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ABSTRACT: The object of research was the concession of medicines by the Judiciary,
aiming to observe how the juridical meaning of health, as well as its consequences, is being
produced in the courts. In order to accomplish these objectives, we collected decisions at
websites of brazilian judiciary organs – STF, STJ, TJ-PE – and in Recife’s Forum, that dealt
with the matter of the concession of medicines, analyzing them considering Niklas
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Luhmann’s systems theory perspective. The result, even if yet partial, is that we don’t have a
pattern related to concession of medicines, but only one between multiple possibilities, a fact
that, instead of making communication impracticable, allows it to continue.
INTRODUÇÃO
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3141
PROCESSO n° 001.2006.039943-1/PE; PROCESSO n° 001.2008.031138-6/PE; PROCESSO
nº 001.2008.044972-8/PE; PROCESSO nº 001.2007.071513-1/PE), incluindo decisões do
Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Tribunal de
Justiça de Pernambuco (TJ-PE) e da 7ª Vara da Fazenda Pública do Fórum de Recife, desde o
ano 2000 até 2009.
O artigo está estruturado de forma que iniciamos abordando o direito à saúde como
direito fundamental, bem como tratamos de sua eficácia. Em seguida, apresentamos o marco
teórico que guiou nossas observações dos dados para, por fim, tratarmos da pesquisa empírica
e procedermos à análise dos dados coletados, finalizando com as devidas conclusões.
Ademais, o direito à saúde, pelo fato de ser enquadrado na categoria dos direitos que
tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais (DA SILVA, 2008, p. 286) e por
relacionar-se intrinsecamente a outras garantias fundamentais, a exemplo do direito à vida
(art. 5º, caput, da CF/88) e da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), não deve
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ser relegado ao arbítrio de posterior e incerta concretização, pelo simples motivo de ser norma
programática. Ao contrário, o Estado deve implementar as prestações positivas necessárias, de
cujo cumprimento depende a sua adequada efetivação (DA SILVA, 2008, p. 309, 465 e 831),
visto que a Constituição de 1988 é caracteristicamente uma Constituição dirigente,
vinculando, portanto, legislador, poder público, juízes e tribunais.
Nesse ínterim, uma vez expostas as noções gerais do direito à saúde, cumpre, então,
realizar breve introdução do marco teórico adotado. De acordo com Niklas Luhmann, a
comunicação é a operação fundamental para a constituição dos sistemas (LUHMANN, 1997,
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p. 13), e não tem nenhum fim, apenas acontece ou não (LUHMANN, 2002, p. 161). Ademais,
a comunicação é a síntese de três seleções, a saber: informação (Information), dá-la-a-
conhecer (Mitteilung) e entendimento (Verstehen) (LUHMANN, 1997, p. 196, 210, 227, 228
e 229), este último, o pressuposto para aceitar ou rejeitar uma comunicação. Importante,
ainda, observar que nenhuma dessas três seleções pode aparecer por si mesma, apenas juntas
podem gerar comunicação, o que implica dizer que apenas quando uma diferença entre
informação e dá-la-a-conhecer é compreendida – distinguindo-se, portanto, de uma mera
percepção do comportamento do outro – ocorre a comunicação (LUHMANN, 2002, p. 157).
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também considerado na produção de sentido. Essa distinção entre atual e possível é uma
forma que é novamente introduzida nela mesma, a fim de que o sistema torne-se apto a
continuar operações atuais, apesar da crescente mudança de intenções, usos e impressões
(LUHMANN, 2002, p. 83). O que aqui se busca descrever como “forma” tem seu oposto
conhecido por “meio”, ambos representando uma distinção interna utilizada pelo sistema para
observar as possibilidades de seleção de sentido (LUHMANN, 2002, p. 84). A distinção
meio/forma refere-se a como os elementos do sistema estão acoplados, seja de maneira
frouxa, no primeiro caso, ou firme, no segundo (LUHMANN, 1997, p. 196). Cumpre salientar
que ambos se dão simultaneamente e pressupõem-se – sem meio não há forma e vice-versa –,
implicando um processo temporal, que serve tanto para continuar a autopoiesis, quanto para
formar e mudar as estruturas necessárias a ela (LUHMANN, 1997, p. 199).
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Nesse contexto, o direito é um dos subsistemas da sociedade que contém
expectativas comportamentais generalizadas congruentemente (LUHMANN, 1983, p. 115). A
fim de lidar com a complexidade e a contingência, o direito desenvolve uma estrutura, que,
basicamente, é responsável por restringir o âmbito da possibilidade de opções, ou seja,
delimita o optável (LUHMANN, 1983, p. 53 e 54). Em virtude de existirem mais
possibilidades do que se pode selecionar, as estruturas são obrigadas a tratar do problema dos
desapontamentos, a frustração de expectativas. Visto que a crescente complexidade e
contingência poderiam conduzir a um nível insuportável de tensões, as estruturas dispõem
tanto de expectativas cognitivas, caracterizada por uma disposição ao aprendizado, uma
adaptação à realidade decepcionante, quanto de expectativas normativas, que não devem ser
abandonadas, caso ocorra sua transgressão (LUHMANN, 1983, p. 55 e 56). Percebe-se, por
conseguinte, que as normas são expectativas de comportamento estabilizadas em termos
contrafáticos. (LUHMANN, 1983, p. 57). Assim, o direito funciona conferindo uma espécie
de alívio às expectativas, já que oferece opções congruentemente generalizadas, através de
uma indiferença em relação às outras possibilidades, reduzindo consideravelmente, portanto,
o risco da expectativa contrafática (LUHMANN, 1983, p. 115).
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como uma alternativa que se pode escolher, mas sem alternativa não haveria decisão; esta é,
assim, a inclusão do terceiro excluído. (FISCHER-LESCANO, 2005, p. 220). Importante
salientar, entretanto, que a decisão não exclui as outras possibilidades de escolha, que
permanecem acessíveis como horizonte de possibilidades (FISCHER-LESCANO, 2005, p.
234).
No que se refere às relações com o entorno e outros subsistemas, vale frisar, para os
objetivos desse trabalho, uma em especial: as existentes entre o direito e a política e por meio
de que mecanismos ela ocorre. Os sistemas são operativamente fechados, o que não significa,
entretanto, solipsismo, mas apenas que as operações próprias se possibilitam recursivamente
pelos resultados das próprias operações (LUHMANN, 1997, p. 94; LUHMANN, 1995, p.
440). A unidade do sistema, portanto, somente pode ser obtida através das próprias operações
do sistema, fato que inviabiliza a comunicação com o entorno utilizando-se das próprias
operações (LUHMANN, 1995, p. 440). O mecanismo adequado para o estabelecimento de
relações com o entorno é , então, o acoplamento estrutural, que pressupõe que ambos os
sistemas acoplados sejam capazes de guiar suas operações de acordo com suas próprias
estruturas (LUHMANN, 1997, p. 100; LUHMANN, 1995, p. 436). Lançando mão dessa
ferramenta de redução de complexidade, os sistemas conseguem alçar-se a condições
altamente complexas do entorno sem necessidade de absorver ou reconstruir sua própria
complexidade, o que significa redução de complexidade como condição necessária para
construir complexidade (LUHMANN, 1997, p. 107; LUHMANN, 1995, p. 441). O código
binário lícito/ilícito utilizado pelo direito, por exemplo, passa a ser relevante como segundo
código no interior do sistema político, viabilizando sua autonomização (NEVES, 2006, p. 89).
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(CAMPILONGO, 2002, p. 95). O que ocorre é que a complexidade de um sistema é
desordem do outro, surgindo uma necessidade recíproca de seleção ou de reestruturação da
complexidade penetrante (NEVES, 2006, p. 92).
A forma encontrada para garantir o acoplamento estrutural entre direito e política foi
a Constituição (LUHMANN, 1995, p. 470), responsável por restringir as influências
recíprocas entre os dois sistemas e, ao mesmo tempo, por aumentar as possibilidades desse
acoplamento, uma vez que o sistema pressupõe as particularidades do entorno no plano de
suas próprias estruturas (NEVES, 2006, p. 97). Importante mencionar que o acoplamento
estrutural apresenta-se de diferentes formas e tem variadas consequências, de acordo com o
sistema que o acessa, de modo que se pode dizer que a Constituição fornece soluções políticas
para o problema da autorreferência do sistema jurídico e soluções jurídicas para o problema
da autorreferência do sistema político (LUHMANN, 1995, p. 478; NEVES, 2006, 98). Assim,
a Constituição exclui as ingerências da política no direito não mediadas por mecanismos
jurídicos e vice-versa, da mesma forma que impede um valor imediato de outros critérios de
natureza valorativa e moral, por exemplo, dentro do sistema jurídico (NEVES, 2006, p. 98 e
99). No caso dos direitos fundamentais – e do direito à saúde, mais especificamente –, a
Constituição os institucionaliza visando a evitar o “perigo da indiferenciação” e de uma
“simplificação totalitária” (NEVES, 2006, p. 102 e 103), assegurando, então, uma ordem
diferenciada de comunicação. Por fim, a ausência de transparência mútua entre os sistemas
acoplados é condição necessária ao reforço das mútuas irritações do acoplamento estrutural;
somente indiferença de ambos os sistemas em relação ao outro torna possível o crescimento
de uma específica dependência recíproca (LUHMANN, 1995, p. 480; LUHMANN, 1997, p.
106).
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apartado da sociedade, fechado em si mesmo, mas em constante interação com esta e com os
outros subsistemas. Desse modo, a complexidade e a contingência são responsáveis por
orientar as pressões por mudança nas estruturas da sociedade e do direito (LUHMANN, 1983,
p. 172).
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“irritações” de vários outros subsistemas, devendo processá-las ou não em normas jurídicas de
modo mais rápido (LUHMANN, 1995, p. 321 e 322), principalmente no contexto de uma
sociedade extremamente complexa com interesses de inúmeros grupos divergentes em
conflito, o que confere um caráter instável à lei (ZAGREBELSKY, 2008, p. 38). Assim, a
periferia opera em um nível de complexidade mais elevado do que o centro – que opera em
um grau significativamente acentuado de isolamento cognitivo –, e poucas das comunicações
que ocorrem naquela chegam a este, que correria o risco de restar desconfigurado
(LUHMANN, 1995, p. 322; CAMPILONGO, 2002, p. 84) caso não existisse um mecanismo
seletivo de autocontrole.
Em linhas gerais, alegam os que são contra a interferência do Judiciário, alguns dos
medicamentos seriam de alto custo, não teriam eficácia comprovada pelos agentes do SUS e
não estariam previstos no rol de medicamentos que o SUS seria responsável por fornecer,
desconsiderando, por conseguinte, a própria previsão orçamentária. Por outro lado, frente à
omissão de União, Estados e Municípios, com base na previsão constitucional e em farta
jurisprudência consolida nessa direção, o Poder Judiciário entende ser possível proceder à
concessão de medicamentos e suprir a inércia do Poder Público.
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centro, no qual se localizam os tribunais, responsáveis por garantir a unidade do sistema
jurídico. Ou seja, visam a estabilizar expectativas contrafáticas e, assim, lidar com o paradoxo
da decisão (FISCHER-LESCANO, 2005a, p. 28). Contudo, vale frisar que a distinção
centro/periferia não se refere a qualquer diferença ou posição social, o que se busca é tornar
possível que a legislação possa complementar as decisões, da mesma forma que as decisões
possam tornar possível a legislação; o centro não pode operar sem a periferia e vice-versa
(LUHMANN, 1995, p. 323; LUHMANN, 2004, p. 37). O importante é assumir a relação
existente entre legislação e decisão jurídica de forma circular, como limitação mútua no
âmbito de decisões.
Quando, por longo tempo, a teoria do direito encarava essa relação como assimétrica,
visava a evitar assumir, sobretudo, que os tribunais “criam” direito, substituindo a referida
afirmação pela de que, através da “descoberta” da lei, ocorria sua mera “aplicação”
(LUHMANN, 1995, p. 306; LUHMANN, 2006, p. 50). Em outras palavras, buscava-se fugir
da função paradoxal dos tribunais: decidir. A decisão, assim, é a diferença que constitui
alternativa, ou seja, é a terceira opção excluída pelas duas alternativas dadas, a unidade da
diferença; as decisões apenas podem ser feitas se a indecisão for dada (LUHMANN, 1995, p.
308; LUHMANN, 2002, p. 133; FISCHER-LESCANO, 2005, p. 220). Ademais, o paradoxo
da decisão é como um observador, que não pode ser ele mesmo uma distinção com a ajuda da
qual define alguma coisa, mas tem que excluir a si próprio como um ponto cego da
observação, o que envolve tempo (LUHMANN, 1995, p. 308; LUHMANN, 2002, p. 133,
134, 135 e 136).
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Os tribunais, como se percebe, desempenham importante papel na desparadoxização
do paradoxo, já que, de acordo com o princípio da proibição do non liquet, são forçados a
decidir os casos a eles submetidos – mesmo quando não podem decidir – e, assim,
obrigatoriamente lidam com a questão do paradoxo da unidade da multiplicidade da decisão
jurídica, transformando indeterminação em determinação através de distinções (LUHMANN,
1995, p. 310, 313, 314, 317; FISCHER-LESCANO, 2005a, p. 61). A importância da distinção
centro/periferia, já esboçada, reside no fato de que os tribunais ficam responsáveis por
garantir a consistência do sistema, sua unidade, enquanto a periferia fica exposta a variadas
pressões advindas do entorno, filtrando as que podem ser processadas de acordo com o código
jurídico e, assim, apreciadas pelos tribunais (FISCHER-LESCANO, 2005a, p. 61).
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QUANTO À ARGUMENTOS FUNDAMENTAÇÃO JURISPRUDÊNCIA
STF
CONCESSÃO UTILIZADOS LEGAL CITADA
Lesão à ordem pública em art. 4º da Lei nº Rcl 475/DF; Rcl 497-
termos de ordem 8437/92; art 1º da Lei AgR/RS; SS 2187-
administrativa; nº 9494/97; Lei nº AgR/SC; SS 2465/SC
STA 91-1 Contrária parcialmente medicamentos cujo 8080/90; Portaria nº
fornecimento não está 1318/MS; art. 23, II,
previsto pelo SUS. art. 196, art. 198, I da
CF/88
Obrigação de Estado e art. 2º, art. 167, I, art. RE nº 271286/RS; Ag
Município fornecerem 196, art. 198, parágrafo nº 232469/RS; Ag
medicamentos a pacientes único 236644/RS; AgRg
hipossuficientes; necessária 238328/RS; RE
efetivação do dever 273042; RE
constitucional; respeito à 236200/RS; RE
dignidade humana; 247900/RS; RE
indisponibilidade e 264269/RS; RE
RE-AgRg nº
Favorável essencialidade do direito 267612/RS; RE
271286-8/RS
subjetivo à saúde; 242859/RS; RE
impossibilidade de 232335/RS; RE
transformar a norma 273834/RS
programática em promessa
inconsequente; obrigação
do Poder Público em
promover políticas
públicas.
Indissociabilidade do art. 196 da CF/88; art. RTJ nº 171/326-327;
direito à saúde e do direito 557, §2º do CPC AI nº 462563/RS; AI
à vida; dever do Poder nº 486816-AgR/RJ; AI
Público garantir o acesso à nº 532687/MG; AI nº
assistência farmacêutica e 537237/PE; RE nº
médico-hospitalar aos 195192/RS; RE nº
cidadãos carentes; 198263/RS; RE nº
interpretação da norma 237367/RS; RE nº
programática não pode 242859/RS; RE nº
transformá-la em promessa 246242/RS; RE nº
RE-AgRg nº
Favorável constitucional 279519/RS; RE nº
393175-0/RS
inconsequente. 297276/SP; RE nº
342413/PR; RE nº
353336/RS; AI nº
570455/RS; RTJ
175/1212-1213; RE nº
257109-AgR/RS; RE
nº 271286-AgR/RS;
RE nº 273042-
AgR/RS; AI nº 604949-
AgR/RS
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Tabela 2: Análise qualitativa das decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
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tornar-se possível, do mesmo modo que o possível pode atualizar-se (LUHMANN, 1997, p.
50).
Por fim, proceder-se-á à análise do gráfico quatro, que trata das decisões de primeira
instância conseguidas com o auxílio do juiz José Viana Ulisses Filho, da 7ª Vara da Fazenda
Pública do Estado de Pernambuco:
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3155
Tabela 4: análise qualitativa das decisões da 7ª Vara da Fazenda Pública do Estado de
Pernambuco
7ª VARA
FAZENDA QUANTO À ARGUMENTOS FUNDAMENTAÇÃO JURISPRUDÊNCIA
PÚBLICA/PE CONCESSÃO UTILIZADOS LEGAL CITADA
O Poder Judiciário deve Lei nº 8080/90; art. 475 REsp nº 828140/MT;
manisfestar-se para evitar do CPC AgRg no Ag nº
lesões aos que necessitam 893108/PE; RMS nº
dos medicamentos, 20335/PR
garantindo aos cidadãos o
direito à saúde e a um
tratamento clínico eficaz; é
obrigação solidária dos
PROCESSO n° entes federativos assegurar
001.2006.0399 Favorável o acesso a medicamentos
43-1/PE aos hipossuficientes; os
direitos fundamentais à vida
e à saúde são direitos
inalienáveis; atuação
excepcional do Judiciário
quando os órgãos estatais
descumprirem seus
encargos político-jurídicos.
Idem Idem MS 84901-2/PE; REsp
PROCESSO n° nº 828140/MT; AgRg
001.2007.0433 Favorável no Ag nº 893108/PE;
12-8/PE RMS nº 20335/PR
A análise das decisões tratadas no gráfico acima mostra que é dado destaque à
função do Judiciário na concretização do direito à saúde, frente à omissão dos outros Poderes.
Conforme visto anteriormente, os tribunais desempenham função essencial na
desparadoxização do paradoxo do direito, que toma corpo na decisão jurídica, somente
tornada possível caso a indecisão seja dada, garantindo a unidade da diferença (LUHMANN,
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1995, p. 308; LUHMANN, 2002, p. 133; FISCHER-LESCANO, 2005, p. 220). A posição
central ocupada pelos tribunais no sistema jurídico serve à garantia da sua unidade, uma vez
que – e ao contrário das zonas periféricas mais expostas às diversas “irritações” do entorno –
viabiliza a filtração das questões a eles submetidas através do código próprio ao sistema,
transformando indeterminação em determinação através de distinções (LUHMANN, 1995, p.
310, 313, 314, 317; FISCHER-LESCANO, 2005a, p. 61). São forçados, portanto, a decidir e,
obrigatoriamente, lidar com a questão do paradoxo da unidade da multiplicidade da decisão
jurídica.
7ª VARA
DECISÕES STF STJ TJ-PE FAZENDA TOTAL
PÚBLICA
FAVORÁVEIS 66,60% 66,60% 100% 83% 80%
NÃO FAVORÁVEIS 33,30% 33,30% 0% 16,60% 20%
O resultado de toda a análise é que a decisão, uma vez que, para viabilizar a unidade
da diferença entre passado e futuro, ocorre no presente (LUHMANN, 1995, p. 308 e 309), ou
seja, não pode ser determinada pelo passado. Ao invés disso, opera com base em suas próprias
construções, apenas possíveis no presente (LUHMANN, 1995, p. 309), o que leva os juízes a
se precaverem na medida do possível contra as consequências trazidas pela decisão, mesmo
que não possam prevê-las em sua totalidade, já que outras decisões futuras modificarão as
anteriores. A incapacidade de lidar com o futuro, portanto, gera a ilusão de que as decisões
devam ser determinadas pelo passado (LUHMANN, 1995, p. 309), “solidamente” construídas
sobre precedentes “firmados” e “assentados” pela prática diária dos tribunais.
Em sentido contrário, contudo, pode-se afirmar que não há um único sentido, fixo,
estável, referente à concessão de medicamentos, mas vários, fato que, ao contrário do que se
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possa pensar, não inviabiliza a comunicação, mas a torna possível. É a própria comunicação,
enquanto operação constitutiva da sociedade, que viabiliza a pluralidade de acepções acerca
da concessão de medicamentos, e não os indivíduos que fazem uso da comunicação.
6. CONCLUSÕES
A conclusão a que se pode chegar, após a análise do material com base na teoria dos
sistemas de sentido de Niklas Luhmann, é que não existe um entendimento padronizado e
único do que seja a concessão de medicamentos e da sua admissibilidade frente ao caso
concreto. Ocorre, de maneira inversa, uma diversidade de usos pelos ministros,
desembargadores e juízes da mesma expressão, que, apesar de ser composta pelas mesmas
palavras, pode ser utilizada em contextos variados (LUHMANN, 1997, p. 47 e 48). Por
conseguinte, o meio do sentido como produto das operações que o empregam para viabilizar a
reprodução dos sistemas, assim como a sua própria delimitação frente ao ambiente
(LUHMANN, 1997, p. 44 e 45), tem importantes consequências para a relação entre sistema e
entorno, já que os limites daquele frente a este são limites de sentido, autorreferencialmente
produzidos. Ademais, a historicidade característica da construção de sentido pelo sistema
mostra que determinada semântica social – como a da concessão de medicamentos – só é
possível como a seleção de uma possibilidade, em certo momento, dentre outras possíveis de
se realizar (LUHMANN, 1983, p. 45; LUHMANN, 2002, p. 83). Isto é, o lado da forma não
utilizado pelas operações atuais é também considerado na produção de sentido.
Nota-se, então, que essa atualização de possibilidades – uma seleção atual como
possível e vice-versa – serve tanto para continuar a autopoiese, quanto para formar e mudar as
estruturas necessárias a ela (LUHMANN, 1997, p. 199), demonstrando, mais uma vez, o fato
de que o sentido contemporâneo conferido à concessão de medicamentos foi construído pela
prática nos tribunais e é apenas uma dentre várias outras opções possíveis de realizar. O
direito não está presente na lei nem na fundamentação dos tribunais, da mesma forma que as
decisões jurídicas não são uma criação do nada, por meio de uma decisão autoritária, mas
acontecimentos (Ereignisse), que separam em um antes e um depois o processo de
significação, sem poder determinar o futuro deste mesmo processo através da absorção da
incerteza (FISCHER-LESCANO, 2005a, p. 235).
A decisão jurídica, por fim, não pode ser determinada pelo passado, como se pode
imaginar, mas opera de acordo com suas próprias construções, que apenas são possíveis no
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presente (LUHMANN, 1995, p. 309) e envolvem uma multiplicidade de usos de expressões
como “concessão de medicamentos”. Esses usos variados, ao contrário do que se possa supor,
não inviabilizam a comunicação, mas permitem que ela continue, tendo em vista o aspecto
temporal dos sistemas, o que garante a estabilidade em forma dinâmica ao substituir antigos
elementos por outros novos, tornando viável, então, a constante atualização de possibilidades
(LUHMANN, 1997, p. 52). Esse processo verifica-se de forma mais evidente a partir da
produção de sentido do direito através da decisão jurídica.
REFERÊNCIAS
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