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Norman Madarasz
Professor Visitante (Bolsista CAPES)
Programa de pós-graduação em filosofia
normanmadarasz@yahoo.ca
norman@ugf.br
Dada sua ausência dos meios de comunicação e dos textos especializados tratando do
assunto, a filosofia não deve ter muito a dizer sobre a teoria de desígnio inteligente. Em
todo caso, ela não tem sido chamada para discuti-la. Mas o debate tem tudo a ver com a
reinvindicação “teórica” do design inteligente, (o D.I.). Pois o DI avança um argumento
sobre a origem dos seres humanos como criados por um ser supremo, embora que esse
mesmo não seja nomeado. O que difere da doutrina do criacionismo puro e simples,
doutrina que considera que Deus é o criador de todas as formas da vida no cosmo, é que o
DI pretende ser baseada em normas científicas. O debate visa assim determinar se as
conclusões são, com efeito, ciência ou não.
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de justiça estadual e nacional, e da política internacional por estar acontecendo na
sociedade talvez a mais científicamente avançada do mundo. Porque e como a ciência
está sendo solicitada para compartilhar seu espaço, e até sua verba ?
Por várias décadas, um conflito reinou entre a Igreja Católica e uma nova ciência, ou uma
subseção desta ciência, a biologia evolucionária. Este ramo da biologia, que passou a ser
melhor conhecido como darwinismo, a partir de seu maior pesquisador, o inglês Charles
Darwin (1809-1882), avançava a hipótese de que o ser humano não foi criado como tal
ex nihilo, a partir de nada, e ainda menos pela vontade de Deus. Muito pelo contrário, os
seres humanos decorreriam de um processo complexo ocorrido num espaço de milhares
de milhões de anos (4,6 para ser mais exato), em vez dos 6 até 10 mil previamente
estimados.
Ainda mais, a natureza dos humanos não seria distinta da dos outros seres vivos do
planeta Terra, na medida em que cada um é um ponto temporário resultando de uma série
de mutações orgânicas em função de acontecimentos de longo ou curto prazo, tanto
orgânicos quanto inorgânicos, de seleção e de adaptação. Estes acontecimentos são, de
toda aparência, sem finalidade ou sem fim, e estão submetidos a uma diversidade de
causas e de eventos diversos e, sobretudo, imprevisíveis, que conferem a evolução das
espécies uma contingência básica.
Certo, a história fica bem esquelética, até mesmo enganadora, deste jeito. Por que, pouco
depois de publicar seus resultados sistematizados, os pesquisadores trabalhando nesta
disciplina se vêem confrontados à oposição de várias vertentes religiosas. Nos EUA foi
somente após seu despertar cultural e científico, certamente impulsionado pelo
lançamento do Sputnik pela União Soviética nos meados dos anos 1950, como observou
recentemente Jerry Coyne da Universidade de Chicago, e a iniciação do programa
espacial norte-americano, que o darwinismo alargou seu domínio. (Coyne, 2005) De
maneira irônica, aquele período de supremacia norte-americana nas ciências foi
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caraterizado em 1987 por Allan Bloom, também professor na Universidade de Chicago,
como o de um “fechamento” da mente norte-america. (Bloom, 1987)
Bloom se referia às ciências humanas em particular, mas atacava uma devoção dada a
crítica de origem política e econômica das verdades e dos valores aceitados na sociedade
norte-americana, o que não deixou a ciência, transformada então em pensamento
“oficial” do país, quieta. Desta mesma época de revisionismo se localisa o resurgimento
da oposição à teoria de Darwin, agora vinda mais das diversas confessões evangélicas do
que do catolicismo de antes. Uma posição que hoje exprime-se até nossas paragens, aqui
no estado do Rio de Janeiro, com o veto total, em 3 de novembro de 2003, pela
Governadora Rosinha Mateus Garotinho da derrubada do projeto de lei 1840/00, e sua
declaração em maio de 2004 de ser criacionista e a favor de seu ensino nos escolas
públicas. (Giumbelli/Carneiro, 2004)
Mas, para marcar meu respeito para aqueles dentre vocês que compartilham a posição da
Governadora, seja de maneira explícita ou latente, uma posição que tem a ver tanto com a
fé quanto com a política, gostaria de tentar convencê-los do papel importante que a
filosofia deve ter neste debate. Pois, afinal, não se trata tanto de opor a ciência à religião
quanto de denunciar a carência de um ensino filosófico capaz de determinar criticamente
no que consiste pensar, e pensar científicamente. Além do fato que o debate pode se
tornar numa crise social, particularmente no que tange a suspensão de opinões pessoais, e
ainda mais, “religiosas”, num âmbito de pesquisa livre. De qualquer jeito, manterei a
palavra “religião” entre aspas nesta minha intervenção. Farei isso para sublinhar que com
a palavra “religião” transportada dentro de uma discussão universitária, devemos
entender sua vertente pública, muito além da crença pessoal e íntima, ou seja, sua
vertente teológica.
Pois então, o que a filosofia tem a ver com um debate eminamente político, e um pouco
menos, científico e religioso?
Primeiro, a ciência. Penso que um enunciado que faz consenso hoje em dia consiste em
afirmar que a filosofia deu nascimento a ciência em toda sua pluralidade. Na verdade, a
idéia de ciência não é mais antiga do que a filosofia e, sobretudo, como podemos
constatar com maior clareza no presente, ela não é por natureza “única” e ainda menos
organizada por essência em uma hierarquia. A ciência são as ciências, o que a
organização das jornadas na UGF mostra com convicção. Elas se distinguem em função
de sua referencialidade e seus campos de aplicação. Podemos afirmar ainda que “a”
ciência é nada mais que uma tentativa de seqüestrar a pluralidade dos saberes sob a
dominação de um grupo de ciências, as chamadas “exatas”.
O que quer dizer que a filosofia deu lugar as ciências? Sem dúvida, o enunciado é parcial.
Tentemos completá-lo: através sua história, a partir da filosofia organizaram-se vários
conjuntos de enunciados em séries, levando-los mais tarde a um afastamento do âmbito
filosófico para conquistar domínios próprios, com a tarefa de produzir verdades sobre o
domínio específico e seus elementos. Como argumenta o filósofo Alain Badiou, a
filosofia em si não produz verdades, não obstante o fato de ter a verdade como sua
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categoria central. (Badiou, 1991) A filosofia, segundo ele, analisa o surgimento da
verdade em disciplinas diversas, as condições da filosofia, e as formas de manifestação
através das quais elas se dão. Tal posição presupõe, contudo, este processo de
afastamento.
Hoje em dia, poder-se-ia dizer que a ética está atravessando um processo tal que sua
independência da filosofia está sendo afirmada tanto por seus defensores quanto por
vários críticos. Se não há consenso sobre a utilidade de um tal afastamento, é por que a
ética é atravessada pela filosofia, sua carne é feita da filosofia, à imagem da filosofia,
apesar de demonstrar um aspecto talvez determinante para o afastamento: sua
aplicabilidade concreta às condições da vida comum. A filosofia como tal nunca
sustentará de forma inequívoca que as decisões metodológicas implicadas em sua
atividade sempre têm a vida boa como finalidade.
Muitas vezas a filosofia tem um papel de perseguidor no que diz respeito a sua parte
afastada. Quando a teologia se afastou complemente da filosofia, por exemplo, nada
parecia evidente quanto a sua capacidade de lidar sozinha com o seu objeto. Afinal, a
teologia que é propriamente a ciência de pensar a lógica da ordem divina, é uma cópia da
filosofia, com um diferencial fundamental: na sua forma mais tradicional ela está
submetida a uma instituição, a Igreja Católica Romana.
Com este último caso, o processo de afastamento que estou descrevendo enquanto
filósofo, mostrou uma dinâmica proveniente dos dois lados, cujas causas podem até vir
de fora. Cabe também sublinhar que tal afastamento da filosofia muitas vezes procede a
partir das necessidades de uma institução em formação, ou ao menos em renovação.
Quando a física se afastou da filosofia no tempo de Galileu e de Newton nos séculos XVI
e XVII, ela precisava fazê-lo por causa da associacão ainda intricada da filosofia com a
religião católica. A prisão de Galileu, a execução de Giordano Bruno, a fuga de Descartes
da França, foram todos atos cometidos pelo Santo Ofício ou provocados por suas
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ameaças contra as ciências nascentes da física e da astrofísica, atos que se traduziram em
limites impostos tanto contra o próprio pesquisador, quanto ao próprio âmbito teórico,
especialmente no que concerne à teoria heliocêntrica do cosmos.
A filosofia, por sua vez, afastou-se da teologia, pois ela mesma estava precisando se des-
institucionalizar. Ou em termos mais simples, ela procurou se libertar dos dogmas e das
doutrinas que restringiam seu campo de investigação. Um dos efeitos desta libertação da
filosofia da teologia e da religião foi o surgimento das revoluções políticas dos séculos
XVIII e XIX, e as formas democráticas de governo nas quais vivemos atualmente.
Mas é também por causa desta intimidade com a ciência que a filosofia tem mantido a
capacidade de debater sobre as ciências. Coube à filosofia estabelecer que as ciências se
distinguem da teologia em sua aderência ao chamado “método”, ou seja, a observação
para isolar alguns fatos não duvidosos, a derivação de regras a partir da recorrência
destes fatos, ou a indução de princípios a partir de efeitos ou teoremas aceitos. Em várias
condições aplicativas, o método científico, cuja origem remonta a Aristóteles, demostra
um poder extraordinário para prever fenômenos estatisticamente. Por fim, não podemos
esquecer a última etapa do método científico, em muitos respeitos seu lado mais
filosófico, isto, é a formulação de conclusões sobre o comportamento de um fenomeno
tal, método acrescentado também pelas teorias da demonstração e da prova.
Como, então, nos conflitos entre ciência e religião, uma narrativa fundadora de várias
religiões, o livro da Gênesis, tão importante para o Judaismo e o Cristianismo em suas
vários vertentes, quanto para o Islã, poderia reinvindicar o título de teoria, quando só
pode ser considerado uma teoria o que demonstra os vários aspectos metológicos cuja
lista eu acabei de enumerar? Temos uma resposta afirmativa a esta pergunta, que no
início foi certamente ingênua, no famoso argumento elaborado por Paley contra Darwin,
e na frase: “existem na Natureza abundantes sinais de fabricação”, cuja metamorfose em
tempos atuais corresponde à “teoria” do design inteligente, e o postulado de um ser
criador. (Chauvin, 1997, 22)
Por outro lado, nós não podemos continuar, enquanto cientistas, fingindo nossa surpresa
diante do fato de que uma tal fabricação inteligente (estou falando da teoria agora, e não
de seu campo referencial), ou tal racionalização do que permanece, basicamente, uma
crença religiosa, seja capaz de lutar com successo para sua aceitação no campo das
ciências. É o próprio darwinismo, quando não tal ou tal outra doutrina científica, que
situa fora do ensino básico da ciência, o que a filosofia não deixa de lembrar como
fazendo parte da estrutura do pensamento científico: o espírito cético e criativo do
pesquisador. Não se trata tampouco de uma coincidência que o darwinismo, apesar de
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contar com grandes teóricos de esquerda como Gould, acima mencionado, e Richard
Lewontin, professor emerito também de Harvard, tem alimentado uma visão tão
hierarquizada do mundo quanto o darwinismo social. O papel da ciência como tal tem
muito menos a ver com a invenção de robôs ou de instrumentos automatizados, ou sua
proclamada importância para o mercado, do que com a formação do espírito crítico dos
cidadãos, para não insistir sobre uma humildade própria à postura crítica que cabe aos
pesquisadores.
A doutrina do DI tem conseguido avançar por causa de uma tendência acrítica no próprio
ensino das ciências, que evidentemente não tem nada a ver com a falta de trama religiosa
no seu método. Pelo contrário, aponta à ausência da organização filosófica do ensino e
isso desde o despertar da mente infantil.
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Sendo criadora de ciências, depois afastadora delas, a filosofia é também uma fonte a
partir da qual aperfeiçoamos o racíocino e a investigação científica como tal.
Uma tal descriçao aponta para uma grande aposta no pensamento, isto e, que a noção de
origem vinculada a crença de uma criação transcendente da vida (humana e não humana)
e do cosmo, nos engane com respeito a ser humano enquanto tal. Longe de ser alcançada
somente pela fé, a criação indica o processo de multiplicidade na geração das identidades
que, junto com a tradição austríaca-alemã, a filosofia francesa foi a principal responsável
por ter introduzido no pensamento. A multiplicidade causal é a tarefa sobre qual a
filosofia avalia argumentos e conceitos. É também a razão pela qual o que a filosofia
concebe de método adequado tem a ver sempre com uma dissolução de suas pretensões
de verdade última, para se fundamentar com a natureza no seu processo de auto-
organização e de revoluções imprevisíveis. Limites ao pensar não vão suceder diante o
movimento natural do pensamento humano de levar objeções e refutações.
REFERÊNCIAS
BADIOU, Alain, 1991: Manifesto pela filosofia, trad. M.D. Magno, Lisboa : Aoutra.
BLOOM, Allan, 1987: A Cultura inculta. Ensaio sobre o declínio da cultural geral, trad.
Francisco Faia [1989], Lisboa: Europa-América.
CHAUVIN, Rémy, 1997: O Darwinismo ou o Fim de um Mito, trad. Maria José
Figueiredo, Lisboa : Instituto Piaget.
COYNE, Jerry, 2005. “A fé que não tem coragem de se mostrar. O processo contra o
‘desígnio inteligente’” Tradução de Claudino Caridade. Originalmente publicado em The
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New Republic (22 e 29 de Agosto de 2005).
(http://www.criticanarede.com/rel_intdesign.html#1)
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix, 2000: O que é a Filosofia ? São Paulo : Editora
34.
GIUMELLI, Emerson; CARNEIRO, Sandra de Sá (org.), 2004: Ensino Religioso no
Estado do Rio de Janeiro. Registros e Controvérsias. (Comunicações do ISER), Número
60, Ano 23.
ELDREDGE, Niles; GOULD, Steven J., 1972: Punctuated Equilibrium: an Alternative
to Phyletic Gradualism, in Schopf, T. M. (ed.), Models in Paleobiology. Freeman
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ELDREDGE, Niles; GOULD, Steven J., 1993: Punctuated Equilibrium Comes of Age.
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LEWONTIN, Richard, 2005: “The Wars over Evolution,” New York Review of Books,
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WEINBERG, Steven, 1993: Sonhos de uma teoria final, trad. Carlos Ireneu da Costa, Rio
de Janeiro: Rocco.