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Resumo: O delito de lavagem de capitais tem se tornado cada dia mais comum na
realidade forense. Entretanto, os operadores do direito passaram a direcionar os seus
olhares para esse crime há relativamente pouco tempo, motivo pelo qual a doutrina
ainda precisa se dedicar ao estudo desse tema. Com efeito, o branqueamento de ativos
desafia os conceitos clássicos do direito penal, impondo-se uma releitura de algumas
definições dogmáticas para se adequar às especificidades desse delito. É exatamente o
que acontece com o elemento subjetivo do tipo. A análise do dolo sob a sua perspectiva
clássica não consegue explicar com clareza a conduta das pessoas que praticam esse
crime, motivo pelo qual pretendemos, com este artigo, propor uma análise específica do
elemento subjetivo da lavagem de dinheiro. Frise-se que este artigo tem por objetivo
apenas iniciar um estudo mais aprofundado do dolo na lavagem de ativos, o qual
certamente demandará maior desenvolvimento.
1
Advogado Criminalista, formado na turma de 2018 da Escola Alemã de Ciências Criminais da Georg-
August-Universität Göttingen, Mestre em Direito pela Universidade Candido Mendes – UCAM.
Especialista em Direito pelo Instituto Superior do Ministério Público – ISMP; Diretor da Seção
Criminal do TJRJ (2011-2013), Assessor Jurídico dos Desembargadores do TJRJ (2006-2010).
2
Abstract: The money laundering has become more and more common in forensic
reality. Meanwhile, lawmakers have been turning their attention to this crime for a
relatively short time, which is why doctrine has yet to devote itself to the study of this
subject. In fact, money laundering challenges the classic concepts of criminal law,
imposing a re-reading of some dogmatic definitions to fit the specificities of this crime.
This is exactly what happens with the subjective element of the crime. The analysis of
subjective element from its classical perspective can not explain clearly the conduct of
the people who practice money laundering, which is why we intend, with this article, to
propose a specific analysis of the subjective element of money laundering. This article
is, indeed, only intended to initiate a more in-depth study of the subjective element of
money laundering, which will certainly require further development.
2 – INTRODUÇÃO.
2
BLANCO CORDERO, Isidoro. El Delito de blanqueo de Capitales. 3. ed. Pamplona: Arazandi, 2012. p.
92.
3
CAPARRÓS, Eduardo Fabian. El Delito de Blanqueo de Capitales. Madrid: Colex, 1998. p. 76.
4
BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: aspectos penais e
processuais penais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 23.
5
Carla Veríssimo de Carli, presentante do Ministério Público Federal na Estratégia Nacional de Combate
à Corrupção e Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), ao destacar a dupla finalidade do delito em comento
acrescenta que “toda transgressão a normas – sejam elas morais, religiosas, sociais ou legais – ativam
7
9
Nomenclatura adotada por ISIDORO BLANCO CORDERO in BLANCO CORDERO, Isidoro. El
Delito de blanqueo de Capitales. 3. ed. Pamplona: Arazandi, 2012. p. 71.
10
Segundo ISIDORO BLANCO CORDERO, o verbo ocultar significa “não deixar ver”, “tirar de
circulação”, “subtrair da vista”, “esconder” o passado criminoso do bem, direito ou valor que será
reintroduzido na economia com aparência lícita. In BLANCO CORDERO, Isidoro. El Delito de blanqueo
de Capitales. 3. ed. Pamplona: Arazandi, 2012. p. 89.
11
BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: Aspectos Penais e
Processuais Penais. 2. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 26.
12
BLANCO CORDERO, Isidoro. El Delito de blanqueo de Capitales. 3. ed. Pamplona: Arazandi, 2012.
p. 73.
9
13
BLANCO CORDERO, Isidoro. El Delito de blanqueo de Capitales. 3. ed. Pamplona: Arazandi, 2012.
p. 79.
14
DE CARLI, Carla Veríssimo. Lavagem de Dinheiro: Ideologias da Criminalização e Análise do
Discurso. 2ª ed, Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012.
15
BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: Aspectos Penais e
Processuais Penais. 2. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 26 e 27.
10
16
BLANCO CORDERO, Isidoro. El Delito de blanqueo de Capitales. 3. ed. Pamplona: Arazandi, 2012.
p. 84.
17
BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: Aspectos Penais e
Processuais Penais. 2. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 27.
18
Citamos, por todos, BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro:
Aspectos Penais e Processuais Penais. 2. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p.
27.
11
Dito de outra forma, ainda que o agente somente execute a primeira etapa do
processo de lavagem de capitais, não conseguindo executar as demais por motivos
alheios a sua vontade, para que se caracterize a tipicidade material da lavagem exige-se
a comprovação de que o agente tinha a efetiva intenção de executar as demais etapas,
sendo certo que aquele ato praticado não foi um ato isolado, mas uma etapa integrante
de um conjunto de atos que seriam efetivamente praticados.
Daí porque afirmamos no início desse trabalho que a configuração do elemento
subjetivo do tipo da lavagem de dinheiro se torna algo tão complexo. A depender da
situação fática que se esteja analisando, podemos estar diante de um único ato dentro do
contexto do chamado processo completo de lavagem20 e, em razão da demonstração de
que o elemento subjetivo do agente estava voltado para a completude do processo,
conseguirmos caracterizar a prática do delito.
A seu turno, há situações em que o agente pratica diversos atos do processo
completo de lavagem, mas, ainda assim, não se caracteriza a prática do crime, na
medida em que o seu elemento subjetivo não era dotado das características necessárias
para tanto.
Tamanha é, portanto, a complexidade do estudo do elemento subjetivo da
lavagem que, que situações fáticas diversas podem conduzir a um mesmo resultado, ao
passo que a mesma situação fática pode proporcionar resultados diversos.
É justamente este o objeto da nossa pesquisa: entender quando é possível
realizar a correta subsunção típica do crime de lavagem a partir do elemento subjetivo
do agente.
19
BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: Aspectos Penais e
Processuais Penais. 2. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 27.
20
Expressão utilizada por PIERPAOLO BOTTINI para indicar que a lavagem de dinheiro não se
constitui de um ato isolado, mas de um conjunto de atos que, somados, produzem o resultado da lavagem
de ativos. In BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: Aspectos
Penais e Processuais Penais. 2. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 25.
12
21
Nessa trilha, Aránguez Sánchez menciona outros exemplos de condutas não típicas, relativamente ao
tipo de ocultação e dissimulação: a simples posse injustificada de bens (sem que se possa demonstrar sua
relação com algum delito); a atividade negocial da vida cotidiana (dando como exemplo o pagamento de
conta de supermercado, feito pela esposa do traficante, com dinheiro obtido naquela atividade ilícita).
(SÁNCHEZ, Carlos Áranguez. El delito de blanqueo de capitales, p. 242-250 apud. Veríssimo, Carla –
Lavagem de dinheiro: prevenção e controle penal, Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011, p. 196).
22
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: Aspectos Penais e Processuais Penais. 2. ed. rev.,
atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 94.
23
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: Aspectos Penais e Processuais Penais. 2. ed. rev.,
atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 93.
13
24
MORO, Sérgio Fernando. Crime de Lavagem de dinheiro, São Paulo, Saraiva, 2010. p. 60.
14
25
TAVARES, Juarez. Fundamentos de Teoria do Delito. Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2018. p. 249.
26
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: Aspectos Penais e Processuais Penais. 2. ed. rev.,
atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 95.
27
TAVARES, Juarez. Fundamentos de Teoria do Delito. Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2018. p. 266-
271.
15
de que a sua utilização poderá acarretar a morte da vítima. A seu turno, o elemento
volitivo se caracteriza pela vontade de utilizar aquele instrumento – o qual já se sabe ser
capaz de causar a morte da vítima – exatamente com esta intenção, qual seja, a de
praticar a conduta típica e causar a morte do seu alvo.
Noutras palavras, no crime de homicídio o agente sabe que a utilização da arma
de fogo pode causar a morte da vítima e ele quer produzir exatamente este resultado.
No crime de lavagem de capitais, todavia, a lógica é absolutamente diferente.
Isso porque, em se tratando de lavagem de capitais, o elemento cognitivo (ou
intelectivo) e o elemento volitivo do dolo não são convergentes para o mesmo resultado,
direcionando-se, ao contrário, para elementos que não guardam relação entre si.
Com efeito, a doutrina é unânime em afirmar que, para a caracterização do
dolo da lavagem de dinheiro, exige-se que o agente tenha ciência da origem ilícita dos
bens, direitos ou valores que estão sendo lavados.
Vejamos, por todos, os escólios de ISIDORO BLANCO CORDERO, in
litteris:
28
BLANCO CORDERO, Isidoro. El Delito de blanqueo de Capitales. 3. ed. Pamplona: Arazandi, 2012.
p. 340.
16
29
VILARDI, Celso Sanchez. A ciência da infração anterior e a utilização do objeto da lavagem. Boletim
do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n. 237. São Paulo: IBCCrim, ago. 2012.
30
TAVARES, Juarez. Fundamentos de Teoria do Delito. Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2018. p. 266-
218.
31
Sem ambages de nosso entendimento, há grande controvérsia doutrinária acerca do bem jurídico
protegido pelo delito de lavagem de dinheiro. João Carlos Castellar, em trabalho específico acerca do
tema, percorre as diferentes e controvertidas correntes que buscam definir qual seja o bem jurídico
tutelado pelo delito de lavagem de capitais. Segundo o autor, já foram invocados como sendo o bem
jurídico tutelado: (i) saúde pública; (ii) bem jurídico protegido pelo delito antecedente; (iii) ordem
socioeconômica, subdivida em livre concorrência e livre circulação de bens no mercado; (iv)
administração da justiça; e (v) pretensão estatal ao confisco das vantagens do crime. (CASTELLAR, João
Carlos. Lavagem de Dinheiro – A questão do bem jurídico. Rio de Janeiro: Revan, 2004, pp. 153 e ss.).
18
32
SÁNCHEZ, Carlos Áranguez. El delito de blanqueo de capitales, p. 242-250 apud. Veríssimo, Carla –
Lavagem de dinheiro: prevenção e controle penal, Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011, p. 196.
33
TÓRTIMA, Fernanda Lara. Direito Penal no Terceiro Milênio: Estudos em Homenagem ao Prof.
Francesco Munoz Conde, Org. Cezar Roberto Bitencourt. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
19
34
BLANCO CORDERO, Isidoro. El Delito de blanqueo de Capitales. 3. ed. Pamplona: Arazandi, 2012.
p. 71-84.
35
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: Aspectos Penais e Processuais Penais. 2. ed. rev.,
atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 95.
36
HASSEMER, Winfried. Kennzeichen des Vorsatzes. apud Gedächtnisschrift für Armin Kaufmann.
DORNSEIFER, Gerhard et alii (coord.). Köln: Heymanns, 1989.
20
37
TIEDEMANN, Klaus. Eurodelitos: El derecho penal económico en la Unión Europea. Cuenca:
Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha, 2004. p. 15. Em tradução livre, “Na linha dos mais
recentes acordos internacionais, que devem ter uma especial importância para o mundo angloamericano,
há que se esclarecer, todavia, que é sim admissível deduzir dolo a partir das circunstâncias do fato. Não é
que com isso se retome a teoria do dolus ex re, mas sim que isso se deriva da admissibilidade processual
da prova indiciária”.
38
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: Aspectos Penais e Processuais Penais. 2. ed. rev.,
atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 95-96.
21
5 – CONCLUINDO.
39
Como no já mencionado exemplo do traficante de drogas que compra joias para a sua esposa. In
SÁNCHEZ, Carlos Áranguez. El delito de blanqueo de capitales, p. 242-250 apud. Veríssimo, Carla –
Lavagem de dinheiro: prevenção e controle penal, Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011, p. 196.
40
LUCCHESI, Guilherme Brenner. Punindo a culpa como dolo: o uso da cegueira deliberada no Brasil.
São Paulo: Marcial Pons, 2018. p. 45.
22
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