INCLUSÃO ESCOLAR
e suas implicações
“É impossível apoiar-se
no que falta a uma
determinada pessoa, no
que ela não é, mas é
necessário ter, nem que
seja a idéia mais vaga
sobre o que ela possui
e o que ela é”.
(Vygotsky)
Circulação Interna
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APRESENTAÇÃO
Desde seis milhões de anos atrás, quando nós, homens e mulheres, descemos das árvores,
conseguimos criar, com os nossos atuais cerca de 80 a 100 bilhões de neurônios, uma série de avanços
que nos trouxeram uma melhor qualidade de vida material e um aumento de nossa longevidade. Hoje
já é possível sobreviver com um coração artificial; trocamos, se necessário, fígado, rim, pele, ossos;
diminuímos o tempo entre as distâncias com o avião; falamos por telefone com pessoas a milhares de
quilômetros de distância; temos aparelhos para nos esquentar quando está muito frio e para nos aliviar
do calor quando está muito quente. São extraordinárias as conquistas que nosso cérebro conseguiu
produzir.
No entanto, se observarmos o quanto conseguimos avançar nesse período em nossas relações
humanas, poderemos concluir com enorme estarrecimento que em nada, ou praticamente nada,
avançamos no que se refere a aprender a amar, a tolerar que outras pessoas possam ter opiniões,
entendimentos e compreensões diferentes dos nossos. O ciúme, a inveja, os interesses pessoais, a
opressão, a imposição, as guerras, a fome, a miséria, as invasões em outros países, costumes e culturas,
enfim, tendem a dominar - e quase sempre o conseguem - nossas relações. Parece haver uma
associação entre a ignorância, ou seja, a falta de um conhecimento mais científico, e a interpretação
humana que, muitas vezes, mostra-se pautada em fantasias, crenças ou suposições. Para todo
fenômeno com o qual o homem se depara e para o qual não tem, ou não consegue dar, uma explicação
mais técnica ou científica, não raro, move-se todo um exército de interpretações baseadas em crenças
que, quase sempre, podem terminar em tragédias. Ê essa fantástica capacidade do cérebro de criar que
pode também destruir. Para mencionar um caso ilustrativo, lembremos que, em 1496, quando o Papa
Inocêncio VIII, ao redigir uma bula papal, recorreu a Êxodo, cap. 22, ver s. 17 e 181, para justificar a
perseguição aos cristãos e a execução das pessoas com alguma deficiência ou transtorno mental, por
entender em sua época que isso significava uma dita “presença do demônio dentro do homem”,
determinou que, por mais de 200 anos, milhares de pessoas fossem queimadas em praça pública,
enforcadas, afogadas ou condenadas às prisões nos porões dos castelos. Isso em 1496!
Felizmente, muitos avanços científicos puderam nos libertar de várias crenças e, em alguns
casos, mudar um pouco nossa forma de ver e de conviver com o outro. Todavia, hoje, transcorridos
500 anos após essa orientação papal, quando podemos assistir a um ou outro programa de televisão em
que são mostradas filmagens de algumas pessoas passando, supostamente, por “sessões de
descarrego”, em que se busca eliminar a dita “presença do demônio dentro do homem”, podemos
constatar que muito se precisa avançar na área das relações que tangenciam o conhecimento sobre a
vida humana e o modo como se conduzem as religiosidades. Além das crenças religiosas que ora
destacamos, é imprescindível mencionar outras formas de pensar que ainda causam as tragédias da
vida humana neste mundo, como, por exemplo, o entendimento equivocado que muitos sustentam ao
afirmar que pessoas ditas “deficientes” são fardos para o mundo pelo fato de não produzirem bens
materiais e, em alguns casos, significarem um risco de disseminação de uma “doença”.
Mesmo com toda essa visão pessimista, ainda que tentemos ser realistas, continuamos
acreditando que é possível modificar o mundo e a nossa forma de pensar. Várias tentativas técnicas,
científicas, humanistas e humanizadas conseguiram/conseguem levar o próprio homem a perceber de
modo diferente sua relação tanto com o mundo como consigo mesmo, portanto, a compreender que é
possível viver em um mundo mais fraterno, mais tolerante e mais democrático. O problema, dessa
forma, recai no fato de que, ao conseguirmos tantos avanços, criamos modus de distanciamento entre
1 Tradução do hebraico: ver s. 17: “Não deixarás viver a feiticeira” (Bíblia de Jerusalém, p. 138); vers. 18: “Não deixem
viver a feiticeira” (Bíblia Sagrada - Nova Versão Internacional, p. 60).
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as pessoas, cujos efeitos colocam tantas vezes a própria vida humana em risco.
Por outro lado, embora existam tantas crenças desastrosas sobre as pessoas com deficiência ou
transtorno mental, é possível observar, em quase todas as regiões do mundo, uma melhor convivência
entre os seres humanos e uma melhoria nas suas relações, pautadas no respeito e na compreensão
mútua. Hoje já não é mais possível, e muito menos tolerável, discriminar uma pessoa por ela ser índia,
negra, pobre ou por viver com uma deficiência ou algum transtorno mental. Este módulo deseja entrar
num dos mundos dessas relações: a educação. Ele pretende discutir e rever os conceitos inerentes à
díade inclusão-exclusão sob a ótica da educação e delimitar o foco de interesse em torno desse tema.
Discutiremos aqui os indicadores numéricos e as bases socioeconômicas referentes a esses problemas,
bem como procuraremos contextualizar a educação imbricada neles. Além disso, como a exclusão é
uma metacategoria que se subdivide em diferentes categorias, trataremos de alguns temas que
tangenciam o estudo da exclusão: a invisibilidade, a contingência, a autodeterminação, a
vulnerabilidade, a afiliação e a desafiliação, os transtornos comportamentais e a deficiência intelectual.
Esperamos, com isso, poder ampliar a compreensão a respeito da exclusão e delimitar o escopo de
utilização desse conceito em educação, elucidando, assim, o contexto em que a inclusão deve fazer-se
presente.
Uma das formas possíveis de fazer referência ao fato de alguns indivíduos e grupos se
encontrarem fora do circuito das interações sociais - os indigentes, os evadidos da escola, os sem-
moradia, os toxicômanos, os meninos de rua, os jovens infratores, os deficientes físicos e até os
portadores de transtornos mentais - é empregar o termo exclusão. Excluídos, marginalizados,
delinqüentes, discriminados, seja qual for a sua categorização, podem ser considerados cidadãos em
risco social. Fragilizados em sua forma existencial degradante, situam-se num espaço e num tempo
que constituem uma zona de exclusão, isto é, um lugar social que representa a marginalidade profunda
(CASTEL, 1990).
Nos seis capítulos deste módulo, são mostrados vários testemunhos sobre as dificuldades
enfrentadas num trabalho de educação inclusiva, além de apresentarem algumas estratégias bem-
sucedidas de como atingir esse objetivo. Esperamos que este estudo possa contribuir para algumas
reflexões mais eficazes e eficientes sobre essa temática.
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SUMÁRIO
CAPÍTULO 1
Exclusão: uma metacategoria nos estudos sobre educação......................................................... 4
Atividade de Síntese.................................................................................................................... 20
CAPÍTULO 2
Políticas inclusivas e possíveis implicações no ambiente escolar............................................... 21
Atividade de Síntese.................................................................................................................... 31
CAPÍTULO 3
A deficiência intelectual e a educação contemporânea - uma
análise dos sentidos da inclusão escolar...................................................................................... 32
Atividade de Síntese.................................................................................................................... 59
CAPÍTULO 4
O papel do professor na educação inclusiva............................................................................... 60
CAPÍTULO 5
A formação de professores.......................................................................................................... 70
CAPÍTULO 6
Perspectivas da inclusão escolar e sua efetivação....................................................................... 77
ATIVIDADES AVALIATIVAS......................................................................................................... 91
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Capítulo 1
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situação por pertencerem a uma facção criminosa rival, ou ainda, um grupo de alunos reprovados mais
de uma vez após múltiplas repetências.
E é embasados nesse complicado cenário sobre como a exclusão se constitui em uma
metacategoria que passamos a defini-la na área da educação. Alguns autores 2 apresentam uma
variedade de definições de exclusão; entretanto, optamos por utilizar neste texto a definição criada por
Castel. Ele propõe uma explicação para essa categoria numa nova perspectiva de compreensão das
áreas da vida social. Segundo ele, existe uma área de integração, na qual o indivíduo está amparado
por um trabalho e mantém laços sociais estáveis que lhe permitem uma identidade profissional e social
Existe uma área de vulnerabilidade, na qual o indivíduo se encontra em situação de precariedade e
instabilidade social, emocional e financeira, em que se situam os desempregados, os endividados, os
sem-moradia. Existe ainda uma área de exclusão, para a qual são transferidos os vulneráveis e até os
integrados, desde que estejam à margem da sociedade, num processo que ele classificou como de
DESAFILIAÇÃO. Esse autor explica que essa é “uma fase extrema do processo de marginalização,
entendido este como um percurso descendente, ao longo do qual se verificam sucessivas rupturas na
relação do indivíduo com a sociedade”8. Para ele, a DESAFILIAÇÃO designa, ao mesmo tempo, a
trajetória e o processo de exclusão, no qual o indivíduo está intrinsecamente engendrado. O autor
ressalta que a categoria exclusão social tem sido utilizada de forma ampla e abrangente e para designar
variadas situações de pobreza. Ele explicita que há uma aliança entre os aspectos da perda ou
iminência da perda dos laços sociais e os fatores econômicos que desencadeiam o processo de
exclusão.
O termo DESAFILIAÇÃO é utilizado por Castel9 em oposição à expressão ZONA DE COESÃO
SOCIAL, que se caracteriza pela área de integração em que os indivíduos estão associados pela
participação ativa e estável em atividades produtivas, evitando situações de insegurança e incertezas
que os levariam ao isolamento e à desvinculação da vida social. Assim, migram para uma ZONA DE
VULNERABILIDADE e como conseqüência são incluídos na ZONA DE EXCLUSÃO.
O uso do termo DESAFILIAÇÃO para designar um processo de exclusão aplicado à educação
capta seu movimento dialético e permite a realização de análises das estruturas educacionais, de poder
e das formas de pertencimento 3 dos integrantes dessas redes. A seguir, analisaremos por meio de um
exemplo da área de educação a aplicabilidade desse termo. A rede pública municipal de ensino do Rio
de Janeiro, em 2007, com o fim das classes de progressão 4, ampliou o ciclo de formação para todo o
ensino fundamental, e este passou a ser formado por 3 grandes ciclos: 1o ciclo de formação: infância (6
a 8 anos), o 2o ciclo de formação: pré-adolescência (9 a 11 anos) e o 3o ciclo de formação: também
2 PAUGAM, 2003; FERRARO e MACHADO, 2002; SARMENTO, 2002; DUBET, 2003 e ESCOREL, 1999.
3 O termo pertencimento é aqui utilizado no sentido de co-membership, significando as formas de organizações formais e
informais em que o indivíduo passa a participar de modo a sentir-se pertencendo ao grupo identitário de reconhecimento
mútuo entre seu membros (conforme anotações de aulas do professor Frederick Erickson feitas pela autora de 1987 a 1992).
Constitui-se ainda pelas relações comunitárias e pelas construções de referências, dos valores e pautas de condutas, pelas
distribuição de poderes que são inerentes à pertença comunitária (SARMENTO, 2002). O termo pertencimento é utilizado ainda
no sentido dado por Escorei (1999, p. 54): “As unidades de pertencimento5 são unidades sociais que constituem os âmbitos de
referências materiais e simbólicas dos indivíduos. Seriam constituídas por um grupo social no qual o indivíduo se percebe
como integrante e identifica como sendo um lugar seu. Nas trocas materiais, simbólicas e afetivas que integram o tecido
relacionai do grupo são estabelecidos vínculos e referências identitárias, em contraposição ao isolamento. E é a partir dessa
unidade de pertencimento de um lugar social que o indivíduo considera como seu, que são percebidas e avaliadas as
experiências sociais. As unidades de pertencimento5 mais gerais da sociedade tendem a configurar-se nos âmbitos da família,
do trabalho e/ou da cidadania. Nas palavras de Telles, uma unidade de pertencimento5 é b espaço moral que constrói uma
noção de ordem para suas vidas e que fornece as referências por onde a experiência na sociedade é avaliada e interpretada
(TELLES, 1990)55
4 As classes de progressão foram criadas pela Portaria n° 2, de 13 de novembro de 2001, da Diretoria do Departamento Geral
de Educação - E-DGED. Surgiram para romper com a repetência da Ia e da 2a séries, abrindo a possibilidade de haver avanço
para etapas seguintes (3a série), reintegrando o aluno no percurso regular. Ela é formada por alunos de vários níveis de
conhecimento e desenvolvimento, de diferentes faixas etárias (9 ou mais) e interesses. A Portaria n° 15 da E-DGED, de 13 de
novembro de 2001, estabeleceu os critérios para organização de classes de progressão, dividindo- as em Classes de Progressão I
e Classes de Progressão II, de acordo com o nível de aproveitamento na leitura e na escrita. Essas classes teriam um número de
30 alunos por turma e incluiriam até 2 alunos com necessidades especiais.
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adolescência (12 a 14 anos). Cada ciclo é composto de 3 períodos de um ano cada (períodos inicial,
intermediário e final).10 O que se observa é que a organização em ciclo cria uma forma de afiliação
entre os alunos por idade, pois visa, entre outros objetivos, à regularização do fluxo escolar e da
defasagem idade/série 5. Entretanto, ele não corrige o estatuto de pertencimento dos alunos que se
encontram defasados em termos de conhecimento e aprendizagem na série, e isso cria problemas tanto
para os alunos quanto para a escola. Esses problemas estão relacionados aos SOBRANTES11, que são
aqueles que se encontram na idade correta em termos do ciclo 6 a 14 anos, mas fora do período de
aprendizagem, isto é, não atingiram os objetivos de aprendizagem para o período, ou ainda, aqueles
não se encontram no limite de idade previsto pelo ciclo ou já ultrapassaram esse limite e encontram-se
com mais de 14 anos. Nesse caso, foram criadas as classes denominadas de PROJETO ESPECIAL
ADOLESCENTES 2007, para os alunos de 14 e 15 anos que não haviam consolidado o processo de
leitura e escrita.12 Nessas classes, esses alunos deveriam receber uma formação de caráter
ACELERATIVO. Ocorre que esse processo leva a uma espécie de DESENCAIXE para FORA DA FAIXA da
estrutura criada para o ciclo.13 E o sistema, “não sabendo o que fazer com esses alunos”, criou uma
14
CLASSE EXTRA, como que EM SUSPENSO. À luz da teoria de Castel , esse grupo pertencente a essa
classe se torna DESAFILIADO do sistema regular de PERTENCIMENTO do ciclo de formação do ensino
fundamental.15 Portanto, o problema de pertencimento à série/ao período/ao ciclo existe, tanto para o
aluno, de modo concreto e objetivo, quanto para a escola, de modo subjetivo e idealizado pela política
pública “do momento”.
Como tentamos demonstrar, descrever a desafiliação é reconstituir o seu percurso no interior
do processo no qual foi construído no grupo de pertencimento. Para descrevermos esse processo de
desafiliação, precisamos não só captar as nuances periféricas, como estudar as formas de
imbricamento dele no contexto social mais amplo no qual é gerado.
A exclusão, como uma metacategoria nos estudos estatísticos relacionados aos níveis de
pobreza e de desigualdade social, não é somente um conceito sociológico nem uma categoria para a
análise sociológica que pode ser aplicada a uma determinada área de estudo como a educação. Ela é
um construto ideológico que “enquadra” “certas pessoas” em certos parâmetros para determinados
fins. Para determiná-las, temos que nos pautar nestes que, embora legitimados socialmente, carecem
de sentido, especialmente, quando relacionados às áreas humanas.
Um dos obstáculos à visualização da exclusão é a forma “natural” de convivência em
sociedade. A naturalização das formas de manifestação - marginalização social, pobreza, miséria,
desemprego - é uma conseqüência de uma sociedade em “crise de sentido”16, como nos propõe a pós-
modernidade.17 Nessa sociedade, a exclusão ocorre quando os laços de convivência sociais se tornam
frágeis e vulneráveis, como diz Bauman18, referindo-se a Robert Castel.
Portanto, essa forma “natural” de percepção das desigualdades sociais, da pobreza, da miséria,
da exclusão são também aquelas que atingem os indivíduos que se encontram fragilizados na “zona de
vulnerabilidade social”. Apesar de eles pensarem estar incluídos socialmente, encontram-se numa
“zona de exclusão”.
Como conseqüência da não-reversão desse quadro, temos constatado o crescimento
desordenado de favelas, o aumento da violência urbana e da população de rua, principalmente nos
grandes centros urbanos. Sujeitos “pobres” permanecem indiferentes perante as políticas públicas de
nosso país. Portanto, podemos afirmar que a exclusão é uma metacategoria, especialmente nos estudos
sobre educação, pois a miséria e a pobreza causam um impacto direto no desempenho e na qualidade
5 “De acordo com o MEC a adequação idade-série para o ensino fundamental obedece a seguinte defasagem: a criança com 9
anos ou mais de idade freqüentando a Ia série; com 10 anos ou mais de idade freqüentando a 2a série; com 11 anos ou mais de
idade freqüentando a 3a série; a criança com 12 anos ou mais de idade freqüentando a 4a série; a criança com 13 anos ou mais de
idade freqüentando a 5a sene, a criança com 14 anos ou mais de idade freqüentando a 6a série; a criança com 15 anos ou mais de
idade freqüentando a 7a série; a criança com 16 anos ou mais de idade freqüentando a 8a série.” (IBGE, 2007).
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A EXCLUSÃO EM NÚMEROS
Relatório coordenado por Neri19 intitulado A nova classe média, da Fundação Getúlio Vargas
(FGV), analisou dados originários da pesquisa do IBGE sobre renda per capita, trabalho e emprego
formal e informal no País. O economista, assim como o Presidente Lula, celebrou os números
animadores de queda consecutiva dos índices de miséria e pobreza no Brasil nos últimos sete anos,
ressaltando a diminuição da desigualdade no País. Esses dados passam de uma estagnação total na
última década para um ligeiro movimento de saída dessa estagnação. Se esse ritmo de crescimento
continuar, poderemos visualizar uma sociedade menos excludente num futuro próximo. Por enquanto,
acreditamos que esses dados significam que estamos apenas saindo da estagnação. Como o próprio
Neri20 declarou em entrevista, um dos indicadores desse movimento rumo ao equilíbrio da
desigualdade é o fato de que um maior número de trabalhadores possuem suas carteiras assinadas.
Entretanto, esse ainda é um sonho para o trabalhador pobre. O estudo descrito pelo relatório da
FGV criou uma “Classe E”, usando como critério de classificação a linha de miséria de 135 reais/mês
por pessoa para representar esse segmento social. O documento diz que “A miséria entre abril de 2004,
quando atingia 30,45%, e abril de 2008 passa a 18,39%. Isso corresponde a uma queda de -39% nesse
grupo etário de 15 a 60 anos contra uma queda de -32,11% para a população como um todo”21.
Embora sejam inegáveis as recentes conquistas em relação à melhoria da situação de vida dos pobres
no Brasil, permanecemos com um total de 18,39% da população entre 15 a 60 anos na miséria total,
sem contarmos com as crianças e os idosos.
No entanto, a redução da pobreza que Neri22 detecta no Brasil está ligada a uma abordagem
unidimensional baseada na renda. Concordamos com Costa23 quanto ao fato de que essa abordagem
aponta sempre um número menor de pobres quando “a questão principal na análise da pobreza não é a
quantidade de pobres, mas quem eles são” A autora24 compara a análise unidimensional como esta do
trabalho de Neri com outra multidimensional, realizada em 12 países europeus, que aponta diferentes
conjuntos de pobres, e afirma que somente a análise multidimensional possibilita uma focalização
adequada de quem são os pobres para a adequada formulação de políticas.
Ao se analisar a pobreza no País, considerando a variável renda como uma aproximação das
condições materiais dos indivíduos, é preciso reconhecer que há nessa medida limitações que não
podem ser desconsideradas e que a utilização de outras variáveis é importante para termos um quadro
mais amplo do problema. Nesse sentido, é preciso considerar a pobreza como a privação de uma série
de requisitos mínimos, não apenas relacionados à subsistência, mas também a privações estabelecidas
sempre em comparação às condições sociais vigentes. À “pobreza absoluta” se contrapõe a “pobreza
relativa”, sendo esta entendida em termos das necessidades sociais objetivas ou subjetivas de acordo
com as condições de desenvolvimento de dada sociedade, o que remete a outro processo, o da
exclusão social.25 Certamente, reconhecer a multidimensionalidade da pobreza implica alterar
radicalmente orientações de formulação e de avaliação de políticas públicas. No entanto, vem sendo
utilizada predominantemente a abordagem monetária para a descrição e a análise das políticas sociais
orientadas para a redução da pobreza.
A abordagem da pobreza pelo indicador de renda, porém, enfatiza a sua dimensão monetária e
somente leva em conta seus aspectos materiais, ignorando os culturais. Esses aspectos se referem às
diferenças de poder, que determinam o acesso a recursos, mas, acima de tudo, incorporam formas
precárias e informais de trabalho assim como o trabalho doméstico não remunerado, indispensável à
sobrevivência das famílias, e outros indicadores que podem refletir melhor a pobreza e as diferenças
de bem-estar entre os gêneros. Outra crítica a essa mensuração da pobreza é que ela não considera o
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fato de as pessoas também satisfazerem suas necessidades por meio de recursos não monetários, como
redes comunitárias e apoio familiar. Além disso, a medição da renda familiar per capita apresenta
sérias limitações para capturar as dimensões intrafamiliares da pobreza. Ela falha por ser incapaz de
levar em conta o fato de homens e mulheres experimentarem a pobreza de forma diferente dentro da
mesma família. Isso ocorre porque as famílias são tomadas como unidade de análise e pressupõe-se
que exista uma distribuição equitativa dos recursos entre seus membros. De acordo com essa
mensuração, todos os integrantes da família são igualmente pobres.
Ao se estudarem as relações entre pobreza e exclusão educacional, é preciso entender que a
definição de dimensões de pobreza pode trazer embutida não apenas uma forma de observá-la, mas
também uma maneira de conduzir as conclusões a respeito da sua evolução na sociedade em foco. Por
isso, a priorização de determinadas dimensões de pobreza pode servir de argumento para a utilização
ou não de determinadas políticas públicas em prol de grupos de interesse ou pode suscitar opções
equivocadas.
Estudo de Camargo26 argumenta que os programas sociais brasileiros têm um viés pró-idoso e
anticriança, mostrando que existe reprodução das desigualdades na distribuição de renda no Brasil e
evidenciando que, quando se examinam outras variáveis, multidimensionais, diferentes tipos de
pobreza e de sujeitos pobres aparecem. Em seu estudo, ele afirma que o fato de os gastos do governo
incidirem sobre as aposentadorias e as pensões cria uma desvantagem para os investimentos na
educação de crianças e jovens:
Do total de recursos gastos pelo governo federal com programas sociais, 60% se destinam ao
pagamento de aposentadorias e pensões. Isto representa 12% do PIB do país, o que é o dobro
do que a média dos países que têm proporção de idosos na população similar à do Brasil
(5,85%) gasta com porcentagem de seus respectivos PIB. Por outro lado, 65% destes recursos
são apropriados pelos 40%) mais ricos da população. No outro extremo, o Estado brasileiro
gasta pouco com educação e uma parte substancial desta despesa é apropriada pelos 40% mais
ricos. Concretamente, apenas 3,6% do PIB do país, em 2000, eram gastos com educação
fundamental, enquanto 29,6% da população brasileira tinha naquele ano entre 0 e 14 anos de
idade. O resultado desta estrutura de gastos sociais criou um mecanismo de reprodução da
pobreza ao longo do tempo.27
De acordo com as análises desse autor, os pobres no Brasil são, em sua maioria, as crianças.
Esse dado nos faz lembrar um dos fatores mais discutidos nos meios educacionais na atualidade: a
universalização do acesso à educação básica.
O fato de que tal universalização, iniciada nos anos 1970 e somente concretizada nos anos
19906, não tenha ocorrido de forma coordenada com a qualidade dos processos de ensino e aprendiza-
gem, tem repercutido nos baixos resultados da avaliação do desempenho dos alunos 7 nas escolas
brasileiras e nas avaliações realizadas pelos instrumentos aplicados pelo Ministério da Educação e
Cultura por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Texeira
(MEC/Inep) ou por iniciativas internacionais, como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos
(Pisa).
Os estudantes que fracassam na escola, em sua maioria, pertencem aos segmentos sociais mais
6 Pode-se falar de uma expansão lenta, continuada e incompleta da oferta do nível inicial de educação obrigatória definido
como ensino primário de 4 séries até 1971, ensino de primeiro grau de 8 séries até 1996 e ensino fundamental de, no mínimo, 8
anos, que, no entanto, em 2006, passa a ter duração de 9 anos, iniciando-se aos 6 anos de idade.
7 Ao nos referirmos a alunos e professores, estaremos igualmente nos referindo a alunas e professoras, sem distinção ou
preconceito de gênero.
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empobrecidos dos grandes centros urbanos, como o Rio de Janeiro. Eles têm sido marginalizados e as
políticas públicas os atraem a participar de programas de inclusão social e educacional. Isso vem
ocorrendo desde a segunda metade da década de 1990, no contexto mais amplo de programas de
redução da pobreza e de desenvolvimento urbano8 que têm visado melhorar escolas e possibilidades
educativas urbanas, bem como aumentar o desempenho educacional. O governo, nos níveis federal e
estadual, tem implementado políticas públicas e programas assistenciais9, tais como Educação para
Todos, Bolsa-Escola, Bolsa-Família, Projovem e outros programas de políticas compensatórias, como
as classes de progressão, as classes de aceleração, o Projeto Especial Adolescentes 2007 (classes de 14
e 15 anos) e a política de cotas para a universidade.
Nesse contexto, destaca-se a vinculação de políticas assistenciais e compensatórias e sua
relação com a realidade das escolas públicas no dia-a-dia. Faz-se necessário, portanto, compreender
essas políticas com base na perspectiva dos mecanismos sociais que produzem exclusão educacional e
que, em outros termos, constituem parte de uma escola “que não ensina” e que continua aprofundando
desigualdades.
Entretanto, a análise desses programas por pesquisadores e estudiosos aponta que a INCLUSÃO
PROMETIDA acaba sendo INCLUSÃO NA EXCLUSÃO, pois as pessoas a serem incluídas encontram-se
numa zona de VULNERABILIDADE SOCIAL, O que não lhes permite participar com sucesso dos
processos regulares de escolarização.29
Há uma profunda ambigüidade nas políticas de discriminação positiva 10, que muitas vezes
estigmatizam as populações nelas envolvidas. Como salienta Robert Castel30, a característica
conhecida e oficial da verdadeira exclusão é que ela concede uma característica especial para
determinadas categorias da população, ou seja, as exclusões são formas de discriminação negativa 11,
que obedecem às estritas regras de sua construção numa determinada sociedade.
Segundo o IBGE31, embora a defasagem idade-série tenha reduzido no período de 1999 a 2003
entre as crianças de 7 a 14 anos, não foi possível afirmar se tal redução resultou de “programas
específicos de reforço escolar” ou se foi fruto da progressão continuada 12. Em 2006, outra nota do
IBGE comunica que a defasagem idade-série é um dos mais graves problemas do sistema educacional
vigente no país”32. Quanto à Região Sudeste, essa nota declara que, ainda que os números da distorção
idade-série tenham caído pela metade entre 2995 e 2005, o problema persiste, sendo que, no Rio de
Janeiro, esse número atingiu o patamar de 40,5% na 8a série. Embora a taxa de escolarização para o
ensino fundamental na região metropolitana do Rio de Janeiro tenha aumentado para quase a
totalidade dos alunos - 98,1% - em 2005, isso não representou melhoria da qualidade da educação.
Segundo dados do MEC/Inep de 2004/2005, o tempo médio de conclusão da 4a série do ensino
8 O Programa Comunidade Solidária foi criado em 1995, visando ao atendimento da parcela da população que não dispõe
de meios para prover suas necessidades básicas, em especial, ao combate à fome e à pobreza. Esse programa se tornou refe-
rência em torno da qual se criaram outras ações, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), em 1996 , e o
Programa Nacional de Garantia de Renda Mínima (PGRM), em 1997, depois desdobrado, em 2001, em dois programas, o de
Bolsa-Escola, destinado a famílias com renda per capita de meio salário mínimo com crianças entre 6 e 15 anos
frequentando a escola, e o de Bolsa-Alimentação, destinado a famílias com renda per capita de meio salário mínimo com
crianças entre 6 meses e 6 anos de idade. Essas ações governamentais no campo social compõem “uma rede de proteção
social” que tem utilizado o setor educacional para sua viabilização e projeção. Há assim uma ampliação instrumental das
funções da escola mas com um sentido simbólico que permite ao Estado dissimular e ocultar suas ausências e omissões em
relação aos direitos sociais (ALGEBAILE, 2004).
9 Para mais informações sobre políticas públicas e programas assistenciais do governo federal, ver:
<http://www.brasil.gov.br>.
10 Discriminação positiva é uma ação afirmativa com o sentido de estabelecer, ou restabelecer, a igualdade entre indivíduos
ou grupos que se encontram em relações diferentes, ou desiguais, com o objetivo de igualar o ponto de chegada para aqueles
cujo ponto de partida era desigual.
11 Discriminação negativa é a adoção de medidas injustas para com indivíduos ou grupos, criando situações desiguais entre
eles ou que lhes são prejudiciais.
12 O termo PROGRESSÃO CONTINUADA refere-se à organização do ensino fundamental de forma alternativa à seriada. A progressão
continuada é baseada em ciclos, nos quais os estudos teriam um caráter contínuo, sem reprovação do aluno, a não ser em caso
de excesso de faltas no decorrer de cada ciclo (IBGE, 2004, p. 56).
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fundamental era de 5,1 anos e, para a conclusão da 8a série, esse tempo médio se estendia para 10,1
anos.33 Esses dados revelam o fracasso da escola brasileira em oferecer um ensino de qualidade aos
nossos alunos, ou em oferecer um ensino com conhecimentos necessários para completarem o ensino
fundamental, num tempo mínimo razoável, ou seja, com uma defasagem inferior a 2 a 3 anos na série.
Isso apesar de algumas iniciativas de programas de combate ao fracasso escolar, como as de
progressão continuada, que já atingem cerca de 10% da rede pública de ensino dos grandes centros
urbanos, tenham obtido um relativo sucesso.34
Entretanto, as medidas propostas por esses programas e os recursos disponibilizados pelos
governos para sua realização não têm sido suficientes ou adequados para dar suporte às mudanças
pretendidas.35 Esses programas podem ser pensados, ainda, a partir das perspectivas dos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (ODM) 13. O relatório da FGV, coordenado por Marcelo Cortes Neri36,
sob o título Miséria, Desigualdade e Políticas de Renda: o Real do Lula, enfatiza que o Brasil atingiu
pelo menos 2 dos 8 ODMs traçados em 1990 pela Organização das Nações Unidas (ONU): ACABAR
COM A FOME E A MISÉRIA e EDUCAÇÃO DE QUALIDADE PARA TODOS, O primeiro refere-se à redução da
extrema miséria em 50% em 25 anos. Em 2006, o Brasil anunciou que havia atingido 54,61% de
queda no índice de pobreza, com redução acumulada de 58,54%. O segundo diz respeito ao Projeto
Escola para Todos. Esse bem-sucedido empreendimento do governo federal praticamente
universalizou o acesso à escola pública de ensino fundamental. Além disso, o analfabetismo entre
jovens de 15 a 24 anos de idade, em 2006, reduziu bastante, chegando a 5,8%. Também a média de
anos de estudo da população, outro indicador clássico para mensurar o nível educacional de um país,
vem melhorando ano a ano.
A universalização do acesso sem levar em conta a qualidade de ensino tem gerado baixos
índices de desempenho escolar dos alunos brasileiros, conforme têm mostrado os testes realizados pelo
MEC/ Inep, pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e pela Prova Brasil, bem
como por órgãos internacionais, como o Pisa, ou ainda, por outras instituições independentes, como o
Instituto Ayrton Senna, o Instituto Paulo Montenegro, entre outras.
Quando observamos apenas os resultados da Prova Brasil e do Pisa, por exemplo, vemos que a
Prova Brasil14 foi aplicada pela primeira vez em 41 mil escolas públicas brasileiras, em 2005. O
número de alunos que realizaram a prova foi de 3.395.547. Desses, 1.974.906 pertenciam à 4a série do
ensino fundamental e 1.420.641 eram da 8a série. Os resultados indicaram, numa escala de 0 a 10, que
os alunos obtiveram a nota 4,48 em Português e 4,67 em Matemática. Isso significa que esses alunos
não entendem o que lêem em reportagens de jornais nem o sentido produzido pela pontuação em um
texto escrito. Em Matemática, não sabem ler as horas em relógios de ponteiros nem fazer contas de
multiplicar com 2 algarismos. Os resultados mostram ainda que foram considerados analfabetos os
alunos com notas abaixo de 2,73 em Português. Isso significa que estes não entendem pequenos contos
infantis, histórias em quadrinhos para crianças ou mesmo um simples convite. Em Matemática, os
alunos com notas abaixo de 2,49 não sabem contar e aqueles com notas abaixo de 3,44 não sabem
somar nem subtrair.37
Os resultados divulgados pelo Pisa15 situaram o Brasil entre os últimos colocados, obtendo a
54 posição entre 57 países no teste de Matemática e a 49a posição entre 56 países na prova de leitura.
a
Como resultado global, 46,6% dos alunos brasileiros ficaram no nível 1 (um), numa tabela de 0 (zero)
a 6 (seis) da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o que pode ser
13 Os 8 ODMs anunciados na década passada são: 1) acabar com a fome e a miséria; 2) educação de qualidade para todos; 3)
igualdade entre sexos e valorização da mulher; 4) reduzir a mortalidade infantil; 5) melhorar a saúde das gestantes; 6) combater
a Aids, a malária e outras doenças; 7) qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; 8) todo mundo trabalhando pelo
desenvolvimento.
14 A Prova Brasil foi criada em 2005. Avalia as habilidades em Língua Portuguesa (foco em leitura) e Matemática (foco na
resolução de problemas). Foi aplicada na 4a série e na 8a série do ensino fundamental das escolas públicas (BRASIL, 2008).
15 Para mais informações, consultar: <http://www.inep.gov.br/internacional/pisa/>.
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16 Para considerações a respeito das definições dos termos letramento, alfabetismo e analfabetismo, ver p. 5 do Indicador de Alfabetismo
Funcional - INAF - Brasil - 2007, São Paulo: Instituto Paulo Montenegro, 2007. Disponível em: <http://www.ipm.
org.br/download/inaf00.pdf>.
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permanece a associação entre analfabetismo e condições de desigualdade social e racial que perpetuam
no cenário educacional.
Há ainda no mesmo documento (Síntese de Indicadores Sociais 2006, do IBGE) dados sobre
as taxas de analfabetismo que se mostram ligados também a questões raciais e de renda. Eles
demonstram que, para as pessoas a partir de 15 anos, a taxa alcançou 67,4% entre os pretos e pardos,
enquanto, para os brancos, a taxa chega a 32%. Na distribuição dos analfabetos por faixas etárias, para
as idades compreendidas entre 15 e 24 anos a taxa é de 5,8%; entre 25 e 39 é de 19,0%; entre 40 e 59 é
de 36,4%; entre 60 e 64 é de 9,4%; e para a idade de 65 anos ou mais é de 29,4%. Pela divisão por
renda per capita são analfabetos: 17,9% dos que recebem até ½ salário mínimo e 1,3% daqueles que
recebem mais de 2 salários mínimos.50
Figura 1.1 - Indicadores de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade -Brasil - 2006
15 a 24 25 a 39 40 a 49 60 a 64 65 ou mais
anos anos anos anos
Branca
Fonte:IBGE, Pesquisa Nacional por amostra de Domicílios 2006, citado por IBGE, 2007, p. 40.
Por esses dados, é possível perceber que as relações raciais são as mais discrepantes, seguidas
das econômicas. Outro fator considerado nessas análises foi o local de moradia, rural ou urbano,
demonstrando que o acesso aos centros urbanos conta como um fator determinante para o acesso à
educação formal para aqueles que querem alfabetizar-se fora da época regular.
Como dito anteriormente, houve uma ligeira queda nos índices de analfabetismo, mas, se
compararmos os dados estatísticos apresentados sobre os resultados das políticas educacionais,
percebemos que poucas iniciativas diretas foram tomadas pelo governo após o ano 2000 para a
melhoria da educação no País. Entretanto, f) governo brasileiro lançou inúmeras campanhas de cunho
social que indiretamente atingiram a educação: Fome Zero, Projeto Agente Jovem, Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil, Bolsa-Família e Bolsa-Escola. Estes dois últimos estão diretamente
condicionados à freqüência do aluno à escola de ensino fundamental. Em muitos casos, o aluno passa
a freqüentar a escola para conseguir alguma renda familiar e possivelmente se coloca nesse programa
do governo como uma MOEDA DE TROCA. Apesar disso, mesmo recebendo recursos de tais programas,
em alguns casos, além de freqüentar a escola, o aluno tem que trabalhar depois das aulas.51 Desse
modo, podemos entender que os pais, a própria criança e o jovem não compreendem a natureza desses
projetos, os quais, entretanto, embora não sejam o ideal, são uma forma de garantir o direito da criança
à educação.52 Ocorre que tal obrigatoriedade de freqüentar a escola não garante aprendizagem, como
demonstramos ao longo deste texto. De acordo com a teoria de Handa e Davis, poderíamos nos
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perguntar se os parcos resultados positivos obtidos pelas políticas educacionais, assim como o baixo
valor do Bolsa-Escola e do Bolsa-Família constituem um atrativo para a população brasileira colocar
seus filhos na escola.
Concluímos até aqui que, embora a pobreza e a miséria possam estar DIMINUINDO no Brasil e
tenhamos atingido a “educação para todos”, isso significa que ficamos MENOS MISERÁVEIS, e não que
as fronteiras da miséria e da pobreza tenham se afastado das portas das nossas escolas. Colocamos
crianças e jovens na escola, mas o difícil está sendo fazê-los permanecer nela com aprendizagens
significativas e dela sair com um domínio de conhecimentos e de habilidades que seja válido para o
exercício da cidadania.
Embora exista uma forte correlação entre o baixo desempenho escolar e a classe social menos
favorecida, as famílias dessa classe insistem em manter as crianças nas escolas, demonstrando assim o
valor que atribuem a essas instituições. Esse fenômeno se apresenta nos resultados da pesquisa
realizada por Hasenbalg e Silva55, segundo os quais “cada vez mais é através da escolarização formal
que as famílias conseguem legar a seus filhos as posições que ocupam na hierarquia social”. Contudo,
os autores afirmam que os recursos educacionais estão no eixo do processo de transmissão
intergeracional das desigualdades. Um outro aspecto evidenciado por Hasenbalg e Silva56 foi a
influência que a escolaridade do chefe de família exerce sobre o acesso à educação e na continuidade
do estudo dos filhos.
Estima-se que, entre os indivíduos com idades variando entre 6 e 19 anos, 12% possuem mais
chances de acesso ao sistema para cada ano adicional de escolaridade do chefe da família. Esse efeito
decai ao longo das transições escolares, reduzindo-se à metade ao se atingir a 8a série do ensino
fundamental.
Um outro estudo que ratifica a idéia de intergeracionalidade como fator de transmissão da
exclusão é a pesquisa de Scalon57 sobre a mobilidade social do brasileiro. A socióloga afirma que os
padrões de mobilidade social no Brasil estão mais para a imobilidade, pois o País tem uma estrutura
social muito fechada e existe uma forte tendência à reprodução de classe. Ela explica ainda que, no
Brasil, a posição social é herança passada de pai para filho e que a elite brasileira criou uma série de
estratégias de reprodução para não cair na escala social Uma das contribuições teóricas da tese de
Scalon58 é a identificação de duas grandes zonas de contenção. A primeira separa o trabalhador rural
do urbano: se, num passado não muito distante, houve uma grande mobilidade da mão-de-obra do
campo para a cidade, o inverso praticamente nunca ocorre. A segunda é a que separa o trabalho
manual do não manual: trabalhadores manuais (marceneiros, pedreiros, estivadores etc.) dificilmente
conseguem progredir para funções não manuais. A autora esclarece que “pessoas com origem neste
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mesmo estrato têm 11 vezes mais chances de permanecer aí do que aquelas com origem nos estratos
manuais têm de mover-se para esta posição”59. O estudo revela, ainda, as dificuldades para pesquisar a
mobilidade social devido à complexidade da realidade brasileira. Para melhor interpretar os dados, a
autora explica que precisou investigar tanto a mobilidade intergeracional, na qual se compara a
posição social do pai com a do filho no momento em que os dois entraram no mercado de trabalho,
como a mobilidade intrageracional, em que se compara o primeiro emprego de uma pessoa com seu
emprego atual, Além da mobilidade total, em que o emprego do pai no momento em que o filho entrou
no mercado de trabalho é comparado com o emprego atual desse filho60.
Assim, de acordo com Scalon,
Os filhos de profissionais têm 130 vezes mais chances de permanecer neste mesmo estrato,
em lugar de descer ao estrato manual não qualificado, do que os filhos de trabalhadores
manuais não qualificados têm de ascender à posição de profissionais. Se considerada a
possibilidade de mobilidade para o estrato de trabalhadores rurais, as chances relativas
atingem a incrível marca de 1.140.61
A autora ainda conclui que, apesar da mobilidade aparente da sociedade brasileira, no fundo a
estrutura social é muito rígida. Para a autora62, nosso problema é a desigualdade de oportunidades que
se processa em todos os níveis: saúde, educação e cidadania.
Os dados analisados por Ferreira e Veloso63 corroboram os de Scalon64, acrescentando ainda
que, em relação aos países desenvolvidos e em desenvolvimento, o Brasil possui o menor grau de
mobilidade intergeracional de educação e que esse grau ainda é menor na Região Nordeste, se
comparado com o do Sudeste.
Os fatores apresentados até aqui nos levam a refletir sobre a possibilidade de superação das
desigualdades inerentes à população brasileira, mesmo como um peso da herança cultural que
carregamos não somente no âmbito familiar, mas também no âmbito social e que atravessa a gerações.
Um outro fator a ser considerado nos estudos sobre mobilidade intergeracional diz respeito à
raça aliada à classe social. Ribeiro65 aponta em seu estudo os trabalhos de Pierson, Costa Pinto,
Fernandes e Hasenbalg, dos quais derivam pelo menos quatro teorias para explicar a relação entre raça
e classe na mobilidade social. A primeira nega que o fator RAÇA se constitua como uma barreira para a
mobilidade ascendente, sendo então o preconceito de raça o fat0r determinante para tal mobilidade. A
segunda aposta que a mobilidade social, propiciada pela expansão da sociedade de classes, fará com
que a discriminação racial retorne e se acirre dentro das classes mais privilegiadas. A terceira vê a
discriminação racial como herança do passado colonial e que, por isso, tende a ser substituída ao longo
do tempo pela discriminação de classe. Já a quarta afirma que, mesmo com a expansão da sociedade
de classes, a raça é ainda fator importante para a estratificação social no Brasil, ou seja, a possibilidade
ou não de haver mobilidade social independe da origem de classe.66
As explicações encontradas por esses autores permanecem no atual cenário das pesquisas
sobre mobilidade intergeracional, no entanto Ribeiro67, em suas investigações, encontra novos
resultados que em parte contrariam todas as explicações dadas até então. Para Ribeiro, na nossa
sociedade a raça se constitui como barreira apenas dentro das classes mais altas, pois, nas classes mais
baixas, independente de serem pretos, brancos ou pardos, todos têm probabilidades semelhantes de
ascender em sua classe.
São diversos os fatores que determinam o modo de vida da nossa sociedade, como também são
diversas as maneiras que os membros dos grupos mais privilegiados encontram para se reproduzirem e
manterem seu status quo. Os preconceitos de classe e de raça se constituem em barreiras que, nos mais
diversos setores da sociedade, favorecem a exclusão e influenciam diretamente na herança cultural
deixada para as gerações futuras.
Tão difícil quanto identificar as origens desses preconceitos é encontrar algo que os justifique.
Contudo, eles permanecem regendo as relações dos indivíduos e deixando para a educação um espaço
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limitado para uma manobra em sentido contrário. O que acaba acontecendo é a perpetuação das
relações de desigualdade, nas quais o sujeito não reconhece sua capacidade para promover mudanças
significativas no seu modo de vida.
CONTINGÊNCIA E AUTODETERMINAÇÃO
O jovem morador da favela não raro possui uma trajetória escolar marcada pela exclusão e
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pelas poucas chances de qualificação para o trabalho. Esse perfil é estigmatizado pela proximidade
com que vive o dia-a-dia do crime organizado. Muitas vezes, ele é iniciado ainda criança no trabalho
nessas organizações. Isso é motivado não somente pela contingência de vida, mas também pelo apelo
do mercado, conforme Bourdieu74, para adquirir bens que simbolizam o passaPORTE da modernidade,
segundo Berger e Luckmann75: celulares, iPods, MP3, HDTV, videogames, roupas de marca, entre
outros. Essa e uma tendência das cidades que a educação não tem conseguido transformar. Muitos
jovens excluídos da escola acabam morrendo nas ruas ou nos presídios.
Em pesquisa realizada no Rio de Janeiro por Puggian, Mattos e Borges76, foram entrevistados
jovens EM SITUAÇÃO DE RUA com o objetivo de investigar a trajetória dos jovens ENTRE A RUA E A
ESCOLA, e a situação exemplificada anteriormente foi corroborada. Entre outros resultados, os dados
preliminares desse estudo apontam que a permanência desses jovens nas ruas é em grande parte devido
à não-aceitação pela escola e pela família das contingências que determinam a vida do menor em
situação de rua. Os novos amigos, as gangues, as tribos são mais familiares, mais adequados às novas
formas de vida que a escola ou a família, daí a preferência pelas ruas, pela fluidez, pela inconstância,
pela mobilidade constante. A não-permanência parece mais segura, mais constante que a família. O
endereço incerto parece mais certo que a escola, que a diretora, que a professora. São múltiplas as
histórias de fracasso escolar, de desemprego, de tentativas da informalidade, e o apelo das drogas, do
ilícito, da prostituição é muito grande. É um dinheiro rápido. É um apelo maior do que a estabilidade
do abrigo provisório.
Retornando a Maricato77, ela compara o rápido crescimento das favelas na cidade de São
Paulo17 entre 1970, quando a cidade de São Paulo tinha apenas 1,2% da população morando em
favelas, e 2005 quando essa proporção subiu para 11%. Esse dado revela a contingência de uma
proporção das pessoas na cidade, sendo EMPURRADAS para habitações improvisadas. Muitas vezes, à
procura de emprego, outras em busca de assistência social ou de saúde, somente disponíveis nos
grandes centros urbanos, essas pessoas são contingencia- das a viver em moradias PROVISÓRIAS que,
com o passar do tempo, tornam-se permanentes. Assim se formam os grandes bolsões de pobreza no
entorno das cidades ou dentro delas, como no caso do Rio de Janeiro. O Brasil ocupa hoje o 3o lugar
no mundo, com uma proporção de 36% da população urbana, equivalente a 51,7 milhões de pessoas,
morando em favelas, perdendo somente para a índia e para a China, afirma Davis78. A previsão desse
autor é que o progresso desse tipo de moradia é uma realidade que não vai mudar a curto prazo. Assim
como a moradia, outros setores, como a saúde e o saneamento básico, fazem parte do cenário da
exclusão que contingência o brasileiro. Embora alguns economistas, como Neri, confiem no
movimento da economia rumo a uma sociedade menos desigual ao mesmo tempo afirmam que uma
das barreiras difíceis de serem rompidas é a educação de qualidade. Ele caracteriza como “apagão DA
79
MÃO DE OBRA” a ausência dessa qualificação para o trabalho, Essa caracterização nos permite pensar
que se fazem necessárias políticas públicas educacionais sensíveis que visem à autodeterminação do
povo brasileiro. Desse modo, a EXCLUSÃO pode passar a ter menor importância como uma
metacategoria nos relatórios sócio-político- educacionais do nosso país.
17 Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura Municipal de São Paulo (Sehab), citada por MARICATO, 2006,
p. 215.
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REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO
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ATIVIDADE DE SÍNTESE
Faça um texto falando sobre a realidade da educação brasileira, aborde também a realidade da
educação inclusiva em nosso país.
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Capítulo 2
Este capítulo tem por objetivo tecer algumas considerações sobre políticas de inclusão
adotadas na sociedade e suas implicações no ambiente escolar, principalmente quando se trata de
alunos denominados pelo sistema escolar atual de EDUCANDOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS
ESPECIAIS, especificamente aqueles que apresentam o transtorno autista. Para tanto, serão enfocados,
de forma breve, dois aspectos: o caráter histórico da inclusão e o que se entende por inclusão na
atualidade, passados treze anos desde sua implantação.
Você, com certeza, já percebeu que uma das terminologias mais empregadas hoje, quando se
fala em educação, é o termo INCLUSÃO; principalmente na educação especial. Encontramos referências
à inclusão nas políticas educacionais atuais e em documentos legais, como a Constituição Federal
(1988), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) e as Diretrizes Nacionais para a
Educação Especial na Educação Básica (2001), com a finalidade de garantir o direito de todos ao
ensino, inclusive aos “portadores de deficiência”, preferencialmente na rede regular.
A formulação teórica dessa legislação aplicada ao ensino brasileiro tem como referência
documentos e organismos políticos, sociais e educacionais mundiais, como a Declaração Universal
dos Direitos Humanos (1948), a Conferência Mundial de Educação para Todos, de Jontiem (1990) e a
Conferência Mundial sobre Educação Especial, de Salamanca (1994).
Pretendemos com este capítulo refletir sobre os destinos e as possibilidades da escola em face
da inserção das políticas inclusivas na realidade brasileira, permeando, sempre que possível, o
princípio da igualdade contido na Constituição Federal de 1988 e suas múltiplas expressões no
cotidiano escolar.
A busca por uma sociedade igualitária, por um mundo em que os homens gozem de liberdade
de expressão e de crença e possam desfrutar da condição de viverem a salvo do temor e da
necessidade, por um mundo em que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os seres humanos
e da igualdade de seus direitos inalienáveis é o fundamento da autonomia, da justiça e da paz mundial,
originou a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos1, que representa um movimento
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Salientemos que o princípio da isonomia, acima descrito, prega a igualdade, devendo ser
respeitadas as diferenças de cada um, conforme as regras de eqüidade.
Em obediência a esses princípios, a Constituição dispõe sobre o direito à educação e a forma
pela qual ela deve ser ministrada, avocando para o Estado e a família o dever de garantir aos cidadãos
brasileiros o ensino a que fazem jus.
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Vamos fazer uma
pausa para avaliarmos a situação.
Você observa, em nossa realidade escolar a aplicação efetiva dos dois artigos acima
transcritos?
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“preferencialmente” pelo ensino regular na rede pública. Ressalta ainda a necessidade de a escola dar-
lhes o apoio necessário, com a possibilidade de se criarem, de forma “extraordinária”, classes especiais
em escolas regulares e atendimento em escolas especiais públicas ou privadas, sempre que o ensino
público regular não empreender as adaptações necessárias aos educandos.
Passados treze anos desde a implantação das políticas inclusivas no País, notamos que um
balanço de sua aplicabilidade em nosso contexto educacional começa a ser delineado. Pesquisadores
sustentam a necessidade de efetuar pesquisas que examinem o caráter ideológico da inclusão e sua
materialização no contexto brasileiro.5 A justificativa para tais orientações sustenta-se em análises
realizadas pelos pesquisadores ao se debruçarem sobre a legislação inclusiva e as práticas escolares
dela decorrentes.
Alguns aspectos levantados nesses estudos referem-se ao acesso escolar dos alunos com
necessidades especiais; à insuficiente delimitação dos campos de abrangência do ensino regular e
especial; às contradições identificadas nas leis, em virtude da adoção dos princípios da inclusão sem
um consenso educacional, cultural, social e econômico que os legitimem.
No que se refere ao acesso escolar, os dados da inclusão informam que tem havido um
crescimento constante (cerca de 10% ao ano) do número de alunos matriculados na educação básica no
ensino regular.6
Entretanto, apesar de o Censo Escolar de 2002 demonstrar que desde 1998 o número de alunos
com deficiência incluídos no ensino regular aumentou em aproximadamente 150%, não se confirma a
perspectiva de qualidade preconizada pela inclusão, pois, quando são analisadas as condições
oferecidas pelas escolas e as necessidades dos alunos, verificamos uma escolarização insuficiente e
precária.7
Nesse sentido, torna-se pertinente investigarmos como tem sido o processo de escolarização
do aluno com necessidade especial no que se refere ao acesso ao ensino regular, à permanência na
escola, bem como à natureza dos serviços educacionais oferecidos, para então, “A partir daí, pensar
em que medida se tem promovido a ampliação efetiva de oportunidades educacionais de qualidade
para as pessoas com necessidades educacionais especiais, como responsabilidade da escola pública e
no contexto de amplas reformas educacionais no país”8.
Uma análise dessa perspectiva sob outro ângulo é ainda identificada por Ferreira e Ferreira,
em relação aos dados explanados pelo Censo Escolar/2002 e pelo Plano Nacional de Educação9. Eles
denunciam a existência de um descompasso entre os resultados e as tendências mencionados no
primeiro e as dificuldades enunciadas no segundo10. É notável, assim, que o aumento do número de
alunos na escola não explica a carência de vagas, recursos e atendimentos na educação especial na
rede pública nem o predomínio de estabelecimentos particulares nessa modalidade de ensino, que
detêm, ainda hoje, cerca de quase a metade dos alunos especiais de todo o País.
Á insuficiente delimitação dos campos de abrangência do ensino regular e especial é também
comentada por Ferreira11, ao relatar que, apesar de contemplar o ensino em escolas regulares na rede
pública, a legislação brasileira não define quem é o alunado, onde deve ser desenvolvida sua
escolarização e qual deve ser a relação entre a escola e o atendimento especializado.
Á explicação para tal afirmativa baseia-se na leitura da última definição de alunado constante
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das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (2001), em que,
ao se utilizar uma linguagem “mais educativa” que não faz “referências as condições de deficiência
dos alunos”, acabou-se por colocar sob uma única denominação todos os alunos, com deficiências ou
não, bastando somente, para serem enquadrados como portadores de necessidades especiais,
apresentar dificuldades na aprendizagem.12
Fica evidente a inexistência de uma definição que permita traçar limites entre uma necessidade
educativa especial causada por “limitações severas no desenvolvimento” e uma “dificuldade na
aprendizagem de natureza transitória”. Ocorrem, assim, muitas confusões no que se refere à
identificação do alunado da educação especial, que, na verdade, destina-se a alunos que apresentam
“graves limitações” pelo quadro que portam ou que apresentam dificuldades de inserção na rede
regular pelos mais diferentes motivos, afinal, recebem pela política a denominação de alunos que
apresentam “desvio significativo”.
Ora, como distinguir o que é significativo numa definição de alunado tão ampla e
imprecisa? Como essa indefinição afeta o contexto escolar?
Você conhece a rede pública de ensino? Conseguiria aplicar tal classificação? Quais
necessidades você percebe nesse contexto?
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possam estar na escola, sim, mas com a garantia de desfrutar, no âmbito social, de uma vida mais
digna, pois de nada adianta planejar- mos leis e políticas inclusivas voltadas para o ambiente escolar,
se não promovermos no social uma eqüidade econômica capaz de não só levar os alunos para a escola,
mas, principalmente, de reduzir a exclusão a que se acham submetidos inúmeros seres em nossa
sociedade.
Caso contrário, estaremos promovendo a utilização de termos ditos “democráticos” para falar
do óbvio: garantir espaço para as minorias - que em nosso país constituem a maioria. E, assim,
estaremos reproduzindo, com outro nome, um sentido dado pelas elites à educação: a responsabilidade
pelo crescimento dos índices de analfabetismo e exclusão social e educacional em nosso país,
problemas que, na verdade, não são atribuições da escola; não é a escola que irá resolver as mazelas
sociais.
Cruz, ao abordar a efetividade da política de inclusão, destaca o papel e os propósitos da
escola, afirmando que esta possui “funções e objetivos específicos” que jamais devemos esquecer ao
traçarmos qualquer programa educacional:
Ao nos reportarmos à idéia de incluirmos alunos que apresentam necessidades especiais na
rede regular de ensino, não podemos esquecer que a centralidade da questão reside no
processo de educação escolarizada dessas pessoas. É importante ressaltar esta afirmação à
medida que distorções relacionadas à maneira de abordar o tema inclusão podem conduzir à
super valorização da integração social em detrimento da escolarização dos alunos
mencionados. [...] A devida delimitação da responsabilidade a ser assumida pela escola
permite-nos enxergar com mais clareza aquilo que é e que não é nossa função, colaborando
assim para que sejam dirimidas confusões acerca das ambigüidades: assistência social X
14
assistencialismo X educação escolarizada X pseudo-especialização do ensino.
Por conseguinte, observamos que o lugar comum tomado pela legislação impede que sejam
vislumbradas as reais necessidades dos educandos.
No afã de desmontar alguns mitos, crendices e estereótipos, vêm sendo empregados nos
discursos de inclusão alguns conceitos que rapidamente se tornaram lugares-comuns. Destaca-
se, por exemplo, a idéia de que: (1) todas as pessoas apresentam diferenças umas em relação a
outras, fazendo crer que mesmo as mais graves patologias são apenas diferenças quaisquer;
(2) a ocorrência de anomalias faz parte da vida normal das pessoas (a ser diferente é normal”);
(3) a convivência entre o deficiente e o não deficiente, com ênfase no ato de aprenderem
juntos, fazendo crer que o simples fato de estarem juntos é necessariamente bom para todos.
Evidentemente, essas afirmações têm toda uma sustentação dentro de um contexto apropriado,
tornando-se, entretanto, motivo de preocupação quando esses conceitos passam a ser
utilizados de maneira descontextualizada e como se encerrassem em si alguma verdade
incontestável. E aponte-se que alguns dogmas da inclusão vêm sendo construídos.15
Que estratégias poderiam ser desencadeadas para oferecer qualidade aos alunos e
repensar a prática educativa?
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realização total dessas metas está, no momento, distante, pois convivemos com uma realidade de
ensino carente de recursos (materiais e humanos)5 com professores desmotivados por inúmeras causas
(formação inadequada, baixos salários, péssimas condições de trabalho...) e com um crescente número
de alunos que abandonam o ensino escolar ainda nas séries iniciais.
Dessa forma, observamos que existe o risco de o termo inclusão, nesse caso, ser utilizado em
nosso país como mais um instrumento para manipular pessoas e opiniões.
Cabe ressaltar que não negamos a importância da inclusão para a nossa sociedade,
principalmente quando esta se propõe a resgatar direitos inerentes ao ser humano - de ir e vir; de
relacionar-se com os demais; de não ser discriminado; de ter condições iguais de acesso a serviços,
como educação, lazer, moradia e saúde.
Ao longo do capítulo, procuramos explorar a proposta da escola inclusiva no que tem de mais
democrática - promover igualdade em todos os sentidos, com o desafio de contemplar as
singularidades de cada um. A partir de agora, precisamos pensar a respeito de outras questões: Como
garantir um ensino de fato inclusivo? Como efetivar a inclusão? Quais as condições que essa
efetividade implica e exige em nosso contexto?
Sabemos que a escola para todos não é a escola de todos; as diferenças pessoais, sociais,
econômicas e políticas nos mostram isso todos os dias. Do mesmo modo, colocar todos os alunos na
escola não reduz desigualdades nem é exemplo de cidadania, uma vez que cidadania refere-se a
padrões morais e não educacionais. A escola não é o lugar mais propício para vivenciar igualdades,
muito pelo contrário; a escola que temos hoje tende a ressaltar diferenças, e é lá que elas são mais
ampliadas.
Entretanto, algumas possibilidades podem ser delineadas utilizando-se os princípios
preconizados pelas políticas inclusivas para a construção de um ensino de fato inclusivo,
principalmente quando se entende que a escola e a sociedade devem se adequar às necessidades e às
especificidades de seus alunos.
Se analisarmos as propostas das políticas inclusivas, veremos que estas ressaltam a
necessidade de mudanças de ordem estrutural, que vão do micro ao macroambiente, inserindo nesse
contexto a responsabilidade de todos e não atribuindo somente à escola o mérito pelo sucesso ou
fracasso escolar. Elas cobram, assim, maior envolvimento de quem formula planos educacionais e
políticas públicas.
A descentralização administrativa do ensino, evidenciada pelo repasse de responsabilidades
das esferas federais e estaduais para os municípios na educação básica, pode contribuir com uma
melhor definição de políticas locais inclusivas, por favorecer a autonomia e a execução de
experiências educacionais firmadas no reconhecimento da comunidade, no perfil do educando e na
necessidade de promover mudanças para resolver problemas próprios.
Dessa forma, podemos concluir que a implantação de um ensino que possibilite educar de
forma inclusiva as diversidades impõe a construção de um projeto que não se dará ao acaso nem de
uma hora para outra e que não é uma tarefa individual. Ao contrário, trata-se de um trabalho coletivo,
que envolve discussões e embates entre as mais diferentes esferas (governo, sociedade, escola e
indivíduo), em que seja possível refletir sobre que escola queremos construir e que indivíduos
pretendemos formar. Devemos discutir, ainda, nesse contexto, a inserção na rede regular de ensino de
alunos com graves acometimentos psíquicos - como as pessoas com transtorno autista que, por
apresentarem características e necessidades específicas, requerem, na maioria das vezes, um
atendimento especial.
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Numa avaliação preliminar, a resposta a esse questionamento pode ser positiva, desde que
saibamos que aluno estamos inserindo, o que é necessário realizar em classe antes de inseri-lo e como
pode ser efetuada essa inserção, pois, dependendo de cada um desses aspectos, talvez cheguemos à
conclusão de que o aluno autista nem possa freqüentar uma sala de aula regular, mas possa estar, pelo
menos por algumas horas, dentro de uma sala especial com alguns outros alunos e um professor à
disposição.
Observamos, nesse sentido, a especificidade que a educação de alunos com autismo sugere,
mostrando o quanto é necessário ser criterioso, quando se trata da inclusão de alunos com
necessidades educacionais especiais, em particular o autismo.
Alguns autores afirmam que, independentemente do nível de dificuldade, todas as crianças
devem ser incluídas na rede regular de ensino, mesmo que em salas especiais. Outros autores
defendem a inserção do aluno em sala regular da escola regular a qualquer custo. [...]
Acreditamos que a inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais por
apresentarem autismo deva ser realizada de modo criterioso e bem orientado, que vai variar de
acordo com as possibilidades individuais de cada aluno.16
Parte dessa especificidade pode ser explicada pelo próprio quadro comportamental
evidenciado nas pessoas com autismo, bem como pela demanda de formação de profissionais
qualificados para trabalhar na área.
Ao refletirmos sobre a especificidade de um atendimento educacional de alunos autistas e
sobre a necessidade de formação profissional adequada, percebemos a existência de dificuldades de
ordem teórica, estrutural e política nesse campo. Nos dias atuais, é possível observar a notória
ausência de pesquisas sobre autismo envolvendo escolas públicas, tanto da rede regular como da
especial. Alguns registros de estudos são encontrados na rede privada, alinhados a grupos e
abordagens distintas e voltados para a percepção de familiares de alunos com autismo.17
Esse cenário mostra que inserir alunos com autismo em escolas regulares da rede não parece
ser uma prática comum e muito menos de fácil implantação. O aluno com autismo apresenta
características individuais próprias que podem comprometer, por si sós, a execução de propostas
pedagógicas.
Conhecer como se manifesta o transtorno autista é certamente um primeiro passo para
conhecer o que tratamos e, assim, localizar as dificuldades individuais do aluno, que por ora só
afirmamos.
O transtorno autista está inserido entre os transtornos INVASIVOS do desenvolvimento e é
caracterizado por comprometimentos persistentes nas interações sociais recíprocas, desvios na
comunicação e padrões comportamentais restritos e estereotipados.18 Desse modo, é diagnosticado em
crianças que apresentam inaptidão para estabelecer relações normais com o outro, atraso na aquisição
da linguagem e, quando esta se desenvolve, uma aparente incapacidade de lhe dar valor de
comunicação. Essas crianças manifestam, na maioria dos casos, estereotipias gestuais e uma
necessidade imperiosa de manter imutável seu ambiente material, ainda que dêem provas de uma
memória freqüentemente notável
Esses sintomas costumam aparecer nos três primeiros anos de vida, podendo estar ou não
associados a algum grau de retardo mental Em casos específicos, podem ocorrer atrasos ou regressões
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Diante do que foi exposto, você considera que um professor sem formação específica
consiga estabelecer uma condição de aprendizagem em uma classe em que estejam
incluídos alunos com autismo?
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O que foi dito ressalta a importância de se promover uma adequada formação de professores
para atuar com alunos com transtorno autista. No entanto, em dissonância com essa afirmativa,
observamos na rede pública uma carência de professores preparados para atuarem com essa clientela.
As capacitações em serviço, bem como as formações na área, são restritas a grupos e/ou instituições
específicas, quase sempre na rede privada.
Nesse sentido, segundo Ferreira e Ferreira, um dos desafios a serem superados na construção
de uma educação inclusiva seria a estruturação de uma política de educação continuada para
professores da educação básica na perspectiva da diversidade.24
O Ministério da Educação e Cultura, por meio da Secretaria de Educação Especial (SEE), em
2003, começou a publicar uma série pedagógica destinada ao ensino de alunos com necessidades
especiais. A área de autismo foi contemplada para o ensino de crianças de zero a seis anos, com
comentários sobre identificação de alunos, avaliação pedagógica e estruturação de uma proposta de
ensino baseada no TEACCH18. Entretanto, não é comentado no texto o que pode ser feito com alunos
adultos que já freqüentam o ensino escolar há alguns anos.
Sabemos ainda que existirá sempre um pequeno grupo que, em razão do grau de
acometimento, não poderá participar da inclusão na rede regular de ensino, necessitando de um
atendimento especial Tal medida, contudo, de acordo com a Declaração de Salamanca, só poderá ser
adotada em caráter excepcional, indicada unicamente para aqueles casos em que fique claramente
demonstrado que a educação em escolas e salas regulares é incapaz de satisfazer as necessidades
pedagógicas e sociais do aluno, ou para casos em que essa não-participação seja indispensável ao bem-
estar da pessoa com deficiência ou das demais.25
Cumpre ressaltar que esse último grupo, embora não participe do sistema regular de ensino,
pode beneficiar-se das conquistas obtidas com a proposta de escola inclusiva, na medida em que a
aproximação desse caso com o das demais pessoas com necessidades educacionais especiais facilita a
inclusão de tal grupo no seio da sociedade e, conseqüentemente, o atendimento de transtornos e
deficiências que historicamente foram negligenciados por conta da marginalização.
À proporção que se aprofundam as discussões sobre a inclusão de pessoas com qualquer tipo
de transtorno ou deficiência, abre-se o leque de possibilidades no que diz respeito ao tratamento a
elas dispensado, buscando-se não apenas mantê-las vivas e em atividade, mas com qualidade de vida,
garantindo-lhes, pelo menos no plano proposicional, iguais condições de acesso a serviços essenciais.
Finalmente, verificamos, ainda, que o exercício da igualdade deveria consistir também em nos
prepararmos para aceitar as diferenças do outro e conviver com elas. Isso não é tarefa fácil, requer
muito além de legislações, capacitações e recursos - requer aceitarmos o desafio de nos confrontarmos
com as diferenças, nossas e do outro, de aceitarmos a responsabilidade de apostar e acreditar nas
possibilidades do aluno diferente que recebemos em nossas escolas. Essa responsabilidade é coletiva e
é uma tarefa de todos nós - educadores, comunidade e governo.
18 TEACCH (Treatment and Education of Autistic and related Communication-han- dicapped CHildren) - Sigla utilizada
mundialmente para caracterizar um método estruturado de ensino, surgido em 1966, nos Estados Unidos, que visa ao
tratamento e à educação de autistas e crianças com défkits relacionados à comunicação.
Textos extraídos do livro: Inclusão Escolar e suas Implicações, de José Raimundo Facion. 29
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ATIVIDADE DE SÍNTESE
Para melhorar seu aprendizado, faça uma síntese das principais ideias contidas neste capítulo.
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Capítulo 3
O desafio que nos é colocado pelo tema deste módulo - educação inclusiva particularmente
por este capítulo dirigido à área da deficiência intelectual, implica a revolução dos paradigmas
vigentes no processo de ensino-aprendizagem em nossa época. Extrapola o domínio técnico-teórico
para se inscrever nos campos ético e político, colocando-nos em profunda indagação sobre nossas
práticas diante da fronteira tênue a que nos remete entre o acolhimento e o abandono.
Estamos preparados para ensinar a todos; inclusive àqueles que pensam de forma
diferente?
Dessa forma, é adequado conduzirmos nossa reflexão sobre deficiência intelectual e educação
inclusiva de modo a retratar a transformação dos conceitos, inserindo-os no contexto de nossas
práticas e relacionando-os aos discursos dominantes sobre a escola e sobre a criança.
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das pessoas e está refletido nos conceitos de Q.I. e idade mental. Críticas às definições pautadas no
Q.I, dirigem-se aos pressupostos nele contidos de estabilidade e imutabilidade, o que vem sendo
refutado pelos programas de melhoria da inteligência. Além disso, não se fornecem informações de
interesse educativo e prático que ofereçam subsídios para intervir pedagógica ou psicologicamente
com o aluno. Já o CRITÉRIO DO COMPORTAMENTO ADAPTATIVO refere-se à independência pessoal e
social que permita a adaptação do indivíduo a seu grupo familiar, escolar, de amigos, especialmente
em relação à comunicação, à locomoção e aos autocuidados.
As abordagens pelas quais se conceitua a deficiência intelectual passam do enfoque clássico da
medicina organicista para o enfoque psicopedagógico tradicional do Q.I. e das aptidões, incorporando
outros enfoques que contemplam o nível de maturidade psicomotora, o estágio do desenvolvimento
cognitivo, o repertório comportamental, o nível do pensamento conceitual, dependendo da teoria
psicológica utilizada como referencial. Em todos os enfoques, a deficiência é atributo da pessoa,
retratada em sintomas biológicos ou em diferenças em relação à população média. Trata-se de um
subproduto da inteligência, reificada, naturalizada e universalizada como uma entidade com existência
própria. As ações pedagógicas decorrentes desses enfoques elegem como questão central o diagnóstico
dos processos psicológicos do sujeito, como inteligência, memória, atenção e percepção, ou a
descrição e a análise dos comportamentos observáveis.
Os conceitos de inteligência e deficiência colocam ênfase no papel dos especialistas
(psicólogos, fonoaudiólogos, psicopedagogos), presença nuclear no diagnóstico e no tratamento dos
déficits, sem contribuir efetivamente com o planejamento dos programas educativos eficazes. As
práticas educacionais partem do pressuposto de que é preciso reabilitar, como uma precondição ou um
pré-requisito para inserir a pessoa na educação regular.
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naturalmente herdadas, essas capacidades cognitivas individuais são responsáveis pela trajetória
escolar e profissional dos indivíduos. Essa é uma boa forma de mascarar os aspectos macroestruturais
da realidade que costumam estar ocultados nas avaliações que sempre se reportam aos indivíduos, aos
seus déficits cognitivos ou ao seu baixo nível intelectual Em decorrência disso, justifica-se seu destino
escolar e profissional.
Essa constatação leva a pensar que as formas de abordar o diagnóstico da deficiência
intelectual requerem outro tipo de análise. Os modelos clássicos de diagnóstico da psicologia, que
tiveram grande influência dos modelos médicos, não procederam à crítica às concepções de
inteligência e de aprendizagem, reafirmando, assim, praticas deterministas que acabam por marcar o
lugar social dos sujeitos. Classificar a doença, identificar o Q.I. é, em última instância, contribuir com
a construção de sentidos que patologizam o aluno, que contribuem com a criação de rótulos e
estigmas, os quais acabam p compactuar com a segregação e a exclusão escolar.
A partir dessas críticas, diferentes abordagens sobre o desenvolvimento infantil e a
aprendizagem são trazidas pelo CONSTRUTIVISMO e pelo SOCIOINTERACIONISMO, revitalizando as
práticas de ensino-aprendizagem na escola e estendendo-se à educação especial. Essas abordagens
constituem um marco teórico de produção científica e impõem uma total mudança na compreensão
dos processos de aprendizagem, bem como no seu diagnóstico. Elas permitem construir panoramas
curriculares que aproximam mais a educação especial da educação regular, possibilitando aos
programas especializados a discussão voltada aos projetos pedagógicos e não apenas aos programas de
reabilitação. O que antes era analisado como uma “patologia” passa a ser visto como processo de
aquisição de conhecimento que implica construção por parte do sujeito que aprende. As dimensões
longitudinal e social, histórica e cultural, simbólica e concreta, aproximam desenvolvimento e
aprendizagem e revitalizam o campo de estudo dos problemas de aprendizagem, passando de um
modelo clínico-médico para uma dimensão educacional-construtiva que pode compor dialeticamente
uma ação educativa e pedagógica da deficiência intelectual
As metodologias mais clássicas utilizadas na área da deficiência intelectual com base na
psicomotricidade - dominantes na educação especial até a década de 1970 - vão se mesclando aos
modelos construtivistas, inserindo-se, assim, no debate das práticas pedagógicas do ensino regular. Os
programas de prevenção na educação especial representam um salto em relação à barreira entre
educação e saúde, e os programas profissionalizantes apontam a preocupação com a integração no
mundo do trabalho.
Entretanto, o procedimento metodológico dominante para a educação de pessoas com
deficiência intelectual até a década de 1990 é o diagnóstico e a classificação da inteligência,
transcendendo os limites da escola para se configurar em um ato político e social. A classificação
requer medida, portanto remete à escala de valores, fazendo referência à conduta adaptativa, à
sociabilidade, especialmente delimitando atitudes e práticas pedagógicas.
Finalmente, sob uma perspectiva social da deficiência, esse modelo de diagnóstico e
encaminhamento aos serviços especiais é questionado pela simples identificação e conseqüente
rotulação e segregação que produz, embora se responsabilize por integrar ao mesmo tempo em que
segrega.
A psicologia social, a sociologia e a antropologia contribuíram para que a deficiência passasse
a ser analisada como um fenômeno socialmente construído, reafirmando a falta de evidências das
condições limitadoras da maior parte da população considerada deficiente, bem como evidenciando os
processos de estigmatização decorrentes.
A forma de diagnóstico justificável, então, é aquela que se dirige ao ensino, por meio do qual
os dados educacionalmente significativos são levantados, a fim de que contribuam para o
planejamento e a implementação de programas educativos eficazes.
É a partir dessa época (década de 1990) que se produziram movimentos de enorme força, os
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Constata-se que a instauração dessa nova lei, que pressupõe um outro paradigma - o da
inclusão -, desestabilizou saberes e poderes historicamente constituídos e cristalizados nas práticas pe-
dagógicas tanto da educação especial quanto da educação regular, retratando a força da barra que
historicamente separa normalidade e anormalidade.
Resta, entretanto, perguntar se a tarefa imposta à sociedade - de abrir-se para a diversidade - e
à escola - de superar seu furor normalizador e acolher as diferenças sem discriminá-las - é possível
Abrir as portas para a inclusão não significa simplesmente colocar alunos nas salas de aula do ensino
regular. O debate sobre a inclusão requer aprofundamento ético e político para pensar as diferenças.
Caso contrário, pode cair na desmemória e repetir-se em silenciadas práticas de exclusão.
A educação inclusiva na área da deficiência intelectual é o desafio que se descortina para a
escola do novo milênio. As pessoas a quem essa educação se destina, porém, não podem ser pensadas
como “possuídas” ou “portadoras de deficiência” ou ser fixadas nos rótulos instituídos por suas
identidades especiais. Os princípios envolvidos na tarefa de educar a todos devem ser regidos pela
ética e pela cidadania, com vistas a construir uma escola para todos e um mundo em que todos possam
ocupar um lugar especial
Segundo Ceccin11, “para evitar os perigos à ordem social, defender a sociedade instituída e a
economia política, a rejeição às pessoas com deficiência traduz a sociedade disciplinar, ou seja, a
sociedade da normalização”. Utilizando o conceito de disciplina de Foucault, o autor faz um balanço
do século XX concluindo que o discurso da medicina teve na deficiência intelectual a expressão do
furor normalizador, fazendo a mediação entre a soberania (a ordem do direito, as normas públicas) e a
disciplina (enquadre, seleção, separação normal- anormal). Como única saída à explosão da demanda
disciplinar-normalizadora de solução segregadora, ele propõe ousar acreditar que as pessoas com
deficiência intelectual sejam capazes de aprender também de ensinar a sociedade a capacitar-se com
elas, começando pela análise da radical recusa de escuta que essa sociedade tem nia nifestado para
com as pessoas com deficiência.
Sua proposta, então, é a de que se tensione o discurso da diferença onde ele tende à
segregação, à justificativa orgânica e à distinção de identidades. Instigar essa tensão é fazer emergir
ações, atitudes representações, conceitos que compõem a trama da sociedade disciplinar normalizadora
e operar com suas ressignificações.
A partir da proposta de Ceccin, passamos agora a uma análise da escola, a qual entra em cena
como principal protagonista da inclusão.
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organização do conteúdo nem dos cuidados com a transmissão; trata-se, sim, da forma dada à
experiência dessas crianças e jovens e ao sentido que eles têm de si mesmos. A experiência escolar é
algo mais profundo e complexo que o processo de instrução.
A freqüência das crianças e dos jovens na escola adquire uma proporção que atinge quase a
totalidade dos países. É uma espécie de instituição total que, segundo Enguita12, apresenta-se diante
das mudanças e dos jovens como a única coisa séria que há nesse período de suas vidas.
Vários estudos realizados por historiadores e sociólogos da educação denunciam a função da
escola de legitimar a ordem social existente, socializar a força de trabalho de acordo com o lugar a ser
ocupado, estratificar e fragmentar o conjunto dos trabalhadores e reconciliar as pessoas com seu
destino social.
De maneira geral, dos representantes clássicos das ciências sociais aos pensadores atuais,
somos incitados a assumir um distanciamento para repensar a modernidade, a fim de entender o que se
passa em nossos dias, o invisível existente no discurso da educação e a trama disciplinar que constitui
a outra face dos supostos valores liberais e igualitários da escola.
Nesse sentido, Varela13 nos leva a olhar de forma rápida e esclarecedora a lógica de uma série
de mudanças inter-relacionadas entre si e que têm origem no Renascimento. Elas se referem ao campo
dos saberes, às relações entre poderes e saberes específicos, bem como entre eles e os modos de
subjetivação ou os diferentes tipos de identidades sociais que se instituíram.
Para a análise desses processos de mudança, a autora coloca como central a compreensão do
processo de “pedagogização dos conhecimentos”.
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A velha ortodoxia de controle dos conteúdos é substituída por outra de controle mais rígido e
interno, desencadeando a passagem da coerção da verdade à coerção da ciência, da censura dos
enunciados a disciplina inscrita na própria enunciação.
De acordo com a análise de Varela, Foucault avança ao mostrar como a disciplinarização dos
saberes esteve intimamente ligada, a partir do século XVIII, a modos de subjetivação específicos. Para
isso, foi necessário colocar em ação tecnologias disciplinares destinadas a conformar sujeitos dóceis e
úteis ao mesmo tempo. A era disciplinar vai anunciar técnicas de vigilância, como medida preventiva,
para além da escola: prática de tempo integral.
Do ponto de vista econômico, e também político e social, a disciplinarização foi decisiva para
implantar os sistemas de democracia funcional existentes desde então nos países do Ocidente,
permitindo que se pudesse aceitar a rentável ficção de que a sociedade é formada por indivíduos
individualizados, por sujeitos isolados15. Eliminam- se, assim, as relações de poder, os conflitos de
classes, permitindo-se pôr em funcionamento o contrato social. Em decorrência disso, os Estados
aparecem como a expressão da vontade geral.
No século XIX, novas configurações no espaço escolar são delineadas e a correspondência
entre idade e classe vai fixando cada vez mais a perspectiva de separação, assistência individualizada,
classes menores e mais homogêneas.
A disciplina constituir-se-á como um marco entre a escola tradicional autoritária e a escola
moderna democrática, sem deixar para trás as reivindicações morais do humanismo, colocando em
marcha os mecanismos que a sociedade capitalista possui como um de seus pressupostos - o indivíduo
autônomo -, com a finalidade de aumentar o domínio de cada um sobre si mesmo, sobre o próprio
corpo. Trata-se da produção do sujeito individualizado e autoconsciente que somos nós.
Todos os processos que subjazem à pedagogização dos conhecimentos e à disciplinarização
interna dos saberes tentam evitar que os conflitos sociais ocorram; que ocupem o lugar que lhes
corresponde nas instituições acadêmicas, no campo do saber.
Os saberes pedagógicos resultam, em boa parte, da articulação desses processos. As
classificações e as hierarquizações de sujeitos e saberes costumam ser aceitas como algo dado, como
“naturais”. Os dispositivos que pedagogizam as relações e os conhecimento produzidos na escola
levam a divisões e naturalizações que excluem a diferença, produzindo e reproduzindo divisões e
hierarquização que naturalizam saberes, transformando-os em verdades universais. Assim, são
estabelecidos o comportamento certo e o errado, o bom e o mau aluno. Em meio a essa lógica binária,
a diferença é o excluído. O próprio saber do professor é excluído em nome de um saber universal, que
a todos encaixa e submete.
Nesse sentido, a escola, instituição produzida e produtora de uma lógica homogeneizante,
favorece a produção da subjetividade mecânica por meio de uma maquinaria semiótica, revigorando-se
enquanto fábrica de socialização padronizada. Seguindo essa lógica, tudo o que foge à ordem
instituída, que rompe com as classificações maniqueístas, é visto e vivido como desordem.
Dessa forma, consideramos importante resgatar as marcas da cultura ocidental nas instituições
que se engendram na vida escolar, para redimensionar a análise da inclusão escolar. A analise da
constituição da escola ocidental leva-nos a refletir sobre as formas de subjetividade que então são
geradas, colocando o ser humano como co-produtor das amarras a que está submetido. A sociedade da
inteligência terá na escola a maquinação para o agenciamento da subjetividade do homem moderno.
Saberes disciplinares e disciplinarização dos sujeitos são as duas faces de um processo que
atravessa a organização escolar. No momento em que avançamos em direção às sociedades pós-
disciplinares, esse processo continua vigente por meio do currículo escolar.
Nos níveis iniciais do ensino, há o rompimento da organização por matérias fechadas em
direção a unidades temáticas. Contudo, o controle dos saberes e dos sujeitos continua repousando em
códigos psicopedagógicos de seus representantes, que reclamam para si o conhecimento da criança.
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propõe-se correr o risco de submeter essas questões a uma hipercrítica, contribuindo com reflexões
sobre o caráter ambíguo que as políticas de inclusão podem assumir, em especial ao decidirem se os
anormais podem ou devem se misturar com os normais nas escolas.
Ao desnaturalizar essas questões, ele nos mostra o quanto são contingentes, justamente porque
advêm de relações que são construídas social e discursivamente. As dificuldades enfrentadas não são
de uma suposta natureza das coisas - de alguma propriedade transcendental que presidiria o
funcionamento do mundo -, mas da forma como um arranjo é inventado para colocar em ação a norma
por meio de um crescente e persistente movimento de, ao separar o normal e o anormal, marcar a
distinção entre normalidade e anormalidade. O autor exemplifica com o conceito de nível cognitivo,
que atua como operador do movimento que marca aquela distinção, sendo, portanto, uma invenção, e
não um dado natural.
A lógica da divisão normal-anormal não é diferente da lógica que divide os estudantes por
níveis, aptidões, gênero, idade e classes sociais, que coloca em ação a norma como movimento de
separação entre normal e anormal e que, no fundo, produz, pela própria forma com que é organizado o
currículo na escola moderna, o efeito de fixar “quem somos NÓS e quem são os OUTROS”19.
Para Kassar20, a “concepção de modernidade deixa [...] suas contribuições nos rumos da
educação brasileira, trazendo implicações na forma de entender e promover a educação especial em
nosso país” sob as bases do pensamento liberal, que, aliado ao pensamento positivista, constituem
doutrinas filosóficas
[...] formuladas no decorrer do desenvolvimento das sociedades capitalistas industriais. Tanto
o pensamento liberal quanto o positivismo favoreceram a difusão da idéia de movimento
natural’ da sociedade, dentro de uma concepção de cientificidade e modernidade. Durante os
séculos XVIII e XIX, a valorização do método científico, a partir da exaltação do progresso
das ciências naturais, é incorporada por todos os campos do conhecimento [...].21
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vivência cotidiana.
A sociedade regulada e planificada acaba por submeter o ser humano ao mais estrito controle,
trazendo como conseqüência para as ciências humanas uma definição de homem que peca por omiti-
lo, ou uma ciência que o define pela sua ausência.
O que de fato constatamos são os efeitos da lógica homogeneizante presente nos discursos
escolares; nas inúmeras análises que insistem em buscar a deficiência da criança, ou sua falta de
inteligência, onde ela se Iguala a outras - nas fases, nas etapas e nas médias padronizadas, nas notas,
nos quadros patológicos, nas síndromes. São análise que descartam a criança, seu dizer, seu saber, em
favor de um saber que a delimita, que a prescreve para a vida e que a exclui.
Esse modo hegemônico de conhecimento atravessou o século XX de forma soberana,
especialmente na Instituição escolar, e de forma absoluta no trato das desigualdades decorrentes de
diferenças físicas, sensoriais, neurológicas ou sociais, produzindo seus efeitos sobre os corpos que
habitam a escola e fixando, assim, por meio de divisões e hierarquizações de saberes sobre os sujeitos,
as totalidades de normalidade e de anormalidade.
A análise dos discursos institucionais escolares em sua relação com modos de subjetivação
específicos nos leva a delinear um outro rumo a seguir: encontrar um elemento de análise que permita
captar a singularidade humana que se revela em absoluta vinculação com o coletivo, sem deixar de
lado a complexidade com que se inscreve.
Bakhtin24 nos aponta como caminho a “análise dos sentidos”, a qual diferencia as ciências
humanas das outras ciências. Teorias como essa já nos convenceram de que é preciso restabelecer o
laço entre o homem e a vida e que esse laço só se instaura pela via da linguagem em sua dimensão
polissêmica, em sua potencialidade constitutiva e instauradora dos múltiplos sentidos que constituem a
vivência cotidiana do homem.
A análise dos conceitos de DEFICIÊNCIA INTELECTUAL a que nos propusemos aqui passou,
inicialmente, por sua identificação e reconhecimento em um quadro que se aproxima dos modos
dominantes de produção de conhecimento nas ciências humanas, atrelados , uma visão do ser humano
e da escola que prima por sua exclusão. Nosso desafio resume-se, então, ao compromisso de
desestabilizar sentidos cristalizados no conceito patologizante da deficiência intelectual, abrindo
caminhos para conceber a existência humana de forma singular, o que nos permite pensar a deficiência
intelectual como devir.
Desse modo, investigar o processo histórico da modernidade e a noção de deficiência
intelectual dele decorrente, seu surgimento e sua inserção nas práticas escolares contemporâneas,
coloca-nos diante da complexidade que a tarefa da inclusão nos impõe.
Ao aprofundar esse debate, constatamos que os conceitos e as práticas dominantes estão
respaldados em uma perspectiva que concebe o sujeito com deficiência intelectual de modo a buscar
sua essência, nesse caso, sua inteligência: ele é isto ou aquilo. Sua deficiência corresponde a um
desvio em relação a uma certa essência. As metodologias investem na tarefa de recuperar os déficits,
os desvios; em última instância, de normalizar a vida.
Ao tomar outra perspectiva, somos levados a pensar esses conceitos e essas práticas que
primam por identificar, reconhecer, enquadrar, determinar o outro e, assim, proteger a nós mesmos.
Somos levados a repensar nosso papel e nosso lugar nessas práticas e, por fim, nossa própria
existência, que se dá sempre na relação com o outro, na intersubjetividade. Abre-se, então, o caminho
para a ALTERIDADE.
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Na educação, o binarismo oficial levou à homogeneização de uma nação branca que substituiu
a população nativa por migrantes europeus, povoando de oposições binárias o sistema educativo, que
acaba colocando, de um lado, o desejável e o legítimo e, de outro, o ilegítimo.
No sistema educativo, sob a hegemonia da normalidade e da homogeneidade, a divisão entre
ensino regular e especial legitimou esse binarismo. A educação especial deriva dele. Sob a
legitimidade de um saber científico, os deficientes intelectuais são diagnosticados e suas identidades
anormais são reconhecidas e fixadas.
Como conseqüência, esse modo de tratar a alteridade trouxe para a educação formas expressas
ou sub-reptícias de exclusão, todas implicadas na intenção de descartar o componente negativo, o não-
idêntico. As formas segregacionistas de educação para deficientes intelectuais que se constituíram ao
longo da história da educação especial também podem ser entendidas nesse bojo.
Mas esse tipo de análise não parece responder mais aos modos contemporâneos de se pensar a
relação cultural, uma vez que os discursos sobre o direito à diferença e à diversidade vêm cunhando
com torça seu lugar no pensamento moderno e pós-moderno, com a forte presença das diferentes
versões do multiculturalismo, dando visibilidade à pluralidade cultural e colocando em
questionamento a hegemonia da normalidade. E, de fato, as nossas salas de aula parecem confirmar,
em muitas escolas, esse mapa multicultural, que remete ao politicamente correto, na medida em que
conta, no mínimo, com negros, deficientes, crianças de ma e outros considerados pelas políticas de
identidades como tendo identidades especiais.
Esse cenário aponta para o segundo modo de narrar a alteridade - aos outros enquanto sujeitos
plenos de uma marca cultural55 descrito pelas vertentes do multiculturalismo, e leva os autores a se
questionarem se esse novo modo não seria um reflexo profundo da crise da modernidade. “Não será,
então, sua resposta politicamente correta à desigualdade, às exclusões, aos genocídios etc.? Será o
multiculturalismo uma forma elegante que a Modernidade desenvolvei; para confessar sua
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brutalidade colonial?”27
Essas indagações nos levam a outra: as políticas de integração das identidades especiais não
poderiam também ser entendida- como a forma pela qual a escola moderna confessou-se e redimiu-se
de suas práticas de exclusão para com seus alunos inventariados como desviantes ou deficientes?
A idéia multicultural surge como confronto a posições homogeneizantes e em busca dos
direitos plurais, mas traz como problema a concepção das diferenças como entidades fechadas,
essencialmente construídas, que podem estender-se à análise das deficiências. O apelo das políticas
integradoras em relação ao “portador de deficiência” não superou a visão a respeito dos grupos
classificados como deficientes, tampouco seus níveis de classificação.
O terceiro modo de narrar a alteridade aparece como um discurso que reivindica a tolerância:
“o outro como alguém a tolerar” em face da intolerância estabelecida para com a vida humana e para
com a liberdade. Contudo, as formas de tolerância concedidas pela modernidade, como a assimilação
individual e o reconhecimento do grupo, sustentaram-se na igualação, e não na diferença, colocando
em risco a reconstrução dos laços sociais. Portanto, a tolerância não está isenta de ambigüidades. Ela
reaparece no discurso pós-moderno, deixar de mostrar-se paradoxal em seu convite à existência da
indiferença e, ao mesmo tempo, em aceitar os grupos cujas marcas são comportamentos antissociais e
opressivos. Ela debilita as diferenças discursivas e mascara as desigualdades, consagra a ruptura de
toda contaminação e revalida os guetos, ignorando mecanismos pelos quais foram construídos
historicamente. Não põe em questão os modelos sociais de exclusão; no máximo, amplia regras de
urbanidade com a recomendação de tolerar o diferente.
No caso da deficiência intelectual, alguns cenários como esse têm sido relatados com
freqüência. Crianças são colocadas nas salas de aula do ensino regular sem que se saiba o que fazer
com elas; no entanto, diante do apelo de tolerância, contido nos discursos que pregam o politicamente
correto, essas crianças lá permanecem, embora, muitas vezes, o silêncio e a indiferença venham
retratando a incapacidade da escola, dos professores, dos alunos e da sociedade em geral em lidar com
a chamada educação inclusiva.
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ideal ou o ideário político de uma sociedade que convive em seu cotidiano com a violência, o
desemprego, a doença crônica, o desamparo à infância e a mais absoluta indiferença.
O que se conclui, no entanto, é que “o desafio pedagógico que a inclusão nos apresenta é
muito mais amplo do que aquilo que se revela no interior da escola regular. Requer consciência social
e política, mas especialmente uma atitude ética para com esse alunado”28, que ao invés de se sentir
acolhido, pode sentir-se abandonado em uma escola regular que não se encontra preparada para a
inclusão. Nesse ponto, qualquer atitude generalizável é um grande risco. O que pode ser produzido em
nome da inclusão é o retorno às mais sub-reptícia formas de exclusão.
Em nome do politicamente correto, a inclusão pode transfigurar-se como tolerância e
configurar-se como um tipo de sentimento próprio do mundo contemporâneo: a INDIFERENÇA. No
entanto, justificar a retirada da criança do ensino regular em função de seu diagnóstico de deficiência é
condená-la às velhas práticas de exclusão.
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Ao pensarmos a inclusão a partir das reflexões que fizemos sobre identidade, alteridade e
exclusão social, constatamos que a exclusão começa muito cedo, antes mesmo de o bebê nascer. Suas
raízes estilo na pobreza, na moradia imprópria, nas doenças crônicas, no longo período de
desemprego. Diante dessas condições, são negados a essas crianças recursos e oportunidades
disponíveis às outras crianças muitas das quais enfrentam outros obstáculos decorrentes de gênero,
religião ou de sua deficiência. Mesmo crescendo em famílias com fortes laços afetivos, preocupadas
em prover-lhes uma vida melhor muitos começam e terminam sua infância em estado de exclusão
social e de baixo rendimento educacional, dando continuidade às condições que viveram desde cedo,
ao experimentar o desemprego, a pobreza e a doença ao longo da vida, por conta disso, a inclusão
requer discussões que não podem ocorrer no vazio social, e a formação dos professores não pode
acontecer sem referência aos contextos sociais em que irão ensinar, muito menos sem a preparação
para as parcerias que a educação especial inclusiva requer, sela com os país, seja com os serviços
especializados na comunidade, como os de saúde e os sociais. Essa talvez seja a mais importante
barreira a ser quebrada, de modo a favorecer o compartilhamento de informações e a superação das
lacunas entre os diferentes serviços e is famílias, muitas vezes responsáveis pela disseminação de
informações equivocadas e estereótipos de todas as naturezas.
Segundo Mittler, a forma de pensarmos a inclusão nos primeiros anos de vida apresenta um
foco estreito de referência às necessidades educacionais especiais desse período como sendo um
assunto para tratar das necessidades de crianças com deficiência. Estreito, na análise do autor, porque,
se queremos garantir que as necessidades das crianças com deficiência sejam contempladas em um
serviço, isso requer pensarmos de forma mais abrangente. Tais necessidades devem ser vistas no
contexto das questões políticas e financeiras referentes aos serviços destinados a todas as crianças,
pois “já passou o tempo de pedir coisas especiais para crianças especiais" precisamente porque faz
muito tempo que não há uma linha divisória clara entre crianças com e sem necessidades especiais”29.
Nesse sentido, o autor sugere que as parcerias no cuidado com a criança e com o
desenvolvimento na primeira infância, tanto para crianças com necessidades educacionais especiais
como para crianças com deficiências, devem considerar os seguintes aspectos:
• detalhes do apoio que será ofertado para garantir que todos os serviços de educação infantil
sejam capazes de identificar e atender as necessidades especiais;
• informação sobre cuidados com as crianças e sobre os serviços de educação infantil
disponíveis na localidade voltados para crianças com necessidades especiais ou com
deficiências (no Brasil, seriam equivalentes aos serviços de apoio dos órgãos públicos);
• planos de parceria para tornar os serviços mais inclusivos;
• detalhes a respeito de qualquer capacitação de especialistas disponíveis na localidade na área
de educação infantil e dc pessoas que atuam no âmbito dos cuidados com a criança com
necessidades educacionais especiais ou com deficiência (incluindo capacitação compartilhada
com outros setores);
• detalhes acerca de orientação e assessoramento disponíveis aos pais e aos profissionais das
áreas de cuidados com a criança (por exemplo, enfermeira, babá etc.) e de educação infantil para
crianças com deficiência ou necessidades educativas especiais.30
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Os programas que atendem aos primeiros anos da infância - maternal, creche ou serviços
especializados de saúde e de assistência social - devem se modificar em face da inclusão.
Aspectos relevantes para a avaliação dessas mudanças podem ser Indicados, como a
modificação nos métodos dos programas, a fim de responder à presença da diversidade e preparar para
uma educação inclusiva. O planejamento compartilhado entre diferentes centros de serviços
especializados e os serviços de educação também deve ser considerado como indicativo de mudança,
bem como a participação dos pais e a capacitação permanente dos profissionais envolvidos, visando à
redefinição de seus papéis e de suas expectativas, tendo em vista a inclusão no sistema regular de
ensino “sempre que possível”
A escola especial também deve apresentar indicativos de mudança, redefinindo e ampliando
seu papel para desenvolver uma rede de especialistas de apoio. Também devem fazer parte desses
indicativos a implementação de políticas com ênfase em prevenção, a identificação precoce das
crianças em situação de risco e a articulação dos serviços necessários para o atendimento das
necessidades especiais, bem como melhores oportunidades para o desenvolvimento das equipes
multiprofissionais.
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trabalhos em grupo que despertem valoro de cooperação e respeito e que possibilitem diversificadas
formas de expressão e não apenas a expressão oral e escrita.
Quanto aos conteúdos, todas as oportunidades devem ser ofertadas para que a criança com
diferenças em seus níveis de abstração de pensamento possa aprender. As mudanças que se fizerem
necessárias têm que ser decididas com a participação da equipe da escola e da equipe de apoio
multiprofissional que acompanha a criança, sendo organizadas sem prejuízo ao aluno. Devem partir de
uma criteriosa filiação do aluno e da análise do seu contexto familiar e escolar, identificando
elementos adaptativos necessários para o seu desenvolvimento. Isso pode Implicar a modificação ou
até mesmo a supressão de conteúdos, quando há discrepância entre as necessidades do aluno e as
exigências curriculares.
Trata-se de uma tarefa que não cabe exclusivamente ao professor. Assim, a seleção de
métodos pedagógicos apropriados pode combinar-se com as estratégias individuais de aprendizagem
de uma criança, em um contexto de trabalho de grupo. Desse modo, as diferenças individuais podem
permitir que todas as crianças participem das atividades e progridam em relação ao currículo.
Os princípios de uma APRENDIZAGEM COLABORATIVA devem reger a ética das relações entre
crianças, professores da educação regular e da educação especial e equipe pedagógica da escola, bem
como entre os serviços de apoio especializado. Esse apoio pode estar dentro da escola, como aquele
prestado pelo professor especializado, atuando como educador “itinerante”, ou da sala de recursos,
onde o aluno pode receber apoio individualizado no contraturno escolar. A escola eleve estabelecer
parcerias com outros serviços da comunidade que participam do atendimento aos alunos: serviços de
saúde, escolas e centros de atendimento especializados, entre outros. A colaboração entre esses
serviços e a escola serve como Indicativo da qualidade do processo de educação Inclusiva.
Chegamos, enfim, ao maior obstáculo à Inclusão na área da deficiência intelectual: a
AVALIAÇÃO. Ela pode seguir, de forma coerente, a mesma lógica flexível do plano educacional
individual, permitindo diversificadas formas de expressão e fornecendo indicativos dos processos que
devem ser retomados no plano pedagógico do aluno.
Se os objetivos e os conteúdos curriculares foram traçados para o aluno de forma diferenciada,
respeitando suas possibilidades e o tempo necessário para sua aprendizagem, que pode diferenciar-se
significativamente da de outras crianças, e se o professor pluralizou suas metodologias como meio de
beneficiar a todos os alunos, a avaliação torna-se uma ferramenta fundamental na promoção dos
ajustes necessários para garantir o desenvolvimento educacional do aluno.
Dessa forma, não é o aluno que deve adaptar-se à escola, mas, sim é esta que deve tornar-se
um espaço inclusivo, a fim de cumprir seu papel social e pedagógico na busca pela educação na
diversidade.
A educação inclusiva desafia as formas de exclusão e de discriminação, independentemente de
ter se originado como resposta da sociedade à deficiência, ao gênero ou à raça, à pobreza ou à
desvantagem social. É isso que a diferencia da educação das necessidades especial tal como era
trabalhada no final do último milênio.
No entanto, propor a educação inclusiva sem considerar a realidade de nossas escolas é, no
mínimo, uma atitude generalizável que não condiz com a ética de respeito às diferenças - uma
premissa básica da inclusão.
Neste ponto, algumas reflexões sobre o tema INCLUSÃO NO ENSINO FUNDAMENTAL são
necessárias. Para isso, vamos recorrer a uma pesquisa que desenvolvemos, em co-autoria com
Kafrouni, em escolas públicas do município de Curitiba visando a uma análise do- diferentes
significados que o termo INCLUSÃO vem adquirindo em nossa sociedade, bem como dos efeitos,
explícitos ou implícitos, que vem provocando em nossas práticas em educação. Lançamos alguns
questionamentos sobre os desafios que o processo de inclusão apresenta, tanto em uma dimensão intra-
escolar quanto em uma dimensão social mais ampla.
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Nossa pesquisa foi desenvolvida em escolas da rede pública de ensino do Estado do Paraná
com o objetivo de
compreender as principais necessidades dos profissionais da educação básica em relação à
inclusão de alunos com necessidades especiais na rede regular de ensino, prevista na nova Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Foram feitos estudos de caso em nove escolas por
um período de três meses. [...] Os resultados da pesquisa indicaram que a maioria das escolas
investigadas não têm um projeto específico de inclusão, o que parece acarretar dificuldades
como rigidez curricular, metodológica e avaliativa, bem como falta de esclarecimento sobre
as necessidades educativas especiais. Observou-se também a necessidade de
instrumentalização dos professores para o atendimento de alunos com necessidades especiais.
Constatou-se que a concepção de aluno vigente na escola tende à homogeneização, o que é
incompatível com a inclusão. Assim, ainda é creditada ao aluno com necessidades especiais a
responsabilidade por seu aprendizado nas classes regulares de ensino. Pôde-se concluir que a
implementação da inclusão requer o preparo das escolas e dos profissionais da educação para
esta nova realidade.32
Esses resultados explicitam alguns pontos pertinentes para avaliarmos o processo de inclusão
na escola, pontos que parecem alinhar algumas direções que constituem desafios pedagógicos
permanentes para assegurar condições mínimas de acolhimento a crianças com necessidades
educacionais especiais em espaços escolares que se pretendem inclusivos. São eles:
O processo de inclusão exige também a consciência da necessidade de luta por uma sociedade
mais sensível, que deseje conviver com a diversidade e com ela aprender. Quem sabe, a batalha pela
inclusão possa acordar o ser humano do assujeitamento homogeneizante a que se submeteu, criando
condições para a abertura de novos valores.
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Podemos começar esta parte de nosso diálogo perguntando: Será que estamos preparados
para implodir com o “continuum” da identidade ditos “deficientes intelectuais”?
Um bom desafio para começarmos a responder a essa questão seria pensar se podemos
encontrar outra forma de nomeá-los. Para nos certificarmos disso, podemos nos perguntar também se,
diante de uma criança com diagnóstico clínico de deficiência intelectual sentimo-nos preparados para
conduzir os encaminhamentos necessários, os métodos, o planejamento e a avaliação adequados.
Ao aceitarmos o desafio de estar sob o efeito do novo, precisamos aprender a aprender com a
diferença, para nos lançarmos na aventura inédita de nos descobrirmos na relação, fora das semióticas
dominantes que classificam nossos alunos, que os rotulam e os excluem. Preparamo-nos, então, para
produzir novos territórios existenciais para pensar de outro modo as diferenças; para pensar outros
meios de fazer, de viver.
A luta pela polissemia da expressão é essencial para fugirmos da lógica dominante, para nos
transformarmos não no veículo das semióticas dominantes, mas em alguém que possa aí interceder, fa-
zendo laços com forças que se abrem para o inesperado e possibilitando modos singulares de
subjetividade.
Passamos a relatar, a partir deste ponto, algumas práticas de alfabetização de crianças com
diagnóstico clínico de deficiência mental e que foram encaminhadas para classes especiais.
Escolhemos para essa exemplificação os casos de E. e R., duas adolescentes que freqüentaram
classe especial e estão atualmente integradas ao ensino regular 19.
O caminho metodológico percorrido com E. e R. passa pelas imbricações entre história de
vida, narrativa, relação com o mundo das letras (escola) e experiências de fracasso vividas diante desse
mundo, desse como pelo emocionante reencontro desses sujeitos com esse universo por meio da
literatura, do computador, da arte, o que as levou , a uma releitura do mundo.
O encaminhamento do processo de alfabetização vai ao encontro das discussões que fizemos
anteriormente sobre a deficiência mental, procurando superar o olhar individualizante ou biologizante
sobre as crianças, para compreendê-las no contexto das práticas sociais em que lhes são atribuídos
valores em função de suas diferenças.
19 Os relatos apresentados a seguir são resultado de uma pesquisa desenvolvida no Centro de Psicologia Aplicada da UFPR, o
qual oferece atendimento psicológico à comunidade, recebendo famílias que procuram ajuda em relação à aprendizagem
escolar de seus filhos. O trabalho de intervenção com as crianças é desenvolvido como parte do estágio profissional do Curso de
Psicologia da UFPR e tem como objetivo investigar dificuldades de aprendizagem, desenvolvendo novas formas de diagnóstico
e intervenção psicopedagógica com a criança e a escola, acompanhando-se os processos de aquisição e elaboração de
conhecimentos. Busca compreender as representações que o aluno tem acerca dos obstáculos encontrados em seu processo de
aprendizagem a partir da análise que ele traz das diferentes condições interativas que o compõem. Assim, a construção de uma
metodologia de investigação psicopedagógica e intervenção nos problemas de leitura e escrita dá-se sob uma concepção social
da infância e da aprendizagem. Os resultados parciais dessa pesquisa foram apresentados no II Fórum da Infância e
Adolescência (Pan et al., 1999), e os dados dos casos aqui relatados estão registrados no trabalho monográfico de Rocha (1999).
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Na época em que foi realizado este trabalho, E. tinha 12 anos de idade e havia sido inserida na
3a série do ensino regular. Repetente da 1a série, na ocasião tinha sido avaliada por médico e
psicólogo, que a diagnosticaram como “deficiente mental leve”, sendo então encaminhada à classe
especial. Depois de seis meses freqüentando essa turma sem nenhum progresso na aquisição da escrita,
encaminharam-na para o Centro de Psicologia Aplicada (CPA) da Universidade Federal do Paraná
(UFPR).
As dificuldades enfrentadas por E. frente ao mundo da escrita refletem aquelas pelas quais
passou desde o nascimento: o baixíssimo poder aquisitivo colocou sua sobrevivência em risco - sua
mãe quase a abortou por fraqueza; permaneceu hospitalizada por baixo peso ao nascer; fruto da
décima primeira gestação da mãe, que chegou a abortar duas vezes, é temporã, sendo que uma
diferença de oito anos a separa de seu irmão mais novo.
As precariedades financeiras da família de E. a tornaram propensa a desenvolver doenças.
Além disso, vivia num ambiente provavelmente pouco salubre e apresentou-se ao CPA, por diversas
vezes, com escassa roupa e calçado impróprio em dias de muito frio. Outras vezes não compareceu aos
encontros marcados com a estagiária por falta de recursos financeiros para o seu deslocamento e de
um acompanhante, tendo dificuldades até mesmo para avisar antecipadamente, por telefone, a
ocorrência de tais impedimentos.
Evidentemente que, num ambiente com tantos problemas, não é de estranhar que os embaraços
de E. sejam não somente com o mundo da leitura, mas também com a leitura do mundo que a cerca e
oprime.
Um contexto desse tipo, no qual a luta pela sobrevivência certamente ocupa lugar central,
promove por si só um distanciamento entre a leitura do mundo e o mundo da leitura. Limitações em
nível de compreensão e de expressão (principalmente em termos de organização do discurso) puderam
também ser percebidas nos pais de E.
Para complicar ainda mais a situação, a chegada à pré-adolescência acentuou esses embaraços.
Acirraram-se cada vez mais os desentendimentos entre a jovem e seus pais (especialmente a mãe)
acerca de suas companhias, sobretudo quanto a uma amizade de infância. A impugnação de tal
amizade, fator importante na inclusão de E., surgiu em decorrência de boatos envolvendo o padrasto
da amiga, violento e alcoólatra, sobre o qual recaía a desconfiança de que teria engravidado a filha
mais velha.
Diante de tudo isso e considerando a forte religiosidade da família da menina, que tinha dois
irmãos catequistas e freqüentava a catequese, tornou-se compreensível a presença constante de
questionamentos acerca do bem e do mal, que por vezes surgiam personificados em Deus e no Diabo
(o capeta), os quais aparecem na temática do livro de pano confeccionado por ela, fruto de um sonho
que tivera.
Apesar disso, era notável a força de vontade de E. para se superar e tentar aprender. Isso ficava
mais evidente quando as dificuldades se acentuavam, o que provavelmente estava associado à sua
própria luta pela sobrevivência. A menina sempre se apresentou motivada para as atividades
ludopedagógicas e somente em relação à escrita é que esse esforço arrefecia, esquivando-se do contato
com qualquer tipo de material gráfico, como se estivesse desistindo de aprender a escrever. Até
meados de 1999, esta era a única atividade que ela evitava aberta e sistematicamente, sempre que se
lhe oportunizava escolher o que fazer: escrever, mesmo que a estagiária se oferecesse para lhe servir
de escriba. Para não frustrá-la ainda mais, uma vez que suas próprias precariedades já o faziam com
bastante freqüência, somente se teve acesso aos escritos da menina por meio de seus cadernos
escolares. Ademais, havia tanto a ser trabalhado em tantos outros aspectos que, de fato, não se
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mostrava imprescindível abordar diretamente a questão. Antes, o que se buscou promover foi o
respeito às demandas daquela jovem, a fim de que ela percebesse a estagiária como aliada em seu
processo de desenvolvimento.
Um dia ela nos contou um sonho, que a estagiária anotou achá-lo muito interessante, pois tinha
todas as características de uma ótima história. Foi proposto, então, que E. “brincasse de escritora
confeccionasse um livro de pano com a história-sonho. Surpreendentemente, ela acabou concordando.
Os aspectos pedagógicos mais interessantes do processo de manufatura desse livro foram as
vivências do rascunho (tanto do desenho quanto da escrita nele contida) como forma de organização
do pensamento e auxílio para a capacidade mnêmica; do erro como parte necessária à construção do
acerto; da contemplação dos prováveis leitores como elementos constitutivos do livro; do exercício da
organização espacial; da capacidade de análise e síntese (para escolher um desenho que se referisse ao
texto e o contemplasse); da capacidade de interpretação (por exemplo, no momento de confeccionar o
desenho da capa, E. pensou em desenhar o capeta dentro da casa, mas compreendeu que, se o fizesse, a
capa ficaria incongruente em relação ao conteúdo do livro, pois as personagens escondiam-se dentro
da casa).
Outros aspectos, contudo, parecem ainda mais dignos de destaque enquanto expressão da
riqueza dessa atividade: o exercício da contemplação estética (para escolher as cores e os materiais,
por exemplo) e, principalmente, a relação afetiva de E. com as personagens. Nesse sentido, com o
desenvolvimento da tarefa, ela passou de uma indistinção quanto a qual das meninas desenhadas a
representava para o oposto disso e, o que é ainda mais precioso, passou a caprichar mais no desenho
da menina que seria ela própria no livro, além de se desenhar, paulatinamente, menos infantilizada. A
bem da verdade, o auto-retrato, que fez a fim de ilustrar para os seus leitores a “autora” da história,
chegou a emocionar pela evidência de quão valorizada se encontrava sua auto-imagem, expressando
satisfação consigo própria.
Cumpre ressaltar que E. se interessou por costurar, também porque suas irmãs e mães o fazem.
Ela se manifestou bastante segura em relação à atividade, o que não era corriqueiro. Houve, porém,
certo momento em que ela se desinteressou da tarefa, mais precisamente quando havia confeccionado
a metade do livro, voltando a motivar-se apenas quando novos materiais (lantejoulas de diversas
formas, fios, olhinhos de boneca) somaram-se às agulhas, aos tecidos, às canetinhas e às tintas. Mas,
quando percebeu que havia outras possibilidades de expressão - diferentes de desenho, pintura e
colagem de tecidos -, recuperou-se definitivamente de seu desânimo, chegando a dizer: “Tava tão bom
fazer o livro hoje!”.
O conteúdo da história reflete as condições de vida dessa jovem, religiosa e sempre dividida
entre o bem e o mal: tinha cunhados “bons”, quando sóbrios, mas “maus”, quando bebiam e batiam em
suas irmãs e sobrinhos; viviam na pobreza, castigo injusto de Deus (nos termos do pai de E.), apesar
de serem religiosos praticantes; sofreram a morte violenta de animais de estimação.
E. achou interessante a idéia de reescrever o livro no computador: “[Escrever] no computador
é bom!”. Nesse momento o computador surgiu
como ferramenta que permite que a criança se torne escritora ou desenhista; ou melhor,
acrescenta novas possibilidades ao seu trabalho, permitindo que um texto ou desenho possa
ser distribuído [...]. Assim, a criança, ao utilizar-se do computador, passa a ver o seu trabalho
como algo muito parecido com a produção do adulto, em que a versão final não tem ares de
projeto, que precisa ser passado a limpo. [...] a tecnologia pertencente ao mundo profissional
do adulto transforma-se em brinquedo, aparelho-jogo, máquina lúdica, decretando a renova-
ção de sua existência.3S
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A escola avaliou que, durante esse período do projeto, E. conseguiu deixar de ser
excessivamente “fechada” para apresentar-se “bem mais participativa e agitada” - no bom sentido:
“Pergunta mais, vai até a mesa dos colegas e ajuda[-os] quando sabe...” Observamos, inclusive, diante
do elogio de um colega, um redespertar para a sua faceta amorosa, adormecida diante das reprimendas
da sua família. Havia indícios de que, paulatinamente, E. começou a desmistificar a produção escrita.
O processo de confecção desse material constituiu um projeto de (re)inserção de E. no mundo
da leitura, porém de forma diferenciada e singular, pois representou não apenas a exercitação
puramente mecânica de habilidades consideradas fracas em crianças com deficiência intelectual, nas
quais a descrença em seus potenciais é o pior investimento. Tratou-se de um processo de resgate de E.
enquanto sujeito de uma história difícil, que teve possibilidade de ser compreendido, escutado.
Apesar de suas precárias condições de sobrevivência, de todas as opressões e de seu
sentimento de quase derrota diante do mundo d, leitura e da escrita, E. conseguiu superar-se e
vislumbrar um possível vôo, livre, ou quase: foi para a sala regular e novos amigos ampliaram sua
interação discursiva. Com isso, confirmamos que a alfabetização pode ser uma experiência de sucesso
e de libertação para muitas crianças, inclusive para aquelas que se apresentam sob efeitos do discurso
de uma “deficiência”.
O segundo caso que vamos relatar retrata uma problemática semelhante. Refere-se a R.;uma
adolescente de 13 anos que freqüento v uma classe especial, passando, na época do nosso trabalho, a
freqüentar a 4a série do ensino regular.
Depois de cursar a pré-escola com cinco e seis anos, iniciou a 1a série do ciclo básico de
alfabetização e foi promovida para a 2a série por estar alfabetizada. Transferida para uma escola
municipal no meio do ano, foi retida nessa série e encaminhada para a classe especiais, onde continuou
a apresentar inúmeras dificuldades escolares. A escola procurou a ajuda do CPA, tendo sido recebida
pelo programa de apoio psicopedagógico.
Na infância, R. foi uma menina de rua. Sua mãe era garota de programa, e seu pai, que dela
cuidava, havia morrido muito cedo. Como passasse a viver na rua, uma conhecida de sua mãe - que
ficara sabendo de um casa que queria adotar uma menina - a encaminhou para essas pessoas, as quais
cuidam dela até hoje e que R. considera como seus pais.
Ao analisarmos a história de R., percebemos que sua vida, desde cedo, foi muito complicada.
Ela quase não queria falar ou escrever sobre isso. Notamos que essa era uma tarefa difícil e que,
quando fazia uma leitura de seu passado, narrando-o e escrevendo sobre ele, apresentava muitos erros
e muitas trocas de letras. Mostramos, a seguir, um texto produzido por ela sobre sua família natural:
O que observamos nesse texto é que falar de sua difícil história criava-lhe muitos embaraços
com as letras... era uma tarefa muito difícil.
Porém, seus embaraços pareciam bem menores ao falar de como se sentia na época, quando
dizia estar feliz e realizada na sua nova família. Gostava de falar de suas “paqueras” e, quando
20 Meu primeiro nascimento. Foi tão gostoso saber que eu ia nascer no mundo e a minha mãe nem se tocava que dentro da
barriga estava eu. Também, eu não era bagunceira! Só depois ela sentia enjôo... Quando meu pai chegou, minha mãe foi falar
que estava grávida.
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escrevia sobre o amor, sobre meninos, sua produção era bastante diferente, sem erros:
O amor no luar
Se você gosta de luar
Pensa no que eu vou falar
Olha o céu azul
Olha os pássaros cantando
E você será mais feliz
Sabe por que?
Eu amo você
Não vou te esquecer
Tanto E. como R., a partir do momento em que entraram na escola, foram marcadas por uma
diferença crucial que separa dos demais os que não conseguem ler ou escrever. Suas trajetórias não se
diferenciam da de muitas crianças que ingressam nas escolas públicas brasileiras. Do fracasso na
alfabetização à busca de especialistas que possam explicá-lo, as duas passaram por um percurso
semelhante: AVALIAÇÃO DIAGNOSTICA E ENCAMINHAMENTO À CLASSE ESPECIAL.
O trabalho realizado na classe especial e o apoio recebido no CPA foram importantes para que
a ambas fossem oportunizadas formas diferenciadas de aprendizagem, rompendo e confrontando com
a forma estabelecida pelas semióticas dominantes na escola acerca de seus destinos.
A entrada na escola e a conseqüente inserção no mundo das letras e dos números nas
sociedades letradas são tratadas de forma tão natural que não conseguimos pensar que seja normal uma
criança não ler ou escrever após seus oito ou nove anos de vida. A aquisição da escrita e o
desenvolvimento das crianças estão construídos de modo tão natural nas expectativas de nossa cultura
letrada que tudo o que foge a essa perspectiva pode parecer anormal. As diferenças que as crianças
apresentam em face do letramento, por deficiências orgânicas ou sociais, acabam por moldar sua
experiência subjetiva n- escola, definindo os sentidos que atribuem à leitura do mundo e d- si mesmas.
E. e R. retratam a dura experiência diante do mundo dv letras. Entretanto, o que as aproxima é a força
investida para romper com aquilo que o futuro parecia lhes prometer, pressuposto em seus
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diagnósticos.
Pessoas como elas evocam a possibilidade de pensarmos um devir nos casos de deficiência
intelectual, o que coloca em questão as semióticas dominantes sobre esses sujeitos e seus efeitos sobre
nossa- práticas. Embora a deficiência intelectual seja considerada no conter das diversidades humanas,
os discursos a seu respeito que circulam na escola regular carregam a marca do imperfeito, fazendo
com que esses indivíduos sejam reduzidos às suas falhas, à sua “falta de inteligência", o que, de
alguma forma, acaba por inscrever-lhes em uma espécie destino predeterminado. É comum que
pessoas com esse tipo de diagnóstico permaneçam nas classes especiais, sem poderem romper com os
efeitos dos discursos que lá as enredam e prescrevem sua trajetória escolar. No entanto, com a história
dessas meninas, deparamo-nos com a construção e a desconstrução dessas formas instituídas,
possibilitando a produção de formas singularizadas de existência.
Os processos de ensino-aprendizagem que ocorrem em sala de aula são muito complexos.
Todos sabemos que uma grande parte das teorias de aprendizagem procura explicar modelos e modos
de ensino universais, dando a falsa ilusão de que podemos ter uma resposta concludente e definitiva à
pergunta: “Como ensinar?”
Por compreender o processo de ensino em sua complexidade, não podemos prescrever formas
de ensinar, tampouco pressupor fórmulas de aprender como chaves do processo ensino-aprendizagem,
ir:- sim fornecer elementos para a análise e a reflexão sobre a prática, permitindo uma melhor
compreensão dos processos que nela intervêm e a consequente avaliação sobre sua pertinência
educativa. Nos dois casos apresentados, a confecção de um livro de tecido, o computador, o vídeo, a
poesia apresentaram-se como recursos metodológicos preciosos para que as meninas encontrassem
meios de expressão diferenciados, que as levaram a resgatar seus laços afetivos, sociais cognitivos
com a leitura e a escrita.
É importante lembrarmos que tanto R. quanto E. receberam apoio especializado na classe
especial e no CPA, para que posteriormente pudessem ser reintegradas no ensino regular. Logo,
algumas perguntas podem surgir com as reflexões trazidas pelo paradigma da inclusão nesses casos:
Por que essas jovens tiveram que percorrer a trajetória de retirada do ensino regular,
para somente depois serem reinseridas? Teriam R. e E. conseguido aprender a ler e
escrever no ensino regular?
Essas perguntas não devem ser respondidas. Elas têm que persistir, inquietando-nos na
avaliação de nossas práticas e impedindo-nos de nos repetirmos na velha lógica: a criança deve ser
preparada fora do ensino regular para reintegrar-se a ele ou deve recuperar-se fora da escola dos danos
por ela provocados?
A pergunta deve persistir, a fim de possibilitar que a soberania da escola seja abalada,
colocando suas práticas em relação à diversidade humana em permanente questionamento, e também a
fim de nos inquietar no sentido de nos impedir de pensar que a inclusão é uma tarefa simples, que deva
ser implementada imediatamente. Ela pode tornar-se perigosa se assumida de forma superficial e
irresponsável, desconsiderando a realidade concreta de nossas escolas e o cotidiano das relações que lá
se estabelecem.
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seus estereótipos.
O que as histórias de E. e R. podem produzir como conseqüência em nós é a possibilidade de
olhar a deficiência intelectual enquanto devir. A luta instigante de duas meninas que rompem com a
força dos modos instituídos de compreender a deficiência como déficit como falta de inteligência
permite desestabilizar as semióticas dominantes, viabilizando, com isso, formas singularizadas de
subjetividade, que surgem do atravessamento de linhas de alteridade.
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ATIVIDADES DE SÍNTESE
1- Faça uma pequena síntese do cenário histórico da deficiência intelectual pelos tempos.
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2- Como o conceito de inteligência influenciou e influencia hoje, nas práticas educacionais?
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3- Quais os principais marcos para as ações em educação especial? Quais mudanças eles trouxeram
para a educação especial?
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4- Você acredita que as escolas hoje estão preparadas para oferecerem a educação especial? O que
ainda é necessário fazer nesse sentido?
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Capítulo 4
O relato da epígrafe expressa com clareza o que este capítulo pretende abordar, convidando o
aluno a refletir sobre a dura realidade enfrentada pelos professores inseridos no modelo de inclusão. O
exercício do magistério, a cada dia, vem se tornando uma tarefa árdua. Os professores enfrentam todo
tipo de adversidades, desde baixos salários, falta de recursos, até a violência em sala de aula. Esses
fatores incidem diretamente sobre a qualidade de seu trabalho e em sua saúde física e mental. O
movimento de inclusão de alunos com necessidades educativas especiais nas salas de aula vem
agravando esse quadro, pois o professor, diante de demandas às quais nem sempre consegue
responder, ou por lhe faltarem recursos, ou por não estar capacitado para isso, sente-se sobrecarregado,
incapaz e adoece.
A associação entre as condições de trabalho e a ocorrência de doenças físicas e mentais em
profissionais de educação vem sendo estudada desde a segunda metade do século XX. Nesse contexto,
muitas pesquisas têm feitas sobre a influência da síndrome de BURNOUT e o adoecimento progressivo
dos professores.
O burnout é considerado um tipo de stress ocupacional, associado à alterações fisiológicas
decorrentes do stress. Os fatores relacionados à organização do trabalho são determinantes para o seu
desenvolvimento 21. Em razão da grande relevância do tema, vários estudiosos têm se dedicado a ele,
tanto no Brasil quanto no exterior.
Feigin, Talmor e Reiter, na pesquisa Factors relating to regular education teacher burnout in
inclusive education, tiveram como objetivo identificar os fatores ambientais que se relacionam ao
trabalho dos professores inseridos no modelo de inclusão e o desenvolvimento da síndrome de
burnout. Participaram dessa pesquisa 330 professores de uma escola do ensino fundamental. Para a
coleta de dados, foi elaborado um instrumento que continha questões sobre os dados
sociodemográficos, a síndrome de burnout, o Friedmarís burnout questionnaire, de 1995, e
características ambientais típicas dos professores que trabalham com alunos com necessidades educa-
tivas especiais, sendo este último tópico subdividido em quatro características: psicológicas,
organizacionais, estruturais e sociais. Ao final dessa pesquisa, foi constatado que os índices mais
elevados de burnout estavam associados às atitudes adotadas pelos professores em sala de aula, ao
acúmulo de função na escola, ao ato de ministrar as aulas e, por fim, ao elevado número de estudantes
com necessidades educativas especiais. Esses resultados comprovam, segundo os pesquisadores, que a
implantação do modelo de inclusão requer rigor quanto aos fatores relacionados à organização escolar
e à formação dos professores.1
Já Naujorks, em Stress e inclusão: indicadores de stress em professores frente à inclusão de
21 O conjunto de sintomas denominado burnout é considerado um tipo de stress ocupacional por tratar-se de uma síndrome
desencadeada pelas relações geradas no trabalho assistencial (LEVY, 2006; NUNES SOBRINHO, 2002; REINHOLD, 2002).
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e também aqueles com algum tipo de deficiência, configurando a implantação do modelo de inclusão
no cenário da educação brasileira. Para Glat, “o momento educacional brasileiro é de democratização
da instituição escolar. Nesse contexto a educação inclusiva, que até há bem pouco tempo era
considerada utopia, hoje vem consolidando-se como uma realidade”7.
De fato, o modelo da educação inclusiva é a expressão da democratização escolar e da real
aceitação das diferenças individuais não como obstáculo, e sim como predicado. Porém, a
aproximação do ensino regular ao especial é historicamente complexa, necessitando ser continuamente
investigada a fim de responder às expectativas dessa união.
A trajetória da escolarização de pessoas com transtornos mentais é repleta de ajustes e
direcionamentos, conforme relatado por Facion em seu livro Transtornos invasivos do
desenvolvimento. Esse processo se iniciou no final do século XVII, na França, com a fundação de
instituições especializadas para a educação de surdos e cegos. Em 1777, Pestalozzi democratizou o
ensino, revelando que todos, apesar de apresentarem características diferentes, tinham condições de
aprender. Entretanto, somente entre as décadas de 1960 e 1980 é que surgiram as escolas especiais
reguladas pelos princípios da normalização e da integração.
No Brasil, em 1904, foi desenvolvida a primeira escola desse tipo — Escola de Crianças
Anormais - no Hospício Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro. Franco da Rocha, no ano de 1921,
criou o serviço de menores, dando origem ao primeiro núcleo de classes especiais no estado. Já em
1925, Tiago Wurth funda a escola Pestalozzi e, em seguida, surgem a Pestalozzi - Canoas (1926), a
Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais (1935) e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais -
Apae - RJ (1952). Mas foi somente na decada de 1990 que os princípios da educação inclusiva
ganharam destaque no panorama da educação, com ênfase para dois eventos importantes: a
Conferência Mundial de Educação para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca , 1994),
contribuindo para a ampliação das discussões, o avanço de pesquisas e a busca de alternativas.8
Esse discurso de acessibilidade estabelecido pelas políticas de educação passou a constituir as
práticas institucionais e promoveu, segundo Krawczyk e Vieira, profundas transformações nos
objetivos, nas funções e na organização do sistema educacional do Brasil, o que repercutiu num
processo crescente de defasagem das condições de trabalho docente.9
Nesse contexto, o professor vem extrapolando progressivamente o seu caráter de mediador do
processo de conhecimento do aluno, ampliando a sua missão para além da sala de aula, a fim de
garantir uma articulação entre a escola e a comunidade. Ele deve ensinar e participar da gestão e do
planejamento escolar, o que significa uma dedicação mais ampla, a qual se estende às famílias e à
comunidade.
Os professores do ensino regular apontam como principais dificuldades e impasses gerados
pelo atual modelo de inclusão: a eficácia da metodologia aplicada; a falta de recursos e de infra-
estrutura; as péssimas condições de trabalho; as jornadas de trabalho excessivas; os limites da
formação profissional; o número elevado de alunos por sala de aula; os prédios malconservados; o
despreparo para ensinar seus alunos.
Outra dificuldade assinalada pelos professores é a acessibilidade do aluno à sala de aula.
Ercolin aponta a existência de leis as quais obrigam que novos prédios sejam construídos de acordo
com normas adequadas ao acesso de todos, como, por exemplo, com disponibilidade de rampas e
banheiros adaptados. Porém, segundo a autora, esses ajustes são insuficientes, já que não suprem as
necessidades daqueles que não usam cadeiras de rodas, mas apresentam um quadro de paralisia
cerebral, por exemplo, e necessitam de apoio para se sentar, ou mesmo para os que precisam de um
teclado adaptado para que possam escrever.10
Mais um aspecto a ser evidenciado refere-se à falta de informação das escolas, em geral, no
que diz respeito ao atendimento dos alunos com necessidades educativas. Algumas, por falta de
conhecimento entendem que devem atender a todos, independentemente do grau de severidade da sua
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deficiência.
O art. 5o da Resolução n° 95 da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, de
21/11/2000, que dispõe sobre o atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais nas
escolas da rede estadual de ensino, propõe que “alunos que apresentarem deficiências com severo grau
de comprometimento, cujas necessidades de recursos e apoio extrapolem, comprovadamente, as
disponibilidades da escola, deverão ser encaminhados às respectivas instituições especializadas
conveniadas com a Secretaria de Educação”11. Quando essas diretrizes não são respeitadas, corre-se o
risco de todos saírem perdendo: o professor, que se vê diante de uma demanda incapaz de ser
respondida, a escola, o aluno e sua família.
Portanto, fica claro que o processo de implantação da educação inclusiva exige arrojo e
coragem, mas também prudência e sensatez, tanto na ação educativa quanto nos estudos e nas
investigações. Sem os devidos ajustes, pode tornar-se fonte de equivocadas atitudes: “[...] se, por um
lado, a Declaração [de Salamanca] afirma o propósito da educação inclusiva, por outro, aponta para o
aprimoramento dos sistemas de ensino, sem o qual o princípio primeiro, de que'[...] toda criança tem
direito fundamental à educação, e deve ser dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado
de aprendizagem, (p. 1)’ não se efetivará.”12
Você percebe esse cuidado por parte dos responsáveis pela implantação da inclusão em
sua região?
Não estaria ocorrendo a pseudo-inclusão, que acaba por prejudicar todo o alunudo?
O que você destacaria como necessário para que de fato haja a inclusão e não a exclusão
maquiada?
Para que verdadeiramente se estabeleça uma educação de qualidade para todos, é fundamental
a participação ativa do professor. O êxito de sua atividade é determinado pelas suas condições de
trabalho, armação, competência pedagógica, habilidades e avaliações periódicas das estratégias
metodológicas utilizadas. Todos esses elementos devem ser levados em consideração para o sucesso
da inclusão.
De modo geral, a formação desses profissionais deixa a desejar, pois, mesmo com a
obrigatoriedade do curso superior para o magistério, da qualificação ou habilitação específicas, obtidas
por meio de cursos de Pedagogia ou de outras alternativas, nota-se que o professor aplica, em sua
prática diária, muito pouco do que aprende, em conseqüência da sobrecarga, da dupla jornada de
trabalho e da falta de recursos e materiais pedagógicos.
Outro dado relevante no que diz respeito a sua formação é que, em cursos, estágios ou
capacitação profissional, esses especialistas aprendem a lidar com métodos, técnicas, diagnósticos e
outras questões centradas na especificidade de uma determinada deficiência, o que limita suas
possibilidades de atuação.
Quanto à formação do professor no que tange à especificação das síndromes apresentadas pela
comunidade escolar, Amaral, ao abordar o presente tema no livro Inclusão educacional, assinala que
“[...] a formação do educador frente às novas propostas de educação inclusiva aponta para, pelo
menos, duas modalidades de capacitação profissional” Uma modalidade é destinada aos educadores do
ensino regular com pouco conhecimento em educação especial e a outra, aos educadores com
especialização em educação especial, o que confere habilidades para o enfrentamento das adversidades
em seu ambiente de trabalho13. Já Bueno, em seu artigo sobre a formação do educador perante as
novas propostas da inclusão, não priorizam esse aspecto e explica que as atenções não devem estar
voltadas para uma oposição entre o professor especialista ou generalista, porque a prática em sala de
aula lhe proporciona essas duas características. As preocupações, segundo ele, devem caminhar na
busca do aprimoramento de novas diretrizes e ações, objetivando eficácia na formação; dirigida ao
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docente.14
Ainda no contexto da formação, é fato que o despreparo dos professores é um fator que vem
colaborando, a cada dia, com o aumento significativo do número de professores que se afastam das
salas de aula por motivos de doença. Malagris, ao relacionar o surgimento do stress entre professores
que atuam na educação inclusiva, alerta para a necessidade de uma formação complexa dirigida a
esses profissionais, já que, segundo ela, o tema da formação profissional é de extrema importância,
pois a sua insuficiência pode ser considerada um elemento significativo para o desenvolvimento do
stress do professor.15
Portanto, formação profissional, equipamentos específicos, acessibilidade, entre outros fatores,
são temas de extrema relevância nesse contexto, porque, entre outros aspectos, a falta de recursos para
administrar situações diversas em sala de aula, como visto anteriormente, está diretamente relacionada
ao surgimento do mal-estar docente.
22O termo ABSENTEÍSMO é usado para designar as ausências dos trabalhadores no processo de trabalho, seja por falta, seja por
atraso, devido a algum motivo interveniente. (HOUAISS; VILLAR, MELLO FRANCO, 2001).
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Lipp acrescentou ao modelo trifásico proposto por Selye em 1936 a fase de quase-exaustão.
Situada entre as fases de resistência e exaustão, caracteriza-se pela instalação de doenças no
organismo. Sem a remoção dos estressores ou o uso de meios de enfrentamento, o stress atinge sua
fase final - a exaustão.21
A SÍNDROME DE BURNOUT
A síndrome de burnout, que também pode ser denominada como “desgaste profissional”,
“síndrome do queimado” e "síndrome do stress do trabalho assistencial” é considerada uma
modalidade de stress ocupacional e acomete profissionais que atuam em atividades assistenciais, como
enfermeiros, médicos e professores. Não existe uma única definição sobre o burnout, mas várias fontes
concordam que a síndrome ocorre em resposta ao stress laboral crônico, não devendo ser confundida
simplesmente com o termo stress.22
Todas as fontes são unânimes em afirmar que a síndrome de burnout é considerada,
atualmente, epidemia mundial, que atinge a esfera da educação, trazendo conseqüências prejudiciais à
saúde do professor, aos alunos, às instituições de ensino e à sociedade em geral Segundo Codo, os
casos de burnout entre os professores norte- americanos e de outros países têm assumido grandes
proporções.23
O burnout foi inicialmente observado em profissionais de saúde responsáveis por trabalhos
assistenciais, caracterizados por uma elevada e prolongada atenção a pessoas em situações de
necessidades especiais ou de dependência.
A síndrome, como foi mencionado anteriormente, apresenta-se sob a forma de stress
recorrente e, no caso dos profissionais de ensino, é deflagrada pelo contato intenso com a demanda
escolar, conduzindo ao enfraquecimento e ao distanciamento emocional do professor em relação às
suas tarefas, aos alunos e aos colegas, culminando em um estado de total isolamento. Sua instalação,
em muitos casos, advém de expectativas profissionais elevadas e não concretizadas, suscitando forte
sentimento de frustração em relação ao trabalho desempenhado. O desenvolvimento da síndrome se dá
em etapas: idealismo, realismo estagnação e frustração, ou quase-burnout, apatia e fênix.24
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O profissional, em seu idealismo, supõe que o seu trabalho possa responder as suas
expectativas. Com o passar do tempo, no entanto, percebe que seus desejos não coadunam com a
realidade, chegando, então, à fase do realismo. Em seguida, o entusiasmo inicial se transforma em
fadiga crônica, caracterizando a fase da estagnação Finalmente, na fase da apatia ou burnout total,
destaca-se o sentimento de menos-valia, culminando com o desejo de abandono da profissão. A fase
fênix nem sempre ocorre, pois o profissional acaba por abandonar a profissão antes de se recuperar.25
Atualmente a definição mais aceita da síndrome de burnout esta baseada na perspectiva
sociopsicológica de Maslach, Jackson e Schwab, de 198626. Os autores descrevem o burnout como um
stress laboral que conduz a um tratamento frio e indiferente com o cliente. Segundo essa leitura,
variáveis socioambientais são importantes para o desenvolvimento da síndrome, que é compreendida
em três dimensões27, a saber:
• Exaustão emocional - É a situação em que os trabalhadores sentem que não podem dar
mais de si mesmos, em nível afetivo. Percebem esgotados os recursos emocionais
próprios e a energia, devido ao contato diário com os problemas.
• Despersonalização - Ocorre o desenvolvimento de sentimentos e atitudes negativas e
de cinismo voltados às pessoas destinatárias do trabalho (usuários/clientes) –
endurecimento afetivo, “coisificação” da relação.
•
Falta de envolvimento pessoal no trabalho - Existe a tendência de uma “evolução
negativa”, afetando a habilidade para a realização do trabalho e o atendimento ou contato
com as pessoas usuárias do trabalho, bem como com a organização.28
SINTOMAS DA SÍNDROME
McCornnell 23, citado por Guimarães e Cardoso, propõe um esquema de sintomas presentes na
síndrome de burnout que podem ser apresentados pelo indivíduo:
• SINTOMAS FÍSICOS - São similares aos do stress ocupacional. São eles: fadiga, sensação de
exaustão (cansaço crônico), indiferença ou frieza, sensação de baixo rendimento profissional,
freqüentes dores de cabeça, distúrbios gastrintestinais, alterações do sono (insônia) e dificuldades
respiratórias.
• SINTOMAS DE CONDUTA - Revelam-se sob a forma de graves alterações no comportamento que
usualmente afetam os colegas, os alunos e, até mesmo, seus familiares.
• SINTOMAS PSICOLÓGICOS - Podem aparecer mudanças de comportamento, tais como: trabalhar de
forma mais intensa, sentimento de impotência perante as situações da rotina de trabalho, irritabilidade,
falta de atenção, aumento do absenteísmo, sentimento de responsabilidade exagerado, atitude negativa,
rigidez, baixo nível de entusiasmo, consumo de álcool e drogas, como uma forma de minimizar os
efeitos do cansaço e do esgotamento.29
Dada a relevância das condições de trabalho no estudo sobre - saúde do professor e o aumento
de casos de burnout, Codo, em um estudo sobre a organização do trabalho e a saúde dos professor,,
empreendeu uma pesquisa em nível nacional intitulada Pesquisa Nacional de Trabalho, Organização
e Saúde dos Trabalhadores em Educação no Brasil, com o objetivo de investigar a saúde mental e o
trabalho do professor. O estudo envolveu 27 estados brasileiros 1.600 escolas de ensino básico e
52.000 professores. A pesquisa revelou que 25% dos participantes apresentaram índices elevados para
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Não existe uma única estratégia de enfrentamento para o burnout porém a conjunção de uma
série de fatores irá auxiliar o professor a lidar com este que é considerado o mal do século.
Um passo importante a adotar nesse sentido diz respeito à implicação do ambiente de trabalho
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O relato das pesquisas e a observação nos levam a concluir que o magistério é uma profissão
de risco, determinante para o surgimento do burnout. Com a ausência de condições ideais para o
exercício de suas funções, o professor é conduzido a um estado de ansiedade constante.
Esse quadro se agrava quando o educador se vê inserido no modelo de inclusão, pois a
carência de recursos financeiros, formação especializada e materiais orientados ao atendimento dos
alunos portadores de necessidades educativas especiais sobrecarrega ainda mais esse profissional,
além de tornar impossível a conclusão dos objetivos da inclusão.
A inclusão, no Brasil, vem se estabelecendo de modo gradativo e contínuo. Porém, é
importante destacar que, por se tratar de um movimento de caráter mundial, é necessário cautela
quanto à aplicação do seu modelo no território nacional Nesse sentido, os pressupostos da inclusão
devem estar consonantes com as diferenças sociais, econômicas e políticas de cada sociedade.
Segundo especialistas no assunto, ainda faltam dados para monitorar o processo de inclusão e
avaliar as reais condições de sua prática sobre os alunos e a comunidade escolar. Críticas contrárias ao
movimento são continuamente relatadas, tais como: pouco entusiasmo pela inclusão; falta de serviços
adequados para estudantes com problemas específicos de aprendizagem; pouca preocupação e
responsabilidade quanto à manutenção dos serviços; falta de formação para o professor que atua na
inclusão educacional, entre outras.37 Todavia, devido aos benefícios significativos que as práticas in-
clusivas podem vir a resultar, tanto ao cotidiano escolar quanto à sociedade em geral, é pertinente
refletir sobre alguns aspectos.
Tomando como base a proposta da escola inclusiva, a educação para todos, o professor deve
ser considerado uma peça fundamental desse movimento, já que é por intermédio de suas ações
educativas que a inclusão pode ser efetivada. Então, torna-se imprescindível aliar a ideologia da
inclusão à prática docente, levando em consideração alguns aspectos, como capacitação profissional,
melhorias das condições de trabalho, aumento de recursos e de infra-estrutura e implantação de ações
políticas proativas que têm como objetivo o bem estar físico e mental dos profissionais de educação. O
estabelecimento dessas prerrogativas irá possibilitar o exercício pleno de suas funções, promovendo
um trabalho de inclusão mais eficaz, com menor risco de erros em conseqüência de uma posição
teórica equivocada e, portanto, distante da realidade.
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Capítulo 5
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
No Brasil, assuntos relativos à formação de professores ainda causam muita polêmica nos
meios educacionais. A formação docente é entendida como um processo que tem origem na formação
inicial e prolonga-se durante toda a vida profissional do educador.
Nesse sentido, acreditamos ser de extrema relevância preparar o professor para os novos
desafios da educação. A promoção de uma postura reflexiva e crítica, por meio da apropriação de
conhecimentos proporcionará a esse profissional condições de se posicionar e atuar com
responsabilidade e autonomia, reivindicando uma educação que respeite os ideais de uma sociedade
justa e democrática.
Mesmo que haja pouco consenso em torno desse tema, esperamos que a formação global do
professor priorize o objetivo de alcançar uma prática educativa de qualidade, perseguindo como metas
tanto a preparação técnica nos conteúdos a serem ministrados aos seus alunos como a construção de
novos saberes oriundos de uma permanente consciência crítico-reflexiva sobre os contextos sociais,
políticos e institucionais implicados em seu fazer atual. Trata-se, portanto, de uma mudança no
processo estrutural, que demanda prioridade, tempo e exige, acima de qualquer apoio externo, o
próprio desejo do professor de transformar-se.
Durante muito tempo, a formação de professores centrou-se no aperfeiçoamento de
conhecimentos com base em uma perspectiva técnica e racional Com esse enfoque, a intenção era
formar um profissional com saberes uniformes, que pudesse exercer um ensino nivelador, sem risco de
ruptura com a ideologia dominante. Freire e Shor sabiamente proferiram que “a prática educacional
jamais foi neutra e que é justamente a afirmação da neutralidade da educação o que leva
necessariamente os educadores a se afirmarem como técnicos”1.
Ensinar é, além de tudo, aprender e se comprometer. O professor precisa estar contextualizado
na realidade político-social do seu aluno, questionando-se sempre sobre “como fazer”, “por que fazer”
e “a quem fazer”.
Na concepção de Paulo Freire, ensinar não se restringe apenas à simples transmissão de
saberes prontos e cristalizados, mas, sim, constitui um exercício constante de autonomia, liberdade e
amor ao trabalho.2 Para o autor, o ato de ensinar permite tanto ao professor quanto ao aluno agir
conforme as suas possibilidades e limitações, deixando fluir toda a sua curiosidade, manifestando todo
o potencial da sua criatividade, permitindo-se simultaneamente ser o sujeito que ensina e o sujeito que
aprende. Não podemos deixar de ressaltar aqui a beleza das palavras de Freire quando ele profere:
Se, na experiência de minha formação, que deve ser permanente, começo por aceitar que o
formador é o sujeito em relação a quem me considero o objeto, que ele é o sujeito que me
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forma e eu, o objeto por ele formado, [...] Nesta forma de compreender e de viver o processo
formador, eu, objeto agora, terei possibilidade, amanhã, de me tornar o falso sujeito da
formação” do futuro objeto de meu ato formador. £ preciso que, pelo contrário, desde os
começos do processo, vá ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem
forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado.3
Esta nova era que marca, no mundo educacional, o retorno à valorização da diversidade
humana requer emergencialmente uma nova forma de ensinar e, também, de ensinar a ensinar, que
demanda uma multiplicidade de respostas educativas coerentes com as diversas necessidades dos
alunos. Para que isso transcorra com coerência e sabedoria, é necessário que haja uma redefinição do
papel da escola e, conseqüentemente, dos professores e dos demais agentes educativos. Estes precisam
estar devidamente preparados para assumir novos valores profissionais que abranjam, além de uma
prática diferenciada, um conhecimento pedagógico, científico e cultural transformado, voltado às
características individuais dos seus alunos.
Analisando histórias de vida de professoras de classes especiais, Müller e Glat constataram
que,
Apesar dessas professoras terem um bom nível acadêmico ficou bastante nítido [...] que a
pouca inserção da educação especial nos cursos deformação, seja a nível [sic] secundário, seja
na graduação, [...] sem dúvida, faz com que os professores sejam “jogados” no mercado de
trabalho bastante despreparados.4
Indo mais além, consideramos fundamental que tanto a escola quanto o professor adotem
processos mais flexíveis, que possibilite mudanças em função do seu próprio contexto e cultura, de
modo a tomar as atitudes e a autonomia desse profissional na sua prática cotidiana tão importantes
quanto o restante dos conteúdos ministrados.
Justificar a necessidade da formação dos profissionais, de acordo com os novos propósitos de
atenção à diversidade e integração, [...] será o eixo fundamental em torno do qual girarão
nossas análises, principalmente se pensarmos que a formação dos profissionais da educação
especial pode ser considerada um espaço de reformulação e reconstrução de todo o processo
de mudança educacional.5
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Entendemos, assim, que a formação atual do professor não deve apenas restringir-se a uma
mera atualização científica dos conteúdos formais da pedagogia e da didática, mas, sim, propor-se a
criar espaço-, de participação e reflexão para que esse profissional aprenda a adaptar- se à nova
realidade da inclusão, bem como a lidar com isso e com suas próprias incertezas sobre sua profissão.
Nesse sentido, Alarcão observa que a influência da perspectiva tecnocrata “roubava ao professor o
melhor que ele, como ser humano, pode manifestar: a capacidade de agir pensando [...] Compreendi
que o professor não pode ser um ser isolado na sua escola, mas tem de construir com os seus colegas a
profissionalidade docente”8.
Consternados com a imagem de professores tecnocratas e a ineficácia que essa postura
manifesta, educadores identificaram-se com a proposta de refletirem sobre sua prática com base em
um pensamento mais crítico, segundo o qual a prioridade é colocada na voz do docente, uma vez que é
ele quem melhor pode sinalizar suas necessidades no cotidiano escolar. O entrelaçamento das vozes
desses profissionais, abrangendo uma multiplicidade de idéias, d compartilhar de conhecimentos,
afetos e experiências gerados na prática, cria uma nova concepção de formação de professores: a
FORMAÇÃO CRÍTICO-REFLEXIVA.
O PROFESSOR CRÍTICO-REFLEXIVO
O início dessa nova concepção na formação do professor deu-se na década de 1960, como uma
variante dos grupos operativos criados por Pídion-Rivière. Contudo, foi na década de 1970, por meio
de seu precursor, Donald Schõn, que o conceito sobre a prática reflexiva no ofício do professor foi
desenvolvido com base no pensamento epistemológico e pedagógico de autores como John Dewey,
Lev Vygotsky, Jean Piaget, entre outros.
Pensar Piaget e Vygotsky em posições antagônicas é um engano. Apesar de constatadas
algumas divergências em seus enfoques e conceituações, eles foram os precursores da abordagem
interacionista na questão da aprendizagem humana, rompendo com idéias reducionistas, como o
ambientalismo e o inatismo.
Segundo esses autores, o conhecimento só acontece na interação do sujeito com o seu meio.
Assim, por maior que seja o potencial hereditário do indivíduo, ele não existe por si só; da mesma
forma, o objeto de conhecimento é incapaz de manifestar suas características sem a presença do sujeito
para reconhecê-las. Portanto, sujeito e objeto não se constituem enquanto estruturas isoladas, e sim na
interação entre eles.
O desenvolvimento cognitivo do indivíduo, para Piaget, manifesta-se como processo
adaptativo, produto de uma estrutura cognitiva. Essa estrutura interna, priorizada por esse cientista em
suas pesquisas, é baseada em processos constantes de assimilação, acomodação e adaptação, que têm
suas origens nos movimentos reflexos da criança recém-nascida e evolui, passando por estágios, até
chegar ao raciocínio lógico e formal do adulto. Durante a evolução das estruturas cognitivas, há uma
reorganização das informações recebidas no contato com o meio, originando padrões de pensamento e
comportamentos mais complexos.9
A contribuição de Vygotsky no entender de Oliveira, vem acrescentar uma dimensão cultural e
histórica ao processo de construção do conhecimento. Denominado SOCIOINTERACIONISTA, esse
pensador defendeu a teoria de que uma criança, quando nasce, apesar de ser apenas dotada dos seus
equipamentos biológicos (as funções inferiores), já pertence a uma cultura de origem. Primeiramente
ela se insere na sua cultura familiar, para, em seguida, integrar-se, de uma forma mais ampla, à cultura
do seu grupo social.
Ainda de acordo com Oliveira, para Vygotsky, as origens dos processos mentais superiores,
que caracterizam o funcionamento psicológico tipicamente humano, são encontradas nas relações
sociais que o homem mantém com o mundo. Entretanto, o homem não é entendido como um ser
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passivo, conseqüência dessas relações, mas sim como um ser atuante, que age sobre o mundo, sempre
em relações sociais, e transforma essas ações para que constituam o funcionamento de um plano
interno.10
O pensamento de Piaget e Vygotsky contribuiu para resgatar a figura do professor como
mediador na construção do conhecimento. A idéia de mediação perpassa todo procedimento didático
do professor, na medida em que ele se sensibilize para a compreensão das características individuais
do seu aluno: Como ele é? Como se comporta? O que ele gosta de fazer? Quais são suas reais
dificuldades? Como se sente em relação à escola, à sua família e no relacionamento com os seus
colegas?
Qual a contribuição desses autores para o processo crítico-reflexivo?
A importância das teorias de Piaget e Vygotsky esta no fato de terem oferecido bases para
despertar esse novo olhar em relação à atitude do professor, olhar que encontrou seu direcionamento
em Schõn. Desde então, o conceito de PROFESSOR REFLEXIVO vem sendo discutido e ampliado por
vários autores: Freire e Shor (1986); Zeichner (1997); Nóvoa (1997); Garcia (1997); Gómez (1997);
Gomes e Lima (2002); Contreras (2002); Perrenoud (2002); Pimenta (2002), Sacristán (2002), entre
outros.11
No Brasil, a divulgação dessa idéia aconteceu em meados da década de 1990, por intermédio
de teóricos europeus, principalmente portugueses e espanhóis, que encontraram na teoria de Schõn
uma alternativa para ampliar e transformar as condições da formação dos professores e
conseqüentemente elevar o status da profissão docente. A proposta em questão desenvolveu-se em um
período político pós- ditadura, quando a sociedade vislumbrava uma abertura democrática e o
professor, por sua vez, enxergava uma chance de ver valorizada a sua condição profissional.12
Schõn discordava da idéia de que o saber escolar só poderia ser proveniente de uma
construção científica e que deveria ser usado pelo docente como algo absoluto e irrefutável O autor,
contrariado com essa forma de ensinar, procurou uma alternativa epistemológica para a prática
profissional do professor, defendendo um tipo de saber docente que compreende e valoriza o saber do
seu aluno, de modo a auxiliá-lo a fazer uma junção entre o conhecimento que este evidencia na ação e
o conhecimento que adquire na escola. O autor denominou esse tipo de ensino de reflexão-na-ação.13
Nóvoa, ratificando essa análise, esclarece:
[...] A pedagogia científica tende a legitimar a razão instrumental; os esforços de
racionalização do ensino não se concretizam a partir de uma valorização dos saberes de que os
professores são portadores, mas sim através de um esforço para impor novos saberes ditos
“científicos”. A lógica da racionalidade técnica opõe-se sempre ao desenvolvimento de uma
práxis reflexiva.14
Gómez, por sua vez, analisa a racionalidade técnica como uni do puramente experimental,
oriundo do positivismo, que tem a função de regular as atividades práticas dos professores,
hierarquizando o conhecimento em níveis (ciência básica, ciência aplicada, competência* e atitudes),
de forma a desvalorizar ainda mais a profissão docente £ importante ressaltar que o autor não tem
como objetivo fazer apologias contrárias à racionalidade técnica de toda e qualquer situação educativa;
ele só alerta para o fato de que a atividade do professor não se limita à mera transmissão de
conteúdos.15
Contreras também pertence ao rol dos autores contemporâneos que criticam a racionalidade
técnica como modelo de atuação do professor. Suas razões justificam-se pela presença de casos
práticos inesperados que surgem no cotidiano desse profissional e que não constam em nenhum
manual técnico, exigindo que ele aja com a delicadeza de um artesão e faça uso de sua criatividade no
enfrentamento das situações ambíguas, incertas e conflitantes vivenciadas por ele em sala de aula.16
A alternativa de Schõn para a racionalidade técnica pode ser fundamentada no modelo de
racionalidade prática, como podemos ler em Sacristán e Gómez:
A formação do professor/a se baseará prioritariamente na aprendizagem da prática, para a
prática e a partir da prática. A orientação prática confia na aprendizagem por meio da
experiência com docentes experimentados, como o procedimento mais eficaz e fundamental
na formação do professorado e na aquisição da sabedoria que requer a intervenção criativa e
adaptada às circunstâncias singulares e mutantes da aula.17
Embora cada uma dessas concepções ofereça propostas e destaques diferentes, todas procuram
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forma que sempre foi contestada veementemente pelo autor, ou seja, reduzindo a prática profissional
do docente a uma simples aplicação de técnicas. Portanto, desprovida de uma possível dimensão
político-epistemológica, essa nova visão do professor reflexivo só reforçou um conceito que mantém a
profissão na mesma subcategoria em que sempre se encontrou.
Ainda Contreras, com o objetivo de ampliar o conceito de profissional reflexivo, propõe que
este, além de refletir sobre sua ação docente, deva ampliar suas perspectivas a fim de atingir uma
reflexão mais crítica e abrangente sobre sua posição na sociedade. Para o autor, e necessário que o
docente compreenda a influência organizacional no controle da sua autonomia e de sua prática
educativa, muitas vezes interferindo em seus valores e princípios éticos. Em outras palavras, um
componente muito importante na reflexão desse profissional é o seu POSICIONAMENTO CRÍTICO
PERANTE A SUA FUNÇÃO DE PROFESSOR. Somente assim estaria “emancipando - se de tutelas
externas e mostrando sua capacidade de usar sua inteligência para a compreensão e a transformação
social. Tudo isto supõe o desenvolvimento de Uni pensamento crítico”27.
Desse modo, a prática reflexiva não encerraria uma concepção concreta sobre si mesma, mas
serviria de estímulo crítico para superar diversas situações que se perpetuam há muito tempo na
profissão docente, tais como: as condições precárias de trabalho, a falta de valorização do profissional,
a estrutura hierárquica rígida e a completa escassez de autonomia do educador. Em palavras proferidas
ao professor reflexivo, Alarcão ressalta, entre as suas virtudes, a de ser um profissional que
pensa no que faz, que é comprometido com a profissão e se sente autônomo, capaz de tomar
decisões e ter opiniões. Ele é, sobretudo, uma pessoa que atende aos contextos em que
trabalha, os interpreta e adapta a própria atuação a eles. Os contextos educacionais são
extremamente complexos e não há um igual a outro. Eu posso ser obrigado a, numa mesma
escola e até numa mesma turma, utilizar práticas diferentes de acordo com o grupo. Portanto,
se eu não tiver capacidade de analisar, vou me tornar um tecnocrata.28
Para alcançar uma prática reflexiva, a postura de análise sistemática da ação deve se tornar
freqüente e sobretudo adquirir um caráter fundamentalmente crítico, constituindo-se em uma força e
uma forma de identidade profissional. Segundo Perrenoud, “Todos nós refletimos na ação e sobre a
ação, e nem por isso nos tornamos profissionais reflexivos. É preciso estabelecer a distinção entre a
postura reflexiva do profissional e a reflexão episódica de todos nós”29.
Por isso, ao abordarmos a formação do professor que lida com o aluno portador de
necessidades especiais, é necessário ressaltarmos que o processo de qualificação desse profissional
aparece como requisito indispensável à transformação do nosso sistema educacional, c0nio nos sugere
Glat:
A qualificação técnica de boa qualidade dos futuros profissionais, assim como a capacitação
dos profissionais em exercício, deve ser revista no sentido de prepará-los para concretizar o
ideal democrático de oportunizar a educação básica a todos os alunos, quebrando barreiras e
limitações de toda ordem, que geram segregacionismo e discriminações.30
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interações e mediações feitas durante o no período de formação do professor que favorecem desde a
apropriação de conhecimentos técnicos específicos até o exercício contínuo de reflexão crítica sobre o
seu fazer.
1. FREIRE; SHOR, 1986, p. 86. GOMES; LIMA, 2002; CONTRERAS, 21. PERRENOUD, 2002, p. 44.
2. FREIRE, 1996. 2002; PERRENOUD, 2002; 22. SCHÕN, op. cit.
3. Ibid-, p. 25. PIMENTA, 2002; SACRISTÁN, 2002. 23. ZEICHNER, 1997, p. 126.
4. MÜLLER; GLAT, 1999, p. 29. 12. PIMENTA, 2002. 24. SCHÕN, op. cit.
5. GONZÁLEZ, 2002, p. 242. 13. SCHÕN, 1997. 25. PIMENTA, 2002.
6. PERRENOUD, 2002, p. 13. 14. NÓVOA, 1997. 26. CONTRERAS, 2002.
7. WEISS, 2003. 15. GÓMEZ, 1997. 27. CONTRERAS, 2002, p. 157.
8. ALARCÃO, 2002. 16. CONTRERAS, 2002. 28. ALARCÃO, 2002.
9. PIAGET, 1989. 17. SACRISTÁN; GÓMEZ, 2000, p. 29. PERRENOUD, 2002, p. 13.
10. OLIVEIRA, 2001. 363. 30. GLAT, 2000, p. 19.
11. FREIRE; SHOR, 1986; 18. SCHÕN, 2000. 31. Ibid.
ZEICHNER, 1997; NÓVOA, 1997; 19. GÓMEZ, 1997. 32. BUENO, 1999.
GARCIA, 1997; GÓMEZ, 1997; 20. SCHÕN, 1997, p. 85.
REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO
ALARCÃO, I. Refletir na prática. Revista Nova Escola, São Paulo, v. 17, n. 154 p. 45-47, ago. 2002. Entrevista concedida a Denise
Pellegrini.
BUENO, J. G. S. Formação de professores: generalistas ou especialistas? Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 3, n. 5, p. 7-
25, 1999.
CONTRERAS, J. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e ousadia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
GARCIA, C. M. O. A formação de professores: novas perspectivas baseadas na investigação sobre o pensamento do professor. In: NÓVOA,
A. (Org.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1997. p. 51-76.
GLAT, R. Capacitação de professores: pré-requisito para uma escola aberta à diversidade. Revista Souza Marques, Rio de Janeiro, v. 1, n.
6, p. 16-22, 2000.
GOMES, M. O.; LIMA, M. S. L. Redimensionando o papel dos profissionais da educação: algumas considerações. In: PIMENTA, S. G.;
GHEDIN, E. (Org,). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2002. p. 163-186.
GÓMEZ, A. R O pensamento prático do professor: a formação do professor como profissional reflexivo. In: NÓVOA, A. (Org.). Os
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GONZÁLEZ, J. A. T. Educação e diversidade: bases didáticas e organizativas. Porto Alegre: Artmed, 2002.
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NÓVOA, A. A formação de professores e profissão docente. In:_____. (Org.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote,
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OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento, um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 2001.
PERRENOUD, P. A prática reflexiva no ofício de professor: profissionalização e razão pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2002.
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PIAGET, J. A linguagem e o pensamento da criança. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
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SACRISTÁN, J. G.; GÓMEZ, P. I. A. Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre: Artmed, 2000.
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WEISS, L. M. A. A hora e a vez do professor: desafios da formação reflexiva através da informática na Educação Especial. 2003.
Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003.
ZEICHNER, K. Novos caminhos para o practicum: uma perspectiva para o anos 90. In: NÓVOA, A. (Org.). Os professores e a sua
formação. Lisboa. Dom Quixote, 1997. p. 115-138.
PARA PENSAR...
Caso você seja professor, procure lembrar-se se em sua formação você pôde ter um embasamento
sobre a educação inclusiva. O que você acredita que seja necessário para tornar a inclusão um tema
constante na formação inicial e continuada de professores?
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Capítulo 6
Um conjunto de cores... Uma grande árvore no outono... concentra sua beleza na variedade de
seu colorido. Observamos, perplexos, por uns instantes essa maravilha, buscando entender suas
nuanças. Um amarelo forte, um verde escuro, um alaranjado muito claro podem compor uma intensa
harmonia. Talvez sua beleza esteja concentrada não em excluir, mas em incluir e, então, completar-se
na diversidade. A desigualdade, a diferença pode despertar criticidade ou ousadia; contudo, retrata a
grandiosidade do todo.
Como já vimos no capítulo anterior, a inclusão escolar tem sido um dos temas mais polêmicos
quando o assunto é educação na contemporaneidade. Mesmo entendendo a filosofia inclusiva como
justa e promotora de um contexto escolar melhor para todos, precisamos de muita cautela ao conduzi-
la. O ato de inserir o aluno com necessidades educativas especiais no ensino regular, por si só, seria
uma pseudo-inclusão, o que nos soa, no mínimo, como irresponsabilidade, A inclusão, por mais justa
que seja, requer muita reflexão e preparo do contexto escolar. A singularidade de cada indivíduo
suscita a observância de cada situação em particular.
A polêmica em torno da inclusão no Brasil nos últimos anos se justifica, assim, pela
complexidade do tema, que envolve assuntos sociais, políticos, educacionais, entre outros. Mas,
enquanto teóricos e pesquisadores estão refletindo sobre o “estado da arte”, discutindo terminologias,
as escolas têm recebido em suas salas de aula crianças com necessidades especiais em um fluxo cada
vez mais acentuado. A inclusão escolar vem se efetivando na prática com dificuldades, muito antes de
a legislação vigente formalizar a proposta.
O sistema escolar brasileiro está diante do desafio de alcançar a educação que contemple a
diversidade da condição humana. No anseio de uma inclusão que se efetive na prática de forma
harmoniosa, consideramos necessário procurar conhecer as dificuldades que estão sendo reveladas na
sua operacionalização. Acreditamos que esse é o momento de nos mobilizarmos para que a inclusão
escolar não seja mais uma proposta distante das necessidades reais da população.
Propomos, aqui, uma discussão que abrangerá uma breve retrospectiva sobre a inclusão (ponto
que consideramos fundamental para compreender a situação atual), seguida da análise do resultado de
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algumas pesquisas que envolvem o tema. Finalizaremos com alguns relatos de experiências do
cotidiano nas escolas e sugestões para efetivação da inclusão escolar. Parece-nos urgente encontrar
suporte na realidade para que possamos entender e atender a demanda que se revela na prática
inclusiva.
De acordo com Sassaki1, o movimento de inclusão começou por volta de 1985 nos países mais
desenvolvidos, tomou impulso na década de 1990 nos países em desenvolvimento e vai configurar-se
fortemente nos primeiros dez anos do século XXI em todos os países.
Fazendo uma reflexão histórica a fim de entender a situação atual, encontramos quatro fases
distintas. A primeira, que corresponde ao período anterior ao século XX, é chamada de “fase da
exclusão na qual a maioria das pessoas com deficiência e outras condições era tida como indigna da
educação escolar”2. Em sociedades antigas, era normal o infanticídio quando se observavam
anormalidades nas crianças3. Durante a Idade Média, a Igreja condenou tais atos, mas, por outro lado,
acalentou a idéia de atribuir a causas sobrenaturais as anormalidades de que padeciam as pessoas. No
século XVII, os deficientes mentais eram totalmente segregados, internados em orfanatos, manicômios
e outros tipos de instituições estatais. No final do século XVIII e princípio do século XIX, iniciou-se o
período da institucionalização especializada em pessoas com necessidades educativas especiais e é a
partir de então que poderíamos considerar ter surgido a EDUCAÇÃO ESPECIAL.
A segunda fase, “chamada de segregação, já no século XX, começou com o atendimento às
pessoas deficientes [com necessidades educativas especiais] dentro de grandes instituições que, entre
outras coisas, propiciavam classes de alfabetização”4. É então que se aplica a divisão do trabalho à
educação e nasce assim uma pedagogia diferente, uma educação especial institucionalizada, baseada
nos níveis de capacidade intelectual e diagnosticada em termos de quociente intelectual. As escolas
especiais multiplicam-se e diferenciam-se em função das diferentes etiologias: cegos, surdos,
deficientes mentais, paralisados cerebrais etc. Esses centros especiais e especializados, separados dos
modulares, com seus programas próprios, técnicos e especialistas, constituíram um subsistema de
educação especial diferenciado dentro do sistema educativo geral. “O sistema educacional ficou com
dois subsistemas funcionando paralelamente e sem ligação [...]: a educação comum e a educação
especial”5
Na segunda metade do século XX, especialmente a partir da década de 1970, a pessoa com
necessidades especiais começou a ter acesso à classe regular desde que se adaptasse sem causar
qualquer transtorno ao contexto escolar. Essa seria a terceira fase, que constitui
a fase da integração, embora a bandeira da integração já tivesse sido defendida a partir do
final dos anos 60. Nesta nova fase, houve uma mudança filosófica em direção à idéia de
educação integrada, ou seja, escolas comuns aceitando crianças ou adolescentes deficientes
nas classes comuns ou, pelo menos, em ambientes o menos restritivo possível Só que se
considerava integrados apenas aqueles estudantes com deficiência que conseguissem adaptar-
se à classe comum como esta se apresentava, portanto sem modificações no sistema. A
educação integrada ou integradora exigia a adaptação dos alunos ao sistema escolar,
excluindo aqueles que não conseguiam adaptar-se ou acompanhar os demais alunos. As leis
sempre tinham o cuidado de ressaltar a condição ‘preferencialmente na rede regular de
ensino’, o que deixava em aberto a possibilidade de manter crianças e adolescentes com
deficiência nas escolas especiais.6
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especial, registra que, na condição de pessoas com deficiência, elas se opõem a guerras, à violência e a
todas as formas de opressão, além de desejarem construir uma organização unida e forte.13
Todos esses acontecimentos destacam a ampla mobilização mundial de pessoas com
deficiência em busca de seus direitos e de uma melhor qualidade de vida. A inclusão social e
escolar tem servido como alavanca para esse processo. Mas, afinal, qual o foco, o objetivo
central da educação inclusiva?
Há uma grande discussão em relação aos termos INCLUSÃO e INTEGRAÇÃO. Para Werneck,
a integração e a inclusão são dois sistemas organizacionais de ensino que têm origem no
princípio de NORMALIZAÇÃO. Normalizar uma pessoa não significa torná-la normal.
Significa dar a ela o direito de ser diferente e ter suas necessidades reconhecidas e atendidas
pela sociedade. Na área da educação, normalizar é oferecer ao aluno com necessidades
especiais recursos profissionais e institucionais adequados para que ele desenvolva seu
potencial como estudante, pessoa e cidadão.17
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alunos necessitam e não o que pensam que eles precisam, pois “não há maior preconceito do que tratar
igualmente aquele que não é igual”22.
Quem ganha também com esse processo são os outros alunos, que irão enriquecer-se por ter a
oportunidade de conviver com o diferente, Nas salas de aula integradas, todas as crianças
desenvolvem-se para cuidar umas das outras e conquistam as atitudes, as habilidades e os valores
necessários para a comunidade apoiar a inclusão de todos os cidadãos.23
A inclusão estabelece, para o sistema educacional, vários desafios: conscientização da
comunidade escolar e da sociedade em geral sobre a nova maneira de entender e educar o alunado;
investimento sério na preparação continuada da equipe escolar; preparação de pessoas especializadas
no tema, em nível de graduação e pós-graduação, para prestar apoio aos professores generalistas;
formação de mestres e doutores, de docentes formadores de professores e outros profissionais para o
atendimento educacional e para o desenvolvimento de pesquisas que possam subsidiar a ação
educativa empreendida; estruturação de métodos, técnicas e recursos de ensino adequados a esse
alunado; adaptação de currículos para atender às necessidades e às especificidades dos alunos em
classes regulares; envolvimento de pais e pessoas da comunidade ampla nesse processo.
Em sua prática profissional, quais são os principais desafios da inclusão? laça uma relação em ordem de
importância. Ao final da leitura deste livro, procure uma alternativa para minimizar a dificuldade ou
transformá-la em um ponto positivo. Lembre-se: a inovação é ferramenta indispensável para mudar
concepções e práticas.
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• havia mais escolas municipais (42%) com crianças em processo de inclusão do que
particulares (29%) e estaduais (28%);
• a maioria dos professores (68%) possuía formação superior e um grupo considerável
(44%) tinha especialização em ensino médio ou superior;
• muitos professores (76%) entendiam o significado da inclusão como uma
possibilidade de integração da pessoa com necessidades especiais na sociedade (Tabela
1).
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Não sei 1%
Assim, ao observarmos a Tabela 1, concluímos que 99% dos professores tinham, embora não a
mesma, uma determinada compreensão do significado da inclusão.
Tabela 2 - Alterações curriculares necessárias
Alterações curriculares necessárias Freqüência
Não responderam 9%
Podemos entender que 61% dos professores afirmaram não se sentir preparados para
receber alunos especiais. Esse fato justifica que 71% dos professores tenham dito que a
inclusão não estava acontecendo de forma harmoniosa na prática.
Quanto aos ganhos (aproveitamento) que os alunos com necessidades educativas especiais
estavam tendo com a inclusão, os professores apontaram que se distribuíam na área social (90%),
seguida das áreas emocional (45%) e cognitiva (26%). Uma das perguntas investigou os benefícios do
processo inclusivo. Verificamos, analisando os dados, que um pequeno número de professores (11%)
achava que o aluno com necessidades educativas especiais se beneficiava; a maioria (55%) achava que
em algumas situações esse aluno ficava prejudicado e que o professor acabava desgastado (40%),
como descreve a tabela a seguir.
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Não responderam 2%
Todos se beneficiam sempre 23%
Os dados obtidos nessa pesquisa permitem muitas reflexões que podem ser correlacionadas
com as pesquisas anteriormente apontadas. Pontos positivos são comuns a todos os trabalhos
analisados, como os ganhos sociais para todos e a conscientização dos professores sobre a necessidade
de aperfeiçoamento.
Dessa forma, seria coerente afirmarmos que, em todas as pesquisas, a formação do professor
parece não corresponder às suas necessidades práticas; mesmo aqueles que possuem curso superior
mostram-se inseguros diante da diversidade. Poderíamos entender que é plenamente compreensível a
sensação de insegurança diante do novo e do diferente, no entanto tal despreparo envolve tanto os
aspectos pedagógicos como crenças, valores e sentimentos. Muitos autores, como Mittler e Marques,
entre outros, destacam que o professor é uma pessoa que tem sua história de vida e esta não deve ser
desconsiderada32. Para se alcançar o sucesso em qualquer atividade, há necessidade de disponibilidade
e interesse.
Você acredita que o despreparo do professor é o fato gerador das dificuldades no
processo de inclusão?
Afirmar que somente o professor está despreparado seria simplista. A “escola” necessita
urgentemente de mudanças de postura, formação, procedimentos de ensino, organização etc. Entre o
falar e o fazer, entre o discurso oficial e a ação, existem contradições que requerem a participação de
todos.33 A implantação, na realidade, dessa nova concepção de educação exige profissionais bem
formados, cujo preparo lhes permita levar adiante eficazmente o ensino, tanto no que diz respeito à
diversidade das necessidades educativas, quanto em relação às possíveis variações dessas necessidades
em consonância com os diferentes períodos vitais.
PRATICANDO A INCLUSÃO
Acompanhamos a inclusão de crianças com deficiência mental há alguns anos. Durante esse
percurso, constatamos inúmeras situações que nos despertaram angústias e outras tantas que nos
motivam a acreditar que a inclusão pode ser a solução para uma escola melhor, mais justa, mais
democrática e mais igualitária. É como se estivéssemos diante de uma idéia contraditória. Por um lado,
a inclusão impulsiona o professor a aprimorar-se, a reconhecer sua competência em atender as
diferenças, a melhorar a qualidade de ensino, a diminuir o preconceito, a oportunizar ao aluno especial
o convívio com os demais. Por outro lado, encontramos o despreparo geral (não apenas do professor,
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mas da sociedade como um todo) para o enfrentamento desse processo, podendo acarretar prejuízos
para a criança especial, que sofre diretamente as conseqüências da pseudo-inclusão, bem como para a
escola como um todo.
Mas, será que está claro para todos os envolvidos o objetivo da inclusão escolar? E para
você?
Parece-nos que ainda não está claro para a sociedade o que se quer com a inclusão escolar.
Além dos problemas de ordem política, das legislações, das declarações etc., existe a força dos
movimentos radicais, que hasteiam a bandeira da inclusão ignorando as conseqüências de uma
situação imposta. No entanto, no meio desse turbilhão, temos as escolas, os professores, as crianças e
os pais, que estão tentando acertar o passo.
A observação da realidade pode levar a conclusões importantes. Todas as deficiências têm
suas peculiaridades, contudo sabemos que crianças com deficiência mental ou com distúrbio global do
desenvolvimento necessitariam de uma disponibilidade maior do contexto para a inclusão escolar.
A inclusão da criança com déficit cognitivo em creches, berçários e pré-escolas tem se
efetivado, como um todo, de forma menos problemática, fato explicado pelo nível de cobrança
verificado. Nessa faixa etária, percebemos um otimismo em relação à inclusão; todavia, a partir do
final da educação infantil, com o início da alfabetização, aparecem algumas dificuldades.
Ao acompanharmos crianças maiores (entre a 5a e a 8a séries) que freqüentam o ensino
fundamental em escolas regulares, observamos que, apesar de não vencerem todo o conteúdo
programático, já lêem, escrevem e realizam todas as atividades junto com seus colegas de sala. A situ-
ação parece funcionar como um quebra-cabeça que possui muitas peças a serem encaixadas,
requerendo reflexão, atenção e motivação constantes para que se prossiga com sucesso. Quando a
escola descobre sua capacidade em atender à diversidade, não há limites para a inclusão.
Insistimos que incluir não é simplesmente levar uma criança especial a freqüentar o ensino
regular. A inclusão é uma conquista diária para a escola, para a criança e para seus pais. Todo dia é um
dia novo na inclusão. Poderíamos citar inúmeros exemplos cujas particularidades em comum são
grandes dificuldades e grandes vitórias.
Faremos a seguir alguns comentários sobre a prática inclusiva que vivenciamos. Os exemplos
e as sugestões que se seguem não devem ser considerados como receitas para a inclusão. Estamos
discutindo o respeito à diversidade e por isso não podemos achar que uma fórmula mágica possa ser
aplicada a todos.
O primeiro caso que queremos ressaltar é o de V., uma criança com deficiência mental que
passou a freqüentar o berçário de uma escola privada de ensino regular aos sete meses. Nos dois
primeiros anos, em todas as visitas realizadas à escola, observamos que os funcionários demonstravam
bastante desenvoltura para solucionar as poucas dificuldades que surgiam no processo. V. recebia,
paralelamente, atendimento especializado individual, voltado à estimulação precoce. Apesar de toda a
solicitação do meio (estimulação dos pais, da escola de ensino regular e da escola especial), por
motivos de saúde, essa criança demorou a andar, dando seus primeiros passos por volta dos três anos.
Ao final de cada semestre, as crianças que já andavam, passavam para as turmas de maternal I.
Assim, como V. começou a andar tardiamente, permaneceu no berçário, sempre convivendo com
crianças menores. Com o tempo, passou a mostrar-se apático e a dormir a maior parte do período. Foi
discutida com a escola a possibilidade de transferi-lo para um grupo de maternal, no qual pudesse
conviver com crianças que andavam e falavam. A escola entendeu a necessidade da criança, mas
argumentou que no maternal o ritmo de trabalho era outro.
Ao conversarmos com a professora, ela “aceitou” fazer uma experiência e V. começou a
freqüentar o maternal. No início, apareceram alguns problemas de relacionamento com os colegas, que
o agrediam mordendo, além da dificuldade de locomoção de um ambiente para outro. Sua mãe ficou
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muito angustiada, apesar de entender que alguns transtornos precisariam ser enfrentados. Procuramos,
novamente, conversar com a professora, que, a essa altura, admitiu que era muito difícil atender a
todos. Dois meses depois ela pediu demissão. A escola acabou diminuindo o número de alunos nessa
sala e realizando reuniões semanais com os professores. Hoje, V. está com seis anos e bem integrado
aos seus colegas do maternal II.
CONSIDERAÇÕES
Pensamos ser, ainda, necessário salientar alguns pontos. O primeiro deles diz respeito aos pais,
os quais merecem uma atenção tão especial quanto aquela que é dada aos professores. Parece que a
literatura fala pouco desse “pequeno detalhe” na inclusão e na relação da criança especial com o
mundo que a cerca.
Temos observado que os pais são peças-chave nesse processo. Se confiam na escola, podem
ajudar o professor a entender a criança e colaborar de forma definitiva para o processo inclusivo.
Quando os pais aceitam e entendem as limitações de seu filho, podem vibrar com suas vitórias, mesmo
que pequenas. Mas o inverso também é verdadeiro. Se os pais não aceitam as dificuldades da criança,
eles podem sofrer com o preconceito, culpar a escola e o professor pelos fracassos e não enxergar as
conquistas.
Pais que têm filhos especiais passam por algumas fases, que são perfeitamente
compreensíveis. Primeiramente existe o impacto da notícia de que seu filho tem limitações. Depois
vem o luto pelo filho desejado, revolta, medos, angústias, pessimismo, que são vencidos pelo amor
que podem ter pela criança e com a vontade de lutar por ela. Alguns superam as dificuldades com mais
rapidez, outros não conseguem suplantá-las por motivos próprios.34
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Os profissionais não devem julgar os pais, mas ajudá-los, entendê-los e respeitá-los. A escola
precisa buscar estabelecer uma parceria com eles e conscientizá-los em relação às conquistas e aos
insucessos vividos diariamente pelo seu filho, no intuito de encontrar apoio para as mudanças que
forem necessárias.
Outro aspecto que consideramos relevante refere-se à avaliação da criança e à sua passagem
de uma série para outra. A experiência nos tem mostrado que, quando a criança com deficiência
mental está bem adaptada aos colegas, tem amigos na sala, participa de trabalhos em grupo, atividades
de educação física e festas com “sua turma”, é indicado ao final do ano letivo passá-la para a próxima
série junto com os demais.
A sensação de “fazer parte” pode ser a mola propulsora, a motivação para a criança atingir
progressos na aprendizagem e um reforço à auto-estima. Uma criança com deficiência mental não vai
acompanhar cognitivamente o ritmo de seus colegas. Portanto, a sua avaliação deve ser dela com ela
mesma. Se, a partir da avaliação, conclui-se que ela vai beneficiar-se ao repetir a série, isso pode ser
feito, porém devemos considerar que isso não deve ser freqüente. Entretanto, se for reprovada porque
não atingiu os objetivos propostos para “os outros alunos”, estará sendo cometido um terrível engano.
Ela poderá vir a ser uma adolescente no meio de crianças de oito ou nove anos, e outros problemas
além dos de aprendizagem poderão surgir.
Para não haver o risco de a criança especial ficar somente com ganhos afetivos e sociais, a
avaliação deve ser contínua e diversificada. Bimestralmente ou semestralmente, a equipe de
professores com o apoio técnico e os pais devem comparar os rendimentos da criança nesse período de
tempo e verificar se foram satisfatórios. Caso não tenham sido, há necessidade de buscar novas
alternativas pedagógicas e de apoio, diferentes das que já tenham sido utilizadas com essa criança.
Entendemos ser necessário conceber o currículo de uma maneira aberta e flexível, como uma
ferramenta para promover o desenvolvimento mais do que como algo acabado, que deve ser
preservado e transmitido, intacto, às novas gerações. É preciso pensar no que esse aluno necessita para
sua vida, no que é realmente importante que ele aprenda na escola. Não há por que ensinar algo que
será insignificante para esse sujeito; ele, mais do que ninguém, necessita aprender coisas
significativas.
Afirmar que a criança com deficiência mental que está na 7a ou na 8a série do ensino
fundamental assimilou todos os conteúdos curriculares vistos até então seria dissimular a realidade.
Ela precisa, antes de tudo, estar lá junto com seus colegas também adolescentes, ter uma vida social e
emocional. Sua aprendizagem deve seguir seu próprio ritmo. Em função disso, destacamos a
importância de um trabalho conjunto com os pais, avaliando e acompanhando constantemente o
desenvolvimento de seu filho. Assim, poderão acreditar em um futuro em consonância com suas
competências. Mesmo que um adolescente com deficiência mental, porventura, não aprenda a ler e
escrever, terá aprendido na escola a conviver com as pessoas, a relacionar-se, a resolver seus
problemas e a construir sua autonomia. Investir na vida profissional ou em uma atividade que lhe dê
prazer na vida adulta não depende somente da alfabetização.
Acompanhamos vários casos em que crianças com deficiência mental foram retiradas por seus
pais do ensino especial e colocadas no ensino regular sem nenhum tipo de atendimento de apoio à
escola regular. Às vezes, os pais ouvem falar em inclusão e resolvem trocar de escola, pois percebem
que seus filhos estão apresentando bons resultados na escola especial. Na grande maioria desses casos,
os resultados são muito danosos para as crianças. A conseqüência que mais se observa é regressão no
desenvolvimento, como perda do controle dos esfíncteres, problemas de fala, agressividade,
isolamento, depressão, entre outros.
CONSIDERAÇÕES
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Relataremos a seguir uma experiência um pouco distinta da anterior e que produziu grande
aprendizado. É a história de R., um menino que conhecemos quando tinha dois anos e que hoje está
com onze. Sua mãe foi aconselhada pelo pediatra a buscar uma escola especial para uma avaliação
mais detalhada do seu desenvolvimento. Apesar de sua pouca idade, R. apresentava comportamento
muito característico, como, por exemplo, balançar o corpo, não mostrar reações ao toque, apresentar
movimentos estereotipados com as mãos, parecer olhar o vazio, não se interessar por brinquedos etc.
Depois de receber por algum tempo atendimento especializado, sua mãe percebeu alguns
progressos: ele estava mais sociável, falava, apesar de apresentar ecolalia, e parecia ter boa
compreensão. Então, retirou-o do ensino especial e colocou-o no ensino regular, uma pré- escola
pequena que, além de ser próxima do trabalho dela, parecia mais fácil à adaptação por possuir menos
alunos e ter uma direção que se mostrava disponível.
A experiência foi bastante complicada. Em um semestre trocaram três professoras. A diretora
explicou que não sabiam como lidar com a criança. R. aumentou a estereotipia, isolou-se
completamente e começou a auto-agredir-se. A mãe buscou ajuda dizendo que gostaria que seu filho
continuasse no ensino regular, no entanto queria mudar de escola. Procuramos uma escola de ensino
regular maior, que tinha uma estrutura bem organizada e que já atendia a outras crianças especiais.
Antes de R. começar a freqüentar a nova instituição, tivemos três encontros com as
orientadoras, as professoras e a psicóloga da escola. Procuramos explicar as experiências anteriores e
os progressos conseguidos, além de descrevermos a atual situação de R. Nos dois primeiros meses, ele
teve dificuldades de adaptar-se à rotina de uma escola grande, com muitos alunos. Contudo, o
ambiente escolar parecia já acostumado a lidar com as diferenças.
Hoje na 5a série do ensino fundamental, R. participa das aulas, inclusive de Artes e Educação
Física, embora ainda não vá a passeios, teatros e festas que a escola organiza, pois tem dificuldade de
manter o controle do seu comportamento em uma situação muito diferente. Além disso, reconhece as
letras, constrói algumas palavras e escreve seu nome. A experiência nos ensinou a respeitar suas
características individuais.
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CONSIDERAÇÕES
A observância de todos esses fatos nos faz pensar: afinal, como a escola poderá
empreender o enfrentamento satisfatório do processo de inclusão?
A inclusão promove mudanças necessárias no sistema educacional, que já não era satisfatório,
tanto na escola de ensino regular quanto na escola de ensino especial. Todos nós devemos estar
disponíveis para enfrentar a situação de inclusão escolar, favorecendo o cultivo de uma filosofia
baseada em princípios democráticos e igualitários, que promovam uma educação de qualidade para
todos os alunos.
Concluímos com a defesa da idéia de que a inclusão escolar deve ser escrita pelas escolas
individualmente para cada um de seus alunos. No entanto, entendemos que existem pontos em comum
que merecem uma reflexão. Destacamos aqui a necessidade de:
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REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO
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ATIVIDADES AVALIATIVAS
1- Comente sobre a seguinte afirmação:
“[...] não é o aluno que deve adaptar-se à escola, mas, sim é esta que deve tornar-se um espaço
inclusivo, a fim de cumprir seu papel social e pedagógico na busca pela educação na diversidade.”
2- Destaque algumas das possíveis mudanças que a escola deve fazer para atender as necessidades do
aluno com deficiência em termos de currículo, avaliação, estrutura física, formação de professores,
entre outros.
3- Explique o que significa o termo Desafiliação de acordo com Castel e como este termo se aplica à
educação. Procure analisar se os educandos com necessidades educacionais especiais se incluíram ou
se incluem na categoria de desafiliação na educação.
4- Leia o trecho abaixo retirado do 3º Capítulo e descreva qual é e como se dá esta revolução dos
paradigmas vigentes no processo ensino-aprendizagem:
“O desafio que nos é colocado pelo tema deste módulo - educação inclusiva particularmente por este
capítulo dirigido à área da deficiência intelectual, implica a revolução dos paradigmas vigentes no
processo de ensino-aprendizagem em nossa época.”
6- Faça um texto crítico argumentativo (mínimo 25 linhas) falando sobre como deve ser a formação do
professor para lidar com a inclusão escolar dos alunos com necessidades educacionais especiais.
BOM DESEMPENHO!
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