aconteceu com vocês, Nath? Por que você não quer que Noah
vá? — Eu tinha tentado.
— Não é que eu não queira que ele venha. Só pensei que, com tantas
coisas das quais ele se ocupa na fazenda, seria melhor um dos rapazes vir. —
Esperei mais uma vez que fosse suficiente.
— Ouça, Nath…

86
Resolvi interrompê-lo. Aquele apelido da infância não me trazia boas
recordações.
— Julian, Jordan, me chame de Julian. Ou Fox, se preferir. Não estou
mais acostumado com Nath ou Red, que é como vocês me chamavam. —
Aquele garoto já não existia mais.
— Ah, sim, então… Como ia lhe falar, na realidade, não é só para
aprender com você que eu quero que ele vá. Claro que seria bom para a
fazenda ele adquirir novos conhecimentos, mas meu objetivo principal é que
vocês voltem a ser amigos, como nos velhos tempos. — Eu podia sentir o
nervosismo dele através da linha.
— Não acho que seja uma boa ideia, Jordan. Ambos mudamos muito.
— Eu já estava suando ao tentar sair do beco em que ele me encurralou. Poul,
à minha frente, sequer piscava, parecia que ele tinha medo de perder uma
vírgula da conversa.
— Está bem. Talvez tenha sido uma ideia idiota, como ele mesmo já
me disse. — Eu o ouvi murmurando como se estivesse cansado, mas o
principal não era isso. Noah queria distância de mim, como sempre quis.
— Está bem, Jordan, Noah pode vir passar essa temporada aqui. — Ele
queria ficar longe de mim, talvez estivesse preocupado que eu fosse atacá-lo.
Ri imaginando uma cena, nada decente. Iria demonstrar a ele que eu
não era essa bicha louca, como tinha me rotulado. Ele estava seguro ao meu
lado. Terminei a conversa, joguei o celular sobre o sofá e olhei para a cúpula
que continha o meu prato. Minha fome tinha simplesmente se evaporado.
Poul esperava, calado. Levantei-me e dei uma volta pelo escritório, prestando
atenção em cada detalhe. Quem diria que um garoto do interior pudesse
chegar onde eu cheguei? Tanto no meu círculo de negócio, como social, eu
era uma pessoa respeitada. Todos os dias travava uma batalha de negócio
com outros empresários. Era considerado destemido. Mas agora o simples
fato de saber que Noah estava vindo me assustava.
— Você está bem? — Poul me trouxe de volta, tirando-me da minha
angústia. — Você está gelado! — Senti-o tocando minhas mãos.
— Não, não estou. — Poderia inventar uma infinidade de mentiras,
mas era Poul que estava à minha frente, e ele não merecia isso.
— O que aconteceu para deixar você assim? — Ele me puxou pela

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mão, levando-me novamente ao sofá, onde me deixou sentado. — Espere um
pouco.
Poul se afastou, indo até um minibar localizado em um canto discreto
do escritório. Serviu dois copos. Voltou, entregou um a mim e levou o outro
aos lábios antes de sentar-se na mesa de centro à minha frente. Fiz o mesmo
que ele, tomei um gole. O sabor maltado de um vinte e quatro anos deslizou
sedoso por minha garganta. Fechei meus olhos, apreciando, me permitindo
um minuto de fuga antes de encarar a realidade. No momento, sentia-me no
limbo das emoções. Eu queria tê-lo perto e, com o mesmo desespero, queria-
o o mais longe possível de mim. Já não me entendia, estava perdido.
O estudo tinha sido meu primeiro foco para superar e seguir em frente,
depois veio o trabalho. Estudar e, logo, trabalhar, foram, durante muitos anos,
o que me manteve na linha. O estudo me devolveu a sanidade e o trabalho me
manteve lúcido. Nesse momento, eu sentia que não tinha onde me segurar e
que, a qualquer momento, seria arrastado por algum tornado de sentimentos
que certamente não poderia controlar. Olhei para o copo em minha mão.
Beber era uma coisa boa e ajudava por alguns momentos, mas não era a
solução.
— Eu ainda não comi nada. Vou acabar me embebedando. — Devolvi
o copo e ele o pegou, deixando ao lado do dele na mesa onde estava sentado,
então voltou me olhar. Esperando. — Noah está vindo para uma passar uma
temporada aqui na empresa. Comigo.
— Porra! Que merda é essa que você está me dizendo? — Virou o que
restava do seu uísque. — O que esse cara está querendo? Não basta o que ele
fez no passado, quer destruir o seu presente também?
— Ele não vai conseguir me destruir e ele não conseguiu destruir meu
passado. Se tivesse conseguido, eu não estaria aqui. — Deixei Poul
praguejando, fui até a minha mesa, levantei o fone do gancho e pedi a Chris
um sanduíche. Não estava com fome, mas ficar sem comer seria pior.
— Que merda ele está vindo fazer aqui? — Poul ainda não parecia mais
calmo.
Eu não queria que ele percebesse mais do que já tinha percebido – o
quanto Noah ainda me afetava. Percebi, no dia em que me abri com ele, como
isso o tinha magoado. Eu continuava amando uma pessoa que só merecia o

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meu desprezo e, em compensação, não consegui me entregar a ele, que tinha
me amado de uma forma tão pura.
— Não entendi muito bem — tentei explicar. — Jordan é uma espécie
de gerente na fazenda e quer que Noah tire umas férias, saia um pouco.
Segundo ele, aqui, comigo, poderá aprender um pouco mais sobre negócios,
mas, acima de tudo, o que ele mais quer é que voltemos a ser os amigos que
éramos. É isso.
Poul me encarava, ouvindo, talvez não acreditando na última parte.
— Esse cara merece que você o coloque na cadeia pelo que ele fez, e
não a sua amizade. — Talvez por ele estar de fora, visse as coisas de maneira
diferente, mas essa ideia nunca me passou pela cabeça.
Ouvi duas batidas discretas à porta e Chris entrou trazendo uma
bandeja com meu sanduíche e um copo de suco. Deixou sobre a mesa, depois
dirigiu-se à mesa de centro para retirar o prato anterior que estava coberto.
Levantou a cúpula e viu meu almoço, intocado, então me olhou, incrédula.
Aquele era um dos meus pratos preferidos.
— Algum problema? Quer que eu reclame de algo, senhor?
Apenas neguei com a cabeça. Já tinha começado a comer e agora não
pretendia parar novamente.
Ela se foi e, enquanto eu continuava comendo, Poul optou por abrir
meu laptop e trabalhar, deixando-me só com meus demônios. Ao terminar a
minha refeição, eu me sentia melhor, o susto já havia passado. Entrei no
banheiro, escovei meus dentes. Aproveitei esse pequeno espaço de tempo
para pensar em como seriam as minhas seguintes semanas. Um frio percorreu
minha espinha. Por mais que o tempo passasse, eu nunca estaria preparado.
Sentia-me como um alcoólatra que devia se manter longe de qualquer bebida,
ou teria, com certeza, um recaída. Mas o que eu poderia fazer se estavam
querendo despejar a bebida diretamente na minha boca?
— Espero que você não pense em hospedá-lo na sua casa.
Olhei para Poul através do reflexo do espelho. Ele estava encostado no
batente da porta do banheiro, vigiando toda e qualquer reação minha.
— Claro que não. Indiquei um hotel na mesma quadra da empresa,
assim ele não precisará se preocupar com locomoção. — Coloquei minha

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escova de volta no suporte, sequei meu rosto e minhas mãos, joguei o papel
na lixeira e saí, passando por Poul, que continuava encostado no mesmo
lugar.
— Ainda bem e, na empresa, ele pode ficar mais na minha sala. Eu
posso dar a ele o mesmo tipo de assistência que você daria. O que você acha?
— Ele me conhecia bem, sabia que, a partir do momento que aceitei Noah
como meu estagiário fora de tempo, eu iria até o fim.
— Não precisa, eu me encarregarei dele. Fique despreocupado… —
Meu celular tocou, interrompendo a minha resposta. Rose.
— Qual é a última reclamação? — Já estava cansado das contínuas
chamadas da neta malcriada e arrogante de Emily. Não entendia como as
duas poderiam ser tão diferentes.
— Resolvi aceitar a sua proposta, mas quero saber se, quando chegar,
vou receber meus cartões de volta. — Mais uma vez, apenas dinheiro. Desde
que havíamos começado a nossa queda de braço, mesmo sabendo que a avó
estava doente, nunca perguntou por ela.
— Você só vai receber os cartões de volta quando eu achar que merece,
não antes disso. — Eu tinha prometido a mim mesmo que endireitaria essa
garota torta.
— Não entendo. Se já estou voltando, por que não posso tê-los? Vou
conversar com Emily, contar que tipo de administrador ela contratou. —
Voltei a desligar. Minha paciência estava no negativo.
Joguei o celular sobre a mesa, tirei o paletó do cabideiro e comecei a
vesti-lo. Mesmo que o dia não tivesse acabado, já estava arruinado. A única
coisa produtiva que eu tinha feito durante o dia todo foi a minha visita à
Emily. Meu celular voltou a tocar e, de novo, o nome de Rose apareceu na
tela. Recusei a chamada. Minha cabeça estava explodindo, não de dor, mas
pela tensão. Terminei de me arrumar e me preparei para sair. Poul me
acompanhou até o elevador.
— Que horas o seu convidado chega amanhã? — Segurei a porta
enquanto procurava o horário e o voo que Jordan havia me passado mais
cedo.
— Às três horas. Não sei se o busco, se envio apenas George para
pegá-lo… Talvez eu peça esse pequeno favor a você.

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Ele levou também a mão à porta, ajudando a mantê-la aberta enquanto
conversávamos. Olhou-me, se interrogando se era alguma brincadeira o que
eu acabara de dizer.
— Eu não irei, porque, com certeza, vou querer socá-lo assim que
colocar meus olhos nele. Você não irá, porque ele não merece que você vá.
Ele que trate de se virar sozinho. Deixe claro logo no início que a única coisa
que ele terá aqui serão algumas aulas de economia. Nada além disso.
— Está bem — respondi, não queria entrar em uma discussão com ele.
Eu sabia que, no dia seguinte, às três horas, eu estaria no aeroporto esperando
por ele, mesmo não querendo fazê-lo.
Deixei meu escritório e passei pela minha livraria. Mas hoje não
pretendia tocar nada, queria apenas um refúgio. Procurei alguns livros nas
estantes, circulei pelos muitos cubículos até encontrar um sofá livre. A Arte
da Guerra era um livro antigo, mas sempre que eu o lia aprendia algo mais.
Mergulhei-me na leitura, tratando de esquecer o caos em que a minha vida
estava no momento. Esperava que o livro me ensinasse como me livrar da
desordem em que a minha vida havia se transformado. Por algumas horas,
pude me esquecer do mundo e de todos os meus problemas, e só viajar em
um universo paralelo.
Foi um prazer a mais ouvir as notas do piano tomando conta da livraria.
Levantei a vista e uma garota que não deveria passar dos treze anos dedilhava
as teclas de forma pouco segura. Mesmo comendo algumas notas, o som era
agradável. Fiquei ainda mais surpreendido quando ela abriu a boca – Sinead
O'Connor, Nothing compares to you. Por alguns instantes, o ar se negou a
entrar em meus pulmões. Essa canção tinha sido por muito tempo um hino
para mim, não porque Noah tinha partido – no caso, eu tinha partido e não ele
– mas o meu amigo, sim, tinha deixado de existir de uma forma muito
dolorosa.
Cada dia que passava, parecia que alguma lei sobrenatural tinha tomado
a decisão de me sacudir, me forçando a parar de fugir e enfrentar. Deixei o
livro de lado e fui até a garota. Antes de chegar a ela, Beth, minha fã número
um, já estava trazendo outro banquinho. Sentei-me ao lado da garota que,
mesmo assustada, continuou tocando, só que agora errando muito mais notas
do que antes, mas a voz de anjo continuou limpa e cristalina. Peguei o tom e
continuei tocando ao lado dela. Quando ela percebeu o que eu pretendia,

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parou de tocar, sorriu e continuou cantando. A voz da menina era
excepcional. Eu me perguntava se ela já tinha gravado alguma coisa. Depois
de Sinead, veio Elton John com Sacrifice – escolha minha, e assim seguimos,
eu escolhia uma e ela outra. Terminamos com Man in the mirror, de Michael
Jackson. Eu estava me divertindo. Ela já não estava mais sentada, cantava e
dançava no pequeno espaço que tínhamos ao nosso redor.
Quando por fim decidimos terminar o nosso pequeno recital, já passava
das oito horas. Olhamos ao nosso redor, rindo, parecia que todos tinham
decidido entrar na pequena livraria. Não havia um lugar livre, todos se
espremiam tentando ver o show.
Aquela garota com voz de anjo e sorriso sapeca tinha me tirado de um
princípio de depressão. Depois de sair do escritório, estava achando difícil
encontrar um motivo para sorrir, mas acabei gargalhando ao lado de uma
garota desconhecida. Sob um aplauso ensurdecedor, ela fechou e trancou o
piano, se inclinando de forma tímida para agradecer a todos. Uma senhora
veio até ela, chorando, abraçou-a, enchendo-a de beijos. Depois, veio até
mim, fazendo o mesmo, me pegando totalmente de surpresa. A senhora se
apresentou como a avó da menina, Tiffany, ou Tif, como ela a chamava
carinhosamente.
Convidei as duas para um lanche e assim fiquei sabendo que aquela era
a primeira vez que Tif sorria depois da morte dos pais, um ano atrás. A avó
tinha perdido a casa para o banco por não poder continuar pagando a hipoteca
e fazia uma semana que tinha saído do emprego por não ter onde deixar a
neta.
Quando nos despedimos, já passava das onze horas e, com um
empurrão de minha parte, Dorothy (como soube depois que ela se chamava) e
Tif, viajariam na semana seguinte para a fazenda. Jordan as esperaria, e elas
ficariam ali até poderem continuar.
Voltei para a minha casa. Eu tinha ignorado todas as chamadas,
inclusive as de Poul. Só não tinha desligado o celular porque poderia ter
qualquer imprevisto com Emily – se não fosse por isso, eu o teria desligado.
Quando a porta do elevador se abriu, percebi que tinha apertado o número do
andar de Emily. Mesmo estando no andar errado, desci para dar uma olhada,
apenas para ter certeza de que tudo estaria em ordem quando ela voltasse no
dia seguinte. Aproveitei e olhei a geladeira, tudo estava organizado, como eu

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já tinha ordenado. Satisfeito, deixei o apartamento, tranquei e subi até o meu.
Depois de um banho demorado, foi com um prazer enorme que senti o
colchão embaixo do meu corpo. Não sei se foi o cansaço ou o estresse
mental, mas simplesmente apaguei. Ouvi as batidas à porta e depois a cabeça
de Holly apareceu pela abertura. Puxei o lençol ao mesmo tempo que pegava
o celular para olhar a hora. Sete horas. Deixei minha cabeça cair novamente
sobre o travesseiro. Não lembrava a última vez que tinha dormido tanto.
— Desculpe, sr. Fox, só fiquei preocupada. Sinto muito tê-lo acordado.
Olhei para ela, ainda tentando fazer meu cérebro acordar.
— Tudo bem, Holly, acho que um homem tem o direito de perder a
hora pelo menos uma vez na vida.
Ela sorriu, afirmando.
— Claro, senhor, desculpe mais uma vez. — Ela fechou a porta e eu
apertei o botão que tinha sobre a cama, desligando o som e abrindo o
blackout. Coloquei os pés fora da cama e senti a maciez do tapete fofo. Entrei
no closet e peguei um jeans, camisa, tênis… Hoje eu não pretendia trabalhar.
Talvez passasse na empresa, mas meu dia seria dedicado a Emily e a Noah.
Um café reforçado e eu estava pronto para sair.
Depois de pegar Emily, voltei para casa. Mesmo com ela reclamando,
eu a deixei quieta no sofá. Já havia marcado com algumas amigas para que
viessem fazer companhia a ela. Jogamos algumas partidas de baralho e
depois almoçamos. Não sabia se ela evitava perguntar pela neta ou se já sabia
de algo, eu também não toquei no assunto. Ao sair, liguei para Poul. Queria
que ele me acompanhasse ao aeroporto. Sabia que não era o que ele queria,
mas hoje, mais do que nunca, eu precisava dele.
— Eu ainda vou cobrar isso de você — enquanto eu o seguia, Poul
resmungava.
— Só quero ser capaz de fazer isso. Preciso de você para estar firme.
Ele bufou o ar que tinha preso e olhou para fora, me evitando.
A primeira coisa que vimos foi que o voo estava atrasado. Duas horas
depois, por fim, veio o aviso de que estava pousando e, logo depois, que a
aeronave estava no pátio. Ainda bem que Poul estava ao meu lado, se não
fosse por ele, eu teria infartado quando o vi saindo da sala de desembarque.

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Estava absolutamente perfeito vestindo um jeans, polo, sapato
esportivo, e uma mochila atravessada no peito. Ele puxava uma mala
enquanto olhava ao redor, parando assim que me viu. Poul apertou meu
braço, então mantive o foco do que eu tinha ido fazer ali. Apenas buscá-lo.
— Nath…? — Surpreendeu-se ao me ver.
— Julian, Noah, me chame de Julian. — Quase foi demais ouvir meu
nome novamente da boca dele, já que durante o encontro anterior ele não o
pronunciou nenhuma vez.
— Tudo bem. Desculpe, mas acho que não me acostumarei com Julian,
mas se é assim que prefere, tentarei — sorriu.
— Como vai? Fez boa viagem?
— Fiz sim, obrigado. Não esperava por você. Pensava em pegar um
táxi — completou, estendendo-me a mão. Só agora eu percebia que esse era o
nosso primeiro contato depois de quinze anos. No encontro, tínhamos nos
cumprimentado, mas tinha sido isso.
— Noah, esse é Poul Cooper — apresentei-os, rezando para que Poul
não o comesse ali mesmo.
— Scott. Noah Scott. — Ele estendeu a mão e se cumprimentaram
como homens decentes, fazendo-me respirar aliviado.
Poul sentou-se ao lado de Tyler e eu fui no assento traseiro com Noah.
Durante o trajeto, ele me explicou que Penn passaria uma temporada em
Miami enquanto ele estava por aqui. Desci com ele no hotel para ver se
ficaria bem acomodado. Eles tinham feito a reserva, mas eu havia indicado.
Era um bom hotel e ficava a apenas duas quadras da empresa, por isso eu o
tinha escolhido. Estava um pouco afastado vendo as instalações, quando ouvi
a voz alterada de Noah.
— O que está acontecendo? — Só ouvia a palavra “desculpa” saindo da
boca da recepcionista.
— Minha reserva foi cancelada. Não fiz o registro de entrada no
horário e não confirmei. Como está havendo uma convenção, eles passaram
adiante a minha reserva — ele me explicou, deixando a recepcionista falando
sozinha por um instante.
— Como? — Nem sabia por que estava perguntando, eu tinha ouvido e

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entendido perfeitamente o que ele estava dizendo.
— Ela está tentando conseguir outro quarto, mas parece que, com essa
convenção, todos estão ocupados. — Voltou a atenção à atendente, que
novamente fez sinal negativo, repondo o telefone no lugar.
— O que aconteceu? — Poul estava atrás de nós e pegou parte da
conversa.
— Cancelaram a reserva de Noah e não estão conseguindo outro
quarto.
Ele praguejou baixo, já sabendo o que viria.
— Você não vai fazer o que estou pensando — ele me disse, puxando o
meu braço para me afastar do balcão da recepção.
— E o que você quer que eu faça? Que o deixe dormir na rua? —
Mesmo que eu quisesse deixá-lo à sorte, eu não conseguiria. Voltei ao balcão
ao lado de Noah. — Você fica na minha casa hoje, e amanhã resolveremos.
— Eu não acho justo. Não quero tirar a sua liberdade. Ela vai conseguir
outro hotel, só tenho que esperar um pouco.
— Amanhã Chris pode achar um, hoje estamos todos cansados. Vamos
indo. — Peguei a mala dele e a arrastei para fora.
— Deixe-me em casa, Tyler. — Ouvi Poul pedindo.
— Você não quer passar para fazer uma visita a Emily? — Sabia que
ela ficaria feliz com uma visita dele.
— Claro que sim. Vamos lá.
Preferi ir direto ao meu apartamento e deixar primeiro Noah
acomodado.
Quando estava para abrir a porta para sair, a campainha tocou, me
assustando. Ninguém subia sem aviso. Só poderia ser a enfermeira
precisando de alguma coisa para Emily. Abri a porta devagar e lá estava ela,
em pessoa. Rose. Ao lado dela, o nosso porteiro me olhava com a cara
assustada. Não queria imaginar a metade do que ela tinha dito a ele para
deixá-lo com aquele olhar desesperado. Mas ele tinha cumprido minhas
ordens de que ela jamais deveria passar sem antes conversar comigo.
— É ela, sr. Fox? Fiz como o senhor pediu.

95
Olhei para a garota de olhar raivoso à minha frente,
— Sim, é ela. Obrigado. — Ele deu a volta e entrou novamente no
elevador — Por favor, entre, senhorita.
— Obrigada, senhor — respondeu-me ela com o mesmo sarcasmo. —
Então, estou aqui. Vai devolver meus cartões? — Ela se jogou no sofá. Poul
estava em pé ao meu lado, com os braços cruzados, esperando para ver até
onde iria a arrogância da garota.
— Eu já avisei que você só receberá esses cartões de volta quando eu
achar que merece, nunca antes. — O olhar raivoso mudou para um olhar
sedutor e me deixou sem saber como reagir.
Ela se levantou, caminhando rebolando pela sala, indo até as janelas.
Noah estava descendo as escadas. Parou e ficou olhando o que estava
acontecendo. Poul, por sua vez, continuava esperando.
— Você deve saber, senhor Fox, que depois que retirou todos os meus
cartões, não tive opção a não ser acumular um monte de dívidas. Tive que
vender a minha bunda, assim como você disse, para chegar até aqui —
completou, vindo em minha direção.
— Nada disso teria acontecido se você tivesse feito o que mandei sem
reclamar.
Ela agora estava a passos de mim. Tocou meu peito, tentando parecer
sedutora.
— Não sei o que tanto lhe custa… — Continuou com a carícia. Essa
idiota estava tentando me seduzir?
Eu tinha que acabar com a ilusão dessa garota patética. Puxei Poul e
procurei a boca dele com a minha. No primeiro segundo, ele ficou estático,
mas logo correspondeu. Senti seu gosto depois de muito tempo. Fodi com a
minha língua a sua boca. Quando percebi que era suficiente, eu me afastei
com um selinho. Olhei, sorrindo para a garota, que nos encarava com os
olhos desorbitados. Infelizmente, não era única. Noah estava tão ou
igualmente assustado. Merda! Mas já era tarde demais, então continuei com
meu jogo.
— Como vê, sou imune à sua estúpida tentativa de sedução. — Ela
parecia estar em choque. Aproveitei, tirando a bolsa da mão dela. Poul apenas

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desabou em uma cadeira ao lado. Parecia estar furioso, mas com ele eu me
entenderia depois.
— O que você pensa que está fazendo? — berrou ela quando me viu
despejar todo o conteúdo da bolsa sobre a mesa.
— Isso fica comigo. — Confisquei seu passaporte.
— Você ficou louco? Vou denunciá-lo por isso! — ameaçou-me,
começando a jogar as coisas de qualquer forma novamente dentro da bolsa.
— Isso é para que você mantenha a boca fechada sobre o que está
acontecendo, ouviu? — Esperava um sim.
— Foda se. — Foi o que ela cuspiu na minha cara. Ela estava me
testando de todas as formas.
— Escute aqui. Você já teve uma prova do que eu sou capaz. Se abrir o
bico para Emily reclamando dos cartões ou de qualquer outra coisa, eu vou
ficar sabendo e você não terá para onde fugir. Ela sempre deu tudo a você e
nunca recebeu sequer um obrigada da sua parte. Chegou a hora de pagar. Vai
cuidar dela como a neta carinhosa que deveria ter sido. Finja até o carinho se
tornar verdadeiro. — Eu estava a centímetros da sua cara. Não sabia mais
como fazê-la entender o quanto Emily precisava daquele carinho.
— Até alguns dias atrás eu não sentia nada por ela, mas você está
conseguindo que eu a odeie — berrou.
— Se eu perceber que você a está magoando mais do que já fez, eu
consigo que ela deserde você e tudo que ela tem irá para a caridade. Será que
você entendeu em que enrascada vai ficar se isso acontecer?
Por fim, algo pareceu funcionar. Ela se afastou de mim e respondeu
com a voz mais baixa:
— Você não faria isso. — Puxou uma das cadeiras que estava perto do
sofá e desabou sobre ela.
— Todas as minhas ameaças foram cumpridas. Essa é só mais uma,
mas será definitiva, então pense bem antes do cometer alguma estupidez. —
Ela ficou de pé novamente, passou a mão pelos cabelos negros, enquanto
ponderava o peso das minhas palavras.
— Até quando terei que ficar aqui? — Já era um começo.

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— Até ela se recuperar totalmente. — Ela passeou pela sala, pensando.
— Estamos falando de dias, meses, anos? — perguntou, enquanto
caminhava entre os móveis, olhando os objetos de decoração.
— Meses, e não acredito que sejam muitos. — A recuperação de Emily
levaria pouco tempo, mas o que eu queria era a recuperação do carinho entre
as duas. Isso levaria mais tempo.
— E depois terei a minha vida de volta? — Parou à minha frente.
— Sim, mas para isso você terá que se comportar como toda neta
carinhosa deve ser. Nada de demonstrar a ela que está fazendo algo por
obrigação, entendeu? — Ela confirmou com a cabeça.
— Posso fazer isso. — Pegou a bolsa e a jogou sobre o ombro.
— Ela gosta de teatros, passeios, restaurante e adora o Red Sox. Pense
em coisas nesse sentido para agradá-la. — Por fim, um sorriso apareceu no
rosto dela.
— Também gosto disso. Menos os jogos. — Finalmente estávamos nos
entendendo.
— Se você se comportar, quando eu achar que merece, devolvo os
cartões.
Ela voltou a sorrir.
— Você vai ver, serei a melhor neta que ela poderia ter. Podemos ir?
— Assenti.
— Já volto, Noah. Vamos, Poul? — Peguei a mala dela pela alça e abri
a porta.

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Capítulo VII

NOAH SCOTT

Esperei a porta se fechar para seguir, com as pernas trêmulas, até o


sofá. Tudo parecia estar fora da realidade. Ver Nath beijando a boca do tal de
Poul tinha me tirado o foco. Senti-me completamente perdido. Por acaso ele
não tinha a tal namorada Emily? Como podia beijar a boca de um homem? E
o outro tinha correspondido. Vi um bar com várias garrafas e não pensei, só
me levantei, fui até ele e enchi um copo sem nem saber o que era. Tomei um
cowboy. Voltei a encher, saí do bar e passei pela sala, tentando colocar as
ideias em ordem. Era certo que Nath jamais havia mencionado a tal Emily
como namorada, essa tinha sido uma dedução nossa. Ele mesmo nos havia
dito que não existia ninguém – namorada ou esposa – em sua vida.
Um sentimento ruim tomou conta de mim. Ciúmes. Quando percebi, já
estava odiando o tal idiota. Beberiquei meu o uísque e olhei para o copo.
Deveria ser muito caro, o sabor era o melhor que eu havia provado. O
apartamento também era luxuoso, sofás grandiosos espalhados por uma sala
do tamanho de uma quadra de basquete, e os quadros e flores colocadas em
lugares estratégicos deixavam o ambiente alegre e aconchegante. Tudo era de
um bom gosto extremo. Toquei as flores, todas naturais, era delas o perfume
suave da sala. Abri uma porta e saí em uma varanda. Eu sabia que ele tinha
muito dinheiro, mas era muito além do que eu podia imaginar.
Terminei minha bebida admirando a vista do Central Park. Voltei a
entrar, fechando a porta atrás de mim. Novamente fiquei parado na sala, não

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conhecia o apartamento. Dei algumas voltas até encontrar a cozinha. Parei,
pensando se esperava por ele ou comia alguma coisa. A fome venceu. Eu não
tinha comido nada, apenas um sanduíche seco durante o voo. Preparei e comi
mais um sanduíche sentado sozinho no balcão da cozinha imensa. Subi as
escadas, dirigindo-me ao quarto. Eu não sabia para onde eles tinham ido.
Nath – ou Julian, como ele agora queria ser chamado – tinha dito que voltaria
logo, mas já fazia mais de uma hora e nada de eles voltarem. Deitei-me
olhando o teto. A claridade da lua entrava pelas imensas janelas de vidro e,
com elas abertas, eu podia ouvir o murmúrio distante da noite. Era um som
diferente ao da fazenda. A imagem do beijo de Nath em Poul voltou e agora
se negava a sair da minha cabeça.
O cansaço começou a tomar conta de mim. Estava quase dormindo,
quando decidi tomar uma ducha, talvez assim o sono passasse. Ao sair do
banho, vesti um moletom e desci até a sala novamente. Esperei por um bom
tempo. Estava cansado, com sono, estressado, não sabia a que horas Nath
voltaria. Decidi que seria melhor dormir, conversaria com ele no dia seguinte.
Ao colocar a cabeça no travesseiro, simplesmente apaguei.
Acordei e olhei para o relógio, quase cinco da manhã. Dei um salto da
cama e preocupei-me, pensando se alguma coisa tinha acontecido, se ele
tinha voltado ou não.
Saí do quarto e vi luzes escapando por uma porta entreaberta no final
do corredor, então me dirigi a ela. Parei, assustado, alguém estava falando.
Não queria bisbilhotar, mas foi impossível. Ele estava com alguém. Parei em
frente à porta e fiquei ouvindo, então percebi que era apenas música, uma
ópera que estava tocando. Empurrei a porta devagar e coloquei minha cabeça
na abertura, pude ver a cama no outro extremo do quarto. Era a maior loucura
que eu estava fazendo, mas não conseguia parar.
Com o coração quase saindo pela boca, coloquei um pé sobre o tapete
espesso e depois passei meu corpo pelo espaço aberto. Vi o corpo dele
estendido sobre a cama e, tão sorrateiramente como podia, fui chegando
perto. Uma luz tênue estava acesa em um extremo do quarto, mantendo assim
a metade inferior da cama iluminada. O tórax subia e descia de maneira
regular, com o sono tranquilo. Meus olhos percorreram o rosto perfeito com a
sombra de uma barba cerrada de um dia. Ele dormia de forma serena, a
música e a luz suave davam uma aura de tranquilidade ao quarto. Meus dedos
coçaram para sentir a suavidade dos pelos do peito de Nath, mas eu me

100
segurei.
Devagar, dei dois passos para trás, me distanciando da cama para
deixar o quarto novamente. Levei minha mão a boca e segurei a respiração
quando ele resmungou algo e ajeitou sua posição na cama. O lençol deslizou
até abaixo do umbigo, deixando à mostra a cabeça rosada do pau, que
apresentava uma orgulhosa ereção. A borda do lençol escureceu e brilhou
com a umidade que saía pela fenda. Meu coração estava disparado. Se não
fosse pela música, acho que as batidas seriam ouvidas.
A umidade descia pelo cogumelo. Minha boca aguou. Continuei
admirando-o, tentado a imaginar como seria o restante do corpo que estava
coberto. O lençol deixava ver apenas o desenho de uma longa e perfeita
ereção. Ele gemeu e resmungou algo em seu sonho e, para o meu total
desespero, percebi que meu membro estava duro, doendo, com uma ereção
como jamais pensei ter, e que eu friccionava quase com violência. Tentei,
mas não pude mais parar, continuei sufocando cada rosnado que tentava
escapar da minha boca. Apertei meu pau com força e puxei rápido o
moletom, segurando assim a primeira explosão do meu gozo. Fechei meus
olhos e simplesmente me deixei levar, era a melhor sensação que eu já havia
tido. Já não me importava se ele abrisse os olhos e me visse gozando por ele,
quase em cima dele. Minha mão estava toda lambuzada quando meu corpo,
por fim, deu sinal de relaxar. Eu estava tremendo.
Devagar, assim como havia entrado, voltei a sair. Uma ducha gelada
era a única coisa que eu tinha em mente ao voltar para o quarto. Sentei-me no
chão, não tinha absolutamente força alguma para me manter em pé. Os
tremores do meu corpo se intensificaram, não só pelo orgasmo devastador
que eu havia acabado de ter, mas pelo que tinha acontecido. Era totalmente
errado. Ele poderia ter acordado e me visto naquela situação, então eu estaria
perdido. Toda a minha vida estava em jogo, eu não podia continuar perto
dele. Mesmo assim, minha mente insistia em ir a lugares onde eu a tinha
proibido de ir. Imaginei como seriam os gemidos dele ao alcançar o clímax e,
mesmo com o recente orgasmo e a água gelada caindo sobre mim, senti meu
pau querendo endurecer novamente.
Com raiva, terminei meu banho e enrolei uma toalha na cintura. Peguei
meu celular e o moletom sujo e desci as escadas em busca de uma lavanderia.
Dei várias voltas até achá-la. Não sabia para que diabos um cara sozinho
tinha uma casa tão grande. Lavei a peça de roupa, enxaguei, torci, agora só

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faltava entender como funcionava a secadora futurista. Quando a minha fúria
aumentou, soquei com raiva a maldita máquina por não entender a porcaria.
Ouvi um grito feminino abafado atrás de mim. Girei, desesperado, tentando
esconder a prova da minha loucura. Uma senhora estava parada perto da
porta olhando-me com um misto de medo e curiosidade. Eu deveria estar com
o mesmo olhar para ela.
— Desculpe o grito, mas é que ninguém nunca vem à lavanderia. Não
sabia que o sr. Fox tinha companhia. — E completou, sorrindo: — Bom dia.
— Bom dia. — Meu coração ainda estava fora do ritmo.
Instintivamente, levei minha mão à cintura, tentando manter a toalha firme.
— Fico feliz que ele tenha trazido alguém para casa novamente. Desde
que ele e Poul se separaram, ele nunca mais teve ninguém.
Meu cérebro usava todos os neurônios disponíveis tentando decifrar a
mensagem cifrada que estava recebendo. Poul e Julian juntos? Alguma coisa
não estava fechando. Onde entrava Emily nessa história?
— Desculpe, mas está enganada. Eu não sou companhia dele. Apenas
tive um problema e ele me ofereceu hospedagem por uma noite. — Eu
continuava parado feito uma estátua em frente à secadora segurando com
firmeza a toalha em minha cintura, enquanto com a outra mantinha o
moletom escondido em minhas costas.
— Não tem problema nenhum. Não se preocupe, eu não tenho esse tipo
de preconceito. — Ela entrou na lavanderia, colocou algumas peças de roupas
na máquina e a fez funcionar.
— Como eu disse, sou apenas hóspede do sr. Fox — expliquei,
enquanto tentava pensar em uma desculpa para sair daquela situação.
— Eu sou Holly, trabalho para o sr. Fox há mais de oito anos. Não quis
ser intrometida, me desculpe. O senhor estava precisando de alguma coisa?
— O olhar dela desviou dos meus olhos para o braço que eu mantinha
escondido atrás de mim.
— Sim. Estava tentando entender como funciona esta secadora. — Já
não adiantava, fugir seria pior. Coloquei-me de lado para que ela abrisse a
tampa.
— Você mesmo lavou? Estou colocando algumas peças do sr. Fox. Não

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quer que eu coloque junto e depois passo para a secadora? — Engoli em seco
e coloquei o moletom úmido nas mãos dela, sem saber mais onde enfiar
minha cara.
— Senhor… — Ela parou e me olhou, então percebi que ainda não
havia me apresentado.
— Scott. Noah Scott — apresentei-me com o sorriso mais amarelo que
o sol. Nunca em minha vida havia me sentido tão constrangido, e piorava a
cada minuto.
— Sr. Scott, não tem por que se sentir assim. Eu cuido de um menino,
lembra? Acidentes acontecem. — Depois dessa, eu só queria desaparecer.
Apertei com mais força a toalha em meu quadril e saí quase correndo da
lavanderia.
— Muito obrigado. É muita gentileza da sua parte enxaguar a minha
roupa. Com licença. — Deixei-a na lavanderia, passei pela cozinha e comecei
a subir as escadas, tropeçando nos meus pés.
— Aonde você foi? Eu estava procurando por você. — Parei quando
ouvi a voz de Julian. Olhei para cima e o encontrei parado no topo da escada,
descalço, vestindo apenas um calção frouxo.
— Eu… — comecei a falar, mas parei ao ouvir a voz de Holly,
respondendo por mim.
— Eu o encontrei perdido na lavanderia tentando usar a secadora.
Acidente de meninos, o senhor sabe — ela respondeu, dando de ombros.
Pude perceber que ele tentava manter-se sério, mas que um espasmo de
riso puxava para cima os cantos de sua boca.
Fiquei parado na metade da escada, sem coragem de me mexer.
Esperava que a qualquer momento ele dissesse que tinha me visto
masturbando-me enquanto o olhava dormindo. Nath olhou-me dos pés à
cabeça, detendo-se primeiro na minha mão segurando a toalha e, depois, no
volume que certamente já estava visível, porque, infelizmente, eu não estava
conseguindo controlar a ereção que estava se formando. Ele levantou a vista
quando o som da campainha invadiu a sala.
— Brandon — disse, antes de olhar para o relógio. — Está adiantado.
— Bom dia, sr. Fox. Cheguei mais cedo na esperança de roubar um

103
café de Holly, mas parece que o senhor também se adiantou — o cara disse,
alegre, da porta que Holly acabara de abrir, mas que já estava fechando de
volta. — Tão cedo que quase os pego pelados.
— Brandon! — Julian tentou parecer ofendido, mas foi em vão, porque
a gargalhada que veio a seguir colocou tudo a perder.
— Vou subir, trocar de roupa e tentar procurar um hotel — eu disse,
enquanto terminava de subir.
— Por que a pressa? Podemos ver isso mais tarde. — Ele me parou
quando cheguei ao lado dele.
— Não quero causar nenhum inconveniente. Já é a segunda vez hoje
que alguém insinua que temos um caso. — Ele olhou para baixo onde
estavam Holly e Brandon que, sem dissimular, tentavam ouvir o que
discutíamos.
— Não ligue para eles. Holly apenas não gosta de me ver sozinho e
vive tentando arranjar companhia para mim. Já Brandon não passa de um
enxerido, não ligue para o que ele diz — ele disse alto o suficiente para que
os dois pudessem ouvir.
— Mesmo assim, não quero que você tenha problemas com a sua
namorada… Emily, se não me engano. — Testei para ver no que daria.
Queria ver se ele negava, porque a essa altura eu já o imaginava sendo
bissexual. Mas a forma com que ele arregalou os olhos me disse que eu tinha
cometido um grande erro.
— Desculpe-me, sr. Fox, mas a coisa está tão ruim assim? O senhor
está tendo um caso com Emily? — Brandon falou rindo, mas, ao terminar a
frase, recebeu um olhar fulminante de Julian.
— Você não tem uma sala para pôr em ordem, Brandon? Dê o fora
daqui. — Até eu gelei com a frieza da voz dele. O rapaz resmungou um
“desculpe”, subiu os lances de escadas e passou por nós, seguindo ao
seguinte andar.
— De onde você tirou essa ideia absurda? — Eu tinha me distraído,
imaginando quem era Brandon na vida dele e para onde estaria indo.
— Desculpe, acho que entendi mal. — Passei por ele, dirigindo-me ao
quarto. Já estava decidido a pegar a minha mala e partir o mais rápido

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possível. Ouvi passos, mas não me virei para ver.
— Você não me respondeu — insistiu, entrando no quarto atrás de
mim.
— Respondi sim, já disse que foi um engano — rebati, entrando no
banheiro e pegando as poucas coisas que tinha tirado da mala.
— O que está fazendo? Já disse que veremos o hotel mais tarde. — Ele
parou na entrada do banheiro e ficou me observando arrumar as coisas.
— Não estou indo a um hotel, estou voltando para a fazenda. Foi um
erro vir. — Saí do banheiro, joguei a mala que estava no chão sobre a cama e
continuei guardando as minhas coisas dentro dela.
— Não quero que você volte. Jordan vai pensar que você não foi bem
recebido. — Ele cruzou os braços, vendo-me jogar de qualquer forma tudo
dentro da mala.
— Não acredito que Jordan pense isso. — Sacudi a cabeça, tentando
pôr minhas ideias no lugar.
— Se você for, ele vai pensar, sim. — Ele se sentou na cama ao lado da
mala, onde eu continuava jogando as minhas coisas dentro.
— Já disse, foi um erro. — Parei o que estava fazendo para dar atenção
a ele, que parecia estar preocupado com a minha iminente partida.
— Não sei o que aconteceu na lavanderia. Holly às vezes fala demais,
mas ela só se preocupa comigo. Se disse algo fora do lugar, tenho certeza que
não foi por mal. Já Brandon, ele é inofensivo.
Sentei-me também, mas no extremo oposto da cama.
— Ela só pensou que… Bem, que eu passei a noite com você. — Olhei
para ele, esperando para ver que tipo de reação teria.
— Eu não trago ninguém para casa, não sei por que ela pensaria isso.
Desculpe-me, vou conversar com ela e explicar que você é apenas meu
hóspede. — Ele parecia tão incomodado quanto eu.
— Deixa, não precisa. Eu mesmo já disse isso a ela. — Não queria
passar por fofoqueiro e também não queria que ela levasse uma bronca.
— Então, vai ficar? — Ele parecia ansioso, esperando a resposta.

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— Sim, vou. Não quero que Jordan diga que voltei correndo para casa
como uma criança assustada. — Se eu voltasse, Jordan jamais me perdoaria.
— Você faz algum tipo de exercício? — Ele se levantou, exibindo o
corpo perfeito. Queria desviar o olhar, mas não consegui.
— Não, nada além do trabalho na fazenda. Só ajudo no campo quando
tenho tempo livre no escritório. — Ele me olhou de cima a baixo, me fazendo
segurar com mais força a toalha.
— Pensei que fizesse, você parece bem. Você tem algum calção para
usar? Quer dizer, isso se quiser… Brandon vai adorar ter mais um pupilo, ele
é um maldito sádico — riu sozinho, depois molhou os lábios com a língua. Se
Brandon era sádico, eu era um maldito masoquista. Sabia o que estava por vir
se ficasse, mas mesmo assim não tinha forças para dar a volta e sair.
— Não, não tenho. Não pensei que fosse precisar. — Levantei-me e
comecei a tirar novamente os produtos de higiene da mala e os levar de volta
ao banheiro.
Ele se levantou de onde estava sentado, dirigiu-se à porta e parou para
me esperar. Voltei onde a mala estava e tirei de dentro uma boxer. Com ela
na mão, eu me dirigi ao banheiro. Nunca antes havia tido problema para ficar
nu na frente de qualquer outro homem, mesmo nos banheiros da fazenda
onde muitas vezes, depois de um dia de calor, todos nos dirigíamos para uma
ducha. Eu gostava de olhar os corpos sarados dos rapazes, mas nunca fui
além. Agora, só de me imaginar nu na frente dele, coisas estranhas
aconteciam dentro de mim e ele pareceu perceber.
— Vou esperar por você no meu quarto. É o que fica no final do
corredor.
Quando levantei a cabeça para responder, ele já tinha desaparecido.
Vesti minha boxer e me dirigi ao quarto dele. Eu já sabia onde era mesmo
antes de ele ter informado. Entrei e a visão dele dormindo pela manhã queria
dar um nó no meu cérebro. A cama ainda estava desfeita, o cheiro dele
predominava no ambiente, que agora estava com todas as cortinas abertas e
sem nenhuma música. Eu continuava estático, com os olhos pregados na
cama, quando ele saiu por uma porta, trazendo nas mãos vários calções.
— Será que eu não vou atrapalhar seus treinamentos? — Ele apenas
sacudiu a cabeça, negando.

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— Experimente e escolha o que achar mais confortável. Acho que os
três servem. — Ele me entregou o primeiro, eu apenas vesti e aprovei. Não
queria fazer uma sessão desfile de moda para ele.
— Gostou desse? Ficou bom? — Confirmei com a cabeça. — Vamos
indo, então. Quanto mais demorarmos, mais Brandon vai querer nos surrar.
Voltando ao corredor, seguimos pela mesma escada que antes o
Brandon havia subido. Eu já havia percebido que Julian gostava de coisas
boas. O apartamento era gigantesco, com uma decoração de extremo bom
gosto (mesmo eu não entendendo muito). O uísque que eu havia tomado tinha
sido um dos melhores que minha boca provara. O quarto dele, com um tapete
que chamava a rolar sobre ele de tão grosso que era, com a música de fundo e
a luz difusa indireta sob a cama, dava asas a qualquer imaginação. Meu
queixo caiu novamente ao ver o último andar da cobertura. Painéis de vidro,
uma piscina coberta e um sofá em L que acomodaria tranquilamente mais de
vinte pessoas, além da uma churrasqueira de dar inveja a qualquer
churrascaria famosa.
Ele continuou caminhando à minha frente, abriu uma porta e, no
mesmo instante, o som pesado de uma música eletrônica escapou por ela.
Fechei devagar a porta e me encostei nela. Tudo que se poderia imaginar em
uma academia moderna estava ali. O chão, totalmente emborrachado, argolas,
cavalete, barra e até um ringue. Agora sabia de onde ele tirava aquela
perfeição de músculos.
— Pensei que tivesse desistido. — Brandon já estava todo suado,
saltando com uma corda em uma velocidade absurda. — Corda.
Ele parou e entregou uma corda a Julian, olhou para o relógio e indicou
que começasse. Enquanto Julian saltava, Brandon veio até mim e colocou-me
na esteira, quase sem inclinação e com uma velocidade lenta. Passados uns
dez minutos, ele voltou e tocou meu pulso. Sorrindo satisfeito, aumentou a
inclinação e o ritmo. Deixou-me na corrida, voltando a dar atenção a Julian,
que tinha começado a trabalhar nas argolas de frente para mim. O primeiro
esforço dele fez com que eu tropeçasse e quase caísse da esteira. Com a força
do exercício, todo o peitoral se definiu e pude perceber não seis, mas oito
gomos no abdômen. Um V perfeito descia, escondendo-se dentro do calção,
moldando uma discreta ereção. Pisei nas bordas da esteira e a parei. Brandon
veio até mim, novamente tomou meu pulso, mas agora não pareceu satisfeito.

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— Não é bom trabalhar com quem não conhecemos. Eu dei uma
caminhada e corrida sem muito esforço, mas seu pulso está bastante
acelerado. Você está se sentindo bem? — Eu sabia que o motivo não eram os
exercícios. Eu fazia muito mais esforço na fazenda, não tinha nenhum
problema de saúde.
Olhei para qualquer ponto, tentando evitar o corpo de Julian à minha
frente. Sabia por que meu coração havia disparado. Além disso, eu estava
fazendo um esforço sobre-humano para sufocar uma ereção que a todo custo
queria se manifestar. Quando abri minha boca para responder, ouvi meu
celular tocando. Penn. Percebi que havia me esquecido completamente dela.
Tinha prometido ligar ao chegar e simplesmente me esquecera. Desculpei-me
com Brandon e me dirigi ao balcão onde havia deixado o celular. O rosto
sorridente dela na tela me fez sentir mais culpado que nunca. Ela não
merecia.
— Olá, amor — tentei parecer bem. —, desculpe se não liguei. Tive
alguns problemas. Primeiro, o voo atrasou. Depois, cancelaram minha reserva
e quando percebi, já era tarde. Agora, pela manhã, eu não queria acordar você
muito cedo. — Nunca acreditei em mentiras piedosas, mas essa era uma que,
com certeza, eu precisava dar a ela. Jamais poderia dizer que desde o
momento em que vi Julian, tinha me esquecido completamente dela. Só
conseguiria magoá-la.
— Nossa, mas você conseguiu outro hotel? Pensei que tivesse se
esquecido de mim só de pisar em Nova Iorque — ela riu.
— Sim, consegui outro hotel — menti. — Nunca me esqueceria assim
de você. — Voltei a mentir.
— Nath bem que poderia ter hospedado você na casa dele, já que ele
disse que é solteiro, não? Mas não importa, ainda bem que você conseguiu
resolver o problema — ela comentou, distraída.
— Como foi seu voo? Chegou bem? — Tínhamos nos despedido no
aeroporto. Enquanto eu tomava o voo de Nova Iorque, ele se dirigia a Miami.
— Sim, o voo foi tranquilo. Minhas primas me esperaram, estou na
praia com elas agora. — Ela parecia naturalmente feliz e isso tirava um
grande peso da minha consciência.
— Fico feliz que esteja se divertindo, você merecia umas férias da

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fazenda. — Como dizia Kate, ela não combinava com a fazenda.
— Sim, estou me divertindo, mas se você estivesse aqui comigo, eu me
divertiria muito mais — reclamou e eu já a imaginava fazendo biquinho,
como era seu costume.
— Eu também gostaria que você estivesse aqui. — Isso não era
mentira. Se ela estivesse comigo, o meu descontrole da madrugada não teria
acontecido.
— Olha como estou…
Ela enviou-me uma selfie com um minúsculo biquíni. Admirei a sua
beleza, mas nada além disso. No momento, o que estava fazendo meu
coração sair do ritmo era um abdômen moreno bem-definido e um par de
pernas grossas com pelos escuros sobre elas que faziam meus dedos coçarem
com vontade de tocar. Desviei meu olhar de Julian, que agora estava
trabalhando com uma espécie de elástico. Tinha que me concentrar em cada
palavra ou, a qualquer momento, poderia acabar dizendo uma besteira. Voltei
minha atenção a ela.
— Você está linda. Talvez em duas semanas eu termine por aqui, e a
gente se encontra aí. Eu também preciso de umas férias. O que você acha? —
Percebi, depois do que tinha acontecido pela manhã, que eu tinha que manter
meu foco em Penn ou tudo acabaria em um grande desastre.
— Eu iria adorar. Falo com você mais tarde, as garotas estão me
chamando — ela se despediu, desligando em seguida.
Depois de Penn ter desligado, eu ainda passei um bom tempo olhando
para a tela escura. Evitei olhar para Julian, que continuava com os exercícios.
Sentia que a traía cada vez que olhava para ele. Saí do ginásio e dei uma
volta, olhando tudo ao meu redor. Parecia que dinheiro era o que mais tinha
na vida de Julian. Fiquei tentando imaginar de onde teria vindo tanto. Os pais
dele viviam bem, mas eram como os meus, apenas uma fazenda.
Procurei por algum porta-retratos, tentando lembrar-me da mãe dele
que, eu sabia, tinha ascendência alemã. Era dali que vinham os olhos azuis
que tinham feito Kate e todas as adolescentes suspirarem por ele na época. Já
o pai era um mistério, pelo menos para mim. Era moreno, enorme – Julian
tinha herdado isso dele. Alguns fazendeiros os criticavam por nunca se
integrarem. Eles formavam uma família um tanto estranha, nunca

109
participavam de nada organizado pela comunidade, eram bem mais reclusos.
Em compensação, davam total liberdade a Julian, que participava de tudo.
Parei em frente a uma estante contendo apenas objetos de decoração,
nada de família. Bisbilhotei um pouco mais – livros, alguns DVDs antigos,
nada além. Fui até a janela, a vista do Central Park era surreal. Uma claraboia
cruzava de um extremo ao outro, dando a impressão de que poderíamos tocar
o céu.
— Algum problema?
Levei um susto. Estava completamente distraído admirando a vista, que
não percebi quando Julian parou ao meu lado.
— Não, problema nenhum. Só admirando. — Olhei de lado para ele e
percebi que ele fez o mesmo, parando ao meu lado para admirar também a
paisagem.
— Só perguntei porque vi você saindo da sala depois de atender o
celular e, como não voltou mais aos exercícios… — Ele girou a cabeça para
me olhar enquanto falava.
Novamente, evitei olhar para ele, mantendo meu olhar firme na
paisagem à minha frente. Meus punhos estavam travados. Ele exalava
virilidade e eu nunca havia desejado mais uma pessoa na minha vida como o
desejava naquele momento. Era uma loucura, eu sabia, mas meus
pensamentos tinham se desviado do parque à minha frente para ele, só
imaginando o sabor salgado do suor que estava brilhando em seu peito.
Queria, com minha língua, invadir sua boca, tomar a língua dele e sugá-la
para dentro da minha boca.
Girei meu quadril quando não pude mais controlar minha ereção e ela
subiu com força, esticando o calção como uma lança. Enquanto ele olhava a
paisagem, eu queria jogá-lo no chão e enroscar meu corpo ao dele. Eu tinha
que aceitar o que já não era capaz de negar, eu não só queria fodê-lo, mas
queria loucamente ser fodido por ele. Queria saber como era sentir aquele
mastro atravessando e socando a minha bunda, como seria sentir as suas
bolas chocando-se contra as minhas.
— Porraaaa! — Só percebi o que tinha feito quando senti a dor do meu
punho se chocando contra o vidro.
— Porra digo eu. Você ficou louco? — Julian me tomou pelos ombros,

110
fazendo-me girar e ficar de frente para ele.
— Solte-me. — Desvencilhei-me dele, empurrando-o. Respirei aliviado
quando percebi que a dor do soco e a raiva tinham feito minha ereção
encolher uns cinquenta por cento. Ainda não estava totalmente flácido, mas
também não tinha a barraca armada de minutos atrás.
— O que aconteceu? — Brandon saiu correndo da academia e parou no
meio da sala.
— Acho que vou tomar um banho. — Minhas emoções estavam à flor
da pele e eu não queria conversar.
— Nada, está tudo bem. Vamos, Noah. Vamos descer e tomar um bom
café. Depois vou levar você para conhecer Emily.
Pirei. Não estava a fim de conhecer ninguém, muito menos a namorada
dele.
— Você vai apresentar a sua namorada Emily para ele? — Ouvi uma
ponta de deboche na voz de Brandon.
— Vamos? — Enquanto caminhávamos em direção às escadas, ouvi
Julian chamando a atenção de Brandon. — Você, por acaso, não tem uma
sala para pôr em ordem?
Adiantei-me a ele, sem dar chance de uma nova conversa. Joguei meu
celular sobre a cama, entrei no banheiro e, pela segunda vez na manhã, eu me
obriguei a uma ducha gelada. Se continuasse assim, já previa uma
pneumonia. Quando saí, desabei nu sobre a cama, não tinha mais forças para
nada. Todo o esforço que eu tinha feito durante anos para negar a minha
condição estava agora me cobrando uma conta muito alta – uma que talvez eu
não estivesse em condições de pagar. Suspirei desanimado quando ouvi
batidas à porta.
— Vamos descer? — Ouvi através da porta.
— Dê-me um minuto. — Puxei um jeans e uma camiseta da mala,
vesti-me rápido e saí. Encontrei-o olhando para o celular encostado na parede
em frente à minha porta. Apenas me viu, colocou o celular no bolso e
começamos a caminhar em direção à escada.

111
Capítulo VIII

JULIAN FOX

Desci as escadas com Noah ao meu lado. Ainda não estava


conseguindo acreditar que ele estava dentro da minha casa. Até uma semana
atrás, isso seria impossível para mim. Quanto mais eu o queria afastado de
mim, mais eu o puxava para perto. Meus olhos não conseguiam desgrudar do
corpo dele. A camiseta justa que ele estava usando marcava cada músculo do
abdômen mais que perfeito. Era quase impossível de acreditar que toda
aquela perfeição não vinha de horas de academia. A bunda redonda e firme
marcava cada linha do jeans, dando vontade de pôr a mão e apertar.
Espantei os pensamentos eróticos que começavam a povoar a minha
mente. Eles não me levariam a lugar algum e ainda me fariam sofrer.
Terminamos de descer as escadas e entramos na cozinha. Já imaginava que
Holly deveria ter preparado algo delicioso, o cheiro estava incrível. Quase
engasguei quando vi a mesa. Holly realmente pensava que havíamos tido
uma noite de sexo selvagem, pois a mesa era para um batalhão.
— Bom dia novamente, espero que tenham tido uma boa noite. —
Quando ouvi isso, meu único pensamento foi “eu vou matá-la”. — Eu não
sabia o que o seu… hum… amigo ia querer para o café da manhã, então
coloquei um pouco de tudo.
— Obrigado, Holly, está perfeito. — O rosto de Noah estava vermelho.
— Que bom! Gosto de ver meus meninos bem alimentados e felizes.

112
Noah teve um ataque de tosse. Eu tinha que resolver isso antes que ela
o assustasse ainda mais.
— Holly, eu ainda não lhe apresentei. Noah Scott é um amigo de
infância. Vai passar uma temporada aqui em Nova Iorque. Ele teve um
problema com o hotel e eu me ofereci para hospedá-lo até que ele possa
resolver isso. Só isso. Então, trate de tirar da cabeça qualquer ideia maluca.
— Depois dessa minha muito bem explicada apresentação, junto com um
sermão, esperava que ela entendesse.
— Que pena — lamentou-se, encostando a barriga no balcão e nos
olhando com cara abobada. — Vocês formam um casal tão lindo. E a forma
como se olham… Ah, que amor.
Puta que pariu, eu ia cortar a língua de dela.
— Holly! Pare com isso. Você o está deixando constrangido. Noah é
casado. Casado com uma mulher. Ele é hétero. Entendeu? HÉTERO. — Eu
geralmente não levantava a voz e certamente nunca a tinha levantado para
Holly, mas ela tinha ido longe demais.
Noah estava ao meu lado com a boca mais aberta que a dela. Eu só não
tinha jogado o guardanapo, pegado-a pelo braço e a expulsado da cozinha por
respeito. Mas tinha sido por pouco. Noah estava com ambas as mãos
segurando a cabeça como se não estivesse acreditando no que tinha acabado
de ouvir.
— Desculpe-me, Noah. Como eu já tinha dito antes — enviei um olhar
fulminante para ela —, Holly fala demais.
— Ah — balbuciou, nervoso —, está tudo bem.
— Acho que essa seria uma boa hora para você pedir desculpas ao meu
convidado. — Meu maxilar estava doendo por estar travado com a raiva. Não
sabia o que estava acontecendo com ela, Holly nunca havia se comportado
dessa forma com minhas visitas.
— Sim, tem razão, sr. Fox. Sinto muito, sr. Scott, só pensei… Nada,
desculpe-me mais uma vez, sr. Scott. Com licença.
Por fim, ela saiu da cozinha.
— Sinto muito, não sei o que está acontecendo com meus funcionários.
— Não sabia onde esconder a minha vergonha. Noah apenas me olhava. —

113
Vamos comer.
Um ponto bom foi o café da manhã completo depois de ter falhado
como bom anfitrião na noite anterior. Quando voltei, Noah já havia dormido,
eu nem sabia se havia jantado ou não. Servi dois copos de suco, coloquei um
em frente a ele, que pegou e começou a tomar, enquanto colocava em um
prato batatas fritas, ovos e bacon. Depois, cortou fatias grossas do pão de
milho quentinho que Holly havia preparado. Terminou o suco, encheu uma
xícara grande de café e começou a comer. Olhei para ele de forma
dissimulada. Pelo menos, o mal-estar inicial estava passando.
— Desculpe ter demorado ontem, mas Emily precisou de mim.
Ele parou de comer e me olhou de uma forma um tanto quanto
estranha.
— Não se desculpe, sei como é. — Não sabia se ele sabia ou entendia,
mas, pelo menos, não parecia tão chateado.
Continuamos comendo. Não só ele estava esfomeado, nós dois
estávamos. Ainda não havíamos terminado o café, quando meu celular
vibrou. Poul. Controle matinal. Ele deveria estar pensando que se Noah
ficasse sozinho comigo, tentaria me estuprar novamente.
— Que foi, Poul? Estou na metade do meu café. Eu avisei a você que
hoje não iria ao escritório.
— Eu sei, só queria perguntar se podemos ver o jogo aí. Frank quer
fazer uma visita à Emily e conhecer o idiota.
Levantei a vista para ver se Noah tinha ouvido o que Poul acabara de
dizer.
— Vou ver como a minha tarde vai ficar. Seria bom para Emily ter um
pouco de distração também. Ligo para você mais tarde. Meu café está
esfriando. — Desliguei.
— Não quero atrapalhar seus planos, eu já estive em Nova Iorque… —
Noah começou a se desculpar.
— Não, eu já tinha planejado esse final de semana. — Peguei meu
celular — Vamos?
— Aonde iremos? — Ele também se levantou, mas ficou parado em

114
frente ao balcão.
— Primeiro, faremos uma visita à Emily. Depois, podemos dar uma
volta. À noite, Poul virá com Frank para ver o jogo e, se Emily estiver bem,
eu a convidarei também. — Ele continuou olhando para mim, indeciso.
— Como disse, não quero atrapalhar. Vá se encontrar com a sua
namorada. Eu vou ficar e dar uma olhada nas disponibilidades de hotéis que
ficam perto da empresa.
Não sabia de onde ele havia tirado a ideia de que Emily era a minha
namorada.
— Como já disse, você não vai atrapalhar. Agora vamos conhecer a
minha namorada. — Ele abriu a boca para dizer não, mas eu estava decidido.
— Está bem, já que você faz questão, podemos ir.
Coloquei meu celular no bolso e indiquei a ele a porta. Tomamos o
elevador e eu digitei o número do apartamento de Emily. Puxei meu jogo de
chaves do bolso, onde também tinha uma cópia da chave de Emily, e abri a
porta com ela. Ele olhou-me, intrigado, mas continuou ao meu lado. Como
sempre, o hall de entrada estava perfumado com flores frescas. Passamos pela
sala e fui direto ao quarto. Apenas duas pequenas batidas antes de abrir.
— Bom dia. Passei para lhe dar um beijo e trouxe visita —
cumprimentei-a.
— Bom dia, querido. Você deveria ter me avisado. Devo estar horrível.
— Ela levou a mão para pegar um espelho que estava sobre mesa de
cabeceira, ao lado da cama.
— Que nada, você está linda. Perfeita como sempre. — Peguei as mãos
dela entre as minhas e as beijei, antes de deixar outro beijo em sua bochecha.
— Ah, obrigada, como sempre, um perfeito cavalheiro. Mas quem é
essa visita que você me trouxe? — Desviou seu olhar do meu para dirigi-lo a
Noah, que estava parado com a boca aberta ao meu lado.
— Emily, quero lhe apresentar Noah, um amigo de infância. — Olhei
para Noah, que continuava encarando Emily, mudo. — Noah, essa é Emily,
minha namorada — sorri, porque sabia o que ele estava pensando.
— Julian! Até que enfim você me apresenta alguém. — Ela estava

115
exultante. — Venha aqui e me dê um beijo você também. Você não faz ideia
de como estou feliz que Julian, por fim, está com alguém novamente. Só não
estou entendendo essa história de namorada. — Engasguei.
— Emily! Não acredito, você também? Noah é apenas um amigo, veio
fazer um estágio conosco. Ele tem uma fazenda gigantesca em Wyoming. Era
lá que eu estava quando você passou mal. — Se essa história continuasse,
Noah, com certeza, sairia correndo. Eu já estava vendo a cara dele.
— Que pena. Sinto ter estragado o final de semana de vocês, mas eu
estava enfartando e, se não fosse por Julian, eu teria morrido — lamentou-se,
ainda colocando Noah como meu par.
— Parece que não foi só o coração que enfartou, seu cérebro também
está com problemas. Você ouviu o que acabei de dizer? Ele é apenas um
amigo.
Noah continuava mudo ao nosso lado, mais vermelho do que nunca.
— Meu cérebro não está infartado, só estou dizendo que vocês formam
um belo casal — resmungou ela, malcriada.
— Senhora, eu… — gaguejou Noah, mas eu o interrompi. Com Emily,
eu poderia perfeitamente me entender.
— Emily querida, ele é feliz e muito bem casado. A esposa dele se
chama Pennelope. Ouviu? Esposa. — O que estava acontecendo com todo
mundo? Todos estavam confundindo Noah com um companheiro meu.
— Sim, ouvi, e não seja malcriado comigo. Tudo bem que ele está
casado. Mas eu vejo que existe muito mais entre os dois do que querem
demonstrar. E não me chamem de velha louca — ela completou, sorrindo.
Olhei para Noah, que agora estava com a boca completamente aberta.
— E Rose? Como foi? Ficou feliz por ela ter vindo? Temos jogo hoje,
quer ir? — bombardeei-a com perguntas, tentando desviar o assunto. Não
adiantava tentar dar mais explicações.
— Sim, claro que eu quero — sorriu para mim como uma criança feliz.
— Obrigada por Rose. Ela me disse que você a avisou e que, assim que soube
do meu estado, ela veio correndo. — Só de ver a felicidade dela, eu sabia que
tinha feito a coisa certa.

116
— Vou conversar com seu cardiologista e, se ele liberar você, eu aviso.
O jogo está marcado para as sete.
O sorriso de felicidade dela se alargou ainda mais.
— Vou esperar. Obrigada, querido. E quanto a você, me desculpe. Não
queria deixá-lo constrangido.
— Está tudo bem — Noah respondeu, enviando a ela um sorriso
amarelo.
— Eu sabia que você ficaria feliz com Rose por aqui. Ainda bem que
ela pôde vir rápido. — Pelo menos, a idiota não tinha feito nenhuma besteira.
— E onde está ela agora?
— Acho que está dormindo. Deve ser o cansaço pelo fuso horário. —
Emily era puro sorrisos.
— Vou dar uma palavrinha com ela. Enquanto isso, aproveita a
companhia de Noah. Já volto.
Saí do quarto em direção ao quarto de visitas, onde imaginava que a
sem noção estaria. Enquanto andava, várias coisas passavam por minha
cabeça. A felicidade de Emily ao imaginar que Rose havia vindo de forma
espontânea me deixava feliz e triste ao mesmo tempo. Se ela fosse um terço
da garota que eu tinha conhecido na livraria, já seria suficiente. Também não
entendia o porquê de todos pensarem que Noah e eu estávamos tendo algo.
Parei em frente à porta, mas não bati. Não estava me importando se ela estava
dormindo pelada ou não. Eu a tinha deixado para fazer companhia a avó e
não para passar o dia na cama.
— Levante-se, preguiçosa — berrei, batendo palmas e indo em direção
às janelas, abrindo todas as cortinas e deixando a claridade do sol explodir
dentro do quarto. — É assim que você pensa que vai recuperar seus cartões?
— Você enlouqueceu? Quem disse que podia entrar no meu quarto?
Feche essas malditas cortinas — ela berrou de volta, colocando o travesseiro
sobre a cabeça.
— Uma semana, esse será o tempo que terá para se transformar na neta
doce e amorosa que Emily merece. Se isso não acontecer, você será
despachada para qualquer lugar longe daqui, sem cartões, sem dinheiro, sem
nada. Entendeu? Agora, tire essa bunda seca da cama e vá fazer companhia a

117
ela. — Quando eu achava que ela tinha aprendido, tínhamos que recomeçar
do zero. Já estava achando que seria difícil transformá-la, mas eu ainda não
estava preparado para desistir.
— Ainda vou fazer você pagar por isso — bufou com raiva e,
levantando-se da cama, passou por mim e foi em direção ao banheiro.
— Engano seu. Você me pagará por toda a raiva que está me fazendo
passar. Hoje é dia de jogo, Emily gosta desse tipo de programa. Às sete,
espero as duas na minha casa, lindas e radiando felicidade. Vou vigiar você a
noite inteira, trate de se comportar como a mais amorosa das netas. Ouviu?
Recebi como resposta a porta do banheiro sendo batida com força.
Deixei-a praguejando sozinha e voltei ao quarto para resgatar Noah. O
jogo não era com o Red Sox, então, talvez Emily pudesse assistir sem sustos.
Mesmo assim, ligaria mais tarde para o cardiologista para que ele a liberasse.
Nós nos despedimos dela e saímos para aproveitar o dia.
Paramos na calçada, esperando enquanto nossos cérebros tentavam
registrar todos os estímulos que estavam sendo despejado sobre eles. Uma
infinidade de cores, cheiros, ruídos. Manhattan vivia e respirava como um
gigante em um sono agitado. Era impossível não pensar na infinidade de
opções que nos oferecia. Mesmo vivendo tanto tempo no mesmo lugar, eu
ainda me surpreendia.
— O que você gostaria de fazer? — perguntei quando vi que Noah
estava parado sentindo as mesmas emoções que eu.
— Na verdade, eu não tinha planejado nada além do trabalho. — Ele
olhou ao redor, tentando absorver tudo.
— Ok, vamos dar uma volta. O dia está lindo para um passeio pelo
Central Park. Podemos cruzá-lo e almoçar do outro lado. O Metropolitan
Museum é uma ótima opção também. Eu só o visitei uma vez e já faz anos.
Se você quiser, será uma ótima opção de passeio. — Eu gostava de caminhar
e pensei que ele também, já que vivia em uma fazenda.
— Eu vou gostar muito. Quando estivemos aqui, não visitei nenhum
lugar interessante além da Estátua da Liberdade. Penn só queria visitar lojas,
acho que conheço todas as lojas da 5ª Avenida — riu. Aquele sorriso de
menino estava fazendo estragos em mim.

118
Tratei de todas as maneiras não olhar para o belo exemplar masculino
que ele tinha se tornado. As mulheres passavam, lançando olhares furtivos.
Ele era naturalmente bronzeado pelo sol e, se eu tinha músculos de academia,
os dele eram de trabalho bruto. Sem querer, imaginei como seria ele na cama.
Meu estômago deu várias cambalhotas e senti meus lábios secando só de
imaginá-lo de quatro para mim.
— Ficarei encantado de poder proporcionar a você um passeio
diferente. Será um excelente programa. — Tratei de voltar à serenidade ou
seria um desastre.
Caminhamos duas quadras pela Madison Avenue e seguimos pela 82.
Esse era meu bairro, gostava de caminhar pelas ruas arborizadas, entrar em
minhas docerias e padarias favoritas, mas hoje tudo tinha um colorido
diferente, as vitrines pareciam mais brilhantes. Mesmo com todo os
problemas acontecendo, eu me sentia feliz. Saímos na 5ª Avenida bem em
frente ao Metropolitan, muita gente nas ruas. Carros de luxo com suas cores
austeras disputavam espaço com o amarelo berrante dos táxis.
Ainda não conseguia acreditar que estava caminhando ao lado de Noah.
Não era só o fato de estarmos caminhando um ao lado do outro sem
problema, mas por eu não estar tendo um ataque. Havia levado mais de uma
década para superar, mas bastou olhar para ele e tudo passou – meu coração
voltou a bater por ele no mesmo ritmo adolescente.
Antes de entrar no museu, olhei sobre meu ombro só para garantir.
Oliver e Logan nos seguiam a uma distância razoável. Eu precisava de
guarda-costas, mas odiava sentir-me vigiado o tempo todo. Enviei uma
mensagem a Oliver e voltei a guardar meu celular. O lugar estava lotado,
muitos estudantes e turistas estavam visitando o lugar. Noah parava em frente
aos diferentes artefatos e discutíamos datas, lugares. O tempo passou de
forma acelerada e, quando percebemos, já passava das duas horas, e só nos
demos conta disso pela fome que estávamos sentindo.
Eu tinha pedido a Oliver que nos alugasse bicicletas, já que queria
andar bastante. A cara de Noah era impagável, parecia que tinha ganhado um
presente de natal. Percebi que queria abraçar-me enquanto sorria, mas travou
as mãos e cruzou os braços em frente ao corpo. Ele sempre seria um enigma
para mim – no mesmo instante que eu pensava que ele talvez sentisse algo
por mim, ele demonstrava que eu estava enlouquecendo, que era apenas

119
ilusão de minha parte. Assim como tinha ocorrido no passado, eu havia
simplesmente sonhado com algo impossível.
— Bicicletas? Você tem certeza? — ele riu. — Não lembro a última
vez que pedalei uma. Nem sei se lembro mais como se faz.
— Eu também — ri com ele —, mas dizem que nunca se esquece.
Então vamos provar se é verdade.
— Espero que haja algum pronto-socorro por perto, porque acho que
vou me quebrar todo, além de perder meus dentes. — Ele já estava encaixado
na bicicleta ajustando o capacete enquanto sorria para mim.
— Seremos dois — gargalhei, e um sentimento de nostalgia começou a
querer se apossar do meu peito.
— Vamos lá — ele me desafiou, enviando para longe a nostalgia.
Pedalamos por vários caminhos. Formávamos um grupo singular – dois
caras com jeans pedalando era uma cena comum, mas seguidos por dois
guarda-roupas disfarçados de urubus era algo inusitado. Paramos para assistir
ao começo de um show, mas ficamos só com a primeira música, se queríamos
conhecer mais lugares, não podíamos parar.
O Central Park oferecia uma variedade tão infinita de entretenimento,
que precisaríamos de meses para ver tudo, além de lugares que qualquer um
poderia ir todos os dias durante um ano e ainda assim descobrir coisas novas.
Estávamos passando ao lado de um carrinho de cachorro-quente quando ele
parou.
— Sei que você disse que almoçaremos do outro lado, mas acho que
não como cachorro-quente há tanto tempo quanto não andava de bicicleta.
Quero comprar um, depois iremos até o restaurante. — Ele olhava para o
carrinho como uma criança vendo uma vitrine de natal.
— Eu também quero. Está pensando que só você gosta de cachorro-
quente? Podemos comprar e ir até o Sheep Meadow fazer um piquenique. —
Antes de terminar de falar, ele já estava na fila para fazer o pedido.
— Nossa! Estou com água na boca. Penn odeia comida de rua.
Eu estava tão feliz que não queria pensar o quanto era errado desejar o
marido alheio, mesmo que eu soubesse que era um amor de uma única via.
Noah já tinha feito as escolhas dele, e elas não incluíam uma relação

120
homossexual.
Com nossos pacotes em mãos, pedalamos até alcançar o nosso destino,
que já não estava mais tão cheio. O pessoal dos piqueniques já havia partido,
restavam apenas os casais apaixonados, que descansavam contando nuvens.
Deitamos as bicicletas ao nosso lado e nos preparamos para devorar quatro
imensos cachorros-quentes. A fome deveria estar terrível, porque nunca uma
comida havia sido tão deliciosa.
— Obrigado, Julian. Quando fui forçado a vir para cá, não imaginei que
me divertiria tanto — ele falou depois de várias mordidas.
— Para ser sincero, eu também não. — Mastiguei devagar a minha
comida, enquanto tentava imaginar como seria a relação dos casais que se
distribuíam à nossa frente, deitados na grama.
— Eu sinto muito por tudo que fiz a você no passado. Talvez não seja a
hora nem o lugar, mas…
O dia estava lindo e eu não queria estragar com lembranças ruins do
passado.
— Você tem razão, não é a hora, nem o lugar. Eu fico feliz que você
tenha percebido que me machucou, mas, como você disse, é passado. Vamos
deixar o que aconteceu ficar onde está, não vamos trazer para o nosso
presente. — Olhei para ele, implorando. — Por favor.
— Se é assim que você quer… — Ele levantou os ombros. Não parecia
satisfeito, mas a pessoa ferida tinha sido eu, então eu tinha direito de exigir
uma desculpa ou esquecer. Preferia esquecer. Já tinha percebido que ele
deveria ter ficado arrasado com o acontecido. Tanto quanto eu.
— Dê-me aqui. — Peguei as sobras dos nossos sanduíches, coloquei
tudo dentro da sacola de papel e me levantei olhando ao redor, procurando
por um lixo onde jogar.
Ao voltar, percebi que ele olhava de forma pouco dissimulada o
carinho entre o casal gay à nossa frente. Ao notar a minha presença, ele
rapidamente desviou o olhar.
— Incomoda você? — Joguei-me ao lado dele, deitando-me. As
pedaladas seguidas do almoço estavam me dando sono.
— O que me incomoda? — Levantou a sobrancelha, fingindo não ter

121
entendido.
— O casal que está se beijando. — Ele não esperava que eu tivesse
percebido ou que fosse tão direto.
— Não é que me incomode, só não temos isso por lá. — Alongou o
corpo perfeito e logo desabou de bruços ao meu lado. — Seria um escândalo.
— Não sabia dizer se estava enganado, mas me pareceu demonstrar uma leve
ponta de tristeza.
— Aqui é mais que normal. Todos tentamos viver as nossas vidas sem
nos preocuparmos demais pela alheia. Nem tempo para as nossas temos,
quem dirá para as demais. — E era verdade, eu não me lembrava de ter tido
um dia como o que estava tendo, nunca. Nem domingos livres eu tinha.
— Com tantos lugares lindos, vivem para o trabalho e deixam essas
maravilhas para os turistas. É uma pena.
Ele tinha razão. Se não fosse para acompanhá-lo, eu estaria preso no
escritório. E foi com uma pena ainda maior que percebi que logo anoiteceria
e eu tinha que estar em casa.
— Você tem razão, aqui todos vivem para o trabalho. — Levantei-me e
estendi a minha mão para ajudá-lo. Acabei exagerando na força e, ao ficar de
pé, o corpo dele chocou-se contra o meu. Por um instante, ficamos com o
corpo colado um no outro, milhares de sensações dispararam por lugares
indevidos.
— Desculpe-me, Julian, perdi o equilíbrio. — Afastou-se tão rápido,
que quase caiu de bunda. Estendi a minha mão rápido e o segurei, mas dessa
vez o mantive firme.
— Relaxa, Noah, aqui ninguém vai apontar ou acusar você. — Soltei-o
quando vi que estava seguro. — Vamos?
Saímos do parque, devolvemos as bicicletas e voltamos caminhando.
As ruas estavam apinhadas de gente. Faltava pouco para a hora do jogo.
Quando, por fim, chegamos à 79 Street, entrei quase correndo na minha
padaria. Pedi tortinhas de limão para Poul, as de maçã para mim. Jamais
seriam como as de Emily, mas teriam que bastar. Noah estava olhando todos
os doces. Essa padaria tinha uma perdição na parte de doceria.
— Do que você gosta?

122
Um sorriso largo estampou em seu rosto antes de responder, maroto.
— De tudo.
Ri com ele, mas ele tinha razão, era impossível escolher um apenas.
Escolhi algumas das minhas favoritas para que ele experimentasse, e ele
escolheu mais algumas. Com nossas compras empacotadas, corremos para
casa.
— Nossa, pensei que não fossem voltar mais. — Foi com essa recepção
que Poul nos recebeu assim que colocamos os pés dentro do apartamento. —
Liguei para você um milhão de vezes — completou, emburrado.
— Não fique assim. Já estamos aqui. — Dei um beijo no rosto dele e
outro no de Frank.
— Emily já chegou — ele me informou, pegando as compras de nossas
mãos. Colocou as sacolas sobre o balcão e começou a abrir cada pacote. —
Frank querido, esse é Noah. Noah, esse é meu companheiro, Frank.
— Como vai… humm…, Frank? — Ele estava fazendo o impossível
para não parecer chocado, mas eu o conhecia.
— Você só trouxe doce? Nada salgado para beliscar?
Eu sabia que tinha me esquecido de algo. Merda.
— É que já era tarde e eu queria apresentar a Noah meus doces
favoritos.
Ele bufou, revirando os olhos.
— Ainda bem que eu liguei para Holly. Ela deixou tudo preparado.
Não sei onde você anda com a cabeça — ele continuava reclamando. — Ou
sei — disse no meu ouvido ao passar por mim.
— O meu celular ficou sem bateria, desculpe. — Ele não respondeu.
— O meu também. Estávamos no parque, não queríamos nos atrasar.
— Noah não conhecia Poul, e ele sempre exagerava.
— Não acredito que vou passar a noite sozinha tendo quatro gatos neste
apartamento. — A voz de Rose soou às minhas costas.
— Querida, eles não são para você. — Ouvir Emily dar esse tipo de
explicação à neta me fez sentir um mascote.

123
— Eles sim, mas você não faz parte do grupo, não é? — Ela foi direto
em direção a Noah, que mais do que rápido levantou a mão mostrando a
aliança.
— Sou casado. — Ele deu dois passos para trás. Encostando em mim e
voltou a dar um para frente, ficando quase colado a ela.
— Rose, tenha modos. Ele já disse que é casado. — Emily não aliviou
com a bronca.
— Isso não importa. Está casado com um homem ou uma mulher? —
insistiu.
— Apenas casado. Acho que vou tomar um banho antes que o jogo
comece. Com licença. — Noah não era bobo, sabia que se dissesse mulher,
ela iria para cima dele da mesma forma.
— Vou subir com você. — Apressei meu passo para sair da cozinha,
mas Poul me deteve.
— Aposto que você não ligou para o cardiologista. — Baixei a cabeça,
a bronca era merecida.
— Desculpe, Poul, vou ligar agora. — Puxei meu celular do bolso, mas
percebi que ainda não o tinha colocado para carregar.
— Está tudo bem. Eu já liguei e ele a liberou, só não pode fazer
esforço. Por isso, preparei o projetor aqui embaixo. — Ele ainda mantinha a
cara fechada para mim.
— Ah, Poul, você é um amor. Obrigado. — Dei-lhe um beijo na
bochecha.
— Vá com calma, garanhão, eu estou aqui. — Frank chegou perto,
rindo, e arrebatou Poul de perto de mim.
— Bem, se já está tudo certo, vou subir e tomar uma ducha. Já desço.
— Não esperei mais, saí da cozinha.
Subi as escadas de dois em dois degraus. Entrei no banheiro, me
desfazendo do jeans. Além de estar suado, estava apertado. Liguei a ducha no
máximo e, antes de a água estar aquecida, eu já estava embaixo dela. Joguei
xampu nas mãos e espalhei nos cabelos, lavando-os rapidamente, em seguida
passei condicionador e, depois de enxaguá-lo, comecei a lavar o meu corpo.

124
Terminei meu banho, saí do banheiro e entrei no closet. Peguei uma bermuda
e uma camiseta, nada de boxer, tinha passado o dia todo preso. Meu pau
gostava de liberdade. Saí no corredor ainda puxando a camiseta pela cabeça e
choquei-me com Noah, que estava fazendo o mesmo que eu.
— Desculpe, pensei que todos já estivessem lá embaixo. — Ele
terminou de ajeitar a camiseta e seguimos rumo à sala.
O jogo já estava começando. A mesa de centro estava com vários
pratos de petiscos. Servi duas bebidas, mais dois pratos com sanduíches de
brioches e almôndegas picantes, entreguei um a Noah e fiquei com o outro.
Quando o primeiro tempo terminou, percebi que só havia bebido, não tinha
comido nada. Vi que o prato de Noah estava tão intacto quanto o meu, mas
nossa garrafa já estava pela metade.
Emily estava assistindo ao jogo, tranquila, e a neta era puro amor com
ela. Só nós dois sabíamos que estava representando um papel para mim. Ela
queria a liberdade e os cartões. Apenas isso. O jogo continuou, Poul e Frank
berravam o tempo todo. Noah era mais estilo calado, comeu apenas dois dos
pequenos sanduíches. Quando o jogo acabou, todos se prepararam para ir.
Tanto Poul como Frank estavam um pouco altos. Eles viviam no West
Village e tomariam um táxi para voltar, Emily, apenas o elevador. Ela era
toda sorrisos, estava feliz com a falsa neta amorosa.
Despedi-me delas com um beijo, voltei e desabei no sofá ao lado de
Noah, que continuava ouvindo todos os comentários do final do jogo, e as
entrevistas dos jogadores. Acordei com Noah deitado sobre o meu peito, a
respiração leve indicava um sono profundo.
Com muito cuidado, tratei de me desvencilhar dele, mas a única coisa
que consegui foi fazê-lo aconchegar-se ainda mais sobre mim. Agora eu
sentia a respiração dele no meu pescoço. A reação do meu corpo foi
instintiva, se acendendo em lugares perigosos. Tinha que me livrar dele
rápido ou as coisas se complicariam.
— Noah, acorde. Você está dormindo em cima de mim. — Esperei que
ele desse um salto e se afastasse, mas a reação dele foi o oposto do que eu
estava esperando.
— Julian — ele resmungou —, você tem um cheiro delicioso. — Seus
lábios deslizaram no meu pescoço com pequenas lambidas, beijos e

125
mordidas.
— Acorde, pelo amor de Deus, Noah! — Se ele continuasse assim, eu
não sabia o que iria acontecer comigo.
— Eu estou bem acordado, Julian. — A boca subiu do pescoço para a
minha boca e sua língua forçou a entrada. Senti uma mistura de sabores. Senti
o adolescente que me havia beijado junto com homem que me beijava agora.
Eu não podia deixar meu cérebro travar mais uma vez. — Quero você.
— Porraaa, você ficou louco? Está bêbado? — Empurrei-o com força,
coloquei minhas pernas para fora do sofá e afundei minha cabeça entre elas.
Conseguia sentir o sangue disparado em todas as veias e artérias do meu
corpo.
— Eu não estou bêbado. Louco, talvez, e eu quero você. Agora. —
Senti sua mão entrando na abertura da minha bermuda e se emaranhado com
os pelos da minha perna.
Eu não estava usando nada por baixo. Minha vontade era pegar a sua
mão e levá-la até meu pau. Se continuasse assim, tudo terminaria como da
primeira vez, e dificilmente eu superaria.
— O que você está querendo, Noah? Quer saber se eu ainda fico duro
por você? — Abri meu zíper e puxei para fora uma ereção que passava
tranquilamente dos vinte centímetros. Deslizei meu dedo sobre a fenda
molhada que despontava de forma tímida. Puxei para baixo, deixando para
fora a cabeça orgulhosa de um cogumelo rosado. — É isso? Pois veja, então.
— Julian, eu… — Não o deixei continuar, ele não me faria de idiota
pela segunda vez.
— Ou quer se enterrar em mim novamente? Gostou da primeira vez e
quer repetir? Ou está procurando algo diferente? Quer saber qual é a sensação
de ter esse mastro se enterrando e dilacerando a sua bunda? — Esperei para
ver se ele negava, mas ele permaneceu calado.
Eu o vi puxando ambas as pernas para fora do sofá, assim como eu
tinha feito minutos antes. Ele se sentou ao meu lado, com as mãos apoiadas
sobre os joelhos. O apartamento estava silencioso, a respiração pesada e
acelerada dele se ouvia perfeitamente no ambiente fechado. Peguei sua mão e
a puxei para tomar meu pau. Ele quis resistir, mas o forcei a tomá-lo.
Inclinei-me sobre ele, beijei-lhe o canto da boca, passando a língua devagar,

126
sentindo o sabor do suor. Ele estava tremendo e suando.
— Você já teve o que queria e sabe como ainda me afeta. Pode rir à
vontade do idiota aqui. — Retirei a mão dele que estava presa no meu pau e
subi novamente a minha bermuda. — Está feliz sabendo que tem o poder de
excitar não só as mulheres, como os homens também? — Dei a volta e subi
as escadas, deixando-o sentado onde estava.

127
Capítulo IX

NOAH SCOTT
Eu apenas ouvi os passos de Julian subindo as escadas. Mesmo
querendo, não consegui ir atrás dele. Meus músculos tremiam e deixavam
minhas pernas trêmulas, como se tivesse acabado de montar um maldito
semental. Pouco a pouco, meu corpo deslizou até eu sentir o sofá
completamente sob mim. Pensei em como, mais uma vez, eu havia me
esquecido completamente de Penn.
Julian estava pensando que tudo que eu havia dito fora efeito da bebida,
mas não. Eu já estava começando a aceitar minha condição, mas existia a
fazenda, minha família e, ainda, Penn. Olhei para o meu celular, que
continuava descarregado. Sentindo minhas pernas com mais firmeza,
levantei-me do sofá e esforcei-me para arrastar o meu corpo escada acima.
Parei e encostei a testa em frente à porta fechada do quarto dele. Minha
cabeça girava, o desejo de estar com ele era quase insuportável. A razão me
dizia para girar sobre meus pés, entrar no meu quarto, preparar a minha mala
e desaparecer, esquecer o que acabara de acontecer na sala. Olhei para a
minha aliança e devagar puxei-a para fora do meu dedo, guardando-a no
bolso da bermuda. Expulsei o ar dos meus pulmões umas três vezes tentando
tomar coragem e girei a maçaneta. Não bati. As janelas estavam abertas, e ele
estava parado em frente a elas, olhando para fora. Entrei e encostei-me contra
a porta, fechando-a com as minhas costas.
Eu sabia que ele havia percebido a minha presença. Esperei que
dissesse algo ou, no mínimo, me expulsasse, mas ele continuou parado no

128
mesmo lugar, completamente imóvel e mudo. Quando pensei que
amanheceríamos sem dizer nada um ao outro, como um sussurro a voz dele
chegou aos meus ouvidos.
— Veio terminar o que começou na sala? — Ele continuava parado
sem se mover, a luz externa fazia sua silhueta parecer uma estátua.
— Talvez. Eu não estava mentindo quando eu disse que queria você. —
No momento, ao vê-lo totalmente parado, meu único pensamento era ir até
ele e o abraçar.
— Sim, eu sei como funciona. Muitos héteros, com famílias bem-
formadas, têm fantasias de foder um gay pelo menos uma vez na vida. Com
você seria a segunda, não? Ou já houve outras? — Nesse momento, ele girou
e me encarou. Os olhos azuis estavam vermelhos, não podia dizer se era raiva
ou se estivera chorando. Voltou a dar-me as costas.
— Não, nunca houve outro além de você. — Não sei de onde tirei
coragem para chegar perto dele e abraçá-lo por trás.
Levei minhas mãos para a cintura de Julian e senti os pelos do abdômen
sob meus dedos. Por um momento, ele ficou completamente estático, como
se estivesse paralisado. Aproveitei a surpresa e o acariciei. Ouvi-lo gemendo
para mim acabou com o pouco controle que eu ainda mantinha.
— Julian, você está me deixando louco, sabia? Quero você. Desde o dia
que você apareceu na fazenda, eu não faço outra coisa a não ser pensar em
você.
Ele inclinou o pescoço para trás e eu aproveitei e o beijei, subindo até
chegar à orelha. Mordi devagar, um gemido rouco vibrou em meus lábios e
fez efeito nas minhas partes baixas.
Eu tinha perdido completamente a razão. Qualquer sinal de alerta que
ameaçava me fazer parar era automaticamente desligado. Minha mão desceu
e alcançou a ereção que estava aprisionada dentro da bermuda folgada. Eu o
senti abrindo o zíper e, logo depois, a minha mão foi guiada de encontro ao
mastro rígido. Nesse momento, quem gemeu fui eu.
Não pude esperar, retirei a minha mão molhada e lambuzada e girei-o
de frente para mim. Lambi meus dedos, gemendo. Ele puxou a mão da minha
boca e tomou o lugar dela. Senti a dor dos meus cabelos sendo puxados
enquanto ele mantinha minha cabeça firme no lugar e devorava a minha boca

129
com fúria. Aquele garoto tímido que eu tinha beijado e tirado a inocência já
não existia mais. Agora eu estava nas mãos de um homem que sabia o que
queria.
Entreguei-me ao beijo dominante ao mesmo tempo em que friccionava
nossas ereções, procurando o máximo de prazer. Os dedos dele deslizaram de
forma atrevida entre as bochechas da minha bunda até encontrar a minha
entrada. Senti a pressão no mesmo instante que meu pau vibrou e se
derramou.
— É isso que você quer? — Pressionou a minha entrada, me fazendo
querer mais. — Quer saber como é ser fodido por um homem de verdade?
Quer ter minha vara enterrada na sua bunda?
— Julian… — Não consegui continuar com todas as sensações que
estavam sendo extraídas de mim.
— Sim, Noah. Se continuarmos, é isso que vai acontecer. Sou eu que
vou me enterrar em você e não o contrário. Eu nunca fui passivo, a única vez
que fui fodido, foi à força, lembra? — Ele continuava massageando a minha
entrada enquanto meu pau jorrava.
— Sim, se é assim que você quer… — Eu já não estava me importando
com mais nada, tamanho era o estado de tesão que eu me encontrava.
Apenas terminei de dizer e minha camiseta estava sendo arrancada pela
minha cabeça. Aproveite e fiquei de joelhos na frente dele, levando junto a
bermuda que já estava aberta. A vara rígida dele ricocheteou contra o meu
rosto. Molhei meus lábios e o enterrei em minha boca, levando-o até minha
garganta, esfomeado. Lambi, chupei e suguei, como havia prometido nunca
fazer. Naquele instante, joguei todas as minhas promessas no lixo.
— Porraaaaa — ele urrou, fodendo a minha boca com o mesmo
desespero que eu o tomava.
— Mais, eu quero mais — consegui dizer. Agora que tínhamos
começado, eu queria tudo.
— Venha. — Julian me puxou para cima, ao mesmo tempo que, com
um chute, se livrava da bermuda que estava alojada em seus pés. Com mãos
ágeis, abriu o meu zíper e puxou a bermuda para baixo, então levantei meus
pés para ajudá-lo.

130
Nesse momento, minha aliança escapou do bolso. Tanto ele quanto eu
seguimos hipnotizados o caminho que ela seguia rolando pelo piso até parar
ao encontrar a borda do tapete. O som foi como um sino tibetano vibrando no
quarto fechado. Tudo parou. Um banho de gelo talvez pudesse ser uma boa
comparação para explicar o que senti naquele momento.
— Acho que já fomos longe demais — a voz de Julian parecia vir de
longe. Ele juntou a camiseta e a bermuda que estavam espalhadas no chão e
começou a se afastar.
— Julian, eu…
— Casado, lembra? Acho que se esqueceu desse pequeno detalhe… E
eu também.
— Julian, sei o que você deve estar pensando e eu sinto muito. Não sei
no que eu estava pensando. — Eu tinha perdido a cabeça, mas isso não era
tudo. Se Penn desconfiasse o que tinha acabado de acontecer, ela morreria.
Eu precisava encontrar uma forma de resolver a minha vida sem machucar
ninguém. Principalmente Penn.
— Eu não pretendo ser seu amante, Noah. Aliás, não pretendo ser
amante de ninguém. — Ele estava parado na metade do quarto e me olhava
com um misto de tristeza e decepção.
— Eu jamais proporia a você algo assim. Não sei como ficará o meu
casamento quando eu voltar, mas sei que não será mais o mesmo. — Puxei
minha bermuda de volta. Meu pau já estava calmo novamente.
— O seu casamento é problema seu. — Ele fez o mesmo que eu,
vestiu-se novamente. — Afinal, o que você é? Homossexual, bissexual,
hétero? Você olha para mim com fome e repugnância ao mesmo tempo,
posso saber que merda é essa?
— Eu não sei. Sempre sufoquei todo e qualquer sentimento que ousasse
querer vir à tona. Uma única vez eu quis experimentar, fui até um clube.
Escolhi um fora da cidade, não queria ser reconhecido, mas, ao chegar, eu vi
que tinham pessoas conhecidas por lá. Eu fugi e nunca mais voltei a pôr os
pés em outro clube novamente. Nessa mesma noite, eu pedi Penn em
casamento. Depois disso, toda vez que meus pensamentos queriam sair do
caminho, era nela que eu me refugiava. Então… Não sei como responder a
essa pergunta, pois nunca parei para me analisar. Mas eu não sou hétero

131
como você pensa. — Descansei minha bunda na cama macia. Era a primeira
vez que eu dizia essas palavras para uma pessoa em voz alta, até mesmo para
mim.
— Não importa, só perguntei por perguntar. Mesmo que você seja bi,
eu não pretendo fazer parte desse seu jogo. — Senti a cama afundando com o
peso dele ao meu lado.
— Julian, como você acha que papai e mamãe reagiriam se
descobrissem que seu único filho homem era gay? — Coloquei a cabeça
entre as mãos. Eu tinha tomado uma decisão anos antes. Eles morreram sem
saber que tipo de filho “homem” eu era.
— Eu não sei, Noah. Eu também sou filho único, mas nunca pensei
muito sobre isso. Eu contei aos meus pais e tive o apoio deles, então essa é
uma pergunta que não sei responder.
Voltei a colocar a minha aliança e olhei o meu dedo. Minha sina era
continuar a ser um marido fiel e infeliz.
— Você ficaria comigo se eu fosse solteiro?
Por apenas um segundo, os olhos dele brilharam.
— Mas você não é, e eu não nasci para ocupar um segundo lugar.
Nunca vou ser a segunda opção de ninguém, nem mesmo sua. — Ele fez
menção de se levantar, mas eu o detive.
— Meu casamento com Penn há muito não é o mesmo. Eu sempre me
esforcei para agradá-la, mas ultimamente não estava mais conseguindo. —
Depois do que tinha acabado de acontecer, eu tinha que encontrar uma
solução. Kate também ficaria arrasada.
— Esse é um problema que você terá que resolver com ela, sem me
incluir. — Ele tinha razão, mas no momento eu não estava seguindo a razão.
— Julian, você não respondeu à minha pergunta.
Vi como fechou os olhos e travou os lábios, talvez para não emitir uma
resposta que pudesse me magoar.
— Você já sabe a resposta para essa pergunta, eu não preciso
responder. — Se eu não soubesse que os olhos dele eram azuis, eu diria que
eram negros. Julian me encarava com o mais primitivo desejo explícito neles.

132
— Deus, não me olhe assim! — Pela terceira vez na mesma noite, perdi
a cabeça. Avancei sem pensar sobre sua boca com a mesma a fúria que ele
tinha me brindado momentos antes.
Ele não se fez de rogado, jogou o corpo para trás sobre a cama,
levando-me com ele. Mais uma vez, meu membro estava preso em suas
mãos. A massagem começou subindo e descendo de forma lenta. Cada vez
que ele alcançava a cabeça, eu sentia o polegar deslizando sobre a fenda
extremadamente sensível. Senti meu orgasmo se formando, minhas bolas se
contraíram, querendo explodir. Minha coluna tensionou como um arco, e meu
corpo todo ficou rígido, esperando o que estava por vir. Mas a mão
desapareceu, fazendo-me gemer desesperado com o orgasmo interrompido.
— Foda-me, Julian, pelo amor de Deus. Foda-me! — Enlouqueci.
Puxei a minha bermuda e me enrosquei no corpo dele. Tentei continuar com
a massagem, mas meu pau queria ele.
— Não, Noah. Se acontecesse alguma coisa hoje, amanhã você estaria
surtando, eu sei. Vá para o seu quarto e, no final de semana, volte para sua
esposa. Esqueça o que aconteceu aqui, pois será isso que eu farei. — Quando
vi, a porta do banheiro já estava sendo fechada.
Continuei deitado, sem querer sair de onde estava. Encontrava-me
afundado não só no colchão, mas também no poço de dúvidas em que eu
havia me metido e de onde, agora, não sabia mais como sair. Ouvi o som da
água caindo e o conhecido barulho de alguém se ensaboando. Com muito
esforço, ergui meu corpo, que no momento parecia pesar uma tonelada, e
arrastei-me para fora de cama. Senti o tapete fofo acariciando as solas dos
meus pés – pelo menos uma sensação boa, porque, no resto do meu corpo, a
sensação era que ele tinha sido atingido por um meteorito gigantesco.
Continuei arrastando-me, colocando um pé em frente ao outro, até
alcançar a porta. Saí e segui como um autômato pelo corredor. Ao sentir
meus joelhos tocando a borda da cama, eu me inclinei para a frente e me
deixei cair. Bloqueei todo e qualquer sentimento que pudesse querer vir à
tona e me desliguei. Eu era um especialista em me desligar, era o que fazia
com mais frequência. Não estava preparado para analisar o que tinha
acontecido, como também não queria pensar em Penn e tudo que poderia
acontecer se ela soubesse que eu era uma grande fraude. Não só ela, mas
todos – Kate, Jordan, Elijah… Eu seria a vergonha de toda a redondeza.

133
Acordei com uma mão sacudindo meu ombro. Continuava na mesma
posição em que me lembrava de ter caído na noite anterior, de bruços, com a
cabeça apoiada sobre meu braço. Gemi com a dor de ter dormido com o
pescoço mal posicionado e não consegui voltá-lo à posição. Todo meu corpo
doía. Se na noite anterior eu sentia como se um meteorito tivesse caído sobre
mim, nesse momento era o universo. Fiz um esforço para girar o corpo, mas
foi impossível, tive a impressão de que todos os ossos do meu corpo estavam
quebrados, e a minha cabeça não estava em melhor estado.
— Noah, você está bem? — A voz de preocupada de Julian entrou
pelos meus ouvidos e deslizou como um bálsamo, aliviando grande parte do
meu miserável sofrimento.
— Sim, estou. Só acho que dormi de mau jeito, estou todo moído. —
Senti as mãos dele entrando por baixo do meu corpo e me ajudando a ficar de
costas.
— E a cabeça, como está? — Agora que estava de frente, podia vê-lo.
Os cabelos soltos caindo sobre os ombros, úmidos, como se tivesse acabado
de sair do banho. A barba feita com algum tipo de loção cara, invadindo
meus já sensíveis sentidos, mas o que me prendeu foi o olhar preocupado e
carinhoso. Nunca senti que alguém tivesse me olhado da forma com que ele
me olhava.
— Explodindo.
Senti as mãos dele indo até a minha cabeça e os dedos se emaranhando
nos fios rebeldes do meu cabelo.
— É… Ontem, você exagerou. Tome. — A mão que estava sobre a
minha cabeça foi até minhas costas, me ajudando a ficar sentado. — Vai lhe
fazer bem.
— O que é isso? — Ele me mantinha firme ao seu lado, enquanto
segurava dois comprimidos em frente aos meus olhos.
— Apenas tome. Não tenha medo, não pretendo envenenar você —
sorriu.
— Eu sei. E sobre ontem… — Fui interrompido.
— Noah, tome o remédio. Você vai ficar bem. Sobre ontem, eu não
quero falar — suspirou, forçando o remédio em minha mão.

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— Julian… — Novamente, fui calado.
— Kate ligou, está desesperada atrás de você, assim como a sua esposa.
— Deu ênfase no “esposa” e a palavra ricocheteou no meu cérebro como um
eco.
— Eu vou ligar, só não sei onde deixei meu celular. — Levantei-me,
olhando ao redor, procurando ao mesmo tempo que sacudia a minha cabeça,
tentando desesperadamente fazer desaparecer a imagem acusatória de Penn.
— Pelo que eu entendi, você não disse a eles que está hospedado na
minha casa. — Agora o tom de acusação vinha dele.
— Posso explicar. — Joguei os comprimidos na minha boca e os
empurrei garganta abaixo com a água que ele havia deixado na mesa ao lado
da cama.
— Não estou pedindo nenhuma explicação, Noah. Apenas encontre o
seu telefone, ligue para a sua família e os acalme. Se pudesse, eu emprestaria
o meu, mas, supostamente, neste momento eu não estou com você. — Ele
começou a olhar ao redor, procurando o celular.
— Vou fazer isso. — Fui até o banheiro, havia me lembrado que na
noite anterior eu o havia deixado sobre a bancada. Peguei-o e o trouxe de
volta comigo. — Já o encontrei.
— Quando estiver pronto, desça para tomar café. Hoje a Holly tem seu
dia livre, mas eu também sei fazer algumas coisas. — Ele já estava se
dirigindo à porta.
Procurei o carregador e, enquanto carregava, tomei o meu banho. Olhei
para a minha mala pensando no que vestir, então me lembrei que ele estava
com um jeans, e acabei por escolher o mesmo. Ao pegar o celular, vi que já
tinha um pouco de carga, então eu o desconectei e fiz a chamada. Enquanto
esperava completar a ligação, eu me recostei na cabeceira da cama e pensei
em uma boa desculpa que pudesse acalmar Kate.
— Noah? — Só pelo tom pude perceber que, se eu estivesse perto, ela
me mataria.
— Kate. Desculpe-me por não ligar, mas aconteceram tantas coisas…
Tive problemas com o voo atrasado, minha reserva cancelada e, ontem, fiquei
sem bateria. — Olhando de fora era muita coisa, e nenhuma valia como

135
desculpa para não ter ligado. Mas, no momento, eram as únicas que eu tinha.
Também sabia que ela não engoliria nenhuma delas.
— Dois dias, Noah! Você teve dois dias para ligar. Sabe o que é isso?
O que está acontecendo? — Ela estava furiosa.
— Nada, não está acontecendo nada. Só que aconteceram muitas coisas
seguidas. — Fiquei de pé e andei sem rumo pelo quarto fechado, parando em
frente à porta corrediça.
— Só fiquei sabendo do problema com o hotel porque Penn me contou.
Isso porque ela ligou para você e não o contrário. — Dificilmente Kate ficava
tão chateada comigo, mas agora eu percebia que ela estava mais que
chateada.
— Desculpe-me, sim? Foi sem querer. A partir de hoje, vou ligar todos
os dias. Está bem? — Eu a ouvi resmungando do outro lado.
— Não quero que você fique pedindo desculpas, só queria que tivesse
um pouco mais de consideração. Afinal, ligamos para o hotel e não o
encontramos. Nem o celular você atendeu. Fiquei preocupada. — Ouvi um
suspiro e percebi que a raiva havia passado. No lugar, só estava uma irmã
preocupada.
— De verdade, sinto muito, Kate, mas já está tudo resolvido. — Voltei
a me sentar na cama, enquanto ouvia o sermão de como ela havia se
desesperado quando não pôde me localizar.
— Acho que gritei com o Nath. Quero dizer, com Julian — eu a ouvi
dizendo em um determinado momento. — Não sabia que ele não gostava de
ser chamado de Nath — completou.
— Não, ele não gosta. Mas por que você gritou com ele? — Não podia
imaginar Kate gritando com ele, afinal, ela fazia questão de jogar na minha
cara o quanto ele era fino e educado.
— Disse a ele que, por culpa dele, você estava desaparecido. Que se
tivesse tido a gentileza de hospedar você, nada disso estaria acontecendo.
Acho que exagerei — ela disse baixinho.
— Não se preocupe. Ele deve ter entendido que você estava nervosa.
Vou conversar com ele. — Agora entendia o porquê de ele não me emprestar
o celular. Kate não sabia que eu estava na casa dele.

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— Faça isso. Não tenho mais coragem para ligar para ele. Fui muito
grossa e mal-educada.
— Fique despreocupada, Kate. Farei isso. — Levantei-me novamente
da cama e saí do quarto, afinal, Julian havia dito que me esperaria para o café.
Eu já tinha feito muitas burradas, não queria deixá-lo esperando também.
— Ok, avise-me depois se ele ficou muito chateado comigo e não se
esqueça de ligar para Penn. Acho que ela está até mais desesperada do que
eu. — Conversar com Julian já não ia ser fácil, com Penn seria pior ainda.
— Sim, vou tomar café e ligar para ela. — Comecei a descer as escadas
no mesmo instante em que a minha barriga roncou com o cheiro bom que
estava vindo da cozinha.
Desliguei, prometendo voltar a ligar assim que pudesse. Entrei na
cozinha e Julian estava sentado em uma banqueta em frente ao balcão. Duas
omeletes e uma bandeja de frios se exibiam ao lado de uma cesta de
pãezinhos. Fiquei com água na boca.
— Está melhor? — Ele fechou o laptop que estava em frente a ele
assim que me viu entrando.
— Sim, a dor já passou, obrigado. — Puxei uma banqueta livre em
frente a ele e me sentei, enquanto ele enchia um copo com um suco escuro.
Olhei para ele, curioso.
— Mirtilo. Vai lhe fazer bem. — Baixei a cabeça, eu não merecia. Ele
só me devolvia carinho depois de tudo que eu havia feito a ele. Eu me senti
cuidado, mimado. Nem Penn me tratava com tanto carinho como ele estava
me tratando. — Que foi, você não gosta? É alérgico?
— Não é isso. Só que não temos mirtilo na fazenda, então não me
lembro de ter tomado — tratei de responder logo, antes que ele percebesse
como estava me afetando.
— Ah… Espero que goste, então. — Ele empurrou devagar o copo em
minha direção e eu o peguei, levando aos lábios. Tomei devagar, sentindo o
sabor intenso.
— Muito bom, gostei. Foi você que fez? — O sorriso de menino que eu
ainda me lembrava estampou no rosto forte de homem e fez um estrago
dentro de mim.

137
— Obrigado. — Continuou sorrindo enquanto puxava um prato com
uma omelete para a frente dele. Ele levou uma garfada à boca e começou a
mastigar devagar. Fiz mesmo que ele e comecei a comer a minha omelete.
— Nossa, está demais! — exclamei, mas era impossível não gostar. —
Não sabia que você cozinhava tão bem.
— Eu me viro. — Continuou sorrindo, tímido. Partiu um pãozinho com
a mão e o colocou na boca. O suave gemido de prazer que escapou da
garganta dele quase me fez engasgar.
— Você estudou? — Nesse momento, ele parou de sorrir. Por um
segundo, os olhos escureceram com uma tristeza, que ele rapidamente tratou
de esconder.
— Quando saí da fazenda, eu fiquei um ano em casa antes de ir para
faculdade. Nesse tempo, eu ia para a cozinha com a minha mãe e
cozinhávamos. Era um ótimo passatempo. — Pela forma que ele terminou o
curto relato, pude perceber que havia muito mais por trás do que ele estava
disposto a contar.
Como ficou calado, eu não quis insistir. Além das nossas lembranças de
infância, eu sabia que as demais não haviam sido muito fáceis. Tanto ele
como eu havíamos perdido nossos pais. Tratei de afastar a nuvem negra que
insistia em querer tomar conta da nossa manhã. Terminamos de comer e,
como ele tinha tido a gentileza de preparar o café, comecei a retirar e guardar
tudo.
— Não precisamos colocar na máquina. São apenas duas xícaras e dois
pratos. Deixa que eu lavo. — Fui atrás dele quando o vi querendo abrir a
máquina e colocar dentro dela a pouca louça que havíamos usado.
— Não é pouca louça. As coisas que eu sujei para preparar já estão
aqui. — Ele se endireitou no mesmo instante em que eu me agachei, fazendo
meu corpo se chocar contra o dele.
— Desculpe-me — apressei-me em dizer, mas senti o braço dele indo
em direção ao meu quadril, evitando que me chocasse contra o balcão. Com
isso, nossos corpos ficaram colados, principalmente nas áreas mais sensíveis.
O tempo que a mão dele permaneceu na minha bunda foi além do
necessário. Meu sangue disparou pelas minhas veias indo em direção a um
lugar onde, no momento, eu não precisava dele, deixando o meu cérebro mais

138
lento. Com esforço, consegui reverter a situação.
— Está tudo bem, me dê a louça e eu carrego a máquina. — Com o
esforço que estava fazendo para não deixar transparecer tudo que estava
acontecendo comigo, minha voz saiu mais rouca do que eu queria. Entreguei
as xícaras e pratos que já estavam dentro da pia a ele.
— Vou dar uma olhada na internet e ver se consigo reservar o mesmo
hotel de novo.
— Noah, você não precisa procurar outro hotel. Pode ficar aqui.
Parei no meio do caminho. Continuar no apartamento com dele era, no
momento, o que eu mais queria, mas ao mesmo tempo não sabia por quanto
tempo resistiria.
— Não sei se essa é uma boa ideia. — Dei a volta para olhar para ele,
que estava encostado no batente da porta da cozinha e me olhava de forma
enigmática.
— Por que você não contou à Kate que estava hospedado na minha
casa? Ganhei uma bronca por isso. — Um sorriso tímido apareceu no canto
da sua boca, mas ficou ali, já os olhos mostravam outra coisa.
— Eu não pensava em ficar aqui mais que um dia, por isso não contei.
Entende?
O sorriso se alargou, mas agora era de deboche. Nós dois sabíamos que
eu estava mentindo.
— Sim, eu entendo até mais do que você está dizendo. Eu não cheguei
onde estou agora sendo burro. Entende? — Quando abri a minha boca para
responder, meu celular tocou e o rosto sorridente de Penn apareceu na tela. —
Atenda a sua esposa.
Vi apenas as costas dele desaparecendo dentro da cozinha novamente.
Eu precisava de mais tempo para conversar com a Penn. Teria que ser uma
conversa longa e difícil, mesmo não tendo ideia de até onde eu conseguiria
me abrir.
— Penn? — Sentei-me no último degrau de escada que levava ao andar
superior. Minhas mãos estavam suando, sentia todo o meu corpo tremendo
descontroladamente. Eu estava à beira de um ataque de pânico.

139
— Noah… — Uma dor atravessou o meu peito ao ouvir a voz baixa e
triste dela. Eu estava preparado para ouvi-la berrar no meu ouvido, mas não o
contrário. — O que está acontecendo? Desde que você se foi, praticamente
esqueceu que eu existo.
— Eu ia ligar para você, precisamos conversar. — Se eu estava me
sentindo sufocado apenas por pedir um tempo a ela, agora eu sabia que não
conseguiria continuar.
— Conversar? — O medo era perceptível em sua voz. — Noah, você
está me assuntando. O que temos para conversar? Diga-me.
— Temos que ter uma conversa séria, mas não pode ser por telefone.
Quando eu voltar, podemos conversar. — Agora as minhas mãos tremiam de
tal maneira, que eu tinha que me esforçar para não deixar o celular cair.
— Eu não vou conseguir esperar até você voltar, preciso saber se fiz
alguma coisa errada. Por que tanto suspense? — A voz dela começou a ficar
histérica.
— Preciso de um tempo, Penn. — Enquanto ela estava histérica, eu só
tremia e suava.
— Posso dar a você todo o tempo do mundo, diga apenas que ainda me
ama.
O tempo parou. Amar? Amor, amor… Milhões de definições
desfilaram em minha frente, enquanto eu tentava dizer algo que não a
machucasse. Ainda continuava pensando em uma resposta, quando Julian
saiu da cozinha. Parou quando me viu sentado na escada, nossos olhos se
cruzaram por apenas um milésimo de segundo, mas foi tempo de sobra para
eu ter a certeza do que estava precisando. Eu amava Penn, mas jamais a
amaria como amava o homem parado à minha frente.
— Com licença. — Julian passou por mim, subindo rápido as escadas,
talvez para evitar ouvir o que Penn e eu conversávamos.
— Sim, eu amo você — respondi baixo quando vi que Julian já havia
desaparecido no andar acima de mim —, mas mesmo assim precisamos
conversar.
— Se você diz que ainda me ama, eu fico mais tranquila.
Pensei por um momento que em vez de resolver, eu consegui complicar

140
ainda mais.
— Penn querida, você entendeu que vamos conversar? Que o tipo de
amor… — Eu precisava explicar a ela que o tipo de amor que eu sentia por
ela não era o que ela estava pensando. Talvez fosse um carinho muito
especial.
— Entendi, sim. Entendo que todos os casais enfrentam dificuldades de
vez em quando no relacionamento, mas quando há amor, tudo pode ser
superado. — Ela já não mostrava mais tristeza na voz, e eu me sentia péssimo
por isso.
Contei a ela sobre meu sábado e ouvi tudo o que ela havia feito, os
lugares para onde havia ido. Depois de quase meia hora, encerramos a
conversa. Fiquei sentado na escada vendo um futuro negro vindo em minha
direção.
— A conversa foi muito difícil? — Dei um pulo. Não tinha percebido
Julian se aproximando.
— Bastante. — Olhei para o celular mudo em minhas mãos. Eu
precisava tomar uma decisão em relação ao meu futuro, já estava na casa dos
trinta e não me lembrava de ter tido um dia realmente feliz.
Julian sentou-se ao meu lado no degrau da escada. Continuei olhando o
telefone em minha mão. O passeio na companhia de Julian no dia anterior me
fez entender o sentido da felicidade. Olhei para ele sentado quieto ao meu
lado, sabia que no futuro eu procuraria por esses momentos e seria infeliz se
não os tivesse.
— Vamos? — Ele já estava parado à minha frente.
— Vamos para onde? — Segui o exemplo dele e fiquei em pé.

141
Capítulo X

JULIAN FOX

Eu estava com muita raiva de Noah, não só por ele ter trazido de volta
o que levei anos para superar, mas também porque eu sabia que ele jamais
aceitaria a sua condição de homossexual. Ele sofreria, mas morreria negando.
Prova disso foi vê-lo tão mal depois de falar com a esposa – e, por mais que
eu estivesse com raiva, não podia vê-lo sofrendo. Ele era o único que tinha o
poder de deter o sofrimento. Eu era um estúpido masoquista, sabia que
sofreria quando ele se fosse e, mesmo assim, queria aproveitar os poucos dias
que tínhamos pela frente.
— Vamos? — Os olhos verdes, que segundos antes estavam tristes,
brilharam com o puro sorriso de criança.
— Vamos para onde? — E como uma criança, ao fazer a pergunta ele
já estava disposto a embarcar na aventura desconhecida.
— Você vai ver. — Olhei para ele – jeans e camiseta –, perfeito para o
que eu tinha em mente.
— Vou colocar um sapato. — Ele correu escada acima. Pernas, bunda,
tudo me chamando da forma mais descarada possível.
— Um tênis seria perfeito. Você trouxe um?
Ele parou, passou as mãos pelo cabelo bagunçado, pensando por um
instante. — Acho que tenho um, sim — sorriu, terminando de subir os
últimos degraus.

142
Enquanto ele se arrumava, eu fui até o escritório, comprei e imprimi o
voucher para o passeio. Ainda estava sorrindo como bobo da corte, feliz,
quando meu celular tocou. Poul.
— Onde você pensa em se esconder hoje com o seu amor platônico? —
Olhei para o telefone. Será que Frank havia deixado Poul na vontade? Era
esse o motivo desse mau humor logo pela manhã?
— Bom dia para você também. Dormiu mal ou não teve a sua foda
matinal? — Ele não ia conseguir estragar o meu dia.
Se alguém tinha direito de se levantar mal-humorado, era eu. Depois de
Noah ter deixado o quarto, passei quase uma hora no banho gelado e ainda
assim tive que dormir duro. E pior, tive sonhos molhados.
— Vai se foder, Julian. Você sempre liga para planejar alguma coisa e
já é quase meio-dia e nem um bom dia eu recebo. — Ele estava com ciúmes,
ou talvez só ressentido, mesmo tendo Frank ao seu lado.
— Eu estava pensando em levar Noah para um passeio de barco pelo
Hudson. Você e Frank não querem se juntar a nós? — Enquanto esperava
pela resposta, girei minha cadeira e admirei a vista radiante. Um dia de sol no
Central Park, mesmo de longe, era fantástico. Ele permanecia mudo. — E
então, aceitam?
— Pensei que esse passeio fosse apenas para casais de adolescentes
românticos. Foi o que você me disse uma vez quando eu fiz esse mesmo
convite a você, lembra?
Voltei a minha cadeira a posição normal, o dia já não parecia tão lindo.
Poderia dar a ele um milhão de desculpas, mas não seria justo. Em apenas
uma semana, eu havia despejado sobre ele mais informações que nos cinco
anos que havíamos passado juntos. Podia perfeitamente entender o que ele
estava sentindo.
— Sim, eu me lembro, mas é exatamente assim que eu estou me
sentindo agora, Poul, um estúpido adolescente romântico. E apaixonado. —
A verdade caiu com toda a força sobre mim. Apesar de tudo que Noah me fez
passar, eu continuava completamente apaixonado por ele. O amor de
adolescente não havia se extinguido, apenas se intensificado.
— Estou com medo, Julian, estou com muito medo que você se
machuque novamente. — O tom dele havia mudado de irritado para

143
preocupado.
— Isso não vai acontecer. Agora eu sei onde estou pisando. — No
momento, eu só pensava em aproveitar os poucos dias que Noah ficaria na
cidade, sem ultrapassar nenhuma barreira. Depois, ele voltaria para a esposa,
e eu continuaria a minha vida, apenas com recordações.
— Se ele sonhar em machucar você, eu juro que o mato. — O Poul
protetor se fez presente, me fazendo rir.
— Fique tranquilo, isso não vai acontecer. — Talvez
inconscientemente eu procurava a proteção dele. No fundo, eu sabia que
estava me dirigindo em direção à minha destruição por vontade própria.
— Espero que não mesmo, e que você saiba o que está fazendo.
Por que era tão difícil querer me sentir vivo por apenas alguns dias?
— Eu sei, sim. Se depender de mim, ele não vai trair a esposa, se é isso
que você está pensando. No fim da semana, ele voltará para ela da mesma
forma que chegou. Nada vai acontecer. — Ouvi um suspiro do outro lado da
linha.
— Está certo, se cuide — ele resmungou.
Pensei em dizer algo mais, mas ouvi Noah me chamando, então eu me
levantei e fui até a porta, chamando-o para indicar a ele onde eu me
encontrava.
— Estou pronto. — Ele parou à minha frente. Seu cheiro invadiu o meu
espaço e me fez repensar em tudo que acabara de dizer a Poul. Ia ser muito
difícil cumprir a palavra de me manter afastado.
— Você está cheirando bem. — A barba de um dia havia desaparecido
e, no lugar, o rosto fino liso apareceu. Meus dedos coçaram com a vontade de
acariciá-lo.
— Fiz a barba, espero não ter demorado — explicou meio sem jeito. —
Estava me sentindo um porco-espinho — completou.
— Porco-espinho — murmurei devagar. A imagem do porco-espinho
desapareceu e, no lugar, surgiu o rosto dele passando a barba em minhas
bolas, enquanto sugava o meu pau. Tremi.
Não sabia o quanto havia deixado transparecer, mas pelo olhar que

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recebi de volta, percebi que foi muito. Passei por ele e fiz sinal para que me
seguisse. Entrei no elevador e apertei para descer apenas um andar. Não
podia sair sem dar uma olhada em Emily. Já tinha ganhado uma bronca de
Poul, não queria receber mais uma dela. Abri a porta com a minha chave e
Noah novamente me olhou com curiosidade. Enquanto me dirigia ao quarto,
expliquei a ele que tínhamos as chaves do apartamento um do outro, apenas
um cuidado. Eu gostava de cuidar dela como se fosse a minha mãe e sentia
que era recíproco.
— Emily — chamei depois de ver que tudo estava silencioso – quarto,
banheiro, cozinha. Dei mais uma geral no apartamento. Eu tinha confiscado o
celular de ambas, então, estavam incomunicáveis. Para onde a idiota a teria
levado? Já estava começando a me recriminar por ter deixado Emily nas
mãos da irresponsável.
— Julian! — Era a voz de Noah. — Elas estão aqui.
— Onde? — Quando voltei à sala, que era de onde vinha a voz, eu o vi
parado em frente à porta que dava acesso à varanda, e um frio percorreu meu
corpo. Emily não saía nunca, tinha pavor da altura. Ela gostava de olhar a
paisagem através do vidro, nunca do outro lado. — O que elas estão fazendo
aí?
— Olá, Julian. — O sorriso amarelo de Emily deu-me a pauta do pavor
que estava sentindo. Ela ia acabar tendo um segundo enfarte.
— Por que você está aqui fora? — Eu já imaginava, mas não queria ser
injusto ao acusar sem motivos.
— Rose queria tomar sol aqui.
Olhei para a idiota que estava deitada em uma espreguiçadeira vestindo
um biquíni minúsculo. Vi quando tentou esconder o fio de um fone de
ouvido, que estava conectado a um celular.
— Rose? Você não sabe que a sua avó tem medo de altura? — Ela fez
cara de incredulidade, mas eu sabia que era fingimento. Peguei Emily no colo
e a levei para dentro. O suspiro de alívio que ela deu foi audível.
— Só saímos um pouquinho, não foi, vovó? — Tive pena de Emily,
que estava fazendo de tudo para agradar a neta, quando deveria ser o
contrário.

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— Que lindo seu celular, Rose. Pensei que você tivesse dito que estava
sem. — Queria saber como ela tinha conseguido um celular.
— Sim, ela me disse que perdeu a bolsa com todos os cartões e o
celular. Imagina que estava com vergonha de me pedir? Eu dei o dinheiro a
ela para comprar. E você pode resolver os problemas dos cartões, não pode,
querido? — Sim, claro que eu podia.
— Claro, querida, vou resolver esse problema rapidinho. Rose, pode vir
comigo um instante? Preciso anotar os seus dados para pedir um novo cartão.
Ela revirou os olhou e me seguiu em direção à cozinha.
— Não tenho culpa se ela quis me dar um celular assim que soube que
eu estava sem — ela foi se defendendo assim que a porta se fechou atrás dela.
— Não quero saber. Você vai dar um jeito de perder esse celular hoje
mesmo, ouviu? E esqueça os cartões. Eu já avisei que se você não melhorar
até o final da semana, vai ter que se mudar para viver embaixo de uma ponte.
— Saí da cozinha e a deixei sozinha, resmungando todas as maldições que o
alfabeto permitia.
— Vocês ficam para almoçar conosco? — ouvi que Emily estava
perguntando a Noah.
— Não, não vai dar. Vou levar Noah para conhecer o Hudson, e já
estamos atrasados, mas aceitamos o lanche da tarde. Diga a Rose para
preparar, não quero você fazendo nenhum esforço. — Dei-lhe um beijo no
rosto e saí. Já estávamos muito atrasados, ainda bem que Tyler estava nos
esperando e ele era melhor que George no quesito pé de chumbo.
— Você vai ter que correr. Temos que estar no píer ao meio-dia.
Ele olhou para o relógio, pensativo. Se ele não corresse, perderíamos o
barco.
— Daremos um jeito, mas o senhor não vai perder o passeio. — Ele
acelerou, saindo da garagem e entrando na Madison Avenue.
— Espero que não. Confio em você para nos fazer chegar a tempo. —
Saímos na 5ª Avenida, e ele fez menção de atravessar o parque.
— Esse caminho é mais longo, não vamos conseguir. — Eu já estava
nervoso. Mesmo não sendo nosso caminho habitual, eu sabia que o caminho

146
que cruzava o parque era o mais longo.
— Cruzarei pela 97th Street Transverse e West 96th Street até a NY
9AN, seguirei por ela até o Chelsea Piers. Mesmo sendo o caminho mais longo
e com trânsito intenso, é o mais rápido. A não ser que haja alguma obra no
caminho. — Enquanto falava, ele dirigia de forma magistral.
Como ele havia dito, o caminho era longo, mas o trânsito fluía bem.
Chegamos a tempo, um dos últimos. Começamos o passeio no deque
exterior, onde ficamos aproveitando a vista por um tempo, admirando a
paisagem. Vários casais apaixonados aproveitavam o dia de sol. Quando ouvi
o som de um piano, chamei Noah para entrar e encontramos uma mesa em
um bom lugar. A claraboia no teto e os janelões de vidro de um extremo ao
outro, não deixava perder nada da vista. O ar fresco, a boa comida e o jazz
suave ecoando no piano estavam fazendo o passeio ser mais perfeito do que
eu teria imaginado.
Chamei a atenção de Noah. Estávamos passando em frente ao One
World Trade Center. Os raios do sol refletindo sobre a imensa parede de
vidro azul era de tirar o fôlego. Ele girou a cabeça e apontou para a Estátua
da Liberdade. O barco estava fazendo uma curva e nos encontrávamos entre
dois monumentos ícones da cidade de Nova Iorque – a estátua à nossa direita
e o One World à esquerda –, além da Brooklyn Bridge à frente. As janelas do
meu escritório tinham essa vista, mas eu nunca havia parado para pensar
como era fabulosa. Só agora podia ver toda a beleza que chamava a atenção
de tantos turistas.
— Esse está sendo o melhor passeio que eu já fiz na vida. — A voz de
Noah soou rouca e sua mão quente pousou sobre a minha. Percebi que a
emoção o estava afetando. Se não fosse isso, ele jamais me tocaria em
público. Fechei meus olhos e senti o toque suave dos dedos deslizando sobre
o dorso da minha mão. — Obrigado.
— Não tem o que agradecer, esse é um passeio que turistas fazem ao
visitar a cidade. — Olhei para a minha mão onde ele delicadamente fazia
carinho, era uma sensação maravilhosa, mas esperava que a qualquer
momento surtasse ao perceber que estava me acariciando em um restaurante
lotado.
— Talvez. Talvez seja um passeio comum para a maioria dos turistas,
mas não para mim. Você pensou em mim quando planejou. Está perfeito,

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Julian. — Ele começou a se inclinar em minha direção.
A música continuava lenta, suave, com murmúrios das pessoas ao
nosso redor, muitos dos quais eram casais que conversavam baixinho. Segui
hipnotizado a boca vindo para mim em câmera lenta, até uma explosão de
pequenas fagulhas dispararem em todas as direções dentro do meu corpo com
o toque suave e macio dos lábios de Noah.
— Noah — gemi, rouco e sem controle —, o que pensa que está
fazendo?
— O que quis fazer desde que você entrou no meu quarto essa manhã.
Senti os dentes me mordendo devagar, a língua serpenteando de forma
atrevida para dentro da minha boca em busca da minha. Eu tinha que me
livrar da dominação que ele estava exercendo sobre mim.
— Você reparou que estamos em um lugar público? — Distanciei a
minha boca da dele, tomando fôlego e tentando de todas as formas controlar a
minha respiração.
— Sim, mas ninguém está prestando atenção em nós. — Eu não estava
preocupado comigo, muito menos com as pessoas ao nosso redor, era com ele
que eu estava preocupado.
Olhei a taça do nosso syrah e não estava nem na metade. Voltei a olhar
para ele que estava, novamente, sentado. Minha mão continuava enlaçada
com a dele, que seguia com as carícias. Eu nunca havia escondido a minha
sexualidade, os primeiros a saberem tinham sido meus pais. No mundo dos
negócios, eu era conhecido e respeitado – todos sabiam da minha preferência
sexual, como também que Poul, por muitos anos, havia sido meu
companheiro.
Respirei várias vezes, tentando fazer a minha frequência cardíaca
normalizar. Devagar, puxei a minha mão de volta à minha frente, tomei um
gole do meu vinho, e ele fez o mesmo. Talvez, assim como eu, ele também
estivesse precisando desacelerar. Empurrei para o lado a panna cotta de
frutas vermelhas que estava à minha frente. O garçom retirou a louça usada,
deixando apenas as nossas taças e a garrafa. Enquanto esse tempo passava,
aproveitei para me acalmar. Noah parecia uma criança solta em um parque
depois de passar muito tempo trancada em um quarto e, no momento, ele
estava me vendo como sua montanha-russa – um brinquedo atraente e

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perigoso. Era isso que eu significava para ele.
— Eu sei que ninguém está olhando e, muito menos, se importando,
mas não é esse o problema. — Ele me olhou sem entender. — Você é o
problema, Noah.
— Eu? — Continuou me encarando.
— Sim. Mesmo que ninguém estivesse olhando, quando você
percebesse o que estava fazendo, iria pirar.
Ele sorriu como um menino travesso que sabe que está fazendo coisa
errada, mas mesmo assim continua.
— Ninguém aqui me conhece, é como se estivéssemos em um quarto
fechado. Depois que descermos, ninguém se lembrará que nos viu. — Tomou
um pouco do vinho me encarando e sorrindo.
— Afinal, o que você quer de mim? Um pouco de diversão? É isso? Já
tivemos essa conversa ontem, quando você estava bêbado. Se não está
lembrado, volto a repetir que não sou segunda opção de ninguém. — No
momento, toda a beleza do passeio estava desaparecendo. Ele transaria
comigo, depois me chamaria de bicha louca novamente e voltaria para a
esposa. Era isso que ele queria.
— Não, Julian, a última coisa que eu quero é brincar com você. Passei
muito tempo não só me escondendo, mas escondendo os meus sentimentos
também. Por que acha que abusei de você? Eu estava com muita raiva... raiva
por não ter a coragem que você tinha, por sentir talvez até mais do que você
sentia por mim. Naquela noite, descontei toda a minha frustração em você. E
acredite, todos os dias eu me arrependo do que fiz. — Ele parou de falar e
olhou para algum ponto fora do barco que só ele podia ver.
— O passado passou, não posso mudá-lo, mas o futuro sim. Por isso,
peço a você para não fazer mais isso. Você sabe o que eu sinto por você. Na
próxima vez, pode ser que eu não resista, ou não queira resistir.
Ele sorriu e levou a minha mão até os lábios, beijando devagar. Senti
quando passeou a língua por ela. Se a intenção dele era me deixar maluco,
estava conseguindo.
— Pare, Noah! Pare! Não pense que vai conseguir algo agindo assim
comigo. Você é casado, lembra? — Nesse momento, ele pareceu entender e

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baixou a minha mão sobre a mesa, mas não a largou, continuou mantendo-a
firme com a dele.
— Conversei hoje com a Penn e pedi um tempo a ela. — Respirou
pesado, deixando o ar sai dos pulmões. — Podemos sair? — Ele já estava se
levantando. Procuramos um lugar no deque e nos sentamos, a maioria das
pessoas ainda estava dentro do barco, então tínhamos mais privacidade.
— Sim, você pediu um tempo para poder ficar comigo e depois voltar
para ela. É esse o seu plano?
Ele voltou a pegar a minha mão e a puxou para o colo. Ficou um tempo
só olhando a paisagem, ouvindo o barulho dos barcos que cruzavam conosco.
— Vou mentir se disser que tenho um plano. No momento, a única
certeza que eu tenho é que não posso mais continuar com a vida que tinha.
Tenho que conversar e resolver as coisas com Penn. A última coisa que quero
é magoá-la, mas não vou poder ser mais o marido que ela espera. Aliás,
nunca fui.
Ele voltou a se levantar e caminhou em direção à lateral do barco até
parar no corrimão, segurando-o com ambas as mãos, baixou a cabeça e ali
ficou. Fui até ele e o abracei por trás. Ele se endireitou e girou dentro do meu
abraço, abraçando-me também.
— Vai dar tudo certo. Você vai encontrar uma forma de resolver sem
machucar ninguém.
Senti os braços dele me apertando com ainda mais força.
— Nunca fui realmente feliz, Julian. Sempre tratei de viver a vida que
todos esperavam. Não queria decepcionar a minha família e tentei ser o filho
perfeito. Mas não estou mais suportando. — Aninhou a cabeça na curva do
meu pescoço, procurando carinho.
— Você não pode saber se os decepcionaria ou não, já que nunca
conversou com eles. Eu acho que eles estariam muito mais decepcionados se
soubessem que você não é feliz, ouviu?
— Lá não é Nova Iorque. Eu me transformaria na chacota de todos.
Com isso, faria todos sofrerem, até a fazenda poderia ser afetada. — Ele
realmente acreditava no que dizia, percebi o pavor que tinha do preconceito.
— Vem aqui. — Tomei sua boca, beijei-a, provei-a, acariciei com a

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minha língua todo o seu interior, conhecendo cada cantinho. Explorei, senti,
queria gravar em minha memória todos os segundos daquele beijo para
relembrar mais tarde cada pequeno detalhe. Quando me senti satisfeito, eu me
afastei. Os olhos dele brilhavam.
— Em todos esses anos ao lado de Penn, eu nunca senti o que sinto
quando você me beija. — Ele mordiscou o canto da minha boca de volta.
— Mas você sabe o quanto isso é errado, não sabe? — Tomei o rosto
dele entre as minhas mãos, forçando-o a me olhar de frente.
— Já disse, vou conversar com Penn e pedirei o divórcio, não posso
mais voltar para a minha antiga vida. Ao chegar em casa, essa será a minha
primeira providência. — Ele se desvencilhou de mim e quando quis puxá-lo
de volta, fomos avisados pelo alto-falante que devíamos nos preparar para
desembarcar.
Junto com os demais passageiros, nos dirigimos à área de desembarque.
Tyler já estava nos esperando. Tínhamos combinado o lanche no apartamento
de Emily, assim, aproveitei o resto da tarde para passear de carro, mostrando
a Noah outros pontos turísticos. Passamos em frente à Broadway, visitamos a
St. Patrick’s Cathedral. Quando entramos em casa, joguei a chave sobre o
aparador. Já era noite, Emily nos havia retido com suas histórias, ao mesmo
tempo em que queria saber sobre o nosso dia.
Dei um beijo rápido de boa-noite em Noah e fui para o meu quarto,
enquanto ele entrava no dele. Segui para o banheiro, já sabendo que essa seria
mais uma noite em claro. Escolhi uma seleção de músicas da minha galeria e
deixei tocando bem baixinho. Liguei a minha luz noturna, apertei o botão e o
blackout baixou, deixando ao quarto aconchegante. O colchão afundou com
meu peso, puxei o travesseiro, acomodei minha cabeça e esperei o sono que
eu sabia que não viria.
Já não sabia mais o que fazer. Eu tinha prometido a mim mesmo que
não me tocaria por ele, mas, depois de mil voltas e com o pau duro de doer,
eu me entreguei. Com raiva, chutei o edredom para longe e levei a mão ao
pau, apertei-o e empurrei para baixo com força, deixando livre a cabeça que
estava explodindo de tesão. Com meu dedo, circulei a fenda, fazendo jorrar
pré-sêmen. Gemi sozinho de prazer. Continuei subindo e descendo. A cada
descida eu imaginava me enterrando em Noah e, com isso, ficava cada vez
mais perto do ápice.

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Soube exatamente o momento em que ele entrou no quarto. Não
precisei abrir meus olhos para saber exatamente onde ele estava. Saber que
estava sendo visto aumentou ainda mais o meu tesão. Continuei procurando o
meu prazer até sentir que já não dava mais. Meus gemidos chamando por ele
saíram sem controle da minha garganta e a sensação seguinte que tive foi me
sentir enterrado na garganta dele.
— Foda-se! — Era demais para eu me aguentar, segurei a sua cabeça
de ambos os lados e fodi como louco a sua boca. — Noah…
— Sim, sou eu. — Ele largou o meu pau e engoliu as minhas bolas. —
Está bom assim?
— PORRAAAA! — Ele ainda me perguntava se estava bom? —
Continue.
A língua subiu desde a base até a minha glande e começou a brincar,
ora chupando, ora engolindo. Eu estava enlouquecendo. Segurei a cabeça
dele, mas agora com mais força e fui me empurrando até sentir que tocava a
garganta. Saí e voltei a entrar, dentro e fora, dentro e fora, cada vez mais
rápido. Não tive forças para segurar o orgasmo e, menos ainda, para avisá-lo.
Explodi totalmente sem controle.
— Estou gozando, baby, estou gozando… — Meu corpo estava
completamente rígido. Pressentia que um pouco mais e eu me quebraria em
mil pedaços. Senti as mãos dele apertando de leve as minhas bolas, e meu
orgasmo, que já era intenso, se multiplicou. Meu quadril se empurrou ainda
mais, me levando até o fundo da garganta. — Noah.
Lentamente, senti meu corpo voltando a relaxar. Puxei Noah ao
encontro do meu peito e invadi sua boca com a minha. Meu sabor estava
impregnado nela. Levei minha mão até o seu pau, que seguia rígido, ele ainda
não tinha gozado, e o toquei de leve, fazendo todo o seu corpo se agitar. Girei
nossos corpos, deixando-o embaixo e afastei o meu rosto para poder vê-lo
melhor. Noah tinha os olhos fechados e mordia com força os lábios, uma
mostra do prazer intenso que desfrutava, então continuei com as carícias.
— Julian.
Olhar para ele, lindo, totalmente entregue e desfrutando de um prazer
que sempre se havia negado, fez com que todas as barreiras que eu havia
levantado ruíssem. Eu tinha tentado de todas as formas me manter firme com

152
a intenção de permanecer afastado, mas eu não era de ferro e, muito menos,
santo. Tentei sair da cama.
— Julian, aonde você está indo? Não me abandone novamente. — O
olhar dele para mim era de súplica.
— Não, não estou abandonando você, mas você não está preparado
para dar o seguinte passo. — Como resposta, ele guiou a minha mão até o
mastro armado que ele tinha entre as pernas.
— O que você acha? Isso significa alguma coisa ou é pouco?
Apertei e deslizei a minha mão, fazendo carinho num lento vai e vem.
Os olhos dele se escureceram de desejo, o corpo vibrou e a bunda saiu da
cama, se empurrando, querendo mais.
— Não, bebê, não é pouco, mas pode significar muita coisa. Se vamos
seguir adiante, quero que uma coisa fique clara. Eu não sou passivo.
Ele gemeu, concordando e se empurrando em minha mão, aumentando
a velocidade.
— Eu sei, você já disse isso ontem. Agora, pare de falar e me coma
antes que eu morra de tesão.
Só consegui rir da cara de desespero dele.
— Sim, vou comer você. Vou fazer você gozar de uma forma que
nunca pensou ser possível. Ouviu? — Ele emitiu o rosnado mais erótico que
eu já tinha tido o prazer de ouvir. — Espere um pouco.
Retirei a mão que ele mantinha firmemente apertada contra o seu pau e
o deixei choramingando com o abandono. No closet, peguei uma caixa de
preservativos e um tubo de lubrificante. Com os dois produtos em mãos,
voltei ao quarto. A luz difusa me deixava vê-lo deitado de bruços, exibindo
para mim uma bunda redonda perfeita. Gemi com a visão e meu pau, que
estava se recuperando do recente orgasmo, saltou com fúria, totalmente
refeito e preparado para a próxima rodada.
Caminhei até o lado da cama, apertei o botão e o blackout se abriu,
iluminando o quarto com a luz opaca da lua. Desci minha cabeça devagar,
beijei e mordi cada uma das bochechas daquela bunda gostosa, fazendo-o se
contorcer. Abri suas pernas e lambi desde a base do pau até o cuzinho
fechado, virgem, que logo seria meu. Gemi com o prazer antecipado

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imaginando a delícia que seria comê-lo por inteiro. Virei-o de frente para
mim.
— Julian, não demore ou vou acabar enlouquecendo. — Ele levantou a
mão para tocar o meu peito e, nesse momento, a aliança brilhou como um
farol, me fazendo lembrar do perigo e me avisando para afastar. Parei,
sentindo, como na noite anterior, todo o tesão desaparecendo do meu corpo.
— Desculpe-me, Noah, mas não vou conseguir. — Meus olhos
continuavam grudados na aliança presa ao dedo dele.
— Eu sei, lamento por isso. — Devagar, ele tirou a aliança e a colocou
sobre a mesa de cabeceira. — Juro que a primeira coisa que farei ao voltar
será conversar com Penn e pedir o divórcio. Essa aliança não voltará mais
para o meu dedo.
Estiquei o meu braço, abri a gaveta e empurrei a aliança para dentro
dela. O clima estava quebrado, eu já não me sentia mais bem. Aquela aliança
tinha um poder quase sobrenatural sobre mim. Olhei para o teto, tentando
superar o momento. Suspirei e olhei para baixo, quando senti meu mamilo se
contraindo ao ser apertado entre os dedos de Noah. Fui puxado ao encontro
da sua boca e, com isso, tudo que eu sabia estar errado desapareceu.
— Você é muito gostoso, sabia? Vou desfrutar de me enterrar em você.
— Minha mão procurou seu pau novamente, ele estava completamente
molhado e, a cada toque, jorrava ainda mais.
Troquei a mão pela minha boca, sentindo-o se empurrar assim como eu
havia feito com ele. Saí, segui com a língua em direção as duas joias pesadas
e as engoli ao mesmo tempo em que meus dedos brincavam com a cabeça
inchada do membro ereto. Ele começou a urrar, fodendo a minha mão.
— Merda! O que você esperando? Me foda de uma vez. — Ele tentou
girar o corpo para me oferecer a bunda.
— Não é assim que funciona, bebê. Hoje teremos que ir devagar, ou
amanhã você vai sentir muita dor. — Deixei-o por um instante para abrir o
lubrificante, lambuzei com ele meu dedo médio e o deixei preparado, apenas
esperando o momento.
Voltei a dar total atenção às bolas. A cada sugada, um gemido rouco
era ouvido no quarto. Noah tinha as pernas completamente arreganhadas,
desfrutando do prazer que eu estava oferecendo a ele. Quando minha língua

154
deslizou pelo períneo, ele enlouqueceu. Sim, aquela era uma parte muito
descuidada pelas mulheres. Era uma zona erógena poderosa – eu conhecia
todas elas e arrancaria até a última gota de prazer que ele pudesse me dar.
Devagar, pressionei a entrada fechada e, no mesmo instante, todo o seu corpo
ficou tenso. Levei minha boca ao mamilo e o apertei entre meus dentes,
seguindo de lambidas e sugadas carinhosas. Ele gemeu de prazer, então
aproveitei e deslizei o meu dedo lubrificado. Ele rosnou, se agitou, travando e
me segurando dentro dele.
— Shhh, calma. Já passou. — Beijei devagar seu pescoço e dei
pequenas mordidinhas. — Relaxe para mim, bebê. Não vai rolar com você
tenso. — Pouco a pouco, as mãos que estavam prendendo meus ombros
voltaram a deslizar sobre o meu corpo e senti meu dedo sendo liberado.
Com ele relaxado, comecei a fodê-lo devagar com entradas e saídas
suaves, girando, procurando um ponto específico. Notei que ele havia
superado o impacto da primeira penetração quando começou a gemer e se
empurrar contra o meu dedo. Ele já estava preparado para mais.
Sem sair dele, despejei mais lubrificante e, novamente, me preparei
para forçar a entrada de um segundo dedo. Ele voltou a ficar tenso, mas logo
relaxou, permitindo assim ser invadido e alargado. Com os dois dedos dentro,
acelerei as estocadas, enquanto com o polegar pressionava com carinho o
períneo, e a outra mão se dedicava integralmente ao membro grosso, que
estava se despejando como se fosse um vulcão tamanha excitação que ele
estava sentindo no momento.
— Puta que pariu! O que é isso? — urrou. — Ju… — Sua voz falhou
quando o primeiro jato de sêmen explodiu para fora do seu corpo.
— Sim, sou eu, e sou um homem, lembre-se disso, um homem que está
dando a você o melhor orgasmo da sua vida. — Ele tinha ambas as mãos
agarradas ao lençol, os dentes travados e a cabeça inclinada para trás,
afundada no travesseiro. Nenhuma palavra saía da sua boca, apenas o corpo
vibrava sem controle.

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Capítulo XI

NOAH SCOTT

Depois de receber de Julian, no barco, o beijo mais apaixonado que já


havia tido na minha vida, comecei a pensar se Penn realmente me amava.
Pude sentir não apenas paixão, ele me entregou a sua alma naquele beijo, e eu
pude senti-la se entranhando em mim. Dois dias em Nova Iorque e toda a
minha visão de felicidade havia mudado.
Eu sabia que deveria conversar com Penn primeiro, mas tê-lo tão perto
me fazia ver cenas inimagináveis. Quando peguei o meu travesseiro e me
dirigi ao quarto dele, não imaginava que as coisas fossem fugir totalmente do
nosso controle e chegar tão longe… Bom, talvez sim. Mas a verdade era que
eu não estava preparado para um orgasmo tão avassalador.
Não podia reclamar dos orgasmos que havia tido com Penn,
principalmente o último, quando Julian havia tido uma participação
determinante. Agora que eu parava para pensar, nos momentos das minhas
transas com Penn, minha cabeça sempre estava em outro lugar. Mas aqui,
desde o momento que eu havia entrado no quarto até o instante em que quase
desmaiei sobre a cama, meu único pensamento era ele, apenas ele. Julian.
Ainda estava mole, toda a força que me restava era apenas para colocar
ar dentro dos meus pulmões, quando o lacre de um preservativo foi rompido.
Meu corpo se agitou de expectativa.
— Agora, sim, você está preparado para receber o meu pau. Quer saber
qual é a sensação de ser empalado com uma viga como essa? — Ele deslizou

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a mão sobre a ereção, me fazendo babar. Minha mão foi guiada até o membro
longo e grosso, que estava totalmente protegido e lubrificado.
— Sim — gemi com a promessa do prazer iminente.
— Pois vai saber, vai saber o que é sentir prazer. Vai saber como um
homem goza quando tem um pau enterrado na bunda — eu o ouvi
sussurrando, antes do meu pescoço ser lambido e a minha boca ser invadida
por uma língua exigente. Eu ia enlouquecer só de ouvir todas as safadezas
que ele estava despejando em meu ouvido.
— Quero, quero tudo que você puder me dar, Julian. — Estava
desesperado para acelerar o processo.
— Quero desfrutar da sua primeira vez, quero saber tudo, quero ver o
que você vai sentir. — Um sorriso se alargou em seu rosto, os olhos azuis
brilhando de tesão.
Ele passeou o dedo pela cabeça do meu pau, batendo as duas cabeças,
depois foi deslizando devagar, brincando com minhas bolas. Fez pressão
entre a base do meu pau e a minha entrada, tirando de mim gemidos
descontrolados. Puta merda, nem eu sabia que aquela área me excitava tanto.
Quando alcançou a minha entrada, ele fez uma pressão suave e parou.
— Esperei tempo demais por isso. Esperei muito por você novamente.
— Meu corpo tremia de expectativa.
Senti uma nova pressão, uma tentativa de invasão que meu corpo quis
se negar a aceitar. Mas os toques precisos e as palavras de carinho de Julian
me faziam esquecer qualquer tentativa de rejeição, só pedir mais do corpo
dele. Eu era lambido em lugares que nunca pensei que existiam. Meu tesão
estava nas alturas novamente.
— Vamos lá, baby, relaxe de novo para mim. — Uma linha de beijos
molhou meu pescoço e desceu até o meu pau.
Senti uma pressão em um lugar indeterminado. Se naquele momento
me perguntassem onde ficava a minha cabeça, eu não saberia dizer tal era o
estado em que eu me encontrava. O cogumelo latejou e explodiu como um
vulcão.
— Estou pronto, me tome. — Levantei as pernas e o puxei de encontro
ao meu corpo.

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— Isso. — Senti novamente seu membro me cutucando.
— Julian, foda-me — gritei, desesperado. Eu já estava alargado depois
de ter gozado com os dois dedos dele.
— Me tome, bebê — ao dizer isso, ele se empurrou e eu me senti sendo
rasgado. Ardeu, queimou como o inferno e o meu corpo quis recuar. Ele
parou e pegou a minha cabeça, forçando-me a olhar em seus olhos.
— É muito, não vou conseguir — desesperei-me. Queria tanto, mas ao
mesmo tempo o medo era grande também.
— Eu sei que sou muito grosso para a primeira vez de alguém. — Ele
acariciou o meu pau com uma mão, enquanto com a outra mantinha o meu
rosto firmemente olhando para ele. — Você já conseguiu. Agora, apenas
relaxe e deixe-me dar o prazer que tanto queremos.
— Continue — gemi como resposta. A dor inicial havia passado e o
tesão aumentava ao sentir a grossa ferramenta dele dentro de mim.
— Não precisa pedir duas vezes.
Meu pau começou a crescer ao senti-lo deslizando e me alargando ao
mesmo tempo. A leve fricção de entradas e saídas começou a devastar o meu
juízo.
— Mais. — As bolas dele tocaram a curva da minha bunda e, nesse
instante, eu soube que o tinha totalmente enterrado em mim. Alucinei, levei
minhas pernas contra a bunda dele, instigando-o a acelerar os movimentos.
— Julian!
— Sim, diga-me como você quer. — Ele começou a me estocar
devagar, fazendo-me ouvir o barulho das bolas se chocando contra o meu
corpo. Eu não ia durar muito.
— Quero você. — Ele parou totalmente enterrado em mim e girou o
quadril, pressionando, enquanto mordia os lábios segurando o prazer.
— Isso você já tem, me dê as mãos. — Tive medo de me soltar da
cama e me perder em algum labirinto de prazer.
Ele juntou nossas mãos e as levou ao meu pau ao mesmo tempo em que
dançava enterrado em minha bunda. Nossas mãos deslizaram sobre meu
membro inchado.

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— Deus, Julian! — Meu punho foi fechado, apertando como uma garra
a minha ereção, fazendo-me friccioná-la da base à cabeça com movimentos
rápidos e firmes. Eu estava enlouquecendo. Abri meus olhos e encontrei os
dele, absolutamente lindos. Vê-lo assim, pronto para ser consumido pelo
prazer, fez o meu corpo incendiar-se. As estocadas aumentaram e eu não
suportei, um gêiser de esperma elevou-se, banhando meu tórax, apenas um
segundo antes de ouvir o urro que ele emitiu ao me acompanhar no orgasmo.
Enquanto meu corpo era consumido por chamas, eu não conseguia
desviar o olhar. Ele continuou com a dança de entradas, saídas e giros dos
quadris. Pensei que as minhas bolas secariam, pois a cada giro dos quadris
dele, elas se contraíam, fazendo meu pau jorrar. Minhas pernas se fecharam
como um cadeado, prendendo-o contra o meu corpo. Eu senti o peso dele
desabando sobre mim, antes de todo o meu corpo entrar em colapso. Meu
cérebro se recusou a continuar funcionando e apagou.
— Noah! — Ouvi meu nome ser sussurrado perto do meu ouvido antes
de ter a minha orelha mordida.
— Huuuum — resmunguei, sem forças sequer para abrir meus olhos e,
muito menos, a boca.
— Acorda, baby. — Mais beijos foram espalhados sobre meu rosto e
pescoço.
— Não quero. — A sensação era maravilhosa, não queria que
terminasse.
— Solte-me. Vamos tomar um banho e depois podemos dormir
relaxados. — Ele tentou sair de mim, enquanto continuava com os beijos
carinhosos. Minhas pernas continuavam prendendo-o.
— Está bem, você ganhou. — Não queria, mas ele tinha razão. Eu
queria soltá-lo, mas recebi de volta uma dor aguda pelo tempo que havia
estado na mesma posição.
— Devagar, suas pernas estão adormecidas. — Ele levou a mão às
costas, destravando os meus tornozelos, e saiu de mim devagar. Vi quando
retirou o preservativo e o abandonou ao lado da cama, depois voltou e
começou a fazer massagem em minhas coxas doloridas.
— Está melhor?

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Eu praticamente ronronei de prazer.
— Sim, continue.
— Depois. Agora, se está melhor, vamos tomar uma ducha para
relaxar.
Relaxar? Mais do que eu já estava?
— Eu já estou relaxado. — Os carinhos dele estavam me deixando
sonolento novamente.
— Deixa de ser preguiçoso. Vamos? — Fui puxado por ele e forçado a
me sentar. Uma dor atravessou o meu corpo, fazendo-me gemer. — Você
está bem? Está doendo muito?
— Não, estou bem. — Com a ajuda dele, coloquei meus pés para fora
da cama e fiquei em pé. Devagar, fui levado até o banheiro.
— Espere um pouco. — Ligou a ducha e esperou a água aquecer. —
Entre — ele disse ao mesmo tempo em que me empurrava para baixo da
água.
Foi um alívio sentir a água morna tocando o meu corpo, mas o prazer
maior veio com as mãos dele sobre mim, banhando-me. Pouco a pouco, meu
corpo dolorido foi relaxando, ele tinha razão. Eu me entreguei aos cuidados e
carinhos dele. Depois, enquanto eu esperava, ele terminou o banho também e
ambos saímos do boxe. Peguei a toalha que ele me oferecia e sequei-me,
vendo-o fazer o mesmo.
Quando entramos novamente no quarto e ele acendeu a luz, fiquei
estático. O quarto tinha se transformado em uma verdadeira zona de guerra –
travesseiros, almofadas, até o edredom estavam jogados no chão. Mas isso
não era tudo. O lençol, de um azul escuro, nesse momento estava com
diversas tonalidades de branco, que eu sabia ser de sêmen, seco e úmido.
Meu primeiro pensamento foi Holly. Virei-me para apontar para ele todas as
manchas, e o vi voltando do closet com vários lençóis nas mãos.
— Me dê uma ajuda, vamos arrumar tudo. — Ele soltou tudo sobre o
colchão.
Fui até um extremo da cama e comecei a ajudá-lo, soltando os elásticos
que mantinham presos os lençóis ao sommier. Jogamos tudo no chão e

160
começamos a estender o que estava limpo. Continuamos o nosso trabalho até
ter a cama novamente organizada e um amontoado de roupas sujas
descansando em um canto.
— O que Holly vai pensar? — Passeei meu olhar das roupas no chão
até ele.
— O que você quer dizer com “o que ela vai pensar”? — Ele já estava
retirando a toalha que havia mantido presa aos quadris, preparando para se
deitar. — Venha, vamos dormir.
— Acho melhor dormir no meu quarto, talvez assim ela imagine que
você passou a noite com outra pessoa e não comigo — eu disse, olhando à
minha volta e tentando encontrar uma desesperada solução.
— Ela não vai pensar isso. Eu nunca trago encontros para a minha casa,
muito menos para a minha cama. Além de você hoje, Poul foi o único a entrar
nesse quarto e deitar-se nessa cama comigo. Se eu soubesse que isso iria
afetar tanto você, teria resistido. — A voz dele soou cansada.
Ouvir que Poul já havia dividido aquela mesma cama com ele fez
surgir um ciúme até então desconhecido para mim. Ódio. Se ele ainda tinha
lembranças de noites com Poul naquela cama, eu o faria esquecer.
— Vou colocar um pijama e já volto. — Estava saindo do quarto, mas
ainda pude ouvir a sua voz baixa pelo sono.
— Nu. Quero você nu na minha cama.
Parei, tentando me decidir. Ele já havia dito à Penn que dormia nu e,
agora mesmo, estava completamente despido. Mas esse não era o meu
costume.
— Vou pôr algo folgado.
Quando voltei, ele parecia estar em um sono profundo. Levantei com
cuidado um extremo do edredom e tratei de deslizar-me sem fazer nenhum
movimento brusco que pudesse tirá-lo do sono em que se encontrava.
Descansei a cabeça sobre o travesseiro, tentando engrenar o sono, assim
como ele.
— Eu disse que queria você nu. — Ele trouxe o corpo até o meu. Senti
meu coração acelerando quando os pelos do tórax dele entraram em contato

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com as minhas costas, e seus lábios deslizaram sobre meu ombro, beijando-
me. — Boa noite.
— Boa noite. — Sua mão deslizou para dentro do meu moletom e
encontrou as minhas bolas, aninhando-as como um berço na concha dos
dedos. Gemi e me empurrei contra ele até ficarmos completamente colados
um no outro. Senti um movimento e logo depois o blackout começou a
descer. O quarto ficou mergulhado em uma penumbra e com a melodia de
fundo suave, foi fácil esquecer de tudo e acompanhá-lo no sono.
— Sr. Fox? — A voz parecia vir de muito longe, eu devia estar
sonhando.
Tentei acomodar-me e voltar a dormir. A mão de Julian continuava
segurando as minhas bolas, mas agora senti meu pau preso dentro do aro
formado pelos dedos indicador e polegar da mão dele. Era uma sensação
maravilhosa, tentei conciliar o sono novamente.
— Sr. Fox. — Ouvi novamente o chamado, mas agora sabia quem era.
Holly. Nesse momento, todo o meu sono se foi. Que merda teria acontecido
para que ela batesse à porta do quarto dele de madrugada? Ela nem estava na
casa.
— Julian? — Tentei acordá-lo. Mexi meus quadris e empurrei-me para
trás. Julian estava praticamente dormindo sobre mim e tinha o membro
espetando a minha bunda.
— Hummm — resmungou, sem sair do sono —, você me quer de
novo?
— Julian, acorde, por favor. — Empurrei-o com mais força.
— Estou pronto para você. — Ele começou a me masturbar ao mesmo
tempo que empurrava para baixo meu moletom e beijava as minhas costas.
Esqueci de Holly e gemi querendo mais dele. — Essa porcaria de pijama só
atrapalha.
— Sr. Fox? — As batidas foram mais fortes e ela praticamente berrou.
Nesse instante, levantei meu tronco e, com isso, Julian rolou para o lado,
passando as mãos nos cabelos, tentando acordar.
— Julian, responda, antes que ela entre aqui. — Meu medo era que ela,

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a qualquer momento, entrasse no quarto para saber se ele estava bem.
— Sim, Holly. O que está acontecendo para me acordar dessa forma?
— Ele continuava deitado, mas levou a mão até a mesa procurando o celular.
— Desculpe incomodar, mas Brandon quer saber se o senhor não vai se
exercitar hoje. — Ouvi Julian praguejando enquanto procurava o celular.
— O quê? — Ele abriu a tela para ver a hora.
Antes que ele pudesse dizer algo mais, ela continuou:
— É que já passa das sete, e ele tem outro cliente.
Não pude acreditar no que estava ouvindo, já que o quarto estava
completamente escuro.
— Dispense-o, Holly. — Agora ele, assim como eu, estava
completamente acordado. Ouvi o barulho do blackout sendo aberto, e sol
entrou com tudo.
— Foda-se. Eu nunca dormi tanto. — Tentei sair da cama. Meu único
pensamento era ficar o mais quieto possível e esperar que ela se fosse, assim
eu poderia voltar ao meu quarto. Mas ela ainda tinha mais surpresas.
— O celular do seu amigo tocou várias vezes essa manhã. Acho melhor
ele ver, pode ser alguma coisa urgente. — Naquele momento, eu não
precisava me esforçar para permanecer quieto. Eu estava petrificado.
— Obrigado, Holly, ele já vai ver — ele respondeu.
Sentei-me na borda da cama, baixei a cabeça entre as pernas, sentindo o
ácido da bílis subindo pela garganta, eu estava a ponto de vomitar. Ele tentou
reter-me, mas me afastei.
— Deus, ela sabe que estou aqui, Julian. — Coloquei meu corpo em pé,
fui em direção à porta da varanda e a abri em busca de ar. — Como vou olhar
para ela, agora?
— Posso entender o que você está sentindo. — Os braços dele
circularam a minha cintura e o queixo descansou sobre um ombro.
— Não acredito que você possa entender. — Girei e instintivamente
aninhei meu corpo em seu tórax em busca de proteção.
— Acredite, eu entendo. Você tem noção que o que fizemos aqui foi

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muito errado, não tem? Estamos fazendo com Penn o que nenhum dos dois
gostaria que fizessem conosco. Eu também não me sinto bem com isso. —
Enquanto falava, as mãos dele passeavam por minhas costas.
— Sim, pensar em Penn está bagunçando a minha cabeça. Além disso,
você disse para a Holly, ontem, que eu era hétero e casado. Ela vai pensar
que eu sou apenas um sem-vergonha. — No momento, eu só queria sair do
apartamento e ir direto para um hotel, sem ter que olhar na cara de Holly.
— Mas eu não estou preocupado com Holly. Estou preocupado que,
mesmo eu sabendo que não está certo, quero continuar.
Meu queixo foi levantado e a minha boca sentiu a dele. Novamente, era
um beijo que me deixava sem sentidos. Não conseguia entender como ele
fazia com que eu sentisse tanta paixão apenas tocando meus lábios.
— Eu também. — Fechei meus olhos, absorvendo toda a ternura do
beijo. — Vou tomar um banho e depois ligar para a minha família. Pode ser
que eu demore um pouco.
— Não se apresse, já nos atrasamos mesmo. Chris dever ter reagendado
os meus compromissos. — Ele me soltou. — Agora vá ver quem estava
ligando para você antes que pirem novamente.
Enquanto ele se dirigia ao banheiro, eu fui em direção ao meu quarto.
Abri a porta e encontrei o corredor vazio. Holly já havia desaparecido. Dei
uma última olhada para o quarto com as toalhas, lençóis, travesseiros
espalhados pelo chão, além da cama bagunçada. Não precisava ter um QI
muito alto para ver que a noite havia sido intensa.
Apoiei a cabeça no batente da porta ao me lembrar da noite passada.
Minha primeira vez. Eu já não era mais virgem, mas havia me entregado ao
homem que eu amava – aliás, sempre amei. Agora só restava a certeza de que
foi por amá-lo tanto que eu nunca consegui me entregar a outro. Com ele,
tudo havia sido fácil, perfeito. Ao ouvir o barulho da água caindo no
banheiro, deixei o quarto dele.
A primeira coisa que fiz ao entrar em meu quarto foi procurar o celular.
Novamente, dezenas de chamadas e mensagens. Penn, Kate, Jordan, Jake, até
Elijah… Respirei fundo, tentando decidir o que fazer. Decidi primeiro tomar
uma ducha, assim teria mais tempo para pensar em explicações para o meu
novo sumiço. De banho tomado e barba feita, enrolei a toalha nos quadris,

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peguei o celular da mesa de cabeceira e joguei-me na cama para começar a
maratona de chamadas.
— Kate? — disse apenas o nome dela e esperei a chuva de broncas.
— Que merda você está pensando, Noah? Não liga, não atende. Se eu
ligar mais uma vez e você não atender, juro que vou até aí e trago você de
volta pelos cabelos. — Ela tinha toda a razão de estar chateada. Se fosse o
contrário, eu também estaria pirando.
— Desculpe, não acontecerá novamente. — Respirei.
— Espero que não mesmo. Você está matando de preocupação a todos
aqui.
— Desculpe, Kate, sinto muito mesmo. — Só me restava me desculpar
uma e outra vez.
— Está tudo bem com você? Sinto que tem mais coisas acontecendo do
que você quer deixar transparecer, mas eu o conheço. — Novamente, a
sensação de angústia começou a tomar conta de mim.
O que ela pensaria se soubesse que eu havia passado a noite com um
homem – não só um homem, mas com Julian, o homem da minha vida? Só
esse pensamento fez meu coração disparar e minhas mãos começaram a suar.
— Sim, está tudo bem. É que são tantas coisas acontecendo… Julian é
um ótimo anfitrião. Ontem ele me levou para conhecer diversos pontos
turísticos e, novamente, voltei tarde ao hotel. — Ainda não me sentia seguro
para dizer que estava hospedado na casa dele.
— Espero que sim, mas não pense que eu acredito que foi apenas falta
de tempo durante os passeios. Quando você voltar, vou saber o que aconteceu
por aí. — Mais uma nova bronca, mas agora acompanhada de uma ameaça.
Senti-me pior.
— Como você quiser. — Não adiantava discutir. — Hoje começamos a
negociar a compra das terras. Prometo atender a todas as chamadas.
Ela continuou resmungando, xingando e ameaçando até concluir a
ligação. Despedi-me, prometendo atender todas as futuras chamadas e não
voltar a deixar de responder nenhuma mensagem. Liguei para Jake, Elijah e,
por fim, falei com Jordan. Novamente me desculpei e prometi mantê-lo a par

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de tudo. Ele prometeu enviar uma planilha com todas as doações que já
havíamos recebido. Depois de desligar, dediquei-me a responder todas as
mensagens de boa sorte com a aquisição das terras. Por último, tomei
coragem e liguei para Penn.
— Alô, Penn? — Só o fato de pronunciar seu nome fez meu estômago
dar voltas. Sentia-me o último dos homens pelo que havia feito. Para piorar,
ouvi batidas à porta e, logo depois, Julian entrou, me fazendo engolir em seco
várias vezes. — Só um segundo, Penn.
Um terno carvão de três peças rivalizava com os cabelos negros e lisos
que caíam sobre os ombros largos. O colete estava com todos os botões
abertos, deixando ver o abdômen firme coberto por uma camisa
impecavelmente branca. Fiquei olhando para ele completamente abestalhado.
A gravata de um azul pálido estava jogada de forma displicente em volta do
pescoço e, com isso, os olhos azuis pareciam ainda mais azuis.
— Que foi? — Ele ficou sem jeito pela forma descarada que eu
encarava. — Não estou bem?
— Não, você não está bem. Você está simplesmente perfeito. —
Levantei-me da cama e fui chegando perto dele, como se uma força invisível
me puxasse. — Quero você de novo.
— O que você disse? Que me quer? — Merda. A voz aguda de Penn
entrou por meus ouvidos, tirando-me do transe.
— Penn? — No susto, o telefone foi direto para o chão e se não fosse
pelo tapete grosso, estaria destruído. Abaixei-me rápido para pegar. Merda
das merdas.
— Eu vou esperar você para tomar café. — Levantei a cabeça só para
vê-lo saindo, levando com ele um olhar de tristeza. Deixei meu corpo cair
novamente sobre o colchão.
— Tudo bem com você, Penn? — Tentei continuar a conversa,
fingindo não ter ouvido o que ela havia perguntado.
— Pensei que você estava se esquecendo de mim, mas parece que é
saudade o que está sentindo — ela falou numa voz que pretendia soar
sensual, mas para mim foi algo bem diferente. No momento, a palavra
sensual tinha outro significado – eram os gemidos roucos de Julian enquanto

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me penetrava. Evitei gemer ou lembrar-me, e tratei de desviar o pensamento
para um terreno menos perigoso.
— Penn, não sei se você está lembrada, mas eu disse que quando
voltasse teríamos uma conversa — enquanto falava, pensei que talvez fosse
melhor adiantar a minha volta. Já não podia mais fugir.
— Sim, eu sei, mas você tinha dito também que ainda me amava e,
agora há pouco, estava dizendo que queria estar comigo. Começo a pensar se
foi uma boa ideia esses nossos dias separados. Eu também não estou
suportando a saudade de você.
Suspirei, olhando para a porta pela qual Julian tinha desaparecido,
deixando para trás um perfume que estava travando meu cérebro.
— Acho que não vou esperar o fim de semana, Penn. Talvez eu volte
antes, mas ainda não tenho certeza. Se isso acontecer, vou ligar para avisar.
— Fiquei de bruços na cama e afundei a cabeça no travesseiro, ansiando
sentir o peso de Julian sobre as minhas costas novamente.
— Vou esperar, amor. Estar aqui sem você está ficando chato —
reclamou.
— Sim, Penn, talvez eu volte na sexta ou sábado…
Continuei conversando, enviando indiretas, tentando prepará-la para o
que estava por vir, mas ela não entendia, ou fingia não entender, e isso estava
me sufocando.
Quando encerrei a conversa, meu celular, assim como minha cabeça,
estava quente. Prometi a ela apressar as coisas e voltar o mais breve possível.
Deixei o aparelho ao meu lado e afundei ainda mais a cabeça no travesseiro.
Quando percebi que não adiantava chorar misérias, levantei-me e fui
em direção ao closet. Holly havia desfeito a minha mala e guardado todas as
roupas. Olhei as peças, somente dois ternos, e nenhum deles se comparava
com o perfeito três peças que Julian estava usando. Peguei o que eu havia
usado no último encontro – não era tão elegante como o dele, mas era feito
sob medida e ficava perfeito em meu corpo. Coloquei a gravata e peguei o
paletó nas mãos, estava para sair do quarto quando a porta foi aberta e ele
entrou.

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— Desculpe, é que você estava demorando e eu me preocupei. Está
tudo bem? — O olhar dele passeou sobre o meu corpo até deter-se em meu
rosto, analisando-me com um olhar preocupado.
— Sim, está. — Parei, olhando para ele que agora estava com os
cabelos amarrados em um rabo de cavalo, deixando o rosto livre,
absolutamente lindo. — Vamos?
Ele saiu da frente do vão para que eu pudesse passar. Eu saí e puxei a
porta, fechando-a atrás de mim. Ele estava parado no corredor esperando por
mim. Quando eu o alcancei, ele tomou meu braço e me fez olhar para ele.
— Que foi? Você não está com uma cara boa. É com Holly que está
preocupado ou foi algo com Penn? — O olhar dele era de real preocupação.
— Os dois. Eu disse à Penn que queria conversar com ela, já dei
algumas indiretas sobre o teor dessa nossa conversa, mas parece que ela não
está entendendo, ou não está querendo entender. — Ele continuava me
olhando, sério — Quanto à Holly, eu não sei.
— Quanto à Penn, não posso dizer nada, isso é entre vocês. Mas não se
preocupe com Holly, ela pode não achar correto o nosso comportamento pelo
fato de você ser casado, apenas por isso, mas isso nós também sabemos.
Agora, vem cá — fui puxado e aconchegado em seus braços —, vai ficar
tudo bem.
— Sim, eu sei.
Dois dedos se posicionaram sob meu queixo, levando minha boca ao
encontro da dele. O gosto de café tocou a minha língua, gemi e o empurrei
contra a parede, aprofundando o beijo.
— Você quer voltar para o quarto? Posso ligar e pedir a Chris que
cancele todos os meus compromissos. — Ele girou o corpo e agora era eu
quem estava preso entre a parede e ele. — Não, acho que não seria uma boa
ideia — reconsiderou, se afastando.
— Sim, no momento já tenho mais problemas do que estou podendo
lidar. Pensei que fosse me esperar para tomar café. — Agachei-me, pegando
o paletó que tinha caído no chão. Senti minha mão ser tomada pela dele, me
puxando escada abaixo.
— Sim, eu estava esperando por você. Tomei apenas um café puro para

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ajudar a acordar. É que fui atacado ontem à noite por um invasor de quarto
que não me deixou dormir. — Ele olhou para mim, rindo de lado.
A primeira coisa que vi ao entrar na cozinha foram as costas de Holly.
Tremi, mas minhas mãos foram apertadas, recebendo apoio e carinho dele.
— Bom dia, Holly — cumprimentei. Pareceu uma eternidade o tempo
que ela levou girando o corpo.
— Bom dia, sr. Scott. Vai querer algo especial para o seu café? —
Procurei nas suas palavras algum sarcasmo ou acusação, mas não percebi
nada, apenas a Holly amável que eu já havia conhecido.
— Não, tudo está perfeito, obrigado. — Então Julian soltou a minha
mão e eu percebi que estava agarrado a ele, apertando com a força.
— Se quiser algo especial, eu posso fazer rapidinho — ela disso,
sorrindo.
Consegui relaxar um pouco, o primeiro impacto havia passado. Voltei a
negar com a cabeça, ela pediu licença e se retirou da cozinha. Soltei devagar
o ar que estava prendendo e relaxei totalmente.
— Trate de respirar ou vai desmaiar.
Fiz o que ele estava dizendo, inspirando e expirando várias vezes.
— Já passou, estou bem — respondi, sentindo a respiração voltando ao
normal. Ele estava me olhando, sério. Despejou suco em um copo e empurrou
em minha direção.
— Acalme-se, por favor, estou ficando preocupado.
Fiz um esforço supremo para relaxar. Tomei devagar e enviei a ele um
sorriso para que se acalmasse também. Quando ele percebeu que eu estava
melhor, começou a comer. A mesa parecia estar mais carregada que no
primeiro dia – vários tipos de pães doces e salgados, ovos mexidos, omeletes
e, para completar, um café forte. Holly realmente queria repor as nossas
energias. Continuamos comendo, só que com mais calma.
Ele olhou para o relógio, colocou o último gole de café na boca e
empurrou a cadeira, levantando-se. Fiz como ele, engoli meu café e o segui.
Perto da porta, ele vestiu o paletó, abotoou o colete e, com experiência,
colocou e travou as abotoaduras. Enquanto isso, eu o observava ficar cada

169
vez mais lindo. Quando percebi que estava praticamente babando em cima
dele, tratei de fazer o mesmo colocando o meu paletó e fiz um nó quase
perfeito em minha gravata.
— Se está pronto, podemos ir. Já é tarde. Poul ainda não ligou e nem
enviou nenhuma mensagem. Tratando-se dele, isso significa problema, e dos
grandes — ele riu, mas eu fiquei preocupado. — Sem contar que ainda tenho
que dar uma passada no apartamento de Emilly.
Ele foi para abrir a porta, mas parou, olhando-me, então levou a mão ao
nó que eu havia acabado de fazer, desfazendo-o e refazendo com a agilidade
de quem está acostumado a fazer isso todos os dias. Satisfeito com o
resultado, passou os nós dos dedos sobre o meu rosto, inclinou-se e selou
meus lábios com os dele em um beijo rápido no instante em que ouvíamos a
nossas costas alguém chamando.
— Sr. Fox?

170
Capítulo XII

JULIAN FOX

— Sr. Fox? — Ouvi a voz de Holly às minhas costas e, antes que eu


pudesse reagir, Noah já tinha dado um pulo tão grande, que pude ouvir a
cabeça dele batendo com força contra a porta, fazendo um barulho horrível.
— Sim, Holly, já vou. — Olhei para o rosto desesperado de Noah. —
Você está bem?
— Sim, foi apenas um susto — respondeu, levando uma mão à cabeça
e outra ao coração, tentando se acalmar.
— Dê-me um segundo, vou ver o que ela quer e já volto. — Vendo que
ele já estava se acalmando, fui em direção à cozinha, que era onde eu
imaginava que Holly havia ido. Teria que ter uma conversa séria com ela, ou
ela acabaria matando Noah antes do final de semana.
Entrei na cozinha e vi Holly encostada ao balcão com uma cara
preocupada. No mesmo instante, a bronca que eu estava pensando dar nela se
desfez – por mais que quisesse ficar bravo, eu sabia que tudo que ela fazia,
mesmo que às vezes exagerasse, era para me ver bem e feliz. Então, suspirei
e relevei.
— Aconteceu alguma coisa?
Ela veio em minha direção, mas não parou, seguiu até a porta que tinha

171
comunicação com a sala – que eu havia deixado aberta – e a fechou.
— Desculpe-me, sr. Fox, mas eu não ia conseguir trabalhar se não
perguntasse.
Olhei para ela. Holly às vezes era invasiva e não percebia. A minha
única suspeita era se ela queria saber se havíamos transado, porque a noite ela
sabia que havíamos passado juntos. Disso, eu tinha certeza.
— O que pode estar deixando você tão aflita a ponto de não poder
trabalhar, Holly? Pergunte e se livre dessa aflição. — Cruzei os braços e
encostei meu quadril no balcão, preparando-me para a bomba que eu tinha
certeza que estava por vir.
— É que, como eu já havia dito, o celular de seu amigo tocou muito
hoje de manhã, e quando ele entrou na cozinha, estava muito pálido.
Aconteceu alguma coisa?
Soltei o ar dos pulmões e quase gargalhei com a pergunta inocente dela.
Sim, ela tinha razão de estar preocupada. Quando Noah entrou na cozinha,
parecia a ponto de desmaiar.
— Fique tranquila, Holly. Não aconteceu nada. Agora, tenho que ir.
Estou atrasado.
Não havia dado dois passos em direção à porta, quando ela disparou
com disfarçada inocência:
— Por acaso o senhor não disse que ele era casado?
Parei, abri a porta e, antes de sair, respondi: — E por acaso eu lhe dei
permissão para tal comentário? — Vi que torcia as mãos, nervosa.
— Estou apenas preocupada, senhor, desculpe.
— Pois não fique. Sei me cuidar e, com a minha vida, deixe que eu me
preocupo. — Com isso, saí, fechando a porta atrás de mim.
Noah estava parado em frente à porta da sala que dava acesso à
varanda, admirando a vista do Central Park. Ouviu quando fechei a porta da
cozinha e veio em minha direção, olhando-me com o mesmo ar de
preocupação que eu com certeza também tinha antes de entrar na cozinha.
Adiantei-me a ele e tratei logo de esclarecer o porquê do chamado de Holly.

172
— Ela estava apenas preocupada, já que seu celular tocou muito hoje
pela manhã. Pensou que talvez tivesse acontecido alguma coisa. — Com isso,
pude ver como as feições dele se relaxaram. — Acho que agora podemos ir.
Saímos de casa e descemos direto para o apartamento de Emily, apenas
uma passagem rápida para ver se ela estava precisando de alguma coisa e
checar se a neta irresponsável não tinha aprontado mais nada. Como já estava
percebendo, era um costume muito feio de Rose jogar charme para conseguir
tudo que queria. Era a falsidade em pessoa. Tentou se jogar em cima de
Noah, mesmo sabendo que ele era casado, para conseguir que ele me
convencesse a devolver-lhe os cartões e, assim, ela poder desaparecer. Noah
já a conhecia e fingiu não ouvir os lamentos dela.
Ao sairmos na rua, o sol nos pegou com tudo. Coloquei um par de
óculos e vi que Noah fez o mesmo. No domingo, havíamos feito um caminho
tendo o Rio Hudson à nossa direita, e hoje, iríamos pela FDR Drive e teríamos
o Rio East à nossa esquerda. Era o meu trajeto habitual para chegar ao
trabalho.
— Não estamos com pressa — informei a Tyler —, assim iremos pela
FDR. Quero mostrar os detalhes de nossa cidade a Noah.

Com isso, o pé pesado que ele havia usado no domingo para chegar a
tempo ao barco foi substituído por uma direção suave. Usamos a Lexington
Avenue e a 79th Street para ir até a FDR Drive. Saímos em frente à Roosevelt
Island, que parecia flutuar sobre as águas escuras do East River. Seguimos
em direção a Wall Street. Como um bom guia, fui indicando a Noah tudo que
eu achava interessante. Com isso, levamos quase uma hora para fazer um
trajeto que, geralmente, fazíamos em vinte ou trinta minutos.
Já passava das onze da manhã quando, por fim, entramos na empresa.
A manhã havia desaparecido. Poul ainda não havia dado nenhum sinal de
vida, o que era um péssimo sinal.
— Bom dia, sr. Fox — Chris cumprimentou-me assim que entramos na
recepção.
— Chris, venha até minha sala, por favor. — Entrei e deixei a porta
aberta para que Noah entrasse.
Ele passou pela porta e a segurou para que Chris passasse, só depois a

173
fechou. Enquanto ela vinha até a minha mesa para saber o que eu precisava,
ele foi em direção às janelas. Nesse momento, a torre do One World Trade
Center estava à direita e a Estátua da Liberdade, à esquerda. Vi como olhava
admirando, então percebi o meu privilégio de ter essas vistas.
— Senhor? — Admirando Noah, havia me esquecido de Chris.
— Sim, Chris, desculpe-me. Quero lhe apresentar meu amigo Scott.
Noah Scott. — Quando terminei de dizer, Noah já estava ao nosso lado,
estendendo a mão para ela.
— Prazer, sr. Scott. Christine Nollan. — Ela estendeu a mão, apertou a
dele e recebeu de volta um sorriso de Noah.
— Chris, quero que peça ao RH um crachá irrestrito para ele. — Noah
havia se afastado novamente.
— Algo mais, senhor? — Ela continuava prestando atenção, séria.
— Acho que não preciso pedir, mas enquanto ele estiver por aqui,
quero que dispensem a ele o mesmo tratamento que dão a mim e a Poul. —
Eu sabia que não precisava, mas, mesmo assim, quis deixar claro.
— Sim, senhor. — Ela já estava saindo.
— Chris, vou precisar de um laptop para ele, veja isso com o pessoal da
informática. — Ouvi mais um “sim, senhor” sair dos seus lábios antes de ela
desaparecer pela porta.
— Noah? — chamei-o.
Ele girou a cabeça sem sair do lugar ou do êxtase em que estava por
admirar tal vista. Imaginei que não seria pouca coisa estar no 95° andar e ter
aquela vista em frente. Era como um passeio nas nuvens.
— Essa vista é de tirar o fôlego. — Ele continuava na mesma posição,
mas havia voltado os olhos para o horizonte novamente.
Aproximei-me dele, tentando ver e sentir o mesmo que ele estava
sentindo. Fazia anos que o escritório estava naquele lugar. Nesse meio tempo,
eu tive essa mesma vista em frente aos meus olhos todos os dias, mas nunca
havia visto nada além de um amontoado de edifícios e o rio.
— Sim, é fantástica! — Ver através dos olhos dele mudava a

174
perspectiva. — Você quer ficar aqui comigo? Ou quer uma sala?
Por fim, ele desviou o olhar que havia mantido todo o tempo na
paisagem.
— Onde você achar melhor. Eu não quero atrapalhar o seu dia.
Eu já estava me distanciando da janela e ele seguia ao meu lado,
devagar. Enquanto eu me sentava, ele continuou até alcançar a cadeira no
lado oposto da minha mesa. Foi um pouco difícil desviar o meu olhar daquele
par de pernas, imaginando a delícia de pacote que ele tinha entre elas. Agora
que eu conhecia tudo que aquele corpo podia me oferecer, sabia que ia ser
uma tortura não querer atacá-lo durante o expediente. Ele se sentou na
cadeira livre em frente a mim, olhando-me um pouco perdido ainda.
— Já que vamos fazer essa compra, prefiro que esteja aqui. Pode usar o
laptop e trabalhar aí mesmo, na minha mesa, ou podemos colocar uma mesa
ali perto do sofá. O que acha? — Ele olhou para mim, ponderando, depois
riu, deixando-me sem entender o motivo do riso.
— Você quer que eu coloque o laptop e trabalhe aqui, na sua mesa?
Para início de conversa, eu não tenho um — nesse instante, um dos rapazes
que trabalhava na empresa entrou, trazendo com ele um MacBook — laptop
— completou, olhando-me atravessado.
— Agora já tem — informei, levantando-me. — Enquanto vocês
trabalham, vou até a sala de Poul. — Uma curta caminhada, duas batidas, um
“entre” e eu estava em frente a um carrancudo Poul.
— E aí? Tudo tranquilo? Atrasei-me um pouco hoje.
Ele não respondeu ao meu cumprimento, apenas desviou o olhar da tela
do laptop à sua frente, depois empurrou as planilhas em que estava
trabalhando e ficou olhando-me. Depois de três passos, tive que parar, pois
aquele exame estava me deixado nervoso. Ele continuou me olhando com os
olhos apertados e, como em um tique nervoso, começou a bater a ponta da
caneta sobre a mesa. Que merda eu tinha aprontado para ele estar agindo
daquela forma?
— Se vai ficar me olhando como um maldito raio X, vou embora agora
mesmo.

175
Com um último golpe da caneta, ele se levantou e se afastou. Dois
passos depois, ele abriu a porta de um frigobar, retirou de dentro uma garrafa
de água e começou a tomar. Eu ainda continuava parado, sem saber que
posição tomar – continuar ali e esperar o que estava por vir (e eu tinha a
nítida impressão que não era coisa boa) ou simplesmente dar meia-volta e
sair, deixando-o com a maldita incógnita.
Ele terminou de beber e passou o dorso da mão para secar o canto da
boca. Enquanto isso, eu ficava parado no meio da sala, esperando. Quando
pensei que talvez a intenção dele fosse simplesmente me ignorar, ele decidiu
falar e, como eu já previa, não era coisa boa.
— Então essa é a sua ideia de manter distância? Transando com ele? —
Nesse momento, lamentei não ter dado o fora enquanto ele tomava a água.
— Ah, eu… Ah… quer dizer, nós, não… — Ele tinha me pegado de
surpresa. Meu cérebro travou em busca de uma resposta que não fosse
mentira, mas que também não fosse a verdade explícita.
— Não frite seu cérebro em busca de desculpas, foi apenas uma
pergunta. Eu não tenho nada com isso. Só perguntei porque você havia dito
que nada aconteceria e não foi necessário nem uma semana. Quanto foi?
Dois, três dias? — Ele voltou a sentar-se.
— Você está tirando conclusões precipitadas. — Tentei tomar tempo,
ainda procurando pela resposta adequada.
— E você está querendo me tratar como um idiota. Está escrito na sua
cara e aposto que na dele também. Com um pouco mais de esforço, serei
capaz de ver um vídeo pornográfico passando na sua testa.
Tremi. Será que estava tão nítida assim a nossa noite?
— Posso explicar, não é assim como você está pensando. — Dei os
passos que faltavam até ficar em frente à mesa dele, puxei a cadeira e me
sentei, mesmo sem ele ter sequer se dignado a me olhar.
— Relaxa. Não estou lhe cobrando nenhuma explicação, nem tenho
esse direito. O que você faz com sua vida é problema seu. Agora, se você me
der licença, tenho que terminar de estudar essas planilhas.
Ele voltou a atenção ao que estava fazendo como se eu tivesse deixado

176
de existir. No primeiro instante, fiquei indeciso. Ele havia pegado novamente
a caneta e, inconscientemente, começou a dar com ela golpes curtos sobre a
mesa. Coloquei a minha mão sobre a dele interrompendo a sequência de
golpes antes que destruísse sua Mont Blanc grafite com linhas de platino que
eu havia dado a ele de presente. Nesse momento, ele decidiu olhar-me nos
meus olhos.
— Como foi? — Ao terminar a pergunta, ele novamente desviou o
olhar, parecendo não querer ver a verdade.
— Foi bom. — Puxei minha cadeira e com ela circulei a mesa até ficar
do mesmo lado dele na mesa. Peguei suas mãos com as minhas e as puxei
sobre meu colo. Eu sabia o que ele estava sentindo.
— Eu sabia que isso iria acontecer. Passei a noite de sábado e domingo
em claro só imaginando como seria. Fico feliz que tenha sido bom. — Ele
ainda continuava sem me olhar nos olhos.
— Eu sei que deveria ter resistido, mas não sei que tipo de amor é esse
que sinto por ele, que nubla todo meu raciocínio — suspirei, enquanto
deslizava meu polegar pelo dorso de sua mão.
— Ele merece pelo menos um terço desse amor?
— Não, não merece. Esse amor que sinto por ele, eu deveria ter sentido
por você. Juro que, se eu pudesse mandar em meus sentimentos, era a você
que eu amaria assim, não ele. — Ele havia feito uma pergunta direta, e a
minha resposta não poderia ser nada além de direta também.
— Não pense que estou com ciúmes, não é isso. Estou apenas
preocupado. Você diz que o ama, mas ele é casado. Como pensam que isso
vai acabar? Você vai se tornar o amante, enquanto ele permanece escondido?
— Ambos sabíamos o estado civil dele. Mesmo que Noah tivesse dito que se
divorciaria, eu ainda não acreditava muito.
— Eu sei que você está apenas preocupado e estou feliz por você ter
Frank para lhe dar todo o amor que eu não consegui dar. — Continuei
brincando com as mãos dele.
— Não quero que você sofra. Acho que ele já fez você sofrer demais. O
que vocês resolveram? Tem algum futuro? Ou ele está apenas aproveitando
que está longe da esposa?

177
Parei com o carinho. Era uma situação complicada.
— Ele disse que vai se separar, mas ainda não sei. Juro que eu não
queria amá-lo da forma que amo, mas é difícil. O amor que eu sentia por ele
na adolescência parece que se multiplicou.
— Espero que dê tudo certo. — Ele puxou nossas mãos e as levou aos
lábios.
— Estou com medo, muito medo do que está por vir, Poul. Medo de
que ele desista de mim, mesmo que eu diga que não estou esperando nada.
No fundo, eu imagino uma vida ao lado dele. Sou um idiota, eu sei.
Ele soltou nossas mãos e levou a dele até minha cabeça, afagando meus
cabelos.
— Não fique, vai dar tudo certo. — Inclinei meu rosto, aproveitando
aquele gesto de carinho tão especial.
— Obrigado. Você não imagina como fico feliz por saber que Frank o
ama, você merece ser amado da forma mais linda possível.
Com isso, ele me puxou para si e uniu meus lábios aos dele num beijo
doce. Nesse momento, a porta se abriu e Frank entrou por ela. No primeiro
instante, ele ficou parado, sem reação, mas Poul simplesmente levantou a
vista e o chamou.
— Frank, amor, que bom que você chegou.
Frank ainda hesitou, mas depois caminhou em nossa direção. Levantei-
me da cadeira, fui até ele e o trouxe pela mão, juntando-a com a de Poul.
— O amor de vocês é lindo, e eu me sinto abençoado por presenciar
esse amor. Cuide muito dele, Frank. — Dei um beijo suave no rosto de Frank
e saí da sala.
Da mesma forma que Poul havia dito, não era ciúme e tampouco
inveja, eu apenas queria saber qual era a sensação de ser tão amado. Entrei
em minha sala e encontrei Noah no Skype em um bate-papo animado com
Kate. Quando ela me viu, levantou a mão, cumprimentando-me.
— Nath! Desculpe, Julian, você já me disse que não gosta mais de ser
chamado de Nath, nem Red — desculpou-se. — Então, está deixando mais

178
civilizado esse nosso caipira?
— Tanto quanto possível — espetei quando percebi a cara feia que
Noah estava fazendo para ela.
— Obrigado pelo que está fazendo por ele.
Cheguei perto e, enquanto me inclinava, sem perceber apoiei minha
mão na coxa de Noah.
— Não estou fazendo nada de mais, apenas dando uma ajuda. — Senti
a mão de Noah sobre a minha. A impressão que eu tive foi de que ele também
não havia percebido o gesto, pois sua atenção estava totalmente em Kate.
— Ele me contou que já fizeram vários passeios. Não sei se você sabe,
mas depois de terminar a faculdade, ele voltou à fazenda e nunca mais saiu.
Ouvi um rosnado e olhei a cara de bravo que Noah estava fazendo.
— Claro que eu saí. Por que você está dizendo isso? Passei minha lua
de mel aqui, lembra? E, depois, ainda voltamos para um fim de semana. —
Ele se mexeu na cadeira, incomodado. Agachei-me mais, tendo meu rosto
quase colado ao dele. O cheiro da colônia pós-barba estava nublando minha
mente.
— Sim, mas isso não conta. Foi com Penn, apenas ela aproveitou. Você
só a seguiu.
Ouvir o nome de Penn me deixou enjoado.
— Deixa comigo, Kate, vou levá-lo a todos os lugares interessantes —
disse, sorrindo, ao mesmo tempo que olhava para Noah. Ele me devolveu o
mesmo olhar sorridente.
— Rapazes? — Voltamos a olhar para a tela. Senti mão de Noah
acariciando a minha. Deslizei a palma da minha mão sobre a coxa dele,
retribuindo o carinho. — Posso saber o que está acontecendo?
— Como? — Engasgou Noah e, no mesmo instante, puxou a mão de
volta, como se estivesse tocando brasa.
— Como assim? — Tratei de colocar em minha voz uma tranquilidade
que, no momento, eu estava longe de sentir.
— Não sei, vocês dois estão muito estranhos, me deu a impressão… —

179
Ela parou de falar e espantou uma sombra imaginária, como se estivesse
pensando além.
— É apenas impressão sua. Continue o papo de vocês, eu vou resolver
algumas coisas. — Dei um pequeno apertão na coxa de Noah, tentando fazer
com que relaxasse, e me afastei.
Enquanto ele continuava a conversa, tirei meu paletó e pendurei em um
cabide atrás da minha cadeira. Peguei da gaveta meus óculos e os posicionei
em meu rosto. Abri meu Mac. Havia uma quantidade grande de e-mails,
muitos deles da fazenda. Abri o primeiro e eram os planos das terras em que
estávamos interessados. O seguinte era das ofertas que papai Scott havia feito
ao proprietário, tinha também um extrato do banco informando o quanto de
doações para a compra das terras já havia sido arrecadado. Fiquei surpreso, a
quantidade de dinheiro daria para comprar as terras e ainda construir uma boa
parte das cabanas – e, como Kate informava, as doações continuavam
chegando.
Continuei abrindo os demais. Quando terminei, ouvi Noah se
despedindo de Kate e da ameaça dela em descobrir o que estava acontecendo.
Nesse instante, ele levantou os olhos e encontrou com os meus. Lancei a ele
um beijo e sorri para acalmá-lo, mas o efeito foi o contrário, ele arregalou os
olhos, assustado, como se Kate pudesse ver o pequeno gesto. Ouvi uma
sequência de “desculpe, te amo, te ligo” e a conversa foi encerrada.
— Vamos começar. — Olhei para o número do celular que estava no e-
mail e comecei a ligar. Queria desviar o mais rápido possível a atenção dele
do final da conversa que ele acabara de ter com Kate.
— Algum plano? — Graças a Deus, ele já estava de volta, totalmente
focado no trabalho que teríamos pela frente.
— Sim, vou pedir a Chris um dossiê completo do proprietário. Quero
saber tudo sobre ele, até mesmo o que gosta de comer no café da manhã.
Tendo tudo isso em mãos, farei meu primeiro ataque. — Já tinha um plano
perfeito, esse cara não tinha nenhuma chance, a adrenalina começava a correr
em minhas veias. Sentia-me um urso prestes a atacar um salmão. Nenhuma
chance para o salmão escolhido.
— Esse é um bom plano, conhecer o inimigo antes de atacar. —
Lançou um sorriso malévolo.

180
Meu homem aprendia rápido. Sorri de volta para ele com orgulho,
tentando manter meu sangue no cérebro e não permitir que descesse para
algumas partes que, nesse momento, eu não poderia usar.
— Vamos usar o que nos resta do dia de hoje para estudá-lo. Se
precisarmos de alguma informação extra, Chris pode conseguir. Reenviei
para você tudo que ela já me enviou. — Ajeitei meus óculos e comecei a ler.
Ele seguiu meu exemplo, mas pouco depois afastou-se, indo sentar-se no sofá
com laptop aberto sobre as coxas.
— Ele tem uma filha que quer ser atriz. — Eu o ouvi dizendo. —
Talvez seja uma informação importante, já que ela fez vários testes e ainda
não conseguiu nada.
— E o que você está imaginando? — perguntei, mesmo sabendo para
onde os pensamentos dele estavam indo.
— Não sei, só pensei que você, conhecendo tantas pessoas influentes,
poderia dar uma força e, com isso, amolecer o coração do velho durão.
— Essa é exatamente a ideia. — Levantei-me da minha cadeira e me
uni a ele no sofá. — Temos que ter em mente tudo que podemos usar na hora
de fazer a oferta.
Ele parou de ler o dossiê para prestar atenção ao que eu estava dizendo.
— Juro que eu não tinha grandes expectativas com essa compra, mas
agora vejo que é possível. — Ele ainda não sabia, mas não era só possível,
aquelas terras já pertenciam à Scott. Apenas o dono não sabia.
— Aqui tem uma informação importante também. A esposa tem um
spa e, algum tempo atrás, ele esteve em busca de um local para se mudar,
onde pudesse ter acesso a uma clientela mais refinada. Podemos usar isso
também. — Sim, a fazenda já era nossa. — Vou ter que me segurar para não
ligar para Kate. — Agora que ele via a compra como uma realidade, estava
eufórico e, como sempre, quando ficava assim, ele fazia o que lhe ditava o
coração. Então, ele puxou a minha boca, beijando-me com tesão.
— Não comece algo que não vamos poder levar além. — Retribui o
beijo, devorando sua língua, querendo ir até onde podia.
— Quem disse que não podemos?

181
Ele pegou o laptop do colo e o colocou sobre a mesa de centro, fazendo
a seguir o mesmo com o meu. Com isso, levou a mão à minha virilha,
sorrindo quando viu o que havia conseguido.
— Porra! — Empurrei seu corpo, ficando em cima dele. Ele, assim
como eu, estava duro como um taco de beisebol. Gemi, imaginado como
seria tomá-lo ali mesmo. — A porta não está trancada.
— Ninguém vai entrar. — Eu o ouvi dizendo em meu pescoço.
— Sim, alguém pode entrar, sim. Poul nunca bate, e tem Chris também.
— Eu tentava, de forma desesperada, colocar um pouco de juízo em minha
própria cabeça. Mas antes que eu conseguisse, uma força superior chamada
Chris nos trouxe de volta à Terra de forma violenta.
— Sr. Fox. — Duas batidas e já estávamos sentados, tentando
desesperadamente nos recompor. Meus olhos estavam presos na porta,
esperando que, a qualquer momento, ela fosse aparecer pelo vão.
— Sim, Chris. — Minha voz saiu agitada e mais rouca do que eu
pretendia.
— O senhor vai querer que eu peça algo para o almoço?
Talvez o que Poul havia dito fosse certo, pois ela sempre batia e logo
entrava e, agora, se limitou a fazer a pergunta através da porta fechada. Ou
talvez estivéssemos gemendo. Minha cabeça estava para dar um nó. Olhei
para o relógio, quase duas horas.
— Peça qualquer coisa para mim e para o sr. Scott, por favor. — Eu já
havia me levantado e estava colocando o meu laptop sobre a mesa. Noah
fazia o mesmo.
— Onde tem um banheiro? — Noah perguntou com apenas um
sussurro de voz. Indiquei a ele e o vi desaparecer. Arrumei a minha gravata e
olhei para a minha camisa, não estava tão ruim.
— Entre, Chris.
Os olhos de Chris se dirigiram para todos os pontos possíveis na sala,
menos para os meus olhos. Talvez ela não quisesse ver o filme pornográfico
que Poul havia dito.

182
— O que o senhor quer que eu peça?
— Para mim, massa e para Noah, bifes. — Não o chamei para
perguntar, apenas fiz o pedido. Depois que ela saiu, bati à porta do banheiro.
Como resposta, ouvi apenas alguns grunhidos. Encostei-me contra a parede
para esperar por ele.
— Ela já se foi? — perguntou ao sair com uma cara tão pálida como
papel. Parecia que havia estado vomitando.
— Sim, ela já se foi. — Olhei para ele, que ainda estava indeciso
quanto a sair do banheiro.
— Pensei que ela fosse entrar. Juro que quase enfartei. — Finalmente
ele decidiu colocar um pé para fora do banheiro, ainda olhando para os lados,
desconfiado.
— Eu avisei que alguém poderia entrar — disse, sentando-me e vendo
que ele fazia o mesmo.
— Desculpe, não sei o que aconteceu. Quando vi, já estava beijando
você e não consegui mais parar. — Ele não havia sido o único.
Olhei para ele, ali, desesperado, ainda respirando com dificuldade.
Queria abraçá-lo, queria dar a ele força e confiança para que, assim, ele
pudesse ter coragem de enfrentar tudo que ainda estava por vir – se é que ele
ainda continuava decidido a terminar com o casamento e ficar comigo. Mas,
enquanto à noite tudo parecia real e fácil, durante o dia o sonho parecia
totalmente inalcançável.
— Olhe para mim, Noah. Eu não estou pedindo nada a você. Não quero
que se sinta obrigado a nada, se isso só vai trazer angústia para a sua vida. —
Por mais que eu o queria desesperadamente ao meu lado, saiba que tê-lo
sofrendo seria imensamente pior. — Você não está preparado para essa
mudança.
— Sim, eu estou. Só preciso de um pouco de tempo para me acostumar.
Vem aqui.
Saí da minha cadeira e fui até onde ele estava, pois percebi que ele
havia me chamado justamente por estar tremendo e não conseguir ficar em
pé. Senti meu rosto aninhado em suas mãos antes de minha boca ser tomada

183
com um beijo terno. Deixei-me levar por aquele momento de pura ternura.
Apreciei o beijo como um mendigo apreciaria uma pequena moeda jogada no
chão em frente a ele.

184
Capítulo XIII

NOAH SCOTT

Descansei meus lábios sobre os de Julian e o beijei como dificilmente


beijaria Penn. Era um sentimento completamente novo. Toda vez que meu
corpo tocava o dele era uma intensa explosão de sentimentos, eu era
acometido por um desejo visceral que nublava todo e qualquer tipo de
raciocínio que eu poderia ter.
Como agora, quando eu podia sentir meu coração se aquecendo com
um amor que eu nunca pensei existir. Ele se deixou ser beijado, acariciado
por meus lábios. Sua boca foi submissa à minha língua, deixando-me
aproveitar toda a doçura que eu procurava. Quando me senti satisfeito,
afastei-me devagar.
Julian tinha razão, eu não estava só com medo, estava aterrorizado.
Queria desesperadamente Julian, mas também estava apavorado com a
possibilidade de me expor. Eu o vi se afastando, indo em direção ao sofá
onde juntou nossos computadores e voltou à mesa. Acompanhei cada
movimento dele, o colete justo afivelado nas costas deixava a cintura
marcada, revelando uma bunda perfeita. Cada gesto era elegante, masculino,
nada afeminado. Ele retornou, colocando os dois aparelhos sobre a mesa do
escritório. Quando voltou a sentar-se, ouvimos golpes curtos na porta.
— Sr. Fox. — Por mais que eu estivesse com o coração acelerado,
como se Chris pudesse ver o que havíamos estado fazendo, tratei de

185
dissimular o melhor que pude.
— Entre, Chris. — Enquanto ouvia o barulho de talheres, fingi um
interesse desmedido nas páginas à minha frente.
— Precisa de algo mais, senhor?
Julian sorriu, negando com a cabeça, pouco depois o barulho da porta
se fechando soou. Devagar, soltei o ar dos meus pulmões.
— Vamos comer? Não sei você, mas eu estou morrendo de fome.
O almoço havia sido servido sobre a mesa de centro em frente ao sofá.
Duas bandejas cobertas com brilhantes cúpulas de prata acompanhadas com
uma jarra de suco, uma cesta de pães, além de uma tigela com salada. Pela
quantidade de comida, imaginei que Chris deveria ter entrado acompanhada.
Levantei a cúpula à minha frente e vi alguma coisa enrolada que não me
pareceu tão apetitosa. Julian abriu a dele e uma bisteca gigantesca, dourada,
fez a minha boca salivar. Olhei com inveja o prato em frente a ele.
— Acho que está trocado. — Ele empurrou o bife em minha direção e
pegou as rodelas de massa, colocando à frente dele. Graças a Deus. — A não
ser que você prefira o rondelli.
— Não, fico com o bife. Obrigado. — Rápido, peguei o prato antes que
ele mudasse de ideia.
— Imaginei — riu —, por isso pedi o bife para você.
Ri com ele e começamos a comer. A carne estava deliciosa, mas Julian
fez questão de colocar em minha boca um pouco da comida dele também.
Não estava mal, mas não se comparava com a minha bisteca grelhada à
perfeição. Enquanto comíamos, continuamos decidindo os pontos fracos do
nosso alvo, mantendo a estratégia para conseguir a compra. Ainda estávamos
comendo quando o celular dele tocou. Ele olhou-me, fez uma careta e
começou a levantar-se.
— Por que não termina de comer e depois retorna? — Ele havia dito
que estava com fome e já era quase três horas, se não comesse, logo estaria
desmaiado.
— Só vou ver de quem se trata. Se não for importante, não vou atender
— ele respondeu, já caminhando em direção à mesa. Pegou o celular que

186
continuava tocando uma música suave.
— Emily? — disse, depois de um momento. — Aconteceu alguma
coisa?
Mesmo de longe, pude ouvir o suspiro de frustração que ele deixou
escapar dos lábios. Uma mão foi até a nuca, coçando, enquanto discutia. Pela
distância, não podia entender o que estava acontecendo, mas pela forma
como ele caminhava nervoso de um lado para o outro, eu sabia que não era
coisa boa. Fiquei tentado a levantar-me e ir até ele para saber o que estava
acontecendo, ou mesmo para tentar acalmá-lo, mas decidi permanecer no
meu lugar. Se ele me quisesse por perto, não teria se afastado.
Levantei a vista do prato à minha frente. Meu bife já não parecia tão
apetitoso. Empurrei para o lado ao mesmo tempo que cobria a comida dele.
Depois disso, passei a vigiar cada gesto, cada puxão nos cabelos. Isso foi me
deixando cada vez mais apreensivo, até que com um “dane-se” ele desligou,
jogou o celular sobre a mesa do escritório e ficou olhando o aparelho como se
fosse alguma coisa maldita. Ele não fez menção de voltar ao sofá onde
estávamos. Ao contrário, parecia ter se esquecido de que estava comendo.
Ficou apenas respirando pesado enquanto esfregava as pálpebras.
— Venha terminar seu almoço.
Ele me olhou como se só naquele momento tivesse notado minha
presença.
— Ah, não estou mais com fome. — Os dedos que estavam torturando
os olhos desceram e foram em direção aos bolsos.
— Isso não é uma opção. Venha comer. — Depois da minha ordem
direta, esperava um olhar incrédulo ou até mesmo um “vá se foder”, mas ele
apenas riu, não uma risada qualquer, mas uma gargalhada pura de criança
feliz. Ainda rindo, ele veio em minha direção e sentou-se.
— Minha fome se foi. Aquela peste tem o poder de me fazer perder a
calma, a paciência e, agora, até a fome. — Ele levantou a cúpula, olhou o
prato e voltou a tampar.
— Coma — repeti.
— Odeio comida fria. — Como uma criança emburrada, ele empurrou

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o prato.
— Não está fria, apenas morna — disse, depois de provar. — Agora
coma.
— Está horrível, mas vou comer mesmo assim. — Com má vontade,
ele começou a colocar a comida na boca.
— Então, vai me contar o que está acontecendo?
Ele mastigou devagar, ponderando sobre o que dizer, engoliu e tomou
um pouco do suco que, sim, estava gelado.
— Emily é a mais doce das pessoas e tem uma parasita como neta. Não
sei mais o que fazer para que ela dê valor a avó maravilhosa que tem e não
apenas ao dinheiro dela. — Colocou mais uma garfada na boca, comendo de
forma mecânica.
Olhei para ele, enquanto comia da mesma forma mecânica que ele. Até
o momento, não entendia muito bem a relação entre ele e a senhora e, agora,
com a neta com quem ele não estava conseguindo se entender. Em um
momento dado, ele pareceu ficar cansado e empurrou o prato longe, e dessa
vez, não voltei a insistir.
— Se quiser contar o que está acontecendo, eu ficaria feliz em ouvir,
talvez assim eu possa ajudar de alguma forma. — Mesmo sabendo que eram
problemas o que eu ouviria se ele decidisse se abrir, não pude me conter de
ficar praticamente babando ao olhar aqueles olhos azul-petróleo. Era uma
coisa meio idiota, mas era assim que eu estava me sentindo nos últimos dias –
um idiota apaixonado.
— Emily é uma grande mulher, tem um coração de ouro, e Roselyn não
é apenas a única neta que ela tem, mas também o único parente. Emily tem
medo de morrer sozinha. Rose sabe e se aproveita, usa a avó como banco. —
Nesse momento, ele se levantou e começou a caminhar pela sala.
— Não acredito que a avó não signifique nada para ela. — Quando
você cresce em um lugar onde todos se preocupam com todos, fica difícil
acreditar em algo assim.
— Acontece que eu fiz algo e agora já não tenho mais tanta certeza de
que fiz a coisa certa. — Ele continuava a caminhar, preocupado.

188
— O que você fez?
Ele me encarou, parando de andar de um lado para o outro.
— Eu joguei sujo com a garota e a trouxe para cá. Tinha esperança de
que, vendo a avó, o coração amolecesse, mas agora já não tenho tanta certeza.
Estou com medo de que ela, a qualquer momento, envenene a avó só para se
ver livre dela.
— Puta que pariu! — Nessa hora, me assustei e olhei para ele sem
saber mais o que dizer.
— Não sei se isso resume bem o caso, já que não tive a oportunidade
de conhecer a filha de Emily, mas com certeza essa garota, sim, é uma puta
que tem uma pedra de gelo no lugar do coração. — Por um momento, ele
pareceu se acalmar o suficiente para voltar a se sentar.
— Por que não a manda de volta para o lugar de onde veio? — Para
mim, era a forma mais rápida de ele se livrar da garota problema.
— Dei a ela até o final de semana para mudar de comportamento.
Emily pensa que a neta veio porque estava preocupada com ela, mas, na
realidade, ela está aqui debaixo de um monte de ameaças. — Deixando
escapar o ar preso nos pulmões, ele se levantou. — Vamos trabalhar. Não
adianta ficar me preocupando, já que nem ela se preocupa.
Fui em direção à mesa e abri novamente o computador enquanto ele
fazia o mesmo. Apenas um segundo depois, novas batidas e logo a porta foi
aberta. Não me virei para ver quem era, o barulho de talheres sendo retirados
já me dava uma ideia. Quando ouvi a porta se fechando, olhei para o teto.
— Tem câmeras aqui? — Já começava a imaginar a secretária dele nos
vendo por monitores.
— Não. — As sobrancelhas juntas indicavam que ele não havia
entendido a minha pergunta. — Por…
— Nada. Paranoia minha. — Um sorriso largo que se estampou no
rosto dele deu-me a pauta que havia entendido.
Nossa tarde passou mais rápido do que eu havia imaginado. Ele se
entusiasmava cada vez que encontrava algo que poderia ser usado a nosso
favor. Batidas na porta, depois a cabeça de Chris perguntando se

189
precisávamos de algo antes de ela se retirar. Ele negou. Pouco depois, foi a
vez de Poul, que entrou sem bater, perguntou se íamos demorar. Julian se
levantou e foi até ele, conversaram e pouco depois ele se despediu e a porta
foi fechada novamente. Quando meus olhos começaram a arder, percebi que
estava naquela leitura havia horas. Levantei-me para alongar as pernas. Julian
foi até um pequeno frigobar e me olhou.
— Água, refrigerante, suco? Ou algo mais forte?
Olhei para ele, que já tinha pegado uma garrafinha de água e esperava a
minha resposta.
— Água. Apenas água, por favor — respondi, ainda tentando fazer o
sangue circular por minhas pernas.
— Acho que já temos algo para fazer o nosso primeiro ataque — disse
com uma piscadela enquanto me entregava a água.
— Não é muito tarde? — Meu relógio dizia que o horário de escritório
já havia passado fazia tempo.
— Sim, tarde para fazer uma ligação de trabalho, mas hora perfeita
para fazer uma ligação pessoal e elogiar a filha. O que você acha?
Olhei para ele. O maldito filho da mãe pensava em tudo. Sorrindo, ele
puxou um aparelho da gaveta, encaixou atrás do ouvido e, ainda com cara de
quem estava prestes a fazer uma travessura, começou a discar. Enquanto isso,
eu olhava para ele e pensava que eu era um puta cara de sorte por ter um
homem como ele querendo estar comigo, um simples caipira. Ainda
analisando a minha sorte, eu o vi se afastando em direção às imensas
aberturas de vidro.
As pernas se afastaram e os braços foram cruzados sobre o peito. Era
como se ele estivesse se preparando, se concentrado para um jogo, uma luta.
Eu sequer ousava me mexer, muito menos abrir a boca. Quando começou a
falar, não era como se estivesse prestes a fazer uma oferta por umas terras, ao
contrário, era como se falasse com um amigo que não via há muito tempo.
Ouvi-o se apresentando e notei que os muitos obrigados estavam vindo
de algum tipo de bajulação que estava recebendo. Depois de tempo suficiente
para, por fim, o homem do outro lado se acalmar, o jogo começou. O ataque
foi frontal, pois foi logo elogiando uma peça em que a filha do nosso alvo

190
havia trabalhado, dizendo que era triste que muitos jovens talentosos não
tivessem oportunidades.
Pensei que ele era um maldito cara de pau mentiroso, pois jamais havia
visto a tal peça – apenas tínhamos lido algumas críticas que tinham saído em
uma página de 5ª na qual elogiavam o talento da jovem atriz. Claro, com isso
ele já tinha conquistado o pai babão. Daí em diante ele teceu vários elogios e,
como não poderia deixar de lado, se ofereceu para falar dela e até entrar em
contato com produtores amigos para que ela pudesse fazer alguns testes.
A nossa tarde de trabalho árduo estava rendendo frutos, conhecíamos o
nosso alvo melhor que ele mesmo. Comidas, bebidas, viagens, livros –
sabíamos tudo que ele gostava e odiava. Julian estava pisando em terreno
firme.
Depois de um tempo discutindo, durante o qual ele não havia se
movido um centímetro da posição inicial, eu o ouvi marcando um almoço.
Julian se fez de difícil. Percebi que o nosso alvo queria agendar para o dia
seguinte, mas, segundo Julian, sua agenda não permitiria antes da sexta-feira.
Com isso, apenas deixou o cara desesperado.
Depois de levar a mão até o ouvido e retirar o aparelho, ele ficou
parado, quieto, como se estivesse se recuperando de uma corrida. As costas
amplas se expandiam ainda mais a cada inspiração. Fui até ele com as minhas
mãos ardendo de vontade de tocá-lo, mas não sobre a camisa e, sim, a pele
firme que estava por baixo dela.
— Então? — perguntei enquanto deslizava a minha mão pelas costas
dele.
— Pode ligar para Kate e contar a ela que ele vai nos vender essas
terras, só que ainda não sabe disso. Não sei se você ouviu, mas marquei um
almoço para a sexta-feira. Pretendo convidar um produtor conhecido meu. —
Enquanto ele falava, de forma distraída, fazia carinho em meu rosto.
— Acho que não estou acostumado com esse seu ritmo. — Afastei-me.
Meu estômago estava praticamente grudado nas costas. — Estou morrendo
de fome.
— Não é sempre assim. Mas você tem razão, vamos sair e comer
alguma coisa antes de ir para casa. — Ele já havia se distanciado das janelas e

191
começado a juntar as coisas.
— Sim, quase dez horas da noite. Não é pouca coisa. — Olhei para o
meu relógio e decidi deixar a minha ligação para contar as novidades a Kate
para o dia seguinte. A essa hora, na fazenda, ela já deveria estar dormindo ou
fazendo alguma coisa irreproduzível com o urso dela, e não seria eu a
interromper.
— Conheço um lugar ótimo, você vai gostar. — Com um giro rápido,
ele deu-me um beijo no rosto e foi em direção ao banheiro, depois saiu e
começou a vestir o paletó.
Enquanto ele se arrumava, entrei e usei o banheiro. Saí e peguei apenas
o meu celular que estava sobre a mesa. Saímos no corredor, ele digitou uma
senha e eu esperei ao lado. Se caísse uma gota de água sobre as nossas
cabeças, morreríamos eletrocutados tamanha era a tensão elétrica entre nós.
Quando entramos, enquanto as portas se fechavam, eu rezava para poder
chegar inteiro à garagem, térreo ou seja lá para onde estivéssemos indo. Fui
em direção à parede oposta de onde ele havia se encostado, cruzei os braços
em frente ao corpo e apoiei um pé contra a parede. Inconscientemente, dizia
que isso nos manteria afastados.
Não queria olhar para ele, mas foi impossível. Ele me olhava com a
cabeça encostada contra a parede com um sorriso no canto da boca, como se
estivesse vivenciando alguma safadeza. A câmera posicionada sobre a sua
cabeça fez com que eu permanecesse ainda mais firme em minha
determinação de ficar o mais afastado possível dele.
Ao sentir a porta se fechando em minhas costas, tive que respirar várias
vezes. Era como se tivesse acabado de participar de uma maratona sem ter
condições físicas. No carro, não foi diferente, ele em um extremo e eu no
outro. Só pude voltar a respirar de forma um pouco mais normal quando, no
jantar, terminei a primeira taça de vinho. Mesmo assim, minha respiração
dificilmente voltaria a estar cem por cento regular, quando eu sabia o que
aconteceria assim que fechássemos a porta do quarto.
Tratei de dirigir a conversa sobre planilhas, vacas, galinhas, contas…
qualquer coisa que me levasse o mais distante possível da boca, dos olhos e
do sorriso que estavam à minha frente. Eu comia, bebia, me distraía como
podia. Ao acabar o jantar, se me perguntassem o que havia comido, eu não

192
saberia dizer, pois tudo que eu via era cada mordida de lábio, cada piscada,
cada gemido de prazer ao apreciar um novo bocado colocado na boca.
— Vamos?
Olhei ao redor, estávamos descendo do carro. A que hora nós subimos
nele?
— Onde estamos? — O carro estava parado em uma rua estreita e dois
brutamontes vigiavam uma porta, enquanto uma fila bastante longa se
formava em frente a ela.
— Você vai ver — sorrindo, ele seguiu em direção ao início da fila.
— Boa noite, sr. Fox — um dos brutamontes cumprimentou enquanto
puxava um cordão e liberava a entrada.
— Boa noite, Trevor. Casa lotada?
— Sim, hoje a noite vai ser boa.
Julian sorriu, concordando e ao mesmo tempo se despedindo. Entramos
em um recinto onde havia uma recepcionista tomando nota de alguma coisa.
Ele passou por ela e outro brutamontes abriu outra porta. Nesse instante, o
som nos pegou em cheio. A música eletrônica se chocava contra as paredes e
logo voltava de encontro aos nossos corpos, fazendo meu coração vibrar no
mesmo ritmo. Meu nariz ardeu com a explosão de cheiros. Perfumes de todos
os tipos, hormônios, sexo – e, claro, deveria haver cheiro de todos os tipos de
drogas também.
Senti quando minha mão foi presa aos dedos dele, enquanto me guiava
entre uma multidão. Ao chegar a uma barra, eu já estava aturdido não só pelo
barulho, mas de tanto girar a cabeça de um lado para o outro para não perder
absolutamente nada. Casais de todos os tipos, desde homens em seus ternos
sob medida a jovens trajando jeans e camisetas, alguns se agarravam
discretamente em algumas das várias cabines, outros se beijavam encostados
nas colunas. Mas isso não era tudo, os filhos da puta descaradamente
secavam Julian ao passar. Será que não percebiam que ele estava
acompanhado? Apertei ainda mais a mão dele. Homens eram pior que
mulheres quando viam um cara lindo. Merda!
— E então? O que achou? — ouvi a pergunta enquanto tentava decifrar

193
o que descia queimando por minha garganta. — Já esteve em um clube LGBT?
— Ah, sim, mas nada comparado com isso. — Ainda segurando o meu
copo, girei a mão num círculo amplo para dar a ele uma noção do que eu me
referia.
— Gostou? — Despejou de uma vez todo o conteúdo âmbar do copo na
boca.
Dei as costas para o balcão do bar para poder apreciar os vários tipos de
shows – garotas em gaiolas, garotos em fitas dançando nas alturas. A música
era tão alta, que parecia que o baterista estava instalado dentro da minha
caixa torácica.
— Bem, ainda não sei. — Desviei o olhar e vi mais um casal se
agarrando logo atrás dele.
— Venha. — Ele retirou o copo da minha mão e o depositou sobre o
balcão, novamente enlaçou meus dedos aos dele e levou-me em direção à
pista. — Vamos dançar.
Primeiro, fiquei desesperado. Dançar com ele? Depois olhei ao meu
redor e percebi que não tinha nada de mais, todos dançavam e se beijavam,
então o segui. Quando ele achou que o lugar era adequado, girou meu corpo,
encaixando-me ao dele. Percebi que o que menos faziam as pessoas que
estavam ali era dançar.
— Deus! Passei o dia inteiro querendo fazer isso.
Minha boca foi tomada pela dele e, agora, o som do eletro não vibrava
mais em meu coração, mas sim em meu pau, que crescia e crescia cada vez
mais. Minha bunda encheu as mãos dele e fui apertado ao seu encontro. Não
me fiz de rogado, se ele havia esperado o dia todo, eu, mais ainda, e com a
ajuda da música, meu cérebro já estava feito gelatina. Mas meu mastro estava
como devia estar, totalmente alerta. Ouvi Julian gemendo em minha boca
enquanto espremia sua ereção contra a minha.
— Desse jeito, não vou durar muito. — Fui empurrado entre a multidão
e logo prensado contra a parede. Percebi que havia outros casais na mesma
situação que nós.
— Se você continuar assim, vou sair daqui todo molhado. — Puxei o

194
elástico que prendia seus cabelos e emaranhei meus dedos neles, prendendo-o
contra minha boca. Tentei abrir seu cinto, quando ele rosnou em meu
pescoço.
— Vamos sair daqui. Acho que esta foi uma ideia idiota. — Ao
terminar de dizer isso, eu já estava sendo arrastado para fora do clube.
No carro, cada um se sentou em um extremo. Eu não confiava em mim
para tê-lo à distância da minha mão, e ele parecia sentir o mesmo. Dentro do
elevador, as coisas não foram diferentes, tanto que passou uma eternidade até
chegarmos onde deveríamos.
A porta do elevador ainda não tinha se fechado completamente, e eu já
o estava empurrando para o tapete da sala, tendo a queda amortecida pela
grossura dos fios. Abri a fivela do cinto e puxei a roupa para baixo, mas meu
desespero não permitiu tirar tudo. Quando vi aquele mastro se balançando em
frente aos meus olhos, desisti da minha tarefa de continuar tirando a calça
dele.
Foquei a minha atenção totalmente na tora que estava em frente aos
meus olhos. Coloquei meu nariz entre a base e aquelas delícias penduradas
em frente a mim, e inspirei. Meu nariz pinicou com o cheiro de macho viril,
me fazendo ficar mais duro. Coloquei ambas na boca, chupando, enquanto
iniciava um lento sobe e desce no membro já todo melado.
O rosnado de satisfação só me incentivou a trabalhar com mais
entusiasmo. Levantei a cabeça para olhar e... Caramba! Como ele era lindo.
As linhas de pequenos blocos quadrados de feixes de músculos desciam
paralelas bordeando o umbigo, até terminarem naquele… Bom, no momento,
não sabia muito bem como definir. A camisa ainda estava aberta com o
colete, já o paletó, eu não sabia onde havia caído.
— Porra, cara, você vai me fazer gozar só de me olhar assim.
Percebi que, ainda que minhas as mãos continuassem com as carícias,
eu estava parado, olhando para ele, me deliciando com cada gemido, cada
mordida de lábio, cada palavrão que explodia daquela boca deliciosamente
suja. Abri a boca para dizer que era isso que queria, vê-lo gozando. Mas não
pude, meu corpo foi jogado de lado e, quando dei por mim, os botões da
minha camisa estavam metralhando meu rosto. Minha calça não teve melhor
destino. Fui empurrado de boca para baixo e o corpo de um macho de quase

195
cem quilos cobriu o meu e... Puta que pariu! Não havia sensação melhor.
— Era isso que você estava querendo lá no escritório? — Ao sentir
aquele membro gigante, minha entrada se contraiu como se fosse um maldito
pisca-pisca de natal.
— Porraaa. — Engasguei e tentei ficar de quatro, mas fui impedido por
ele.
— Diga-me, seu filho da puta sem-vergonha — rosnou em meu ouvido,
passando o braço ao redor da minha garganta, me prendendo e encaixando o
pau em minha entrada.
— Vai ficar só falando ou pretende fazer algo a respeito? — Se ele era
forte, eu também era, empurrei com força meu quadril para cima e, com isso,
ele junto.
— Não sou de deixar ninguém na vontade. Se é isso que você quer, é
isso que vai ter. — Nem eu me reconheci gritando, quando senti as mãos dele
em torno da minha dolorida ereção.
— Mais, mais — comecei a repetir, sentindo os movimentos de subidas
e descidas.
Gemi de prazer, mas eu queria muito mais. Se ele havia dito que não
era submisso, eu tampouco era. Receber atenção era muito bom, mas eu
queria dar também. Empurrei o corpo dele novamente. Eu queria voltar ao
que havia começado, e a única forma era ficando de lado e foi o que eu fiz.
Novamente, eu o tinha em minha boca, só que agora não iria deixá-lo
escapar. Não posso dizer como havia conseguido alojar aquela ferramenta
enorme, que deslizou até se encaixar em minha garganta, mas eu estava
orgulhoso de mim – ele estava todo dentro.
Minha mente estava nublada. Meu único objetivo era dar o melhor
prazer ao meu homem, mesmo assim enlouqueci quando algo molhado,
aveludado e quente envolveu a minha ereção. A boca de Julian era a coisa
mais gostosa em que meu pau já havia estado, e aquelas lambidas e sugadas
me deixavam alucinado.
Sentir mãos, dedos, línguas por todos os lados do meu corpo não era
uma coisa que me deixava racionalizar muito bem e, assim como no

196
escritório, voltei a me esquecer de tudo.
— Juro que vou morrer se você não colocar seu pau dentro de mim
neste exato segundo — urrei quando senti a primeira onda de orgasmo
querendo explodir. Meu corpo arqueou e meu quadril foi projetado de forma
involuntária para a frente, fazendo minhas pernas tremerem.
— Eu sabia que você ia gostar dele. — Ele ainda estava sugando o meu
pau como se quisesse fazer a minha alma sair por ele.
— Jesus, Julian! O que você está esperando? — Tentei virar o meu
corpo.
— Quero que você goze na minha boca. Eu ainda não conheço o seu
gosto.
Nesse momento, meu corpo travou, e ele conseguiu o que queria, a
minha alma foi praticamente expelida das minhas bolas pelo meu pau. Tentei
buscar algo em minha memória que pudesse comparar ao que estava
acontecendo naquele momento, mas foi impossível. Abri a boca, tentando
colocar em meus pulmões, pelo menos, um pouco do ar que, no momento, já
estava rarefeito. Minha mente travou – luxúria, desejo selvagem –, meu corpo
queria ele, apenas ele. Quando o imaginei dentro de mim, comecei a ouvir
meus urros, gritando e implorando por ele.
— Merda! Temos que sair daqui agora. — Fui puxado de forma quase
violenta do chão.

197
Capítulo XIV

JULIAN FOX

O urro de prazer que Noah soltou ao alcançar o orgasmo foi como um


prato de baterista sendo tocado em meu ouvido. Estávamos nus e fodendo
como loucos no tapete da sala. Holly estava em casa – não que ela fosse
aparecer, mas talvez acabasse chamando a polícia depois de ouvir os gritos.
Puxei para cima um Noah ainda se recuperando do orgasmo e completamente
confuso.
— Temos que sair daqui — repeti, enquanto tentava juntar as nossas
roupas mantendo um olho na porta da cozinha.
— O que está acontecendo? — Mesmo confuso, ele seguiu o meu
exemplo, juntando meias, calças, sapatos, camisas… Reparei em alguns
botões espalhados sobre o tapete branco, mas não me detive para pegar.
Aquela prova teria que ficar.
— O quarto é mais confortável. — Não pretendia fazê-lo pirar dizendo
que Holly estava a metros de nós e, com certeza, ouvira nossos gritos.
— Deus, poderia ter esperado pelo menos eu terminar de gozar? —
lamentou-se ao mesmo tempo em que levava a mão direto à minha ereção.
Empurrei meu quadril dentro do punho fechado. Tudo bem, eu queria
fugir da sala, mas ter a mão dele no meu pau me fazia pensar que Holly
poderia muito bem fechar os olhos caso nos visse. Comecei a mexer meus

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pés em direção a escada ainda o tendo preso em mim. Uma subida de um
minuto levou no mínimo trinta. A cada degrau, uma parada para um beijo,
uma chupada e quando, por fim, conseguimos fechar a porta atrás de nós, já
estávamos sem fôlego.
Noah que, quando começamos a subir estava flácido, no momento
exibia um martelo que poderia facilmente derrubar uma parede. Empurrei-o
de bruços sobre a cama, arreganhei-o e ataquei mais uma vez a sua entrada
gostosa. Se ele tivesse garras, o lençol estaria sendo cortado em fitas finas
tamanha era a força com que ele o agarrou e puxou, urrando.
— Porraaaa! — O corpo dele sacudiu e se agitou, então levei a minha
mão até a ereção para torturá-lo um pouco mais.
— Está bom? Está gostando? — Mentalmente, medi a distância do meu
braço até a mesa de cabeceira. Precisava urgente do preservativo e do
lubrificante.
— Já lhe disse que vou morrer se você não entrar em mim — grunhiu.
— E não pense que a minha situação melhorou depois de gozar. Piorou.
— Já vou acalmar você, bebê. — Alcancei a gaveta. Mesmo sem ver,
peguei o tubo de lubrificante e o pacote de preservativos, tudo isso sem
deixar de dar atenção a ele.
Afastei-me e despejei em meus dedos uma quantidade generosa de gel
e comecei a trabalhar com delicadeza. Noah se agitava e se empurrava.
Quando vi que estava preparado para mais, introduzi um segundo dedo e,
logo, um terceiro. Procurei aquele ponto sensível tão desconhecido para ele,
mas que eu sabia que o enlouqueceria. Apenas um giro suave e o alcancei. A
massagem suave, porém firme o levou direto a mais um orgasmo violento.
Não perdi tempo. Enquanto ele ainda estava procurando por pedaços do
seu corpo, vesti o preservativo e fui em busca do que era meu. Uma poça
deveria ter se formado embaixo do meu pau, pois eu estava praticamente
jorrando. Não me detive para esperar ou avisar das minhas intenções, apenas
ataquei, indo direto até o fim.
— Doeu? — preocupei-me.
— Foda-se, não! — gemeu, se empurrando contra o meu pau.

199
Arrependi-me de tê-lo tomado por trás, eu queria me deliciar com as
expressões de prazer que certamente desfilavam em seu rosto.
— Isso, bebê, me tome. Tome tudo. — Acelerei os movimentos de
entrada e saída, enquanto praticamente perfurava a bunda dele com as minhas
unhas.
— Sim, foda-me. Foda-me com tudo, Julian. Vai, cara, força.
Depois dessa, mandei para o espaço preocupação, delicadeza, tudo.
Minha mente só registrava a palavra “força” e tratei de dar a ele a força que
ele pedia. No quarto, se ouvia apenas o som dos nossos corpos se chocando.
A cada entrada, minhas bolas castigavam as dele, e um gemido rouco era
lançado. Se eu pudesse parar tudo e colocar para gravar, eu teria feito. A
música de gemidos, urros, gritos e maldições era perfeita.
Todo o corpo dele ficou tenso com a chegada de um novo orgasmo e
ele parou de amaldiçoar, como vinha fazendo o tempo inteiro. Nesse
momento, soltava apenas gemidos roucos. Levei minhas mãos às bolas dele
e, com um pequeno apertão, eu o fiz explodir novamente. Depois disso,
estoquei uma, duas vezes e me entreguei com o grito de liberação que
estivera preso o tempo todo em minha garganta.
A massagem furiosa que meu pau estava recebendo fez meus jatos
continuarem até eu sentir que, um pouco mais, minhas próprias bolas – que já
tinham ficado secas – sairiam pelo meu pau. Se na noite anterior eu quis
tomar um banho, nesse momento meu corpo só sairia da cama com a ajuda de
um guincho. Com um tremor de prazer, puxei meu pau para fora. Minhas
mãos estavam trêmulas quando tentei amarar a ponta do preservativo, então
apenas joguei-o no chão.
— Noah, querido. — Tentei movê-lo para poder puxar de volta o
edredom completamente molhado, mas ele parecia ter apagado. — Noah,
bebê, acorde. — Sacudi-o com carinho.
— Hummm… — apenas um resmungo e a cabeça foi enfiada embaixo
do travesseiro.
— Levante um pouco corpo, amor, está molhado onde você está.
De forma quase inconsciente, ele se mexeu o suficiente para que eu
pudesse liberar e jogar no chão o edredom. Os lençóis estavam secos, então,

200
puxei-os e o cobri, deitando-me ao lado dele em seguida. Com um último
esforço, fechei as cortinas e liguei o som. Acomodei meu corpo ao longo do
dele, procurei pelo seu membro que estava em repouso e o deixei acomodado
com carinho em minha mão. Por fim, pude dormir.
Acordei com uma deliciosa sensação – a minha mão tinha em seu
interior uma barra quente, suave, macia ao mesmo tempo que era pesada e
dura como aço. O suave levantar e descer do tórax me dizia que Noah estava
em um sono pesado e tranquilo. Mesmo não querendo acordá-lo, beijei-lhe o
ombro nu. Ele se mexeu e com isso a barra de aço, também chamada de pau,
deslizou em meus dedos. Nessa hora, ele gemeu e começou, mesmo
dormindo, a fazer movimentos de vai e vem. Quem gemeu fui eu e a minha
cobra, que estava dormindo e acordou furiosa por ter sido deixada de lado.
Depois de acordado, sabia que não conseguiria voltar a dormir. No
escuro, procurei o preservativo e o lubrificante. Com o corpo fervendo, não
parei para pensar em mais nada, forcei-lhe a entrada e deslizei-me até estar
totalmente enterrado em Noah. Seus gemidos de prazer eram cada vez mais
altos, mas eu queria mais, queria ver seu rosto. Girei o corpo dele e levantei a
sua perna esquerda sobre meu ombro, assim pude beijá-lo e tocá-lo ao mesmo
tempo em que continuava com as minhas estocadas.
Não demorou para que os gemidos se intensificassem. A ereção dele
inchou em minha mão. O mais lindo quando você vê seu parceiro gozando é
saber que você é o responsável. Ver Noah com os dentes travados, respirando
de forma superficial enquanto jatos de prazer eram disparados em minha
mão, bagunçando tudo, fez a minha coluna travar com o prazer. Depois disso,
era impossível continuar, ele me arrastou junto com ele para o mesmo
tornado de prazer em que havia sido arremessado. Só com muito esforço foi
possível trazer a respiração ao normal e, mesmo com ela entrecortada, fiz um
último esforço para sair dele e rolar para o lado.
— Oh, merda! — praguejou Noah.
— Que foi? Não gostou? — Liguei a luz, precisava ver o rosto dele,
não queria que estivesse tendo novamente um ataque de pânico.
— Inferno que não gostei! — resmungou. — Gostei tanto que agora
estou todo melado. — Ele girou o corpo e realmente estava deitado sobre o
gozo ainda molhado que deveria estar frio. Rindo, ele chutou o lençol,

201
expondo o corpo maravilhoso que só de olhar eu já começava a endurecer de
novo. — Vou tomar uma ducha. — Enquanto se levantava, puxou a minha
boca contra a dele, me beijando com carinho.
— Vou com você.
O banho não foi demorado. Nenhum dos dois tinha muita energia para
qualquer coisa além de água e sabonete. De volta ao quarto, olhei a cama toda
bagunçada e voltei o meu olhar para ele, que estava parado sobre o arco da
porta, esfregando uma toalha na cabeça. Peguei meu travesseiro. Não tinha a
mínima vontade de trocar os lençóis novamente.
— Vamos dormir no seu quarto.
Ele estava de volta depois de ter deixado a toalha no cesto do banheiro.
— Ótima ideia — concordou depois de olhar a bagunça.
Por mais que eu tivesse insistido para que dormisse nu, ele
simplesmente se enfiou em um moletom. Tudo bem que era folgado, mas não
me dava acesso direto a ele. Não devo ter resistido mais de dez minutos
depois de colocar a cabeça no travesseiro. Ter o corpo quente de Noah
acomodado contra o meu me dava tranquilidade, porque relaxados nós já
estávamos.
Um som começou baixo e foi aumentando o volume, o que fez Noah
praguejar. Depois das rodadas de sexo, tínhamos desmaiado na cama. Ele
esticou o braço para desligar o celular, e eu gemi só de pensar em Brandon.
Não estava com vontade de fazer exercícios – e nem precisava –, já havia
feito exercício para um mês e também não tinha força.
— Já amanheceu? Que merda! Acabei de embalar o sono. — Jogou de
novo o celular sobre a mesa.
— Sim, mas não se preocupe. Tenho certeza de que hoje ninguém vai
bater à nossa porta. Holly não sabe que estamos aqui. — Além disso, ela já
tinha noção do que estava acontecendo.
— Juro que estou sem força, mas se for dar ouvidos aos meus ossos,
não me levanto hoje. — Ele se mexeu e me abraçou embaixo do lençol.
Sensação era maravilhosa de estar agarrado a quem se gosta.
— Eu também. — Para dizer a verdade, o que eu queria era outra

202
rodada, mas não podia abusar, ele iria ficar dolorido se eu continuasse
querendo me saciar dele a cada hora que passava.
Com esforço, beijei a cabeça dele que estava apoiada sobre o meu tórax
e o empurrei devagar. Ele resmungou, não aceitando, mas depois se arrastou
até a borda da cama para seguir em direção ao banheiro. Quando a porta se
fechou, eu fiz o mesmo que ele, saí da cama e arrastei-me em direção ao meu
quarto.
Ao abrir a porta, a primeira coisa que me pegou foi o cheiro de sexo
que tomava conta do ambiente. Depois reparei na bagunça, era pior que noite
anterior. Holly iria ficar louca. Mesmo que ela já estivesse acostumada da
época em que morava com Poul e com nossas rodadas de sexo, nunca
havíamos deixado o quarto naquele estado, muito menos duas noites
seguidas.
Minha primeira providência foi abrir o blackout para deixar o sol
entrar. Depois, abri as vidraças, precisava arejar o ambiente. Puxei todos os
lençóis e os amontoei sobre o edredom. As manchas brancas estavam muito
expostas. Com o quarto mais ou menos decente, fui em direção ao banheiro e
depois ao closet. Vesti um calção, peguei outro para Noah e voltei ao quarto
dele.
Quando pensei em chamá-lo, ouvi a voz dele vindo da varanda. Meu
coração deu um nó só de imaginá-lo conversando com Penn. Eu tinha plena
consciência que o errado em toda a história era eu e não ela. Coloquei o
calção sobre a cama e já estava saindo quando ouvi batidas no vidro. Girei e
vi que ele fazia sinal com a mão, me chamando. Fiquei indeciso. Se fosse ela,
eu não queria ouvir as demonstrações de carinho entre os dois. Mas o
masoquista em mim venceu e fui em direção à porta, diretamente até ele.
Noah pareceu perceber e entender o meu desconforto, pois afastou o
celular do rosto, veio até a porta onde eu estava parado, selou meus lábios
com os deles e sinalizou com a boca que estava falando com Kate. Sem
perceber, deixei o ar de alívio que estava preso em meus pulmões escapar.
Sinalizei o calção que havia deixado sobre a cama e indiquei que iria esperar
por ele na academia. Um sorriso e um sinal de positivo dele e, minutos
depois, eu deixava o quarto com um sorriso estúpido estampado no rosto.
— Bom dia, sr. Fox. — Assim que entrei, Brandon deixou de lado as

203
cordas que estava usando para se exercitar e veio até mim. — Como estamos
para hoje?
— Bom dia, Brandon. — Olhei para ele sem entender o porquê da
pergunta. Ele sempre se divertia me destruindo. — Não entendi a pergunta.
— Ah… é… bom, vamos começar com a esteira, tudo bem? — Já
imaginava o que ele estava pensando, mas preferi fingir desentendimento.
— Sim, tudo bem. Vamos lá. — Esperei ao lado da esteira enquanto ele
regulava a velocidade e a inclinação.
— Bom dia. — Ao ouvir a voz de Noah, levantei a vista e lá estava ele,
gostoso pra cacete, o calção frouxo quase caindo dos quadris finos.
Ele entrou olhando ao redor, ficando cada vez mais apreensivo, até que
seus olhos se conectaram com os meus e ele pareceu relaxar, como se eu
fosse um apoio para ele não despencar. Enviei-lhe um sorriso e baixei a vista
rápido porque, se não o fizesse, acabaria com o rosto pregado no chão.
— Bom dia, sr. Scott. — Brandon continuava sério, as piadas da
semana anterior haviam desaparecido. — Vou colocá-lo na esteira também.
Depois de uma hora e meia de exercícios leves, ao entrar no quarto, eu
sabia que Holly já havia passado por ali. A bagunça havia desaparecido e
dado lugar a uma cama perfeitamente feita. Entrei no banheiro, imaginado
Noah no banheiro não muito longe do meu, ainda secando os cabelos. Separei
um terno de três peças.
Como já era meu costume, deixei a gravata ao redor do pescoço,
coloquei as abotoaduras e o elástico para amarrar os cabelos no bolso. Com
tudo pronto, saí do quarto e desci. Noah já estava sentado na cozinha com um
copo de suco na mão. Holly estava espiando ou tinha um sexto sentido, pois,
assim que eu me sentei, ela apareceu pela porta, vindo da lavanderia.
— Bom dia, sr. Fox, sr. Scott. Vão querer algo mais para o café? —
Noah olhou para mim, negando, e eu, depois de olhar a mesa preparada para
um batalhão, tive que negar também.
— Não, Holly, está ótimo assim, mas trate de maneirar. Não queremos
engordar. — Se comêssemos tudo que ela colocava na mesa, eu teria que
aumentar o tamanho da porta.

204
— É que eu sei como Brandon é sádico com os exercícios, não quero
que o senhor passe mal. — Ela disse com tanta sinceridade, que não tive
como não acreditar.
— Tudo bem, mas amanhã não precisa exagerar, está bem?
— Sim, senhor — ela respondeu e encostou o quadril na bancada da
pia, vigiando-nos, para ver se comíamos tudo. Para aproveitar o tempo, entre
um bocado e outro, liguei para Poul e, enquanto falava, deixei o celular no
viva-voz sobre a mesa.
— Julian? — ouvi-o preocupado do outro lado da linha.
— Bom dia, Poul, tudo bem?
— Não sei. O que aconteceu?
Olhei para o celular. Eu sempre ligava para ele. Uma vez que não
liguei, ele reclamou e agora ele se assustava com a minha ligação?
— Nada, só queria avisá-lo que vou me atrasar. É que…
— De novo perdendo a hora? As noites de vocês dois estão rendendo
— o bocudo me interrompeu, soltando um monte de besteiras. — Diga-me,
como ele é na cama? — e continuou falando, enquanto eu tentava
desesperadamente interromper a ligação.
— Merda! — berrei no celular quando, por fim, pude voltar a ligação
ao normal. — Que merda você tem na cabeça? Você estava no viva-voz, seu
idiota. Tive que deixar o celular de lado para ajudar Noah, que havia se
engasgado. Holly, graças a Deus, havia desaparecido.
— Desculpe — ouvi assim que voltei a falar, vendo que Noah já estava
melhor.
— Uma porra que vou desculpar você. — Ainda bem que ele não
estava na minha frente, senão eu teria jogado alguma coisa nele.
— A culpa não é minha. Eu lá ia imaginar que tinha plateia?
Respirei. Não adiantava me estressar ainda mais.
— Ok, deixa para lá. — Inspirei fundo, tentando fazer a minha raiva
baixar a um nível suportável. — Só liguei para avisar que vou me atrasar,
mas não porque perdi a hora. Vou me atrasar porque quero ver como Emily

205
está. Além disso, preciso ter mais uma conversa séria com Rose.
— Tudo bem, me desculpe mais uma vez. Não era a minha intenção ser
intrometido.
— Já disse que está tudo bem. — Aceitei mais uma vez o pedido de
desculpa dele e desliguei.
Noah, à minha frente, parecia que ainda não tinha se recuperado – o
rosto estava vermelho, o café havia sido deixado pela metade e ele olhava
para a sua xícara como se ela, a qualquer momento, fosse se transformar em
um unicórnio.
— Desculpe-me por isso. É que Poul tem muita liberdade comigo,
então às vezes ele fala quando o ideal seria ficar calado.
— Sim. — Ele ainda não parecia ter se recuperado. — Só me pegou de
surpresa.
Ele voltou a comer e eu segui o seu exemplo. Quando terminamos, nos
dirigimos em direção à porta, onde segui minha rotina de terminar de me
arrumar – amarrei meu cabelo, prendi as abotoaduras e, por último, vesti o
paletó.
Novamente, vi que Noah estava se enrolando com a gravata. Retirei a
mão dele e refiz o nó. Deus, ele estava lindo. Perfeito. Uma dor quis se
apossar de mim. Se ele desistisse, essas nossas saídas para o trabalho já não
existiriam. Dois dias e eu já não via o meu futuro sem ele.
Quando abri a porta do apartamento de Emily, Noah me seguiu. Eu já
havia explicado a ele a minha relação de amizade com ela, então não foi
surpresa quando ele se agachou e deixou um beijo na bochecha dela.
— Bom dia, meus queridos. Pensei que tivessem se esquecido de mim
— reclamou, deixando de lado o livro que estava lendo.
— Bom dia, senhora — cumprimentou Noah.
— Menino! Não me chame de senhora, assim me sinto uma velha —
voltou a reclamar —, me chame de Emily, apenas Emily, querido.
— Como está se sentindo hoje, Emily? Como foi ontem, na consulta?
— Peguei as mãos dela entre as minhas e beijei os nós dos seus dedos.

206
— Estou bem, a doutora disse que eu estou ótima.
Dirigi meu olhar para a enfermeira que estava ajudando Rose nos
cuidados só para ter certeza que ela estava me dizendo a verdade.
— Sim, foi isso mesmo que a doutora disse.
Fuzilei Rose com o olhar, ela era capaz de dizer qualquer coisa,
contanto que pudesse escapar.
— Que bom. Eu queria ter ido, mas não pude, e ainda voltei muito
tarde.
— Eu sei, querido. Eu sei. — Ela levou as minhas mãos ao encontro
dos lábios.
— Vou conversar um pouco com Rose, enquanto isso, Noah vai fazer
companhia a você.
Fiz sinal para que Rose me acompanhasse e fui em direção à cozinha.
Ela entrou, fechou a porta com as costas e ficou encostada nela, me olhando
desconfiada. Uma coisa era boa, ela já não estava mais tão desbocada, talvez
existisse ainda uma esperança.
— Muito bem, vai me contar o que foi aquele telefonema idiota de
ontem? — Esperei um dilúvio de acusações e palavrões, mas nada disso
aconteceu.
— Sinto muito. Acho que eu estava um pouco estressada, mas já
passou. — Será que essa idiota estava bêbada, drogada?
— Sim, e por isso você ameaçou abandoná-la e cair fora? — Continuei
tentando descobrir se havia algo diferente.
— Será que eu posso ter um dia livre? — Ela desistiu de segurar a porta
com as costas, veio até a ilha central da cozinha, subiu numa baqueta e lá
ficou, esperando pela resposta.
— Tem certeza de que não está drogada? — Se eu já não conhecesse a
idiota, compraria essa menina educada que ela estava me vendendo, mas
tinha que ter algo errado.
— Eu não me meto com isso! — enfrentou-me, ofendida.
— Será? — insisti.

207
— Para não dizer que sou careta, sim, já provei algumas coisas, mas
nada muito forte. — Ela juntou as mãos e começou a esfregar uma na outra,
nervosa.
— E…? Vai me contar como foi? — Tinha alguma coisa errada que ela
não estava querendo me contar.
— Vamos lá, cara, só estou te pedindo um dia de folga. Qualquer
empregado tem direito a isso. — Rose deixou a banqueta e foi em direção à
geladeira, olhou dentro e voltou a fechar a porta, sem pegar nada. Ela estava
tentando fugir da resposta.
— O que você não está me contando? Não vou deixar você sair se for
para voltar bêbada ou drogada. Não posso me arriscar, entendeu? — As mãos
nos cabelos, bagunçando-os, deixava claro o nervosismo. — Então, está
querendo uma saída para ficar doidona?
— Escute aqui, seu idiota, já disse a você que essa não é a minha. Já vi
amigos morrendo e não pretendo ser a próxima. Agora você entendeu? —
desafiou-me, com raiva na voz, mas os olhos estavam tristes, como se a
lembrança a tivesse machucando.
— Quem morreu? Algum namorado, amigo…? — voltei a insistir.
— Vai dar uma de terapeuta agora, é isso? Deixa, eu só queria uma
noite de folga, mas esquece.
— Você pode sair. Não queria me meter, só queria entender, mas aceito
se não quiser contar.
Com isso, a mão que já estava na maçaneta parou e ela apoiou a testa
contra a porta, suspirando.
— Foi um namorado. Ele teve uma overdose e morreu na minha frente
no dia em que eu ia provar pela primeira vez. — Por um segundo, a voz
tremeu — Talvez, se não fosse isso, hoje eu seria uma drogada. Satisfeito?
— Sinto muito por ele, e droga é uma droga mesmo. — Tentei ser um
pouco solidário já que, pela primeira vez, ela estava me entregando algo. —
Que tal sexta-feira?
— Sexta-feira está bem e… eu não tenho nada de dinheiro. Você pode
me ajudar com isso? — Eu ainda não estava acreditando nessa doçura dela.

208
— Claro, sexta pela manhã passo por aqui e deixo algo.
Nem imaginava o quanto, em poucas horas, havíamos avançado.
— Mas isso não quer dizer que eu não vá voltar para Londres assim
que ela melhorar! — E com isso estávamos de volta à estaca zero. — Nem
sonhe que eu vá ficar aqui servindo de enfermeira de idoso.
— Fique certa que esse é um sonho que eu não tenho. — Mais uma vez
decepcionado, saí da cozinha, deixando Rose e a sua insensibilidade.
— Temos que ir. — Agachei-me e dei um beijo de despedida em
Emily. Vi Noah se levantando e fazendo o mesmo.
Já estava abrindo a porta quando Emily me chamou de volta. Deixei
Noah e voltei para ver o que estava acontecendo. Nesse curto caminho,
pensei que talvez fosse pedir o celular de volta ou talvez Rose tivesse
reclamado que eu ainda não tinha dado a ela os cartões prometidos. Estava
preparando as respostas que daria a ela – celular não precisava, já que ela
tinha um telefone que era fixo, e a enfermeira que estava cuidando dela tinha
um que poderia ser usado em caso de emergência. E, sobre os cartões, eu
enrolaria um pouco mais. Tinha resposta para tudo, menos para a pergunta
que ela estava prestes a me fazer.
— E então, como foi? — Estávamos um em frente ao outro, e a
enfermeira tinha desaparecido, talvez enviada por Emily para longe.
— Como? — Coloquei a minha melhor máscara de idiota e tratei de
mantê-la.
— Não me trate como estúpida, Julian, sei que vocês dois estão juntos.
Ou melhor, todos sabem. — Minha máscara insistia em cair. Olhei para a
porta só para ter certeza de que Noah não tinha ouvido o teor da nossa
conversa. Ele estava distraído, olhando para o celular.
— Emily querida! Não quero tratar você como estúpida, mas não acha
que isso é um pouco íntimo demais? — Encarei-a, esperando que desistisse.
— Não me venha com essa conversa de íntimo. Nunca houve isso entre
nós. — Ela também desviou o olhar para a porta antes de me fuzilar. — E
onde foi parar o hétero felizmente casado?
— Emily! — chiei.

209
— Sim, você me havia dito que ele era hétero e casado — enquanto
falava, ela continuava vigiando a porta. — Não me diga que você tem esse
poder agora. Transformou o moço, foi?
— Merda, Emily, você já falou demais. Estou indo.
Não tinha dado dois passos em direção à porta quando ela completou:
— Você não me respondeu, Julian — insistiu.
— E nem vou. — Tentei continuar andando.
— Não sei nada sobre a vida dele, mas sei que vocês ficam perfeitos
juntos.
— Até a noite, Emily. — Saí de perto dela e, mesmo que eu quisesse,
não podia evitar o sorriso que meus lábios insistiam em mostrar. — Vamos,
Noah.
Durante a descida do elevador, Noah me contou as últimas novidades
da fazenda. Kate e todos os outros estavam prontos para abrir a garrafa de
champanhe assim que a compra das terras fosse assinada. O trajeto até a
garagem foi tranquilo – nada parecido com a nossa chegada na noite anterior,
quando a atração estava tão forte que praticamente havíamos nos
eletrocutado. O mesmo aconteceu no carro, conversamos um pouco mais de
tudo e contei a ele sobre a minha conversa com Rose. As únicas palavras
ditas por ele foram que ele esperava que, quando ela entendesse, não fosse
muito tarde.
O carro parou em frente à entrada. Desci e mantive a porta aberta para
que Noah descesse pelo lado da calçada e não da rua. Não sabia dizer se o dia
estava lindo, maravilhoso, ou apenas eu o via assim, perfeito.
— Vamos? — chamei por Noah quando vi que ele permaneceu parado,
olhando para o trânsito infernal.
— Isso é muito Nova Iorque — riu, caminhando ao meu lado.
— Sim, essa é a minha vitamina de todos os dias. — Não pude fazer
outra coisa se não rir com ele.
— O que temos para hoje? — perguntou, enquanto segurava a porta
para que eu passasse.

210
Cumprimentei o segurança de entrada e ouvi Noah fazendo o mesmo.
— Hoje vou trabalhar nos investimentos de Emily. Desde que ela ficou
doente, não a deixei controlar nada. Poul tem cuidado disso também, mas
hoje vou ver se posso fazer algo mais.
No elevador, ele ficou no extremo oposto, mas percebi que era apenas
para poder continuar olhando para mim enquanto continuávamos
conversando.
— Bom dia, Poul — cumprimentei assim que entrei na sala dele. Assim
como ele, eu dispensava ser anunciado, e Noah já sabia.
— Ei, vocês, tudo bem? — Noah apenas levantou a mão e balbuciou
algo ininteligível, que Poul pareceu entender perfeitamente, pois sorriu para
ele. — Então, como Emily está?
Enquanto eu me sentava em frente a ele para contar todas as últimas
notícias não só dela, mas da neta também, Noah procurou um livro sobre
finanças que estava na estante e sentou-se em um dos sofás para ler.
— Como vocês estão? — Poul fez o mesmo que Emily, baixou a voz e
desviou o olhar para Noah antes de fazer a pergunta. Eu não podia vê-lo, já
que estava de costas para ele.
— Não sei a que você está se referindo. — Olhei para Poul, que
continuava com os olhos fixos em um ponto atrás de mim.
— Quero saber se estão bem, se estão felizes, se já resolveram o
problema “esposa”— ele completou, sinalizando as aspas com os dedos.
Nesse momento, girei para ver Noah. Não me detive mais que um segundo,
mas no momento que meus olhos o alcançaram, ele levantou a vista do livro
que estava lendo e sorriu para mim. Era como se estivéssemos conectados.
Sorri de volta para ele e voltei a me concentrar em Poul.
— Para a primeira e a segunda perguntas, a resposta é sim, estamos
bem e felizes. Já para a terceira é não, ele ainda não conversou com ela. —
“Ela” era o máximo que meu cérebro podia registrar. Tanto o nome “Penn”
como a palavra “esposa” que Poul havia utilizado, por algum motivo, eu não
conseguia pronunciar. — Mas eu estou feliz como nunca pensei que fosse
possível ser.

211
— Eu sei o que é sentir esse tipo de felicidade… Fico feliz por vocês.
— Ele estendeu a mão do outro lado da mesa e tocou a minha.
Uma sensação de paz tomou conta de mim. Eu tinha à minha frente um
amigo que poucos conseguiriam ter e um pouco mais atrás estava o homem
da minha vida. Eu não conseguia pensar uma forma de amor maior do que a
que eu sentia por ele.
— Mudando de assunto, você avaliou os investimentos da carteira de
Emily? Não quero que ela tenha nenhum problema. — Já que eu estava
responsável, não queria que ela perdesse nada, mesmo que fosse apenas um
dólar.
— Sim, estava vendo. Ela tem algumas ações em aço, óleo cru e outras
que estão em alta, mas estive analisando algumas que estão com tendência a
cair. Quero que você dê uma olhada. Eu venderia — enfatizou ao terminar de
falar.
Ele digitou algo no laptop e depois o girou em minha direção uma linda
tela colorida, com uma sequência de nomes de empresas e gráficos. Olhei
para a tela e depois para ele. Já tinha uma ideia das empresas que ele
desconfiava que entrariam em baixa, se não na semana em que estávamos,
com certeza na seguinte. Eram ações com lucros altos, mas com riscos
altíssimos também.
— Noah — chamei. Ele tinha vindo não só para participar da compra,
queria que ele entendesse um pouco do selvagem mundo dos negócios da
Wall Street. — Puxe uma cadeira e sente-se aqui ao meu lado. Vamos nos
divertir um pouco.

212
Capítulo XV

NOAH SCOTT
Um zumbido me tirou de um sono profundo. Meu primeiro pensamento
foi que a seleção de melodias que Julian havia escolhido para a noite era
horrível. Ele gostava de dormir com um fundo musical suave e eu já me havia
acostumado, assim como a luz tênue no quarto que deixava o ambiente ainda
mais aconchegante.
O maldito barulho continuou e, agora, parecia tocar dentro da minha
cabeça. Percebi que não era a música escolhida por ele, que ainda continuava
com uma suavidade de seda. Era o meu maldito celular que vibrava embaixo
do meu travesseiro, onde eu possivelmente o havia esquecido.
Praguejei ao mesmo tempo que gemia em pensamento. O celular
continuava vibrando em meu ouvido. Não podia imaginar quem poderia estar
me ligando tão cedo. A ereção matinal de Julian estava cravada em minha
bunda. Se não fosse pelo meu moletom, com certeza ele estaria dentro de
mim. A mão quente estava amparando as minhas bolas ao mesmo tempo que
os dedos estavam fechados em torno do meu membro, que no momento doía
de tão duro que estava. Todo o corpo dele estava largado sobre as minhas
costas.
Não sabia quem poderia estar me ligando. Durante toda a semana, eu
havia conversado com Kate e Jordan. À Penn, eu havia pedido um tempo – só
ligaria para ela quando estivesse de volta à fazenda. Aí acabavam as minhas
opções, a não ser que tivesse acontecido algo muito ruim. Com o blackout
fechado não dava para ter noção da hora, mas meu sono dizia que ainda era

213
muito cedo.
Enfiei minha mão embaixo do travesseiro e resgatei o celular antes que
ele acabasse acordando Julian. Ele merecia algumas horas a mais de sono
depois de mais uma rodada de sexo que havíamos tido na noite anterior.
Olhei para o visor e foi automático recusar a chamada. O rosto de Penn
sorrindo, era como se, naquele mesmo instante, ela estivesse me vendo. Meu
pau murchou como se tivesse recebido uma agulhada.
Merda, merda, merda! Com todo o cuidado do mundo, agora mais
ainda, escorreguei para fora do abraço de urso, onde Julian me prendia, e saí
da cama. Não dava um minuto para ela voltar a ligar. Ele resmungou um
pouco, mas logo havia se ajeitado e novamente dormia de forma profunda.
Saí do quarto o mais silenciosamente possível. Foi só o tempo de fechar
a porta atrás de mim e o telefone estava vibrando em minhas mãos. Passei-o
de uma mão para a outra, fazendo-o quicar como se fosse uma pedra quente.
Quando, por fim, consegui me acalmar o suficiente para atender, respirei e
tratei de pôr o máximo de tranquilidade e calma em minha voz.
— Penn? — Minha voz não saiu como eu queria, mas sim aguda, como
se estivesse em plena crise de asma. — O que aconteceu? Havíamos
combinado um tempo, lembra?
— Eu sei, mas é que eu não aguentei. Uma semana é muito tempo,
morri de saudade — reclamou, e eu já imaginava todos os bicos que ela
deveria estar fazendo.
— Eu disse que ligaria quando estivesse de volta à fazenda. — Mesmo
estando dentro do quarto fechado, eu entrei no banheiro e tranquei a porta.
— Nossa, eu jurava que você ficaria feliz com a surpresa…
Fechei o vaso sanitário e me sentei sobre a tampa. Não queria, mas me
vi obrigado a perguntar.
— Que surpresa, Penn? — A resposta pareceu demorar uma eternidade
e, nesse meio tempo, comecei a suar.
— Eu vim me encontrar com você. Cheguei agora ao hotel, mas me
disseram que você nunca se hospedou aqui.
Antes de ela terminar, eu já estava sentindo falta de ar. Saí do banheiro,

214
entrei no quarto, abri as portas da varanda e puxei todo o ar que pude aos
meus pulmões. Mesmo assim, não parecia ser suficiente.
— Penn, lembra que a minha reserva foi cancelada? Eu não me
hospedei aí. — Corri de volta ao quarto com o celular preso ao ouvido.
Trouxe a mala que estava no closet e comecei a jogar de qualquer forma
todas as minhas coisas dentro dela.
— Eu pensei que você tivesse conseguido se hospedar novamente aqui.
Saí de madrugada porque queria pegar você ainda na cama — lamentou-se.
— Dê-me o endereço do novo hotel. Posso tomar um táxi e ir me encontrar
com você.
— Espere-me aí onde está. Eu ia voltar hoje, você me pegou de
surpresa. — Eu me atropelava todo em minhas respostas.
Quase todas as minhas coisas já estavam dentro da mala. Puxei de volta
um jeans e uma camisa que já havia guardado. Nesse momento, percebi que a
minha aliança continuava guardada na gaveta ao lado da cama de Julian.
Tinha que colocá-la de volta no meu dedo. A ausência dela seria a primeira
coisa que ela notaria.
— Mas eu não vim até aqui para voltar no mesmo dia. Estamos em
Nova Iorque, Noah! — Se eu aceitasse ficar, teria que ser em um hotel. Isso
significaria cama e, claro, o passo seguinte seria o sexo. Com isso, eu estaria
traindo Julian, por mais que parecesse fora de lugar.
— Não vai dar para ficar, Penn, me desculpe. — Abri devagar a porta e
saí no corredor, que estava livre. — Ligo para você quando estiver chegando.
— Desliguei.
Com muito cuidado, abri novamente a porta do quarto de Julian e
coloquei a cabeça para dentro. Ele continuava na mesma posição,
praticamente desmaiado. Parei para admirá-lo, as costas enormes marcadas
por músculos perfeitos. Diferente de mim, ele dormia completamente nu e,
como estava de costas, a bunda estava exposta, linda, dura, firme. Perfeita.
Com a grossura do tapete amortecendo meus passos, cheguei até a gaveta e,
com cuidado redobrado, abri-a, enfiei meus dedos para dentro e resgatei a
aliança, que queimou meus dedos. Eu me sentia um ladrão pelo que estava
fazendo, mas não havia outra forma.

215
Antes de sair, parei em frente à cama novamente. Minha vontade era de
acariciar Julian, beijá-lo enquanto dormia, mas não podia dar vazão aos meus
sentimentos. Assim, apenas coloquei um pé em frente ao outro e abandonei o
quarto. Uma ducha rápida, dentes escovados, cabelos bagunçados e, vinte
minutos depois, eu saía do banheiro.
— O que significa isso? — Julian estava encostado na porta e apontava
para a mala sobre a cama, toda bagunçada e ainda aberta. — Ia me avisar ou
apenas fugir?
— Eu ia me despedir, sim. — Encarei o piso, olhando todas as
combinações de nuances que havia na madeira. Não conseguia olhar para ele.
— Sim, tanto ia que entrou no quarto como um ladrão para pegar de
volta sua aliança. — A decepção era o único sentimento que transparecia na
voz dele.
— Você tem razão. Eu não ia me despedir, pensava em ligar depois. —
Não valia a pena ofendê-lo com mentiras.
— Vai me contar o que aconteceu durante as três horas de sono?
Porque, antes disso, não existia nada que me fizesse imaginar isso. — Ele fez
sinal com o indicador sinalizando a mala.
— Penn… — Sentei-me na borda da cama. — Ela está na cidade e está
me esperando.
— Entendo. — Ele procurou o extremo mais afastado de mim, puxou
para cima a barra do calção de exercício que estava usando, expondo as coxas
grossas, sentando-se. — Você está voltando para ela?
— Não, estou indo apenas para conversar. Resolver…
No silêncio em que o quarto estava mergulhado, o som do riso dele
pareceu ainda mais triste.
— Se era apenas para conversa e resolver, como está dizendo, você não
estaria preocupado em colocar essa aliança de volta em seu dedo. — Apontou
para meu punho fechado. — Você havia prometido que ela não voltaria mais
para o seu dedo. — O riso agora era de deboche.
— Não é o que você está pensando. Eu só não queria começar a
conversa com uma briga, e isso aconteceria assim que ela percebesse que

216
meu dedo estava sem a minha aliança.
— Você vai voltar e ficar com ela. Talvez seu consciente não saiba,
mas seu subconsciente já se decidiu. Você não vai voltar para mim. — Com
isso, ele se levantou e foi em direção à porta.
— Você está enganado. — Ainda tentei argumentar, mas talvez sem a
convicção de que ele precisava.
— Faça-me um favor. Apenas vá.
Depois da semana que havíamos passado, eu não podia simplesmente ir
como ele estava pedindo e dar as minhas costas a tudo.
— Não, Julian, não pense assim. Penn me pegou de surpresa. Veio sem
avisar, quer ficar na cidade, mas estou indo justamente porque não quero
ficar em um quarto de hotel com ela. — Peguei as mãos dele entre as minhas
e coloquei em palavras o que eu sempre havia negado, não só para as pessoas
ao meu redor, mas principalmente para mim mesmo. — Eu amo você.
— Você pode até me amar — ele emitiu um suspiro pesado e seus
olhos não encontraram os meus, quando falou novamente, não conseguiu
evitar a tristeza na voz —, mas isso não significa que queira ficar comigo.
— Sim. Eu quero ficar com você, sim. Acredite, vamos ficar juntos. —
Abracei-me a ele.
— Não sei. — Ele ficou estático por um momento, mas depois
devolveu o abraço. — Não quero confessar, mas estou com medo. Medo de
perder você novamente.
— Pode ficar tranquilo. Eu vou voltar para você e voltarei livre. —
Toquei seus lábios com os meus com suavidade, mas ele não se contentou e
afundou os dedos em meus cabelos, beijando-me desesperadamente, como se
fosse a última vez que o faria. — Mas agora tenho que ir.
— Tudo bem, me desculpe esse momento, mas é que…
— Eu sei — interrompi, beijando-o novamente. — Eu sinto o mesmo.
Enquanto Julian me observava calado, fui até o banheiro e juntei as
poucas coisas que ainda estavam fora da mala. Quando puxei o zíper para
fechá-la, foi como se novamente estivesse trancando dentro dela todos os

217
meus sentimentos, medos e sonhos.
— Vou para a academia. Não quero deixar Brandon esperando. —
Ouvi a voz rouca dele como se estivesse com dificuldade para falar.
— Não faça isso, me acompanhe até a porta, pelo menos. — Alcancei-o
quando ele já estava saindo e o abracei por trás. Ele apenas parou por um
momento, depois girou dentro do meu abraço e me abraçou também.
— Você não sabe o que está fazendo comigo, Noah. Pela segunda vez,
você está me matando.
Eu não sabia o que dizer, por isso, fiquei apenas agarrado àquele corpo
que já considerava meu.
— Eu prometo, Julian, eu vou voltar livre para você e vamos ficar
juntos. — Dei um beijo rápido em seus lábios. Infelizmente eu tinha que ir
antes que Penn decidisse sair por Nova Iorque à minha procura. Agachei-me
para pegar minha mala.
— Deixa que eu levo. — Ele tomou a mala da minha mão e caminhou
ao meu lado escada abaixo. Ao parar em frente à porta novamente, meu
coração estava parando.
— Sr. Scott.? — A voz de Holly, vindo da porta da cozinha,
interrompeu a nossa despedida. — O senhor está nos deixando?
— Só por alguns dias, Holly. — Fui até ela e a abracei com carinho,
afinal, depois do nosso primeiro encontro desastroso, ela havia dispensado a
mim o mesmo carinho com que tratava Julian.
— É uma pena, eu já havia me acostumado com o senhor, e meu Julian
estava tão feliz. — Ela desviou seus olhos dos meus para olhar Julian, que
continuava parado em frente à porta, me esperando.
— É uma pena mesmo. Eu também já estava me sentindo em casa —
lamentei-me, e não era mentira —, mas prometo voltar logo.
Dei um beijo no rosto magro dela e fui em direção à porta, mas, antes
de alcançá-la, meu celular vibrou no bolso traseiro. Não precisava ver para
saber quem era. Penn. Fiz um sinal a Julian e fui em direção às portas, que se
abriam para o parque.

218
— Penn?
A vista ainda me impressionava. Enquanto contemplava a vista, pensei
se havia casais juntos nos gramados como tínhamos visto durante nosso
passeio. Minha vontade era de jogar tudo para o alto, voltar à sala, tomar a
mão de Julian e sair para passear com ele de mãos dadas, como faria com
qualquer garota.
— Noah! — Quase deixei o celular cair quando ouvi a voz irritada de
Penn. — O que está acontecendo? Por que atende e fica mudo?
— Desculpe. — Enquanto me imaginava com Julian, percebi que ela
estava praticamente berrando para ser ouvida. — Estou um pouco atrasado,
mas já estou chegando. Enquanto me espera, por que não lê alguma revista de
moda?
— Noah, eu não quero ler revistas de moda, quero visitar as lojas da
moda. Já que estamos aqui, eu quero aproveitar o final de semana. Quero
passear pela Quinta Avenida, ir a algum restaurante chique… Nossa! Quanta
coisa para fazer e você querendo voltar e se enfiar de novo na fazenda?
Penn geralmente era calma, conseguia a maioria das coisas com
biquinhos e charminhos, mas agora eu percebia que ela estava nervosa de
uma forma que poucas vezes eu havia visto.
— Penn, havíamos combinado uma coisa, e você mudou sem me
consultar, então não pode esperar que saia como você planejou.
— Não sei o que está acontecendo. Você tinha dito que também estava
com saudades de mim, e eu vim para ficarmos juntos. Não pretendo
atrapalhar o seu trabalho. Posso ficar no mesmo hotel que você e passear pela
cidade enquanto você trabalha, mas aproveitaríamos a noite. Pensei que você
iria amar passar essa minilua de mel — choramingou, mudando de tática.
— Apenas me espere, Penn, eu já estou chegando. Outra coisa, já fiz o
meu registro de saída e o hotel está lotado. Como disse, leia uma revista e
me espere. Já estou chegando. — Infelizmente para ela, eu já havia tido
minha minilua de mel.
Desliguei e parei ao entrar novamente na sala quando vi Brandon
conversando com Julian. Eles pararam de falar e me olharam como se a
conversa estivesse sendo sobre mim. Brandon deu um soco carinhoso no

219
peito de Julian e depois levou a mão ao seu ombro, repetindo o gesto de
carinho. Depois disso, levantou a mão me cumprimentando e se despedindo
ao mesmo tempo. Levantei a mão para ele e acompanhei com o olhar seus
passos subindo as escadas em direção à academia.
Esperei até ter certeza de que ele havia chegado ao destino, só depois
disso voltei a minha atenção a Julian, que continuava parado em frente à
porta. Com apenas alguns passos, eu o alcancei, tomei sua cintura e me
abracei a ele.
— Daria tudo para não ter que ir. — Não busquei nada especial para
dizer, apenas coloquei para fora o que estava sentindo.
Ele não disse nada, apenas me beijou. Pela primeira vez, eu estive
tranquilo com o beijo, não me importei se Holly sairia da cozinha ou se
Brandon, por algum motivo, resolvesse descer novamente. Eu apenas queria
aproveitar aqueles poucos minutos ao lado de quem eu tinha absoluta certeza
era a pessoa da minha vida.
Aproveitei o beijo como se fosse o primeiro. Percebi que nenhum dos
dois estava excitado – não era um beijo carregado desejo, mas, sim,
impregnado de tristeza, tanto minha quanto dele.
— Vá agora, por favor. — A testa dele se apoiou contra a minha e,
depois, foram seus lábios. Olhei para ele, os olhos azuis brilhavam como se
manchas de óleo tivessem sido jogadas sobre eles. Mas era a tristeza neles
que estavam acabando com as poucas forças que ainda me restavam. —
Quanto mais você demorar, mais doído será.
Fiz o que ele pediu. Como última despedida, toquei os lábios dele com
os meus, puxei a alça da minha mala e entrei no elevador. Enquanto a porta
se fechava, tratei de olhar para qualquer lugar, menos para ele. Não sabia se
seria forte o suficiente para ir se meus olhos voltassem a se cruzar com os
dele.
Saí no hall puxando a minha mala como se puxasse o mundo. A porta
foi aberta por um segurança e passei por ela e enfrentei o ar carregado da
Madison Avenue. Olhei de um lado para o outro completamente perdido, sem
saber o que fazer ou até mesmo para onde ir.
— Permita-me, senhor. — George estava parado ao meu lado, tentando

220
pegar a minha mala. Suspirei de alívio. Minha cabeça não estava em
condições no momento nem para poder chamar um táxi.
— Claro. Obrigado, George. — Desci o curto lance de escada até a
calçada e subi no Bentley de Julian que já estava com a porta aberta.
Sentei-me no banco de couro macio que tinha o cheiro dele
impregnado, apoiei meus cotovelos sobre meus joelhos e cruzei meus dedos,
tentando respirar sem me sufocar. Nesse momento, percebi o meu dedo vazio
ainda com a marca desbotada de onde havia estado a minha aliança. Devagar,
coloquei a mão no bolso como se estivesse colocando na toca de uma
serpente. Puxei-a para fora, pensando que uma das minhas primeiras
promessas feitas a ele já estava sendo quebrada – a aliança estava voltando ao
meu dedo.
Olhei para a pequena argola e, para várias pessoas podia significar
muito, mas, no momento, para mim era apenas uma argola, nada mais. Esses
curtos dias que passei ao lado de Julian significavam muito mais que o meu
casamento de anos. Girei-a em meus dedos. A trama de linhas finas de ouro
branco revestindo o amarelo a deixava elegante, Penn havia escolhido o
modelo.
— Senhor?
Com o susto, a aliança deslizou de forma automática para dentro do
meu dedo, se encaixando no lugar.
— Sim? — Senti a mão dele sobre meus joelhos enquanto me encarava.
— Desculpe-me, mas para onde vamos? — Por um momento não
entendi a pergunta. Depois percebi que o carro estava com o motor ligado,
mas parado no mesmo lugar.
— Ah, sim… — Para onde estávamos indo? Tentei puxar em minha
memória o endereço do hotel, mas não tinha como, estava em branco. A
última pessoa a quem eu queria perguntar o endereço era Penn, mesmo que
fosse ela a pessoa mais indicada no momento, já que estava no lugar. — Um
minuto, por favor, George.
— Claro, senhor. — Ele voltou a olhar para a frente.
Resgatei o celular do bolso traseiro para ligar para Kate, ela deveria

221
saber o endereço. Quando comecei a discar, lembrei-me que George tinha me
levado ao hotel no dia que a minha reserva havia sido cancelada.
— George? — Sentia-me o mais estúpido dos mortais, mas não tinha
opção. — Por acaso você se lembra do hotel que fomos no dia em que
cheguei?
— Sim, senhor. É para lá que estamos indo? — Um sorriso se
estampou no rosto dele.
— Sim, é para lá.
Senti o carro se movimentando, fechei meus olhos e deixei as minhas
costas descansarem sobre o couro do assento. Não queria ver as ruas que
Julian e eu havíamos percorrido nos últimos dias, muitas vezes de mãos
dadas.
— Chegamos, senhor.
O carro já estava estacionado sob a marquise do hotel e um funcionário
mantinha a porta aberta esperando que eu descesse. Olhei para ele, depois
para George. Não queria abusar da hospitalidade de Julian, mas não tinha
cabeça para nada. Era apenas sete da manhã, cedo ainda para ele ir para o
escritório.
— George, será que eu posso pedir um favor? — Ele deixou de olhar
para a frente e girou o corpo para olhar para mim.
— O que desejar, senhor.
— Você poderia me esperar e me levar até o aeroporto?
— Claro, senhor. O sr. Fox me deixou à sua disposição hoje — ele
sorriu ao me informar, e quase foi demais. Julian, mesmo de longe, mesmo
calado e ainda sofrendo, só queria me ver bem, estava cuidando de mim.
— Obrigado, George. Como sempre, o seu patrão foi muito gentil.
Prometo não me demorar, vou apenas buscar uma pessoa. — Com isso,
coloquei meus pés para fora do carro, fazendo sinal negativo ao carregador de
malas que me perguntava pela bagagem.
Entrei no hall e fiz uma geral de trezentos e sessenta graus, procurando
por Penn. Não estava em nenhum lugar. A única coisa que eu havia pedido

222
era que ficasse quieta, sentada, esperando por mim. Não queria imaginar que
tivesse feito o que havia dito que queria fazer, ou seja, sair passeando pela
Quinta Avenida. Desisti de procurá-la e fui em direção à recepcionista. Eu
havia esquecido meu celular no banco do carro e não queria voltar para
buscá-lo.
— Bom dia. Esta manhã, minha esposa esteve aqui procurando por
mim. O nome dela é Scott, Pennelope Scott. Sou o marido dela, Noah Scott.
— Se ela não tivesse nenhuma informação, eu teria que voltar ao carro e ligar
para ver onde Penn tinha se metido.
— Sim, senhor. Sua esposa avisou que viria. Aqui está a chave do seu
quarto.
Olhei para o cartão que ela estava me entregando. Alguma coisa estava
errada.
— Senhorita, deve estar havendo algum engano. Minha esposa não está
hospedada. — Empurrei a chave de volta.
Ela olhou para o cartão, conferiu algo no computador à sua frente,
depois voltou a me olhar, sorrindo.
— Está certo. Scott. Ela se hospedou hoje pela manhã. Está na suíte
10125 — informou-me, devolvendo o cartão.
Peguei, agradeci e fui em direção aos elevadores. Indiquei ao
ascensorista o andar e, enquanto subia, eu tentava me acalmar. Se eu ainda
tinha uma leve esperança de que estava havendo algum engano, ao abrir a
porta, eu tive a certeza que não. O perfume de Penn estava impregnado por
todo o ambiente e, pela primeira vez em todos os anos que eu o havia sentido,
me fez mal.
Parei no meio da imensa suíte olhando para a mala aberta sobre a cama.
Ela não estava por perto, mas se eu conhecia Penn, sabia exatamente onde ela
estaria nesse momento – no banheiro, dentro de uma banheira de espuma,
tomando champanhe. Foi como se ela estivesse me ouvindo.
— Noah? Estou aqui no banheiro. — Ela sempre usou esse tipo de
joguinhos comigo, e eu conhecia todos eles, mas hoje eles não serviriam. Eu
já não era mais o mesmo.

223
— Estou esperando por você aqui fora, Penn. Como eu disse, estamos
indo. Tenho um carro esperando. Saia, vista-se e vamos. — A porta se abriu.
Como eu já imaginava, ela saiu nua com uma taça de champanhe nas mãos.
— Hoje é sexta-feira. Pensei que pudéssemos aproveitar o fim de
semana. Eu vim porque estava morrendo de saudade de você. — Ela veio
direto para mim com a nítida intenção de me abraçar. No susto, dei dois
passos para trás, afastando-me. — Noah! O que está acontecendo? — Penn
parou no meio do caminho, sem entender a minha reação.
— Nada. Não está acontecendo nada. — Esforcei-me para retribuir o
abraço. — Só estou com pressa, já que o carro está nos esperando.
— Como nada? Você pensa que sou idiota? Vai me contar o que está
acontecendo. Nem me abraçar você quis.
— Penn, tínhamos um acordo que você não respeitou. Eu pedi um
tempo. Estava precisando desse tempo. — Afastei-me e comecei a guardar as
roupas que estavam sobre a cama dentro da mala. — Vista-se e vamos.
— Por favor, Noah, diga-me o que fiz de errado, por que você está tão
frio comigo… — De novo, ela estava ao meu lado, mas agora me abraçou,
soluçando, me fazendo sentir o pior dos homens. Ela não merecia isso.
— Não fique assim. Só estou com muitos problemas, foi por isso que
eu pedi um tempo. — Abracei-me a ela, beijando seus cabelos perfumados e
ainda úmidos. — Vamos voltar para a fazenda. Não estou com cabeça para
passar o fim de semana aqui.
— Antes de irmos, só me responda uma coisa. Você conheceu outra
mulher? — Levantou a vista para ouvir a minha resposta e, ao mesmo tempo,
ver se eu mentia.
— Não, Penn, confie em mim, não conheci outra mulher. Agora, por
favor, vá se vestir. Ainda não temos reserva para o voo. — Ela pareceu se
conformar com a minha resposta, ainda se abraçou ao meu corpo com força,
mas depois se afastou, indo em direção ao banheiro.
Esperei-a entrar e fechar a porta, fui até a mesa. Peguei o telefone, pedi
à recepcionista para preparar o registro de saída. Aproveitei e pedi que visse
uma reserva no primeiro voo para o JAC Jackson Hole Airport. Avisei Penn
que iria descer para acertar tudo enquanto ela terminava de se arrumar.

224
Estava terminando quando Penn apareceu, saindo de elevador, com um
vestido estampado, leve, cobrindo um corpo de parar o trânsito, os cabelos
sem nem um fio fora do lugar, assim como a maquiagem perfeita. Várias
cabeças viraram para olhar enquanto ela caminhava de forma segura pelo
saguão. A garotinha assustada que havia chorado nos meus braços
desaparecera e no lugar, uma mulher linda, forte, segura de si caminhou
direto em minha direção.
— Tudo pronto? — perguntou, levantando os óculos escuros e me
abraçando assim que chegou ao meu lado.
— Sim, vamos? — respondi, querendo me esquivar, mas não podia
fazer isso, então passei minha mão sobre o ombro dela, indicando-lhe o
caminho.
A primeira coisa que senti, mesmo sem ver, foram os olhos de George
sobre mim. Automaticamente, retirei minha mão do ombro de Penn. Ela
escorregou no assento e eu subi logo atrás, mas fiquei no extremo oposto.
Durante toda a semana, eu havia me sentado ao lado de Julian, naquele
mesmo lugar, enquanto George dirigia. Então, agora, o sentimento era de
traição.
— Que carro! Até o cheiro é de riqueza. É do Fox? — Ela elogiou,
passando a mão pelo assento ao mesmo tempo em que abria os dispensers
fechados, admirando tudo.
— Sim, é dele. — Não quis dizer mais nada, não me sentia bem com a
situação. Ainda bem que ela logo se desinteressou do carro e começou a olhar
para fora, admirando as ruas e, consequentemente, as lojas.
— Tem certeza de que não podemos ficar? — Tentou mais uma vez.
— Sim, tenho. — Não voltei a abrir minha boca, apenas olhava a
cidade ficando para trás e ela pareceu não perceber. Como uma criança,
continuava com os olhos grudados na janela, vendo tudo que acontecia fora
dela.
— Isso é tudo, senhor, ou precisa de mais alguma coisa? — George
perguntou ao nos entregar as duas malas em frente ao aeroporto.
— Não preciso de mais nada, George. Obrigado por tudo. — Estendi a
mão, que ele aceitou, apertando com força.

225
— De nada, senhor, foi um prazer. — Já estava soltando a mão dele
quando voltei a apertar novamente.
— George, cuide bem dele. Por mim. — Por um segundo ele piscou,
depois reforçou o aperto, sorrindo.
— Com certeza farei isso, senhor, fique tranquilo. — Soltei a mão dele.
— Que tenham uma boa viagem. Senhor, Senhora. — Com isso, ele deu a
volta, subindo no carro, arrancando e desaparecendo entre os muitos que
faziam o mesmo.
— Noah! Vai ficar parado aí até quando? — Penn reclamou enquanto
me esperava em frente à porta aberta.
— Temos tempo ainda, Penn, não há pressa. — Olhei para o meu
relógio, nove e trinta, nosso voo só iria sair às onze e dez.
Mas não era o tempo que me impedia de entrar, eram meus pés que, de
repente, pareciam estar carregados de chumbo. Mesmo assim, esforcei-me e
arrastei meu corpo para dentro do aeroporto. Segui todos os procedimentos
como um autômato. Penn falava, gesticulava, indicava, e eu apenas assentia.
No instante em que a aeronave começou a taxiar na pista, comecei a sufocar.
Eu não queria ir e, ao sentir a aeronave deslizando e logo levantando voo,
constatei o que Julian já me havia informado – se eu fosse, eu não voltaria.
Nesse momento, a dor foi tanta que não pude esperar as luzes se apagarem.
Tropeçando, corri em direção ao banheiro.

226
Capítulo XVI

JULIAN FOX

Eu não tinha percebido que o tempo havia passado e, muito menos, que
estava sentado no chão em frente à porta do elevador, não até sentir a mão
carinhosa de Holly sobre meu braço.
— Sr. Fox… Julian? Vamos, levante-se. — Olhei para ela sem
entender o “levante-se”.
— O que foi, Holly? Eu… — Parei, sem conseguir continuar. A dor
que eu estava sentindo era tanta, que estavam impedindo as palavras de
saírem.
Na primeira vez, a dor física foi grande, mas foi curada com as ervas da
minha mãe, assim como a dor na alma, o carinho dela havia me ajudado a
superar. Mas agora eu estava completamente sozinho. Sentia-me um perfeito
idiota. Não deveria ter ido àquele encontro, não deveria tê-lo hospedado em
minha casa, mas, acima de tudo, não deveria ter ido para a cama com ele.
Poul tinha razão de se preocupar. Eu havia dito a ele que sabia onde
estava pisando. Mera ilusão. Eu estava brincando sobre areia movediça e me
afundei porque subestimei o perigo.
— Julian? Está tudo bem? — Ouvi novamente meu nome sendo
chamado por Holly. Fiquei envergonhado por deixá-la ver o quanto eu era
fraco.

227
Respirei fundo, dando-me uma bronca mental ao mesmo tempo em que
me levantava do chão.
— Sim, Holly, está tudo bem. Prepare um café reforçado, porque o meu
exercício vai ser reforçado também.
— Sim, senhor. — Ela me olhou, desconfiada, mas mesmo assim
emitiu um tímido sorriso, feliz por seu patrão, pelo menos, estar tentando
superar o mau momento.
Respirei fundo e subi as escadas, saltando os degraus de dois em dois.
A sala, pela primeira vez, estava silenciosa. Nada das batidas pesadas que
Brandon costumava colocar. Ele, por sua vez, estava apenas sentado perto da
janela, olhando para as nuvens fora dela. Desde que eu o havia contratado,
era a primeira vez que o encontrava sério, parado. Nada de esteira, cordas ou
bicicleta. Fui até o equipamento de som, escolhi um rock pesado e coloquei o
volume quase no máximo. O barulho foi alto o suficiente para fazê-lo dar um
pulo e entrar em alerta no mesmo instante.
— Amanheceu com preguiça hoje? — perguntei, indo pegar uma das
cordas, começando a saltar. — Marque o tempo.
— Sim, senhor, me desculpe. Pensei que talvez não fosse se exercitar
hoje. — Ele se levantou, afastando-se da janela, veio até o meu lado e
acionou o cronômetro.
— Pensou errado. — Acelerei os saltos. Depois de dez minutos, eu
estava trocando as cordas pela escalada e assim continuei. Concentrar-me em
minhas pernas para não tropeçar e cair ajudava a não pensar em Noah e no
que ele poderia estar fazendo com a esposa.
— Podemos parar por hoje, senhor. — Brandon chegou ao meu lado e
segurou os pesos com a nítida intenção de interromper a minha série.
— Nada disso. — Eu queria continuar, mas ele não soltou e, com isso,
não pude continuar. — Vamos alongar para terminar.
— Que inferno, Brandon, por que parar agora? Eu ainda nem me
aqueci.
— Por hoje basta, Julian, ou você pode sofrer uma lesão. — Olhei para
o relógio e talvez ele tivesse razão, já fazia mais de duas horas de exercícios

228
pesados e sem descanso.
— Não me trate como um fracote. Esse é você, não eu. — Peguei a
toalha e a garrafa de água que ele estava me oferecendo, sequei o rosto, abri a
garrafa, joguei a tampa para ele e saí despejando a água na garganta.
Desci a escada e, ainda tomando a água, fui em direção ao meu quarto.
Mesmo que eu estivesse me bloqueando, era impossível não pensar nele. Eu
tinha que passar em frente ao quarto dele para chegar ao meu. Parei em frente
à porta, mas logo desisti e segui em frente. Se eu esperava superar Noah, esse
era um bom momento para exorcizá-lo.
Entrei, passando reto, indo direto ao banheiro. A cama continuava
desarrumada e eu não queria olhar para ela. No banheiro, não havia forma,
para qualquer lugar que eu olhasse, lá estávamos nós. Desisti de tentar não
pensar, apenas deixei os pensamentos tomarem as formas que bem
entendessem.
De maneira automática, segui o mesmo ritual de sempre – desci, tomei
meu café que Holly havia caprichado. Em frente à porta, vesti meu paletó,
coloquei as abotoaduras e, por último, amarrei meus cabelos. Saí e fui em
direção ao apartamento da Emily. Ela já estava quase totalmente recuperada.
Mesmo assim, eu ainda não havia devolvido o celular dela nem o da Rose.
— Olá, querido! — ela exclamou assim que me viu entrando. Estava
sentada em frente à janela. — Pensei que tivesse me trocado por seu novo
namorado.
— Emily, se você continuar, eu vou embora agora. — Não queria, mas
mesmo assim respondi exaltado.
— Não venha me dizer outra vez que não estão juntos. O que está
acontecendo? Por que essa cara? — ela perguntou, desconfiada, ao mesmo
tempo que olhava atrás de mim procurando por Noah.
— Nada, e para você ver, tanto não estamos juntos, que ele voltou para
a fazenda e deixou um beijo para você. — Tentei sorrir.
— Como assim, voltou? Pensei que vocês iam ficar juntos.
— Pensou errado, Emily. Eu disse que era só por um tempo. Mudando
de assunto, como você está? — Eu tinha que cortar qualquer esperança, não

229
podia sonhar que ele voltaria.
— Eu estou bem, mas quero saber de você, querido, você não parece
bem. — Ela me puxou pela mão até eu cair sentado ao lado dela.
— Está tudo bem, Emily, eu estou bem — sorri, olhando para ela e
tentando passar uma tranquilidade que, no momento, eu estava longe de
sentir.
— Olhe para mim, querido. Sou eu, Emily. Eu o conheço. Fale comigo.
O que aconteceu? — Ela tomou meu queixo entre os dedos, forçando-me a
olhar para ela. — Você está sorrindo para mim, mas eu nunca vi em você um
olhar tão triste.
— Vamos mudar de assunto. — Fiquei em pé, olhando para qualquer
lugar que não fosse o rosto dela. — E Rose? Onde está?
— No quarto. Ela foi buscar meu remédio — ela respondeu, mas não
estava feliz com a mudança. Ao terminar de falar, Rose entrou na sala
carregando um copo de água com uma caixinha de remédio, e me olhou
atravessado.
— Se você quiser sair hoje, pode sair. Eu venho mais tarde fazer
companhia para Emily — disse a ela.
— Que bom, querido, eu já estava preocupada. Rose é jovem, merece
se divertir um pouco. Desde que ela chegou, só ficou nesse apartamento.
— Tem razão, Emily. — Fiz um pequeno sinal para que Rose me
seguisse e fui em direção à cozinha.
— O que foi agora? Estou me comportando — ela foi logo se
defendendo ao entrar na cozinha.
— Sei disso.
Não estava com forças nem com vontade de discutir. Eu não podia
obrigá-la a amar Emily, assim como na podia forçar Noah a me querer. Tinha
sido estupidez da minha parte pensar que isso seria possível.
— George vai ficar à sua disposição essa noite. Anote o celular dele e
ligue quando estiver pronta. — Peguei meu celular do bolso para passar o
número para ela.

230
— E como vou ligar para ele se não tenho celular? — Evitei um
palavrão que estava prestes a sair, mas tive que reconhecer que algumas
semanas atrás ela teria completado a frase com um “idiota”.
— Aquilo ali se chama telefone fixo. Use-o para ligar para ele. — Fiz
menção de sair, mas ela me impediu.
— Ela já está bem, já banquei a netinha adorável por mais tempo do
que pretendia. Quando poderei ter a minha vida de volta?
Não havia mais nada a discutir. Eu havia falhado com Emily e comigo
mesmo. Rose jamais amaria Emily, assim como Noah jamais ficaria comigo.
— Só espere eu resolver alguns problemas e você será livre novamente.
Vamos fazer o seguinte, você pode ir embora na próxima sexta-feira. Vou
deixar com Holly os cartões e o seu celular. Você pode subir e pedir a ela.
Não se preocupe com despedidas para mim. Isso mesmo, na próxima sexta-
feira você estará livre. — Ela sorriu, triunfante, e eu saí da cozinha. Não
podia fazer mais nada.
Ao deixar o apartamento de Emily, liguei para George. Eu havia dito a
ele que ficasse à disposição de Noah, então não tinha motivos para chamá-lo
a não ser para ouvir notícias que eu não deveria querer ouvir.
— Por onde você anda, George?
— Estou voltando do aeroporto, senhor. Se já estiver pronto e quiser
me aguardar, chego em no máximo dez minutos.
Eu já estava no hall, então continuei. Dez minutos não era muito.
Enquanto esperava por ele, caminhando de um lado para o outro na calçada,
resolvi ligar para Poul.
— Bom dia. Você já está no escritório? — Era uma forma de manter a
minha mente ocupada.
— Nossa? Quanto tempo faz que não recebo um “bom dia” seu a essa
hora! — Exagerou, mas depois concluí que não era tanto exagero, durante a
semana que Noah passou comigo, eu não havia ligado para ele nem uma vez.
— Não seja ciumento. Então, já chegou?
— Chegando. Precisa que eu veja algo? Você vai demorar? —

231
perguntou, já disposto a resolver qualquer problema.
— Não, não preciso de nada. Não vou demorar. Estou saindo. — Ainda
estava falando quando vi George chegando, me aproximei, abri a porta e
entrei assim que ele parou. Com isso, ele voltou a arrancar, enfrentando o
trânsito.
— Aconteceu alguma coisa? Você está bem?
Não, eu não estava bem, estava me esforçando, mas não sabia até onde
conseguiria ir antes de desabar.
— Não aconteceu nada, estou bem. Só liguei para saber como você
está. Essa semana foi corrida, quase não tivemos tempo para conversar. —
Uma boa parte do que eu estava dizendo era verdade, eu queria saber como
ele estava e a semana tinha sido corrida mesmo.
— Estamos bem. Frank conseguiu entradas para o show da Broadway
hoje à noite. Sei que você queria ir, mas, como está com visita, eu não disse
nada. — Por um momento, ele pareceu ficar pensativo, mas depois
completou: — Teremos outras oportunidades.
— Sim, teremos sim. — A distração da ligação foi boa, porque o carro
parou na garagem sem eu ter percebido o tempo correr.
Continuei conversando com ele até entrar na minha sala e me jogar no
sofá. Não olhei para a mesa. As coisas de Noah estavam do jeito que ele
havia deixado no dia anterior, o laptop fechado em frente ao meu, um bloco
de anotações onde ele registrava de forma organizada tudo que achava que
era importante. Não adiantava chorar. Assim que me levantei, fui até a mesa,
peguei o laptop e o bloco, as canetas, lápis e tudo que era dele. Abri um
pequeno armário embutido, encontrei um lugar e guardei tudo.
Tirei o meu paletó, abri o meu laptop e comecei a passear pelas bolsas
do mundo. Antes me excitava ver quais ações poderiam subir ou cair, estar
um passo à frente de todos era o que tornava os dias divertidos. Agora, eu
apenas olhava, sem realmente ver nada além de uma tela cheia de números.
— Sr. Fox. — Olhei para Chris parada à minha frente com Poul. Não
me lembrava de ter ouvido a porta se abrindo, nem eles chegando perto de
mim.

232
— Sim?
— O senhor tem um almoço de negócios. — Ela estava com o tablet
nas mãos, apontando algo nele.
— Desculpe, Chris, que almoço? — Eu não lembrava de nenhum
almoço.
— Deixa que eu resolvo, Chris — Poul pediu a ela e eu apenas olhava
os dois sem entender muito bem o que estava acontecendo.
— O que está acontecendo, Julian? Onde está Noah? — Ainda olhando
para ele, eu me levantei e comecei a vestir o paletó. Se eu tinha um almoço,
não queria deixar quem quer que fosse esperando.
— Não está acontecendo nada, e Noah já voltou para a fazenda. —
Comecei a sair, mas fui impedido por ele.
— Como assim? Ele se foi? O almoço é com o dono da fazenda que
eles querem comprar. Ele deveria participar. — Poul começou a se irritar.
— Houve um imprevisto e ele teve que voltar. — Com isso, ele pareceu
se acalmar.
— Se quiser, eu posso acompanhar você, mas pode me dizer o que
aconteceu? Problemas com a família?
— Não sei bem o que houve, mas eu gostaria que você me
acompanhasse, sim. Isso se você não tiver nada urgente. — Eu sabia que iria
precisar da ajuda dele. Minha cabeça não estava funcionando muito bem e,
com isso, poderíamos perder a compra.
— Vamos indo então. Só vou passar na minha sala para pegar a carteira
e já volto. — Enquanto voltava à sala dele, eu aproveitei para dar uma olhada
no celular, só para ter certeza de que não havia nenhuma mensagem.
Chegando ao restaurante, eu fiquei feliz por Poul estar ao meu lado.
Sabia que aquela compra era muito importante para todos da fazenda. Eu não
podia falhar. Nunca quis tanto que uma transação tivesse um resultado
positivo. A minha ansiedade para que tudo desse certo, mais a ausência de
Noah, poderia levar as coisas a um destino não desejado.
A aspirante à atriz era linda! Esse já era um ponto a favor dela, mas o

233
principal era saber se era realmente boa, assim como havia dito. Eu a havia
elogiado sem ver a peça, apenas repeti o que tinha lido.
— Julian? — Olhei para Poul e forcei um sorriso. Sabia que a minha
mente novamente havia se dispersado.
— Desculpem, mas estou com alguns problemas que não estou sabendo
resolver — expliquei, me defendendo. Não era uma mentira. — O que estava
dizendo?
— Isso faz com que a minha dívida seja ainda maior. Um empresário
com tantos compromissos separar um tempo para essa reunião só me faz
admirá-lo ainda mais. — O pai da garota estava feliz. Pelo menos, ele, pensei.
Eu apenas sorri.
— Sim, Julian, eu vi os vídeos que ela me enviou, e posso dizer que é
uma joia a ser lapidada. Você teve um bom olho. Vou indicar a ela um dos
melhores agentes que eu conheço. — Sentia-me uma fraude ao ouvir o elogio
do produtor que eu havia indicado a eles. Mas, se ele a estava elogiando,
queria dizer que ela era boa. Não queria brincar com os sonhos dela.
— Eu não fiz nada, apenas uni as duas pontas. A responsabilidade é
toda dela — lavei minhas mãos.
— Sim, mas essa união fez toda a diferença. Faz anos que ela vem
tentando se destacar e nada, mas bastou um telefonema seu para o sonho dela
começar a se tornar realidade. Se eu puder fazer algo para agradecer —
completou. Foi então que eu percebi que meu cérebro não estava
completamente desligado. Essa era a minha deixa.
— Como eu disse, não precisa fazer nada para agradecer. Mas se
souber de alguma bela fazenda à venda em Wyoming, isso seria de grande
ajuda para mim. Soube que vocês são de lá — eu disse como se não fosse
algo importante.
— Papai, a nossa fazenda! — O rosto da filha dele se iluminou.
— A nossa fazenda, Ashley? — Ele não pareceu feliz.
— Sim, papai. Mamãe quer ampliar os negócios dela aqui. Se eu
conseguir levar adiante a minha carreira, não voltarei mais para lá. Melhor
vender agora que está em bom estado — ela insistiu e eu apenas olhava.

234
— Não sei. Eu herdei aquelas terras do meu pai. Minha intenção era
deixá-las para você. — Nesse momento, eu tive absoluta certeza de que as
terras já pertenciam aos Scott.
— Eu sei, papai, e agradeço por isso. Mas, como eu disse, dificilmente
voltarei a viver lá. Minha vida está aqui, agora mais do que nunca — ela
sorriu, e eu pensei que pai não faria tudo por uma filha assim?
— Tenho que pensar. — Quando ele disse isso, minha certeza quis se
transformar em dúvida. Que merda havíamos deixado passar?
— Não se preocupe, sr. O’Brien. — Não queria que se sentisse
pressionado.
— Minha filha tem razão. Faz anos que a nossa fazenda está nas mãos
de cuidadores. Só a mantinha por Ashley e por ter pertencido aos meus pais.
— Ele tomou as mãos da filha entre as dele, tentando fazê-la entender os
motivos de ele não querer passar as terras adiante.
— Entendo perfeitamente.
— Mas não é esse o problema. — Poul olhou-me, e era como se
dissesse que eu havia perdido. Esperei que concluísse.
— Qual é o problema, papai?
— Acontece que nossos vizinhos, os Scott, queriam essas terras.
Pensando em deixá-las para você, eu nunca aceitei nenhuma oferta deles. Não
posso oferecer as terras ao sr. Fox sem antes fazer uma oferta a eles. Espero
que me estenda. — Ele olhou para mim e eu suspirei, aliviado. Para mim ou
para eles era a mesma coisa.
— Não acredito que precise fazer isso, papai, afinal, as terras são
nossas.
— Minha consciência não permitiria de outra forma, Ashley. Eles
sempre foram bons vizinhos, desde a época dos meus pais. Podemos oferecer
as terras a eles, e eu mesmo posso procurar outras para o sr. Fox.
Ponderei contar ou não. Poul me olhou e percebi que tinha a mesma
dúvida que eu. O produtor, depois de se desculpar por precisar cumprir outro
compromisso, se retirou, mas não antes de marcar uma audição com Ashley,
que nesse momento estava exultante. Respirei fundo. Minha decisão poderia

235
dar muito errado – se ele desconfiasse que tinha sido um jogo, poderia se
ofender e tudo acabaria em um desastre, ou dar muito certo – ele já estava
feliz com a felicidade da filha e não se importaria com nada.
— Então, acredito que esse problema não exista, sr. O’Brien. — Tanto
ele como a filha me encararam. — Eu estou procurando terras para os Scott.
Joguei a bomba e esperei para ver o poder de destruição que ela tinha.
A boca dele se abriu e fechou várias vezes, assim com a da filha. Poul, assim
como eu, esperava um desfecho. Enquanto ele tentava entender as possíveis
ligações entre mim e a família Scott, eu esperava, com os nervos à flor da
pele. Isso não era bom. Demonstrar apreensão, medo ou fraqueza era o que
fazia o jogo virar contra o apostador – nesse caso, eu.
— Desculpe-me perguntar, sr. Fox, mas o senhor foi um daqueles
garotos? — Tentei captar na voz dele algum preconceito com os garotos
Scott, mas não percebi nada, era apenas curiosidade mesmo.
— Não, sr. O’Brien. — Ele não pareceu satisfeito com a minha curta
resposta.
— Posso saber então como ficou sabendo do interesse deles pelas
minhas terras?
— Algumas semanas atrás estive presente em um encontro na fazenda.
Foi assim que soube. O sr. Scott filho deveria estar hoje aqui, mas teve um
imprevisto e não pôde vir. — Será que eu tinha arruinado tudo ao ser sincero?
— Então não há mais problema, não é, papai? — deduziu Ashley.
— Olha, sr. O’Brien, o sr. Fox queria ajudar não só a sua filha, mas o
pessoal da fazenda também. Não se sinta ofendido nem obrigado a realizar a
venda. Uma coisa não tem nada a ver com a outra — Poul interveio.
— Não, não estou ofendido. Apenas fiquei curioso — ele rebateu
quando percebeu o rumo dos nossos pensamentos. — Já que a minha filha
não tem intenção de se apossar daquelas terras, ficarei feliz de fazer o
negócio com os Scott.
Nesse momento, a imagem de Noah sorrindo apareceu à minha frente,
me fazendo sorrir também. Se ele estivesse presente, era assim que ele estaria
– sorrindo, feliz.

236
— Podemos brindar, então, pelo sucesso dessa reunião? — aproveitou
Poul antes que ele mudasse de ideia.
— Claro. Se todos nos ajudássemos, o mundo seria bem melhor. Eu
vou ter meu teste e um agente de confiança para alavancar a minha carreira e
a família Scott terá as terras que tanto queriam. — Ela estava vibrando. —
Hoje, o dia foi perfeito.
— Claro, filha, e ver você sorrindo o torna ainda melhor. — O pai dela
a trouxe para perto e depositou um beijo em seu rosto sorridente.
— Sr. O’Brien, se o senhor preferir, pode tratar da venda direto com os
Scott. Não vejo necessidade de intermediar, afinal, vocês já se conhecem —
tratei de voltar a conversa para o campo dos negócios. Tanta felicidade sem
ter Noah ao meu lado não estava me fazendo bem.
— Como quiser, sr. Fox — ele sorriu. — Nos últimos anos, eu recebi
várias ofertas do falecido Scott. Apenas darei continuidade às negociações.
— Tudo bem. Vou lhe passar o contato do sr. Scott filho, é ele quem
está encarregado. — Com isso, peguei meu celular e enviei o contato do
Noah a ele e, depois, ainda me demorei apenas olhando a tela em branco.
Nem sinal dele.
— Julian? — Levantei a vista e me deparei com três pares de olhos
fixos em mim.
— O que foi?
— Não sei, diga-me você. Aconteceu alguma coisa?
Pisquei várias vezes tentando entender o porquê da pergunta.
— Sim, sr. Fox, aconteceu alguma coisa? — Foi a vez da Srta. Ashley
me encarar. Que merda estava acontecendo?
— Que eu saiba não. Por que vocês estão olhando para mim assim?
— É que quando você abriu o celular, fez uma cara como se tivesse
levado um soco no estômago. Então, o que aconteceu? — Olhei para os olhos
que esperavam uma resposta. O que eu poderia responder? Que tinha sido
abandonado?
— Desculpem, uma notícia chata, mas nada além disso. — Ouvi alguns

237
suspiros de alívio. — Acho que ficou tudo acertado, não? — concluí.
— Sim, está tudo certo, sr. Fox. Já tenho o contato do sr. Scott, falarei
com ele. — Ele, assim como Poul, começou a levantar-se. — Agradeço mais
uma vez a ajuda que deu para a carreira da minha filha.
— Sr. Fox, o senhor não imagina o que significa isso para mim! — Ela
também se levantou e me estendeu a mão.
— Eu fico feliz por ter ajudado. — Era totalmente verdade. — Espero
que, quando for uma atriz estrelada, não se esqueça de mim. Vou querer lugar
na primeira fila em todas as premières — brinquei.
— Se um dia isso chegar a acontecer, pode ter certeza que terá seu
lugar reservado — ela respondeu, séria.
Saímos do restaurante conversando. Como havíamos vindo
caminhando, nos despedimos em frente ao táxi que os O’Brien estavam
embarcando. Depois de um último aceno, tomei a direção da empresa com
Poul ao meu lado. A reunião havia sido boa, não só por ter me dado algo para
pensar durante quase toda a tarde, mas porque a minha promessa tinha sido
cumprida. Não havíamos completado nem dez passos quando Poul me
interpelou:
— Então, vai me contar o que aconteceu?
Deixei escapar um ar de desânimo. Eu já havia contado uma meia
mentira a ele pela manhã e ainda tinha em mente várias outras, mas sabia que
em nenhuma ele acreditaria.
— Ele voltou com a esposa. Ela veio buscá-lo e ele se foi. — Deixei
sair enquanto caminhava olhando as pessoas que cruzavam conosco. Melhor,
assim não teria que olhar para a cara dele. — Ele disse que vai voltar livre
para mim, foi essa a palavra que ele usou, mas eu sei que não.
— Filho da puta — amaldiçoou. — Ainda bem que ele está do outro
lado do país ou eu o mataria — completou, furioso.
— Deixa disso, Poul. Sabemos que você não tem instinto assassino. —
Ele era pessoa mais da paz que eu conhecia.
— Até mexerem com as pessoas que eu amo — ele respondeu
enquanto continuava despejando sobre Noah todas as maldições.

238
O trajeto do restaurante até a empresa foi um resumo do vocabulário
sujo que ele decidiu usar contra Noah. Eu até tentei defendê-lo, mas o olhar
dele sobre mim fez com que eu desistisse.
— Estou de saída, Chris. Se tiver algo urgente para assinar e resolver,
posso ver rapidinho antes de ir — falei ao passar por ela, entrando em minha
sala.
— Sim, senhor, não é muita coisa. Já vou levar.
Ao entrar, olhei e decidi me sentar no sofá. Tudo era ainda muito
recente, eu precisava de um tempo para me recuperar. Pensei em minha
terapeuta, mas logo desisti. Não voltaria à terapia pelo mesmo motivo. Eu
teria que sair dessa sozinho. Coloquei a papelada sobre a mesa de centro e ia
analisando, assinando e devolvendo à Chris.
Quando terminei, ela se foi. Olhei para o relógio e percebi que ele já
deveria ter chegado. Não queria entrar na paranoia de olhar o celular a cada
meia hora, mas, mesmo assim, abri as mensagens para ver se havia alguma.
Nada.
— Pensei que já tivesse ido. — Poul entrou em minha sala mantendo
ainda a cara de poucos amigos.
— Não, mas já estou de saída. — Levantei-me.
— Espere, Julian, vamos conversar. — Olhei para ele, não queria
conversar.
— Não, hoje não. — Continuei andando.
— Você não está bem. Vamos para a minha casa. Hoje é sexta-feira,
amanhã podemos fazer algum programa. — Ele estava insistindo, mas eu só
queria voltar para casa e talvez me embebedar. Eu tinha direito a isso.
— Deixe-me. Eu só quero ir para casa. — Talvez, com a minha cara de
cansaço, ele me deixou livre.
— Ele não merece todo esse seu sofrimento. — Enquanto o elevador
descia, ele resmungava.
Eu apenas me encostei contra a parede do cubículo espelhado. Com ele
por perto, preferi olhar qualquer lugar que fosse, menos para ele. Ao chegar à

239
rua, me desculpei por não dar carona e me despedi. Deixando-o tomar um
táxi, subi no meu carro com George ao volante. O que eu queria fazer era ir
direto ao apartamento, mas eu tinha prometido ficar com Emily e foi o que eu
fiz.
Quando entrei, ouvi vozes vindo da cozinha. O cheiro inconfundível da
torta de maçã com canela era uma notícia muito boa. Emily estava
cozinhando, pena que eu não estava no espírito para ir ajudá-la. Dei algumas
voltas pela sala. Uma dose seria bem-vinda nessa hora. Deixei a sala e saí na
varanda, fechando a porta atrás de mim.
— Faz tempo que está aí? — Abri meus olhos. Rose estava parada à
minha frente com um pratinho de torta na mão.
— Acabei de chegar. — Percebi que não era verdade ao ver tudo
completamente escuro.
— Emily mandou chamar você. Ela não quis sair. — Ela fez sinal para
Emily, que estava sentada em uma cadeira próxima ao sofá. — Eu queria vir
antes, mas ela disse para deixar você em paz.
— Diga a ela que já vou.
Ela deu de ombros e entrou, deixando-me só na varanda. Assim que a
porta se fechou, peguei meu celular para ver se tinha alguma mensagem do
Noah. Não esperava muito, apenas algum aviso dizendo que chegara bem.
Mas como já havia previsto, não tinha nada. Calculei que um voo para o JAC
era de aproximadamente cinco horas, então, ele já deveria estar em casa. Eu
havia dito que esperava que ele ligasse e ele havia dito que eu também
poderia ligar. Então, tomei a decisão pelos dois e enviei uma mensagem.
“Noah, você fez boa viagem? Chegou bem?”
Aproveitei e enviei outra para Kate e Jordan.
“Olá, docinho! Vocês conseguiram, a fazenda dos O’Brien será da
Scott. Deixei o número de Noah com o sr. O’Brien. Ele vai entrar em
contato.”
“Boa noite, Jordan. Tenho ótimas notícias, o sr. O’Brien concordou
em vender a fazenda para a Scott. Ele já está com o número do Noah e
entrará em contato com ele. Minha parte está feita, agora é com vocês.”

240
Deixei assim, não sabia mais o que dizer. Esperei para ver se eles
visualizavam a mensagem. Depois de um momento, eu me senti um idiota e
guardei o celular. Levantei-me da cadeira onde havia estado nas últimas horas
e alonguei os músculos doloridos pela tensão de estar muito tempo na mesma
posição.
Entrei na sala onde Rose continuava comendo com prazer a torta que
era a especialidade da Emily. Nesse instante, meu celular tocou e meu
coração parou. Eu sabia que estava desesperado por qualquer contato com
Noah, só não imaginava que a minha ansiedade chegasse a tal ponto. Mas, ao
olhar, tive que suspirar de decepção. Não era ele, era Kate ligando.
— Nath, você conseguiu? Não acredito, você conseguiu! — Antes que
eu pudesse responder, ela já estava berrando do outro lado.
— Boa noite para você também, docinho — brinquei —, mas eu apenas
consegui dele a promessa da venda. O resto é com vocês.
— Você já contou ao Noah? Ele não disse nada. Nossa, ele vai ficar
muito feliz. Jordan também. Enfim, todos! — ela praticamente gritava no
meu ouvido, perguntando e respondendo tudo ao mesmo tempo. Isso me fez
rir, o que foi bom. Por um momento, pude esquecer da minha estupidez e a
acompanhei no riso.
— Sim, já enviei uma mensagem a ele e ao Jordan também. Como eu
disse, agora é com vocês. Ensinei a Noah alguns truques, acho ele vai saber
usar direitinho. É isso. — Nesse momento, fiz sinal a Emily que continuaria a
conversa na varanda e saí, fechando novamente a porta atrás de mim.
— Sim, eu queria mesmo conversar com você sobre ele. Aconteceu
alguma coisa? — Ainda bem que eu estava fora, pois devo ter tremido dos
pés à cabeça.
— Que eu saiba não. Ele disse algo? — sondei.
— Não, ele não abriu a boca, o que é muito estranho. Eu conheço o
meu irmão, ele está diferente, mudado. Acima de tudo, triste — ela
completou.
— Desculpe, Kate — parei, sem saber como continuar —, eu não sei de
nada. Pergunte a ele, talvez ele tenha brigado com a esposa.

241
— Você pensa que já não fiz isso? Foi a primeira coisa que eu fiz
quando percebi que ele não estava bem. Penn só me disse que ele a arrancou
do hotel onde ela havia se hospedado sem nenhuma explicação. Ela não
entendeu nada, já que ele sempre fez todos os caprichos dela. Ele está
diferente.
Ouvi barulho de alguma coisa se arrastando, como se ela tivesse
puxado uma cadeira e se sentado.
— Ouça-me, Kate, ele é o seu irmão. Se diz que não aconteceu nada,
então não aconteceu nada. — Sim, nada havia acontecido. Então eu era isso,
apenas um “nada”.
— Desculpe-me estar fazendo perguntas a você, bancando a enxerida,
mas é que, nos dias em que esteve aí, ele parecia feliz. Então essa volta dele
pegou a todos de surpresa. Ele parece muito infeliz, também. Vocês
brigaram? — insistiu.
— Não, não brigamos. Ele foi embora antes porque a esposa dele veio,
mas estava tudo bem. Não se preocupe. — Não queria imaginá-lo triste. Doía
saber que ele era o único capaz de mudar isso, eu não podia interferir.
Dependia dele, apenas dele.
— Está certo, então. Talvez o motivo dessa tristeza seja por ter sido
obrigado a voltar antes. Ele havia pedido um tempo a ela, mas parece que ela,
como sempre, não deu ouvidos — concluiu, irritada. — Desculpe, isso não é
problema seu, mas não gosto de ver o meu irmão triste — justificou-se.
— Entendo. — Era só o eu que podia dizer.
Continuamos conversando um pouco mais. Ela prometeu organizar
alguma coisa e reunir as pessoas que, de uma forma ou de outra, haviam
colaborado para que a compra fosse realizada. Contou que no momento
estavam reunidos, comemorando a volta de Noah, que todos pareciam estar
felizes, menos ele.
Depois de mais algumas promessas, desligamos. Fiquei olhando o
telefone mudo em minhas mãos. Jordan já havia visualizado e agradecido,
contando que Kate estava espalhando a notícia. Vi que Noah também havia
visualizado a mensagem, mas não havia respondido.
— Será que sobrou um pouco para mim? — perguntei, rindo, ao entrar

242
novamente na sala. Não queria mostrar a Emily o que eu estava sentindo, ela
já havia passado por muito para ter que lidar com a minha depressão.
— Sim, querido, fiz especialmente para você. Tem outra guardada, mas
essa Rose não conseguiu esperar e partiu. — Admirei ainda mais a minha
Emily, ela havia percebido que eu não estava bem e, do jeito dela, tentava me
fazer feliz.
Eu me servi de uma porção generosa da torta e uma quantidade
indecente de chantili e ainda carreguei na canela em cima. Se não podia me
embebedar com álcool, eu ia me “embriagar” com açúcar. O importante era
que o meu cérebro se atrofiasse com algo.
— Se você vai ficar, eu vou me arrumar para sair — Rose avisou, se
levantando. Não rebati, já sabia que dela não receberíamos nada além de um
falso carinho.
— Sim, querida, vá. Você merece se divertir um pouco — Emily disse
e eu olhei-a desaparecendo pela porta.
Depois que Rose se foi, aproveitamos o tempo assistindo desde aos
jogos antigos do Red Sox a comédias idiotas. Passava da meia-noite quando
acomodei o edredom sobre o corpo de Emily e fechei a porta do seu quarto.
Rose eu sabia que estava bem, se esbaldado na noite com George como seu
fiel escudeiro.
Já eu, bem, eu não tinha mais nenhuma desculpa para ficar em pé,
então só me restava encontrar a minha cama também. O problema era que
aquele quarto, principalmente a cama, devia estar com o cheiro de Noah em
todos os lugares. E foi como o previsto. Noah não usava perfume forte, mas
foi só colocar o pé dentro do quarto para o meu olfato pegar cada gota do
suor dele, o cheiro da sua colônia pós-barba… Com isso, todos os gemidos,
todas as palavras de carinho, todas as maldições que ele despejava ao gozar,
tudo explodiu em minha mente como se ele estivesse presente naquele
momento, gritando tudo isso comigo. Desisti, fechei a porta novamente,
trancando-o dentro do quarto.
Encostei-me contra a parede, esperando que a dor de ser rejeitado por
ele pela segunda vez diminuísse. Quando eu me senti melhor, consegui me
arrastar até o andar de cima. Era o único lugar onde a presença dele não
estava tão presente. Procurei uma toalha e a usei como lençol no sofá, então

243
me desfiz de toda a minha roupa. Mas antes de tentar me enganar dizendo
que iria dormir, enviei uma mensagem a Brandon dizendo que os exercícios
do dia seguinte estavam cancelados. A Poul, avisei que não iria ao escritório.
Por fim, a Holly disse que, se não quisesse me ver nu, seria melhor não subir
ao andar de recreação. Com tudo isso feito, desliguei o celular. Não adiantava
esperar que Noah se comunicasse, era mera ilusão – ele não só não ligaria,
como também não voltaria. Dependia de mim aceitar.

244
Capítulo XVII

NOAH SCOTT

Ao caminhar pelo saguão do aeroporto lotado, eu não conseguia ver


absolutamente nada, apenas seguia Penn. Do lado de fora, Elijah e Kate nos
esperavam. Abracei e beijei a minha irmã e posso garantir que um robô teria
sentido mais emoção que eu.
— O que aconteceu, Noah? — ela cutucou assim que Elijah colocou o
carro em movimento.
— Nada, apenas cansaço da viagem. — Tentei, mesmo sabendo que
seria difícil enrolar a peste.
— Noah, não me venha com essa de cansaço. Diga logo o que está
acontecendo. Você e Nath brigaram?
Suspirei, sem responder. Não estava a fim de falar.
— Ele também não me disse nada, Kate, está com essa cara emburrada
desde que foi me buscar no hotel — Penn reclamou, tentando conquistar a
solidariedade de Kate. Difícil isso acontecer.
— Como assim, ele foi buscar você no hotel? Afinal, o que você estava
fazendo em Nova Iorque? Vou querer saber essa história desde o começo. —
Só nesse momento Kate pareceu perceber que Penn deveria estar de férias no
Sul, e não comigo.

245
— É uma história um pouco longa — bufou Penn. — Pergunte a ele o
porquê de todo esse desmedido mal humor.
— Não será porque você foi atrás dele quando ele tinha pedido um
tempo?
Penn dificilmente ganharia algo com Kate indo contra mim.
— Eu apenas queria fazer uma surpresa. Cheguei lá no hotel onde ele
disse que se hospedaria, mas ele não estava lá. — Ela me lançou um olhar
acusatório.
— Eu avisei que a minha reserva havia sido cancelada. Eu estava em
outro hotel — falei o que todos já sabiam.
— Isso está me cheirando a chifres na sua cabeça, Penn. — Mandou
Elijah, rindo. — Eu ficaria de olho — completou, gargalhando.
— Não piore as coisas, Elijah. Se você não se hospedou no hotel, onde
estava? — Eu sabia que a peste não ficaria feliz enquanto não tivesse uma
resposta satisfatória para cada pergunta.
— Eu estava em outro hotel e já tinha avisado que faria o meu registro
de saída, por isso não pudemos ficar — expliquei e esperei que com isso elas
ficassem satisfeitas.
— Sim, mas eu me hospedei no hotel onde ele deveria ter se
hospedado. Queria apenas passar um fim de semana, e ele praticamente me
arrancou de lá e me arrastou de volta para cá. — Nesse instante, Penn estava
fungando e eu, sem nenhuma paciência.
— Vamos deixar para ter essa conversa em casa. Ninguém precisa ficar
sabendo dos nossos problemas, Penn. E você, Kate, deveria querer saber
sobre o que ficou resolvido e não sobre onde eu fiquei ou não. — Eu não
tinha nenhuma intenção de continuar a falar de algo que estava me
machucando tanto.
— Desculpe, você tem razão, me diga como foi lá.
Respirei agradecido. Depois disso, ela despejou sobre mim uma
quantidade absurda de perguntas, mesmo que muitas das quais ela já havia
feito durante a semana, mas, pelo menos, não era um terreno tão perigoso.

246
— Vou dar a você algumas horas para descansar, mas depois vamos
nos encontrar no refeitório. Todos querem saber as novidades — Kate me
informou depois de me dar um beijo em frente à porta da minha casa, se
despedindo.
— Tudo bem, nos encontramos logo mais, então. — Eu estava mais do
que agradecido pelo encontro. Infelizmente para Penn, no momento, eu não
conseguia me ver em um quarto fechado com ela.
— Como assim, “nos encontrar no refeitório”? — reclamou Penn. —
Pensei que fôssemos ficar juntos hoje. Você mesmo disse que temos muito
que conversar.
— Eu sei que temos, mas preciso passar tudo que resolvi por lá a
Jordan e aos outros — desculpei-me.
— Vocês podem aproveitar para pôr uma conversa rápida em dia, antes
do encontro. O que acham? — Elijah opinou, e eu já sabia o teor da conversa
rápida que ele estava imaginando.
— Não se meta, Elijah. — Penn o fuzilou com os olhos.
— Bem, decidam-se como acharem melhor. O tempo que levarem para
conversar não importa, contanto que estejam no encontro logo mais à noite,
para mim não haverá problema. — O carro já estava saindo com Kate quase
berrando.
— Você bem que poderia ter dito a ela que estava cansado, e assim
poderíamos ficar e matar a saudade. — Eu nem tinha soltado a alça da mala e
Penn já estava se enroscando em mim.
— E eu estou, Penn, mas tenho um compromisso, que é o de informar
tudo a eles. — Com suavidade, eu a empurrei de lado, voltando a puxar a
mala. — O que eu quero agora é um bom banho.
— Juro que não acredito no que você acabou de fazer! — O grito de
Penn fez com que eu ficasse estático aos pés de escada.
— O que eu fiz? — Apoiei a mão no corrimão da escada e esperei pelo
resto que ela estava prestes a despejar sobre mim.
— Não venha me dizer que você não conheceu ninguém! — Ela estava
visivelmente alterada. — Você nunca fez isso comigo. Nunca! — Explodiu.

247
— Ouça-me, Penn, eu não conheci ninguém.
Não era mentira, assim como a pergunta que ela me havia feito pela
manhã e que eu tinha negado. Em nenhum dos casos eu havia mentido. No
primeiro, eu não havia conhecido uma mulher, Julian era um homem. No
segundo caso, eu não o havia conhecido, eu já o conhecia. Eu não estava
mentindo para ela.
— Como não, Noah?! Desde o hotel você está me evitando. Pensei que
fosse apenas estresse, cansaço, mas agora você me empurrou. — Ela tirou os
sapatos, os pegou entre os dedos e veio até mim, esperando uma resposta.
— Não conheci nenhuma mulher, Penn, estou apenas um pouco
perdido. Foi por essa razão que eu havia pedido um tempo.
— Pois trate de se encontrar ou você vai acabar me perdendo também.
— Ela deixou sua mala junto à minha para que eu a levasse para cima e
seguiu furiosa.
Não respondi, não porque não queria brigar, mas também porque não
tinha absolutamente nenhuma resposta para ela. No fundo, era melhor tê-la
brava comigo, essa era a desculpa que eu precisava para evitar o nosso quarto
e ficar no quarto de hóspedes.
Deixei a mala de Penn em frente à porta do nosso quarto e me dirigi ao
quarto ao lado, abri a porta e fechei-a logo atrás de mim. Eu sabia que ela
estaria me esperando, que era como sempre acontecia quando discutíamos,
mas hoje ela esperaria em vão.
Quando por fim pude ficar sozinho, peguei o celular e procurei por
alguma mensagem de Julian. Não havia nada. Digitei mil vezes que estava
morrendo por estar longe dele, mas apaguei uma após a outra, sem coragem
de enviar nenhuma delas.
Deitei-me na mesma cama que ele havia estado algumas semanas antes.
Procurei no travesseiro algum cheiro dele. Não havia nada. Minha vida estava
travada e, no momento, eu tecia um milhão de formas de conversar com Penn
e, assim, pedir o divórcio, mas não encontrava uma maneira de fazer isso sem
contar a ela e a todos a existência de Julian e, consequentemente, minha
condição. Só de pensar que toda a fazenda comentaria e me chamaria de gay
fazia o meu coração disparar, eu não conseguia respirar e entrava em uma

248
verdadeira crise de pânico.
Meu telefone vibrou em minha mão. Com esforço, descruzei os braços
que estavam adormecidos sobre meus olhos. Meus batimentos cardíacos
tinham ido de repouso ao limite do pré-infarte em um nanossegundo apenas
de imaginar ouvir a voz rouca de Julian novamente em meu ouvido.
— E…? Estamos todos esperando. Que horas você está pensando vir?
— Nada como a peste da sua irmã para servir de desfibrilador. No mesmo
instante, os batimentos voltaram ao ritmo estável.
Não havia percebido, mas eu havia apagado, talvez pelo cansaço
mental, talvez pelas rodadas de sexo intenso todas as noites durante a
semana, não sabia ao certo.
— Eu apaguei. Já estou indo.
— Sei — ela ironizou. — Deveria ter deixado a conversinha para a
volta.
Não disse mais nada, apenas desliguei, peguei minha mala e joguei
sobre a cama. Agradeci por ter dentro dela tudo de que precisava, assim não
teria que entrar no quatro onde Penn estava. Não sabia se ela iria ou não ao
encontro, mas eu não estava a fim de adular, insistir ou o que fosse. Dei mais
uma olhada, apenas para ver que não havia nada de Julian, talvez ele
estivesse esperando que eu ligasse, deixei o celular de lado e fui em direção
ao banheiro.
Sai do banheiro e me vesti com um jeans. Sorri ao imaginar os
elegantes ternos de três peças de Julian. Uma camiseta polo de algodão e eu
estava pronto para sair. No corredor, parei em frente à porta do nosso quarto.
Minha vontade era de passar reto, mas abri a porta apenas para ver esse ela
iria ou não. Ela levantou a vista da revista de moda que estava lendo e tratou
de colocar indiferença no olhar.
— Você não vai? — perguntei, mesmo já sabendo a resposta. A
camisola transparente dizia que a intenção dela era qualquer uma que
terminasse na cama, e não fora dela.
— Você vai mesmo me deixar aqui, sem sequer conversar comigo?
Nem um beijo você me deu desde que nos encontramos no hotel. — Ela
deixou a revista de lado e veio rebolando em minha direção, enquanto eu

249
caminhava de costas em direção à porta.
— Prometi a Kate que iria, e ela já está me chamado. — Cheguei à
abertura da porta e parei, segurando a maçaneta.
— Parece que você está querendo fugir de mim. — Ela parou a alguns
passos, os seios estavam quase todos à mostra, além do tecido da camisola ser
transparente. — Noah, faz uma semana, estou desesperada. — Levou uma
das mãos entre as pernas, se acariciando.
— Por favor, Penn, agora não. Já estou atrasado. — Tive pena dela,
pois nem com toda a insinuação sensual eu conseguia sentir alguma coisa.
Meu pau continuava completamente inerte.
— Noah?
Fechei a porta e saí. Ela estava se humilhando para me excitar e eu
sabia que ela não conseguiria. Continuei descendo as escadas enquanto ouvia
os gritos, ela não estava feliz e a culpa era cem por cento minha. Ela nunca
fora de gritar ou de fazer escândalos, por isso, ouvi-la totalmente
descontrolada só piorou o meu sentimento de miséria. Ela não merecia isso.
Quando cheguei ao refeitório, já estavam todos lá. Jordan foi o primeiro que
veio ao meu encontro, me abraçando.
— Noah meu filho, bem-vindo. — Enquanto falava, quase me sufocava
no abraço de lenhador.
— Olá para você também, Jordan. — Retribuí o abraço dele antes de
passar para o seguinte na fila. Cody, depois Jake, Elijah, Neil, Maggie…
Levantei a mão para os outros, porque senão, vararia a madrugada só com os
cumprimentos.
— Penn não veio? — Kate olhou para a porta. — Melhor assim —
completou, maldosa.
— Não. Ela ainda está chateada porque eu quis voltar. — Dei apenas
uma curta explicação, ela não precisava saber de tudo que estava acontecendo
entre mim e Penn.
— Não sei se é apenas isso, mas você está muito diferente. Não só
diferente, você está triste. Vai me contar o que aconteceu ou o que está
acontecendo? — Essa era a minha irmã peste – não importava a minha

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resposta, ela só pararia de ser curiosa quando se sentisse satisfeita.
— Não comece, Kate, por favor. Não quero falar sobre o que aconteceu
ou o que está acontecendo porque simplesmente não aconteceu nada. —
Olhei para ela, implorando.
— Juro que me faz mal ver você assim. — Ela tocou meu braço. —
Você está infeliz. Está fingindo que está tudo bem, mas eu sei que não, e isso
está me fazendo mal.
— Vai passar. Eu vou ficar bem, você vai ver. Não se preocupe. — Dei
um beijo nos cabelos loiros e perfumados dela.
— Noah, venha aqui, meu rapaz. — Jordan me puxou pelo braço. Kate
ainda me lançou um olhar que dizia que eu ainda não estava livre da
perseguição dela. — Conte-me, existe mesmo a chance de conseguirmos as
terras?
— Sim, acho que temos uns oitenta por cento de chance — sorri ao me
lembrar de como havíamos estudado tudo a respeito de nosso alvo. — Julian
usou um método que acho que será infalível.
— Não sei se consigo aguentar tanta ansiedade — disse Kate,
colocando um copo de cerveja em minha mão.
— Talvez amanhã possamos ter alguma novidade. Tínhamos um
almoço marcado hoje, mas eu voltei e não participei — expliquei.
— O quê? — Senti o soco de Kate no meu braço. — Como assim, tinha
um almoço onde poderia resolver algo e você simplesmente resolveu voltar?
— É que, depois que a Penn apareceu, eu já não tinha mais cabeça para
nada. Mas tenho certeza que Julian foi incrível, como só ele sabe ser. — Eu
simplesmente babei no elogio a ele.
— Credo! Como você fala, até parece que está apaixonado por ele. —
Kate me olhou séria, fazendo meu cérebro disparar em busca de uma
explicação para a minha babação por ele. Mas, para o meu alívio, ela
gargalhou com a própria piada.
— Era isso mesmo que eu ia dizer — riu Jake.
— Parem vocês de atormentá-lo. Imagino que ele deve ser bom mesmo

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para conseguir algo com um desconhecido. Isso depois de nós levarmos
vários nãos.
— Quer? — Olhei para o enorme sanduíche de paleta suína assada que
Kate estava colocando em minha frente.
Peguei o sanduíche maravilhoso que Neil estava preparando para todos
e comecei a comer, ao mesmo tempo que tentava responder às perguntas que
Jordan, Cody, Jake e todos outros faziam. Senti o celular vibrando no meu
bolso traseiro. Minha vontade era de pegar para ver se era uma mensagem
dele, mas estava com as duas mãos ocupadas, além de ter Jordan à minha
frente, me bombardeando com perguntas.
Nesse instante, ouvimos o berro de Kate. Ela estava conversando com
alguém ao telefone e eu já sabia com quem ela falava. Ouvi meu nome saindo
da boca dela assim como que a fazenda dos O’Brien já era da Scott. Nesse
momento, todos festejavam. Procurei meu celular para ver se era dele a
mensagem que havia recebido.
“Noah, fez boa viagem? Chegou bem?”
Minha mão tremia. Minha vontade não era responder e, sim, ligar.
Queria ouvir a voz dele. Esperaria Kate desligar e ligaria. Levantei a vista
para procurar por ela para ver se já havia desligado. Vi que ela ainda estava
falando e se afastava. Comecei a tremer. Eu conhecia Kate, ela com certeza
estaria bombardeando Julian com perguntas sobre mim. Só esperava que ele
não contasse nada. Para Nova Iorque, para ele, era comum, mas aqui, eu seria
crucificado.
Olhei para aqueles homens que transpiravam testosterona, fazendeiros,
vaqueiros… Meu medo aumentou ao extremo. Julian não podia dizer nada ou
estaria assinando a minha sentença de morte. Percebi que eu ainda não estava
preparado para enfrentar nem a minha irmã, muito menos o restante das
pessoas que me rodeava. Enquanto Kate continuava conversando com ele, eu
tremia.
— Por que você não disse que a fazenda já estava em nossas mãos? —
Olhei para Jordan sem entender.
— Já? — interroguei. — Eu não sabia, deve ter acontecido no almoço o
qual não pude ir.

252
— Ele disse que O’Brien concordou em vender, que ele já está com seu
número. — Jordan estava vibrando e, agora, a festa realmente havia
começado.
— Eu sabia que ele conseguiria. — Eu estava inflado de orgulho do
meu homem, mas esse seria meu segredo.
— Espero que ele entre logo em contato ou terei um colapso nervoso.
— Jordan estava rindo, mas sabíamos que isso era bem possível.
— Também espero. — Dei um tapinha nas costas dele para que se
acalmasse.
— Ele disse que ensinou a você alguns segredinhos que você poderá
usar para garantir a compra. — Acho que nem uma criança com um
brinquedo novo conseguiria demonstrar mais entusiasmo que ele nesse
momento.
— Sim, ele me ensinou. Só espero não o decepcionar. — Foram tantas
coisas que Julian havia me ensinado em tão pouco tempo e eu esperava ter
absorvido, pelo menos, uns setenta por cento e saber usar corretamente todos
esses ensinamentos. Mas o principal eu não estava conseguindo, e sabia que
isso destruiria não só a ele, mas a mim também.
Enquanto conversava com Jordan, eu seguia vigiando Kate, prestando
atenção em cada mudança de expressão, levantar de sobrancelha, mordida de
lábio… Eu a conhecia e sabia que cada um daqueles pequenos gestos
significava que ela estava nervosa, talvez por não estar conseguindo dele as
respostas que estava esperando.
Depois de um tempo, ela desligou e ficou olhando para telefone. Se eu
conhecia a minha irmã, ela não estava feliz com o resultado da conversa.
Quando o pessoal começou a se retirar do encontro, já passava da meia-noite.
Eu fiz o mesmo, me despedi de todos e fui em direção ao meu carro.
— Está fugindo de mim? — Kate estava com um copo de cerveja na
mão, sentada em um tronco perto de onde estava estacionado meu carro.
— Não, eu procurei por você, mas não sabia onde você tinha se
escondido.
— É, fiquei um pouco nostálgica e saí para não estragar a festa de

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ninguém. — Ela tomou um gole da cerveja que já deveria estar quente.
— Pensou em papai, foi? — Sentei-me ao lado dela e pedi o resto da
cerveja que ela estava tomando.
— Sim, ele queria tanto essas terras. Ver que isso pode se tornar
realidade… Nossa! — Ela levou ambas as mãos ao peito, tentando sufocar a
emoção.
— Sim. “Nossa!”, como você acabou de dizer. Espero conseguir. —
Virei o resto da cerveja choca que ela estava tomando e não pude deixar de
fazer cara feia. — Eca, que merda ruim é essa?
— Para dizer a verdade, não foi só pensar nele que me deixou assim. —
Ela não ligou para a minha cara feia e muito menos para a minha pergunta. —
Pensei em você também.
— Hã…? — Fiquei calado. Não queria voltar ao tema “o que está
acontecendo com você?”.
— Perguntei a Nath o que tinha acontecido, se vocês tinham brigado ou
algo parecido. — Ela se calou, esperando que eu dissesse algo, mas eu
também me calei. — A impressão que tive e que tenho, é que ele, assim
como você, está escondendo alguma coisa de novo.
— Impressão sua.
— Não, não é impressão minha — ela rebateu, nervosa. — E o pior,
sabe o que é?
— Não. — Não, eu não sabia e tinha medo de que ela revelasse suas
desconfianças.
— Eu conheço você. Tenho certeza de que você não está bem —
suspirou, desanimada. — Eu não conheço Nath como conheço você, mas
mesmo assim pude sentir a mesma tristeza na voz dele.
Fiquei calado. Não queria abrir minha boca com medo de dizer alguma
coisa que pudesse fazer com que eu me arrependesse mais tarde. Mas isso foi
mais forte. Eu não diria tudo, mas pelo menos uma parte. Talvez isso
suprimisse o sentimento de sufoco que eu estava sentindo.
— Fiquei com uma pessoa enquanto estive lá. — Joguei de uma vez e
esperei o resultado. Continuei esperando que alguma bomba caísse sobre

254
mim, mas não aconteceu, pois ela apenas abriu a boca sem dizer uma só
palavra. — Desde que cheguei, você me infernizou para saber o que estava
acontecendo, e agora que conto você não diz nada? — Queria ouvir pelo
menos uma bronca, qualquer coisa que fizesse aquele mal-estar passar.
— Ei, dá um tempo, tá? — Ela levantou as duas mãos para mim. —
Você joga essa bomba em cima de mim, e quer o quê? Estou pensando.
— Não quero que repita isso para ninguém, nem mesmo para Cody —
acrescentei.
— Não sou louca — rebateu.
Quase dez minutos se passaram antes que ela, de repente, se levantasse
e saísse correndo em direção ao refeitório, que ainda continuava lotado como
se ninguém fosse trabalhar no dia seguinte.
— Aonde você vai? — gritei, já me levantando para ir embora. Talvez
a bomba tivesse tido um efeito maior do que ela poderia suportar.
— Não ouse sair daí. Eu já volto. — Com isso, voltei a apoiar a bunda
novamente no tronco.
— Precisava de algo mais forte. — Ela estava de volta, trazendo
consigo um pote de sal, limões e uma garrafa de tequila.
— Nossa. Não pensei que fosse a afetar tanto para você precisar disso.
— Apontei para a tequila que ela estava prestes a tomar, depois de lamber o
sal.
— É que esperava qualquer coisa. Pensei até em uma briga com Nath,
mas jamais me passou pela cabeça uma traição. Você, sempre tão certinho…
— Ela ainda estava sacudindo a cabeça depois da tequila.
— É, pois então… aconteceu — deixei assim, esperando o seguinte
comentário.
— Como você a conheceu? Foi Nath que a apresentou a você? — ela
perguntou, preparando outra dose.
— Não, não foi ele. — O que eu poderia dizer? Não foi ele pelo
simples motivo de que era ele?
— Imagino como você deve estar se sentindo. Eu não conseguiria olhar
para a cara de Cody se eu desse uma escorregada dessas. — Ela seguiu com o

255
ritual – sal, tequila, limão.
— Imagino, mas não é esse o problema.
Ela, por um instante, deixou o copo parado na mão.
— Não? E qual é, então? — Ela me encarou com um sorriso estúpido e
imaginei que já estava mais do que alta.
— É que eu não sinto que traí Penn. Eu não consigo chegar perto dela,
porque sinto que vou estar traindo essa pessoa. Entende? — Olhei para ela,
esperando que tivesse entendido a base da minha angústia, mas tudo que ela
fez foi deixar de lado o copo e virar a garrafa na boca.
Puxei a garrafa das mãos dela. Se ela estava se embebedando só de
saber que eu havia traído Penn, não imaginava como ficaria no dia em que
soubesse com quem. Ela simplesmente morreria.
— Que merda. Acho que você nunca fez nem xixi fora do vaso de tão
certinho que é, mas agora que decidiu aprontar, aprontou uma das grandes,
não? — Ela continuava sorrindo para mim como uma idiota.
— É o que parece… — Apoiei meus cotovelos sobre minhas coxas e
deixei o peso da minha cabeça e dos meus ombros caírem sobre eles.
— Não, não é o que parece, é exatamente isso que é. Você está pouco
se lixando para Penn. Só está preocupado com ela. — Nesse instante, o
sorriso idiota desapareceu e ela simplesmente gargalhou.
— Quer parar? Nem sei por que lhe contei. Você está bêbada. —
Fechei a garrafa e me levantei. Já estava completamente arrependido de ter
desabafado uma parte da história com ela.
— Ei, espera aí, posso estar um pouco alta, mas não estou bêbada. —
Ela cruzou os braços e ficou no meu caminho, me impedindo de continuar.
— Vamos deixar assim, ok? Acho que falei demais. Vou para a casa,
estou cansado. — Levei minha mão aos seus braços, tentando forçá-la a sair
do meu caminho.
— Desculpe-me, Noah, mas como eu disse, não estou bêbada. A
gargalhada foi pela situação. Juro que não sei o que pensar. — A mão dela
parou sobre meu tórax para me impedir de continuar. — Você sabe que eu
nunca engoli a sua mulher. Vocês dois são como água e óleo. Eu nunca

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entendi o porquê de você ter se casado com ela.
— Tive meus motivos — eu a interrompi.
— Mesmo que ela estivesse grávida, não seria motivo. Não sei como
essa garota que você conheceu é, mas só de ver o brilho em seus olhos ao se
lembrar dela já dá para perceber que foi intenso, que ela é especial, coisa que
Penn nunca foi — ela concluiu e eu tinha que admitir que a minha semana ao
lado de Julian havia sido intensa e ele era mais do que especial.
— Está bem, mas agora tenho que ir. Estou cansado. Esquece essa
história e não conte para ninguém, ouviu? — Comecei a caminhar em direção
ao meu carro e ela me acompanhou.
— Olha, não é que eu estou feliz por você ter traído Penn, não mesmo.
Estou com muita pena dela nesse momento, mas você é o que mais me
importa. Quero ver você feliz e nunca consegui ver isso com você ao lado
dela. — Nesse momento, eu já estava dentro do carro e ela, debruçada sobre a
janela.
— Sim, entendo. Agora, vá para a casa. Vou precisar da sua ajuda
amanhã se o O’Brien entrar em contato. E lúcida — completei.
Kate se inclinou um pouco mais para alcançar meu rosto e deixar nele
um beijo, depois se afastou. Enquanto eu colocava o carro em movimento,
me afastando, vi como ela cruzou os braços em frente ao corpo e ficou
pensativa, acompanhando o veículo se afastar.
Uma pequena parte do peso que eu estava carregando havia ficado para
trás. Agora, eu precisava encontrar coragem para contar o resto – que não era
uma garota como ela estava pensando e, sim, um homem. Não um homem
qualquer, era Nath, Julian, Red ou Fox – não importava como o chamassem,
ele continuava sendo meu.
Agradeci ao ver a casa completamente escura. Isso significava que
Penn já deveria ter se cansado de me esperar. Deixei as chaves do carro no
lugar habitual e subi devagar as escadas, tratando de não fazer nenhum
barulho. Passei reto por nosso quarto e fui direto ao de visitas, onde estava
minha mala com minhas coisas. Joguei o celular e a carteira sobre a cama e
entrei no banheiro. Precisava de água quente sobre meu corpo para poder
relaxar. Também queria responder à mensagem de Julian, ele devia estar
arrasado por não ter notícias minhas.

257
Saí do banheiro e puxei o moletom da mala. Antes de vesti-lo, eu o
levei ao rosto, o cheiro de Julian ainda estava impregnado nele,
principalmente o cheiro do sexo dele. Terminei de me vestir e peguei o
celular para responder a mensagem.
“Desculpe-me por não ter respondido antes, mas desde que cheguei foi
muito corrido aqui. Cheguei bem e já estou morrendo de saudades de você.
Vou sentir sua falta hoje à noite.”
Enviei a mensagem e, logo depois, apaguei-a. Ainda bem que estava
muito cansado, pois sabia que assim que colocasse a cabeça no travesseiro,
eu dormiria.
Um gemido escapando da minha garganta me tirou do sono em que eu
me encontrava. Meu pau estava doendo de duro, dentro de uma caverna
úmida e quente.
— Julian — gemi.
Arreganhei minhas pernas para acomodá-lo melhor. Levei minhas mãos
aos cabelos dele e, nesse momento, congelei.
— Porra! Que merda você pensa que está fazendo? — berrei, saltando
da cama, antes mesmo de pensar no que estava fazendo ou dizendo.
— O que você está dizendo? Desde quando foge de um boquete? —
Penn ficou sentada sobre os joelhos, nua na cama, enquanto eu estava no
outro extremo do quarto, tentando dar um nó no cordão do meu moletom.
— Desculpe-me, Penn. Eu estava dormindo. Você me assustou. —
Tratei de inventar rápido uma desculpa, mas não teve o efeito que eu
esperava.
— Mas agora que você já está acordado podemos continuar. — Ela saiu
da cama e veio em minha direção. Nesse momento, meu único sentimento era
de completo pavor.

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Capítulo XVIII

JULIAN FOX

— Vai levantar ou pensa dormir o dia todo?


Emiti um gemido de raiva.
— Maldição. Será que não pode me deixar em paz ao menos um dia?
— Girei meu pescoço dolorido, fazendo estalar os ossos, tentando encaixar
novamente tudo no lugar.
— Você não pode ficar assim por causa de um idiota que não soube dar
valor a tudo que você ofereceu a ele.
Levantei-me do sofá onde havia caído desmaiado e saí caminhando em
direção à porta.
— Será que um homem não pode curtir a fossa sem que venha outro
dar lição de moral? Deixe-me em paz, Poul. — Desci as escadas com ele
atrás de mim.
— Não vou deixar você em paz. — Entrei no quarto com ele grudado
em minha bunda como um maldito carrapato.
— Será que você não percebeu que eu não fui ao escritório hoje
justamente porque não queria ver a sua cara e muito menos ouvir seu
estúpido sermão? — Entrei no banheiro e ele entrou atrás.

259
— Acontece que você precisa de um amigo e esse sou eu. — Abri a
tampa do vaso e pensei em segurar meu pau para direcionar o jato para ele,
que estava encostado contra a porta me esperando para continuar a discussão.
— Quer segurar, sacudir, chupar? Se não for fazer nenhuma dessas
coisas é melhor sair, porque essas são as únicas coisas de que eu preciso no
momento.
— Foda-se, Julian! — O barulho da porta batendo foi seguido do
maravilhoso som do silêncio. Maravilha.
Depois que a porta se fechou e pude finalmente me ver livre de Poul,
desabei sobre a tampa fechada do vaso. Deus, eu estava tremendo, me
sentindo um perfeito idiota. Não podia acreditar que estava assim só por
Noah ter visualizado a minha mensagem e, mesmo assim, não ter respondido
nem para dizer que havia chegado bem.
Saí do banheiro me sentindo melhor. Recuperei e liguei meu celular
que havia deixado na sala de recreação, mas não perdi tempo lendo as
mensagens. Precisava pôr a cabeça no lugar novamente, trazer a raposa de
volta. Mesmo com Poul tendo resolvido infernizar meu café da manhã,
consegui sair da mesa sem ter uma indigestão nem quebrar nada na cabeça
dele.
— Então, o que pretende fazer hoje? — ele me perguntou enquanto
saíamos da cozinha.
— Você, imagino que vai trabalhar. Já eu vou visitar Emily. Depois,
não sei, ainda não me decidi — respondi enquanto girava o celular em minha
mão, sem coragem de abri-lo.
— Não vou trabalhar hoje. Já avisei a Chris que vou fazer companhia a
você.
Parei de brincar com o celular e o encarei.
— Sério? O que você está pensando? Que eu preciso de alguma espécie
de babá, por acaso?
— Não é isso. Só pensei que podíamos aproveitar o dia, apenas isso.
Está um lindo dia, não? — ele perguntou, apontando para o sol que entrava
pelos painéis de vidro da janela.

260
— Concordo. O dia está lindo, mas eu não quero ninguém pegando no
meu pé. — Abri a porta e saí descendo os lances de escadas em direção ao
apartamento de Emily.
Enquanto descíamos, resolvi deixar de lado a minha covardia e olhar as
mensagens do celular. Quando vi que havia uma resposta dele, meu coração
disparou, tanto de alegria como de medo – alegria por ter uma resposta, medo
de que ele pudesse estar dizendo que não voltaria. Mas, depois de ler, não
pude fazer nada além de sorrir como um idiota por ter passado uma noite mal,
cogitando mil coisas. Ler que ele estava com saudades de mim mudou
completamente meu dia.
“Desculpe-me por não ter respondido antes, mas desde que cheguei foi
muito corrido aqui. Cheguei bem e já estou morrendo de saudades de você.
Vou sentir sua falta hoje à noite.”
Sorrindo igual a um idiota, respondi:
“Eu também estou morrendo de saudades. Ontem, não consegui dormir
em nenhum dos quartos, os dois tinham seu cheiro. Dormi no sofá da sala de
recreação.”
Ri de como parecia estúpida a minha forma de encarar a ausência dele,
e completei:
“Amo você, volte logo.”
Se eu tinha uma mínima esperança de que Poul desistisse de ser meu
pajem, estava enganado, ele praticamente grudou em mim. Mas nada parecia
ruim, tudo estava perfeito. Até ele percebeu a minha mudança. Chamamos
Frank e almoçamos juntos. Olhei várias vezes o meu celular, e não havia
resposta à minha mensagem. Mesmo assim, já não estava mais preocupado.
Domingo combinamos de almoçar com Emily. Frank apareceu com
Poul, trazendo comidas prontas. Eu já tinha saído em busca de tortas e mais
algumas sobremesas. Rose, depois da promessa de que estaria livre na
próxima semana, havia se transformado na mais doce das netas. Apenas eu
sabia o quanto tudo aquilo era falso, mas não importava, Emily estava feliz,
eu estava feliz. Isso era tudo que importava.
Depois de passar um dia maravilhoso, já era tarde quando saímos da
casa de Emily. Despedi-me de Poul e Frank em frente ao elevador e,

261
enquanto eles desciam, tomei a escada rumo ao meu apartamento. Vazio, mas
não importava, ele não estaria vazio por muito tempo. Tinha certeza de que
Noah logo estaria de volta.
Olhei meu celular e ainda não havia resposta dele à minha mensagem.
Mesmo assim, enviei outra. Olhei para o relógio, quase meia-noite. Com a
diferença de horário, lá não passava das dez. Ele ainda não estaria dormindo.
Eu não podia sequer imaginá-lo na cama ao lado dela, mas, mesmo assim,
enviei uma mensagem, não acreditava que ela pudesse pegar o celular dele
para ler alguma coisa.
“Espero que tudo esteja correndo bem. Estou indo dormir agora, boa
noite.”
Não esperei resposta. Eu já estava de volta ao meu quarto e, agora que
eu precisava tanto do cheiro dele em minha cama, não havia nada. Apenas me
restava relembrar as noites que havíamos passado juntos. Estava deixando o
celular sobre a mesa de cabeceira quando ele tocou. Primeiro, pensei que
pudesse ser Noah, mas mão não queria me iludir. Bem poderia ser Poul ou
Emily também. Mas não, era Noah. Na pressa, quase deixei cair o aparelho
no chão.
— Noah? Tudo bem? — Ouvi quando ele deixou escapar um suspiro
pesado.
— Sim e não. — Esperei que ele dissesse algo mais, mas ele se calou.
— Como assim, “sim e não”? Aconteceu alguma coisa? — Se ele me
dissesse que havia decidido continuar casado, eu morreria, mas seria apenas
mais um entre tantos enganados pelos amantes que prometem se separar e
nunca o fazem.
— É que… bem, eu contei a Kate que fiquei com alguém enquanto
estive aí. — Meu coração disparou de tal maneira, que havia uma grande
possibilidade de romper a minha caixa torácica. — Mas não tive coragem de
dizer que era um homem, e muito menos que foi com você. Desculpe.
— Mas já é um começo. — Não podia apressá-lo, ele teria que agir no
seu próprio tempo.
— Com a Penn, ainda não tive a oportunidade de conversar. Ontem
houve uma reunião depois que chegamos e, à noite, quando voltei, ela já

262
estava dormindo. — Imaginei-o se acomodando ao lado do corpo dela e a dor
foi terrível. — Eu dormi no quarto de visitas, aquele onde você ficou. — Ele
parecia pressentir o que eu estava sentindo.
— Tudo bem, não se apresse… Fico feliz de saber que você dormiu no
quarto de visitas — não pude deixar de dizer.
— Se você soubesse a falta que sinto de você… — gemeu ele, e logo
ouvi um barulho como se ele estivesse se acomodando.
— Onde você está agora? — Eu já estava duro só de imaginá-lo
naquele maldito moletom que caía o tempo todo dos quadris finos dele.
— Estou no quarto de hóspedes. Tive mais uma discussão com Penn.
— Não queria imaginar todos os problemas que ele estava tendo, e ainda
teria, com a esposa. — Ela está me acusando de não cumprir meu papel de
marido… De homem, se é que você me entende… — ironizou.
— Entendo.
— Um segundo — ele falou, de repente. Fiquei sem entender o “um
segundo” até ele voltar, se desculpando. — Vou ter que desligar. Penn está
batendo na porta e está chorando, mas não esqueça que eu também amo você
— completou e, depois dessas palavras, nada mais foi dito, mas nada mais
importava também.
Ele me amava. Era essa a única certeza de que eu precisava para me
acalmar enquanto o esperava resolver todos os problemas e voltar para mim.
Na segunda-feira, durante todo o dia, não tive notícias dele. Eu estava
prestes a ter uma câimbra facial, pois meu rosto esteve repuxado em um meio
sorriso durante todo o dia. Ao sair do trabalho, passei pela minha livraria e
comprei alguns lançamentos que eu sabia que Emily estava esperando. Na
minha confeitaria, comprei meus doces e alguns pães para fazer um lanche
com ela.
— Querida, cheguei — gritei, entrando no apartamento. — Trouxe
algumas coisinhas para uma merenda.
— Nossa, o que aconteceu? Quanta felicidade! — Emily sorria ao
entrar na cozinha, mesmo sem saber o porquê de toda a minha alegria.
— Estou feliz. — Fui até ela e deixei um beijo estalado em sua
bochecha. Fiz o mesmo com Rose, que revirou os olhos, e com a enfermeira,

263
que ficou mais vermelha que um tomate.
— Credo, até parece que gosta. — Rose sacudiu a cabeça. — Você é
um total desperdício.
— Apenas para você, porque juro que tem quem me aproveita — sorri,
piscando para ela.
— Conte-me, querido, o que o deixou assim. — Emily já estava
preparando a cafeteira e esquentando água para seu chá.
— Não finja que não sabe, vovó. Deve ter sido aquele outro
desperdício — Rose reclamou, abrindo os pacotes e começando a bisbilhotar
o que estava dentro.
— Pode retirar tudo, não tem nada meu aí — eu disse a ela, ajudando a
colocar os pacotes sobre a ilha —, e ele não é um desperdício, é apenas a
coisa mais gostosa que eu já comi.
— Que nojo! — ela exclamou, mas percebi que tinha entrado na
brincadeira e ria.
— Você só diz “nojo”, porque eu não gosto do que você tem entre as
pernas — falei, dando uma piscadela a ela. Não me preocupei com Emily,
pois ela era muito liberal e sempre ganhava de todos no quesito boca suja.
— Se deixar, ensino você a gostar rapidinho — rebateu.
Enquanto eu ajudava a colocar a mesa para o lanche, continuamos nos
espetando e rindo. Até a enfermeira entrou na brincadeira dizendo que o
mundo tinha mais mulheres que homens e, se continuasse assim, logo as
mulheres ficariam sozinhas.
— O que você estava pensando quando comprou tudo isso? — Emily,
que havia estado de costas preparando o café e o chá, agora olhava o balcão
tão cheio, que algumas coisas estavam ficando de fora.
— Ah, é que fui comprando, nem imaginei que fosse tanto… — Cocei
a nuca, envergonhado, ao levar uma bronca de Emily. Percebi que havia
exagerado.
— Tem comida aqui para alimentar um batalhão — ela ponderou.
Emily era totalmente contra qualquer tipo de desperdício.
— Onde moro tem muitas crianças — falou a enfermeira que estava

264
ajudando a colocar os talheres na mesa. — Posso levar o que sobrar, elas vão
ficar felizes.
— Resolvido então. — Aplaudiu Emily e todos nos sentamos para
aproveitar os quilos de guloseimas que eu havia comprado. — Porque se
comermos tudo isso, vamos entrar em coma diabético.
— Ou não vamos conseguir sair pela porta — Rose riu, e eu pensei por
que não podia ser tudo assim, simples? Emily, Rose e eu, todos felizes. Só
faltava Noah, Poul e Frank.
Depois de ajudar a embalar todas as sobras, eu me despedi e subi ao
meu apartamento. Emily queria que eu assistisse com ela a um filme, mas,
pela primeira vez, estava apressado para entrar na minha casa, tomar meu
banho e tentar falar com Noah.
Entrei no quarto ainda secando meus cabelos tamanho era o meu
desespero em me deitar e, com toda a calma, ver se tinha alguma mensagem
dele para mim, ou até mesmo uma ligação perdida. Mas não havia nada. Eu
não sabia como ele havia resolvido o problema de Penn chorando. Ele já me
havia ligado, então tomei coragem e liguei. Se a esposa dele atendesse, eu
tinha um milhão de desculpas. Era cedo ainda, então não haveria problemas.
Liguei uma vez e tocou até cair na caixa postal. Tentei mais uma vez, e
uma terceira. Toda a minha felicidade estava se esvaindo com uma
velocidade assustadora. Por um tempo, olhei para o celular mudo em minhas
mãos. Enviei uma simples mensagem.
“Está tudo bem? Estou preocupado.”
Na terça-feira, minha cara já não era a mesma da segunda. Esperei por
uma resposta. O celular mostrava apenas que ele havia visualizado. Meio-dia,
eu já estava por derreter o celular de tanto olhar para ele. Além disso, não
conseguia me concentrar no trabalho a ponto de Poul, por duas vezes, chamar
minha atenção. Havíamos perdido dois milhões de dólares por uma simples
distração minha, coisa que jamais tinha ocorrido.
Levantei-me, fui até a porta e a tranquei. Não queria que Poul entrasse
enquanto eu estivesse conversando. Aproveitei e avisei a Chris que não
queria ser interrompido também. A ligação que eu ia fazer não era nada
especial. Queria conversar com Kate e com Jordan sobre a compra, mas, no
fundo, eu sabia que o que eu queria saber era sobre ele.

265
Puxei a manga da camisa para cima, deixando livre o meu Bremont,
presente que demonstrava o bom gosto de Poul. Quase meio-dia, menos duas
horas de fuso – com toda a certeza, todos estariam trabalhando. Ainda assim,
bati as pontas dos dedos no aparelho, esperando com isso passar um pouco do
nervosismo antes de telefonar. Desisti de tentar me acalmar e liguei. Estava
me sentindo um adolescente na primeira entrevista de trabalho.
— Olá, Kate, tudo bem? — Jesus, eu era um total idiota ao ligar para a
irmã para tentar saber algo do garoto que gostava. Revirei meus olhos para
mim mesmo.
— Nath! Desculpe, Julian. É que eu ainda não me acostumei — a voz
dela era sinônimo da alegria. — Como vai? Eu ia mesmo ligar para você.
— Tudo bem — respondi, olhando para a porta e agradecendo por ela
estar trancada. — Ligar para mim? Aconteceu alguma coisa? — sondei.
— Sim, ligar. Primeiro, para agradecer de forma correta por tudo que
você fez e continua fazendo por nós — ouvi o protesto das molas de uma
cadeira, parecia que ela havia se acomodado melhor.
— Não fiz muita coisa, mas espero que vocês consigam a fazenda. —
Não era muito mesmo, eu apenas tinha apertado os botões corretos.
— Fez sim. Todos aqui estamos na expectativa, só esperando o
resultado — ela continuava com aquela voz de garotinha empolgada.
— Falando nisso, o sr. O’Brien já entrou em contato? — De nada
adiantaria toda a empolgação se o homem desse para trás no último
momento.
— Sim, ele conversou ontem com Noah — nesse momento, ela
praticamente gritou, me fazendo rir. — Vamos nos reunir aqui na fazenda,
amanhã. Você não faz ideia de como estou feliz.
— Se já marcaram uma reunião, quer dizer que as coisas estão indo
para o caminho que esperamos — respondi e, tentando fazer minha voz não
falhar, me preparei para a seguinte pergunta. — E Noah? Como está? Tentei
falar com ele e não consegui. — Afastei o celular da boca com medo que ela
ouvisse a minha respiração acelerada.
— Nossa, nem sei o que dizer… — Nesse momento, a voz dela mudou
completamente. — Ele está muito estranho. Eu estava até pensando que o

266
problema fosse com você, brigas entre vocês. Entende? Mas o problema é
outro, e bem pior. Ou melhor, não sei. — Ela parou de falar.
Enquanto a esperava retornar a conversa, olhei para o barzinho que eu
tinha no escritório. Pesei minhas opções – uísque, tequila, rum, vodca…
Nada parecia forte o suficiente para acalmar as batidas aceleradas do meu
coração. Pensando bem, o que eu precisava mesmo era uma dose de um bom
Everclear. Merda, no estado em que eu estava, me arriscaria até com um
Moonshine, de preferência puro.
— Por que você está achando que ele está estranho? — Feita a
pergunta, só restava esperar.
— Ele disse que ficou com alguém… Desculpe estar comentando a
vida dele com você, mas eu estou preocupada. Ele sempre foi todo certinho,
que eu saiba ele nunca traiu a esposa. Nossa, ele vai me matar se ficar
sabendo que estou falando dele para você — resmungou, de repente. — Você
sabe se essa garota que ele conheceu é uma boa pessoa?
— Você é mesmo uma peste como ele diz, não é, docinho? Você sabe
que está me colocando em uma posição muito difícil. — Depois da pergunta,
consegui respirar. Era assim como Noah havia dito. Ele contara a ela, mas
não toda a história.
— Sabe, Nath… Inferno, vou chamar você de Nath. Não me acostumo
com Julian, e pode me chamar como quiser também, eu não me importo —
praguejou.
— Você eu deixo — respondi, tentando levar a conversa para o lado
menos tenso.
— Como eu ia dizendo, antes de você desaparecer, Noah era um garoto
alegre, você deve se lembrar — ela suspirou como se o que fosse dizer fosse
algo difícil, ou um peso do qual ela estivesse desesperada para se livrar. —
Depois que você se foi, ele se transformou em um garoto apagado. Mamãe
fazia de tudo para alegrá-lo. Todos sabíamos que era por ter perdido o melhor
amigo que ele estava assim. Então, um tempo depois de voltar da faculdade,
ele simplesmente anunciou que se casaria, pegando a todos de surpresa, já
que ninguém sabia que ele estava namorando e muito menos noivo. Mamãe
ficou feliz, papai nem tanto, e eu? Bem, eu apenas queria vê-lo feliz, mas não
aconteceu. Ele continuou apagado, parecia ter se conformado com a própria

267
sorte. Para encurtar a história, ele foi para Nova Iorque esses dias e voltou
para casa como meu antigo irmão. Nunca mais havia visto os olhos dele
brilharem tanto.
— Fico feliz com isso. — Meu coração havia voltado a disparar.
— Mas então ele me contou que tinha não só que traído Penn, mas que
estava mais preocupado com essa nova pessoa que com ela. Você entende?
Pela primeira vez, meu irmão estava apaixonado, e eu gostei disso. Eu sei, é
triste por Penn — concluiu e eu podia entender o dilema em que ela se
encontrava.
— Se você diz que ele está feliz, por que está estranho? Qual é o
problema?
— Eu não disse que ele está feliz, eu disse que ele estava feliz. É
diferente — ela me corrigiu como se estivesse falando com uma criança. —
Ele estava, não está mais. Desde esse fim de semana, ele mudou, não está
nem conversando comigo. Alguma coisa aconteceu. Por isso perguntei sobre
a garota, se ela era uma boa pessoa.
— Não sei o que lhe dizer, Kate. Tente conversar com ele, como eu
disse. Eu não consegui falar com ele. — Noah havia dito que Penn estava
chorando, Kate estava dizendo que ele estava estranho. Queria
desesperadamente desviar a minha mente do caminho que ela estava
tomando, mas não tinha como.
Depois de conversar com Kate, ainda fiquei um bom tempo olhando
para o nada, sem saber o que pensar daquela conversa. Estava perdido. Não
sabia definir a nossa relação, se continuávamos juntos ou não.
— Abra essa maldita porta, Julian! — Dei um pulo no sofá como se
tivesse levado um choque. Levantei-me e arrastei meu corpo até a porta para
abri-la.
— Para que tanto escândalo? — Deixei a porta se abrindo e voltei a me
jogar no sofá.
— Desde quando você tranca a porta? Faz tempo que estamos batendo.
— Poul voltou a fechar a porta logo atrás dele e levantou ambas as mãos para
cima.
— Desculpe, mas não ouvi — disse, puxando o fone de ouvido.

268
— E a porta? Por que trancou? — Levantou tanto a sobrancelha que ela
quase desapareceu atrás da cabeça dele.
— Não queria ser incomodado enquanto conversava, mas parece que
não adiantou. Só piorou. — Olhei para ele, rabugento.
— Vamos almoçar? — Ele mudou radicalmente a direção da conversa
quando viu que eu não estava com humor para levar broncas.
— Estou sem fome. Pode ir, vejo você depois. — Continuei sentado no
mesmo lugar. Ele também se sentou, mesmo eu querendo, no momento,
apenas ficar só.
— O que aconteceu? Ontem você era puro sorriso.
— Nada, não estou a fim de falar, ok? — Baixei minha cabeça entre
meus joelhos e fiquei esperando a angústia de não poder controlar o meu
destino passar.
Na quarta-feira, depois de chegar ao escritório, tentei mais uma vez
conversar com Noah, mas como já estava me acostumando, a chamada
novamente caiu na caixa postal. Queria apenas desejar sorte na reunião da
compra, mas, enfim…
Quando Poul entrou em meu escritório, eu estava uma pilha de nervos.
A reunião para acertar os detalhes da compra estava acontecendo naquele
exato momento. Se tivesse terminado, Jordan ou Kate já teriam me ligado.
Sim, porque Noah, desde a nossa última conversa, não tinha mais me ligado,
muito menos respondido às minhas mensagens. Eu não podia reclamar, ele
estava fazendo comigo o mesmo que havia feito com Penn enquanto estava
na minha casa. Ele estava me dando o mesmo remédio amargo que havia
dado a ela – e isso que ela tinha muito mais direitos que eu.
— Se você continuar dando voltas no tapete igual a um cachorro
procurando o rabo, vai acabar furando o concreto — disse Poul que, assim
como eu, estava esperando por uma resposta. Parei de andar e me sentei ao
lado dele.
— Espero que Noah consiga não só realizar a compra, mas um bom
preço também. — Voltei a olhar para o relógio. — Gostaria de estar lá.
— Não confia no seu pupilo? — ele riu, mas no momento eu estava
muito nervoso para levar a sério qualquer brincadeira.

269
— Confio. Confio plenamente nele. Mesmo assim, gostaria de estar lá.
— Levantei-me novamente, não conseguia ficar parado.
— É, eu sei muito bem por que você gostaria de estar lá. Não sei por
que você ainda espera algo desse idiota — espetou novamente.
Apenas olhei para ele, não queria discutir. No fundo, talvez ele tivesse
razão e Noah apenas me usou para conseguir a fazenda. Continuei
caminhando de um lado para o outro até pensar que um buraco realmente
poderia estar se formando embaixo dos meus pés. Já passava das duas horas
quando, por fim, meu celular tocou e o nome de Kate apareceu.
— Não vai atender?
Percebi que estava apenas olhando enquanto o aparelho continuava
tocando.
— Kate? — Não pude ir além.
— Conseguimos, Nath! Conseguimos! A fazenda já pertence a Scott.
— Afastei o celular do ouvido, os berros dela quase romperam meus
tímpanos.
— Maravilha, Kate! Você não imagina como fico feliz. — Bati a palma
da minha mão com a de Poul e fiz sinal positivo, enquanto ele sorria.
— Está a maior festa, você deveria estar aqui — ela continuava
gritando. — Até Noah, que andou emburrado durante toda a semana, está
sorrindo.
— Que bom. — Saber que ele estava feliz importava muito para mim.
— Estou programando um encontro fora de época — ela riu —, só para
comemorar.
— Faça isso, sim. — Seria uma desculpa para poder vê-lo se eu não
conseguisse falar com ele antes disso.
— Papai e mamãe devem estar felizes. Devemos tudo isso a você. — A
voz dela mudou radicalmente, indo de uma felicidade extrema a uma tristeza
profunda.
— Eu não fiz nada. Se ele não quisesse vender, não teria vendido —
cortei, não queria senti-la triste.
— Tudo bem, passou. Sei que eles estão felizes, estejam onde estiver.

270
Agora, é só comemorar. Jordan está aqui querendo falar com você. Noah
deve ligar depois. — Enquanto ela falava, eu conseguia ouvir o burburinho
de vozes ao fundo.
— Não tem problema, ele deve estar com a cabeça a mil nesse
momento.
— Ele está conversando com o sr. O’Brien, e depois vamos almoçar,
mas só para você saber, ele foi fantástico, nunca tinha visto o meu irmão tão
seguro. Obrigada. — Por um instante fiquei mudo.
— Desculpe-me, Kate, mas não sei por que você está me agradecendo.
— Eu me afastei de perto de Poul. Ela estava me emocionando.
— Ele voltou muito diferente. Já disse isso a você. Ainda parece um
pouco perdido, mas sei que logo vai superar. — A voz dela estava novamente
alegre.
— Fique tranquila, deve ser apenas o estresse da compra. — Esperava
mesmo que fosse apenas isso e que ele voltasse de seja lá aonde a cabeça dele
tivesse ido.
— Vou ter que entregar o celular para Jordan antes que ele tenha um
ataque — ela disse, rindo, antes de se despedir.
Falar com Jordan não foi diferente, ele estava tão ou até mais
entusiasmado que ela. Ele continuou repetindo as mesmas maravilhas que
Noah havia feito, falou sobre o que estavam pensando para o encontro.
Quando desliguei, Poul já estava para quebrar a mão de tanto fazer sinal que
estava com fome. Fiz sinal a ele para pedir algo enquanto eu fazia uma última
tentativa de falar com Noah. Enviei uma mensagem.
“Parabéns. Fiquei sabendo que você foi maravilhoso, mas eu gostaria
de ouvir de você.”
Enviei e esperei novamente pela resposta, que não veio, pois ele apenas
visualizou e nada mais. Não acreditava que estivesse tão ocupado a ponto de
não poder atender uma chamada minha. Se Kate e Jordan puderam, por que
ele não? Tentaria uma última vez. Disquei o número e minha boca se abriu,
descrente diante do óbvio. Paralisei.
— Julian? O que aconteceu? — Senti as mãos de Poul me sacudindo.
Olhei para ele e depois para o celular. — Dê-me isso aqui.

271
— Deixe para lá, Poul. Eu fui um estúpido. — Tentei recuperar o
celular, mas ele não permitiu.
— Não acredito que esse idiota fez isso. — Ele jogou o celular sobre a
mesa.
— Sim, fez. Mas, como eu disse, não importa. — Levantei-me e
comecei a guardar as minhas coisas. A fome tinha ido embora, assim como
muitas outras coisas.
— Teria sido mais homem da parte dele conversar e não simplesmente
bloquear você. Deus! Isso não se faz. — Poul estava possesso. Ele não sabia,
mas no dia que eu vi que Noah estava indo embora sem se despedir, eu já
previa isso.
— Eu sei, mas entendo, não é fácil para ele. — Desliguei meu laptop e
verifiquei na pasta com documentos que Chris havia deixado para eu assinar
se estavam todos assinados. Fechei-a e deixei sobre a mesa.
— Não acredito que você ainda o defenda.
Coloquei a mão sobre o peito dele.
— Como eu disse, eu o entendo, você não. Mas agora tenho que ir, vou
ficar um tempo fora. Tome conta de tudo. — Fui em direção à porta,
enquanto Poul continuava falando, mas eu já não estava mais ali.

272
Capítulo XIX

NOAH SCOTT

Minha semana tinha sido uma verdadeira montanha-russa de emoções


com Julian de um lado e Penn do outro. Eu tentava achar uma forma de
contar, pelo menos para Kate, tudo o que havia acontecido entre mim e
Julian. Mas primeiro eu tinha que conversar com Penn, dizer a ela que não
dava mais para continuar.
Só que isso parecia impossível. Toda vez que eu tentava levar adiante
uma conversa, ela praticamente surtava, chorava, se descabelava, prometendo
tantas coisas que me faziam sentir o pior dos seres humanos. Para piorar a
minha situação, depois que eu voltei, ela passou a me vigiar praticamente
vinte quatro horas por dia. Parecia que tinha uma antena ligada a mim. Cada
vez que meu celular tocava, lá estava ela, rondando.
Nem com muito esforço eu consegui voltar para o nosso quarto. Minha
desculpa ainda era que precisava de um tempo, mas eu percebia que meu
tempo estava se esgotando. Não conseguia ligar para Julian. Sabia que ele
esperava por uma resposta minha, mas dizer a ele que ainda não tinha
encontrado coragem suficiente era magoá-lo ainda mais. Para ele, era tão
simples…
Hoje era o dia que eu iria pôr à prova tudo que ele havia me ensinado.
Gostaria de tê-lo ao meu lado. Mentiria se dissesse que não tremi ao sentar-
me ao lado de O’Brien e seus advogados, mas graças a Julian eu estava

273
preparado e pude discutir cada termo da transação que, no fim, rendeu um
acordo excelente para a Scott. Cada vez que eu podia, levantava um olhar
para Kate ou Jordan, procurando apoio, e encontrava os olhos deles
brilhando, dizendo que eu estava me saindo bem.
Quando, por fim, colocamos as nossas assinaturas, selando a compra,
senti o ar saindo dos meus pulmões e o sangue correndo em minhas veias.
Percebi estava duro e o meu único pensamento era Julian. Após o brinde, vi
Kate conversando no celular e, pela forma com que ela gesticulava, imaginei
que estava falando com ele. Peguei meu celular para olhar se havia alguma
mensagem, mas não havia nada. Não o culpava, eu não havia respondido
nenhuma de suas mensagens.
Acompanhei de longe, de forma dissimulada, todos os sorrisos dela,
tentando imaginar o teor da conversa entre ambos. Olhei ao meu redor. As
mulheres estavam preparando mesas para o almoço para comemorar a
compra. Pouco depois, Kate entregou o celular para Jordan e ele continuou
conversando enquanto ela foi para junto das mulheres e começou a
supervisionar o serviço. Depois, Jordan foi para perto dela, devolveu-lhe o
celular e começaram a conversar.
Depois de assinarmos o contrato, fiz meu papel de anfitrião perfeito.
Estávamos comentando sobre os testes que a filha do sr. O’Brien já estava
fazendo para um filme, quando senti meu celular vibrar em meu bolso. Todas
as pessoas que poderiam me ligar estavam reunidas ali, então só podia ser
Julian. Antes mesmo de olhar, senti meu coração disparar.
“Parabéns. Fiquei sabendo que você foi maravilhoso, mas eu gostaria
de ouvir de você.”
Li a mensagem e voltei a prestar atenção ao que estava me dizendo
O’Brien. Procurei Penn com o olhar e ela estava encostada em um canto, com
cara de tédio. No momento em que abri a minha boca para pedir licença e
responder a mensagem, o celular tocou em minha mão. Desculpei-me e me
afastei para atender, quando senti mãos em minha cintura.
— Hoje temos muitos motivos para comemorar — uma voz rouca disse
perto do meu ouvido, me fazendo tremer de mal-estar.
— Penn? — Não pude continuar, ela me interrompeu e explodiu,
descontrolada.

274
— Que merda de cara é essa, Noah? Desde que nos encontramos, não
me deu nem um beijo e está me deixando na vontade todas as noites. Até
parece que virou gay e está com nojo de mulher! — A música alta e todos
conversando em voz alta ajudaram a abafar o descontrole dela.
— Gay? Quem é gay? — A voz de Cody se dirigindo a Penn vinha de
trás de mim. Comecei a tremer, minhas mãos suaram. No desespero, bloqueei
Julian.
— Ah, me deixe em paz, Cody… me deixem em paz todos vocês. —
Enquanto eu praticamente congelava no lugar, ela saiu, desaparecendo do
refeitório.
— O que aconteceu aqui? — Cody coçou a cabeça, visivelmente
perdido. — Eu apenas perguntei.
— Por que Penn saiu dessa forma? Vocês brigaram? — Kate perguntou
segurando o braço de Cody, que ainda continuava olhando por onde Penn
havia saído, sem entender nada.
Enquanto ele tentava explicar a Kate o que havia acontecido, eu olhei
ao meu redor. Além de Cody, Jordan e Elijah, havia uma grande quantidade
de homens. Cowboys rudes, homens que não pensavam duas vezes antes
exibir seus dotes masculinos. Comecei a sufocar, pensando no que diriam se
soubessem. Eu não era mais que uma farsa. Balbuciei uma desculpa e corri
atrás de Penn. Eles não podiam saber. Minha vida estaria acabada se ao
menos sonhassem o que tinha acontecido durante a minha semana em Nova
Iorque.
— Penn! Espere, Penn. — Tentei segurar seu braço, mas ela se safou e
continuou andando. — Por favor, espere.
— O que foi agora, Noah? — Ela parou, cruzando os braços em frente
ao corpo, me enfrentando.
— Desculpe-me, Penn, mas entenda, eu estou sob muita pressão. —
Tentei encontrar uma desculpa qualquer apenas para ganhar tempo, mas foi
pior.
— Se era por conta da pressão da compra da fazenda que você estava
assim, então quer dizer que já passou, não? — ela sorriu, exibindo os dentes
brancos perfeitos, resultado de alguns milhares de dólares na conta de algum

275
ortodontista de renome.
Para o meu total desespero, sua boca estava cada vez mais perto da
minha. Se eu não quisesse presenciar outro surto dela, deveria aceitar o beijo
– e foi o que fiz, mesmo sabendo que estaria traindo Julian.
Desde esse momento, o tempo passou como se eu estivesse fora dele.
Voltei com Penn abraçada ao meu corpo, sorrindo como criança. Ao entrar
novamente no refeitório, todos nos olharam, esperando saber o resultado do
que seja lá que estivesse acontecendo. Muitos sorriram, outros aplaudiram,
mas o olhar de Kate era de total decepção, e eu entendia o porquê.
Passei o resto da tarde como se estivesse fora do meu corpo. Penn não
perdia uma oportunidade para colocar os lábios dela sobre os meus e, cada
vez que isso acontecia, meu corpo congelava e eu sentia o olhar triste de
Kate. Penn continuava me jogando pequenas indiretas sobre como seria nossa
noite de “reconciliação” e meu estômago se embrulhava cada vez mais.
— Nossa! Pensei que eles não iriam embora nunca mais — ela disse,
jogando a bolsa sobre o sofá e vindo em minha direção com um sorriso que
era sua melhor tentativa de sexy.
— Ah… é… acho que vou tomar um banho. — Tentei me afastar e ir
para o quarto, lá eu pensaria em outra desculpa, mas foi em vão.
— Não. Vou ficar louca se você não me foder agora. — Ela puxou
ambas as lapelas do meu paletó, me levando em direção a ela, tentando
capturar a minha boca.
— Calma, Penn, estou todo suado. — Não queria empurrá-la, mas, ao
mesmo tempo, não conseguia corresponder.
— Não me importo. — Ela levantou a perna numa tentativa de me
prender pela bunda. Tentei desesperadamente encontrar alguma desculpa que
ainda não tivesse usado.
— Venha. Vamos subir. Não quero aqui. — Desenrosquei-a de mim e a
puxei escada acima. Ao chegar à porta, ainda procurei por desculpas, mas não
havia mais nenhuma.
— Deus, acho que vou morrer de tanto tesão… — Ela começou a puxar
a minha camisa, desesperada. Tentei retribuir, mesmo sentindo que meu pau

276
se encolhia mais e mais a cada minuto que passava.
Travei todas as minhas lembranças com Julian e tratei de voltar ao
tempo antes da volta dele – tempo em que Penn era a que me mantinha no
caminho correto. Empurrei-a sobre a cama, puxei e retirei toda sua roupa. Ela
gemia, se esfregando em mim. Acariciei os bicos dos seios empinados,
abaixei e os capturei em minha boca, mordendo, chupando. Os mamilos
pequenos e duros como diamantes de Julian insistiam em aparecer como um
filme em minha mente.
Saí deles e desci em direção ao umbigo. Meu cérebro reclamou,
procurando os tufos de pelos encaracolados que desciam em direção ao
mastro que sempre estava duro e melado esperando por mim. Parei,
respirando pela boca. Penn não havia percebido a minha indecisão,
continuava com suas sequências de gemidinhos e sussurros abafados – e meu
ouvido gritava, pedindo os grunhidos roucos, as baixarias e todas as
maldições que Julian despejava sobre ele.
Levei minha mão e, em vez de uma ereção grossa, ele encontrou uma
fenda molhada. Em uma última e desesperada tentativa, tentei levar a minha
boca até aquela abertura. Mas o cheiro doce do sexo dela era o total contraste
do sexo dele, que era um cheiro forte, másculo, viril. Mesmo depois de um
banho, ele ainda mantinha aquele cheiro apimentado, que picava minhas
narinas e travava meu cérebro. Meu pau simplesmente se recusava a se
levantar.
— Noah!!! — O berro de Penn foi alto o suficiente para me trazer de
volta, seja lá onde eu estava naquele momento. — Onde você está?
Olhei para ela, a bunda e os calcanhares apoiados sobre a cama, o
tronco levantado sustentado pelos cotovelos, mantinham uma cabeça com um
rosto deformado pela fúria com que ela me encarava. E eu estava agachado
entre suas pernas, encarando seu sexo molhado como se fosse uma armadilha
para urso. Não tinha nada de erótico naquela cena, absolutamente nada.
Enquanto eu continuava petrificado olhando para o meio das pernas
dela, ela me livrou daquela visão ao puxar ambas as pernas e sair de perto de
mim. Saltando da cama com raiva, puxou uma camisola que estava embaixo
do travesseiro. Com movimentos nada elegantes e sim furiosos, ela enfiou a
peça pela cabeça. A fúria em seu rosto não havia diminuído em nada, parecia

277
ter aumentado.
— Então, vai continuar aí parado, ou vai me contar o que está
acontecendo? — Ela foi até a janela, como se não houvesse ar no quarto. —
Vai me contar quem é a vadia? Porque não tem como não ter uma mulher no
meio. Você mudou demais depois que foi a essa maldita viagem.
— Não existe nenhuma mulher. Acalme-se, por favor. — Saí da cama e
vesti a calça que estava jogada no chão. Eu me sentia nu de uma maneira
estranha na frente dela.
— Certo, se não tem uma mulher, então tem um homem. — A risada
histérica que acompanhou a declaração fez com que as minhas pernas
decidissem se transformar em gelatina.
— Penn… — Era o momento perfeito para contar, colocar tudo em
pratos limpos. Mas me calei.
“Porra, merda de bicha medrosa e covarde você. Fale de uma vez, seu
estúpido cretino. Aproveita e conta, para voltar logo ao homem da sua vida”,
minha consciência berrava para mim. Talvez, se ela tivesse feito a pergunta,
eu responderia, confirmando, mas ela havia dito como uma piada, como se tal
possibilidade fosse algo impossível.
Em dado momento, ela parou de tentar fazer buraco no tapete, voltou
para a cama e se sentou. Por um instante, não disse mais nada, apenas a
respiração pesada me dizia que ela estava ali, à minha frente, já que eu,
depois da declaração dela, não tive outra opção a não ser encostar minha
bunda no chão, porque de outra foram teria sido minha cara.
— O que aconteceu, Noah? — A respiração ainda continuava pesada
como se fosse difícil para ela continuar respirando. — Conte-me a verdade.
Não saber está me matando. Nesse momento, estou fazendo mil conjeturas.
Eu sei que fui eu que quase obriguei você a se casar comigo, porque eu
sempre pensei que meu amor seria suficiente para os dois. E assim foi, até
algumas semanas atrás. Então, eu fico pensando que se foi suficiente durante
todos esses anos, o que mudou? E quando mudou, que eu não percebi?
— Eu disse a você que precisava de um tempo, Penn. Só isso. — Eu
continuava sentado no chão, sem ter coragem de olhar para ela.
— Eu sei que quem sempre segurou esse casamento fui eu. Você

278
também sabe disso — ela continuou, como se não tivesse me ouvido. —
Muitas vezes eu fingia não perceber ou não me importar com a sua
indiferença, porque você me tratava bem. Eu era feliz com o pouco que você
me dava. Você acha que eu não percebia quando você se esforçava para fazer
amor comigo?
— Não era bem assim… — Não gostava de vê-la sofrendo, ela não
tinha culpa de nada. Ela era apenas mais um dos meus muitos erros.
— Não tente me tratar como idiota, Noah. — Ela voltou a se levantar
da cama, indo em direção à janela. Depois, cruzou os braços e encostou a
bunda na beirada, ficando de frente para mim. — Você só se casou comigo
porque eu praticamente grudei em você, mas eu sempre senti como se tivesse
sido alguma coisa que se usa quando não se tem, ou não se pode ter algo
melhor. Sim, isso mesmo. Você apenas se conformava em me ter ao seu lado.
Por isso, sempre me tratava bem, era carinhoso, me defendia dos que me
chamavam de mimada e fútil. Sim, eu sei de tudo isso. Mas eu sempre fui
apenas alguém que se leva à festa quando todas as garotas bonitas já foram
convidadas e só restou a feia. Aí você a trata bem porque está envergonhado
o suficiente para admitir que não conseguiu o que queria.
— Você está enganada, Penn. Eu não fiquei com você por falta de
alguém melhor, eu quis ficar com você. É diferente, ninguém me forçou.
Ela passou da raiva para algo próximo do desespero, saiu da janela
onde estava sentada e se ajoelhou à minha frente.
— Sabe o que eu não entendo? É que, no fundo, eu sei que tem alguém
no meio, e você continua negando, como se eu fosse uma lesada. Não sei
quem é essa garota e o que ela fez com você, mas você estava me olhando
com nojo, Noah. — Nesse momento, ela começou a chorar.
— Por favor, Penn, não chore. Não gosto de ver você assim. — Ela se
arrastou até ficar entre as minhas pernas, e o choro, que era leve, desandou
para soluços.
— Noah! Por que você está fazendo isso comigo? — Os soluços
aumentaram. — Eu sempre fiz tudo por nós dois.
Abracei o corpo dela sem saber o que dizer. Minha vontade, assim
como a dela, era de chorar. Como diria a ela que já não podia mais continuar
com o casamento? Pensei em Julian, pensei em mim, pensei em Penn. Ele era

279
forte. Eu morreria um pouco cada dia, como já vinha fazendo há anos. E
Penn? Se eu a abandonasse – e, principalmente, por um homem –, não sabia o
que poderia acontecer com ela.
— Calma, Penn. Estamos apenas atravessando uma crise, mas vamos
superar. — Mesmo não sabendo como, eu tinha que encontrar uma forma de
resolver a minha vida. E o sonho de algum dia eu ter uma vida com Julian
estava ficando cada vez mais distante.
— Conte-me a verdade, Noah. Você ficou com alguém lá em
Manhattan, não foi? Se isso aconteceu, vamos tentar resolver. Apenas diga-
me, não quero pensar que enlouqueci. Pode ter certeza de que, se aconteceu,
eu vou saber perdoar. — Ela ainda fungava.
Coloquei-a de lado, fui até o banheiro e trouxe uma caixa de lenços.
Estendi minha mão e a puxei do chão. Entreguei-lhe a caixa, que ela pegou e
começou a assoar o nariz. Empurrei-a devagar, fazendo com que se deitasse.
Depois, fui em direção à sala, coloquei uma boa dose de bebida e tomei.
Passei pela cozinha, coloquei água em um copo e voltei ao quarto. Ela estava
deitada de lado, encolhida como uma criança, mas os soluços ainda
continuavam. Deitei-me ao lado dela e a puxei contra o meu corpo, fazendo
carinho para que se acalmasse.
— Então, Noah? Vai me contar? — Seria canalhice da minha parte
continuar escondendo a verdade.
— Sim, Penn, me desculpe, mas eu traí você, sim. Foi a primeira vez,
eu juro. Nunca aconteceu antes. — Ouvi um barulho como se ela estivesse
sufocando. — Aconteceu, me desculpe. — Quando eu pensei que o pior já
tinha passado, ela voltou com mais uma pergunta pior que a primeira.
— E você sentiu algo por ela? Ou ainda sente? — Agora eu me sentia
sufocado.
— Penn, por favor, não vamos falar sobre isso. — Tentei me afastar,
mas ela prendeu meu braço, fazendo-me ficar onde estava.
— Preciso saber, Noah. Ainda sente?
Eu não queria falar e também não queria mentir, mas ela estava
pedindo.
— Sim, Penn. Senti e sinto, foi apenas por isso que aconteceu, mas não

280
quero falar mais sobre isso. — Devagar, puxei meu braço e saí da cama.
— Não entendo, Noah. Como você pode dizer que sente algo por uma
pessoa que conheceu e ficou por apenas uma semana, e não sente nada por
quem fez tudo por você durante todos esses anos? — Ela começava a se
descontrolar novamente.
— Não quero mais continuar com essa discussão, Penn. Só posso dizer
que sinto muito, mas aconteceu. — Olhei para ela, que estava sentada na
cama olhando-me de baixo para cima. — O que eu posso oferecer nesse
momento é tentar mais uma vez, apenas isso, mas não me pressione. No
momento, não estou em estou em condições de enfrentar qualquer pressão.
Vou dormir. Estou cansado.
— Não vou pressionar você, mas, por favor, durma aqui comigo. —
Ela levantou o edredom, liberando o lençol do meu lado da cama. Eu sabia
que, mesmo que dormíssemos juntos, no momento nada aconteceria. Não
sabia se algum dia eu conseguiria estar com ela novamente, ou com qualquer
outra mulher. — Se você quer tentar, eu aceito. Sei que vamos voltar a ser
felizes, como sempre fomos. Você vai ver.
— Tudo bem, vou buscar meu moletom. — Saí do nosso quarto e entrei
no de hóspedes, onde eu vinha dormindo nos últimos dias.
Fui direto ao banheiro. Precisava de um banho, não só para tirar o suor
do dia, mas para tentar voltar a minha mente ao lugar. Não tinha contado a
ela toda a verdade, mas era como se um enorme peso tivesse sido retirado. Se
essa havia sido a parte mais fácil, não podia imaginar se algum dia teria
coragem de contar a parte mais difícil. Só esse pensamento fez com que meu
estômago desse uma volta. Agradeci por já estar no banheiro e,
principalmente, estar perto do vaso aberto.
Demorei tudo que pude até não ter mais nenhuma desculpa para não
voltar ao quarto. Entrei devagar, esperando que Penn estivesse dormindo,
mesmo sabendo que não. Sem fazer muitos movimentos, eu me estiquei ao
lado dela, ajeitei meu travesseiro e fiquei olhando o teto. Depois de um dia de
tenso, por fim pude ligar meus pensamentos a Julian novamente. Um bolo em
minha garganta ameaçou cortar meu ar e me sufocar. Eu não podia ter feito o
que fiz. Pelo menos, Penn se comportou e ficou tranquila do lado dela da
cama, me deixando em paz com meus problemas.

281
Se eu havia dormido tranquilo, meu amanhecer não foi a mesma coisa.
Penn estava praticamente grudada em mim. Respirei, contei até mil para não
entrar em uma nova briga e a empurrei devagar até estar livre do corpo dela.
Ouvi alguns resmungos e depois ela se acalmou, voltando a dormir. Eu
sempre havia sido madrugador, já ela gostava de dormir até tarde. Saí
pisando nas pontas dos pés, evitando qualquer barulho que pudesse acordá-la.
A vantagem de minha mala ainda estar no outro quarto era que tudo de
que eu precisava estava lá. Então, depois de pegar um jeans, uma boxer e
uma camisa, tomei uma ducha rápida e saí de casa sem tomar café. Tomaria
no refeitório. Quando entrei, já estava tudo arrumado. Nem parecia que tinha
acontecido uma festa naquele lugar no dia anterior. Apenas alguns dos
rapazes ainda estavam no lugar, a maioria já deveria estar cuidando dos seus
afazeres. Cumprimentei-os, peguei um dos sanduíches já prontos, enchi uma
xícara grande de café e fui em direção ao escritório.
— Papai deve estar orgulhoso de você. — Levantei a vista do celular
ao ouvir a voz de Kate. Ela estava encostada contra a porta fechada. Eu não
tinha percebido ela entrar.
— É, foi um negócio e tanto. — Sorri para ela. Assim como todos, eu
sabia o que aquela compra significaria para o papai se ele fosse vivo.
Kate olhou ao redor. Parecia procurando mais alguma desculpa para
permanecer no lugar, mas depois desistiu e veio até a cadeira que estava livre
em frente à mesa onde eu estava sentado. Um jeans “todo terreno”, como ela
costumava dizer, camisa de algodão vermelha toda desbotada, que parecia ter
sido lavada mil vezes, botas de vaqueiro, cabelo amarrado em um rabo de
cavalo – ela estava preparada para qualquer emergência. Kate era o oposto de
Penn, era simples, linda, parecia que sempre estava de bem com a vida. Ela
era a cara da fazenda. Kate puxou a cadeira, girou ao contrário e sentou-se de
frente com as pernas abertas, apoiando o braço e o queixo sobre o encosto à
sua frente, como faria qualquer homem. Ali ficou, me encarando. A peste
estava de volta, me dando vontade de gargalhar mesmo estando em um
redemoinho de problemas.
— O café estava ruim? — Ela decidiu falar depois de um tempo.
Pisquei, tentando entender o que ela dizia. — O café, por que não tomou?
Minha cabeça foi em direção onde o dedo dela apontava. A xícara cheia
de café continuava intacta, assim como o sanduíche. Na verdade, eu tinha

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perdido a hora olhando para o celular mudo à minha frente, lamentando por
ter bloqueado Julian. Enquanto podia receber mensagens dele, eu sabia que
tudo estava bem e que só dependia de mim. Mas ficar sem saber o que se
passava por sua cabeça estava me matando.
— Ah, não. Acho que deve estar bom, eu apenas me esqueci de tomar.
— Peguei a xícara e tentei tomá-lo. Desisti, estava gelado. Peguei o
sanduíche e comecei a morder enquanto esperava Kate parar de rodeios e
dizer o que queria e que eu já imaginava.
— Então fez as pazes com Penn? — disparou.
— Eu não estava brigado com ela para fazer as pazes. — Continuei
comendo, porque já sabia que ela só sairia dali depois de estar satisfeita com
todas as minhas respostas.
— Mas você disse que tinha alguém esperando por você em Nova
Iorque, mas pela forma que saiu ontem daqui com Penn, me deu a impressão
de que essa pessoa de lá vai esperar em vão.
Deixei meu sanduíche, mas continuei olhando para ela, que me
encarava sem piscar, como se tivesse medo de perder alguma coisa em uma
piscada.
— É mais complicado do que você imagina. — Ela ajeitou o corpo na
cadeira, como se a minha resposta a tivesse incomodado.
— Não sei o que pode ser complicado em amar alguém. — Eu tentava
desviar meu olhar, mas ela não permitia.
— Esqueceu que sou casado?
— Não, não me esqueci, mas também não me esqueci que você não
ama a sua mulher. Aliás, nunca amou. Carinho, respeito ou não sei o que
mais, sim. Mas amor? Não. — Nesse momento, ela se levantou, voltou a
girar a cadeira e sentou-se de modo normal, apoiou os cotovelos sobre a mesa
e, com isso, ficou a apenas alguns centímetros da minha cara.
— Por favor, Kate, já me decidi. Vou ficar com Penn. É impossível
abandonar tudo e correr para os braços dessa outra pessoa. É difícil, mas um
dia você entenderá. — Acho que, por fim, havia entendido a expressão “entre
a cruz e a espada” ou seria entre “a parede e a espada”? Bem, não importava,
de qualquer forma eu não tinha saída.

283
— Você quer que eu fique aqui e assista a você definhar, calada, só
porque não quer magoar Penn, que não se importa com nada além das suas
roupas de grife? — Baixei minha cabeça. Não queria, não conseguia
enfrentar o olhar dela. — Quer saber? Acho que você deveria largar tudo e
correr para os braços dela, ou pelo menos tentar.
— Não dá mais, eu já bloqueei essa pessoa. Acabou. — Levantei-me,
joguei o guardanapo sujo dentro do café frio e me preparei para levar para
fora.
— Noah. — Agora era sério, senti apenas pela entonação da voz dela.
— Ouça bem o que vou lhe dizer. Tanto você como Penn são jovens. Um
divórcio agora dará a chance de vocês dois recomeçarem suas vidas. Ela pode
sofrer por um tempo, mas tenho certeza de que logo superará. Ela é linda,
fina, um pouco infantil, mas tudo bem. Agora, se você deixar para tomar essa
decisão quando tiver se transformado em um velho caquético, terá não só
destruído a sua vida, mas a dela também. Terá vivido infeliz ao lado de uma
pessoa infeliz. Porque não acredito que Penn possa ser feliz vendo você
infeliz. Pense bem nisso, eu vou apoiar você seja qual for a sua decisão, mas
eu prefiro ver você feliz a conformado.
Com isso, ela se levantou e saiu sem olhar para trás. Vi suas costas
desaparecendo atrás da porta sendo fechada. Não pude evitar um sorriso
triste, ela não sabia o que estava dizendo. Será que continuaria apoiando a
minha decisão se soubesse que eu decidira continuar a minha vida ao lado de
um homem? O que era apenas um sorriso se transformou em gargalhada e
depois em lágrimas. Vida maldita, por que as coisas não podiam ser mais
simples?
Peguei a xícara cheia do café frio, com o resto do guardanapo de papel
encharcado dentro dela. Saí do escritório, chamei um dos garotos e pedi a ele
que devolvesse a xícara ao refeitório. Quando ele desapareceu no corredor, eu
fui em direção à sala onde Jake trabalhava. Parei em frente à porta. Não podia
ser diferente, o lugar estava fervilhando. Havia mais gente do que eu podia
imaginar. Todos estavam reunidos em cima dos planos da nova fazenda e
também dos chalés que pretendíamos construir no local.
Por um instante, reinou um silêncio incômodo quando todos pararam de
falar e me encararam, mas não durou mais que alguns segundos antes de
“vivas”, abraços e tapinhas nas costas. Fiquei sem jeito com tantos

284
cumprimentos. Devíamos tudo isso a Julian, e como eu agradeci?
Simplesmente bloqueando-o.
— Não teríamos conseguido sem Julian — eu disse. Já estava me
sentindo mal com tanta ingratidão da minha parte, em todos os sentidos.
— Sim, devemos muito a ele. Conversei ontem com ele, contei tudo —
Kate contou, empolgada. — Mas hoje tentei contato várias vezes e ele não
respondeu nem visualizou as minhas mensagens. Não sei o que pode ter
acontecido.
— Ele deve estar ocupado — Jordan disse, pensativo. — Eu também
conversei com ele ontem. Estava muito feliz com o sucesso. Você falou com
ele? — Jordan perguntou olhando para mim.
Era uma pergunta simples. A resposta normal seria “sim, conversei”,
mas eu travei. Fiquei mudo. Como poderia dizer “não, não liguei para
agradecer a pessoa que tanto nos ajudou, e fiz mais: como agradecimento, eu
o bloqueei?”. A impressão era que mil olhos estavam fixos em mim.
— Então? O que ele disse? — Kate me pressionou sem saber o que
significava para mim responder aquela pergunta.
— Ah… bom … Eu não consegui conversar com ele ontem e… bem…
e hoje, eu ainda não tentei — resmunguei, balbuciei, engasguei. — Acho que
vou pegar o jipe e dar um pulo na nossa aquisição.
Dei a volta para sair. Eu precisava de espaço, respirar, mas quando dei
por mim, estava sendo seguido por um verdadeiro batalhão. Talvez tivesse
sido melhor não dizer para onde estava me dirigindo. Seis jipes foi o comboio
que seguiu em direção à nova fazenda. A hora do almoço passou sem
ninguém perceber tamanha era a empolgação. Todos davam palpites. A
fazenda dos O’Brien era mais que conhecida. Como vizinhos, conhecíamos
cada detalhe dela, cada riacho, cada árvore, cada cabana, mas, mesmo assim,
passar por algo que é seu é diferente e muito mais prazeroso.
A fome estava grande e a tarde indo embora quando, por fim,
estávamos de volta. Kate já havia enviado mensagem avisando que um bando
de homens esfomeados invadiria o refeitório em questão de minutos. Então,
quando a invasão aconteceu, já havia um monte de comida preparada.
Preparei um prato com um enorme bife, purê de batatas, ervilhas
amanteigadas, além de um jarro de cerveja gelada e encontrei uma mesa

285
afastada. Minha fome era grande, mas não era isso que estava me deixando
mal. Saber que não teria mais notícias de Julian estava me deixando louco.
Levantei minha vista e vi Kate conversando com Cody e Elijah. Esperava que
ela continuasse e me deixasse em paz por um tempo. Levei minha mão ao
celular. Queria anular o bloqueio e ligar, mas ao olhar ao redor e ver aqueles
machos exalando testosterona, desisti.
Comecei a comer devagar. Não tinha vontade de voltar para casa. A
cada minuto que passava, mais aumentava a minha saudade de Julian. Eu só
queria saber por onde ele andava, o que estaria fazendo… Enquanto eu me
preparava para a compra da fazenda, havia mantido minha mente ocupada,
mas agora, com tudo finalizado, restava apenas um vazio. Continuei
mastigando e engolindo sem nenhuma vontade. Quando peguei minha caneca
e virei a metade dela direto na garganta, vi Penn entrando, e não trazia uma
cara muito boa.
Ela olhou ao redor e me localizou, sentado, comendo sozinho em um
canto. Não foi a única a me localizar. Kate e todos os outros tinham razão, ela
não combinava em nada com o lugar. Era como se uma gota de água tivesse
caído em uma tigela com azeite. Todos se afastaram enquanto ela permanecia
parada, analisando o lugar como se o cheiro não a agradasse.
Terminei a minha cerveja e esperei. O vestido esvoaçante de verão
parecia fazê-la flutuar enquanto caminhava em minha direção, sapatos com
saltos altíssimos e uma bolsinha de mão. Estava mais para uma tarde de
compras pelas boutiques chiques da Quinta Avenida do que para um
refeitório lotado de cowboys semibêbados e com modos nada sofisticados.
Antes mesmo dela, sua voz alcançou meu ouvido, o perfume invadiu meu
nariz e, de novo, meu estômago embrulhou.
— É assim que você pretende tentar um novo recomeço, me deixando
sozinha durante o dia todo? — A voz foi aguda e alta o suficiente para que os
que estavam por perto pudessem ouvir.
— Penn, esse é um problema nosso, não de toda a fazenda. Por que não
se senta e come algo? Conversaremos depois. — Olhei para ela de baixo para
cima, já que ela continuava parada em frente à minha mesa.
Ela olhou ao redor e percebeu que muitos olhares estavam sobre nós,
mesmo que muitos disfarçaram, voltando a conversar. Ela se sentou e sorriu,
fingindo que tudo estava bem. Do outro lado do salão, Kate balançou a

286
cabeça, decepcionada.
— Quer tomar alguma coisa? — Ela olhou para o meu prato sujo com
os restos da comida e minha caneca vazia. Por um segundo, não pode evitar
torcer o nariz.
— O que você quer que eu tome aqui? Cerveja de má qualidade e suco
aguado?
Suspirei, cansado. Tudo o que no passado não me afetava, nesse
momento servia para comparar como poderia ser o meu futuro com ela. Uma
vida cheia de reclamações. Pensei em Julian e na semana que havíamos
passado juntos, nosso cachorro-quente sentados no gramado do Central Park,
todos os beijos, todas as noites… Deus! Como eu estava sentindo falta dele.
Será que eu conseguiria manter a promessa de tentar continuar a minha vida
com Penn de onde havíamos parado? Difícil.
— Penn querida, a cerveja é boa e o suco, natural. Foi feito com as
frutas daqui da fazenda, você sabe disso. — Tentei espantar as lembranças de
Julian da minha cabeça, afastar a dor da distância, mas o bloqueio que eu
havia feito estava me sufocando.
— O que eu gostaria era de tomar uma taça de champanhe, comer
pratos sofisticados, mas aqui? — Ela fez um círculo amplo com o dedo
indicador, olhando ao redor. Por mais que eu tentasse, ela não ajudava.
Não sabia como ela, que também tinha vivido toda a vida em uma
fazenda, pudesse ser tão diferente. Julian, mesmo pertencendo à alta
sociedade nova-iorquina, quando voltou, se comportou com total naturalidade
com o pessoal da fazenda. Mas, para ela, era como se fosse um constante
sacrifício.
— Já que você não se sente bem aqui, vamos para casa. — Levantei-me
e ela fez o mesmo, se apoiando em meu braço.
— Já estão indo? — Kate surgiu ao nosso lado, como se estivesse nos
vigiando.
— Sim, eu acabei de tomar banho e parece que aqui ninguém fez isso
ainda. Vou acabar fedendo igual a todo mundo — Penn respondeu e eu gemi
só de pensar na resposta de Kate, mas ela apenas sorriu.
— É que trabalhamos, Penn, mas não sei se você sabe o que isso

287
significa. — Kate terminou com uma piscadela, e eu tratei de intervir rápido,
antes de as coisas ficarem piores entre as duas.
— Sim, estamos cansados. Vejo você amanhã. — Dei um beijo no
rosto de Kate, mas a maldosa da minha irmã tinha que dar a palavra final.
Pegou os dois braços de Penn para mantê-la no lugar, com isso, aproximou o
rosto e estalou dois beijos no rosto dela, sorrindo.
— Boa noite, cunhadinha. — Bem, essa era a docinho para meus pais e
muitos na fazenda, mas, para mim, era e continuava sendo a “peste”.
Penn torceu o nariz de forma dissimulada, pensando que Kate não
notaria, mas eu sabia, era isso mesmo que ela estava buscando. Levantei
minha mão, me despedindo do pessoal. Saindo no pátio, puxei a chave do
bolso e fui em direção ao meu carro. Penn pegou a minha mão, caminhando
ao meu lado.
— Você vai comigo? — Ela não gostava de jipes, dizia que eram duros
como cavalos.
— Sim, amor. — Ela me abraçou pela cintura. — Eu disse que faria de
tudo para que a nossa vida voltasse ao normal.
Ao dizer isso, senti a mão dela sobre o meu pau, mas não fiquei duro
como ficaria se fosse a mão de Julian. Eu apenas gemi com o desconforto.
Sua boca vermelha vindo em direção à minha não ajudou em nada, só piorou.
— Pare, Penn. — Empurrei-a e fechei meus olhos, querendo
desesperadamente sentir o cheiro dele. Eu não ia conseguir.
— Por que não saímos daqui e vamos em direção ao rio? Podemos
namorar dentro do carro. Apimentar um pouco a relação sempre ajuda. — A
mão dela continuava massageando o meu pau, e ele estava tão encolhido que
eu tive medo que se escondesse dentro das minhas bolas e nunca mais saísse.
— Vamos. — Não custava tentar.
Estacionei o carro em uma área descampada, onde as famílias se
reuniam para fazer piqueniques. No mesmo instante, Penn veio para cima de
mim, intensificando as carícias sobre meu membro, que se recusava a ficar
ereto. Ela, por sua vez, se recusava a se dar por vencida. Baixou o zíper e
tomou na boca o que mais parecia um talo de cebolinha murcho. As chupadas
combinadas com a fricção foram ficando cada vez mais intensas. Estavam

288
beirando à dor, cada vez mais desagradáveis.
— Não posso, Penn. — Nem eu percebi quando as palavras saíram da
minha boca. — Não posso mais. Acabou.
— Como assim, acabou? Estamos apenas atravessando uma fase ruim.
— Ela ainda tentou, chorosa.
— Acabou, Penn. Eu estou apaixonado por outra pessoa e vou voltar
para ela. — Afastei a mão dela, que continuava insistindo em levantar meu
membro, conseguindo apenas que eu me sentisse cada vez pior.
— Ouça-me, Noah, você está apenas confuso. É isso o que todos
chamam de “crise dos quarenta”, ou cinquenta, não sei. Ela só pegou você
antes. Mas vai passar, você vai ver — ela continuava falando, fazendo a
pressão em meu peito e ouvido aumentar.
— Não se humilhe, Penn. Você é jovem e linda, vai conseguir quem a
ame de verdade. — Coloquei o carro em movimento.
Pude ver seus olhos me encarando com fúria e o rosto, sempre tão
lindo, perfeito, estava transformado em uma carranca de ódio. Não conseguia
mais olhar para ela. Queria apenas fugir, desaparecer.
— Você não pode me deixar assim. Essa garota deve ser uma vadia,
uma oportunista qualquer. Você vai se arrepender — enquanto Penn gritava
em meu ouvido, meu pé apertava o acelerador.
Deixei-a em frente à porta do refeitório. O carro dela estava ali, ela não
precisava de mim para voltar para casa. Não me preocupei nem em desligar o
motor. Corri, procurando por Kate. Quando a encontrei, eu a peguei pelo
braço e saí puxando-a porta afora. Enquanto Penn gritava ao lado seu Audi
A3 Cabriolet, Kate praguejava por não estar entendendo nada. Eu não
pensava, simplesmente agia, pois se parasse para pensar, talvez a coragem
fugisse de mim.
— Suba. — Empurrei Kate para dentro do carro.
— Mas que merda, Noah! — ela continuava praguejando enquanto eu
saía rapidamente.
— Cale a boca e me escute, Kate — berrei mais alto que ela. — Você
queria saber o que aconteceu em Nova Iorque, não? Então cale a boca e me
escute, pois se eu não falar agora, vou perder a coragem. — Com isso, ela se

289
calou.
— Você decidiu voltar para a garota com quem ficou? — Deus! Ao
ouvir a palavra “garota”, meu estômago embrulhou de vez. Eu continuava
dirigindo como louco pelas ruazinhas entre os chalés da fazenda. Era como
se, uma vez que eu estivesse concentrado em dirigir, não pensaria no que
sairia da minha boca.
— Não fiquei com uma garota, Kate, fiquei com um homem e, sim,
decidi voltar para ele. — Pronto, eu tinha falado. Nesse momento, o zumbido
em meu ouvido aumentou, assim como as reviravoltas do meu estômago.
— O que você quer dizer com “ficou com um homem”? Cristo, Noah,
acho que entendi errado — ela ofegava com ambas as mãos sobre o peito.
— Você ouviu certo, Kate, fiquei com um homem. Não foi com
qualquer homem, fiquei com Julian. — Meu coração batia de forma tão
violenta que chegava a doer. — Foi por minha culpa que ele se foi quando
éramos garotos. Eu era apaixonado por ele, Kate, mas eu o ameacei e fiz
coisas horríveis com ele. Mas agora, quando ficamos juntos, não houve jeito,
todo o desejo voltou de forma tão violenta, que não tinha como impedir tudo
o que aconteceu. Foi na casa dele que eu fiquei e foi com ele que eu passei a
semana.
— Que merda! — Ela engasgou.
Levantei minha mão para impedir que ela continuasse a falar. Se eu
parasse nesse momento, acho que nunca mais encontraria coragem para me
abrir com ninguém.
— Sim, Kate! Isso mesmo, QUE MERDA! SOU GAY! Que merda! Que
merda! Que merda! — Soquei o volante com raiva. Senti as primeiras
lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Não podia continuar me escondendo de
mim mesmo. — Sabe o que mais, Kate? Passei com ele a melhor semana da
minha vida. Saí de lá prometendo voltar livre para ele. E sabe o que eu fiz?
Não só não respondi as mensagens e chamadas dele, como ainda o bloqueei
no meu celular. Deus! Nem sei como ele pode me amar, se nem eu me
aguento. Sou um maldito filho da puta. — Passei o dorso da mão sobre meus
olhos, pois não conseguia enxergar nada à minha frente.
— Pare o carro, Noah, pelo amor de Deus. Pare, antes que eu mate
você. — Senti um soco violento em meu braço.

290
— Kate! Não faça isso comigo. — Esse tinha sido o meu maior medo.
Se a minha única irmã não conseguia me aceitar, quem mais poderia?
— Pare, me deixe descer e suma da minha frente ou juro que mato
você. — A fúria que estava em seus olhos fez meu pé pisar fundo no freio.
Ela desceu, batendo a porta e berrou de volta: — Suma da minha frente.
Quando acelerei de volta, percebi que estava no caminho que levava ao
rio – meu antigo esconderijo com Julian, que agora pertencia a outros garotos
e garotas. Segui devagar e estacionei. Procurei um rolo de papel higiênico e
assoei meu nariz. Agora, eu tinha mais um motivo para desaparecer. Pelo
resto da vida, Kate me olharia com desprezo. Eu não conseguiria suportar
isso. Sabia que, depois do que eu havia feito, Julian não me aceitaria de volta,
mas eu voltaria pelo menos para pedir desculpas pessoalmente a ele.
Saí do carro e me sentei no capô. A noite estava com uma meia-lua,
mas mesmo assim havia luz suficiente. Eu havia destruído Julian ao mesmo
tempo que havia me destruído. Sabia que não seria aceito aqui, mas em Nova
Iorque eu poderia ser eu mesmo. Se Julian não me perdoasse, eu procuraria
um emprego, trataria de continuar a minha vida. Estava tão concentrado em
todas as merdas que meu futuro enfrentaria que, quando um braço circulou
meu ombro, eu dei um pulo.
— Por que você fez isso? — Kate estava com os olhos vermelhos,
chorando tanto ou mais que eu. Passei a ela o rolo de papel.
— Eu não fiz nada, Kate. Nasci assim. Ninguém escolhe ser
homossexual. — Assoei meu nariz. Só faltava ela pedir para eu procurar uma
cura para o meu “mal”.
— Não é isso. Estou perguntando por que você fez isso com você. Por
que se escondeu? E agora, por que deixou Julian, se diz que sempre foram
apaixonados? Não entendo.
Olhei para ela sem entender nada.
— Lá atrás você me pediu para descer ou me matava, o que mudou?
— Nada mudou, você entendeu tudo errado. Não queria lhe matar por
você ser gay, e eu ainda quero matar você, mas pelo que você fez com a sua
vida. Por que você fez isso? Por que ainda está aqui? Por que não está
correndo para preparar a mala e voltar para ele?

291
Meu cérebro estava travado, eu não esperava isso dela. Decepção
talvez, mas não esse incentivo e apoio incondicional.
— É sério o que você está dizendo? Você não está com raiva? — Eu
ainda não conseguia acreditar que ela estava aceitando.
— É sério, Noah. Raiva eu estou sentindo, sim, estou com tanta raiva
que estou me segurando para não socar você. — Dito isso, ela me deu outro
soco com força no braço. — Alguma vez você me ouviu usar algum
vocabulário homofóbico? Nem mesmo papai e mamãe, nunca fomos
preconceituosos. Isso está apenas na sua cabeça.
— Obrigado, Kate. Você não imagina como me faz bem saber isso,
mas não quero que conte a ninguém. — Puxei-a contra mim e continuamos
com as fungadas até nos acalmarmos.
— Não vou contar a ninguém. Nem a Cody eu vou contar. Isso não é
comigo, é você quem tem que contar, mas não se sinta obrigado, conte
apenas quando se sentir preparado, não pressionado — enquanto falava, ela
acariciava meus cabelos, me trazendo uma paz que há muito eu não sentia.
— Isso significa muito para mim. — Deixei o ar que estava preso pela
tensão escapar.
— Só quero ver você feliz, seu idiota. E como não seria, com um gato
como Nath ao seu lado? Jesus! — Ela se abanou.
— Kate, pare de ser sem-vergonha! — ri com ela.
— Quer dizer que, enquanto eu babava por ele, ele estava de olho em
você. Que merda! Eu nunca tive nenhuma chance, não é? — ela choramingou
com fingida tristeza.
— Nunca, maninha, ele sempre foi meu. — Pisquei para ela.
— O que você está fazendo ainda aqui, conversando comigo? Deveria
estar preparando a mala. Vamos lá, levanta a bunda daí e corre para pedir
perdão para o amor da sua vida. E reze para ele perdoar você por ter sido tão
idiota. — Levantamos os dois, rindo. Nossa! Se eu soubesse que essa
conversa seria tão libertadora, eu a teria tido anos atrás.
Depois disso, disparei pela pequena estradinha, enquanto Kate entrava
num aplicativo, procurando passagens para Nova Iorque. Não sei como ela
havia conseguido, mas estava quase mais entusiasmada com o reencontro do

292
que eu, como se isso fosse possível. Quando eu a deixei em frente ao
refeitório, ela me avisou que meu voo estava marcado para as dez da manhã.
Calculei que eu chegaria no horário que ele estaria saindo do trabalho. Deus
do céu, eu não iria conseguir dormir.
— Vá ser feliz. — Ela me deu um beijo de despedida, sorrindo.
— Vou sim. — Devolvi o beijo.
Folhas, cascalhos, poeira, tudo foi para o ar quando parei. Saí correndo
e subi as escadas tropeçando. Entrei no quarto de hóspedes. Minha mala já
estava pronta, já que eu não a havia desfeito, mas se eu fosse demorar mais
tempo, iria precisar de mais roupas. Mesmo sem querer me encontrar com
Penn, não tive outra opção a não ser entrar em nosso quarto.
Entrei. Ela estava saindo do banheiro com os olhos vermelhos, quase
parei. Mas se eu parasse naquele momento, continuaríamos a briga sem
chegar a lugar algum. Passei, indo direto ao closet, peguei mais ternos, mais
jeans, calções que eu não havia levado na primeira vez, mais meias, cuecas,
moletons (mesmo que Julian gostasse de mim nu ao seu lado na cama).
Retirei minha aliança e coloquei com carinho dentro de uma das gavetas. Eu
havia tentado, mas, infelizmente para Penn, eu já não poderia voltar à minha
antiga vida.
— Aonde você está indo? — Ela estava parada na entrada do closet
com um copo na mão.
— Estou voltando para Nova Iorque — respondi. Eu já havia dito a ela
o que ela precisava saber. Dependia só dela aceitar ou não.
— Quer dizer que vai voltar para a vadia?
Não respondi. Não estava a fim de deixá-la estragar a minha alegria.
— Ela sabe que você é casado? E o seu amigo Fox, ele sabe que você
estava me traindo? Porque se sabia e não fez nada para impedir, é tão sem-
vergonha quando você. — Nesse momento, meu sangue ferveu.
— Veja como fala dele. O problema é aqui, entre nós dois. Deixe-o
fora disso. — Passei por ela, levando um amontoado de roupas e comecei a
colocar de qualquer forma dentro da mala.
— Não acredito que você está me deixando, depois de tudo que fiz por
você. — Ela tinha me seguido até o quarto.

293
— Já conversamos sobre isso. Agora, se me der licença, vou tomar um
banho e tentar dormir. — Peguei o braço dela e a coloquei para fora.
Tirei meu celular do bolso e desbloqueei Julian. Não enviei nenhuma
mensagem. Queria fazer uma surpresa. Eu estava cumprindo a minha
promessa, estava voltando livre para ele. Com tudo arrumado, entrei no
banho, mas sabia que a minha noite seria em claro.
Às sete da manhã chamei Neil para me levar ao aeroporto. Com meu
voo saindo às dez, eu não conseguiria esperar. A ansiedade estava me
matando e a vontade de vê-lo era pior.
O voo parecia que estava indo para a China de tanto que demorou.
Quando pousou, passei pela aérea de recepção de bagagem, peguei minha
mala e saí correndo. Não via a hora de pegar aquela boca gostosa e beijá-la
até ficar sem fôlego. Deus, se tudo desse certo, em poucas horas eu estaria na
cama com ele. Quando o táxi parou em frente ao prédio de Julian, eu não
esperei para o taxista pegar minha mala, joguei as notas para ele junto com
uma boa gorjeta, peguei minha mala e subi as escadas.
Ao subir os degraus em direção ao elegante hall, eu estava prestes a ter
uma câimbra facial de tanto que sorria. Parei na entrada. Respirei, tentando
tirar pelo menos o sorriso idiota da minha cara, e cumprimentei o porteiro,
que já me conhecia. Eu esperava que ele me deixasse passar. Sabia que Holly
me deixaria esperar por Julian no apartamento. Mas pela forma que ele me
olhou, percebi que meus planos estavam começando a se desfaz.
— Senhor Scott, isso vai ser impossível. O sr. Fox viajou e a sra. Holly
está de férias. Sinto muito — informou-me assim que eu pedi para ligar para
o apartamento dele. Merda foi a única palavra que apareceu em minha
cabeça.
— Bom, poderia chamar a sra. Norton, por favor? — Emily seria a
minha salvação. Ele conversou com alguém do outro lado e depois me
autorizou a subir.
Enquanto o elevador subia, fiquei imaginando quanto tempo Julian
ficaria fora. Emily tinha as chaves do apartamento, talvez ela pudesse me dar
e eu esperaria por ele lá. Mil ideias flutuavam em minha cabeça. Mas, quando
a porta se abriu, Emily se jogou em meus braços, chorando. Ao ouvir as
palavras dela, senti minha alma abandonado meu corpo.

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295
Capítulo XX

JULIAN FOX

— Como assim, um tempo fora? Para onde você está indo? —


Continuei a caminhar em direção a saída, não tinha mais cabeça para
permanecer no escritório.
— Preciso respirar, Poul, estou me sentindo sufocado aqui. — Abri a
porta e ele me acompanhou. Parei em frente ao elevador, mas não o chamei.
— Sim, entendo que não esteja se sentindo bem, mas precisa ficar fora?
Não acho que essa seja uma boa ideia. — A mão carinhosa dele pousou sobre
o meu ombro e apertou, fazendo carinho.
— Preciso. Se eu não fizer isso, posso levar a empresa à falência. Essa
semana, perdi mais do que ganhei, e você sabe que não foi pouca coisa. Isso
nunca tinha acontecido. Minha cabeça está fora, Noah não vai voltar e, se eu
continuar aqui, já vi que posso fazer muitas besteiras. — Deixei minhas
costas baterem contra a parede, enquanto Poul era puro nervosismo.
— Para onde você pensa ir? — Por fim, parou de se balançar e cruzou
os braços em frente ao corpo, olhando-me com preocupação.
— Vou ao Brasil. Manaus, para ser mais exato. — Os olhos dele se
arregalaram, dizendo-me de antemão que não tinha gostado.
— Posso saber que merda você vai fazer lá? Não temos nada naquele
país e, principalmente, nessa cidade.

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— Ainda não, mas podemos ter. Uma fábrica de correntes para motos
foi posta à venda… Não, estão querendo dar de presente. Já estudei tudo.
Pertence a um grupo chinês que está deixando o país. Pretendo comprá-la e
investir. Até o porto já temos — expliquei e esperei por uma nova chuva de
broncas.
— Fábrica de peças para motos? Sério? Mesmo se você quisesse fazer
uma loucura dessas, não precisaria ir até lá. Temos gente para isso, ou eles
podem vir até nós. — Eu sabia de tudo isso, mas a compra da fábrica era
apenas um pretexto para eu poder desaparecer.
— Eu sei, mas eu quero ir. Pense nessa minha viagem como férias, está
bem? — Com isso, apertei o botão do elevador. Não queria continuar sendo
chamado de louco no corredor.
Enquanto o carro deslizava pelas barulhentas ruas de Manhattan, minha
mente vagava e pude entender um pouco da famosa lei da relatividade. Tudo
era relativo. Tudo que para mim uma semana atrás era lindo, maravilhoso, no
momento não passava de feio, sujo, barulhento. Entrei no meu apartamento e
continuei andando como um zumbi. Eu sabia exatamente o que queria fazer,
só por isso podia continuar andando. Holly me alcançou quando eu estava na
metade da escada.
— Em casa tão cedo, sr. Fox? Precisa de alguma coisa? — Parei para
prestar atenção ao que
ela me dizia, já que meu ouvido sintetizava apenas um monte de
rstyaiifnswepeanfbsifmkah.
— Como? O que você disse?
— O senhor precisa de alguma coisa? — Ah, era isso.
— Não, não preciso, Holly. Obrigado. — Continuei meu caminho, mas
depois pensei melhor. — Holly?
— Sim, senhor. — Ela, que já estava se dirigindo à cozinha, voltou.
— Eu estou indo viajar. Vou ficar fora por um tempo. Você pode tirar
férias enquanto isso. — Ela se apoiou no corrimão no início da escada e ficou
me encarando por um tempo, se decidindo se perguntava ou não o que a
estava incomodando.

297
— Algum problema, senhor? — Assim como Poul, ela não parecia
muito bem com meu estado depressivo.
— Não, está tudo bem. Ah, e eu aviso você quando voltar. — Continuei
subindo.
No quarto, peguei uma mochila grande. Nada de mala. Não ia precisar
dela para onde eu estava indo. Jeans, camisetas, tênis, bonés, coturnos, era
esse tipo de roupa que eu iria usar, afinal, o meu destino final não exigia
muita roupa, muito menos ternos de grife sob medida, nem sapatos com
cordões. Passei pelo banheiro juntando sabonetes, creme dental. Já estava
saindo, quando me lembrei de pegar uma toalha e a minha caixinha de
primeiros socorros.
Dei uma olhada rápida no interior – aspirinas, anti-inflamatórios, gaze,
pomada para queimaduras, pomada antialérgica… Continuei fuçando – água
oxigenada e alguns itens mais. Faltava ainda muita coisa, mas eu não
pretendia passar em nenhuma farmácia para completar.
Com a minha mochila pronta, saí do banheiro, entrei no closet e peguei
o passaporte. Revisei minha carteira. Cartões de crédito não iria precisar, mas
os levaria da mesma forma.
Quando voltei à cozinha, encontrei Holly com uma cara triste, mas eu
não estava com tempo. Entreguei a ela os cartões e o celular de Rose. Avisei
que ela viria buscar na sexta-feira. Depois disso, fui ao apartamento de
Emily. Encontrei-a lendo um dos livros que eu havia comprado para ela e,
claro, ela ficou feliz quando me viu, mas a felicidade passou assim que olhou
de verdade para mim.
— Querido, o que está acontecendo?
Não queria saber o que estava acontecendo. Só queria que o tempo
desse um salto para um futuro, onde eu não sofresse da forma que estava
sofrendo.
— Só vim me despedir. — Fui direto ao ponto. — Vou viajar.
— Como assim, viajar? Quando você decidiu isso? — Ela me olhou,
incrédula, assim como Rose. — Para onde você está indo?
— Brasil. Vou passar uma temporada lá.

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— Aconteceu alguma coisa que eu não estou sabendo?
Fiquei olhando para Emily. Eu só queria desaparecer.
— Com licença, Emily. — Se eu continuasse perto dela, certamente
começaria a chorar como uma criança e não estava disposto a mostrar esse
meu lado frágil a ninguém. Mesmo que essa pessoa fosse Emily.
— Querido! — Ela tentou segurar meu braço. Esquivei-me.
— Por favor, Emily, não me pergunte mais nada. Sim? — Ela assentiu,
batendo com a palma da mão no espaço ao lado dela para que eu me sentasse.
Não me sentei. Desmoronei. Eu queria gritar “quero minha mãe”. Apenas ela
poderia me ajudar a sair desse momento, assim como tinha feito na primeira
vez.
— Vai dar tudo certo, você vai ver. Tudo vai se resolver. — Ouvindo
essas palavras dela, o bolo que estava no meu estômago desde que eu tinha
visto o bloqueio de Noah em meu celular subiu para a minha garganta, e a
represa dos meus olhos que eu estava segurando se abriu. Senti um lenço
sendo colocado em minhas mãos.
Aproveitei aquele carinho gratuito e desinteressado que ela me
oferecia. Não era a minha mãe, mas estava conseguindo aliviar o desespero
que eu estava sentindo.
— Obrigado. Eu estava precisando mesmo de um carinho. — Fiz um
esforço para sorrir enquanto me levantava do colo dela, onde eu nem havia
notado que tinha desmoronado. Rose também havia desaparecido. Graças a
Deus. Esse vexame não precisava de mais espectadores. — Rose? Onde ela
está?
— Foi ver algumas coisas no quarto dela — ela me informou como se
fosse algo sem importância, e eu sabia que era para não me sentir mal, depois
do meu descontrole.
— Vou conversar com ela. Ela já contou a você que volta para
Inglaterra nesse final de semana? Acho que tem provas — completei. Era
mentira, mas mesmo assim uma mentira piedosa. Não podia contar a Emily
que a neta só estava com ela porque não tinha como escapar.
— Sim, ela deixou tudo para vir ficar comigo. Ela mudou muito, você

299
não acha? — O que eu podia dizer?
— Mudou sim. Só espero que continue assim. — Os olhos dela
brilharam de orgulho. Senti-me mal por enganá-la daquela forma. — Vou
conversar com ela.
Deixei Emily para trás e fui em direção ao quarto de Rose.
— Então, feliz por desaparecer da vida de Emily? — perguntei ao
entrar pela porta.
— Ou eu volto, ou me transformo em uma múmia. Sinto que aqui a
minha vida simplesmente parou no tempo. — Ela estava deitada na cama
com um dos livros de Emily nas mãos. Não sabia se lia ou se apenas fingia,
afinal, ela era especialista em fingir.
— Sinto muito ter forçado você a essa situação. Acho que ninguém
deve ser obrigado a fazer o que não quer. É injusto. — Empurrei as pernas
dela e me sentei. Ela também se acomodou, deixando o livro de lado e
sentou-se, se ajeitando e recostando no travesseiro.
— Eu sinto muito. — Olhei para ela sem entender. Afinal, o que essa
garota desalmada sentia?
— Sente muito pelo quê?
— Sinto por não ser essa pessoa que a minha avó merece. — Ela girou
o corpo, ficando sentada ao meu lado. Enquanto meus sapatos tocavam o
chão, os dela ficaram pendurados.
Os olhos grandes me encararam tristes, enquanto ela balançava os pés
de um lado para o outro. Percebi o quanto ela era pequena. Mesmo com mais
de vinte anos, quando o escudo da ira desaparecia, ela ainda parecia uma
criança. Ficamos assim, lado a lado, sem dizer nada, apenas presos nos
nossos próprios purgatórios. Rose me encarava de uma forma como se
estivesse vendo através de mim.
— Vou deixar com Holly sua passagem e seus cartões, pode pegar tudo
com ela. Seu voo sai na sexta-feira, às dez da noite. Tenho que ir agora. —
Levantei-me e fui em direção à porta, enquanto ela permanecia no mesmo
lugar.
— Boa viagem. Desculpe-me qualquer coisa. — Parei e olhei para ela

300
só para ter certeza que tinha ouvido direito. — Apenas some, tá, seu idiota —
riu e logo fechou a cara.
Enquanto ela voltava a se deitar, eu fechei a porta atrás de mim. Os
dois tínhamos estado nus de sentimentos dentro daquele quarto, então, era
melhor voltar rápido ao normal.
Voltei para a sala. Emily continuava no mesmo lugar, apenas o livro
estava fechado. Uma xícara de chá estava em frente a ela, mas enquanto a
enfermeira estava tomando o dela, o de Emily esfriava.
— Já está indo? — ela perguntou assim que me viu entrando na sala
novamente.
— Sim. Tenho que arrumar algumas coisas ainda. — Parei em frente a
ela e a enfermeira fez menção de se retirar, indiquei a ela que não precisava.
— Quanto tempo pretende ficar fora? — Ela estava triste. Não era
minha intenção deixá-la assim, mas Rose e eu estávamos partindo ao mesmo
tempo.
— Ainda não sei. Mas não precisa se preocupar, ela vai ficar com você.
— Indiquei a enfermeira que continuava sentada à nossa frente saboreando o
chá fumegante. — Poul virá todos os dias também — concluí.
— Eu sei, mas vou sentir a sua falta. E Rose também está indo. —
Fiquei triste por ela. Estávamos tão acostumados a ser um o suporte do outro,
sabia que ela ficaria triste por não me ter por perto.
Fiquei um bom tempo conversando com ela sobre a minha viagem e a
volta de Rose. Ela teria que voltar aos “estudos”. Depois, me despedi e voltei
ao meu apartamento com a promessa de voltar o quanto antes. Ao entrar em
casa, recebi um recado de Sean, meu piloto, avisando que só poderíamos
partir de madrugada. Com isso, eu já imaginava uma noite em claro. Eu
queria sair no início da noite. Deixei minha mochila e tudo que iria precisar
no hall da entrada e subi para um banho. Peguei jeans, camisa, um coturno de
cano alto – essa era minha roupa ideal para a viagem. Joguei tudo em cima da
cama e vesti-me com um moletom, mas não me deitei. Subi até a sala do
terceiro andar. No frigobar, procurei pelas barras energéticas que Brandon
mantinha ali. Ele adorava aquelas porcarias. Eu nem passava perto, a não ser
das barrinhas de chocolates. Mas, para onde eu estava indo, poderiam ser

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uma boa opção, então, peguei todo o estoque. Queria pegar a água, mas
preferi deixar, todas eram garrafas de vidro, nenhuma de plástico. Com a
minha carga de ladrão, voltei a descer as escadas. Um pequeno esforço e tudo
estava dentro da mochila. Iam chegar um pouco amassadas, mas não
importava.
Depois de deixar tudo pronto, voltei a subir para esperar. As horas
passavam comigo rolando de um lado para o outro e com isso eu me lembrei
de mais uma providência que só eu poderia tomar, contratar uma aeronave
pequena, já que o meu jatinho jamais poderia se embrenhar na floresta
amazônica. Tentei várias empresas e passei muito tempo estudando dados de
segurança que eles enviavam até conseguir uma que tinha tudo registrado e
atualizado. Assinei o contrato e fiz o pagamento que haviam pedido. Estaria
preparado para decolar na sexta-feira, às seis da manhã, que era o horário que
tinham disponível. Se fosse por mim, faria apenas um transbordo, mas não foi
possível. Assim, também ficou combinado que voltariam para me buscar de
volta depois de uma semana.
Eu já estava decidido, voltaria apenas se alguma coisa errada
acontecesse, senão ficaria por tempo indeterminado. Se tudo desse certo,
viajaria na madrugada seguinte e depois de quase dez horas estaria no meu
destino, passaria uma noite no hotel que Chris reservara e sexta-feira estaria
rumo ao meu destino final.
Mais uma vez, olhei para o celular sem poder acreditar que Noah havia
me bloqueado. Eu sabia que talvez, para ele, fosse mais fácil assim do que
tentar conversar e explicar. Mesmo assim doeu, e muito.
Como já havia previsto, minha noite havia sido em claro. Às três da
manhã, eu já estava tirando George da cama. As ruas do Queens pareciam
vazias ou era apenas a minha mente que estava assim? Ao cruzar o Brooklyn,
minha ansiedade aumentou. Estava deixando para trás a cidade que eu amava,
mas que, nesse momento, estava me sufocando. Não sabia se poderia algum
dia voltar a me sentir bem nela novamente. No caminho para o escritório, eu
só me recordava de Noah. Talvez tivesse que procurar outro lugar para
instalar meu escritório.
Ter passado a noite em claro pode ter sido a melhor coisa, pois, depois
de embarcar, dormi durante as dez horas que durou o trajeto.

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— Direto para o hotel, senhor? — perguntou-me o piloto.
Espreguicei-me, olhando para Oliver e Louis, meu copiloto e meu
comissário de bordo, que desciam a minha mala do bagageiro.
— Humm… Eu, sim, e vocês? Voltam ainda hoje? — Imaginava que
Sean, o comissário e o copiloto, depois de um descanso, voltariam para Nova
Iorque, mas a cara deles me dizia que havia um pequeno engano.
— Não, senhor. Hã… Nós vamos ficar o tempo que o senhor ficar —
Sean se desculpou.
— O quê? Não preciso de vocês aqui. Podem voltar hoje mesmo. — Eu
queria relaxar, esquecer do mundo e, com eles me cercando isso nunca
aconteceria.
— Já temos o hangar alugado e, não precisa se preocupar, a sra. Chris
já fez a nossa reserva no mesmo hotel. — Ele continuava parado.
— Agora vocês estão decidindo a minha vida? Eu não pedi ninguém.
Podem cancelar o aluguel do hangar. Descansem e voltem para casa. Eu
aviso o dia do meu retorno. — Para confirmar isso, peguei minha mochila
que ele ainda segurava, joguei-a nas costas e saí, descendo as escadas. Não
pretendia levar ninguém atrás de mim.
Eu sabia que não adiantaria discutir com eles ali. Mesmo eu sendo o
chefe, não imaginava o que Poul havia dito a eles. Talvez eles estivessem
seguindo as ordens dele ao pé da letra.
O calor infernal com que a cidade me recebeu deixou-me feliz com a
minha escolha de camisa de algodão branca e leve, e jeans, uniforme
universal… Já os coturnos não eram uma boa opção para a cidade, mas como
não pretendia passar mais de uma noite nela, eram perfeitos. Passei pela
alfândega, maldosamente esperando que alguma coisa desse errado e minha
tripulação fosse expulsa, mas não, quando tomei meu táxi, vi que o bando de
futriqueiros fazia o mesmo. Meu celular tocou e eu o olhei, sem ânimo para
responder, mas se não o fizesse, ele tocaria até entrar em curto.
— O que você estava pensando ao mandar esses três me vigiarem? E
não me diga que não foi você. — Inferno! Não ia ficar de conversinha fiada
de “você fez boa viagem?”.

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— Boa tarde, Julian, fez boa viagem?
Um, dois, três, quatro… Não deu para chegar a dez.
— Foda-se Poul! Qual parte do “quero ficar sozinho” você não
entendeu? — Merda de gente atrevida.
— Pode tratar de ficar calminho, pois isso eu não vou negociar. Você
quis desaparecer por um tempo, e eu entendo, mas sozinho em um país
estranho você não vai ficar. — O táxi parou no endereço que eu havia
indicado. Paguei e esperei que o carregador de malas retirasse a minha
mochila do bagageiro, enquanto Poul continuava despejando um monte de
merda em meu ouvido.
— Se eu quisesse um segurança, eu teria trazido George comigo. Se eu
o deixei era porque não queria ninguém no meu pé, entendeu? — Passei pela
porta e vi o táxi dos meus três vigias. Trinquei meus dentes para não iniciar
uma série de xingamentos.
— Aceite. Já me decidi e eles vão com você nessa outra viagem que
está pensando fazer também.
Isso já era demais. Eu pensava em deixá-los para trás e fugir. Como ele
sabia?
— Anda me vigiando agora, Poul? — Como diabos o infeliz tinha
descoberto que esse não era o meu destino final?
— Você alugou um teco-teco em nome da Fox.
— Deixe-me em paz, Poul, por favor. Peço apenas isso. — Joguei meus
documentos sobre o balcão e, enquanto a recepcionista conferia a minha
reserva, eu tentava me manter calmo.
— Eles não vão tirar a sua liberdade, Julian, mas se não for assim, eu
não vou ficar tranquilo. Faça isso por mim, por favor. Sei que você não
pretende continuar aí, você vai seguir viagem. — Suspirei e voltei a iniciar
uma contagem para não explodir de vez. — Você mentiu para mim sobre
essa fábrica. Além disso, ontem à noite, alugou uma pequena aeronave em
nome da empresa. O que você queria? Sou pago para isso.
Inferno, esse tinha sido um grande descuido da minha parte, descuido
que jamais teria acontecido se a minha cabeça estivesse funcionando cem por

304
cento.
— Tudo bem, mas eles podem ficar aqui, esperando por mim? — Ouvi
uma série de xingamentos abafados. — Para onde eu estou indo, não vou
precisar deles.
— Para onde você está indo, afinal? Se for algum lugar perigoso, não
haverá negociação, eles vão ficar com você, sim.
Peguei os documentos e, com o cartão-chave em minha mão, segui o
carregador de malas em direção ao elevador, enquanto meus capangas
continuavam fazendo o registro de entrada.
— Estou indo para outro hotel, no coração da floresta. Quero só passar
uma temporada longe de tudo. — Não pretendia informar o meu exato
destino, ele já estava sabendo mais do que deveria.
Meu destino final seria uma tribo indígena. Eu havia estudado muito
sobre eles e queria aprender mais, mas não com livros e sim com a
experiência, conhecer um pouco mais dos meus ancestrais do sul. O hotel me
forneceria guias para chegar a esse meu último destino e eles estariam
esperando por mim ao pousar.
— Vamos fazer assim: eles ficam com você até você estar instalado. Se
estiver tudo bem, eles voltam. — Aceitaria, afinal, eu apenas esperaria eles
partirem para seguir adiante com a minha viagem.
Não queria deixar Poul preocupado, mas também precisava desse
tempo, voltar às minhas raízes, recarregar a minha energia perdida para tentar
colocar a minha vida novamente nos trilhos. Cansado de discutir, aceitei
todas as exigências dele. Depois encontraria uma foram de me livrar dos
intrusos. Desliguei prometendo ser um bom menino.
Minha mochila foi deixada em cima de uma mesa. Coloquei uma
gorjeta na mão do ansioso rapaz e fechei a porta logo atrás dele. No fim, não
houve forma de me livrar dos meus cães de guarda, eles iriam comigo até
onde eu estava indo e só voltariam se achassem que o lugar era seguro. Eu
iria até certo ponto no teco-teco e, depois, ainda teria um dia de viagem. Essa
segunda parte eles não precisavam saber. Mesmo assim, eu sabia que Poul
diria a eles para não me deixarem mesmo se o lugar fosse uma fortaleza.
Depois de um bom banho, pedi a minha comida no quarto, uma

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moqueca de pirarucu, tambaqui assado, acompanhado de uma salada fresca e
arroz branco, e de sobremesa, musse de cupuaçu. Não que eu estivesse com
fome, mas a propaganda que a recepcionista fez dos pratos quando liguei para
fazer o pedido foi a melhor. Além disso, eu ainda não sabia quando teria
novamente a oportunidade de saborear uma comida dessa qualidade. Aceitei
e não me arrependi, a comida era dos deuses, simplesmente maravilhosa.
Depois dessa, eu poderia passar até um ano comendo apenas formigas que
não me importaria.
Mesmo depois de passar o dia inteiro desmaiado no voo de vinda, eu
consegui dormir algumas horas. Mas, às quatro da manhã, eu já estava
tomando meu café fora de hora que eu havia solicitado. Com o estômago
feliz, desci para dirigir-me ao aeroporto. Para a minha total infelicidade, Sean
e o copiloto já estavam no saguão à minha espera. Minha esperança de que
perdessem a hora havia sido em vão. Passei por eles e fiz o meu registro de
saída, o carro já estava me esperando. Minha vontade era de embarcar e
deixar os dois para trás, mas sabia que eles tomariam um táxi e voariam atrás
de mim. Assim, entrei e fiz sinal para que subissem também.
— Nosso comissário desistiu? — perguntei assim que eles subiram.
— Não, é que o bimotor tem lugar para quatro pessoas. O sr. Cooper
disse a ele para esperar — Sean respondeu.
— E você tem certeza que não está tirando o lugar de mais ninguém?
— Estava rezando para que, ao chegar lá, houvesse lugar apenas para duas
pessoas e eles fossem obrigados a ficar.
— Tenho, senhor. A aeronave é para quatro pessoas e o piloto não está
levando nenhum auxiliar. — Infelizmente, não havia mais nada a fazer. Poul
havia amarrado todas as pontas. Inferno!
— Sr. Fox, essa não é uma boa máquina.
Olhei para Sean, com raiva. Tínhamos perdido meia hora com ele no
escritório analisando o plano de voo e todos os mapas que encontrou pela
frente. Agora, estávamos perdendo mais tempo, ele e o copiloto davam voltas
e mais voltas ao redor da pequena aeronave alugada.
— E o que você queria? Um jatinho modelo? — Sem esperar resposta,
joguei a minha mochila atrás dos bancos. — Estamos indo para o meio da

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floresta — informei.
— Mesmo assim, não gosto desse aparelho. Se o senhor me der um
pouco de tempo, eu consigo uma aeronave melhor. — Os dois me encaravam
como se eu estivesse fora do meu juízo. Também percebi que o pequeno
bimotor estava meio caquético, mas olhando ao redor, todas as aeronaves
tinham a mesma aparência.
— Por que vocês não ficam? Eu não estou pedindo para me seguirem.
Sean levantou a sobrancelha, indicando-me para desistir. Eles me
seguiriam mesmo que fossem pendurados do lado fora.
— Iremos, senhor, só não nos parece uma aeronave muito segura.
— Eu li toda a papelada que me enviaram. Todas as licenças estão em
ordem e, se vocês quiserem podem ficar, é até melhor para mim. — Enquanto
discutíamos, o piloto do bimotor mastigava um palito de fósforo, esperando,
com cara entediado.
— Não seria mais seguro ir pelo rio, senhor? — Tanto Sean como o
copiloto me olhavam esperando que eu desistisse de subir.
— A única outra opção é usar uma barcaça, que levará dias. Nele,
levaremos uma hora. — Não queria completar e dizer que eu tinha mais
medo do barco que do avião.
Só de imaginar piranhas, enguias elétricas e aquelas cobras gigantescas
que engoliam pessoas… Não, obrigado. Eu tinha uma imaginação fértil
quando se tratava de coisas dentro de água, lama, poças… Um frio percorreu
a minha espinha, mesmo assim mantive a minha cara de “aqui está tudo
bem”.
— Bem, vamos lá. Aposto que essa porcaria não aguenta mais de meia
hora no ar — Sean praguejou.
O piloto olhou para ele, talvez tentando dizer que ele estava errado,
mas isso só durou um segundo antes de ele decidir deixar para lá. Sorriu,
sabendo que estava havendo uma boa briga entre nós.
Depois de quase uma hora de discussão, subimos e nos apertamos
dentro do pequeno espaço. Eu sabia que Sean não estava feliz de ter que
viajar ao lado de um piloto em quem, pela cara, ele não tinha a mínima

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confiança e ainda sobrevoar uma densa selva dentro de uma aeronave
minúscula que, para ele, acabaria se desmontando em pleno ar.
Enquanto a aeronave taxiava, ele girou a cabeça com um último apelo
no olhar, mas deveria usar apenas olhar mesmo, nem gritando seria capar de
me fazer ouvir, o barulho era ensurdecedor. Ele estava sentado ao lado do
piloto – palavras dele – “para vigiá-lo de perto”. Louis, meu copiloto, estava
sentado ao meu lado no banco de trás, talvez imaginando como eu estava tão
tranquilo dentro daquele espaço minúsculo em comparação com meu jato
executivo com suíte, assentos com mesas entre eles e espaço suficiente para
jogar futebol. Comparado com esse, que não tinha espaço nem para nossos
corpos, minhas pernas estavam comprimidas entre os dois assentos.
Contrariando as previsões pessimistas de Sean, a pequena lata de sopa
levantou voo e, pouco tempo depois, estávamos presos entre o azul do céu e o
verde da floresta. Não sabia como a minha cabeça chegaria ao fim da viagem.
O trajeto era de uma hora e, em menos de vinte minutos, meu cérebro já
estava virando geleia com a vibração e o ruído. Talvez Sean tivesse razão e
um barco seria melhor que essa loucura de avião, mas já estava feito. Fechei
meus olhos, esperando que o tempo passasse com mais rapidez. Mesmo
assim, alguns minutos depois, com todo o barulho e a dor de cabeça batendo
às portas do insuportável, pude ouvir uma discussão entre Sean e o piloto.
Inferno. O que Sean estava querendo agora?
— Que merda está acontecendo agora, Sean? Por que não se acalma,
cara? — berrei, tratando de que ele me ouvisse, mas Louis me indicou ele
não me ouviria, já que estava com fones nos ouvidos.
— Estamos com problemas, senhor — Louis me informou, já que a
comunicação com Sean era impossível.
— Como assim, problemas? — Pelo olhar que ele me dirigiu, deduzi
que eram graves problemas.
— Uma tempestade tropical está vindo em nossa direção. Sean quer
voltar, mas o piloto não quer. — Olhei para o meu relógio, nem meia hora.
Sean e sua boca maldita.
Percebi que Sean, entre berros, gesticulava para o piloto, tentando se
fazer entender, e o piloto fazia o mesmo.

308
Quando levei minha mão para tocar o ombro de Sean para dizer a ele
que deixasse o piloto fazer o maldito trabalho dele em paz, a pequena lata
sacudiu de um lado para o outro como se não passasse de um pequeno
confete jogado para o alto.
— Porra, que merda é essa? — berrei, mais pelo susto do que por,
necessariamente, esperar uma resposta.
— Aperte bem os cintos, senhor. — Louis levou a mão ao meu cinto
para se certificar de que estava bem seguro.
— Diga a esse piloto maluco para voltar, ou vamos acabar caindo. —
Não houve tempo para o pedido, uma segunda rajada de vento nos sacudiu
com tanta força, que meu estômago quis sair pela boca.
Olhei para a pequena janela e percebi que o avião inclinou para baixo e
para o lado, fazendo uma curva. Nesse momento, Sean berrou, dizendo que o
piloto conhecia uma pequena pista e que tentaria chegar a ela antes que a
tempestade nos atingisse com mais força. Continuei olhando para ver onde
estaria a pista que ele havia dito, quando uma rajada de vento nos sacudiu
com tanta força que bati meu rosto, sentindo o osso do meu nariz se partindo
contra o vidro da janela. Tudo começou a girar e pontos negros e luminosos
disputaram espaço na minha visão.
Apenas nesse instante, o piloto, que até aquele momento estava
tranquilo, pareceu se preocupar. Ele acentuou a descida, tentando se livrar do
mau tempo. Meu estômago revirou, minha cabeça girou com a dor do nariz
quebrado e a curva, junto com a descida alucinante, mas não tive tempo de
me preocupar muito comigo, pois nesse instante ouvi um o aterrorizante
mantra de Mayday, Mayday, Mayday…
A partir desse momento, tudo passou com uma velocidade
absurdamente rápida ou desesperadamente lenta. Meu cérebro travou. Os
gritos de Sean, de Louis, do piloto, a velocidade, as árvores que se
aproximavam… Senti algo em minha nuca forçando a minha cabeça para
baixo. Olhei e vi que era Louis, indicando-me uma posição de proteção.
Agachei, tentando me proteger. Logo a seguir veio o choque, barulho de tudo
se quebrando e o silêncio. Interessante que quando temos a certeza do fim,
todos os problemas passam a não ter nenhum peso. Só o que é realmente
importante fica e, pouco antes do fim, meu último pensamento foi para Noah.

309
Capítulo XXI

NOAH SCOTT

— Ele se foi Noah, ele se foi. O avião caiu. Desapareceu.


Se não fosse por eu precisar segurá-la, também teria caído. Peguei
Emily no colo enquanto meus olhos travaram em Rose, procurando por uma
resposta que negasse aquele pesadelo. Minha esperança era de que estivesse
havendo algum engano, mas os olhos vermelhos, tanto dela como da
enfermeira, me deram a terrível certeza.
— Como isso aconteceu? Quando aconteceu? — perguntei, forçando a
minha voz a uma calma inexistente. Enquanto acomodava Emily no sofá,
minha vontade era de urrar para expulsar a dor que havia tomado conta de
mim.
— Culpa sua. — Explodiu Rose e, agora, os olhos vermelhos do choro
me fuzilavam com fúria.
— Rose querida, por favor, não piore. — Emily pegou a minha mão
quando eu quis ir em direção à neta dela.
— Que merda você está dizendo? Como posso ter culpa da queda de
um avião?
— Calma todos, sim? — interveio a enfermeira. — Emily não está em
condições de enfrentar tanto estresse.

310
— Desculpe, digam-me o que está acontecendo. Estou perdido aqui. —
Sentei-me ao lado de Emily, afagando a sua mão. Vi que Rose, do outro lado,
estava fazendo o mesmo, afinal, a neta desalmada não era tão desalmada
assim.
— Desculpe a Rose, por favor. Ela está só supondo que você tenha
alguma culpa.
— Explique-me, por favor, Emily. — Olhei para ela, ainda sem
entender. — Não me confunda ainda mais. — O tempo estava passando e, se
o que elas haviam dito sobre a queda do avião fosse verdade, meu mundo
estaria acabado.
— Na quarta-feira, Julian veio se despedir, porque estava planejando
viajar no dia seguinte. Ontem, ele viajou para o Brasil e, de lá, trocou de
avião para continuar a viagem, segundo Poul, para um hotel que fica na
floresta amazônica. — Nesse momento, ela parou de falar e começou a
chorar. Mesmo sem querer, olhei para Rose. Não queria forçar Emily.
— Hoje, pela manhã, eles partiram e, pouco depois, a torre recebeu um
pedido de socorro. Depois disso, desapareceram. — Nesse momento, eu me
levantei, fui até a varanda e abri a porta, tentando respirar. Quando percebi, já
estava sentado no chão sem enxergar nada.
— Sr. Scott? — A enfermeira estava ao meu lado com um copo de
água e um comprimido na mão. Aceitei a água, mas não o comprimido.
Precisava estar completamente lúcido.
— Obrigado. — Devolvi o copo a ela. Ouvi a campainha tocando e ela
se levantou para ver quem era. Eu permaneci no mesmo lugar onde havia
desmoronado.
— Só não encho você de porrada por respeito a Emily. — Apenas abri
meus olhos, já não tinha força nem para levantar a minha cabeça.
Dois pares de sapatos estavam estacionados em minha linha de visão.
Um deles, esportivo, coberto pela barra de um jeans, e o outro, ponta fina,
com cordão, um tecido risca de giz cinza o cobria na altura exata. Depois de
sentir a raiva que Rose estava sentindo de mim, mesmo sem olhar, já podia
imaginar quem seria essa outra pessoa com sede do meu sangue. Poul.
Levantei a vista, tentando focalizar meus pretendentes a carrascos. Poul e
Frank estavam parados, um ao lado do outro, e os olhares deles para mim não

311
eram nada amistosos. Viajar era uma rotina na vida de Julian. Então, eu não
entendia por que estavam me culpando.
— Você é mesmo um canalha. O que está fazendo aqui? Quem avisou
você? — Frank puxou a porta da varanda, fechando nós três para fora. —
Veio até aqui fingir que sente muito? Você pode enganar a Emily e outros,
mas não a nós.
— Ninguém me chamou — informei sem me dar o trabalho de
cumprimentar e muito menos me levantar. Não confiava em mim para me
sustentar sobre meu par de pernas inúteis.
— Para o inferno! Você é muito cara de pau mesmo. Se eu soubesse
que seu cinismo chegaria a tanto, teria avisado o porteiro para impedir a sua
entrada. — Enquanto Poul se controlava para não berrar, Frank mantinha a
porta vigiada e fechada.
— Escute aqui, seu imbecil, não pense que vou ficar calado ouvindo
esse monte de merda saindo da sua boca direto para os meus ouvidos. —
Mesmo com pouca sustentação nas pernas, forcei meu corpo para cima e o
encarei de frente. — Vou repetir, ninguém me chamou, ninguém me avisou.
Só fiquei sabendo agora. Acabei de chegar.
— Depois do que você aprontou, Emily não deveria ter recebido você,
mas eu vou dar um jeito de botar sua carcaça para fora daqui.
Ele fez menção de me deixar plantado ali, sozinho, mas eu o segurei
pelo braço. Ele não ia me dizer um monte de asneiras e me deixar como se
nada tivesse acontecido.
— Calminha aí, meu chapa. Sei que aprontei, mas isso é entre mim e
Julian. Não tem nada a ver com vocês.
— Como não? Tudo que afeta Julian tem a ver conosco, sim. Você agiu
com um idiota com ele, você o deixou sem rumo. Por que acha que ele quis
se embrenhar em uma selva desconhecida? A culpa é sua, sim! — Nesse
momento, ele começou a levantar a voz, perdendo o controle.
— Calma, vocês dois — Frank interveio. — Vamos entrar, Poul. Não
vale a pena perder tempo com esse cara. Emily está precisando de nós.
— Só para vocês saberem — segurei com força o braço de Frank, que

312
se livrou da minha mão como se estivesse contaminada —, sei que fiz uma
cafajestada com ele, mas eu estava voltando para solucionar tudo isso e,
como eu tinha prometido a ele, voltei livre. Pedi o divórcio. — Esperei que
com essa informação a raiva deles por mim diminuísse, mas Poul dirigiu-me
um olhar que era um pouco menos que de nojo.
— E o que você quer? Que eu salte de alegria? Essa notícia você
deveria ter dado a ele! Pena que demorou tanto para se resolver, que agora já
é tarde. — Com isso, ele afastou Frank da porta e passou por ela, nos
deixando do lado de fora.
— Espere-o se acalmar. E você, também, trate de se acalmar — Frank
disse ao mesmo tempo em que se colocava em frente à porta, impedindo-me
de segui-lo.
— Muito fácil para vocês se acalmarem, não? Já o mataram antes de
terem notícias.
— Desisto. — Os olhos de Frank brilharam de fúria. — Você é mais
estúpido do que eu pensava. Você não merece Julian. — Depois dessas
palavras, ele também começou a abrir a porta para entrar, mas eu o detive
novamente.
— Sim, é apenas isso que estão fazendo. Desistindo.
— É isso que você acha? Pensa que somos iguais a você? Ainda fico
pensando o que Julian viu em você e não viu em Poul. — Ele deu dois passos
em minha direção e, depois, parou, analisando-me.
— Se não é isso, então me explique por que estão aqui discutindo
comigo e não tentando encontrá-lo. — Desviei-me dele sem dar importância
à análise que estava recebendo e levei a minha mão à maçaneta da porta. O
tempo estava passando e se eles não iam se mexer, eu iria. — Com licença.
No momento, minha raiva estava se igualando à minha dor. Isso fez
com que a minha capacidade de raciocínio subisse a uns oitenta por cento.
Não era muito, mas bastava para saber o que deveria ser feito e, com certeza,
ficar discutindo com Frank não era uma das opções.
— Para onde ele foi? Onde aconteceu o acidente? — interpelei Poul,
que estava sentado ao lado de Emily, dando conforto a ela. — Estou indo a
qualquer lugar que ele tenha ido.

313
— Você não precisa fazer todo esse circo. — A voz dele estava
enganosamente calma. — Já estou em contato com as autoridades brasileiras.
Além disso, Oliver, o comissário de bordo, não os acompanhou, ainda está na
cidade. Estou com uma equipe de sobreaviso e se não tivermos notícias até
amanhã, eu irei atrás dele.
— Ele está bem — Emily disse baixinho, como se fosse um pedido,
uma oração, e eu esperava que fosse verdade.
— A notícia já deve estar se espalhando. — Rose, que até o momento
estava quieta, se levantou e foi em direção à TV.
— Não, Rose, melhor não. — Comecei a tremer, pois sabia do porquê
de Poul não querer a televisão ligada. Às vezes, a mídia jogava qualquer
coisa nas redes, sem qualquer consideração às famílias.
— Eu não vou conseguir aguentar até amanhã. — Levantei-me e
comecei a andar pela sala, que mesmo sendo grande, eu me sentia sufocado.
— Eu ainda não sei o que você continua fazendo aqui. — Olhei para
Poul com cansaço, eu não tinha energia para entrar em mais uma discussão
com ele.
— Meninos… por favor! — Emily tentou dar uma bronca, mas a voz se
perdeu em um murmúrio lamentoso.
— Sinto muito, Emily. — Vi Poul abraçando-a enquanto sentia o meu
celular ganhando vida em meu bolso.
— Diga-me que é mentira — antes que eu respondesse qualquer coisa,
Kate gritou do outro lado da linha.
— Não sei o que você quer saber se é mentira, Kate.
Como estávamos com a TV desligada, eu não sabia a que ela estava se
referindo e esperava que fossem apenas as notícias sobre o desaparecimento
da aeronave.
— Está em todos os telejornais. Dizem que Nath está desaparecido no
Brasil. — Saí da sala e fui em direção à cozinha. O balcão estava com uma
bagunça de mistura de farinha, maçãs e mirtilos.
— Sim, Kate, ainda não sabemos nada além disso, mas já estão

314
tomando providências para procurar por ele. — Peguei uma das pequenas
esferas azul e coloquei na boca, imaginando que talvez Emily estivesse
fazendo aquela torta para ele.
— Sinto tanto, Noah. Gostaria de estar aí com você, imagino como
você deve estar sofrendo. — Concentrei-me no ato de mastigar. Se eu
desviasse a minha concentração, eu desmontaria.
— Ele está bem, sei que está. Logo vão encontrá-lo e tudo não terá
passado de um terrível pesadelo. — Tomei a lição de Emily, era apenas nisso
que eu deveria me concentrar, ele iria ficar bem. Para mim, não poderia
existir outra opção.
— Você tem razão, ele está bem. — Por um tempo, houve apenas
silêncio. Quando pensei que a ligação tivesse caído, ouvi novamente a voz
dela: — Não pode ser de outra forma, ele tem que estar bem.
A partir desse momento, esse seria meu mantra. A minha mente não
registraria nem aceitaria nada além disso. Ele está bem. Conversei com Kate
sobre planilhas, planos, fazenda, até ficar sem assunto e começar a falar sobre
a quantidade de galinhas – qualquer coisa que fosse fazer o tempo passar sem
tocar no nome dele. Desliguei e voltei à sala. Poul estava encerrando uma
ligação e a frustração estava não só estampada em seu rosto, mas em todo seu
corpo. Ele levantou o olhar em minha direção e, pela primeira vez desde que
eu havia chegado, havia algo mais que raiva.
— O que aconteceu?
— Por hoje, eles encerraram as buscas. Refizeram a rota e não
encontraram nenhum vestígio de queda de aeronave.
Ele voltou a sentar-se e Frank fez o mesmo. Emily parecia alheia a
tudo. A enfermeira apenas esfregava uma mão contra a outra. Ninguém
parecia ter algo importante para dizer. Percebi que a mão de Rose deslizava
de forma suave sobre o braço de Emily, e nenhuma das duas parecia
perceber. Por um momento, pensei que Julian gostaria de ver o que estava
acontecendo – Rose estava sendo gentil com a avó sem que para isso uma
arma fosse apontada para a sua cabeça ou sacudido um cartão ilimitado em
frente aos seus olhos. Ele iria adorar saber disso.
— Será que tem algum bicho perigoso por lá? — De repente, todas as

315
cabeças estavam apontadas em minha direção.
— O que você disse? — Emily havia feito a pergunta olhando para
mim, mas eu não entendi o porquê.
— Nada. Eu não disse nada — respondi, sem ter muita certeza sobre o
que estávamos falando.
— Você está preocupado com ele. Eu também estou…
— Desculpe, não pensei que tivesse falado em voz alta. — Percebi que
havia falado e não apenas pensado.
— Não se desculpe. Eu também estava pensando a mesma coisa. Se ele
está com frio, se molhou com a chuva, sabe? Coisas assim… — Um
murmúrio tomou conta da sala, como se todos estivéssemos com os mesmos
pensamentos. Um ponto bom era que isso queria dizer que todos os
pensamentos eram positivos. Ele estava bem e iria conseguir sair dessa.
Poul era quem não ficava quieto. Passou o tempo todo ao telefone com
as autoridades brasileiras ou com a embaixada dos Estados Unidos. Estava
movendo todos os contatos para que fizessem tudo o que pudessem. Já
passava das oito da noite quando Holly chegou e, de novo, a enfermeira teve
que controlar a situação para que Emily não sofresse ainda mais, mas não
houve jeito, elas ficaram abraçadas, chorando por quase meia hora. Depois
disso, Holly desapareceu na cozinha.
— Aposto que ninguém aqui comeu nada ainda. — Ela colocou sobre a
mesa de centro uma bandeja grande com vários sanduíches. — Rose, querida,
você pode me ajudar, por favor?
Holly voltou a desaparecer pela porta da cozinha, e Rose a seguiu de
boa vontade, talvez estivesse desesperada para se ocupar com alguma coisa.
Pouco tempo depois voltaram trazendo comida não só para um batalhão, mas
também para vários dias. Todos vimos o exagero, mas ninguém falou nada,
mesmo que os nossos pensamentos fossem tudo, menos comida.
Estávamos sem fome, mas passamos as próximas duas horas comendo
e bebendo, enquanto discutíamos o que já havia sido feito e o que ainda
poderíamos fazer. Eu comia sem vontade, era apenas uma forma de passar o
tempo. As horas passavam e ficar sem notícias não era uma boa opção.
Depois de um tempo, Emily foi vencida pelo cansaço e Rose a ajudou a ir

316
para a cama, assim como a enfermeira.
— Sr. Scott, eu vou ficar no apartamento do sr. Fox e vou deixar o
quarto preparado. — Nós três olhamos para Holly.
— Obrigado, Holly, mas vou procurar um hotel. — Na situação em que
as coisas estavam, eu não me sentiria a vontade.
— Ouça-me, Noah, acho que seria bom você ficar por perto. — Não
esperava isso vindo de Poul.
— Como disse?
— Sei que você foi um idiota, mas se voltou para ele, talvez seja
melhor esperar por aqui.
Suspirei. Eu estava há mais de quarenta e oito horas acordado, pensei
que a minha mente estivesse me pregando alguma peça. Talvez eu ainda
estivesse na fazenda, sem coragem de me abrir e pedir o divórcio, e Julian,
nesse momento, estivesse se divertindo ou dormindo naquela que tinha sido a
nossa cama por uma semana.
— Acho que vou dormir um pouco, estou começando a ouvir coisas. —
Levantei-me e peguei meu celular que estava sobre a mesa. Já era tarde, mas
eu precisava procurar um hotel.
— Você não mentiu quando disse que não sabia de nada. Estive
calculando e, com o fuso horário e o tempo de voo, você estava voando no
momento em que ocorreu o acidente, então não tinha como saber. Você
estava voltando sem saber, acho que isso conta alguns pontos a seu favor.
— Não preciso que você me diga o que eu já sei. Eu vou procurar um
hotel e amanhã, se não houver notícias, vou ao Brasil. Eu mesmo vou
procurar por ele. — Fui em direção à porta e peguei a alça da minha mala.
— Vamos todos ficar no apartamento de Julian. Já conversei com a
Chris e ela se encarregará de administrar tudo na empresa. Amanhã aquilo vai
se transformar em um inferno e eu não vou querer estar lá, acredite.
— Não acho que eu ficar no apartamento dele seja uma boa ideia. Não
vou me sentir bem. — Soltei novamente a alça da minha mala e sacudi a
cabeça.

317
Eu precisava descansar. Não que ao deitar eu fosse dormir como um
anjo, mas, depois de tanto estresse e horas sem sono, meu corpo estava
colapsando.
— Já está decidido. Eu vou lá avisar a Rose que vamos ficar no
apartamento dele. Será melhor para todos, assim também ficaremos perto de
Emily. Sei que Julian não gostaria que a deixássemos sozinha. — Dito isso,
ele foi em direção ao quarto para avisar que estávamos saindo.
Fomos pela escada até o próximo andar. Ele abriu a porta e eu não pude
deixar de me lembrar do meu último dia, nosso último dia antes de eu partir.
Evitei qualquer pensamento mórbido e voltei ao meu mantra “ele está bem”,
que era a única coisa que evitaria que eu enlouquecesse.
— Vocês vão ficar aqui! Não sabem como fico feliz. Essa casa estará
muito triste sem ele — Holly apareceu falando, vindo da cozinha. — Vou
preparar os quartos… Bem, na verdade, está tudo arrumado, só vou dar uma
olhada para ver se falta alguma coisa.
Arrastei tanto a minha mala quanto o meu corpo escada acima, seguido
de perto por Poul e Frank.
— Nós vamos ficar no quarto de hóspedes. Só vou entrar e pegar um
par de moletons ou pijamas.
— Lá em cima tem um bom sofá. Vou ficar lá. — Comecei a subir as
escadas, afinal, no último andar tinha tudo de que eu precisava.
— Não, você fica no quarto de Julian. Se o que sente por ele for
verdadeiro, fique no quarto dele, na cama dele, acho que podemos dizer de
vocês, não? Isso não quer dizer que você não foi um canalha idiota, mas esse
é um assunto que você vai terá que resolver com ele — repetiu novamente.
Ele passou por mim e seguiu atrás de Holly, que havia desaparecido
dentro do quarto de Julian. Pouco depois, reapareceu trazendo algumas peças
de roupas. Ouvi os dois dizendo boa-noite, então respondi, mas continuei
parado no meio do corredor. A culpa começou a pesar. Talvez eles tivessem
razão, se eu não tivesse sido tão covarde, nada disso teria acontecido.
— Você precisa descansar. — Holly estava parada à minha frente com
os braços cruzados em frente ao corpo, como se fosse uma mãe que tivesse
pegado o filho em uma travessura.

318
— Sim, vou tentar dormir um pouco. Poul me disse que eu podia ficar
aqui, no quarto dele. — Raspei minha garganta, afinal, ela era a encarregada
da casa e, se ela não aceitasse que eu ficasse no quarto do patrão dela, eu teria
que procurar outro lugar.
— Sim, ele tem razão. O sr. Fox não iria gostar que fosse diferente.
Venha, já está tudo arrumado. Se querem ajudá-lo, vocês precisam dormir e
se alimentar. Não vão conseguir resolver nada com fome e com sono. Agora,
entre nesse quarto e trate de dormir. Sei que meu Julian gostaria que fosse
assim.
Ouvi o boa-noite e, depois, os passos apressados enquanto ela descia as
escadas. Entrei e fechei a porta atrás de mim. Minhas pernas ameaçaram
fraquejar, mas não permiti, Julian precisava de mim forte. Inspirei várias
vezes o cheiro delicioso dele que estava no ambiente. Puxei minha mala e a
deixei em um canto do closet. Abri as gavetas, puxei um moletom – eu
precisava de algo dele sobre mim. Só me dei conta de como estava cansado
quando apoiei a cabeça sobre o travesseiro. Por mais que eu quisesse ficar
acordado e planejar alguma estratégia, meu cérebro se recusou e apagou.
***
— Estamos enviando uma equipe e o sr. Scott estará encarregado. —
Eu estava sentado ao lado de Poul ouvindo as informações que ele estava
passando. Ele havia organizado uma coletiva de imprensa para informar
todos os avanços na busca pela aeronave.
— Sim, mas não seria melhor deixar com quem tem experiência nesse
tipo de busca? — um dos repórteres questionou.
— Não importa. Eles podem trabalhar e, quanto mais pessoas ajudando,
melhor. Além disso, eles desapareceram ontem e as buscas ainda não
conseguiram nada. — Cada dia que passava significava um dia a menos para
ele. Além disso, a cada hora era uma informação falsa que chegava.
— Segundo ficamos sabendo, o problema são as chuvas tropicais, e o
lugar para onde estava indo era muito perigoso. Afinal, o que ele estava
fazendo lá? — um dos repórteres perguntou.
— Eu ouvi bem? Você está insinuando que a culpa é dele? Essa merda
de reunião está encerrada.

319
Poul, sempre tão calmo, nesse momento berrou, expulsando a todos. Eu
também queria estrangular o maldito repórter. A insensibilidade dele era fora
do comum. Como a reunião havia sido realizada no salão de eventos do
edifício onde Julian morava, tivemos apenas que tomar o elevador de volta
até o apartamento.
— Para que horas você marcou o voo? — Esperava que fosse para dali
a cinco minutos, eu não aguentaria esperar mais do que isso.
— Para uma da tarde. Já organizamos tudo para iniciar as buscas
amanhã cedo por nossa conta. Você terá também uma equipe de três médicos
e duas enfermeiras que se voluntariaram para ajudar. — Ele se jogou no sofá
e tomou a cabeça entre as mãos.
Fui até a mesa onde estavam Samuel e Harry, dois especialistas em
floresta amazônica. Eles estavam estudando os mapas e as possíveis rotas que
poderiam ter tomado. Todas as possibilidades estavam marcadas e
enumeradas, não podíamos deixar passar nada. No Brasil, já tínhamos outra
equipe – alguns soldados da reserva que conheciam a floresta estavam
dispostos a se unir a nós para ajudar nas buscas, além de guias locais.
Helicópteros, barcos, lanchas, tudo que fosse ser possível usar, nós
usaríamos.
Eu estava indo com o coração na mão. Minha esperança de encontrá-lo
vivo seria a última a desaparecer, mas eu sabia que estávamos correndo
contra o tempo. Ainda assim, eu só voltaria do Brasil com ele. As condições
não importavam. Deixei-os estudando os mapas e conversando com as
autoridades e os voluntários para acertarem os últimos detalhes, e subi para
ver o que eu precisava levar. Minha mochila consistiria no estritamente
necessário.
Enquanto eu subia as escadas, o celular de Poul começou a tocar e
continuou tocando. Parei para ver por que ele não atendia. Ele estava
estendido no sofá com o braço cruzado sobre o rosto, enquanto o telefone
jogado sobre o tapete continuava tocando. Nesse momento, Holly também
saiu da cozinha para ver o que estava acontecendo. Eu já imaginava que isso
poderia acontecer não só com ele, mas com qualquer um de nós.
— Não quero mais atender esse maldito telefone e só receber notícias
ruins. Estou cansado.

320
Sentei-me ao lado dele e trouxe a sua cabeça ao encontro do meu peito.
Sabia como ele deveria estar se sentindo, afinal, desde o acidente ele tomara a
frente de tudo. Olhar o celular sem ver ou ouvir nada de bom deveria estar
acabando com ele. Peguei o telefone e olhei quem estava chamando. Era de
um número desconhecido. Meus batimentos cardíacos se aceleraram. Talvez
fosse Julian ligando de algum telefone emprestado.
— Sim?
— Sr. Cooper? — Ouvi uma voz forte e ao mesmo tempo feminina,
compatível com a de uma mulher jovem. Olhei para Poul, não sabia se esse
era o sobrenome dele.
— Um momento — disse. — Poul, seu sobrenome é Cooper?
— Quem quer saber? Desligue se for mais um repórter idiota. — Ele se
livrou do meu abraço, desmoronando novamente sobre o sofá.
— Quem deseja saber? — perguntei. Também não estava com saco
para abutres.
— Meu nome é Marjorie, prima de Julian. — Ao ouvir isso, afastei e
olhei para o celular como se, com isso, pudesse entender o que estava
ouvindo. Nunca soube de nenhum parente dele.
— Ah, sim, senhorita. Como posso ter certeza que não é mais uma
repórter em busca de uma história mórbida? Falando nisso, qual é o seu
sobrenome?
— Sou prima dele, sim. Esse número que estou ligando é do sr. Cooper,
Poul Cooper? Foi Fox quem nos deu. É um numero que deveríamos usar em
uma emergência. Nunca precisamos dele, até hoje. Estou na cidade com mais
dois primos. Queremos ajudar. — Ela tinha dito tudo em um só fôlego para
que eu não tivesse oportunidade de desligar antes de ouvir até o final.
— Sei, mas… Não precisamos de ajuda. Vocês não deveriam ter vindo.
— Esperava que, assim, a pessoa do outro lado, que eu tinha quase certeza
ser uma repórter, desistisse.
— Sr. Cooper, nós podemos ajudar, acredite. — Ela estava me
confundindo com Poul.
Olhei para Poul, que parecia estar querendo desistir. Não ia incomodá-

321
lo com uma maluca se passando por parente de Julian. Sem esperar por mais
desculpas, desliguei.
— Poul, eu vou terminar de arrumar a minha mochila. Dei um fora na
louca que estava dizendo ser parente dele. — Ele apenas assentiu, cansado.
— Sr. Scott? — Levantei o olhar para Holly parada no meio da sala,
olhando para nós dois.
— O que aconteceu Holly? — Não me atrevi a ficar sobre as minhas
próprias pernas.
— Ligaram da portaria. Tem algumas pessoas lá embaixo falando que
são parentes do sr. Fox. — Inferno! Pensei, mas a minha vontade era de
berrar. O que essas pessoas tinham que não podiam nos deixar? — O que eu
digo?
— Diga que vou descer e colocá-los para correr. — Dispensei-a e ela
desapareceu pela porta da cozinha, aliviada.
Imaginava que a garota já estava na portaria quando ligou se fazendo
passar por prima de Julian. Eu estava frustrado e ia despejar sobre ela toda a
minha ira e frustração. Saí do elevador e caminhei em direção à entrada, que
era onde eu imaginava que ela deveria estar, mas tive que parar e reformular
tudo o que eu havia planejado.
— Sr. Cooper? — Ela e mais dois homens estavam parados à minha
frente e eu estava estático.
— Desculpe. Não, não sou Poul. — Arranhei a minha garganta e tomei
a mão que ela estava me estendendo. — Sou Scott. Noah Scott.
Eles não eram irmãos gêmeos de Julian, mas não podia negar o
parentesco que havia entre eles. Os três parados à minha frente eram quase
idênticos – altos, fortes, cabelos lisos e negros, amarrados em um rabo de
cavalo iguais aos de Julian –, e foi isso que me fez saber que era verdade a
história do parentesco. Apenas os olhos eram diferentes, enquanto os deles
pareciam perfeitos ônix, os de Julian eram de um azul profundo. Muitas
vezes eu me havia perdido naquele olhar como se estivesse mergulhando no
buraco azul do mar de Belize.
Minha boca não queria fechar, porque aquelas pessoas paradas à minha

322
frente, que diziam ser parentes dele, eram indiscutivelmente nativos, ou
indígenas, ou índios – eu já nem sabia como se denominavam. A pele de
Julian era um pouco mais clara, mas, mesmo assim, o avermelhado cobre das
peles não deixava negar. Igualmente, os rostos fortes e quadrados eram
idênticos ao dele.
— Bom dia, sr. Scott. Sou Brad. Esse aqui ao meu lado é Peter e, como
a minha prima disse ao telefone, viemos porque achamos que podemos ajudar
— um deles se apresentou quando viu que eu estava ficando catatônico.
— Acho melhor subirmos. — Indiquei a eles o elevador — Não vamos
ficar conversando aqui.
— Obrigado. Queríamos vir antes, mas foi impossível.
Digitei o código da cobertura de Julian e depois olhei para eles,
tentando entender o que tudo isso significava.
— Poul? Abra o olho. Você deve me explicar o que significa isso. —
Agachei-me ao lado do sofá e disse baixo enquanto dava uma sacudida suave
nele.
— Que merda, Noah, me deixe só um segundo, por favor. — Ele tratou
de empurrar a minha mão enquanto mantinha o braço firmemente sobre os
olhos. — Estou tentando pensar.
— Tudo bem, mas eu só queria lhe apresentar os primos de Julian. —
Isso fez com que ele estivesse sentado reto no sofá em milésimos de segundo,
como se tivesse sido impulsionado por uma mola.
— O quê? — Não foi preciso dizer nada já que, ao estar sentado, ele
pôde ficar cara a cara com os três.
— Estes são Marjorie, Peter e Brad. — Indiquei com a mão os três que
estavam parados em frente a ele.
— Eu sou Marjorie Little Eagle. Estes são Peter Black Fox e Brad Fast
Bear, respectivamente — a garota disse, fazendo da mesma forma que eu
havia feito, indicando cada um deles —, assim como o nosso primo, Julian
Red Fox.
— O quê? — repetiu Poul como se o cérebro dele, sempre tão ágil,
estivesse travado.

323
— Parentes, Poul. Eles são primos de Julian — decidi intervir, já que
ele parecia um robô agindo com a bateria esgotada.
— Como vocês devem ter percebido, Julian não é de falar muito sobre
seu passado e, principalmente, sobre a família. Ele nunca nos falou sobre
nenhum parente. Eu vivi com ele por anos, mas só algumas semanas atrás
fiquei sabendo da existência de Noah. — Por fim, parecia que a mente de
Poul havia voltado a se conectar com ele.
— Essa é uma longa história, que não vem ao caso no momento.
Estamos aqui e faremos tudo que for possível para ajudar, se não para
encontrá-lo vivo, para trazer seu corpo de volta para casa. Desculpem — o
que se chamava Peter – ou Black Fox – falou, se desculpando.
— Não se desculpem, somos realistas. — Ao dizer essas palavras, meu
coração ardeu com o medo de nunca mais vê-lo sorrir para mim novamente.
— O nosso desejo é o mesmo de vocês. Estamos formando uma equipe de
busca por nossa conta. Se quiserem se unir a nós, toda ajuda é bem-vinda.
— Sim, se ele sobreviveu à queda, as chances de sair de lá com vida
são grandes. Ele pode ser um garoto da cidade, mas esteve vivendo conosco
durante um ano e ensinamos muito a ele. Ele vai saber usar, para sobreviver,
tudo que aprendeu. Além disso, o sangue não nega, ele é um dos nossos. —
Brad colocou orgulho ao terminar de dizer que Julian era um deles. Não
havia com negar, Julian era realmente um deles.
— Eu sei que se tiver uma chance, ele vai saber usar a seu favor. Mas
você há de convir que aquela floresta é muito diferente das que temos por
aqui.
Saímos do sofá e nos dirigimos à mesa onde os dois especialistas que
estavam nos ajudando haviam parado de analisar os mapas para prestar
atenção nos nossos recém-chegados e em nossa conversa.
Poul os apresentou e, no mesmo instante, eles começaram a analisar os
mapas e a discutir sobre o clima, os animais e todas as diferenças entre o
ambiente que haviam sido criados e com o qual estavam acostumados, e o
que eles estavam decididos a enfrentar. Enquanto Poul ligava para o piloto
passando os dados dos nossos novos integrantes, eu subi para buscar as
minhas coisas.

324
Sabíamos que as chances eram poucas e que a cada volta do relógio
elas diminuíam drasticamente.

325
Capítulo XXII

JULIAN FOX

— Sr. Fox — ouvi uma voz fantasmagórica vindo não sabia de onde.
— Sr. Fox, responda, pelo amor de Deus.
Tentei responder, mas minha boca doía, impedindo-me de abri-la.
Pensei um pouco e não era apenas minha boca que doía, e sim todo meu
corpo. Percebi que meu rosto estava molhado e frio. Um barulho e minhas
costas foram liberadas e, para o meu horror, vi que o frio e molhado era
sangue. Algo pressionou o lado do meu rosto.
— Não sei se ele está vivo. — Era a voz de Louis. Com isso, pude
saber que ele estava falando com Sean.
Respirei devagar, tentando fazer uma checagem mental rápida do meu
corpo para ver se sentia algum osso quebrado. Parecia que estava tudo no
lugar.
— Estou vivo. Só não sei em que condições — falei sem me dirigir a
ninguém em especial. — E vocês, como estão?
— Eu não consigo ver a minha perna. Acho que está quebrada. Está
doendo como o inferno e a minha calça está manchada de sangue — Louis
reclamou. Tratei de me mexer devagar. Não sabia onde e nem em que
condições me encontrava.

326
Quando, por fim, pude mover a cabeça e ver alguma coisa, preferiria
não ter visto nada, Louis estava no banco com a cabeça entre as pernas ou
com as pernas entre a cabeça. Era uma posição bastante estranha. Com muito
esforço, pude ver o piloto. Não sabia se estava morto ou apenas inconsciente.
— E o piloto? Dá para ver como ele está? De onde estou, parece que
está morto.
— Está respirando, mas inconsciente. — O braço de Sean havia se
estendido para tocar o piloto, que continuava com a cabeça largada sobre o
ombro. — Acho que bateu forte o rosto. Está sangrando.
Reunindo minhas forças, ajeitei devagar meu corpo com medo de ter
alguma parte quebrada de verdade. Na realidade, estava me sentindo
quebrado da cabeça aos pés. Consegui sair da posição em que estava e ajudei
Louis. Era como se eu estivesse em uma lata de sopa amassada. Da posição
em que me encontrava, vi que Sean também havia começado a se mover.
— Parece que estamos todos vivos. Eu, pelo menos, acho que não
quebrei nada além do nariz. — Coloquei minha mão sobre meu nariz para
confirmar e ela voltou vermelha de sangue. Seria melhor não mexer e esperar
que o sangramento parasse.
A chuva continuava. O lugar onde nos encontrávamos estava
acumulando água. Olhei através das janelas estilhaçadas, mas não consegui
ver nada além de mato e chuva. No momento, a nossa melhor opção era
permanecer onde estávamos até a água parar de cair, já que não teríamos
problema de incêndio. Estávamos mais para morrer afogados, tal era o
dilúvio que despencava fora da nossa prisão. Um gemido vindo do banco do
piloto desviou a minha atenção da chuva para onde ele estava. Sean estava
soltando o cinto que o segurava ao assento para que ele pudesse ficar em uma
posição mais confortável.
— E aí, como ele está?
— Não sei. Ele deve ter batido a cabeça com muita força. O corte já
está parando de sangrar e ele continua respirando. Isso é bom, não?
Sim. Pensei. Saber que todos ainda conseguíamos colocar ar em nossos
pulmões era uma boa notícia, sim.
— Não sei como ainda estamos vivos e inteiros. Pensei que seriam as

327
minhas últimas horas nessa vida — falei, enquanto me apalpava, ainda
tentando descobrir algum osso quebrado. Respirei aliviado quando pude
constatar que estava inteiro.
— O louco aqui conseguiu forçar a aterrissagem sobre um rio que não
deveria ter nem dez centímetros de água e lama. Isso nos salvou. O problema
agora é que, com essa chuva, a água pode subir. Temos que arranjar uma
forma de sair daqui, agora.
Quando ele disse “rio”, um frio subiu pela minha coluna e,
inconscientemente, forcei meus pés para cima.
— Porra, Sean! Ele não tinha outro lugar para cair não? — Eu
realmente estava apavorado. — Não morremos na queda, mas vamos morrer
devorados por uma dessas serpentes gigantescas.
— Eu continuo vivo, ou estou morto, no inferno? — o piloto gemeu,
voltando à consciência.
— Você está vivo, mas eu não sei se agradeço por você conseguir
aterrissar essa lata e nos deixar inteiros, ou se o mato por nos meter nessa
enrascada. — Afinal, como Sean havia dito, a lata não aguentou nem meia
hora no ar.
Louis tentou abrir a porta, mas estava emperrada, tentou novamente
com o ombro, e a porcaria não saiu do lugar. Fui até ele e, unindo forças, nos
esprememos para empurrá-la. Conseguimos abrir um espaço suficiente para
que pudéssemos passar, ainda bem que nenhum de nós era gordo. A chuva já
não caía com a mesma intensidade, mas a água parecia estar subindo rápido.
Ajudei Louis a sair e o deixei encostado em uma árvore. Olhei ao redor,
procurando um lugar melhor, mas não havia nada. Voltei para ajudar Sean e o
piloto.
— Temos que sair da margem. Essa água vai subir cada vez mais
rápido.
— Sim, eu também não quero ficar dentro e nem perto dessa água suja.
Sei lá o que está escondido dentro dela. — Olhei para os sapatos finos
destruídos de Sean e Louis e para os tênis do piloto.
— Podemos procurar abrigo e esperar a chuva parar um pouco mais
antes de tentar sair daqui — ouvi o piloto dizendo e não quis acreditar no que

328
ele estava sugerindo.
— Como assim, sair? Temos que esperar o resgate aqui. É perigoso sair
caminhando mata adentro.
— Acontece que ele desceu rápido e fez uma curva longa, com isso, se
distanciou da rota. Também não tivemos retorno no nosso pedido de ajuda,
acho que não nos ouviram e, se nos ouviram e responderam, nós não os
ouvimos. Tudo isso é uma grande merda — praguejou Sean enquanto
ajudava o piloto a sentar-se ao lado de Louis.
Agora, com a água caindo sobre as nossas cabeças, o rosto dele estava
vermelho. Não sabia se havia voltado a sangrar ou se era apenas o sangue
seco que estava se misturando com a água. Depois de ouvir as péssimas
notícias fornecidas pelo piloto e por Sean, decidi pegar a minha mochila. A
água continuava subindo.
— Onde estão os primeiros socorros? — perguntei. Já que estávamos
na merda, era melhor estarmos preparados. — Temos que retirar tudo que nos
possa ser útil antes que a água inutilize.
— Sim, vou entrar e passar para o senhor, já que somos os que estamos
bem — Sean disse, entrando novamente no pequeno espaço que já estava
sendo invadido pela água.
Não sabia se a palavra correta seria “bem”. Eu sentia que o meu corpo
estava como tivesse sido atingido por uma massa de destruição. Só o fato de
colocar um pé em frente ao outro, eu podia sentir onde cada osso, músculo e
veia estavam. Tudo doía.
Peguei a minha mochila e as deles, levei-as e as deixei ao lado de
Louis. Voltei para pegar a caixa de primeiros socorros, levei-a e a deixei
longe da margem também. Por último, Sean voltou a descer, trazendo uma
lona e uma pequena caixa de ferramentas que havia encontrado atrás de um
dos bancos.
— Não tem mais nada que possamos usar? — Ele estava colocando a
lona sobre nossas cabeças, improvisando com ela uma barraca de
emergência.
— Infelizmente não, mas isso vai nos abrigar até a chuva passar, já que
estamos molhados, mas nem tanto.

329
Olhei dentro da caixa que ele havia depositado no chão e vi que tinha
uma faca, corda, machadinha, isqueiro, lanterna e dois sinalizadores que, na
nossa atual situação, para mim, eram os itens mais importantes. Estávamos
no meio do nada. Olhei para o relógio que eu tanto gostava e que, no
momento, estava enlameado. Ideia idiota vir para a floresta com ele. Ainda
não era meio-dia.
— Louis, como você está, cara? — Mesmo com a pouca claridade,
culpa das nuvens de chuva e da vegetação fechada que impediam a luz do
dia, fazendo o dia parecer noite, dava para perceber a palidez no rosto dele.
— Bem — resmungou.
— Vamos dar uma olhada nessa perna. — Ele olhou para mim em
pânico. Só com isso percebi que ele deveria estar sentindo muita dor, estava
com medo de ter minhas mãos sobre ela.
— Não precisa.
— Calma, só vou olhar. Sean, empurre a calça dele para cima.
Com cuidado, Sean foi empurrando a barra da calça até parar no joelho.
Além de estar com o osso da rótula e tíbia quase expostos em um corte
profundo, do joelho para baixo também estava inchado.
Puxei e abri a caixa de primeiros socorros que havíamos resgatado do
pequeno bimotor, que agora já estava até a metade submerso na água
lamacenta. Fucei dentro dela, procurando algo para higienizar o local. A
vantagem de Louis era que a calça, mesmo rasgada, havia protegido o local
ferido da lama.
— Você está vacinado contra tétano? — perguntei, uma vez que não
sabia como ele tinha se ferido e poderia ter sido com algum material
enferrujado. Procurei por algo que pudesse me ajudar a fazer a higienização
do local.
— Não, senhor, as únicas vacinas que o senhor Poul nos ordenou fazer
na emergência foram para as doenças tropicais — ele informou com a voz
baixa, deixando-me preocupado. — Mas acho que a última que eu fiz ainda
não completou dez anos. Deve ajudar — completou.
— Sim, deve ajudar — respondi. Não sabia até que ponto poderia
ajudar, mas era melhor que nada.

330
— Aí dentro tem aspirinas. Quero tomar uma, minha cabeça está
latejando — o piloto gemeu ao meu lado.
Desviei minha atenção da perna de Louis para olhar para ele, que
estava uma bagunça. Os cabelos com resto de sangue grudados no rosto me
davam uma visão de um caminhante de The Walking Dead. Minha mente
gemeu de horror. Achei os comprimidos.
— Porra, cara! Todas vencidas. Que merda! Para que você as tem, se
não as renova? Isso é muita irresponsabilidade.
— Não pensei que estivessem vencidas — ele voltou a gemer.
— Procure uma sacola dentro da minha mochila, Sean. Eu guardei
algumas aspirinas nela. Pegue camisetas, também. Acho melhor trocar essas
roupas molhadas ou corremos o risco de adoecer. — Ele me entregou a
sacola e uma camiseta seca.
Tirei minha camisa molhada e troquei pela camiseta. Peguei o frasco de
aspirinas, mas vi um anti-inflamatório que eu havia guardado. Dei um
comprimido a Louis e outro ao piloto. Olhei a hora, em seis horas daria outro.
Peguei para mim duas aspirinas e as engoli em seco – nada de água. Ofereci a
Sean, que me olhou como se eu fosse louco por estar distribuindo
comprimidos como se fossem caramelos.
— Sei que é errado, mas temos que pensar em uma possível infecção
na perna de Louis e na cabeça do nosso piloto. Além disso, se não for assim,
não vou poder caminhar de tanta dor que estou sentindo.
— Está bem. O máximo que podemos levar será uma bronca de algum
médico mais tarde. — Ele pegou duas esferas brancas e seguiu o meu
exemplo, engolindo-as.
— Agora, vamos falar de coisa séria. Primeiro, onde estamos? Quero
dizer, você estava tentando chegar a uma pista, não? — fiz a pergunta ao
piloto, que estava meio sentado e meio inclinado ao meu lado e, a cada
instante, expulsava um gemido de dor.
— Eu pensei que desse para chegar lá, mas depois percebi que não
daria. Foi aí que vi esse espaço aberto com água e decidi que era a nossa
única chance. Então, fiz um novo desvio. Consegui colocar o avião no chão
sem muitos danos. — Nessa parte, ele tinha razão, estávamos inteiros.

331
— Sim, mas não vai adiantar de nada se estivermos perdidos — Sean
rosnou do outro lado.
— Sei disso — ele voltou a gemer. — A propósito, sou Anderson.
— Certo, Anderson, mas não posso dizer que é um prazer. — Virei
minha cabeça para olhá-lo.
— Desculpe-me, sr. Fox, mas eu já fiz essa viagem inúmeras vezes.
Nunca tive problemas. — Ele voltou a acomodar o corpo em outra posição,
gemendo, e me deixando preocupado.
Angústia, raiva, decepção, todos esses sentimentos passavam por mim
e mudavam a cada respiro. Teríamos que esperar pelo menos uma noite. Se
ele havia feito tantos desvios, achava impossível que nos encontrassem.
— Tudo bem. Depois verei se você estava apto ou não a fazer essa
viagem. Agora, temos problemas mais urgentes e mais importantes para
resolver.
— Sim, senhor. — A voz dele parecia ainda mais fraca.
— Descanse um pouco. Se não ouvirmos nenhum som de aeronaves
sobrevoando, quer dizer que nos afastamos muito da rota e teremos que sair
por nossa conta.
Olhei ao meu redor. Anderson parecia a ponto de colapsar, Sean
mantinha os olhos fechados e Louis estava ainda mais pálido, como se isso
fosse possível.
— Como você está? Melhorou? — Com esforço, Louis abriu os olhos.
— Sim, melhor. Minha perna ainda dói, mas não tanto como antes. —
Ele ajeitou as costas que mantinha contra o tronco da árvore.
— Dê-me aqui essa perna. — Com muitas caretas, ele a estendeu em
minha direção.
Retirei o frasco de água oxigenada e a gaze. Nesse momento, eu me
arrependi por não ter dado uma corrida até a farmácia, pois não tinha
esparadrapo nem algodão. Fiz o melhor que pude com o que tinha em mãos
limpando o local, então deixei sobre a ferida uma gaze e rasguei a manga da
minha camisa para improvisar uma atadura. Voltei a baixar a calça para evitar
que algum inseto, atraído pelo sangue que continuava saindo, pudesse pousar

332
sobre a ferida.
A chuva continuava caindo, mas não mais com a mesma intensidade.
Nosso pequeno avião havia praticamente desaparecido. Com o passar das
horas, minha angústia aumentava. Já havia transcorrido tempo suficiente para
que pudéssemos ouvir algum barulho. Isso só reforçava a minha tese de que
estávamos muito distantes da rota original. Odiava ter razão. Poderia levar
dias para que pudessem nos encontrar, no melhor dos casos. Ou nunca.
— Vamos aproveitar que a chuva deu uma pausa e ficar um pouco mais
distante dessa margem. — Eu estava controlando a água e, a cada minuto,
parecia subir um pouco mais, mas nos últimos minutos a subida havia
acelerado.
— Eu ia sugerir justamente isso. — Sean já estava se levantando. —
Vou dar uma olhada para ver onde podemos ficar.
Levantei-me e o segui. Não estava preocupado com os outros dois, já
que não iríamos longe. Olhei as plantas ao meu redor e como filho de uma
botânica e um nativo indígena, eu conhecia bastante sobre plantas,
principalmente as medicinais. O problema era que eu estava longe do meu
habitat e não conhecia a vegetação local – essa era uma das coisas que estava
vindo aprender. Mas de uma coisa eu tinha certeza, tudo nessa maldita
floresta estava programado para nos envenenar ou nos devorar, e ainda havia
os que iriam fazer as duas coisas na mesma ordem.
— Depois de fazer mais de mil horas de voo, você pensa que nada mais
pode dar errado, e eis que acaba caindo dentro de uma floresta. Jeito ruim de
morrer — Sean resmungava enquanto caminhava.
— Agradeça por estar vivo. Vocês têm esposas e filhos. — Nessa hora,
lembrei-me de que eles tinham alguém por quem lutar para saírem vivos da
situação e eu não tinha ninguém.
Não era exatamente que não tivesse ninguém. Havia Poul, que sentiria
a minha perda, mas teria Frank para consolá-lo. Os dois se consolariam.
Emily estava saindo de um infarto, tinha certeza que Holly ficaria ao lado
dela. Nesse momento, a neta já deveria estar em Londres, tirando o atraso.
Enfim, ninguém sentiria realmente a minha falta. Para Noah, talvez fosse um
alívio saber que, com a minha partida, seu segredo estaria enterrado e que
nada do que tínhamos vivido poderia vir à tona.

333
— Acho que aqui é um bom lugar. — Sean havia parado quando achou
que já estávamos em um lugar um pouco mais alto, onde a água não nos
alcançaria. — Podemos ajudá-los a chegar até aqui para passar a noite.
— Sim, pode ser — respondi, olhado ao meu redor para ter certeza de
que não haveria algum tronco com serpentes escondidas, ou mesmo alguma
planta venenosa por perto. Olhei a base dos troncos, eram os lugares favoritos
para formigas fazerem ninhos. Não podiam nos matar, mas ser atacado por
elas não seria o paraíso.
— Está tudo certo? — ele perguntou quando viu que eu continuava
com uma vara, movendo as folhas espalhadas.
— Sim, é um bom lugar. Vamos trazê-los aqui e esperar.
Limpamos o local retirando folhas podres e restos de troncos. Já com a
umidade não podíamos fazer nada. Mesmo assim, estaríamos mais seguros.
Voltamos pelo mesmo caminho, os dois pareciam ter adormecido na mesma
posição em que os havíamos deixado. O pé de Louis parecia uma bola.
Enquanto Sean o ajudava a chegar ao local que havíamos preparado para o
nosso refúgio, eu ofereci meu ombro para Anderson apoiar-se, mas a cor
praticamente fugiu do rosto dele apenas com o esforço de tentar levantar-se.
— Que merda, cara! Além desse corte na cabeça, você deve ter alguma
coisa quebrada.
Ele me olhou e logo voltou a fechar os olhos, gemendo.
— Meu ombro está doendo muito. Acho que bati com muita força. —
Ele tentou mover o braço, mas ficou apenas com a intenção.
— Vamos lá para cima. Eu ajudo você e aí dou uma olhada nesse
braço. Deve estar quebrado.
Ele me olhou e ofereceu a mão para que eu o ajudasse a se levantar.
Caminhamos a distância entre onde estávamos e o ponto onde
havíamos limpado para montar o nosso miniacampamento. Sean já estava
amarrando a lona para nos proteger, já que pretendíamos passar a noite
porque tínhamos certeza de que nenhuma aeronave passaria. Estávamos
longe demais da rota original.
— Deixe-me dar uma olhada nesse braço.

334
— Obrigado, mas não precisa. Acho que foi apenas a batida. Já tomei o
anti-inflamatório para a minha cabeça, deve conter analgésico também,
imagino que logo a dor vai passar.
— Não estou disposto a esperar a noite para saber se vai melhorar ou
piorar. Meu palpite é que você está com a clavícula quebrada, esse é o motivo
de tanta dor. Se for assim, vamos ter que imobilizar. — Olhei sério para ele,
eu não aceitaria um não.
— Tudo bem, mas vá com calma. Está doendo muito. — Ele me lançou
um olhar resignado, indicando que eu estava livre para iniciar a minha
inspeção.
Olhei para a camisa dele e, com cuidado, comecei a desabotoar, mas
não houve forma de mover seu braço para retirá-la. Abri a caixa de
ferramentas e, com a faca, cortei do punho até o ombro, e a vista não foi a
melhor, se é que eu podia dizer assim. O ombro estava completamente
inchado. Passei os dedos, sentindo o osso, assim como tinha visto as mães da
tribo fazerem com seus filhos.
— Como imaginei, você está com a clavícula fraturada. Vamos ter que
imobilizar agora mesmo.
— Não temos nada para isso — ele me avisou, conformado.
— Temos sim. — Peguei a camisa que eu já havia cortado e fiz dela
seis tiras. Amarrei-as juntas, fazendo uma longa faixa.
— Fique quieto. — Ele ficou tão quieto que parecia sequer respirar.
Com a ajuda de Sean, comecei a dar voltas, mantendo do ombro até o
cotovelo preso ao corpo. Tirei o cinto da cintura dele e fiz uma tipoia para
aliviar o peso. Com o trabalho concluído, eu me sentei ao lado deles. A chuva
já havia passado fazia tempo, mas tudo continuava molhado, a floresta
parecia respirar com os vapores que permaneciam no ar.
— Já estou vendo que vamos ter que sair daqui para podermos ser
resgatados. Estamos perto de algum lugar? — perguntei, olhando para
Anderson, que parecia um pouco melhor depois de ter tido o braço enfaixado.
— Não, não que eu saiba. Pode haver alguma aldeia, mas eu não
conheço.
— Nós nos distanciamos muito da nossa rota original, sr. Fox — ouvi

335
Sean dizendo. Ele tinha acabado a montagem da lona e estava desabando ao
nosso lado.
— Ok — respirei, tentando colocar meu cérebro para funcionar e,
assim, idealizar um plano que pudesse nos levar de volta à civilização.
— Estivemos voando por quase meia hora. Estamos longe da cidade —
Sean concluiu.
— Sim, infelizmente, longe de tudo. — Coloquei meus pensamentos
em voz alta.
— Longe de tudo — repetiu Sean, como se fosse um robô defeituoso.
— Acontece que estamos longe de Manaus, longe da pista que
Anderson conhecia e, principalmente, longe da aldeia onde eu queria ir. Acho
que, no momento, a nossa única opção é procurar um rio que tenha um bom
fluxo de água. Um rio que seja usado como meio de transporte, só assim
conseguiremos ajuda. É isso que faremos assim que amanhecer. Agora já é
tarde para sairmos daqui. Descansaremos essa noite e amanhã iremos em
direção aos rios.
— E como saberemos onde estão os rios? — Sean me encarou.
— Os rios estão no norte. Estávamos indo para o sul. O piloto girou
para o oeste e, em seguida, para o sul novamente. O que temos que fazer é
voltar para o norte. É lá que estão os maiores rios. Se vamos conseguir ajuda,
será seguindo em busca de um rio. Podemos começar seguindo esse que, com
certeza, desembocará em outro maior ou ele mesmo se alargará. O problema
é Louis, que está com a perna quebrada, caminhar nessa bagunça vai ser
difícil. Teremos que tomar cuidado com tudo. — Passei a eles meu plano e
percebi que ambos me olhavam de forma estranha. — Que foi?
— Só estava pensando em como o senhor, um homem de escritório,
concluiu tudo tão rápido. — Olhei para Sean e, pela primeira vez depois de
muito tempo, tive vontade de rir.
— Você pensa que eu nasci em um escritório, que vim ao mundo de
terno e gravata? Pois saiba que eu tive e tenho uma vida fora dele.
Ele riu e Anderson, mesmo fazendo careta de dor, o acompanhou na
risada.
— Apenas não o imagino de outra forma, senhor.

336
— Entendo. Até a minha adolescência, eu vivi em uma fazenda e,
depois, passei mais de um ano na reserva da minha tribo. — Ao dizer isso, já
imaginava a cara de espanto que fariam.
— Desculpe-me, senhor, mas eu ouvi bem? O senhor disse “sua tribo”?
— Sim. Tenho ascendência indígena. — Depois de tudo que havíamos
passado, era bom rir um pouco, e a cara que eles estavam fazendo era a
melhor parte.
— Ah… bem… eu nunca teria desconfiado. O cabelo negro e liso, o
formato do rosto, ok, mas a pele e esses olhos azuis…
— Minha pele é resultado da mistura genética. Já meus olhos são cem
por cento da minha mãe, uma legítima alemã. Mas eu não cresci na reserva.
Meu pai foi expulso dela antes de eu nascer por se apaixonar e assumir uma
garota fora da tribo. Ele era o primogênito do chefe. Imagina a bagunça. Já
minha mãe foi criada para continuar os negócios da família, mas resolveu
seguir seu sonho e acabou se apaixonando por botânica e, logo, por um
nativo. Mais uma fodida bagunça.
— E como ela conheceu um nativo norte-americano? Desculpe, mas
não vejo como.
Não tínhamos nada para fazer mesmo, então era melhor conversar,
assim impediríamos a nossa cabeça de ter pensamento negativo.
— Ela estava fazendo um estudo sobre as plantas da região, foi assim
que se conheceram. Ninguém esperava que se apaixonassem e, muito menos,
que ficassem juntos. Então você deve imaginar a grande merda que foi
quando meu pai anunciou que ficaria com minha mãe e que ela já estava
grávida. Havia preconceito de ambos os lados. Os pais dela não queriam a
filha única unida a um nativo e, como eles diziam, vivendo com um bando de
selvagens. O mesmo acontecia com o chefe, que não queria seu primogênito
com uma colonizadora, era assim que a chamavam. Enfim, eles tiveram que
procurar um lugar neutro onde viver e me criar.
— Tudo isso um pleno século XXI? — Sean perguntou, me olhando
com incredulidade.
— Sim. Preconceito de todos os tipos sempre houve e sempre haverá,
acredite. O melhor foi que eles se redimiram. Quando eu tive um problema,
meu pai recorreu ao meu avô, e eles nos receberam. Afinal, já havia passado

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muito tempo. Também pude conhecer meus avós por parte de minha mãe.
Recebemos pedidos de desculpas de ambas as famílias. Passei mais de um
ano conhecendo todos os costumes da minha tribo. Foi uma época boa. Meus
primos riam e me chamavam de desajeitado, mas isso só aconteceu no
primeiro mês. Logo depois eu já era capaz de seguir trilhas e pegadas melhor
que muitos. Depois disso, eu fui para a faculdade e meus pais continuaram
vivendo na reserva — ri da cara deles quando percebi que continuavam me
olhando como se eu tivesse vindo de outra galáxia.
— Porra, cara… Desculpe, sr. Fox. — Não pude fazer outra coisa se
não gargalhar — Isso é demais.
— Sim, é sim. Eu tenho orgulho das minhas origens. De ambas, que
fique claro.
— Sim. Índio, com esses olhos… — admirou, me fazendo rir mais
ainda.
— Como você está? — perguntei, sentindo os primeiros protestos do
meu corpo se juntando com o estresse, sem contar o fato de que eu não havia
dormido bem nos últimos dias.
— Eu estou bem, mas preocupado com esses dois — ele disse,
indicando Louis e Anderson.
— Eles estão bem. Eu estou querendo descansar um pouco, será que
você pode ficar de vigia? Não estamos no caminho de nenhum animal, mas
mesmo assim… — Ele olhou para mim, assentindo. — Fique com os
sinalizadores à mão. Qualquer ruído de aeronave, não duvide em disparar.
Dentro de duas horas, eles têm que tomar o anti-inflamatório novamente.
Depois de me certificar que todos estavam seguros dentro da nossa
tenda improvisada, eu me acomodei sobre as folhas que Sean havia
esparramado sobre o chão. Deitei a cabeça sobre a minha mochila e só
percebi que havia caído em um sono profundo quando senti Sean se mexendo
ao meu lado. Fora, estava um completo breu, eu não conseguia ver nem a
ponta do meu nariz.
— Acho que dormi demais. — Tentei, esperando que ele estivesse
acordado, já que eu não podia vê-lo.
— Espero que tenha dormido bem, senhor. Pela forma que caiu no
sono, dava perceber que estava muito cansado.

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Era triste perceber que, na noite anterior, havia à minha disposição uma
cama confortável e, mesmo assim, não pude dormir quase nada. Já aqui, no
meio do nada, em um ambiente inóspito, com meu corpo reclamando da
posição de cada osso, eu havia dormido como se estivesse em minha cama,
dormindo depois de uma transa foda.
— Sim, estava muito cansado. — Comecei a me alongar, já não sentia
tanta dor. — Ouviu algum barulho?
— Não, não ouvi nada. Apenas barulho de grilos e outros animas que
não quero imaginar de que tipo eram. Mas sabemos que estamos longe,
ninguém vai sobrevoar essa área procurando por nós. Talvez dentro de alguns
dias, quando começarem a expandir a área de busca…
— Por isso mesmo não podemos esperar, não sabemos quando isso vai
acontecer. — Queria poder ver o rosto dele, mas era impossível.
— Eles tomaram o remédio? Reclamaram de alguma dor a mais?
— Tomaram sim, senhor, e os dois pareciam melhores. Acho que já
não sentiam tanta dor.
— Está bem, então. Descanse você agora, que eu vou ficar de guarda.
— Obrigado, senhor. Se precisar de alguma coisa, pode me chamar. —
Era estranho conversar com alguém sem ver absolutamente nada.
Ouvi-o se acomodando e, logo depois, tudo ficou em um completo e
aterrorizante silêncio. Foi nesse momento que tudo desabou em cima de mim
– estávamos perdidos em uma selva inóspita, sem nenhum recurso além de
uma lona, uma faca e algumas ferramentas. Não conhecia nada sobre
Anderson além do informe que havia lido sobre ele – que era um excelente
piloto com centenas de horas de voos sobre a floresta. Não sabia se tinha
filhos ou se era casado. Já Sean e Louis eram casados. Filhos e esposas
esperavam por eles. Eu tinha que fazer de tudo para levá-los de volta para a
casa. Um gemido tirou-me dos meus pensamentos.
— Está tudo bem aí? — Não havia como saber quem estava gemendo.
— Sim, só pressionei o meu ombro contra o chão e, com isso, pude ver
uma constelação em frente aos meus olhos — Anderson gemeu de volta
enquanto respondia.
— Que horas você tem que tomar o outro comprimido? — A última

339
coisa de que precisávamos era que piorassem. Esperava que os remédios
ajudassem a superar a dor na caminhada que faríamos quando o sol saísse.
— Ainda não é hora. Estou com o comprimido no meu bolso.
— Volte a dormir, então, e trate de não fazer movimentos bruscos. Não
queremos que o seu quadro piore.
— Nem eu. Boa noite — ele disse e, pouco depois, tudo voltou ao
mesmo silêncio de momentos antes.
Enquanto todos dormiam, voltei a pensar nas pessoas que, de uma
forma ou de outra, tinham as vidas ligadas à nossa. Com certeza estavam
pensando que todos havíamos morrido. Não queria imaginar todas as
notícias. No fundo, eu sabia que Noah sentiria a minha morte. Eu sabia que
ele me amava assim como eu o amava, ele apenas não tinha coragem. Minha
raiva por ele estava diminuindo. Eu não queria estar no lugar dele, sabia que
ele se daria conta da besteira que havia feito e já não teria mais tempo para
solucionar.
Um novo gemido me fez perceber que estava com meus olhos fechados
e, ao abri-los, vi que já podia distinguir formas. Não estava mais o mesmo
breu de algumas horas atrás.
— Louis, como você está? Foi você que gemeu? — perguntei ao
mesmo tempo em que colocava a minha mão sobre a testa dele para ver se
estava com febre.
— Não, senhor, não fui eu.
— Fui eu. — Anderson estava se esforçando para sentar-se. — Não me
acostumo a não poder mover o ombro e, cada vez que isso acontece, vejo a
morte.
— Desculpe-me, sr. Fox, dormi demais. Eu deveria ter revezado com o
senhor na guarda da noite. — Sean esfregou os cabelos, tentando espantar a
cara de sono.
— Está tudo bem. Eu o teria acordado se tivesse me sentindo com sono.
— Acho que vocês terão que me deixar para trás — lamentou-se Louis.
— Do jeito que a minha perna está, não vou poder acompanhá-los.
— Ninguém ficará para trás. Sean e eu nos revezaremos para ajudar

340
você.
Ele se calou e aceitou, sabia que era uma sugestão absurda. Deixá-lo
para trás seria o mesmo que assinar sua sentença de morte. Abri a minha
mochila e distribuí duas barrinhas de cereais entre os quatro. Decidimos
caminhar em direção ao norte, nos guiando pela posição do sol. Eu levava um
sinalizador e a mochila com o que havíamos resgatado do avião, além da faca
em minha mão, e ao mesmo tempo servia de apoio para Louis. Sean ia na
frente abrindo caminho com a machadinha. Havia amarrado em suas costas a
lona que nos serviria de um novo abrigo, caso não encontrássemos ajuda
nesse primeiro dia. Anderson fechava a nossa fila. Levava com ele outro
sinalizador e estava preparado para disparar ao primeiro sinal que ouvisse
vindo do céu.
Não era fácil caminhar em meio a uma vegetação fechada, ainda mais
quando não se está acostumado. Ao meio-dia, a mão de Sean já estava com
bolhas e teve que ser enfaixada. Com isso, nosso avanço diminuiu.
Decidimos descansar e comer mais uma metade de cada barrinha. Suspirei.
Se continuássemos assim, só teríamos para mais um dia. Ainda tínhamos as
barras de chocolate, mas eu preferiria ter mais opções de barras de cereais.
Quando começou a escurecer, procuramos novamente um lugar onde
pudéssemos passar a noite. Ajudei Sean a prender os extremos da lona e a
recolher um pouco de folhas para cobrir o chão. Com tudo pronto, Louis
desabou. Estávamos todos esgotados, mas ele havia sido um herói, se apoiou
em mim e mancou todo o caminho sem nunca reclamar. Sentei-me ao lado
dele e distribui as metades das minhas barrinhas, nosso jantar. Durante o dia,
havíamos tomado água da chuva que estava estancada nas folhas.
— Essa noite vamos trabalhar em turnos. — Anderson esticou o corpo
sobre as folhas que havíamos espalhado no chão.
— Eu também posso ficar de guarda. Já estou melhor — Louis também
se prontificou. — Posso ficar com o primeiro turno, sr. Fox. Acho que o
senhor e Sean devem descansar mais.
— Certo. Faremos turno de três horas cada um, começando com Louis,
Anderson, depois fica você, Sean. Eu fecho o grupo. — Dei uma olhada na
perna de Louis e no ombro de Anderson. Minha maior preocupação era que a
perna de Louis infeccionasse, mas parecia tudo em ordem, então eu
simplesmente desmaiei.

341
No final da nossa segunda semana de caminhada, por fim, havíamos
chegado às margens de um rio suficientemente grande para servir de rota para
canoas. Mesmo assim, minha esperança de sermos encontrados estava se
desvanecendo. Durante todo esse tempo, nenhuma aeronave havia
sobrevoado as nossas cabeças.
Nos primeiros dias, eu havia conseguido manter a infecção da perna de
Louis contida. Depois que as gazes acabaram, eu havia usado algumas folhas
para manter o lugar isolado, mas tanto a higienização como a medicação que
ele havia tomado haviam sido precárias. Se o quadro dele piorasse, eu não
podia fazer mais nada e ele poderia perder a perna, nós poderíamos perder a
vida… Era apenas uma questão de tempo, e ele não estava a nosso favor.
Anderson já não sentia tanta dor na clavícula quebrada, mas o estado de
saúde dele era tão precário que eu temia que, a qualquer momento, poderia
não acordar ao dormir.
Com muito esforço, montamos novamente a nossa lona para nos
abrigarmos a poucos metros do rio. Mas já não tínhamos forças para colocar
as folhas e isolar o local. Apenas colocamos nossos corpos sobre a terra e ali
ficamos, sem força para nos mover. Olhei para Sean, e ele estava
irreconhecível, devia ter emagrecido mais de dez quilos. Todos estávamos
esgotados além do limite.
— Eu não vou conseguir mais me levantar. — Anderson, que já era
magro, no momento se encontrava quase esquelético, o rosto escondido pela
barba emaranhada, os olhos apagados desapareciam dentro das cavidades.
Ser filho de um nativo junto com uma botânica foi de grande ajuda.
Pude guiar meu pequeno grupo sem cair no vício de andar em círculos, que é
o que mais acontece quando se anda dentro de uma mata fechada. Mesmo
sendo uma floresta completamente diferente da que eu tinha vivido, pude
distinguir frutos comestíveis dos venenosos e, durante essas duas semanas,
essa foi a base de nossa dieta, além de raízes, formigas e até outros insetos.
— Acho que nenhum de nós conseguirá. Não se preocupe, apenas
descanse. Não vamos mais nos mover. Em algum momento, alguma canoa
deverá passar por aqui. Louis, você também, descanse. — Eu não tinha mais
forças nem para pensar.
Olhei para a perna dele. As folhas que eu havia colocado pela manhã
tinham desaparecido e a ferida estava vermelha, com sinal de infecção. No

342
momento, eu era o único que estava em melhores condições. Sean, que havia
lutado bravamente nos primeiros dias, estava se entregando. Peguei uma das
minhas camisas, que parecia mais um trapo e com o que me restava de
energia, arrastei-me até a margem do rio e a amarrei em um galho. Depois
disso, voltei e deixei meu corpo cair ao lado de Sean.
— Desculpe-me ter metido vocês dois nessa enrascada. — Não me
sentia bem sabendo que ambos tinham famílias que deviam estar
desesperadas. — Não devia tê-los deixado vir comigo e, principalmente,
insistir em usar o avião quando você me aconselhou a não fazer.
— Não se culpe, sr. Fox. O avião estava bem. Era pequeno, mas estava
em excelentes condições. O que aconteceu poderia ter acontecido com
qualquer outra aeronave. — Sabia que ele estava usando apenas uma
desculpa para diminuir a minha culpa.
— Não queira aliviar para o meu lado, Sean. Você disse que a aeronave
era uma merda, fui eu que insisti, lembra?
— Meu avião não era uma merda — resmungou Anderson com uma
voz quase inaudível.
— Ele tem razão, estava tudo em ordem. Eu só estava cumprindo com
as ordens do sr. Cooper. Ele não queria que o senhor se isolasse na floresta —
ele continuou falando como estivesse tirando um peso de cima de si.
— Eu receberia o meu dinheiro mesmo se não fizesse a viagem —
resmungou a voz fraca de Anderson.
— Sim, e eu não iria encontrar nenhum avião. Eu deveria atrasá-lo,
encontrar defeitos, fazer de tudo para que desistisse… Enfim, era apenas isso.
Em síntese, quero que saiba que a culpa não foi sua nem de Anderson. Foi
um acidente, só isso.
— Obrigado por me contar, Sean. Bom saber que, com minha teimosia,
eu não coloquei a vida de vocês em perigo. — Acomodei melhor meu corpo
sobre o chão. Louis estava dormindo ou desmaiado, não me atrevi a verificar.
— Quando sairmos dessa, tanto você como Poul vão ter que me pagar.
— Sim, senhor. — Imaginei-o sorrindo. — Eu não me importaria com
isso.
Depois disso, tudo ficou em silêncio. As respirações, que no começo

343
eram pesadas, foram ficando cada vez mais lentas até eu ter a impressão de
que ninguém mais respirava. Lembrei-me de Noah sorrindo no nosso passeio
de barco pelo Hudson, de todos os momentos que havíamos passado. Pensei
se o idiota sofreria por não ter tido coragem de enfrentar o próprio medo para
ficar comigo. Porque, mesmo que ele tenha feito e dito tudo aquilo, eu
continuava tendo a certeza absoluta de que ele me amava assim como eu a
ele.
Horas, dias, minutos, meses, já não sabia mais. Minha mente brincava
comigo. Imaginei o sorriso de Noah, assim como as lágrimas e a felicidade
dele se me encontrasse com vida… Podia vê-lo perfeitamente à minha frente,
tanto que me esforcei para tocá-lo, mas a minha força falhou e foi ele que me
tocou e me abraçou. Afinal, morrer não foi tão ruim como imaginei.

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Capítulo XXIII

NOAH SCOTT

A viagem longa não diminuiu a ansiedade. Ao contrário, sentir a


aeronave deslizando sobre a pista parecia tê-la aumentado. Ao ver Oliver,
minha primeira impressão era de que estava vendo um zumbi. Os olhos azuis,
que em outro momento deveriam ser lindos, nesse momento se encontravam
encovados, marcados por olheiras profundas. Olhei seus olhos com medo de
encontrar ali alguma má notícia que pusesse fim às minhas finas linhas de
esperança.
— Boa noite, Oliver, alguma novidade?
Ele passou as mãos pelos cabelos bagunçados e tratou de alisar a polo
amassada, só depois respondeu:
— Infelizmente, não temos nada ainda, senhor. — Deixou cair os
ombros.
Dei um tapinha em seu ombro para tratar de dar ânimo, afinal, ele teve
que enfrentar tudo sozinho. Apresentei os primos de Julian e, como era de se
esperar, a cara de derrota mudou para espanto. Esperei que os apertos de
mãos terminassem e aproveitei para apresentar os especialistas que tinham se
disponibilizado para nos ajudar com as buscas.
— Sei que em breve teremos boas notícias. — Eu tinha que acreditar
nas minhas palavras. Era a única forma de continuar respirando.

345
— Já está tudo organizado. Sairemos amanhã, assim que o sol nascer.
— Ele já parecia um pouco melhor.
— Ainda bem que você já organizou essa parte, porque eu não sei se
vou conseguir dormir. Sei que preciso, senão não vou conseguir ajudar. —
Puxamos nossas malas e fomos em direção à saída barulhenta do aeroporto.
Depois de sentir a água morna caindo sobre meu corpo, uma cerveja
gelada espantaria o calor e me ajudaria a relaxar, pois meu estômago não
aceitaria nada mais que isso.
Passei a minha noite em claro. Era impossível descansar em uma cama
confortável sabendo que, se Julian estivesse com vida, estaria perdido, talvez
ferido, no meio de uma selva. Perdido era o máximo que minha mente ainda
aceitava – mais do que isso, eu travava.
Assim como estava combinado, antes do sol sair já estávamos fora.
Havia duas bases de buscas, uma pela água e outra pelo ar. Reuni-me no
aeroporto com o chefe encarregado das buscas pelo ar. Tudo que os pilotos
viam pelo ar era passado aos encarregados da equipe de busca pela água.
Com a ajuda de Poul, havíamos incrementado mais três aeronaves. Com isso,
a área de busca havia sido triplicada. As buscas pela água também haviam
sido incrementadas com dois hidroplanos e uma lancha maior, equipada,
onde estavam os médicos voluntários, além de outra lancha menor, que faria
buscas por lugares onde as outras não poderiam entrar.
Depois de estudar as rotas que a equipe de resgate brasileira havia
preparado para aquele dia, levantamos voo rumo à floresta. Como no dia
anterior eles já haviam feito a rota original, no momento estávamos como
uma onda, expandindo à procura de qualquer vestígio da queda.
— Se a chuva os alcançou pouco depois de terem saído, eu acho que o
piloto tentaria voltar ou procuraria alguma pista — o copiloto disse assim que
decolamos.
— É o mais lógico a se pensar. Agora, o que precisamos saber é para
onde eles foram. — Harry, um dos especialistas que estava me acompanhado,
tinha o nariz e os olhos colados no vidro do pequeno avião.
— Se eles sobreviveram à queda e se desviaram muito da rota, eu acho
que iriam procurar alguma aldeia. — Tentávamos analisar todas as
possibilidades.

346
— Esperamos que, se eles sobreviveram, possam se mover.
— Eles estão bem e logo iremos encontrá-los. — Tratei de fazer o
mesmo que Harry, colei meu nariz na janela em busca do que quer que fosse
que nos desse uma pista.
Com o final do dia e de volta ao hotel sem nada, eu estava pronto para
mergulhar na depressão. Ficamos até quase meia-noite revendo tudo que
havíamos feito durante o dia e planejando o que fazer no dia seguinte.
— Inferno! Essa floresta tem quase a metade dos Estados Unidos, e é
quase totalmente selvagem — praguejou Peter. — Mesmo pensando pelo
lado positivo, temos que reconsiderar muitas coisas para que eles consigam
sair com vida de lá.
— É nisso que eu penso o tempo todo. — A angústia e o desespero
eram tantos, que estava sendo difícil até respirar. — O tempo está passando e
as chances deles diminuem a cada hora. Se eu não soubesse que temos muita
gente ajudando, eu piraria.
— Todos da região se prontificaram. Com isso, temos no momento
uma infinidade de canoas e barcos patrulhando a região. — Marjorie apontou
para o mapa.
Tínhamos áreas marcadas de vermelho que ainda não haviam sido
patrulhadas, áreas marcadas onde as aeronaves já tinham feito uma primeira
varredura e as áreas marcadas que já foram vasculhadas, mas que estava
sendo feita uma verificação mais apurada, além de ter em terra centenas de
locais e nativos que se prontificaram para ajudar nas buscas.
— Acho que por hoje encerramos. Não podemos fazer mais nada e
ainda precisamos descansar para amanhã.
Despedi-me da equipe e segui rumo ao elevador com Oliver me
acompanhando. Eu havia dado a ele o dia de descanso. Ele merecia depois de
ter passado mais de quarenta e oito horas acordado, correndo atrás de tudo
sozinho.
— Estou feliz que o senhor tenha vindo para se encarregar de tudo.
Estava desesperado aqui, sem ninguém para me assessorar. Mesmo com o sr.
Cooper resolvendo muita coisa à distância, eu estava me sentindo perdido —
desabafou enquanto o elevador subia. Reparei no rosto dele e a aparência já
estava um pouco melhor.

347
— Sim, eu teria vindo no mesmo dia, mas era tarde. — Percebi que ele
estava querendo conversar, talvez assim se sentisse melhor.
— Eu quase os acompanhei. Fiquei porque o bimotor que o sr. Fox
contratou era para duas pessoas apenas, além do piloto e do copiloto. Então, o
sr. Cooper decidiu que Sean e Louis o acompanhariam. Afinal, para que ele
iria precisar de um comissário de bordo para onde estava indo, não? —
completou, com a voz amargurada.
— Para onde ele estava indo mesmo? Não tive tempo de conversar bem
com Poul. — Não entedia o que Julian estava indo fazer no meio de uma
selva.
— Não sei muito porque não sou o piloto, mas a nossa viagem era até
aqui e depois voltaríamos e esperaríamos ser chamados novamente para
buscá-lo, mas o sr. Cooper mudou as nossas ordens.
— E por que ele faria isso? Estava tendo algum problema? — Fiquei
pensando no que Poul havia me dito e fiquei sentindo-me ainda mais culpado.
Durante o curto trajeto pelo corredor, terminamos a nossa conversa.
Despedimo-nos diante da porta do meu quarto enquanto ele seguiu em
direção ao dele. Depois do banho, pedi o jantar no quarto – jantar esse que
consistia em um sanduíche e um suco de alguma fruta da região. Mesmo a
garota tendo repetido o nome mais de uma vez, eu não havia conseguido
memorizar. Comecei a comer e, de forma automática, liguei para Kate. Ela
havia me ligado inúmeras vezes durante o dia, mas todas tinham caído na
caixa postal. Era tarde, mas eu sabia que ela não se importaria de receber
notícias minhas.
— Alguma novidade? — ela perguntou antes de me cumprimentar, e
notei não só a sua preocupação, mas seu desespero.
— Não, nada ainda. — Deixei meu sanduíche de lado e fui até a janela.
Queria abri-la para respirar, mas não estava acostumado com o calor úmido
da cidade. Então, sem opção de fuga, voltei ao sofá em frente à TV no qual
havia estado sentado.
— Juro que não sei se fico feliz ou triste — ela suspirou.
— Eu também não sei. Não sei o que farei se a notícia for… — Não
pude continuar, minha garganta travou e eu baixei o celular, tentando
respirar.

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— Noah, Noah! — A voz de Kate vinha aos berros do celular caído no
chão.
— Estou aqui — disse assim que pude me recuperar. — Não sei se vou
conseguir. Estou com medo, muito medo.
— Calma, respire. — Tentei me concentrar na voz dela. — Vai dar
tudo certo. Hoje, quando não consegui falar com você, eu liguei para o
número do sócio de Julian que você me passou.
— Sim, Poul está comandando tudo à distância.
— Ele me contou uma história incrível. — Não conseguia imaginar o
que ele poderia ter conversado com ela.
— Ele contou que eram companheiros e que não sabe o que Julian viu
em mim? — Não queria, mas era impossível não sentir ciúmes.
— Não, seu idiota. Ele me contou que o avô de Julian é um nativo, que
alguns primos dele apareceram oferecendo ajuda para procurar por ele. —
Quando percebi, estava rindo. Pela primeira vez em vários dias, eu ri sem
sequer me dar conta.
— Quem iria imaginar, não? — Do outro lado da linha, pude ouvi-la
rindo também.
Continuei conversando com ela até perceber que já não conseguia
acompanhar a conversa. Despedi-me, agradecendo o cansaço, pois de outra
forma seria impossível dormir.
Como no dia anterior, o sol ainda não havia saído e já estávamos todos
de pé. Discutíamos como seriam as buscas do dia e, depois disso, só
esperávamos a liberação para podermos sair novamente. Apenas voltávamos
para abastecer e comer. Os pilotos eram os únicos que tinham descanso.
Deixei a minha mochila cair sobre a cadeira. Estava com a camiseta
grudada no corpo com o suor do dia. Tirei o boné e afaguei meus cabelos,
esperando com isso refrescar um pouco a minha cabeça. Estávamos
terminando a segunda semana de buscas, e o cansaço estava cada vez mais
evidente em todos nós. Já não tínhamos a mesma energia do início, mas uma
certeza nos unia – não íamos abandonar as buscas antes de encontrá-los, não
importava o tempo que isso pudesse levar.
Nesse momento, eu estava batendo de frente com os encarregados pelas

349
buscas. Eles queriam se manter nas áreas pré-estabelecidas e já patrulhadas,
mas estávamos completando a segunda semana, indo para a terceira, sem ter
absolutamente nada.
— Entendo, sr. Scott, mas essas áreas para onde vocês estão querendo
se dirigir ficam muito além da rota original. É impossível que eles tenham se
afastado tanto assim. — Mais uma desculpa que eu já não estava disposto a
aceitar.
— Eu também entendo o ponto de vocês, mas não estou disposto a
perder mais nem um dia rastreando áreas já vasculhadas.
Ele cruzou os braços, resignado com a minha decisão.
— Sr. Scott, o senhor sabe que muitos dos voluntários que tínhamos no
início já não estão nos ajudando mais? — Eu sabia disso, entendia que eles
tinham trabalho, famílias que não podiam abandonar.
— O que você não está entendendo é que queremos apenas ampliar.
Vocês continuarão vasculhando as mesmas áreas, e nós iremos além.
Amanhã, vasculharemos essas novas áreas. Um hidroavião seguirá na direção
sudoeste e outro para o sudeste, além disso, teremos nossos hidroplanos
patrulhando essas mesmas regiões — expliquei.
— Tudo bem, sr. Scott, acho que todos estamos na mesma sintonia, que
é encontrá-los — suspirou, apoiando ambas as mãos sobre o mapa aberto na
mesa. — Desculpe se eu me estressei há pouco. Acho que é o cansaço
fazendo efeito.
— Sem problema, não se preocupe. Eu sei todo o esforço que você e
sua equipe estão fazendo. — Levei minha mão à alça da mochila,
preparando-me para sair. — Até amanhã.
***
— Será que foi uma boa ideia? — Desviei meu olhar da margem que
eu havia passado todo o dia vigiando e olhei para Peter.
— Como assim, se foi uma boa ideia? Já discutimos sobre isso. — Ele
encostou o cotovelo sobre a mureta do deque, girando o corpo para olhar para
mim sem deixar de vigiar a margem do rio.
— Estou pensando se o chefe da equipe aqui do Brasil não estava com
razão quando nos disse que estávamos nos distanciando muito da rota. — Fiz

350
o mesmo que ele, girei meu corpo de modo a conseguir vigiar a margem ao
mesmo tempo que olhava para ele. Eu me mataria se perdesse qualquer coisa.
— Não, acho que Harry tenha razão. Já vasculhamos toda aquela área.
Não sabemos o que aconteceu, mas algo os deve ter desviado muito. Estamos
longe, eu sei, mas não vou ficar tranquilo se não explorar todas as
possibilidades.
Ele me olhou e desviou o olhar novamente para uma pequena canoa
que deslizava de forma lenta rente à margem. No mesmo instante, chamei o
nosso guia para pedir informações a eles.
Ao final, nosso dia não havia sido totalmente em vão. Havíamos
contatado com diversos ribeirinhos. Muitos deles não sabiam do ocorrido, já
que estavam distantes das áreas onde as buscas até aquele momento tinham
sido realizadas. Peter se apresentava aos nativos como um irmão do Norte,
fazendo a receptividade aumentar e os abraços se intensificavam. Com isso,
conseguimos multiplicar o nosso número de voluntários. Minha esperança
renasceu, com tanta gente ajudando, seria quase impossível não os encontrar.
— É tão grande que me assusta. — Marjorie estava olhando a floresta
abaixo de nós com os rios cortando-a como grossas artérias e inúmeras veias
alimentando-os.
Hoje, ela e Harry estavam comigo e a nossa patrulha estava sendo pelo
ar. Peter seguia em outro hidroavião, Brad e Oliver se dividiam em barcos.
Um pouco afastada, a equipe médica esperava, sempre alerta a qualquer
novidade.
Continuei vigiando a floresta, tentando imaginar onde aquele mar verde
poderia estar escondendo-os e, principalmente, como Julian poderia estar. O
hidroavião girou para iniciar o regresso antes que fosse muito tarde. Por mim,
eu continuaria, mas era perigoso. Então eu me recostei no assento, já
imaginando como seria Julian perdido mais uma noite, e me esforcei para
sufocar a angústia.
Fechei meus olhos, esperando que o desespero não se apoderasse de
mim. Estava cada dia mais difícil. Ainda estava tentando controlar o
sentimento de total impotência, quando o rádio da aeronave ganhou vida de
uma forma totalmente diferente. Já estava acostumado com as trocas de
mensagens, mas a urgência na voz de Peter fez meu pulso parar vários

351
segundos antes de disparar, quase me sufocando.
Não era fácil entender os berros e a mistura de idiomas que estavam
sendo trocadas em nossos ouvidos, mas a única palavra que importava eu
havia entendido perfeitamente bem: encontrados. Olhei para a Marjorie e
Harry apenas para ter certeza de que havia entendido direito, mas os olhos
dela com lágrimas fizeram meu corpo gelar.
— Marjorie? — Eu via apenas os lábios dela se movendo, o zumbido
em meu ouvido não permitia ouvir nada.
— Sr. Scott? — As mãos de Harry estavam cravadas em meus braços,
fazendo meu corpo sacudir.
— Sim — respondi. Não tinha certeza de que havia dito em voz alta ou
apenas em pensamento.
— O senhor ouviu o que Peter disse? — perguntou-me, ainda me
sacudindo, mas agora sem tanta força. — Eles foram encontrados vivos.
Entendeu? Vivos.
— Sim, ouvi. Apenas não havia entendido se estavam vivos. Como vi a
Marjorie chorando, pensei o pior. — Senti meu sangue voltando a circular no
meu corpo.
— Ainda não sabemos direito como estão. Foram encontrados por um
ribeirinho e agora estão vigiando o lugar. Foi apenas isso que Peter disse.
Quando pensei em avisar o piloto para se dirigir ao lugar onde eles
estavam, percebi que a curva já estava sendo feita. Depois de algumas voltas,
o piloto encontrou um rio com um leito longo e largo o suficiente para
permitir o pouso. Depois disso, ainda tivemos que esperar quase meia hora
para que uma lancha nos alcançasse para nos levar até o local.
— Você não vai querer ir até lá. — Uma das médicas barrou a minha
passagem quando eu quis seguir, me adentrando na floresta.
— Eu vim até aqui para buscá-lo e não pretendo parar aqui. —
Estávamos parados na margem, e eles estavam a uns cinco metros adentro.
— Eu entendo, mas a situação deles não é boa. — Os outros médicos e
socorristas já haviam passado por nós, levando macas e várias caixas.
— Preciso vê-lo.

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Senti uma mão em meu braço. Olhei e vi que era Marjorie. Peter, Brad
e Oliver estavam também na pequena entrada que levava mata adentro.
— Sr. Scott… — A médica baixou a pequena maleta no chão e segurou
as minhas mãos. Se ela estava agindo assim era porque não havia coisa boa.
— Fale, doutora.
— Não quero ser agressiva, mas não há outra forma de dizer. Um deles,
que não sabemos dizer quem é, está com parte do corpo tomado por larvas —
ela parou, suspirando. Percebi que também estava sendo difícil para ela.
Nesse momento, meus joelhos fraquejaram. — Não acredito que o senhor
queira ter essa imagem em sua memória.
Soltei suas mãos, deixando-a livre para seguir adiante com seu
trabalho. Meu joelho já estava no chão, assim, só girei meu corpo, deixando a
minha bunda encontrar o chão. Não me importei com o chão úmido e parece
que ninguém mais estava se importando. À medida que os minutos passavam,
mais e mais canoas e pequenas lanchas que estavam por perto chegavam. A
notícia estava se espalhando. Marjorie já havia parado de chorar, mas os
olhos estavam vermelhos e inchados.
Um murmúrio de vozes vindo pelo caminho fez com que todos que
estávamos sentados no chão nos levantássemos, deixando espaço para que
eles pudessem passar. Uma manta térmica brilhante foi a primeira coisa que
se destacou contra o verde da folhagem. Eles passaram rápido por nós,
mesmo assim pude ver um rosto, e não era o de Julian. O rosto tinha a pele
grudada no crânio, coberto de pelos. Não podia imaginar como uma pessoa
naquelas condições ainda estava viva.
Oliver foi em direção à maca e pude perceber, pela cara que ele havia
feito, que era um dos pilotos de Julian. Ele tentou tocá-lo, mas foi impedido
por um dos socorristas. Fui até ele, tentando acalmá-lo.
— Calma, cara, eles conseguiram. Agora estão em boas mãos. — Ele
abraçou-me e o choro aumentou. Era como se estivesse colocando para fora
toda a tensão vivida nos últimos dias.
— Eu sei. Se ele conseguiu até aqui, nada mais o segura. — Senti as
mãos de Peter, Brad e Marjorie.
Nós nos unimos em um único abraço, afinal, tinham sido dias intensos,
durante os quais tínhamos dado tudo de nós. Quando uma nova maca

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apareceu, todos nos distanciamos do caminho, preparando-nos para esperar,
mas não era nenhum dos conhecidos. Nossa suposição era de que o novo
sobrevivente era o piloto contratado. Ele não parecia em melhor estado que o
primeiro. Depois que eles passaram, eu não suportei mais esperar e me
enveredei pelo pequeno caminho.
Havia mais duas macas no chão e vários socorristas trabalhavam ao
lado deles. Evitei correr para chegar ao lado de Julian. Era impossível não o
reconhecer por mais que estivesse com o rosto coberto pela barba. Levei
meus dedos ao seu rosto. A doutora quis me impedir, mas logo desistiu. Com
cuidado, acariciei seu rosto áspero. Acompanhei a maca com os últimos
socorristas. Tudo teve que ser feito às pressas. Quando, por fim, o último
hidroavião pôde levantar voo, já estava quase totalmente escuro.
***
— Você não pode continuar aqui. Se fizer isso, ele vai melhorar e você
vai tomar o lugar dele no hospital. — Poul estava parado ao meu lado,
esperando que as cortinas do vidro que separavam o corredor da sala de
quarentena fossem abertas.
Além de mim e Poul, apenas a família do piloto brasileiro esperava.
Tanto Oliver como os primos de Julian já haviam voltado para os Estados
Unidos, e Poul tinha vindo para me auxiliar a levá-lo para casa. Já havíamos
contratado um avião-ambulância e, se tudo corresse bem, no dia seguinte
seríamos liberados para partir.
Não me dei ao trabalho de olhar para Poul e muito menos de responder.
Essa era a sentença que eu ouvia todos os dias. Os quatro haviam estado em
quarentena. Primeiro em uma UTI, depois continuaram em outra sala. Duas
semanas de cuidados intensos e eles já estavam melhores, começando a
reagir. No final, foram as pequenas larvas que haviam salvado a perna de
Louis. Incrivelmente, foram elas que mantiveram a ferida limpa e livre de
bactérias. Se não fosse por elas, ele poderia tê-la perdido.
— Não tenho nada para fazer a não ser esperar.
— Eu sei. Sei que você fez muito mais do que qualquer um. — Senti a
mão dele sobre o meu ombro. — O que posso dizer? Julian tem muita sorte
em ter você.
— Obrigado, mas sou eu que tenho sorte de tê-lo, e não o contrário. —

354
As cortinas começaram a ser abertas e, como todos os outros dias, meu
coração acelerou, esperando para vê-lo.
— Agora sei o que Julian viu em você. Você realmente o ama.
Tentei não me emocionar. Não pensei que ser aceito por Poul fosse
significar tanto.
— Ele continua sem reagir. — Tentei desviar o rumo da conversa, não
queria acabar ficando mais emotivo do que já estava.
— Sim, mas você já ouviu o que o médico disse que cada um reage de
uma forma diferente, essa é a forma dele. — Mantive meus olhos fixos em
Julian, que simplesmente não se movia. — Ele vai ficar bem.
Poul colocou bilhetes contra o vidro com mensagens das famílias de
Louis e Sean. Todos os dias, eles recebiam mensagens de incentivo.
Enquanto Anderson caminhava de forma lenta até ficar em frente ao
vidro, deixei de prestar atenção aos gestos entre ele e sua família para focar
em Julian, que continuava deitado, sem se mover.

355
Capítulo XXIV

JULIAN FOX

Fechei com mais força meus olhos ao ouvir o barulho da cortina sendo
aberta. Era a rotina da manhã e da tarde. Sabia que meus colegas de quarto
esperavam com ansiedade por aqueles poucos momentos, mas essas eram as
minhas piores horas. Eu me sentia um animal sendo observado através de
vidros. Então, apenas ficava lá, quieto.
— O senhor está se sentindo bem, sr. Fox?
Não precisei girar para saber quem estava perguntando. Eu reconhecia
cada tom de voz dos que estavam trancados nesse quarto comigo. Talvez por
ter sido um dos últimos a perder a consciência, eu conhecia até os pesadelos
de cada um deles – e esses agora eram os meus.
— Sim, Louis. Está tudo bem. — Abri meus olhos, mas tratei de
manter a minha vista fixa na parede branca à minha frente. Minha esperança
era de que, assim, as lembranças da perna dele sendo devorada pelas larvas
desaparecessem.
— Vamos lá, sr. Fox, respire. — A voz havia mudado. Agora era de
uma das enfermeiras que estava de plantão. — Fique comigo, sr. Fox. Está
tudo bem agora, apenas siga a minha voz e continue respirando.
O quarto, que alguns momentos antes estava fresco com o sistema de ar
refrigerado mantido em uma temperatura constante, agora parecia ter se

356
transformado em um forno, e eu suava. Tratei de fazer o que ela me indicava
– respirei devagar. Com isso, as batidas do meu coração voltaram a se
normalizar. Meus dedos doíam. Percebi que era pela força com que eu
segurava as barras na lateral da cama.
— Está tudo bem? — Agora a voz era de uma das médicas.
— Sim, doutora, não sei o que aconteceu, mas ele já está bem. —
Devagar, girei meu corpo, afastando minha vista, que até aquele momento eu
havia mantido focada na parede branca. Olhei para a médica e enviei a ela um
sorriso fraco.
— Eu estou bem, doutora. Foram apenas algumas lembranças ruins. —
Nossa alta estava marcada para o dia seguinte, e eu não queria ter que ficar
preso no Brasil por mais tempo do que o necessário.
— Foi a lembrança das larvas novamente? — ela perguntou ao mesmo
tempo que envolvia meu braço com uma braçadeira negra para aferir a minha
pressão.
— Sim. — Devagar, movi minha cabeça enquanto afirmava.
— Já conversamos sobre isso. O senhor deve pensar que, se não fosse
por elas, o sr. Louis poderia ter perdido a perna ou até morrido. Pense apenas
que foram elas que o salvaram.
— Eu sei. — Depois disso, fiquei calado. Eu já tinha recebido uma aula
de como aquelas larvas haviam protegido a perna de Louis, mas eu não
queria mais falar sobre isso, muito menos lembrar.
— O senhor conversou com a psicóloga? — Ela quis saber.
— Sim, conversei. Aliás, todos aqui conversamos — sorri, tentando
passar um ar de tranquilidade.
— Fico feliz — ela sorriu de volta. — O senhor não quer sair dessa
cama e ir até lá?
Ela apontou para a divisória onde havia uma pequena aglomeração de
pessoas do lado de fora, entre elas Poul e Noah, que nesse momento estavam
com os narizes colados ao vidro, me encarando.
— Não, estou bem aqui. — Voltei novamente meu corpo em direção à

357
parede e ouvi passos dos que estavam ao meu redor se afastando. Respirei
aliviado.
***
— Vamos lá, sr. Fox — a enfermeira estava me dizendo enquanto me
ajudava a colocar os sapatos —, não está feliz por deixar o hospital?
— Sim. Acredite, essa é a melhor notícia que recebo em dias. — Eu
queria apenas voltar para a minha casa.
Ao sair no corredor, depois de deixar a segunda etapa de nossa
quarentena, já em Nova Iorque, parecia que tinha se passado anos e que
tinham feito uma completa troca de sangue do meu corpo tamanha tinha sido
a quantidade extraída. Foram tantos exames que eu já nem lembrava os
nomes. Nossos dias tinham sido um interminável desfile de todos os tipos de
médicos, psicólogos, psiquiatras, psicanalistas e duraram todo o tempo que
estivemos na quarentena. No fim, eu me sentia mais um rato de laboratório
do que uma pessoa normal.
Não houve forma de escapar. Na entrada do hospital, estava postado
um grande número de jornalistas. Saímos de nossas cadeiras e ficamos em pé.
Louis se manteve sentado, era o único ainda que tinha uma sequela física do
acidente. As perguntas começaram e eu me abstive, deixando todas as
respostas para Sean e Louis. Quando Poul achou que já era suficiente, se
desculpou, encerando a coletiva. Despedi-me de Sean, Louis e dos familiares
deles ali mesmo. Passei entre os jornalistas e entrei no carro.
— Você está bem? — Ao olhar para Poul, deixei escapar um suspiro.
Estava voltando para casa depois de quase dois meses.
— Não sei. — E não era mentira.
— Quer que eu ligue e peça para Emily cancelar o encontro? — Noah
perguntou, e eu desviei meu olhar para ele. Era a primeira vez que ele se
manifestava.
— Não. Estou apenas cansado e, para dizer a verdade, nem sei o porquê
de tanto cansaço, já que passei quase um mês em uma cama.
— É sério, Julian. Se você não está bem, ela pode deixar para outro dia.
— Agora era Poul quem insistia enquanto descansava a mão sobre a minha

358
coxa, fazendo carinho.
— Não, esconder-me seria a pior coisa que eu poderia fazer nesse
momento. — Coloquei a minha mão sobre a dele, acompanhando o carinho
que ele estava me dando. — Emily está preparando essa recepção com tanto
carinho… Eu sei como ela deve ter sofrido.
Ao colocar os pés no apartamento de Emily, fui cercado pelo calor
familiar de sempre. Os braços dela rodearam meu corpo com uma força que
eu não pensei que ela tivesse. Frank não quis esperar e colocou seus braços
ao nosso redor, aumentando o aperto.
— Eu também quero participar desse abraço coletivo. — Holly abriu os
braços, se juntando a Emily e Frank.
— Nos também não vamos ficar de fora. — Os Tysons e os Shelbys se
juntaram. Meu riso se juntou às gargalhadas de felicidade que eles estavam
dando.
Levantei minha vista e, por um momento, pensei que meus olhos
estivessem me enganando. Rose estava sentada no braço do sofá, com os
braços cruzados, olhando a cena. Não dava para saber se estava com o mau
humor costumeiro ou se estava feliz com a minha volta como os demais, pois
a expressão do rosto era nula.
Quando fui liberado de todos os braços, eu me aproximei dela para
saber o que tinha acontecido. Não imaginava que ela ainda estivesse na
cidade e, muito menos, na casa de Emily. Lembrava-me muito bem de tê-la
liberado antes de viajar. No momento, ela deveria estar do outro lado do
oceano e não aqui.
— O que aconteceu? — perguntei a ela quando, por fim, pude me
afastar um pouco de todos os afagos, beijos e abraços que Emily continuava
me dando.
— Como assim, o que aconteceu? — Ela puxou o celular do bolso e
começou a ler, fingindo desinteresse.
— Não esperava encontrar você ainda por aqui. Se não me engano,
antes de viajar, deixei todas as suas coisas com Holly.
— Ah, sim. Ela me entregou, obrigada. — Ela continuou fingindo ler

359
mensagens no celular.
— Então, por que ainda está aqui? — Ela baixou o celular e me fuzilou
com o olhar.
— Vai voltar a pegar no meu pé? Se vai ser assim, amanhã mesmo vou
embora.
— Desculpe-me, Rose, apenas fiquei curioso. É que você queria tanto
ir, não entendi por que continuou aqui.
— Não torra a minha paciência, Julian. É ela que chora por você, não
eu. — Ela apontou para Emily, que estava colocando uma travessa com
frango frito sobre a mesa.
Desisti de tentar entender Rose para prestar atenção no pequeno grupo
de amigos que Emily havia convidado. Poul veio até mim, trazendo uma
variedade de comida, passando por minissanduíches, tortinhas e vários outros
petiscos.
— Coma um pouco. — Ele pegou uma costelinha suína caramelada e
começou a comer com real prazer. — Está tudo muito bom. Emily caprichou.
— Está muito boa mesmo — falei, depois de comer um bocado de uma
das tortinhas de camarão.
— Essa foi Rose que fez. — Emily apontou para a minha mão onde
restava apenas a metade. — Está uma delícia, não está?
Depois de ouvir a informação, tentei ver a cara de Rose, que continuava
sentada no braço do sofá ao meu lado e, agora, parecia ainda mais interessada
no que estava lendo no celular.
— Sim, está maravilhosa. Uma das melhores que já comi. — Vi que,
com a minha declaração, um pequeno vinco se formou no canto de sua boca.
Talvez ela não fosse tão fria assim.
A noite continuou com todos fazendo – e ao mesmo tempo evitando –
muitas perguntas. Noah me passou o celular e tive que conversar no viva-voz
com todos da fazenda. Ele se manteve afastado. Apenas se aproximava para
perguntar se eu estava precisando de alguma coisa, mas eu percebia que o
tempo todo ele estava atento a mim. Ainda não tínhamos tido uma
oportunidade de conversar, não sabia muito bem o que ele estava fazendo no

360
Brasil e aqui, depois de ter me expulsado da vida dele… Remorso, talvez?
Olhei para o relógio. Já era quase meia-noite. Nesse momento, se me
perguntassem como eu me sentia, minha resposta seria esgotado. Levantei-
me e fui até onde Emily se encontrava conversando com Zoe Shelby.
Desculpei-me por interromper a conversa e agradeci a ela pela recepção.
— Você deve estar cansado — ela disse, dando um tapinha em minhas
costas. — Só espere um segundo que eu vou buscar a sua torta de maçã.
Depois que ela desapareceu pela porta da cozinha, eu continuei com a
minha sessão de despedidas. Quando ela voltou, eu já estava em frente à
porta esperando por ela. Holly e Noah, assim como Poul e Frank, estavam
esperando comigo. A diferença era que eles iriam para casa deles, Holly,
claro, subiria comigo, mas Noah eu não sabia se subiria comigo ou se iria
para algum hotel.
— Aqui está. — Emily entregou a Holly o recipiente com a minha
torta, como se eu fosse incapaz. — E essa é para vocês.
Poul agradeceu, deu um beijo nela e saímos. Enquanto esperávamos o
elevador, Rose saiu pela porta e veio direto em minha direção, dando um
soco em meu peito.
— Nunca mais faça isso de novo. Emily quase morreu. — Abracei-a e
ela apenas queria parecer indiferente.
— Prometo — respondi.
— Posso conversar um pouco com você? — Olhei-a sem entender, mas
Holly fez sinal que iriam em frente para que pudéssemos conversar.
Holly e Noah foram em direção à escada, enquanto Poul e Frank
desciam. Depois que eles desapareceram, voltei a minha atenção a Rose, que
estava quieta, parada à minha frente.
— Pode falar. Vai querer uma indenização pelo tempo que fiz você
ficar aqui?
— Sinto muito. — Interrompeu minha linha de pensamento
— O que você sente mesmo?
— Durante todos esses anos, eu agi como uma perfeita idiota. Emily

361
não merecia o que eu a fiz passar. Minha intenção era fazê-la sofrer tudo que
eu sofri. Ela não me deixou viajar com meus pais e, quando eu voltei da
escola, eles já estavam mortos. Se ela não tivesse dito a eles para me
deixarem com ela, eu teria morrido com eles. Mas eles se foram e eu fui
deixada para trás. Eu a culpava por isso.
— E você achava que o sofrimento dela não era suficiente, e quis
aumentar ainda mais, não foi? — Tive vontade de sacudi-la.
— Sim, queria que ela sofresse.
— Tudo bem, você já me disse isso, eu já voltei e você pode ir embora
agora. — Dei as costas a ela para ir em direção às escadas.
— Eu disse queria, não quero mais. Ela sofreu muito quando você
desapareceu, não tive coragem de deixá-la. Percebi o quanto eu estava sendo
estúpida. Gostaria que ela algum dia me amasse como ama você. Enquanto
você não estava, tentei ser a neta que você queria que eu fosse. E quero
continuar tentando. — Ela parou de falar, e eu não sabia como reagir àquela
mudança.
— Ah… Eu espero que você faça isso mesmo. Emily não merece a
forma como você vem agindo com ela.
— Eu sei, vou mudar. Agora vá descansar e não se preocupe com mais
nada. Eu vou cuidar da minha avó direitinho e acho que não vou voltar mais
para a Europa, só para você saber. — Ela deu a volta para entrar.
— Você está falando sério? — Ainda não podia acreditar.
— Sim, agora que já sabe que eu vou me comportar, pode ir infernizar
a vida de outra pessoa. — Ela ficou séria. — Você é bom nisso.
— Vou fazer isso — respondi, sério. Não ia estragar seu papel de
durona. Enquanto ela fechava a porta, comecei a subir a escada.
— Bem-vindo de volta, sr. Fox — Holly disse, com os olhos
vermelhos.
— Obrigado, Holly. Vou continuar atormentando a vida de vocês por
um bom tempo ainda. Não vai ser tão fácil se livrarem de mim — sorri para
ela, não queria ficar emotivo.

362
— Assim espero. — Ela me enviou um sorriso carinhoso de volta. —
Se não precisam mais de mim, eu vou me deitar.
— Obrigado, Holly, mas não, não preciso de mais nada. — Ela
desapareceu pela porta que dava para a cozinha.
Caminhei devagar até a varanda, onde eu tinha visto que Noah estava
recostado em um dos sofás com os braços sobre os olhos. Parecia ter
cochilado.
— Acho melhor você ir se deitar.
Ele liberou os braços dos olhos e ficou me olhando.
— Como Rose disse, “nunca mais faça isso de novo”.
Empurrei a perna dele, deixando assim um espaço para eu poder me
sentar.
— Sei que ela, assim como Poul, Frank e Holly, se importaria, mas
você? — Eu não queria discutir, mas depois do que ele havia feito, não podia
apagar tudo com um sinto muito.
— Eu quase morri. Sério, quando eu cheguei aqui e soube o que tinha
acontecido… — Ele mudou a posição do corpo, sentando-se.
Quando Noah veio em minha direção, eu já sabia que a intenção dele
era me abraçar. Tive apenas alguns segundos para me decidir se o rejeitava
ou me entregava. Decidi aceitar o carinho, eu não ia ser cínico dizendo que
não queria. Eu queria, e muito.
Primeiro, senti o calor do corpo dele envolvendo o meu. Descansei
minha cabeça em seu ombro ao mesmo tempo que o envolvia pela cintura.
Ficamos ali, naquela estranha posição retorcida. Depois de quase dois meses,
senti meu coração voltando a bater em um ritmo suave, tranquilo, como se
estar nos braços de Noah fosse o que ele precisasse para se manter no ritmo
perfeito.
Pouco a pouco, meu rosto foi virado em direção ao dele. Senti apenas a
suavidade dos lábios dele sobre os meus, como se estivesse me conhecendo
novamente. Deixei que ele me guiasse, no ritmo dele. Um gemido e sua
língua forçou a minha boca. Eu a abri e segurei as lágrimas ao sentir
novamente o calor do beijo dele. Aproveitei e retribui com a mesma ternura

363
que estava recebendo, afinal, eu o amava. O problema era ele, não eu.
— Por que você ainda está aqui? — perguntei, depois de um tempo
tomando distância e voltando à minha posição normal.
— Eu me separei. — Estendeu a mão para que eu pudesse ver a
inexistência da aliança. — Pedi o divórcio a Penn.
Olhei para Noah tentando analisar o que aquelas palavras significavam.
Ele apenas havia pedido o divórcio? Ou havia se aberto, contando tudo? Se
fosse a primeira opção, queria dizer que ele ainda não estava preparado para
assumir uma relação homossexual. Seria impossível.
— Não vou perguntar o que isso significa. Estou começando a me
sentir cansado, vou dormir. — Tentei me levantar, mas ele tomou a minha
mão, retendo-me no lugar.
— Significa que eu voltei para você, livre, assim como eu havia
prometido.
— E, no momento em que você pediu o divórcio, você contou a ela que
estava voltando para mim? — Arrependi-me no mesmo instante que em que
as palavras abandonaram a minha boca. Eu já sabia essa resposta. — Não
precisa responder, eu já sei.
— Não. Contei apenas a Kate, mas Penn não precisa saber. Se vamos
ficar aqui, ninguém precisa saber.
Tristeza foi o sentimento que me definiu naquele instante. Percebi que
não era medo o que ele sentia, era vergonha. Noah tinha preconceito da sua
condição. Levantei-me e entrei de volta no apartamento enquanto ele me
seguia de perto. Não queria ouvir todas as desculpas que ele certamente teria.
— Essa mala é sua? — Apontei para uma mala enorme fechada
encostada em um canto da parede do closet.
— Sim, tivemos que montar aqui nosso QG. A entrada da empresa
estava praticamente sitiada — explicou, indo até a mala e pegando-a pela
alça.
— Entendo. Não posso nem imaginar como isso dever ter ficado. —
Continuei indo em direção ao banheiro. Depois de tanto tempo, precisava de
um banho em meu próprio banheiro.

364
— Eu não queria ficar aqui, mas tanto Holly como Poul insistiram. Se
você não se importar, gostaria de ficar no quarto de hóspedes até resolver o
que vai ser da minha vida.
— Pode ficar o tempo que precisar, você sabe disso. Eu só não estou
em condições de resolver muitas coisas agora, Noah, mas essa nossa conversa
ainda não terminou. — Minha vontade era de terminar com um “você sabe
que eu o amo”, mas resisti. Ele ainda ficou me olhando por um tempo, talvez
sem saber que atitude tomar. Depois, saiu puxando a mala e fechando a porta
logo atrás.

365
Capítulo XXV

NOAH SCOTT

Deixando o quarto de Julian, eu me dirigi ao de hóspedes. Queria estar


com ele, mas eu o entendia. Além de tudo o que ele havia passado nesses
últimos dois meses, eu também tinha pisado feio na bola com ele. Ele
precisava de um tempo, não só para voltar à rotina, como já tinham nos
instruído os psicólogos, mas também para me perdoar, que era o que eu
esperava.
De banho tomado, voltei ao quarto. Puxei um moletom da mala e me
vesti. Antes de dormir, tentei ler algumas das mensagens que tinham no
celular e que, durante o encontro, eu não havia tido vontade de verificar. A
primeira delas era de Kate. “A peste” estava querendo saber se ia rolar. Ri
com a alma aliviada. Ela havia aceitado tão bem, que me fazia pensar que
nossos pais também teriam aceitado. A seguinte mensagem era de Jordan
querendo reprogramar a festa da aquisição da fazenda que, com o acidente,
havia sido adiada. Depois do ocorrido, o espaço da Scott iria ficar pequeno.
Eu já imaginava que todos iriam querer comparecer.
A última mensagem que me dispus a ler era a de Penn me dizendo que
já tinha me dado tempo suficiente para pensar e colocar a minha cabeça de
volta no lugar. A mensagem era longa, não me dei ao trabalho de lê-la toda.
Rolei a tela até a parte final onde ela dizia me amar e que não merecia como
eu a estava fazendo sofrer. Suspirei. Eu havia doado bons anos de minha vida
a ela. Talvez, por fechar meus olhos a todos seus caprichos, ela havia se

366
acostumado mal. Só que, agora, eu já não imaginava uma noite sequer na
mesma cama que ela, muito menos terminando a minha vida ao seu lado. A
razão das minhas noites em claro estava apenas a um corredor de distância –
corredor este que eu estava disposto a fazer de tudo para eliminar.
Deixei meu celular sobre o travesseiro vazio. Queria ir até o quarto de
Julian e passar a noite agarrado a ele. Mas, como havíamos sido avisados
pelos psicólogos, para voltar ao ritmo de antes, ele precisaria de um tempo.
Então, eu lhe daria tempo. Não sei quantas vezes rolei na cama antes de poder
dormir. Era a primeira noite dele em casa e, com isso, eu poderia dormir
relaxado sabendo que ele dormiria tranquilo. Mas estava sendo mais difícil
do eu imaginava – tê-lo tão perto e ao mesmo tempo tão longe não era fácil.
Acordei com gritos aterrorizantes. Por um tempo, fiquei perdido sem
saber de onde vinham e muito menos quem gritava, mas foi apenas por um
segundo. Julian! Julian gritava como se a sua alma estivesse se separando do
corpo. Na pressa de socorrê-lo, tropecei no edredom e, entre tropeços,
escancarei a porta do quarto dele. Ele se debatia, desesperado. Puxei-o,
apertando-o de encontro ao meu peito ao mesmo tempo que o chamava,
tentando acordá-lo e acalmá-lo.
— Calma, baby, foi apenas um pesadelo. Você está seguro agora. —
Ajoelhei-me sobre o colchão, apertando o corpo dele de encontro ao meu
com mais força. Ele tremia, parecia estar sufocando. — Respire.
— Parecia tão real, Noah. — Por fim, abriu os olhos e olhou ao redor.
Parecia confuso. Depois levou os braços às minhas costas, apertando-me de
encontro a ele.
— Sim, mas já passou. Você está na sua cama. Relaxe, amor. —
Inclinei-me, levando seu corpo novamente de encontro ao colchão, fazendo
com que se deitasse e eu ficasse quase todo sobre ele.
— Se eu estou em minha cama e você está nela comigo, só há uma
forma de relaxar. — Ele levou a mão para debaixo do edredom. Eu sabia
exatamente o que ele estava fazendo.
Julian continuava olhando-me com desejo, a mão dele seguia
movimentando-se sob o edredom. Eu não sabia se ele tinha noção de tudo
que acontecera, ou se pensava que havia tido apenas um sonho ruim. Queria
deixá-lo e voltar para o meu quarto, mas ele chutou o edredom, se expondo à

367
minha frente. Estava bem mais magro, mas nem um pouco menos desejável.
O membro continuava grosso. Gemi com a visão e meu pau vibrou em
sintonia.
— Julian! — Minha boca desceu sobre ele ao mesmo tempo que meu
corpo girava, fazendo com que ele me tomasse.
— Noah, você não faz ideia da saudade que eu senti de você. Pensei
que nunca mais o teria de volta. — Percebi que ele estava ciente do que
estava acontecendo, sabia o que tinha acontecido. Melhor, assim eu não me
sentiria tão culpado.
— Eu também. Deixar você foi uma das maiores idiotices que poderia
ter feito. Eu… — Quando senti meu pau ser engolido por sua boca, não
consegui continuar.
Apertei o membro de Julian ao mesmo tempo que lambia a fenda que
estava se derramando. Um gemido de prazer vibrou em sua boca e me
incentivou a continuar. Julian me devorava sem piedade. Eu estava
totalmente enterrado em sua garganta, os movimentos de sucção que ele fazia
me enlouqueciam.
— Não posso mais. Vou gozar… — gemi. Meus quadris vibraram,
fodendo sua boca por vontade própria.
Como resposta, ele intensificou as chupadas, fazendo-me tirá-lo da
minha boca. Tamanha era a intensidade do prazer que eu estava sentindo, que
temia mordê-lo. Rolei de costas, abri minhas pernas e me entreguei às mãos e
à habilidosa boca de Julian. A cada descida dele, meu quadril fazia o
contrário, elevando-se do colchão, procurando enterrar-se ainda mais
profundo na garganta. Não queria forçá-lo e tratei de manter as minhas mãos
longe de sua cabeça. Com isso, o lençol estava por transformar-se em tiras. A
habilidade com que ele me tomava não deixou que eu durasse muito, o
orgasmo me alcançou com tamanha intensidade, que me esqueci
completamente de manter as mãos afastadas da sua cabeça e o segurei
firmemente no lugar enquanto me derramava dentro dele.
Pouco a pouco, os músculos do meu braço relaxaram o suficiente para
que eu pudesse deixar sua cabeça livre. Ele ainda lambia com vontade a
minha glande sensível e isso só fazia com que eu gemesse e me contorcesse
sem controle. Ele só se afastou quando teve certeza de que eu não conseguiria

368
sequer dizer meu nome caso me perguntassem. Minha bunda foi levantada
para que o travesseiro entrasse debaixo dela. Logo depois, ouvi o lacre do
preservativo. Isso fez correr pelo meu corpo uma onda de expectativa, medo
e excitação. O gel morno e o dedo sondando a minha entrada aumentaram
meu tesão a tal ponto que meu gemido ficou estrangulado em minha
garganta.
— Você ainda me quer, bebê? — Ouvi a pergunta no instante em que
era penetrado por seu dedo. Empurrei-me contra ele, querendo mais.
— Você não imagina o quanto. — Ele riu e juntou um segundo dedo,
friccionando ao mesmo tempo que fazia movimentos giratórios,
enlouquecendo-me.
— Julian… — Ele saiu completamente e, no lugar dos dedos, senti seu
membro grosso forçando a minha entrada apertada. Arfei.
— Relaxa para mim. — Com um empurrão e um gemido, senti que ele
me penetrava.
Julian se inclinou sobre mim, forçando com o peso do próprio corpo
seu pau a ir adiante. Ajudei-o, relaxando, até senti-lo todo enterrado em mim.
Estando assim, tomou minha boca com a sua. Aproveitei e acariciei a sua
língua com a minha, sugando-a com vontade. Travei meus calcanhares em
sua bunda, incitando-o a se mover. Mas, ao invés disso, ele levou a mão ao
meu pau e começou a me masturbar. Eu ia enlouquecer.
Tinha o membro de Julian completamente enterrado em minha bunda,
meu pau estava sofrendo nas habilidosas mãos dele, enquanto minha boca era
devorada… Eram tantas sensações de prazer e em tantos lugares ao mesmo
tempo, que meu cérebro estava a um segundo de travar.
— Julian… O que você está pretendendo?… Me matar? — eu gemia
sem controle ao mesmo tempo que tentava rezar para não sofrer um AVC.
— Não, bebê, só estou garantindo que você pense bem no que vai
perder se me deixar. Apenas isso — rosnou em meu ouvido.
Abandonando a minha boca, seu corpo começou uma dança de entrar e
sair de mim, pressionando os quadris contra a minha bunda. As mãos de
Julian ainda continuavam fazendo estragos no meu pau. Fui empurrado até a
minha cabeça ficar firme contra a cabeceira da cama. Então, os movimentos

369
se aceleraram. A cada estocada, minha bunda era levantada do colchão. Se,
por um momento, eu havia tido a impressão de que ele estava debilitado,
agora tinha certeza que não. Julian levantou minhas duas pernas e as deixou
contra seus ombros. Depois, se dobrou sobre mim. Os movimentos ficaram
cada vez mais urgentes. Puxei sua cabeça e trouxe sua boca de encontro à
minha. Meu corpo vibrava, desesperado, precisando de alívio, mas essa
segunda vez eu queria gozar com ele.
— Noah…
Com uma estocada final, Julian abandonou a minha boca e voltou à
posição de joelhos que havia estado. Tremendo, cravou as unhas em minhas
coxas e começou a se derramar dentro de mim. As mãos, que nunca haviam
abandonado meu pau, agora estavam lambuzadas com o resultado do meu
gozo. Nossa sintonia era tanta, que despejávamos o nosso prazer ao mesmo
tempo. Por um bom tempo, ficou apenas vibrando.
— Vamos tomar uma ducha e voltar a dormir. Ainda é madrugada —
Julian estava me sacudindo.
— Acho que cochilei. — Tentei sorrir.
— Você não foi o único. Eu só acordei porque estava preso em você —
riu e eu percebi que ele ainda estava enterrado em mim. Não consegui evitar
o gemido, fazendo-o rir ainda com mais gosto.
Devagar, Julian nos desconectou, e eu o acompanhei ao banho com as
pernas trêmulas. Enquanto eu esfregava seu tórax, ele lavava meus cabelos.
Assim seguiu a nossa troca até estarmos completamente limpos e de volta ao
quarto. Olhei para a cama. Não sabia se ele iria querer que eu continuasse
com ele ali. Caminhei em direção ao meu quarto.
— Você não quer terminar a noite comigo? — Senti uma ponta de
tristeza em sua voz.
— Pelo contrário, o que mais quero é terminar a minha noite abraçado
a você. — Fui até ele e o enlacei pela cintura.
— Então, venha. — Ele deitou-se, levantou a ponta o edredom,
convidando-me a unir-me a ele. — Estou morrendo de sono.
— Já estou indo. — Peguei o moletom que estava jogado aos pés da

370
cama e comecei a me vestir. — Eu também estou pronto para desmaiar de
sono.
— Por que você tem sempre que se enfiar nessa porcaria? —
resmungou, já quase dormindo.
Encaixei meu corpo ao dele e, agora sim, com o cheiro e o calor do
corpo de Julian em minhas costas, eu estava pronto. Ele já estava dormindo.
Meus lábios se curvaram em um sorriso ao mesmo tempo que algumas
lágrimas rolavam por meu rosto.
Acordei, não pela claridade ou por algum barulho, pois tudo continuava
na penumbra e o som suave de uma melodia ecoava pelo quarto. Girei meu
corpo, esperando ver Julian, mas ele não estava. Apoiei meus cotovelos sobre
o colchão. Olhei ao redor, mas não o vi. Deixei cair novamente meu corpo,
puxei o travesseiro dele e o cheirei, me espreguiçando com um gemido.
Queria tê-lo de novo. Com preguiça, arrastei-me até meu quarto. De banho
tomado, desci para a cozinha na esperança de encontrá-lo. Não havia
ninguém, sequer a mesa estava posta.
— Bom dia, sr. Scott. O sr. Fox está na cobertura. — Olhei para Holly,
O último lugar que poderia estar seria na academia. Não acreditava que ele
fosse começar com os exercícios tão rápido.
— Obrigado. Vou ver como ele está. — Deixei-a, indo em direção às
escadas.
Entrei e estava me dirigindo à academia quando ouvi Julian me chamar.
Respirei aliviado, ele não estava em uma sessão de exercícios, estava sentado
na varanda com o laptop sobre as coxas. Ao lado dele, uma mesa servida para
um batalhão. Se Holly já gostava de encher a mesa, saber que ele havia
passado fome só fazia com que ela caprichasse ainda mais.
— Bom dia! Nem vou perguntar se dormiu bem, você parecia um anjo
dormindo que tive pena de acordá-lo — sorriu, oferecendo o rosto para um
cumprimento.
— Bom dia. — Evitei o rosto e depositei um beijo suave em seus
lábios.
— Estava dando uma olhada na empresa enquanto esperava por você
para o café.

371
— Está tudo em ordem com a empresa. Com certeza, Poul tomou conta
de tudo direitinho. Acho melhor você tirar esses primeiros dias para
descansar. O que você acha? — Fechei o laptop e o joguei no sofá.
Ele olhou o que eu havia feito e parecia que ia protestar, mas logo
depois sorriu e se ajeitou na cadeira, começando a preparar o prato para
comer.
— O que você acha de um passeio pelo Central Park, como aquele que
fizemos quando você chegou aqui, pela primeira vez? — Fui atingido por um
mal-estar. Imaginava que toda a cidade ainda estaria querendo saber
novidades sobre o que tinha acontecido no Brasil.
— Não acredito que seja uma boa ideia se expor em pleno Central
Park.
— Por que não? Se você está preocupado com repórteres, saiba que
eles estarão por todos os lados. — Ele deu de ombros, não dando
importância.
— Tudo bem. Se é isso que você quer fazer, é isso que faremos. — Fiz
o mesmo gesto dele, acompanhando com um sorriso.
— E durante o passeio, você me explica como foi o pedido de divórcio,
sua volta e o que pretende para o futuro — ele disse, sorrindo, já começando
a comer.
Diferente da primeira vez, hoje o Central Park parecia mais
movimentado. Andamos pelos caminhos lotado de famílias, casais, turistas…
Encontramos um lugar mais tranquilo e Julian se jogou na grama. Eu me
sentei ao lado dele enquanto tomava os últimos goles da minha garrafinha de
água. Não sabia se ele havia percebido, mas durante todo o trajeto tínhamos
sidos seguidos. Eu não era especialista, mas se via as mesmas pessoas nos
mesmos lugares e muitas vezes nos apontando com câmeras, era lógico que
eram repórteres. Deitei-me ao lado dele. Com isso, ele girou o corpo, ficando
de lado ao mesmo tempo que apoiava a cabeça na palma da mão. Levou a
outra mão sobre o meu peito, tentando me fazer um carinho. Mas eu me
retraí.
— O que foi? Pensei que já tivéssemos passado dessa etapa. — Vi
como ele retirava a mão, parecendo ofendido.

372
— Não é isso. Só que muitos fotógrafos estão rondando aqui. —
Endireitei meu corpo, ficando sentado.
— Melhor irmos. — Ele se afastou, ficando em pé e, no mesmo
instante, começou a caminhar.
— Espere por mim. Por que a pressa? Você queria vir. Acabamos de
chegar. — Ele não se dignou a responder, muito mesmo a diminuir os passos
ou parar. — Julian?
Ele continuou caminhando. Corri atrás até alcançá-lo e caminhamos
calados. Percebi que ele tinha se ofendido, mas ele não via o que toda aquela
exposição poderia trazer. Eu ainda não havia contado a ninguém, exceto para
Kate. Se uma imagem nossa chegasse à fazenda, eu não sabia o que poderia
acontecer.
— Não fique assim. — Assim que entramos em casa, levei meus braços
à cintura dele, trazendo-o ao meu encontro. Beijei sua nuca ao mesmo tempo
que levava minhas mãos à virilha. — Eu amo você, Julian. Tenha um pouco
de paciência comigo, por favor.
Julian continuou parado, não se afastou, mas também não me
incentivou. Parecia esperar apenas que eu o soltasse para se afastar – e foi o
que aconteceu. Assim que as minhas mãos o deixaram, ele continuou, passou
reto pela sala e entrou na cozinha. Eu o ouvi avisando que não comeria em
casa. Logo depois, subiu.
Fiquei um tempo parado, sem saber como agir. Saí na varanda, tirei
meu celular do bolso e liguei para Kate. Nessas horas, era bom ter uma
confidente, mesmo que essa pessoa fosse a peste da sua irmã.
— E aí, rolou?
— Puta que pariu, Kate, você só pensa nisso? — Olhei para o telefone
sem acreditar.
— Para de enrolar e responde de uma vez.
— Deus, dai-me paciência! — suspirei. — Sim, rolou.
— E como foi?
Respirei várias vezes e pensei em desligar, mas eu precisava desabafar.

373
— Liguei para você porque precisava de alguns conselhos, mas se você
quer saber apenas da minha vida sexual, acho que não vai dar. — Esperava
que com isso ela se desse conta de que as perguntas que estava fazendo era
uma invasão não só da minha privacidade, mas da de Julian também.
— Desculpe-me, você tem razão. Mas é que estou tão feliz por você,
que acho que exagerei. — Se eu soubesse que ela ficaria tão feliz assim, teria
contado há muito mais tempo o que eu sentia por ele. — Diga-me, que
conselho você quer da sua irmãzinha?
Segurando o riso, contei o que ocorrera durante o passeio, o pavor que
sentia de ser descoberto, e como esse meu medo estava magoando Julian. Ela
ouviu tudo calada e, no fim, deu-me um conselho que poderia ser a minha
ruína. Ela estava louca, eu jamais faria isso.
Ainda estava com o coração batendo rápido depois de ouvir as loucuras
de minha irmã, quando, da sacada, vi Julian descendo as escadas. Os cabelos
longos, molhados do banho recente, chegavam aos ombros. Ele ainda não os
havia cortado. Ele não tinha me visto, então aproveitei para admirá-lo um
pouco mais – jeans, tênis, uma camisa branca simples com a manga dobrada.
Olhou-se no espelho e passou as mãos pelos cabelos. Amarrou-os, mas logo
voltou a desamarrar. Sacudiu a cabeça, deixando-os completamente
bagunçados.
Sentia-me um intruso na casa dele. Talvez fosse melhor procurar um
lugar para ficar, distribuir meu currículo, cuidar da minha vida… Ele estava
de volta e bem. Baixei a minha cabeça e levei as mãos a ela. Eu me
encontrava em um caminho sem saída. Não ia conseguir ficar sem ele, mas
também não estava preparado para me assumir. Estava desesperado. Se eu
não tomasse logo uma decisão, poderia perdê-lo para sempre. Ele já estava se
afastando.
— Noah? — Abri meus olhos e levantei a cabeça, então vi Julian
ajoelhado à minha frente.
Com a palma da minha mão, toquei e acariciei seu rosto, sentindo as
linhas fortes dos pômulos másculos. A umidade do cabelo o deixava ainda
mais negro e brilhante, em contraste com a pele acobreada e aqueles olhos
azuis perfeitos. Fui obrigado a engolir em seco várias vezes antes de
conseguir achar a minha voz. Caí de joelho em frente a ele.

374
— Julian!
— Você está bem? — Ele fez o mesmo gesto que eu, acariciando o
meu rosto.
— Não sei. Diga-me você. — Eu tremia.
— Venha aqui. — Meu corpo foi enlaçado pelos braços dele.
— Não quero perder você, mas acho que já estou perdendo. —
Levantei-me de onde estava ajoelhado, recompondo-me.
— Quanto a isso, não sei, Noah. Só você tem o poder de me manter ao
seu lado. — Ele também ficou em pé enquanto olhava para o parque.
— Não me dê mais as costas, Julian. Você fez isso duas vezes hoje
comigo, quase morri.
— E você, Noah? Tem noção de quantas vezes já me deu as suas? —
Não senti raiva na voz dele, apenas dor e cansaço. — Cada vez que você se
nega a me tocar, cada vez que você evita um carinho meu, é mil vezes pior.
— Eu sei, e sinto muito por tudo que já fiz você passar. — Abracei-o
novamente, apoiando a minha cabeça em seu peito. Ele me aconchegou
contra si.
— Desculpe ter dado as costas hoje a você. Fiquei chateado, mas já
passou. Que tal sair comigo para almoçar? Estou pensando em umas
costeletas com batatas que vão enlouquecer você. — Senti minha alma
ficando leve novamente.
— Só se você puder me esperar. Antes, preciso de um banho. Tenho
grama até nos ouvidos.
— Eu espero. Vá tomar seu banho. Enquanto isso, vou ver como Emily
está. Quero aproveitar e dar uma palavrinha com a Rose. — Senti minha nuca
sendo puxada e os lábios dele tocando o meu rosto, depois um empurrão
suave.
Não esperei, corri escadas acima, rindo como um idiota. Tomei um
banho rápido apenas para retirar o suor e as pequenas folhas que estavam
presas no cabelo. Desci. Quando estava passando pela sala, cruzei com Holly
e dei a ela um beijo estalado, me despedindo. Cheguei ao apartamento de

375
Emily, tive tempo apenas de dar um beijo nela e saímos. Ele olhou para o
carro que George mantinha com a porta aberta, mas logo decidiu caminhar.
Caminhamos pela Madison Avenue. Depois de algumas quadras, ele
entrou em uma rua pouco movimentada. Uma porta de madeira azul estava
fechada. Qualquer um que passasse em frente não diria que era um
restaurante. O ambiente era aconchegante, as conversas eram abafadas por
uma melodia suave. Imediatamente, gostei do lugar.
E ele não estava errado, eram perfeitas as costelas suínas cobertas com
um delicioso molho texano, batatas assadas e cebolas apimentadas,
acompanhadas de um tinto californiano para completar o prato. Percebi que
durante todo o tempo, Julian evitava estar muito perto de mim ou me tocar.
Ele só parecia feliz, mas eu não percebia a felicidade refletida em seus olhos.
Durante a semana, percebi Julian se apagando diante dos meus olhos.
Ele sorria, mas eu não via alegria em seu sorriso. Quando saíamos, ele apenas
me acompanhava, sem nunca tentar um carinho. O sexo entre nós continuava
sendo intenso, mas agora, ao terminar, ficava um estranho vazio. Ele parecia
cada vez mais distante. Eu tinha medo de que chegaria o momento que eu já
não o alcançaria. Eu não entendia, eu já o tinha aceitado, não me preocupava
mais quando saíamos, eu fazia questão de segurar a sua mão. Não entendia o
que ainda o deixava triste.
— Já está tudo aqui?
Olhei a pequena mochila que ele havia preparado. Emily nos havia
emprestado sua casa de fim de semana nos Hamptons. Ele tinha arrumado
tudo, mas parecia distante. Nosso medo – principalmente o meu – era que ele
entrasse em depressão. Nem na própria empresa ele parecia mais interessado,
estava deixando tudo nas mãos de Poul. Estávamos todos preocupados.
— Sim, só vou levar um jeans e uma camisa. Depois, preciso apenas de
bermudas, calções e camisetas — ele disse, apontando a mochila.
— Como ele está? — Não olhei para saber quem estava me fazendo a
pergunta. Rose apoiou os cotovelos na mureta da varanda e seguiu meu olhar.
Tanto ela como Emily, Poul e Frank haviam vindo no dia anterior para passar
conosco o fim de semana.
— Nada bem — suspirei. — Está cada dia mais introspectivo.

376
— Gostaria que melhorasse. — Ela levantou a perna e montou na
mureta. — Ele é legal. Se não fosse por ele, eu não teria percebido todo o mal
que estava fazendo para a minha avó.
— Sim, ele é um grande homem. — Continuei seguindo Julian com o
olhar. Ele se levantou de onde estava e começou a caminhar, chutando a
areia.
— Por que você não vai lá? Ele parece muito triste. — Emily se juntara
a nós e também estava olhando para ele.
— É que eu já não estou sabendo como agir com ele. Não sei se dou a
ele o espaço que acho que ele está precisando, ou se fico por perto —
suspirei, me sentindo derrotado.
— Melhor sufocá-lo de carinho que deixá-lo sozinho. Vou preparar
algo gostoso. Rose pode me ajudar com a sobremesa, não é, querida? — Ela
abraçou a neta, que retribuiu o carinho.
— Vamos lá. Pena que não vai dar para conquistar nenhum deles pelo
estômago. — Se eu não tivesse conhecido Rose antes do acidente, não
acreditaria na mudança.
Deixei as duas e desci os lances de escada que levavam à praia,
alcancei Julian e comecei a caminhar ao lado dele, em silêncio. Depois de
alguns metros, ele parou e ficou olhando para o mar, quieto. Quando
suspirou, eu percebi que estava se preparando dizer algo importante. Meus
batimentos cardíacos aceleraram.
— Noah, eu estive pensando… — Ele colocou as mãos nos quadris,
depois se jogou sentado na areia. — Sente-se um pouco aqui comigo.
Com um pressentimento frio percorrendo minhas veias, sentei-me, já
que não havia outra opção para as minhas pernas. No fundo, eu já sabia o que
ele ia me dizer, mas não queria ouvir. Pela forma como ele estava agindo nos
últimos dias, ele só podia querer terminar a nossa recém-iniciada relação. E o
pior é que eu não podia sequer culpá-lo.
— Acho que não vamos poder continuar juntos. — Respirei, porque
estava a ponto de me sufocar. — Eu tentei, Noah, juro que tentei.
— Julian! — Tentei.

377
— Espere, Noah, se eu parar agora não vou poder dizer o que eu
planejei. Aquele dia, no parque, eu percebi que você não vai estar nunca
preparado para me assumir. Sempre haverá uma desculpa — ele suspirou de
forma triste.
— Julian, eu já assumi você. — Eu ainda tentei.
— Não, Noah, não se iluda, e não tente me iludir também. Até agora
você só teve coragem de contar para a sua irmã. Eu não estou acostumado a
viver me escondendo. — Ele parou. Parecia esperar que eu dissesse que ele
estava errado.
— Mas nós já não nos escondemos. Eu nunca mais evitei você — eu
disse.
— Eu estive pensando. As outras duas vezes foi você que me
abandonou, por isso eu fiquei muito mal. Agora, sou eu que quero pôr um
fim. Estou preparado para me afastar. — Ele se levantou para voltar para casa
e eu o acompanhei.
— Vamos pensar numa solução. Antes do acidente, Kate e Jordan
estavam pensando em comemorar a compra da fazenda e agora, com a sua
volta, querem fazer uma dupla comemoração. Ela queria que eu combinasse
com você para a próxima semana. O que você acha? — Assim, pelo menos,
eu teria alguns dias a mais com ele e, nesse meio tempo, eu resolveria.
— Eu adoraria ir, não só pela comemoração. Eu adoro aquele lugar e
todos que vivem lá, você sabe disso. — Por fim, depois de muito tempo,
consegui tirar um sorriso verdadeiro dele.
— Podemos ir e ficar lá durante a semana. — Seria maravilhoso passar
uma semana com ele na fazenda.
— Ouça-me, Noah. Não pense que vou voltar atrás. O que eu disse foi
sério. Talvez seja melhor você voltar para a sua esposa. Eu me iludi pensando
que você estava preparado. Agora sei que nunca estará — enquanto ele
falava, minha mente trabalhava tentando achar uma solução.
As coisas que Kate havia me dito pareciam fazer todo o sentido nesse
momento. Era eu que não estava vendo. Eu repetia o tempo todo, tanto para
mim quanto para ele, que eu já o havia assumido, mas eu o tinha feito isso
longe de tudo e de todos, não em frente aos que realmente importavam. A

378
fazenda continuava sendo meu pesadelo. Eu havia dito que seria maravilhoso
passar uma semana com ele. No fundo, eu sabia que passaria uma semana
com ele lá, mas nunca ao lado dele. Eu jamais ficaria na mesma cabana que
ele, nunca o tocaria na frente deles, muito menos o beijaria. Não podia dar o
que ele queria, o que eu oferecia não era suficiente. Então, não havia nada
mais a ser feito, estava tudo acabado.

379
Epílogo I

JULIAN RED FOX & NOAH SCOTT

— Você tem certeza de que não tem volta? — A voz de Kate soou
como um murmúrio em meu ouvido.
Deixei de olhar os planos de uma pequena ponte que deveria ser
construída para dar acesso à nova fazenda. Olhei ao meu redor e vi que a
maioria já tinha se retirado para o galpão onde o almoço estava sendo
servido. Noah e eu havíamos chegado na segunda-feira, hoje já era sexta e
corríamos contra o tempo a fim de deixar tudo perfeito como a exigente Kate
queria.
Voltar novamente à fazenda foi a melhor de todas as minhas decisões,
mesmo sabendo que meu tempo ao lado de Noah já havia passado. Andar a
cavalo, aproveitar as melhores comidas e, ainda, poder ajudar na organização
da festa era uma boa distração. Meus dias estavam sendo maravilhosos.
Eu havia me hospedado em um dos chalés e, como já havia previsto,
Noah não fez menção de ficar comigo. Ao contrário, preferiu ficar na casa de
Kate e parecia com medo o tempo todo de que eu cometesse alguma gafe e
ele fosse descoberto.
— Não posso viver com uma pessoa que tem medo de ser vista comigo,
Kate. — Joguei meus óculos sobre a mesa e massageei as pálpebras. — Você
não acha que eu daria tudo para ficar com ele?

380
— Ele ama você! — Ela não precisava me dizer, eu sabia, mas não era
esse o problema.
— Assim como eu o amo. — Puxei uma das cadeiras que estava perto
da mesa e me sentei. Ela continuou parada, olhando para mim.
— Você acredita que quando ele me contou, eu quis socá-lo, e pensou
que era por ele ser homossexual? Em nenhum momento ele pensou que eu
estivesse com raiva por ter feito todas as besteiras que fez com a vida dele só
para se esconder — ela bufou, com raiva.
— Acho que o mais preconceituoso nessa história toda é ele. Ele não se
aceita e coloca a culpa nos demais, então fica difícil. Onde você acha que ele
está agora? — No momento, era eu que estava com raiva. — Se ele quisesse
ter uma chance comigo, ele estaria aqui, tentando. Mas o que ele faz? Evita
todos os lugares em que estou, pensa que eu não percebo?
— Eu sei. Meu único consolo é que ele não vai voltar com a Penn.
Ontem, ela apareceu em casa querendo levá-lo de volta, mas ele negou.
Talvez com isso ela esperasse que a minha raiva passasse, mas só
aumentou.
— Pois ele que fique com ela, já que ela não o envergonha. — Deixei
Kate e saí da sala. Ela não merecia que eu despejasse sobre ela todas as
minhas frustrações. Segui direto ao galpão, pelo menos, a fome não me
abandonava.
Servi meu prato e fui me sentar no lugar que Jordan se acostumou a
deixar reservado para mim. Durante o almoço, conversamos sobre como seria
a recepção no dia seguinte, a quantidade de pessoas que tinha confirmado…
Eu tinha incluído em minha pequena lista Emily, Rose, Holly, além de Poul e
Frank. Já tínhamos os chalés reservados para as mulheres e eles ficariam
comigo. Era a primeira vez que eu apresentava alguém do meu passado a eles
e, como não poderia deixar de ser, euforia era o que não faltava.
— Tomamos a liberdade de convidar alguns primos seus — Jordan
raspou a garganta ao fazer o comentário. — Noah disse que eles ajudaram
muito nas buscas. Espero que não se importe, porque eles já confirmaram.
— Não me importo. Vai ser bom misturar um pouco. Eu deveria ter
ligado para eles assim que voltei para casa, mas aconteceram muitas coisas…

381
Vai ser bom encontrá-los aqui. — Com isso, pude ouvir o suspiro de alívio
que ele emitiu.
— Vai ser uma das melhores festas. — Ele continuou comendo, agora
com um sorriso no canto da boca.
Nesse momento, Noah entrou com Kate logo atrás dele. Enquanto ela
vinha para a nossa mesa, ele apenas acenou de longe, indo se servir. Depois,
se afastou, indo se sentar em um canto afastado. Olhei para Kate, indicando a
ela que eu percebia o que ele estava fazendo. Ela olhou para ele, depois para
mim, revirando os olhos.
— Não acredito que vocês se desentenderam de novo, depois de tudo
que você passou! — Jordan desceu os talheres sobre a mesa, disposto a ir até
ele. — Vou lá dar uns bons puxões de orelha nele, que é o que ele está
merecendo.
— Deixe-o comigo, Jordan. Noah está com a cabeça quente por culpa
de Penn — amenizou Kate. — Ela não está querendo aceitar a separação.
Voltou ontem da casa dos pais para estar amanhã na festa ao lado dele.
Deixe-o.
Kate se foi, e continuamos comendo como se não tivesse ocorrido nada.
De vez em quando, eu sentia o olhar dele sobre mim, assim como o de Kate.
Imaginava o esforço que ela deveria estar fazendo para contornar toda a
situação, afinal, era a única que sabia de tudo.
Estava vestindo minha camisa quando Poul entrou no pequeno quarto,
avisando-me que Noah estava na sala querendo conversar comigo. Mesmo
sem querer, meu coração falhou algumas batidas, fazendo-me sentir um
perfeito idiota. Se ele estava na sala era porque queria resolver algo sobre a
recepção, afinal, já eram quase nove horas e a missa que daria início a tudo
estava marcada para as dez. Terminei de abotoar a camisa, vestindo por cima
um terno cinza e uma gravata grafite. Feliz com o resultado, saí amarrando o
meu cabelo, que estava mais longo que o habitual.
— Olá, Noah. Algum problema com a comida? — perguntei, tentando
não parecer irônico. Eu tinha me encarregado do buffet.
Ele estava de costas, com as mãos apoiadas no batente da janela, então
virou-se para poder me olhar. Poul e Frank, que estavam fazendo sala,

382
saíram, prevendo discussão.
— Você ainda me ama, Julian? — Esperava qualquer coisa, menos essa
pergunta, e ele já sabia a resposta.
— O que você acha?
— Só preciso ter certeza, afinal, você me deixou. — Ele encostou as
costas contra a abertura da janela e ficou esperando.
— Você sabe que sim, Noah. Deixar você não teve nada a ver com
sentimento. Isso não mudou e não creio que algum dia mudará.
— Você aceitaria ser o meu companheiro? — Nesse momento, não me
decidi entre o choro e o riso.
— Para morar onde? No Alasca? Em Marte? — Não, eu não me
envolveria com alguém que não me aceitasse e, principalmente, não se
aceitasse. — Noah, já estamos atrasados. Logo, logo, Kate vai ter uma crise.
Temos que ir.
— Tudo bem, eu só queria ter certeza. Eu também amo você — ele me
disse, sorrindo. Tive vontade de beijá-lo, mas me controlei e afastei o
sentimento. — Vou levar vocês. Foi para isso que Kate me mandou.
Chegamos e estava tudo parecido com o encontro ao qual eu havia
comparecido, só que a quantidade de gente duplicava a anterior. Jordan havia
dito que era por minha causa. Todos queriam ver e saber um pouco da
história do sobrevivente, e tinha razão. Logo na entrada, fui cercado por uma
quantidade enorme de perguntas, abraços, cumprimentos. Fotos foram tantas,
que eu já estava tendo cãibra no rosto.
— Red Fox! — Ouvi alguém me chamando e logo meu pescoço foi
amarrado por uns braços finos e fortes.
— Little Eagle — ri com a minha prima. Sabia que eles tinham
abandonado trabalho, estudos, tudo para ajudar nas buscas.
— Como você está bem! — admirou-se ela, sorrindo e dando lugar aos
outros da fila.
Cumprimentei os demais e logo uma desesperada Kate nos empurrou
para dentro da tenda, reclamando que estávamos dando mau exemplo ao

383
sermos os últimos. A missa foi rápida. Depois, Jordan passou em frente e,
com um curto discurso, informou o porquê da reunião, convidando todos para
a tenda onde seria servido o almoço. Caminhei com meus primos, Poul,
Frank, além de Holly, Emily e Rose – e todos bravos comigo por ter
escondido deles por tanto tempo não só um lugar maravilhoso, como pessoas
também. Paramos na entrada. Eu não estava por dentro da distribuição das
mesas e a tenda já estava quase toda lotada. No meio da multidão, vi uma
mão levantada nos chamando.
— Parece que você vai se sentar ao lado do seu homem — Poul disse
no meu ouvido assim que Kate começou a distribuir os lugares e eu me vi
sentado entre Noah e Emily.
— Eu não me importo. — Pouco depois, o almoço começou a ser
servido acompanhado de uma suave música de fundo. Noah, por sua vez,
falava com todos, menos comigo, mas eu já não estava me importando.
— Começaram os discursos. Espero que não demorem. Estou louca
pegar uns desses cowboys, todos parecem deliciosos — Rose, que estava à
minha frente, disse, passando a língua nos lábios.
— Cuidado, garota. Esses são homens rudes. Não são como esses
garotos da cidade — avisei-a.
— Pare de querer assustá-la, Julian — Emily protestou. — Isso mesmo,
minha neta, vá lá e faça um test drive com eles. Depois, escolha o melhor e
me conte como foi. Eu mesma, também, já estou de olho em alguns — Emily
sorriu, piscando para a neta.
— Emily! — Tentei passar a impressão de estar horrorizado.
— Ah, cala a boca, Red. Ela tem razão. E, Rose, eu garanto que você
não vai se arrepender — Kate se meteu na conversa, apoiando as duas.
— Estou amando tudo aqui — Emily riu e as três bateram com as
mãos, unindo as risadas.
— Acho que é a sua vez — Jordan tinha terminado o discurso e estava
avisando a Noah para subir. Ele ficou de pé, olhando ao redor. Pela primeira
vez, pareceu nervoso.
— Vai lá, você consegue — Kate o incentivou e deu uma piscadela.

384
— Não sei o que está acontecendo com ele. Sempre falou em público e
nunca teve problemas antes. — Jordan puxou a cadeira para voltar a se
sentar.
— Bom dia. B-bem… — gaguejou, arranhando a garganta —, hoje não
vou falar muito sobre a fazenda. Jordan já fez isso, os outros farão também.
Hoje, eu… — ele parou novamente, enquanto passeava o olhar pela tenda
lotada.
— Que merda está acontecendo com ele? — rosnou Jordan ao meu
lado.
— Calma, Jordan, ele só está nervoso — Kate brigou com ele.
— Hoje, eu quero falar de um homem maravilhoso — continuou Noah.
Foi nesse momento que eu gelei. — Todos sabem de quem eu estou falando.
Julian Fox, ou Nath, ou ainda Red, como o chamávamos quando éramos
crianças. Foi ele quem tornou possível a compra da fazenda. Julian, será que
você pode subir aqui um momento? Muitos aqui ainda não o conhecem.
— Vá lá, rapaz, vá lá. Você merece.
Evitei uma careta, a última coisa que eu queria era ser examinado por
um batalhão de pessoas.
Como já não podia fazer mais nada, levantei-me e segui por entre as
mesas. Aplausos e assovios ficavam cada vez mais altos. Noah sorria e eu
queria dar um soco na cara de felicidade dele.
— Bem, aqui está ele. — Seu sorriso se ampliou e ele se uniu aos
aplausos.
— Obrigado, mas não sou tudo isso — agradeci, já querendo voltar à
minha mesa.
— Sim, você é tudo isso e muito mais. — Ele ficou de frente para mim.
Parecia nervoso, mas sorria de orelha a orelha. — Você foi e ainda é a pessoa
mais incrível que eu já tive o prazer de conhecer.
Noah levou sua mão até a minha e a tomou entre as palmas. Nesse
momento, eu me preocupei. A tenda, que antes estava barulhenta, agora
estava silenciosa, tanto que o barulho das batidas do meu coração doía nos
meus ouvidos.

385
— É por isso que eu quero que todos saibam que eu sou completamente
apaixonado por você. Eu o amo e não sei mais como seguir a minha vida sem
você.
PORRA! MÃE DE TODAS AS PORRAS! Foi o berro do meu
pensamento querendo escapar de dentro da minha cabeça. Eu sentia que, no
recinto, ninguém respirava. Esperava que, a qualquer momento, Penn
começasse a gritar, mas até ela deveria estar muda, assim como todos. Antes
que eu pudesse me recuperar, vi Noah levando a mão ao bolso e caindo de
joelho à minha frente. Puta que pariu, o que esse louco estava fazendo?
— Por isso, eu lhe pergunto, Julian Nathanael Red Fox — eu ainda não
estava cem por cento recuperado —, você também me ama o suficiente para
aceitar ser o meu companheiro?
***
Conversando com Julian na praia, percebi como eu havia sido idiota.
Tive que quase perdê-lo para poder ver a estupidez que eu estava fazendo. Ao
vê-lo decidido a me deixar, percebi que se eu não tomasse uma atitude, isso
aconteceria muito em breve. Sorri sozinho ao pensar que o plano de Kate, que
eu havia dito que era uma loucura, seria o que eu usaria.
Voltamos à fazenda. Enquanto ajudávamos a organizar o encontro, eu
organizava a minha surpresa para ele, mas, quando chegou o dia, comecei a
ficar com medo. E se ele não aceitasse? E para piorar, Penn resolveu aparecer
e grudar no meu pé. Melhor, assim ela também saberia em primeira mão o
motivo da minha separação e meu pedido de divórcio.
Quando comecei a fazer o meu discurso, meu único pensamento era
sair correndo, desaparecer. Mas se eu fizesse isso, eu não o teria. Ter quase
trezentos pares de olhos fixos mim não era uma coisa fácil, e só segui em
frente porque ele estava comigo, caso contrário, teria saído correndo. Ele
esperava que eu me assumisse e o assumisse. Se essa era a prova que ele
queria, eu daria a ele em grande estilo. Depois disso, nada mais importaria,
apenas ele. Quando eu fiz o pedido, ele apenas me olhou, sem pronunciar
uma só palavra. Nesse momento, bateu uma insegurança. E se ele dissesse
não? Afinal, eu o havia tratado mal tantas vezes, que ele poderia ter desistido
de mim para sempre.
— Então, Julian, você aceita ser o meu companheiro? — Tremendo e

386
com muito medo de ouvir um não, repeti a minha pergunta.
Quando eu já estava imaginando que Julian sairia correndo, me
deixando ajoelhado como um idiota só para se vingar de tudo que eu havia
feito a ele, ele caiu de joelhos à minha frente.
— O que você está fazendo? — Ele ainda segurava a minha mão, e a
dele estava gelada.
— Estou me assumindo. Não era isso que você queria? Assim, não
vamos precisar morar no Alasca ou em Marte — tratei de rir, pois estava
muito nervoso. Ele ainda não havia dito que aceitava.
— Noah…
Que merda estava acontecendo com ele?
— Julian… — Se ele ainda não se decidira, era a hora de dar um up
nesse pedido. Deixei no chão a caixa com as alianças que eu havia comprado
e avancei a minha boca contra a dele, com um esfomeado beijo de língua.
— Isso, sim, é que é se assumir em grande estilo.
— Você merecia — ri, percebendo que o silêncio na tenda ainda era
total.
— Será que isso responde à sua pergunta? — Ele devolveu meu beijo,
tomando minha língua com a mesma fome que a minha.
— Que susto você me deu.
— Eu aceito, sim. Vamos lá, me dê esse anel. Sou eu que quero ter a
honra de colocá-lo no seu dedo.
Ainda no chão, entreguei a ele o anel e tremi ao ver a pequena argola
deslizando pelo meu dedo. Tomei o outro e fiz o mesmo com o dedo anelar
dele. Depois, unimos nossas mãos, vendo o resultado, rindo. Só nesse
momento os aplausos começaram – tímidos, no início, para depois ficarem
enlouquecedores.
— Não acredito que estive casada com uma bicha todo esse tempo — a
voz esganiçada de Penn ressoou quando os aplausos começaram a diminuir.
— Que nojo.
A declaração dela foi seguida por um ensurdecedor som de vaia. Olhei

387
para a direção de onde tinha vindo a voz e vi que alguém a estava retirando
do lugar. Não me importei, eu apenas ria, feliz. Julian havia dito sim e nada e
nem ninguém poderia diminuir o brilho da minha felicidade. Levantei-me do
chão, puxando-o comigo. Estando de pé, não resisti e o beijei novamente.
Descemos do estrado ainda abraçados. Procurei algum olhar de
repreensão de parte das pessoas que no momento mais me importavam, mas
não vi nenhum. Apenas abraços e desejos de felicidades, e Jordan foi o
primeiro deles.
***
Eu estava feliz por Noah, mesmo tarde, ter percebido que o maior
preconceituoso em toda a nossa história sempre havia sido ele e ninguém
mais. Nunca o havia sentido mais leve. Ter os braços dele presos em minha
cintura enquanto conversávamos me dava plena certeza de que ele havia
superado todo o medo que sentia.
— Você está me devendo. — Olhei para Noah direto nos olhos, já que
ele havia girado meu corpo e me tinha preso a ele pela cintura.
— Não entendi. O que eu estou devendo? — Acariciei com os nós dos
meus dedos o rosto sorridente dele. Não resisti e dei um selinho nele
enquanto esperava a resposta.
— Uma lua de mel — sorriu, feliz. — Eu pedi você em casamento. A
lua de mel é por sua conta.
— Sério? Podemos sair agora?
Ele riu, beijando-me de volta.
— E você acredita que alguém poderia me segurar aqui?
Noah puxou-me pela mão, acenando para todos enquanto saíamos
apressados.

388
Epílogo II

NOAH SCOTT & JULIAN RED FOX

Com um último estremecer do meu corpo, meu membro se liberou das


gotas finais de gozo. Tomei a boca de Noah e mordi de leve seus lábios, para
depois deixar um beijo carinhoso.
— Julian… — ele gemeu enquanto devolvia o beijo com a mesma
ternura.
— Sim? — respondi, ainda com a respiração pesada.
— Acho que, quando gozei, senti minha alma brilhar de tão forte que
foi. Pensei que com o tempo a intensidade diminuiria, mas não, é cada vez
mais intenso. — A voz dele estava rouca não só pelo recente orgasmo, mas
também pela emoção.
— Eu sei, e você sabe o porquê de isso acontecer, não sabe? —
Acariciei seu rosto áspero da barba matutina. Ele ainda mantinha os
tornozelos travados em minha bunda e, com isso, meu corpo preso ao dele.
— Sei sim. A gente se ama. — Vi lágrimas molhando o rosto dele. —
Eu, pelo menos, amo você de uma forma que nunca pensei ser possível amar
alguém.
— Sim, isso mesmo, a gente se ama e, muito. — Afastei-me dele,
destravando assim nossos corpos.
Acariciei e beijei as lágrimas que molhavam o rosto de Noah. Tentei

389
me manter forte o suficiente, evitando acompanhá-lo na emoção que também
estava tomando conta de mim. Eu sabia o que ele estava sentindo. Tínhamos
passado por tanto para chegar até aqui. Noah havia travado uma batalha
interna para libertar-se, e eu sabia que apenas o grande amor que sentia por
mim tinha dado a ele força e coragem suficiente para se colocar diante de
todos da fazenda e fazer o pedido para ser seu companheiro. Nunca me senti
mais orgulhoso de sua coragem.
Descansei meu corpo ao lado dele e o abracei forte contra mim. Se não
fosse por ele, eu não sei o que teria sido. Depois do acidente, minhas noites
passaram a ser aterrorizantes, com constantes pesadelos. Mal fechava os
olhos e lá estava eu de novo – às vezes, perdido e outras sendo devorado e,
muitas vezes, caindo, caindo, caindo. Mas em todas elas eram os braços
fortes e ao mesmo tempo carinhosos de Noah, que me resgatavam do horror.
Ele me abraçava e sussurrava palavras de carinho até eu voltar a dormir. Com
o passar dos dias, os pesadelos começaram a ficar cada vez mais espaçados e,
agora, fazia um tempo que eu conseguia dormir tranquilo.
— Desculpe. — Noah limpou o rosto com o dorso da mão. — Estou
chorando como uma garotinha perdida.
— Relaxa, amor, eu também estou me sentindo assim. — Beijei o rosto
dele com carinho. — Acho que é porque a nossa lua de mel está terminando.
— Não quero voltar — choramingou, enquanto empurrava meu corpo
para ficar por cima e, assim, poder me olhar de frente. — Eu quero continuar.
Foram os melhores dias da minha vida.
— Se fosse por mim, eu também não voltaria. Dois meses viajando
com você pelo mundo… Nossa! Foi incrível. — Acariciei as costas dele,
enquanto ele me mantinha preso sob seu peso. Nesse instante, o celular tocou,
e eu tive que rir pela forma como ele, antes de atender, revirou os olhos.
— Só podia ser Kate. Não posso imaginar outra pessoa que ligue o
tempo todo para o irmão apenas para saber como ele está indo em sua lua de
mel. — Ele se jogou de lado, praguejando e olhando na tela do aparelho o
rosto sorridente da “peste”, como ele às vezes se dirigia a ela de forma
carinhosa.
— Deixe-a. Ela apenas está feliz por você. — Acariciei as costas dele
enquanto ele se levantava.

390
— Oito da manhã, Julian? Acho que ela faz de propósito.
Apenas ri da cara emburrada dele.
— Acho que ela está fazendo de propósito, sim. Belize está no mesmo
horário de Wyoming e ela deve saber que nesse momento estamos acordando
e que muitas coisas interessantes acontecem ao acordar. — Ele me lançou um
beijo, sorrindo, e se afastou, caminhando nu em direção à varanda, dando-me
uma visão espetacular do seu traseiro. Eu o acompanhei com o olhar até vê-lo
desaparecer detrás das cortinas de voil.
Depois que Noah saiu conversando com Kate, eu peguei o preservativo
que estava descartado no piso ao lado da cama e com ele em mãos fui até o
banheiro. Ao sair, vi que ele já havia finalizado a conversa e tinha
mergulhado no mar. Ainda olhando Noah, que flutuava na água, levantei o
telefone e pedi nosso café da manhã. Procurei dois calções. Vesti um e,
levando o outro, saí na varanda. Mergulhei, nadando até onde Noah flutuava,
aproveitando o sol.
— Melhor se vestir. Pedi nosso café, logo eles vão aparecer e eu não
quero ninguém admirando o que é meu. Essas garotas olham para você de
uma forma tão descarada que até me assusta. — Entreguei a ele o calção.
— Para mim? Isso porque você não vê como elas devoram você apenas
com o olhar — ele riu enquanto se vestia.
Nós nos afastamos, nadando. Noah havia escolhido Belize para encerar
os nossos dois meses de lua de mel. Segundo ele, cada vez que olhava para os
meus olhos era como se mergulhasse nesse mar. Ele tinha razão, o mar era de
um azul fantástico, mesmo que eu não acreditasse que meus olhos pudessem
se comparar com esse mar.
— Juro que não quero partir — ele voltou a reclamar.
— Nós dois. — Eu também não queria partir.
— Só estou dizendo que não quero ir, mas, ao mesmo tempo, estou
louco para começar a trabalhar. Quero ver o escritório que Poul montou para
mim. — Ele mergulhou e voltou a aparecer ao meu lado.
— Eu não entendo porque você preferiu um escritório em outro edifício
e não onde eu estou. — Dei braçadas ao lado dele. — Poderíamos apenas
estar em andares diferentes.

391
— Eu sei. Mas, se ficássemos no mesmo lugar, eu acho que não
trabalharíamos. Encontraríamos desculpas o tempo inteiro para irmos um ao
escritório do outro. — Ele parou de nadar e ficou ao meu lado.
— Pelo menos, eu sei que todas as tardes vou correr para casa só para
ver você. Vou morrer de saudade todos os dias. — Dei um beijo nele no
mesmo instante em que duas garotas começaram a montar o nosso café na
varanda do chalé. Queria desfrutar do café na varanda, pois queria ter essa
última vista antes de partir. — Vamos tomar nosso café?
— Vamos. — Nadamos e, quando chegamos, as garotas já haviam
desaparecido.
— Você está feliz com o que resolveu? — Olhei para Noah, enquanto
ele servia dois copos de sucos, um para ele e outro para mim.
— Muito. Acho que foi a melhor decisão. Vou continuar o mesmo
trabalho que eu fazia na fazenda, só que em Nova Iorque.
Noah havia decidido montar um escritório na cidade e continuar
ajudando os garotos Scott. A diferença era que o trabalho do pai – que havia
começado com o simples intuito de ajudar alguns garotos para evitar que
seguissem para o mau caminho – havia se tornado algo gigantesco. As
doações que agora estavam chegando não eram apenas dos ex-garotos e
garotas Scott. A história da fazenda tinha corrido. Então, no momento, muitas
pessoas estavam procurando a fazenda como um lugar de refúgio. Por outro
lado, havia também a procura de pessoas querendo ajudar a dar um futuro
melhor para todos. Famílias, mães solteiras, mulheres vítimas de abuso e
crianças que precisavam de um lar seguro estavam encontrando isso na
fazenda. Os pais de Noah estariam felizes vendo onde chegou o trabalho
deles.
— Também acho, e já vai poder contar com a ajuda dos próprios
garotos que estão estudando por lá. Isso é fabuloso.
Ele assentiu, vibrando enquanto mastigava.
Depois disso, o resto do café foi feito em silêncio. O vento morno e o
cheiro salgado do mar queriam nos deixar novamente sonolentos, mas não
havia como nos entregar a Morfeu. Eu já havia solicitado o registro de saída e
o nosso voo estava marcado para o meio-dia. Então, com o último gole do
café extraforte, nos levantamos e começamos a guardar nas malas as peças de

392
roupas que ainda estavam fora.
— Ainda bem que o jato é seu, senão, imagina o que teríamos que
pagar de sobrepeso. — Noah estava olhando as malas, três minhas e quatro
dele, mas as nossas roupas estavam juntas em apenas uma. As outras eram
presentes.
— Não sei quem teve um ataque consumista. — Tentei rir dele, mas a
minha situação não era diferente. Em cada país que ficávamos, sempre havia
algo que Kate, Jordan, Emily, Rose, Holly, Poul, enfim… iriam gostar.
— Pensando bem, não sei onde Kate vai usar um sári, mas na hora eu
achei lindo e perfeito para ela — ponderou, coçando o queixo.
— Está tudo bem. Acho que temos o direito de enlouquecer pelo menos
uma vez na vida, não? — Passei por ele, acariciei e baguncei seus cabelos
loiros queimados de sol. Levantei o telefone para avisar que nossa bagagem
já estava pronta e, enquanto falava, vi Noah saindo novamente na varanda.
— Eu também estou sentindo o mesmo que você. — Abracei a cintura
dele por trás e ficamos olhando o azul intenso do mar de Belize. Nosso chalé
estava sobre ele. Com isso, podíamos ver a areia dourada sob a água
cristalina. — Eu sei, vamos sentir saudades.
Ouvi pequenos golpes na porta. Girei o corpo de Noah para mim, dei
um último beijo nele antes de puxá-lo pelas mãos, fazendo-o entrar. Nossa
longa lua de mel havia chegado ao fim. Era hora de voltar e enfrentar a
realidade que nós dois sabíamos que não seria um mar de Belize.
***
— Que merda! Acho que as minhas pernas nunca mais voltarão a ficar
retas novamente — Julian praguejou ao desmontar da sela do cavalo, onde
havia estado sentado quase o dia todo.
— Eu avisei a você para fazermos essa corrida no jipe, foi você quem
quis fazer a cavalo. — Agachei-me em frente a ele e, com ambas as mãos,
comecei a friccionar suas coxas, tentando fazer a circulação voltar ao normal.
— Eu sei, mas eu queria relembrar nossos velhos tempos. Só não
esperava estar tão fora de forma — ele riu enquanto esfregava a outra coxa,
tentando fazer o mesmo que eu.
— Tudo bem aí, rapazes? — Levantei a vista e vi um grupo de peões

393
parados em frente à porta que dava acesso ao galpão que servia de refeitório.
— Sim, apenas Julian que se esqueceu de como se monta.
Eles riram ao mesmo tempo que lançavam algumas piadinhas, Julian
fez cara feia, quase rosnando, me fazendo rir dele.
Depois de dois meses viajando pelo mundo, dando um tempo de tudo e
apenas desfrutando da companhia um do outro, estávamos de volta.
Tínhamos vindo direto para a fazenda. Nada havia sido fácil, e estávamos
cientes disso. Passado o choque do primeiro momento, quando muitos
haviam aplaudido apenas de forma mecânica, começaram a surgir os
comentários maldosos. Estávamos longe, vivendo o nosso momento, mas
mesmo assim Kate fez questão de nos contar só para que, na nossa volta,
estivéssemos preparados para o que encontraríamos.
Assim, tínhamos ficado sabendo que logo na primeira semana duas
famílias haviam decidido abandonar a fazenda com a desculpa de que não
queriam seus filhos crescendo ao lado de “gente desse tipo”. Quando alguns
peões começaram com piadinhas maldosas a nosso respeito, foi a vez de
“docinho” mostrar que tipo de “docinho” era. O resultado da doçura foi mais
algumas famílias e um grupo de oito peões fora da fazenda.
Quando Julian soube o que estava acontecendo, quase pirou com medo
que eu desistisse dele novamente. Mas eu nunca estive mais tranquilo e
seguro com a minha decisão. As pessoas que realmente importavam estavam
do meu lado, e isso era tudo que importava. Coloquei-me em pé em frente a
ele e acariciei seu rosto, enquanto o grupo de rapazes entravam no refeitório,
rindo de forma amigável.
— Consegue caminhar?
Ele sacudiu uma perna e depois a outra, testando.
— Sim, estou bem. — Seguimos em direção ao galpão.
— Vai lá se sentar com eles, enquanto eu pego uma cerveja para nós.
Vi Julian se afastando e me dirigi ao balcão em busca das nossas
cervejas, depois o segui até a mesa onde todos estavam. Kate estava
cochichando algo com Cody e parou quando nos viu. Nesse instante,
entreguei a cerveja a Julian e tomei vários goles seguidos da minha, tal era a
sede que estava sentindo. Ele fez o mesmo.

394
— Perdemos alguma coisa? — Todos tinham um meio sorriso nos
lábios.
— O que está acontecendo que não estamos sabendo? — Julian
também estava notando que tinha algo no ambiente, e parecia que éramos os
únicos por fora.
— Parece que começou a acontecer no dia que vocês fugiram para a
sua lua de mel — informou-me Kate com uma piscadela.
Olhei para as mesas que eles tinham juntado para ser apenas uma.
Estavam todos ali, Poul e Frank, que agora usavam qualquer desculpa para
fugirem do caos de Manhattan para o refúgio tranquilo da fazenda, Cody ao
lado de Kate, Jake estava em uma conversa animada com Rose, Elijah, Neil e
alguns outros. Mas meu olhar se deteve na mão de Jordan sobre a de Emily.
— Emily? — ouvi Julian perguntando, incrédulo.
— Jordan? — acrescentei, sem esperar por resposta.
— Estávamos ambos sozinhos — ela disse, sorrindo e, pela primeira
vez, com um pouco de timidez na voz.
Percebi o olhar nervoso de Jordan para Julian, como se ele fosse o filho
a quem deveria pedir permissão para namorar. Segui Julian ao dar a volta na
mesa, indo cumprimentar Emily e Jordan. Conhecendo Jordan e Emily, eu
não poderia estar mais feliz. Depois de vários minutos de aplausos, Kate se
levantou, indo buscar uma garrafa de champanhe que ela, como sempre, já
tinha preparado só esperando o momento.
— Parabéns, vovó. — Rose se levantou de onde estava, indo abraçar a
avó. Meu coração se apertou vendo como Julian ficava feliz com o carinho
sincero e puro entre a avó e a neta.
— Muito conveniente, não é, Rose? — espetou Kate, rindo.
— Claro. Sou esperta, nem sei o que estava procurando em Londres,
quando os melhores homens estão aqui — ela completou com uma piscadela
a Jake, e percebemos que mais um casal estava se formando.
Parado ao lado de Julian, tomei a minha champanhe, brindando com
todos pela felicidade de Emily e Jordan. Todos falavam e riam alto, cada um
tentado fazer a voz se sobrepor no refeitório lotado. Levei minha mão e
acariciei as costas de Julian. Percebi que ninguém no lugar prestava muita

395
atenção em nós. Ele me olhou, sorriu e continuou bebendo, assim como eu.
Ainda tentando ouvir e entender o que todos diziam, deslizei meus dedos até
se encaixarem no cinto do jeans dele.
***
Enquanto bebia a minha champanhe gelada, senti a mão de Noah de
forma carinhosa deslizando em minhas costas. Sabíamos que nada seria fácil.
O preconceito sempre existiria, não só aqui, mas em qualquer lugar.
Dependeria de nós – apenas de nós – sabermos que o nosso amor seria
sempre maior. Perceber que Noah estava tão relaxado me deixou feliz e não
pude sentir mais amor do que naquele momento. Por fim, estávamos em paz.

396
Contatos e outras obras da autora:

Facebook: Paloma White


Fanpage: @Autorapalomawhite

@PalomaWhite

paloma_white1

397
Próxima entrega da série G.A.M.A.
DOM. ANTÔNIO

398
Estava sentado em uma banqueta do barzinho. Retirei meu celular do bolso e
olhei uma foto, era uma foto que eu mesmo tinha feito no dia do casamento

399
deles. Foi um momento que me prendeu de uma forma que nem eu soube
explicar. Só sei que, quando percebi, já tinha feito a foto.

Ângela tinha ido em direção a Gabriel sorrindo, levando Matheus


pelas mãos. Gabriel estava conversando com Kevin e Math. Eu a seguia
hipnotizado. Não era pela beleza estonteante dela, era pela forma que ela
olhava para ele. Foi isso que me fez querer guardar aquele momento.
Ela chegou perto dele, que estava com Laura dormindo agarrada ao
seu pescoço. Ela disse algo e ele desviou o olhar dos rapazes para se
concentrar no que ela dizia. Gabriel baixou a cabeça e disse algo no ouvido
dela, enquanto ela deslizava as mãos pela cintura dele fazendo carinho. Ela
riu com o que ele tinha dito em seu ouvido e foi esse o momento que eu
eternizei. Os dois se olharam com tanta intensidade que Math e Kevin
simplesmente desapareceram.

Eu não admitiria nem em meus mais obscuros pesadelos, mas eu já


tinha me sentido atraído por Ângela. E muito! Mas eu sabia que ela nunca
seria “minha”. Ângela não tinha alma submissa e, para um dominador como
eu, isso era essencial. Muitas vezes sonhei com ela usando minha coleira.

Às vezes, eu me esquecia: eu já não fazia parte desse mundo. Depois


meu sequestro e da morte da minha sub, eu tinha me afastado. Eu tinha
falhado como Dom, não soube protegê-la, e ela estava morta.

Eu me esforçava por levar minha vida baunilha, mas minha alma era
de dominador. Eu sofria tentando sufocá-la.
Gabriel tinha conseguido algo que seria impossível para mim: uma
esposa linda, inteligente, que o amava e nunca se interessou por um centavo
dele.

Não que eu não estivesse feliz pelos dois. Depois do estágio que

400
ambos fizeram no inferno, eles mereciam cada pedacinho daquela felicidade.
Passaram pela separação, a tentativa de assassinato, anos longe um do outro
sofrendo, e conseguiram superar tudo. Depois disso, ninguém mais
conseguiria separá-los. Sim, eu estava feliz pelos dois, mas eu também queria
saber como era sentir toda aquela felicidade. Dei mais uma olhada na foto
antes de fechar o celular.

Vi que Davi estava chegando: ele era o único sobrevivente das nossas
noites de farra. August nunca participou. Gabriel, depois de Ângela, não
voltou a participar. Math, agora, só vivia para os sobrinhos, não saía mais da
casa deles. Eu era sempre convidado, mas às vezes me sentia fora de lugar.
Meu celular vibrou. Olhei: era uma mensagem da minha assistente.
Eu a pagava bem para ela se manter alerta 24h, porque sempre surgiam
imprevistos nas obras, e eu queria estar informado o tempo todo. Abri o e-
mail, mas não era referente a nenhuma obra, era de um hospital no norte da
Itália. Senti meu coração batendo forte: meu irmão morava no norte da Itália.
Será que tinha acontecido algum acidente?

Logo me tranquilizei: se tivesse acontecido alguma coisa com ele,


minha irmã teria me ligado, e eu não teria recebido um e-mail da minha AP.

Comecei a ler o e-mail que ela tinha me enviado e o meu mundo foi
girando cada vez mais devagar até parar completamente.

401
Traição1

402
Aviso: Este livro faz parte de uma duologia, (TRAIÇÃO 1.5, INFERNO E

403
REDENÇÃO DE ÂNGELA & GABRIEL, é a parte final de TRAIÇÃO 1)

Sinopse: "Pensar em você como um anjo me ajudou a chegar aqui"


essas foram as palavras de uma garota de 16 anos com olhos negros como
piche e pele cor de mel. Ângela! E eu me perdi.
"Não fui e nunca serei um anjo", foi minha única e verdadeira
resposta. Não sabíamos mas naquele momento nossos destinos estavam
sendo traçados por mãos diabólicas.

Ângela tinha tido uma infância traumática, e uma adolescência sofrida


que haviam deixado suas marcas nela. Agora trabalhando na empresa do
irmão ela tenta seguir a vida.

Gabriel sabe que de todas as mulheres, Ângela é a única que ele


nunca poderá ter. Ninguém nunca poderá dizer que ele não tentou.
Ângela sabe que Gabriel não é o homem ideal para ela. Mas bastou
um momento juntos, e todos os planos foram desfeitos.
Atração além da razão leva os dois a viverem uma relação secreta e
explosiva, carregada de ciúmes e possessividade.
Mas , o passado traumático de Ângela, junto com a vida libertina de
Gabriel, podem cobrar um preço muito alto.

404
Traição 1.5

405
Sinopse: O que você faria se o grande amor da sua vida traísse você com a

406
pessoa que mais lhe humilhou?
Ângela se fez essa mesma pergunta e não pensou duas vezes: traída e
humilhada pelo homem que amava, ela fugiu. Com isso Gabriel foi arrastado
para o inferno cujas portas ele mesmo abriu.
Inferno e Redenção de Ângela & Gabriel levará você por caminhos
inesperados e emocionantes. Gabriel, em a corrida contra o tempo para salvar
seu amor, tentará de todas as formas trazer Ângela de volta à sua vida.
Depois de tantos sofrimentos, só a força de um grande amor será
capaz de fazê-los alcançar a redenção.

407
Blake – Reaprendendo a amar

408
409
Sinopse: Romance adulto, 18 +: Alguns Trechos desse romance podem

causar impacto, ainda assim espero, que não julguem Blake antes de terminar a leitura,

pois, tanto ele, como vocês irão se surpreender.

Quando a vida nos dá um golpe, geralmente não é suave.

Blake foi traído da pior forma possível, o que o transformou num ser frio e amargurado,

que causa todo tipo de dor e sofrimento por onde passa. Mas ele não se importa, pois isso

torna seus dias suportáveis.

Olivia, por sua vez, foi tratada de forma cruel por pessoas que deveriam amá-la. Foi

humilhada, inclusive por Blake.

Duas almas quebradas, marcadas além do extremo, tentando sobreviver da melhor forma

que conseguiam.

Uma, destruindo tudo que cruza seu caminho; outra, esforçando-se para entender.

Ele sempre atacando, ela apenas suportando.

Conseguirá Blake superar todo o ódio e desprezo que sente pelas mulheres, inclusive por

Olivia?

E ela? Conseguirá superar e perdoar todos os maus tratos que sofreu, inclusive de Blake?

410
Talvez...

Talvez através de Olivia, Blake reaprenda o significado da palavra "amor" e volte a ser o

homem que um dia foi."

411
Índice
Agradecimentos 5
Dedicatória 6
Prólogo 7
Capítulo I 10
Capítulo II 23
Capítulo III 37
Capítulo IV 53
Capítulo V 69
Capítulo VI 83
Capítulo VII 99
Capítulo VIII 112
Capítulo IX 128
Capítulo X 142
Capítulo XI 156
Capítulo XII 171
Capítulo XIII 185
Capítulo XIV 198
Capítulo XV 213
Capítulo XVI 227
Capítulo XVII 245
Capítulo XVIII 259
Capítulo XIX 273
Capítulo XX 296
Capítulo XXI 310
Capítulo XXII 326

412
Capítulo XXIII 345
Capítulo XXIV 356
Capítulo XXV 366
Epílogo I 380
Epílogo II 389

413

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