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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

Pós Graduação Lato Sensu

PLANEJAMENTO
PROJETO DE ENSINO-
APRENDIZAGEM E PROJETO
POLÍTICO-PEDAGÓGICO

Circulação Interna

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

Sumário
APRESENTAÇÃO............................................................................................................................ 2

1ª Parte
PLANEJAMENTO EM QUESTÃO.................................................................................................. 3
Atividades de Síntese.......................................................................................................................... 21

2ª Parte
O PLANEJAMENTO COMO MÉTHODOS DA PRÁXIS PEDAGÓGICA.................................... 22
Atividades de Síntese.......................................................................................................................... 66

3ª Parte
PROJETO DE ENSINO-APRENDIZAGEM.................................................................................... 67
Atividades de Síntese.......................................................................................................................... 122

4ª Parte
PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO............................................................................................. 123
Atividades de Síntese.......................................................................................................................... 148

Referências Bibliográficas.................................................................................................................. 149

Atividades Avaliativas........................................................................................................................ 154

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

Apresentação
Não somos pescadores domingueiros, esperando o peixe. Somos agricultores,
esperando a colheita, porque a queremos muito, porque conhecemos as sementes, a
terra,os ventos e a chuva, porque avaliamos as circunstancias e porque
trabalhamos seriamente.
Danilo Gandin

Caro aluno,

Nossos estudos estão baseados em três grandes eixos (realidade, finalidade, mediações), que foram
organizados em quatro partes (o terceiro eixo está desdobrado em duas partes).
Na primeira parte, buscamos entender melhor o problema do planejamento educacional (relativamente à
escola e à sala de aula), levantar algumas hipóteses para explicar o que está acontecendo, passar da
manifestação à compreensão das possíveis causas.
Na segunda parte, procuramos resgatar o sentido do planejar, tanto no que diz respeito à sua necessidade
quanto à sua possibilidade, apontando suas finalidades; em seguida, fundamentamos conceitualmente,
através de uma perspectiva histórico-antropológica e epistemológica do planejamento.
Na terceira e quarta partes, caminhamos em direção à operacionalização, indicando algumas perspectivas
teórico-metodológicas de como planejar no âmbito da sala de aula (Projeto de Ensino-Aprendizagem) e da
escola (Projeto Político- Pedagógico), respectivamente.
Este módulo traz muitos conhecimentos importantes para a prática de educadores, diretores,
orientadores, enfim, de todos os envolvidos com a educação.

A todos, bons estudos!

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

1ª Parte

PLANEJAMENTO EM QUESTÃO

INTRODUÇÃO: O PAPEL DA REFLEXÃO


Nosso desejo é ajudar a transformar a prática educativa. Assim estes estudos pautam-se
na mediação simbólica, na reflexão. Poderíamos nos perguntar: diante do quadro —
muitas vezes dramático — de dificuldades da educação escolar, qual seria o papel da
reflexão?

De início, precisamos considerar que a reflexão encontra-se no campo da subjetividade, sendo que os
obstáculos para a mudança estão tanto no campo subjetivo como no objetivo, Como avançar? A reflexão
enquanto tal (atividade simbolizadora e seus produtos: representações, conceitos, teorias, etc.) não pode, de
fato, interferir diretamente na realidade, nas condições objetivas; quem age sobre a realidade — direta ou
indiretamente (através de algum instrumento) — são os sujeitos. Ocorre que estes, por sua vez, têm sua ação
pautada em algum nível de reflexão, visto que a prática está sempre baseada numa significação, seja ela
ideológica, interesseira, utilitária, alienada, qual seja, não é um processo mecânico, automático, aleatório,
casuístico. Incessantemente há na ação consciente dos sujeitos um nível de elaboração, um sentido, um fim,
uma justificativa, uma marca humana que é a intencionalidade. 1 E como afirma Rubinstein: o caráter
consciente e orientado a um fim caracteriza a atuação humana (1967: 596). E certo que a ação humana pode
ser alienada; poderíamos, no entanto, dizer que a alienação não está na ausência de fins, mas na qualidade
dos mesmos.

A reflexão, portanto, é uma mediação no processo de transformação. Digamos assim, ela


pode agir ‘através’ do sujeito. Para quem deseja a mudança resta, pois, a possibilidade de
interagir com a intencionalidade dos sujeitos, favorecer a interação entre eles, de forma a
que possam ter uma ação pautada numa nova concepção. No entanto, esta interação não
pode ser ingênua:

Sem dúvida, a arma da crítica não pode substituir a crítica das armas. (Marx, 1989: 86)

1 A não ser casos de doença física ou neurológica. E justamente mercê do que parece bem. que todos realizam tudo (Aristóteles,
Política).

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Qual seja, devemos levar em conta a influência da dimensão objetiva na subjetiva: “Não é lutando
contra a fraseologia de um mundo, que se luta com o mundo que realmente existe” (Marx, 1980a: 17). A
reflexão precisa ajudar a identificar os elementos que condicionam a prática e a entender como os mesmos
interferem na percepção que os sujeitos constroem da existência.
Retomemos a questão: considerando os dois grandes níveis de obstáculos (objetivo e subjetivo), qual
o papel da reflexão? Trabalhar com os obstáculos da consciência (conteúdo: ideologias, preconceitos,
bloqueios; forma: estruturas mentais, lógicas, estilos de pensar); e se constituir em guia de intervenção sobre
os obstáculos objetivos, a partir da tentativa de captar estes determinantes, para poder intervir no real. O
sentido último da teoria é a transformação da prática.
A reflexão tem, pois, por função propiciar o despertar do sujeito, além de capacitá-lo para caminhar
(um conhecimento da realidade — Análise da Realidade, uma nova intencionalidade — Projeção de
Finalidades, e um novo plano de ação — Formas de Mediação). Isto implica que a reflexão precisa articular
duas dimensões:

1) Convencimento — ser elemento que dê sentido e força à atividade, propicie o despertar do desejo
para a consciência se integrar, se encontrar, se motivar, se dispor para a ação. ‘Limpar o meio de
campo’: desconstruir representações equivocadas, desmontar mitos e preconceitos. Ajudar o sujeito
(pessoal e coletivamente) a se convencer de que sua ação é importante, embora limitada.
Corresponde a uma mobilização inicial, à gênese do resgate do professor como sujeito. Esta é, então,
uma primordial tarefa da reflexão:

Reconstruir o sujeito mediador

2) lntervenção — ser um guia para a prática que se quer transformadora. Indicar caminhos. Ajudar a
ganhar competência para a ação: entender o que está acontecendo; projetar objetivos para a ação;
apontar alternativas para a intervenção. A outra grande tarefa da reflexão é, então:

Construir um caminho viável de mediação

Deve ficar claro que tratam-se de duas dimensões e não de duas etapas da reflexão, qual seja, não
podemos imaginar que primeiro teremos o sujeito totalmente convencido, para só então buscarmos um
caminho de intervenção.
Apresentamos na seqüência um quadro procurando sistematizar as funções da reflexão no processo
de transformação da prática pedagógica.
Insistimos que o objetivo e o subjetivo não são duas realidades justapostas, mas, pelo contrário, duas
dimensões do único e complexo processo de ação humana. E preciso, pois, que fique clara a dialeticidade
entre estas esferas.
A perspectiva dialética da educação resgata o enfoque ontológico: estamos compreendendo o sujeito
como sujeito concreto e não apenas como sujeito epistêmico.

Desafio da Papel da Reflexão Base Campo Tipo de Destinação da


Reflexão: (ênfase) Reflexivo Reflexão2 Reflexão

Obstáculos Convencimento Afetiva/ Ontológico Valorativa Própria


Subjetivos Mobilização Cognitiva Axiológico Consciência

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Obstáculos Conhecer para Cognitiva/ Epistemológico Méthodos Mundo


Objetivos4 Transformar Planejar Afetiva Axiológico extraconsciência
Intervenção Guia para a
Ação

— Quadro: A Reflexão frente ao Processo de Transformação da Prática —

Queremos deixar claro este nosso esforço no decorrer do trabalho, qual seja, investir no
convencimento do professor em relação à necessidade do planejamento e na sua
capacitação para a elaboração e realização de projetos. A nosso ver, semelhante empenho
deve ser feito no processo de formação dos educadores, se desejamos contribuir para a
mudança concreta da prática educacional.

I
A Falta de Sentido do Planejamento
Quando adentramos no campo educacional, deparamo-nos com séculos de denúncia de uma escola
desvinculada da vida, abstrata, formalista, autoritária, passiva, etc., e, no entanto, numa observação mais
atenta, nos damos conta que a prática, no seu conjunto, pouco tem mudado... O desinteresse dos alunos, os
elevadíssimos índices de reprovação e evasão escolar, a baixa qualidade da aprendizagem, o desgaste do
professor, a insatisfação de país, as queixas do mercado de trabalho em relação ao perfil do profissional saído
da escola, etc. são alguns sinais desta triste realidade. Este vai ser o pano de fundo neste trabalho, enquanto
campo de preocupação e desafio de mudança. Nosso desejo é que a escola cumpra um papel social de
humanização e emancipação, onde o aluno possa desabrochar, crescer como pessoa e como cidadão, e onde o
professor tenha um trabalho menos alienado e alienante, que possa repensar sua prática, refletir sobre ela, re-
significá-la e buscar novas alternativas. Para isto, entendemos que o planejamento é um excelente caminho.
Todavia, vivemos um período de extremos paradoxos: ao mesmo tempo em que há um desmonte da
razão (crise de paradigmas, muitas facetas da pós- modernidade, do pós-estruturalismo, crise das
metanarrativas, fim da história, da ciência, das utopias), há uma busca ferrenha de sentido, a ponto de se
configurar uma patologia, a neurose noogênica (cf. Frankl, 1989: 9), gerada pela falta de sentido da
existência (percepção de um clima de ‘geléia geral’). O planejamento acaba se colocando no centro desta
disputa, já que existe a crise da racionalidade, e o planejar é um processo que tem uma forte carga racional. E
certo que, refinando um pouco a análise, vamos encontrar vários pontos de convergência nestes diferentes
enfoques, considerando, por exemplo, que se faz a crítica não à razão em si, mas ao racionalismo exacerbado
(onipotência da razão), que negou historicamente outras dimensões do ser humano, como a emoção, o
sentimento, o desejo, a paixão, o imaginário. De qualquer forma, esta constatação deve servir de alerta para
nossas reflexões: não perder de vista a extraordinária constelação de questões envolvidas, bem como as
contradições da realidade, inclusive em relação ao próprio planejamento.
Planejar é uma atividade que faz parte do ser humano, muito mais inclusive do que imaginamos à
primeira vista. Nas coisas mínimas do dia-a-dia, como tomar um banho ou dar um telefonema, estão
presentes atos de planejamento. Nas várias instâncias da vida (profissão, ciência, economia, política, fé,
lazer, educação dos filhos, condomínios, etc.) fala-se, talvez como nunca, de projetos. Segundo alguns
analistas, estamos diante uma verdadeira civilização de projetos, o que faz com que acabe se tornando
“palavra mágica e cheia de promessas, parecendo ocupar o essencial do campo da renovação das práticas
sociais” (Barbier, 1996: 19). Por outro lado, é muito visível a distância entre as intenções expressas nos planos
e as práticas concretas realizadas, o que coloca o planejamento, mais uma vez, num território de disputas e
controvérsias.

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No interior da academia, podemos perceber um certo desprezo pela temática do planejamento: há um


vazio cultural neste campo, pouca produção específica2, ao contrário de outras temáticas como política
educacional, avaliação, formação de professores, processo de conhecimento e, mais recentemente, até
mesmo de currículo. 3
Existem, naturalmente, diferentes níveis de complexidade de ações e, portanto, de planejamento. O
planejamento educacional é da maior importância e implica enorme complexidade, justamente por estar em
pauta a formação do ser humano.

NOTA METODOLÓGICA:

Como veremos mais à frente (3ª Parte), os conteúdos a serem trabalhados na formação
dos sujeitos podem ser classificados em três grandes categorias, a saber:

□Conceituais: relativos a informações, fatos, conceitos, imagens, etc.


□Procedimentais: habilidades, hábitos, aptidões, procedimentos, etc.
□Atitudinais: disposições, interesses, posturas, atitudes, etc.1

Gostaríamos de convidar o leitor a fazer uma metaleitura deste nosso trabalho,


procurando perceber como estas três dimensões são trabalhadas no decorrer de toda
obra, ganhando, no entanto, especial visibilidade em alguns momentos.
Vamos iniciar nossas reflexões trazendo alguns problemas vivenciados na escola quando
está em questão o planejar.

1- LOCALIZAÇÃO DA PROBLEMÁTICA

No cotidiano das escolas, em especial no final e início de ano, é realizada uma série de práticas como
preencher formulários com objetivos, conteúdo, estratégia, avaliação, indicação de livros didáticos, etc.
Outras vezes, os professores são convocados para discutirem a proposta pedagógica da escola. O que se
percebe, no entanto, é que com freqüência estas atividades são feitas quase que mecanicamente, cumprindo
prazos e rituais formais, vazios de sentido. É muito comum o professor considerar tudo isto como mais uma
burocracia...
Alguns fatos observados:

• Coordenadores/orientadores/supervisores cobram exaustivamente os professores para que


entreguem os planos;
• Planos são entregues e engavetados;
• A prática do professor em sala de aula não leva em conta o que foi colocado no plano;

2 Em termos de livros específicos sobre planejamento educacional de autores nacionais, não chega a uma dezena no
mercado. Há sinais de crescimento, no entanto, peias bordas: artigos em revistas de educação, capítulos em livros sobre Didática
ou Currículo, ou como temática em seminários e congressos da área.
3 Que tinha ficado um tanto no ostracismo, talvez por sua identificação com vertentes tecnicistas, o que pode explicar, ao
menos em parte, a semelhante atitude em relação ao planejamento.

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• Planos são copiados do livro didático, do colega (da mesma escola ou de outras), ou de um ano
para outro;
• Escolas fazem seus projetos e estes ficam esquecidos;
• Escolas com textos belíssimos na sua filosofia, na agenda escolar, no regimento, e práticas bastante
arcaicas e contraditórias;
• Escola faz projeto político-pedagógico; muda a direção (ou o governo), e o projeto é simplesmente
arquivado;
• Escola faz proposta pedagógica só porque a Delegacia de Ensino ou a mantenedora pediu, ou
‘para cumprir a lei’ (projeto vitrine).

Há uma ambigüidade na prática dos professores, pois ao mesmo tempo em que não negam a
importância do planejamento, percebem sérias limitações em sua realização. Outras vezes, há uma
polarização entre os ‘especialistas’ e os professores: os primeiros defendendo ferreamente o planejamento e
os últimos fazendo de tudo para se livrarem dele. Nesta polarização se manifesta amiúde uma outra
ambigüidade: os especialistas cobram dos professores, mas não fazem o seu respectivo plano de trabalho...
Planejar parece identificado a 'preencher planos’, e, ainda, ‘para os outros’ (supervisão, direção,
secretaria).
Numa observação mais minuciosa, o que se verifica com freqüência é que os professores, de fato,
não acreditam nos planos que fazem por solicitação exterior. Se deixados, talvez alguns professores seriam
capazes de trabalhar por anos, sem nem se lembrarem de esboçar qualquer tipo de plano...
Tem-se a sensação, muitas vezes, de que se faz aquilo tudo para se enganar reciprocamente, todo
mundo sabendo que não adianta, mas também ninguém tendo coragem de questionar...
A situação geral constatada, portanto, é de:

Descrença no Planejamento

2- O QUE DIZEM OS PROFESSORES

Por que há tanta descrença por parte do professor? Quais são as principais queixas sobre o processo
de planejamento das escolas e de ensino-aprendizagem (tanto em termos de elaboração quanto de execução)?
Não podemos desprezar as condições prévias, partir do princípio idealista da antecedência linear do
pensamento sobre a prática: quando o educador se insere num processo de planejamento, já tem experiências,
visões, afetos. É preciso, pois, procurar compreender o ponto de vista do professor sobre a questão.
Para isto, nada melhor do que começar por dar-lhe a palavra. Podemos agrupar as falas dos
professores em três grupos básicos:

— Os que acham que não é possível planejar;


— Os que acham que até é necessário e/ou possível, mas do jeito que vem sendo feito não está
bom;
— Os que acham que não é necessário planejar.

2.1. Não é Possível Planejar

A percepção que têm muitos professores é de que a tarefa educativa é impossível de ser prevista (ou
mesmo realizada), carecendo de sentido, então, o planejamento.

□ A realidade é muito dinâmica

Há uma visão de que não dá para planejar, porque a realidade da escola não é nada simples e a sala

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de aula é muito dinâmica (cada dia é cada dia, cada classe é cada classe, cada aula é uma aula...). Tudo
muda...

Planejar é tentar prever o imprevisível. E querer brincar de Deus. Não dá para planejar com tantos valores
diferenciados: família, escola, sociedade. Não se tem como planejar com diversas posturas
epistemológicas de professores na escola. Existem muitas idéias diferentes e divergentes quanto às
maneiras de educação (professor construtivista x tradicional). O volume e a velocidade das mudanças que
nos levam a estamos sempre defasados. Como planejar, se cada hora nos pedem uma coisa? A troca de
governos deixa o professor inseguro. 4

□ Não há condições

Muitas vezes, o que está em questão é a percepção da falta de condições mínimas favoráveis para
poder se desencadear um processo de planejamento significativo:

Como vou planejar com 60 aulas semanais? O professor está sobrecarregado com aulas ou outras
atividades paralelas para poder se sustentar. Não dá para planejar se tenho que cumprir tintim por tintim o
que já vem estabelecido. Como dar conta das diferentes demandas impostas pelos ‘órgãos competentes’?
Faltam momentos para o grupo se reunir; a dificuldade maior é juntar o coletivo. Falta de espaço nas
escolas para trabalhar ou planejar de forma integrada. Fica difícil planejar com a rotatividade dos
professores. Não temos poder sobre o que planejamos; falta autonomia: tínhamos planejado 4 classes com
35 alunos cada; daí vem a Delegacia de Ensino e manda fazer 3 classes de 46... A programação da
Secretaria de Educação prevê a escolha de classe depois da semana de planejamento; assim, o professor
planeja numa escola e vai trabalhar em outra...

□ Não tem jeito mesmo

Além disto, há a questão do determinismo enraizado: se somos determinados (por fatores biológicos,
sociais, psicológicos, etc.), se não dá para mudar mesmo, de que adianta planejar? Isto nada mais seria que
uma enganação, uma alienação, uma perda de tempo...

Não adianta, pois existem as exigências sociais (legislação, pais, vestibular, etc.). Planejar é inócuo face
às determinações a que estamos submetidos. De que adianta planejar, se nada vai acontecer mesmo? Não
dá! Eu já tentei muitas vezes e não deu!

2.2. Do jeito que o Planejamento vem sendo feito não funciona

Este segundo grupo — grande maioria dos professores —, não questiona, a priori, a validade, a
necessidade de se planejar. No entanto, aponta uma série de problemas na maneira como habitualmente tem
sido encaminhado.

□ É Inútil

Esta é com certeza uma das maiores queixas dos professores: sentem que estão submetidos a um
ritual que não tem conseqüências na prática cotidiana da escola, é uma mera formalidade.

O planejamento é uma estruturação inútil. E mera burocracia. Serve apenas para cumprir as exigências
burocráticas. E perda de tempo! Não serve para nada; é algo estéril. Para quê planejar, se já vem tudo
pronto o que devemos dar? O planejado com muita antecipação resulta inviável, devido às variações do

4 Estes depoimentos foram recolhidos junto a professores de diferentes partes do país, tanto de escola pública quanto
privada.

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cotidiano. Na hora de planejar tudo bem; mas depois... Planejamento bem elaborado que só permanece no
papel. A prática fica a desejar. Falta aplicação no dia-a-dia. Não adianta planejar: são tantos alunos, cada
um com seu ritmo e jeito de aprender...

□ Processo não Acontece

Fala-se muito, no interior da escola, do planejamento como processo; porém é clara a percepção dos
professores de que este ‘processo’ acaba não acontecendo.

Gastam-se muitas horas para planejar e depois aquilo não é retomado. E mais um papel que ‘tem que
entregar e que permanecerá no arquivo; não é consultado e muito menos levado a sério. Não recordo de
ter procurado o planejamento, nem meus colegas de trabalho; fica só na gaveta. E gastar tempo para ser
guardado depois. O plano muitas vezes fica deixado de lado. E tão importante, mas tão, que fica
guardado a sete chaves... Parece que é uma obrigação de início de ano pensar em plano; depois ninguém
mais lembra que existe. Não há tempo para rever o planejamento. Palia tempo para discussão, mudanças e
estudo. Falta comunicação entre professores. Não é elaborado calmamente, com a participação de todos.
Faltam revisões e avaliações periódicas. Não adianta preparar um planejamento se a escola não colabora \
O calendário escolar não prevê espaço para a elaboração do projeto.

□ Falta Compromisso

Alguns educadores já ganham clareza que o plano não vai funcionar magicamente, e denunciam a falta
de compromisso por parte dos agentes.

Há uma contradição muito grande entre os momentos da elaboração e da execução: encontram-se


inúmeras barreiras. Muitas vezes, não conseguimos executar aquilo que planejamos coletivamente, pois
nem todos se comprometem. O projeto já nasce abonado, pois ninguém acredita. O que desanima é que
não cumprimos o que nós mesmos decidimos. Na teoria é muito fácil; na prática, cada um, caminho de
um lado. O plano é cobrado formalmente, mas nem sequer é lido.

□ Limita o Trabalho

Para muitos professores, planejar é se ‘prender’, o que seria incompatível com o ensino, que deve ser
livre’.

Planejar é se amarrar, é perder a liberdade. Escraviza o trabalho do professor; camisa de força. Pode nos
podar, coibir a nossa criatividade e as necessidades do aluno e da classe. Há uma cobrança muito grande
para ‘cumprir o programa \ Eu tenho medo de não. cumprir o que planejei. A culpa, como sempre, é do
professor! Quando é exigido seu cumprimento, sem dar importância se o aluno aprendeu e apreendeu o
conteúdo; quando não pode ser refeito,. tornando-o inflexível. Não pode ser reformulado quando
necessário. O plano vira um fim em si mesmo. Não dá liberdade do aluno participar. A gente tem que
seguir, caso contrário o aluno vai mal na prova elaborada pela coordenação. A proposta político-
pedagógica é uma forma de controlar ainda mais o professor. O ruim do projeto é que decide em fevereiro
e depois a gente se sente preso.

□ É muito Complicado

Diante de exigências formais, os professores acabam não vendo sentido naquela série de itens que
muitos planos exigem.

O planejamento é uma coisa complicada. Aquele monte de objetivos disso, daquilo, aquelas folhas e
folhas intermináveis, que até se tomam repetitivas. Detalhes desnecessários que muitas vezes cansam o

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professor. Não é feito com consciência, mas apenas com palavras bonitas e técnicas. Prolixo, cheio de
minúcias, não prático. E ruim porque nos toma muito tempo. Exige muito dos professores. Temos
dificuldade de colocar no papel o que pensamos.

□É Fora da Realidade

Uma outra queixa muito freqüente é a de que os planos estão longe da realidade concreta da escola,
dos alunos efetivamente existentes em sala, das condições que o professor tem para trabalhar.

Não está embasado na realidade; inadequado e mostra uma realidade não existente, sendo difícil seguí-lo
à risca. Metas e objetivos são inviáveis. Baseado numa compreensão utópica da realidade e não da
realidade conhecida e compreendida da nossa escola e dos nossos alunos, Não adianta, pois ê feito sem a
gente conhecer os alunos. Distancia entre ideal x real No papel o planejamento é bonito, mas na prática
fica difícil Na prática, a teoria é outra, o planejamento nem, sempre vai ao encontro da realidade. Não
leva em conta a realidade concreta. Não tem itens claros, precisos e reais, passíveis de serem aplicados.
Sinceramente, às vezes eu registro uma coisa e faço outra. E muito conteúdo para ser trabalhado e na
grande parte das turmas encontramos alunos com falta de pré-requisitos.

□ Não ê Participativo

A fala dos professores sobre a forma como o planejamento é encaminhado revela uma centralização.

O planejamento é feito pela equipe diretiva e apresentado pronto a toda a escola. Um pequeno grupo
planeja e o restante do grupo executa. Há centralização na elaboração do planejamento. E um teatro, onde
fingimos ser autores, mas o texto já estava pronto. O programa é imposto. Uma professora planeja e todas
têm que seguir da mesma forma e no mesmo ritmo. O planejamento é um, ritual hipócrita, pois na
verdade quando pronto, as decisões mais importantes já foram tomadas [por fora] de acordo com a
pressão daqueles que realmente detêm o poder. Não é fácil elaborar um planejamento com a real
participação da comunidade.

Com todo esse questionamento, este grupo acaba ficando a meio caminho para concluir que o
planejamento não seria necessário...

2.3. Não é Necessário Planejar

Além de toda problemática anterior apontada, alguns professores radicalizam ao considerar que não
há efetivamente necessidade de planejar, uma vez que estão ‘dando bem conta do recado’.

Dar aula não é tão complicado assim. Planejar é coisa de quem está começando; eu já tenho experiência.
E desnecessário; tenho tudo na cabeça. Já sei o que vou ensinar, está tudo no livro. Eu sempre fiz assim.
Em educação o que conta é o amor, a arte, não precisamos destas coisas técnicas. Vou na base da
intuição.

Com tantas queixas ou limitações, fica difícil mesmo o envolvimento do professor com qualquer
coisa que diga respeito a planejar. Podemos perceber, pois, no discurso dos professores uma série de
eventuais obstáculos epistemológicos (cf. Bachelard, 1884-1962) em relação ao planejamento, que devem ser
trabalhados.
À partir deste breve levantamento 5, podemos identificar alguns fatores em tomo dos quais estaria a

5 E interessante fazer o registro de como, nos problemas levantados, praticamente não aparecem os alunos e os país, fato difícil
de ocorrer quando se tratam de outros aspectos do trabalho do professor (ex.: a metodologia de ensino, a avaliação ou a disci-
plina). Isto reflete, a nosso ver, a maior especificidade do problema do planejamento enquanto organização do trabalho docente.

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contradição principal, a distorção do planejamento, segundo os professores:

• Na estrutura da escola: falta de projeto educativo, falta de espaço de reflexão constante e


coletiva sobre a prática, falta de perspectiva de mudança, autoritarismo, burocracia, formalismo,
número excessivo de alunos por sala, salários insuficientes, falta de instalações e equipamentos
adequados, etc.;
• Na equipe de coordenação/supervisão: formal, burocrática, autoritária, de gabinete, distante
da prática, etc.;
o No Sistema de Ensino: falta de condições de trabalho, falta de apoio à escola e ao professor,
cobrança formal, exigências legais, falta de participação, etc.

Todavia, se formos ouvir os dirigentes ou as equipes de serviços, encontramos um outro conjunto de


hipóteses explicativas desta desvalorização do planejamento, só que agora relacionadas ao professor:

Acomodado, desatualizado, fossilizado, cético, despreparado, sai da faculdade sem preparação adequada,
falta fundamentação teórica, imaturo, inseguro, desanimado, resistente à mudança, não quer inovar
postura tradicional, não quer se comprometer, engajamento é pequeno, falta desejo de aprender, falta
motivação (acredita que ‘não dá em nada), omisso, não transparente, não organizado, não sabe lidar com
os limites, professores preocupados demais com o conteúdo e pouco com a aprendizagem dos alunos,
apego ao livro didático, individualismo excessivo, resistência para pensar junto, falta auto-estima, etc.

Confrontando com as falas anteriores, e dependendo do ponto de vista, a alegada ‘resistência5 dos
professores em relação ao planejamento pode ser entendida com um significado negativo (descompromisso)
ou positivo (se confrontar com uma lógica espúria e alienante, resistir face a um esquema sem sentido)... Por
aqui já podemos vislumbrar a complexidade da questão.

Para refletir....
Nas escolas que você trabalha, ou que você conhece, você pode perceber
um descaso com o planejamento? Você acredita que a falta de
planejamento pode ser considerada um dos maiores problemas da
educação?

II
Análise do Problema
Como entender esta descrença toda em relação ao planejamento? Não podemos pensá-la
desvinculada de um contexto maior que envolve a escola e o educador. Poderíamos nos
questionar: a descrença estaria restrita ao planejamento ou, no limite, à própria profissão?
Vamos recorrer à análise filosófica, sociológica e histórica, ainda que breve, para tentar
compreender melhor este movimento.

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1- DUAS GRANDES CORRENTES DO PENSAMENTO

As contradições apontadas anteriormente estão relacionadas a uma questão de fundo que é a própria
cosmovisão, o caldo de cultura em que estamos envolvidos.
Há certos tipos de teorias e de práticas que não se compatibilizam com a perspectiva de
transformação da realidade. Se formos analisar, veremos que muito da concepção teórica marcante no
conjunto dos educadores está permeada pelos vícios da cultura, da 4civilização ocidental’.. Nos detendo
sobre a história do pensamento humano, percebemos que, grosso modo, a reflexão do homem orbitou em
tomo de duas correntes: a Metafísica e a Dialética. Sabemos da influência do pensamento grego em nossa
cultura; podemos encontrar as raízes dessa influência num debate anterior aos grandes filósofos, ainda na
fase pré-socrática, na famosa controvérsia entre os discípulos de Heráclito e Parmênides. Em grandes linhas,
poderíamos dizer que Heráclito era defensor da cosmovisão que admitia o movimento, onde tudo estava num
constante vir-a-ser e que havia unidade dos contrários.

Na acepção moderna, dialética significa o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de


compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação. (...) No
sentido moderno da palavra, o pensador dialético mais radical da Grécia antiga foi, sem dúvida, Heráclito
de Éfeso (aprox. 540-480 a. C.). Nos fragmentos deixados por Heráclito, pode-se ler que tudo existe em
constante mudança, que o conflito é o pai e o rei de todas as coisas. Lê-se também que vida ou morte,
sono ou vigília, juventude ou velhice são realidades que se transformam umas nas outras. O fragmento n.
91, em especial, tornou-se famoso: nele se lê que um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio.
Por quê? Porque na segunda vez não será o mesmo homem, e nem estará se banhando no mesmo rio
(ambos terão mudado). (Konder, 1981: 8)

Por outro lado, Parmênides defendia a estabilidade das coisas, não admitindo a contradição presente:
“o ser é, o não ser não é”. “Parmênides ensinava que a essência profunda do ser era imutável e dizia que o
movimento (a mudança) era um fenômeno de superfície” (Konder, 1981: 9). Em função dos jogos de poder
presentes na história, a concepção de Parmênides acabou tendo mais influência:

Essa linha de pensamento — que podemos chamar de metafísica — acabou prevalecendo sobre a dialética
de Heráclito. (...) De maneira geral, independentemente das intenções dos filósofos, a concepção
metafísica prevaleceu, ao longo da história, porque correspondia, nas sociedades divididas em classes, aos
interesses das classes dominantes, sempre preocupadas em organizar duradouramente o que já está fun-
cionando, sempre interessadas em ‘'amarrar' bem tanto os valores, e conceitos como as instituições
existentes, para impedir que os homens cedam à tentação de querer mudar o regime social vigente.
(Konder, 1981: 9)

Passando pela matriz platônica, vamos encontrar uma das mais fortes vertentes de pensamento até
hoje presente no nosso meio: o idealismo metafísico. Aprendemos com Platão que o que importa é o mundo
das idéias, os grandes ideais, e que a prática, o cotidiano, nada mais é que a cópia imperfeita do ideal e,
portanto, é banalidade, vão engano, não merecendo maior atenção. Estas concepções filosóficas vão
encontrar ressonância em movimentos religiosos de várias origens; assim é que até hoje se despreza o
concreto, porque remete à realidade, nas suas contradições, na sua 'miséria’. Acontece que a vida também, e
sobretudo, é feita do concreto, e não levá-lo em conta é distanciar-se, é não ‘morder’ a realidade.
A Dialética pode ser entendida como “método de penetração na essência do fenômeno, método de
análise da realidade e sua reprodução na lógica dos conceitos” (Kopnin, 1978: 46). Caio Prado Jr. (1907-
1990) afirma que “para conhecer a Dialética é preciso pensar dialeticamente, isto é, conhecer a Dialética para
conhecê-la” (1980: 11). Tal assertiva, para a lógica formal, apresenta-se como um contra-senso; precisamos
compreender que se trata de uma concepção de aproximações sucessivas, em. que o sujeito, a partir de uma
prática de intervenção no real, vai se aproximando cada vez mais do ser e do pensar dialético, a ponto de
atingir sua ‘atração gravitacional’, que o leva para o âmago do conhecimento dialético da realidade (unidade

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dialética entre ser e pensar).


Como podemos constatar, este embate não terminou; ao contrário, está muito presente entre nós. A
seguir vamos analisar esses desdobramentos na realidade do professor.

2- PROCESSO DE ALIENAÇÃO DO PROFESSOR

De um modo geral, podemos abordar o trabalho do educador em sala de aula a partir de dois
enfoques: um, de natureza objetiva, outro, subjetiva, Do ponto de vista objetivo, poderíamos fazer toda uma
série de considerações sobre as condições concretas em que exerce sua atividade (material didático, número
de alunos, salários, etc.). Evidentemente, as condições objetivas do trabalho são fundamentais para seu
desenvolvimento a contento, podendo ser, em última instância, determinantes para tal. Entretanto, neste
momento, gostaríamos de analisar um pouco mais o aspecto das condições subjetivas do trabalho do
educador (que, naturalmente, não são Independentes das objetivas). Nossa constatação, neste sentido, é de
que há uma falta de clareza do professor com relação ao seu trabalho, sendo esta a responsável, em parte,
pela sua não atuação mais efetiva na mudança da realidade educacional ou mais geral. Esta falta de lucidez
vem da situação de alienação em que se encontra o educador.

2.1 .Sobre a Alienação

Por alienação estamos entendendo aquele estado em que as pessoas tornam- se estranhas a si mesmas
e ao mundo que as rodeia, não podendo interferir na sua organização, nem sabendo justificar os motivos
últimos de suas ações, pensamentos, emoções, E a situação mais ou menos acentuada de perda de sentido, de
desorientação, de falta de compreensão e de domínio das várias manifestações da existência.

Em última análise, a alienação nada mais ê que uma, ruptura na qual a evolução da humanidade se
destaca da evolução do indivíduo (..). Logo, a alienação é (...) a ruptura, a contradição entre a essência e a
existência do homem, (Markus, 1974: 99)

A alienação, com certeza, não é um privilégio dos profissionais da educação. Concretamente, é uma
realidade que perpassa toda nossa sociedade, uma vez que sua raiz está na organização do trabalho no modo
de produção capitalista, ou seja, na exploração da força de trabalho do homem por outrem, baseada na
divisão do trabalho e na propriedade privada dos meios de produção. O trabalhador não participa do
resultado da produção, a não ser por um mísero salário para a reposição da força de trabalho, “para existir
como trabalhador, não como homem, e para gerar a classe escravizada dos trabalhadores, não a humanidade”
(Marx, 1989: 107). Assim sendo, o trabalhador, não domina seu próprio trabalho, na medida em que não
sabe porque produz, como produz, sendo, pois, alienado não só do produto, mas também do processo (cf.
Marx, 1989: 161). A partir desta alienação fundamental, vão se estruturando todas as outras, em termos da
superestrutura, passando pelas instituições e pelo próprio Estado.
A alienação é como um bisturi social, com base econômica e desdobramento político e cultural, que
cinde o homem de si mesmo, tornando-o objeto de manipulação, em função dos interesses de minorias
dominantes.

A alienação não se revela apenas no fato de que os meus meios de vida pertencem a outro, de que os
meus desejos são a posse inatingível de outro, mas de que tudo é algo diferente de si mesmo, de que a
minha atividade é qualquer outra coisa e que, por fim — e é também o caso para o capitalista — um
poder inumano impera sobre tudo. (Marx, 1989: 217)

No entanto, trata-se de uma realidade contraditória: pelo fato do trabalhador interagir com a natureza
e com os outros, abre-se neste processo a possibilidade de superação da alienação, pela transformação
revolucionária do modo de produção da existência.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

2.2. A Alienação do Educador

O educador, antes de mais nada, como cidadão, está inserido num contexto mais amplo de sociedade,
sendo portanto atingido pela alienação mais geral, imposta, devida a toda a forma de organização social.
Enquanto profissional, participa da alienação mediatizada no conjunto de seu trabalho.
Freqüentemente, seja para os alunos, seja para os professores, a escola corresponde a uma opção
formal que aliena o caráter existencial e político da experiência pedagógica. O trabalho de ensino-
aprendizagem, tomado como mera forma de sobrevivência pelo professor ou como mercadoria pelo aluno,
perde sua dimensão humana e reduz-se a uma relação fetichizada de trocas institucionais. O trabalho
intelectual é tomado como um fim em si mesmo, adequado a restritas aspirações profissionalizantes,
desvinculado das causas, sentidos e compromissos que poderiam orientá-lo. 6 Esta constatação quebra a
ilusão de que o trabalho em educação seria ‘mais humano’. A atividade educacional, nas condições em que
corriqueiramente ocorre, é pura alienação. Por ser o articulador, o coordenador do trabalho em sala de aula e
por ser a extremidade dessa intrincada rede de relações que é o sistema educacional, corre-se o risco de se
atribuir ao professor toda a responsabilidade do fracasso escolar, não se percebendo que o que acontece na
sala é reflexo — não mecânico, todavia — do leque de determinações a que a escola está sujeita.
A situação de alienação se caracteriza pela falta de compreensão e domínio nos vários aspectos da
tarefa educativa. Assim, percebemos que ao educador falta clareza com relação à realidade em que ele vive,
não dominando, por exemplo, como os fatos e fenômenos chegaram ao ponto em que estão hoje (dimensão
sociológica, histórico-processual); falta clareza quanto à finalidade daquilo que ele faz: educação para quê, a
favor de quem, contra quem, que tipo de homem e de sociedade formar, etc. (dimensão política, filosófica),
e, finalmente, falta clareza, como apontamos antes, à sua ação mais específica em sala de aula (dimensão
pedagógica). Efetivamente, faltando uma visão de realidade e de finalidade, fica difícil para o educador
operacionalizar alguma prática transformadora, já que não sabe bem onde está, nem para onde quer ir.

O professor não tem compreensão do seu trabalho na complexidade que ele implica; está
alienado do seu quefazer pedagógico: foi expropriado do seu saber, situação esta que o
desumaniza, deixando-o à mercê de pressões, de ingerências, de modelos que são
impostos como ‘receitas prontas’,1 impossibilitando um trabalho significativo e
transformador, levando-o, por conseqüência, ao sofri- mento, ao desgaste, ao desânimo,
ao descrédito quanto à educação, à acomodação, à desconfiança, chegando mesmo à falta
de companheirismo e de engajamento em lutas políticas e até sindicais. Analogamente ao
operário na fábrica, que não mais domina o seu fazer como o artesão dominava, encontra-
se o professor em relação à sua atividade pedagógica.

Há algum tempo atrás, o professor ainda controlava um pouco mais o seu fazer, pois, embora sem o
devido aprofundamento, era ele quem selecionava os conteúdos, os fichava e passava aos alunos, escolhia a
forma de dar aula (que quase sempre.era expositiva) e de avaliar. Hoje, o professor, em número muito maior
que antes 7, sente que foi mal formado, que não está devidamente capacitado para os desafios da realidade.
Quando vai para a prática, defronta-se com uma organização fragmentada do trabalho, onde uma série de
‘especialistas’ vão lhe dizer o que deve fazer ou deixar de fazer, sem contar a pressão em tomo do livro
didático, que,'no final das contas, acaba sendo a tábua de salvação, no sentido de estruturar todo o seu curso.
Assim, entendem que têm que cumprir programas impostos, não sabendo o motivo pelo qual sua
disciplina existe no. currículo; quando interrogados, dão respostas baseadas no senso comum; se
questionamos mais a fundo, percebemos o embaraço em que ficam e muitas vezes acabam confessando que

6 Cf. Princípios Orientadores do nosso Trabalho, Imaco, 1985, mimeo.


7 Como se sabe, houve efetivamente, nos últimos anos, um aumento da oferta de vagas proporcionalmente maior que o
aumento da população. Lamentavelmente, não podemos nos vangloriar disto, na medida em que ao aumento da quantidade não
correspondeu o aumento da qualidade (até a formal existente se perdeu). Esta foi a estratégia utilizada pela classe dominante, pela
mediação do Estado, para não ser ameaçada em sua hegemonia por um possível crescimento da massa crítica nacional.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

dão aquela matéria por exigência do programa preestabelecido e, no limite, em função do vestibular. Da
mesma forma, quando analisamos as práticas em sala de aula, verificamos que elas acontecem como rituais
que foram aprendidos de uma maneira empírica, freqüentemente muito mais pela ‘iniciação5 que tiveram no
longo tempo de banco escolar, do que por uma tomada de posição consciente. Se interrogados sobre os seus
rituais, não conseguem apontar justificativas relevantes, percebendo-se, dessa forma., a falta de domínio, de
consistência e de fundamentação.
Por outro lado, quando ao invés de partirmos dessas práticas, buscamos suas idéias, nos deparamos
com belos discursos a cerca da educação e da atuação do educador; em geral, encontramos um verdadeiro
sincretismo em relação às concepções pedagógicas: pedaços de teorias que são justapostos, não dialogando,
nem criticando-se, de forma a constituir um todo orgânico. Confrontando-se com a prática, há um enorme
abismo e, o que é pior, não há consciência dessa distância. O trabalho do educador “existe
independentemente, fora dele e a ele estranho, e se toma um poder autônomo em oposição com ele; uma
força hostil e antagônica” (Marx, 1989: 160).

A Didática teórica prepara o professor para ser um profissional liberal que detém, o controle do processo
e do produto do seu trabalho, concebendo, executando e controlando ' o seu processo de ensino. No
entanto, a Didática prática ocorre numa organização do trabalho em que o professor é um assalariado do
ensino e, na hierarquia de funções dentro da escola, ocupa a posição de executor de tarefas, não detendo,
portanto, o controle sobre o processo de ensino e seus resultados. Daí a fragmentação do seu fazer e a
busca de alternativas metodológicas. (Martins, 1989: 71)

O ‘bom5 de um trabalho mecânico, repetitivo é que não exige maiores esforços. Fazer um trabalho
mais consciente, crítico, criativo, significativo, implica que” o professor deva se rever, se capacitar, sair do
'piloto automático’, enfrentar conflitos, etc.
Se o trabalho do professor está marcado muito fortemente pela alienação, é claro que não verá o
menor sentido- no planejamento.

3- (DES)CAMINHOS DO PLANEJAMENTO

Vamos analisar agora a questão específica do desgaste do planejamento junto aos educadores,
levantando algumas hipóteses para explicá-la.

3.1. Breve Retrospectiva Histórica

Embora, como veremos mais adiante, a atividade de planejar seja tão antiga quanto o homem, a
sistematização do planejamento se dá fora do campo educacional, estando ligada ao mundo da produção (I e
II Revoluções Industriais) e à emergência da ciência da Administração, no final do séc. XIX. Este novo
campo de saber terá como emblemáticos os nomes do americano Taylor (1856—1915) e do francês Fayol
(1841-1925). Á própria Administração vai se utilizar, para configurar o planejamento, de termos (como
objetivos, estratégia) de um campo ainda mais distante e ancestral: a guerra, considerada como um empre-
endimento que desde muito cedo buscou a eficiência... Mas talvez o elemento genealógico mais complicador
em termos de alienação do trabalho — em geral e escolar — tenha sido a preconização por Taylor da
necessidade de separar a tarefa de planejamento da execução, ou seja, para ele, organizar cientificamente o
trabalho implicava a distinção radical entre concepção e realização. Desta forma, esta nova ciência acaba por
respaldar e justificar a prática tão antiga (desde os gregos, por exemplo) de uns conceberem (homens livres)
e outros executarem (escravos). Abre também o campo para o planejamento tecnocrático, onde o poder de
decisão e controle está nas mãos de outros (‘técnicos’, ‘políticos1, 'especialistas5), e não no próprio agente.
No início do século XX, o planejamento vai avançando para todos os setores da sociedade,
provocando um enorme impacto a partir do seu uso na União Soviética não como simples organização
interna a uma empresa, mas como planificação de toda uma economia.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

Atualmente, pode-se identificar três grandes-linhas em termos de planejamento administrativo: o


gerenciamento da qualidade total, o planejamento estratégico e o planejamento participativo, sendo que a
tendência do primeiro é decrescente em favor do segundo, que procura, em certos casos, incorporar
contribuições do terceiro, que é mais difícil de ser utilizado em empreendimentos cuja função social não
possa ser definida coletivamente. 8

Curiosidade:

O processo de Revolução Industrial (homo techinicus) pode ser dividido em quatro grandes
fases: final do séc. XVIII, com o aproveitamento do vapor como energia motriz, fins do séc.
XIX, com o uso da eletricidade para movimentações de máquinas e equipamentos; período
entreguerras, pela utilização de novos métodos de produção (linha de montagem, produção
em série); e uma quarta fase, a partir dos anos 60, com a introdução da automação, da
robotização, novas formas de energia (micoeletrônica, microbiologia e energia nuclear).

A escola, naturalmente, não ficou imune a este movimento. 9 Ao analisarmos a história da educação
escolar, percebemos diferentes concepções do processo de planejamento, de acordo com cada contexto
sócio-político-econômico-cultural. A prof.ª Margot Ott (1984) aponta três grandes concepções que vão se
manifestando em diferentes momentos da história do planejamento:

a) Planejamento como Princípio Prático

Esta primeira concepção está relacionada à tendência tradicional de educação, em que o


planejamento era feito sem grande preocupação de formalização, basicamente pelo professor, e tendo como
horizonte a tarefa a ser desenvolvida em sala de aula.
Os planos eram apontamentos feitos em folhas, fichas, cadernos (tipo ‘semanário5, até hoje utilizado
por professoras de lª a 4a série), a partir das leituras preparatórias para as aulas. Uma vez elaborados, eram
retomados cada vez que Ia dar aquela aula de novo, servindo por anos e anos.
Alguns manuais didáticos chegavam a sugerir duas categorias de organização: os objetivos e as
tarefas; todavia, a preocupação estava centrada na tarefa, entendendo-se que os objetivos estavam nela
inseridos. O ‘planejamento5 pedagógico do professor no sentido tradicional, a rigor, não era bem
planejamento; era muito mais o estabelecimento de um ‘roteiro5 que se aplicaria fosse qual fosse a realidade.
Podemos citar, como ilustração, os famosos passos formais da instrução, de Herbart (1776-1841), que levou
muitos professores a seguirem rigidamente o plano de aula. No entanto, observava-se que o plano, com
efeito, orientava o trabalho do professor, tinha uma função, vale dizer, havia uma estreita relação entre
planejar e acontecer. Sabemos de casos em que professores deixavam de dar aula por estarem sem seus
apontamentos 10... Folclore à parte, o que queremos destacar é que o plano era objetivamente uma referência
para o trabalho do professor, estava presente em sala de aula, e servia de gula para sua ação.
Um outro movimento pode ser Identificado nesta primeira concepção: depois da I grande guerra, o
movimento escolanovista, enfatizando a ligação do ensino com os interesses dos alunos, crítica o plano
previamente estabelecido, dando início a mais uma polêmica educacional Estava em questão a perspectiva
não-diretiva de ensino, com sua ênfase na espontaneidade e criatividade dos alunos. G planejamento deveria

8 Objetivamente, fica difícil fazer planejamento participativo, no sen autêntico sentido, quando os donos visam a
apropriação máxima dos lucros (cf. Gandin, 1994).
9 A título de ilustração: a Sociologia do Currículo revela que Bobbitt (1918), um dos iniciadores dos estudos sobre currículo,
estava fortemente influenciado pela Teoria da Administração Científica.
10 Por terem sido esquecidos ou até mesmo por terem sido escondidos pelos próprios alunos...

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ser feito em tomo de temas amplos; ao professor caberia ter uma ‘idéia geral’ do que seria a aula, sendo que
os passos seriam determinados de acordo com os interesses emergentes. Neste sentido, podemos dizer que
havia até uma cooperação dos alunos no planejar.

b) Planejamento Instrumental/Normativo

Esta concepção — que se explicita no Brasil no final da década de sessenta — relaciona-se à


tendência tecnicista de educação, de caráter cartesiano e positivista, onde c planejamento aparece como a
grande solução para os problemas de falta de produtividade da educação escolar, sem, no entanto, questionar
os fatores sócio-político-econômicos, até em função de sua pretensão de neutralidade, normatividade e
universalidade.
À ênfase à racionalidade era muito forte. Buscava-se uma rígida seqüência (donde a importância dos
‘pré-requisitos’) e a ordem lógica para tudo; só que a lógica tomada como referência era a de quem ensinava
e não de quem aprendia... Influenciada pelas teorias comportamentalistas 11, dava-se muita ênfase ao aspecto
formal, à especificação de todos os comportamentos verificáveis (podemos lembrar aqui daquelas relações
de verbos que tínhamos que usar para expressar os objetivos 12 a fim do plano ficar ‘correto’); chegava-se a
afirmar, por exemplo, que “só se pode estabelecer um objetivo que seja passível de ser medido”; havia uma
verdadeira obsessão planificadora. Os professores eram obrigados a ocupar parte significativa de seu escasso
tempo livre para preencher planilhas e mais planilhas (cf. Gvirtz, 1998: 184). O aluno deveria aprender
exatamente aquilo que o professor planejara, reforçando a prática do ensino como mera transmissão, ou, no
pólo oposto, como instrução programada.
Essa exigência técnica para elaborar o planejamento justificou, ideologicamente, sua centralização
nas mãos dos ‘especialistas’ (do Estado ou das escolas), fazendo parte de uma ampla estratégia de
expropriação do quefazer do educador e do esvaziamento da educação como força de conscientização,
levando a um crescente processo de alienação e controle exterior da educação.
Muitos dos problemas que se colocam hoje na prática escolar entre professores e técnicos, tais como
a competição, a disputa de influência e poder, têm sua explicação na origem mesma dessa função, já que,
desde então, esteve associada ao ‘controle’, uma vez que a supervisão surgiu no século XVIII nos Estados
Unidos como ‘Inspeção Escolar’ e como tal veio para o Brasil em meados do século XIX. Nos anos 70, do
século seguinte, ganhou força e contorno legal, num ambiente nada favorável:

Sabe-se que a Supervisão Educacional foi criada num contexto de ditadura. A Lei n. 5692/71 a instituiu
como serviço específico da Escola de1Io e 2o Graus (embora já existisse anteriormente). Sua função era,
então, predominantemente tecnicista e controladora e, de cena forma, correspondia a militarização
Escolar. No contexto da Doutrina de Segurança Nacional adotada em 1967 e no espírito do AI-5 de 1968,
foi feita a reforma universitária. Nela situa-se a reformulação do Curso de Pedagogia. Em' 1969 era
regulamentada a Reforma Universitária e aprovado o parecer reformulador do Curso de Pedagogia. O
mesmo prepara predominantemente, desde então, ‘generalistas1, com o título de especialistas da
educação, mas pouco prepara para a prática da educação. (Urban, 1985: 5)

A introdução da Supervisão Educacional traz para dentro da escola a divisão social do trabalho no
campo pedagógico, ou seja, a divisão entre os que pensam, decidem, mandam e se apropriam dos frutos, e os
que executam, uma vez que até então, o professor era o ator e autor de suas aulas, sendo que, a partir daí,
entre ele e o seu trabalho passa a colocar-se a figura do ‘técnico’.

11 Eram comuns a utilização de termos como input, output, feedback. A instrução programada era talvez o modelo mais acabado
desta visão.
12 Influenciadas pelas taxionomias, havia grande ênfase na elaboração dos objetivos; alguns autores chegaram a calcular: para
sete unidades temáticas, levando em conta os vários níveis da taxionomia, o professor teria, para um ano de trabalho, cerca de 4.
200 objetivos comportamentais..., o que acabava, conseqüentemente, ocupando as melhores energias e desviando a atenção do
essencial: a própria prática pedagógica.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

Comprometido com a estrutura de poder burocratizada de onde emana a fonte de sua própria autoridade
individual, o supervisor escolar tende a ‘idiotizari o trabalho do professor porque, tal como na situação
industrial, ‘não se pode ter confiança nos operários’ (...) A incompetência postulada do professor se
apresenta assim como a ‘garantia ’ perversa da continuidade da posição do supervisor, de vez que
inviabiliza a discussão sobre sua competência presumível e sobre a validade de sua contribuição
específica. (Silva, 1984: 105)

O saber do professor foi sendo paulatinamente desvalorizado, levando-o a uma perda de confiança
naquilo que fazia. Paralelamente, criou-se um mito em tomo do planejamento, como se planejar levasse
necessariamente a acontecer, o fato de se ter feito um bom plano garantiria automaticamente’ uma boa
prática pedagógica: “Em outras palavras, ensina bem o professor que planeja bem o seu trabalho,
entendendo-se este ‘planejar’ como sendo a elaboração do documento denominado plano” (Fusari, 1984: 33).
Isto se distorceu a tal ponto que alguns professores ou técnicos se dedicavam exclusivamente a elaborar
‘bons planos’, e se sentiam realizados com isto, desvinculando-se da prática efetiva do planejado.
Planejar passou a significar preencher formulários com objetivos educacionais gerais, objetivos
instrucionais operacionalizados, conteúdos programáticos, estratégias de ensino, avaliação de acordo com
objetivos, etc.
Aliado ao processo de desgaste do professor — má formação, má remuneração, falta de condições de
trabalho, etc. —, estava o avanço da indústria do livro didático, como que ‘compensando’ a falta de
condições do professor preparar bem suas aulas. Além disto, do ponto de vista do planejamento, em poucos
anos os livros passaram a trazê-lo pronto, quase que Induzindo o professor à cópia...
Mais recentemente, há um ressurgir desta linha através dos programas de “Qualidade Total”, que
seduzem multas escolas utilizando termos como participação, ser sujeito do processo, representando, no
entanto, uma verdadeira onda neotecnicista, de cunho conservador, visto não colocar em questão os alicerces
do sistema (a serviço de quem? o que qualifica a qualidade?), que apenas administra ‘com mais eficiência’.

c) Planejamento Participativo

Aqui, consciência, intencionalidade e participação são os fundamentos mais marcantes (1984: 30).
Esta nova forma de se encarar o planejamento é fruto da resistência e da percepção de grupos de
educadores 13 que se recusaram a fazer tal produção do sistema, e foram buscar formas alternativas de fazer
educação e, portanto, de planejá-la. O saber deixa de ser considerado como propriedade de ‘especialistas’,
passando-se a valorizar a construção, a participação, o diálogo, o poder coletivo local, a formação da
consciência crítica a partir da reflexão sobre prática de mudança. Tem como objetivo “a transformação das
relações de poder, autoritárias e verticais, em relações igualitárias e horizontais, de caráter dialógico e
democrático” (Pinto, 1995: 178).
Esta perspectiva rompe com o planejamento funcional ou normativo das ias concepções anteriores,
onde as práticas do professor e da escola são vistas como isoladas em relação ao contexto social. Aqui o
planejamento é entendido como um instrumento de intervenção no real para transformá-lo na direção de uma
sociedade mais justa e solidária. E nesta perspectiva que vamos desenvolver nosso trabalho.
Claro está que tais práticas não se sucedem linearmente; pelo contrário, convivem na mesma
realidade e, não raras vezes, no mesmo sujeito. O importante é a tomada de consciência dessas influências e
a definição de uma nova intencionalidade para orientar a prática do planejar.

3.2. Núcleo do Problema do Planejamento

Na tentativa de explicar o desgaste do planejamento junto aos professores, apontamos algumas


contradições nucleares que se configuram como elementos comprometedores de seu sentido e força.

13 Ligados à educação popular, movimentos de base da igreja católica, partidos de oposição aos regimes autoritários.

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a) ldealismo

De um modo geral, nossa cultura está marcada pelo idealismo: conforme análise precedente, há uma
tendência de se valorizar as idéias em detrimento da pratica e mesmo de superestimar o poder das idéias,
como se bastasse uma idéia ara para que, automaticamente, acontecesse a alteração da realidade (patologia
das condutas de idealização — Boutinet, 1996: 8). O planejamento pode estar contaminado por essas
concepções e, dessa forma, também contribuir para a manutenção da situação dominante, já que pode ser a
expressão de uma série enorme de boas intenções, de coisas que gostaríamos de fazer, mas que não têm
menor senso de realidade, que estão totalmente desvinculadas das reais condições materiais e estruturais da
instituição e da sociedade, pois, como afirma Simone Weil (1909-1943) “é preciso conhecer as condições
materiais que determinam nossas possibilidades de ação” (1979: 242).
E comum passar-se a visão de que o planejamento é capaz de ser ‘senhor do futuro’, que “com ele se
é capaz de prever tudo, controlar tudo, modificar tudo segundo esquemas preestabelecidos” (Ferreira, 1985:
46), havendo total ruptura entre o plano e a realidade cotidiana da escola. Ao preencher os formulários de
planejamento, o professor tem a sensação que tudo pode, que é o senhor supremo, que pode decidir livre e
soberanamente. Depois, sem saber porque, as coisas não acontecem...
O tremendo descompasso entre aquilo que é esperado do professor e as condições objetivas de
trabalho que são oferecidas, conforme os depoimentos tão contundentes logo no começo do primeiro capítulo
(o professor sequer têm tempo para poder parar a fim de refletir sobre sua prática), é um forte indicador da
presença deste Idealismo no interior das escolas e do sistema de ensino.
Neste caso, o planejamento cumpre um papel Ideológico, de ocultação das verdadeiras contradições
da realidade, uma vez que somente o enfrentamento dessas contradições, nas suas bases concretas, é que
permitiria a efetiva mudança da realidade, ainda que num nível e ritmo muito aquém do que desejamos. Á
idéia é fundamental no processo de transformação, mas uma idéia articulada à realidade e por ela fertilizada;
o Idealismo é a hipertrofia da Idéia em detrimento da realidade.
Portanto, este é um grande fator de desmoralização do planejamento: ir para o papel e depois não
acontecer!

b) Formalismo

O formalismo, a atividade desprovida de sentido para o sujeito, o burocratismo, com certeza são
outros fatores que podem gerar profundo desgaste da idéia de planejamento. Cumprir prazos não discutidos,
preencher formulários impostos, ter que se adequar a um saber já pronto, ‘técnico’, etc. Paulatinamente, o
professor vai tomando consciência de que o plano é uma prática cartorial, uma exigência formal, mas que
não tem repercussão alguma no cotidiano; a elaboração do plano de ensino fica desconexa, desarticulada
justamente por não haver um plano integral da escola que dê direção, unidade e sustentação a todo trabalho.
A situação de descrença chegou a tal ponto que temos relatos de professores que entregaram o plano
só com a capa de sua disciplina, mas no interior havia o conteúdo de outra, e nunca ninguém questionou...,
ou seja, ficou a certeza de que sequer os planos eram lidos por alguém.
Toda essa distorção na elaboração, naturalmente, acaba levando a um comprometimento da execução
e, portanto, dos resultados, configurando o descrédito a que nos referimos.
Elaboram-se planos — para dar ar de seriedade à instituição —, mas diante das vicissitudes do dia-a-
dia, as reais decisões vão se tomando sem planos (cf. Ferreira, 1985: 46). Isto gera um clima de desilusão.
Quando a ênfase da escola (notadamente coordenação, orientação, direção) está voltada para o apoio
à mudança da prática em sala de aula, até que o professor se dispõe a repensar o 'planejamento'; no entanto,
quando a ênfase está .na ‘escola de papel’, o professor se fecha, não acredita. Constata-se amiúde uma
incoerência entre a importância que a escola diz que o planejamento tem e as condições para se fazer um
trabalho de acompanhamento do mesmo.

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c) Não-participação

O planejamento pode ser utilizado como dispositivo de disciplinamento (cf. Foucault, 1926-1984) de
professores e alunos, como meio de dominação (ao invés de libertação), na medida em que um pequeno
grupo planeja e decide o destino de um grande conjunto de pessoas, que deverão apenas executar, esta-
belecendo um processo de desumanização, de alienação, já que é próprio do ser humano uma unidade, e não
uma separação, entre o pensar e o fazer, o analisar e o decidir, o construir e o usufruir. Tal prática de
planejamento introduz uma cisão na totalidade humana, tendo em vista que as pessoas não participam dos
resultados do próprio trabalho (a não ser em nível mínimo, para uma mera sobrevivência enquanto mão-de-
obra).
E interessante perceber a corriqueira estratégia da dominação: fala-se muito em participação, mas
não se deixa claro em momento algum que o que se espera e necessita é a participação simplesmente na
execução... Como aponta o professor João Bosco Pinto, no artigo já referido, houve uma tentativa de
apropriação da idéia de planejamento participativo pelo governo militar brasileiro, a partir da necessidade de
restabelecer sua hegemonia, ameaçada explicitamente nas eleições de 1974, o que, naturalmente, foi feito
com um discurso geral e abstrato que nada comprometia, embora tivesse a função de buscar o consenso,
como estratégia de legitimação. (Pinto, 1995: 177)
Uma outra prática utilizada por dirigentes sem espírito democrático é propiciar a participação em
algumas questões menores, periféricas, sendo que as essenciais já vêm decididas (‘pseudodemocracia’):
enquanto os professores estão discutindo se a cor da parede da sala deve ser verde ou azul, a mantenedora
está resolvendo fechar um curso ou departamento...
O que ocorre em muitas realidades é que o planejamento por parte do professor é feito ‘para a
escola’ e não para organizar e orientar efetivamente o trabalho, passando a significar ‘prisão’, forma de
controle autoritário.
A não-participação também pode se dar no sentido de reduzir a área de domínio, o âmbito do campo
do planejamento, qual seja, o sujeito/grupo tem liberdade para decidir até um certo nível, mas não participa
do plano mais global. A conseqüência disto é a interferência de instâncias superiores no planejado.
Encontramos a exemplificação deste descompasso nas falas iniciais dos professores, onde a decisão da escola
foi ‘atropelada’ pela da Delegacia de Ensino.

CONCLUSÃO
Na gênese do processo de descrença do professor em relação ao planejamento está uma
fase marcada pela extrapolação do ‘Possível’, ou seja, onde tudo parecia ser muito fácil de realizar (o
papel aceita qualquer coisa...)- Inicialmente o professor foi ‘seduzido’ pelas promessas do
planejamento, como se através dele tudo pudesse ser resolvido. Só que depois, à medida que as
coisas não iam acontecendo, foi desacreditando, se decepcionou, mas continuou sendo cobrado
para que fizesse: caiu-se no vazio do fazer alienado. Deixou de ser uma autêntica elaboração,
tomando-se uma prática mimética.
E claro que esta dinâmica é muito complicada, pois, como se costuma dizer popularmente,
não se pode jogar fora a água suja junto com a criança: a recusa de fazer o plano para o outro acabou
eclipsando o valor do planejamento como método de trabalho.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

Será que o educador não pode dominar o seu fazer? Até quando haverá de continuar nesta
situação? Será possível ao educador, saber o ‘porquê, para quê e como se faz de sua atividade, ou ele
estará condenado a fazer como outros fizeram? Acaso será impossível ao educador superar essa
situação? E certo que não se trata de voltar aos Velhos tempos, mas esta alienação do trabalho peda-
gógico, que tem sua raiz na realidade social alienada e fetichizada, precisa ser enfrentada.
Na representação do professor, o planejamento acabou ficando marcado tanto pelo
‘Impossível’ (não é possível planejar), quanto pelo ‘Contingente5 (não é necessário, da forma como
vem acontecendo não resolve). Nosso desafio é resgatá-lo como ‘Possível’ e ‘Necessário’.
Portanto, a partir da análise feita, fica clara a necessidade de superar a descrença no
planejamento, recuperar seu sentido, a fim de buscar formas alternativas de praticá-lo. A esta tarefa
nos dedicaremos nos próximos capítulos.

Atividades de Síntese
1- Você acredita que a reflexão seja importante nas instituições educacionais? Quais as dimensões que
precisam ser articuladas na reflexão?
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2- Quais as principais queixas dos professores a respeito do planejamento? Você concorda com estas
queixas?
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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

2ª Parte

O PLANEJAMENTO COMO
MÉTHODOS DA PRÁXIS
PEDAGÓGICA

I
Re-significando a Prática do
Planejamento
Qual o sentido do planejar? Por que um sujeito/grupo vai se envolver com este tipo de
atividade? Constatamos aquela ambigüidade nos educadores: ao mesmo tempo em que
aceitam a importância do planejamento, têm também sérias desconfianças; concordam
com a Idéia geral de planejamento (quem não concorda?), mas estão marcados pela
experiência de elaboração de planos burocráticos, formais, controladores. Se o professor
não vê objetivo em planejar, com certeza não irá se envolver significativamente nesta
atividade; pode até fazer para ‘inglês ver’...

Para estabelecer um referencial de comunicação, esbocemos Inicialmente um conceito: planejar é


antecipar mentalmente uma ação a ser realizada e agir de acordo com o previsto; é buscar fazer algo Incrível,
essencialmente humano: o real ser comandado pelo ideal.

De que pressuposto — normalmente implícito — parte-se quando se planeja?

• Planejar ajuda a concretizar aquilo que se almeja (relação Teoria-Prática);


• Aquele algo que planejamos é possível acontecer; podemos, em certa medida, interferir na
realidade.

Re-significar o planejamento para o sujeito implica resgatar sua necessidade e possibilidade, em dois
níveis: um mais geral e outro específico da atividade de planejar.
NECESSIDADE Mudança Querer mudar a realidade; estar vivo, em movimento.
Ponto de partida para todo processo de planejamento

Planejar Sentir que precisa de mediação simbólica para alcançar o


que deseja

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

POSSIBILIDADE Mudança Acreditar na possibilidade de mudança (em geral e


daquela determinada realidade); esperança; abertura
Planejar Ver condições de poder antecipar e realizar a ação

— Quadro: Tarefas implicadas na re-significação do Planejamento—

Planejar, então, remete a: 1- querer mudar algo; 2- acreditar na possibilidade de mudança da


realidade; 3- perceber a necessidade da mediação teórico- metodológica; 4- vislumbrar a possibilidade de
realizar aquela determinada ação. 14 Para que a atividade de projetar seja carregada de sentido, é preciso, pois,
que, a partir da disposição para realizar alguma mudança, o educador veja o planejamento como necessário
(aquilo que se impõe, que deve ser, que não se pode dispensar) e possível (aquilo que não é, mas poderia ser,
que é realizável).

1 -NECESSIDADE DO PLANEJAMENTO

1.1. Pressuposto Fundamental do Planejar:

Necessidade de Mudar

O fator decisivo para a significação do planejamento é a percepção por parte do sujeito da


necessidade de mudança. E claro que se tudo vai bem, se nada há para se modificar na escola, para quê
introduzir este tal de 'plano5? É incrível, mas muitos professores parecem tão satisfeitos — ou alienados... —
com suas práticas que não sentem necessidade nem de aperfeiçoamento. Talvez, se questionados sobre a
escola, até tenham o que dizer; ou não, de medo que dizendo alguma coisa possa sobrar alguma tarefa para
eles... Todo o trabalho da ideologia dominante vai no sentido de anestesiar a percepção das contradições e a
conseqüente necessidade mudança. O ponto de partida é uma pergunta básica: há algo em nossa prática que
precisa ser modificado, transformado, aperfeiçoado? Se não há, não se precisa de projeto. A ausência de
falta, a inapetência (física e/ou intelectual), a ausência de desejo é sinal de estagnação, e, porta ~ de morte.
O que constatamos com freqüência é que há uma descrença anterior e mais profunda, qual seja, não
com o planejamento enquanto tal, mas com a própria educação... (e, em alguns casos, no limite, com a
própria existência: morte do entusiasmo, do espanto, da indignação — cf. Santos, 1996a). Não é possível re-
significar o planejamento em si, isolado da re-significação de estar no mundo e de toda a prática
educacional! O grande nó do planejamento educacional pode estar na morte do autêntico trabalho
pedagógico devido a:

• Fatores exteriores: a falta de condições e de liberdade, a cobrança formal e autoritária do


cumprimento do programa, etc.;
• Fatores interiores: o professor que se entregou, que abriu mão de lutar, de resistir contra as
pressões equivocadas.

Não há processo, técnica ou instrumento de planejamento que faça milagre. O que existem são
caminhos, mais ou menos adequados. De qualquer forma, o fundamento primeiro de qualquer processo de
planejamento está num nível mínimo (considerando que a realidade é sempre contraditória e processual),
pessoal e coletivo, de compromisso (desejo, ética, responsabilidade) e competência (capacidade de resolver
problemas).
A questão do planejamento é desafiadora, pois projetar é para o humano, e não poucas vezes estamos
reduzidos em nossa humanidade, estamos desanimados, descrentes, cansados. Também no meio educacional
— entre professores, membros de equipes de coordenação, direção, mantenedores, pais, funcionários, alunos

14 De certa forma, podemos relacionar estes aspectos com os conceitos de potência

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

—, estão presentes forças de vida e de morte. Chegamos a nos sentir com ausência de desejo: quem quer a
escola? quem acredita na escola como caminho de construção de uma sociedade mais justa? Escola para
quê? Simplesmente como meio de subsistência?
O que dá vida a uma escola? Seria o planejamento? Não podemos ter esta ilusão. São as pessoas, os
sujeitos que historicamente assumem a construção de uma prática transformadora. Antes de mais nada,
precisamos de uma ‘matéria- prima’ fundamental: as pessoas, que buscam, sonham, pensam, interrogam, de-
sejam. Numa concepção libertadora, sujeitos, projeto e organização devem se articular a partir do
fundamental, que são as pessoas, construtoras e destinatárias da libertação.
Não vivemos sem desejo. Precisamos nos aproximar, precisamos somar as forças — ainda que
diminutas — dos que desejam, dos que estão vivos e querem lutar pela vida... Por outro lado, como dizia D.
Helder: “o número de pessoas que querem o bem é muito maior do que a gente imagina”.
Existem várias formas de suicídio [Eros (princípio de ação, desejo, disposição vital) x Thánatos
(impulso de morte, destruição) cf Freud, 1856-1939]: uma delas é nos metermos no trabalho feito loucos e
não pararmos para pensar. Outra é ficarmos sempre reclamando: dá uma sensação de que estamos fazendo
alguma coisa. Aliás, para o sistema é muito bom, é uma forma de se manter pois a queixa funciona “como
lubrificante da máquina inibitória do pensamento”, já que “este lamento impotente confirma e reproduz um
lugar de dependência” (Fernández, 1994: 107), e ainda dá a aparência de ser democrático; tal atitude é
absolutamente ineficaz quando não se tiram conseqüências concretas de organização e ação. Estas evasivas,
no entanto, podem configurar um ciclo vicioso, pois o que dá energia para a ação é a visualização de algo a
ser realizado, um objetivo, uma finalidade; ao não estabelecê-la, vamos tendo menos disposição ainda, e
assim sucessivamente. Romper este círculo necrófilo implica investir num primeiro momento, acreditar, estar
marcado pelo desejo de mudar, pela busca de melhoria, pelo compromisso com a transformação. A questão
essencial, portanto, a ser colocada é:

O planejamento só tem sentido se o sujeito coloca-se numa perspectiva de mudança

Coloca-se então, uma possível situação de prostituição do magistério: planejamos porque outros nos
pedem/obrigam, mas não acreditamos naquilo... Nos vendemos barato; preferimos cumprir rituais formais a
enfrentar conflitos.
O professor deveria se recusar a formalizar planos, enquanto não estivesse convencido. Onde está a
formação para a autonomia? (a começar por ele mesmo!).

— O Educador como Sujeito de Transformação

Para resgatar o lugar do planejamento na prática escolar, há um elemento fulcral que é o professor se
colocar como sujeito do processo educativo. Quem age por condicionamento, não carece de planejamento,
pois alguém já planejou por ele; seres alienados ‘não precisam5 planejar! Muito sinteticamente, podemos
dizer que o indivíduo está na condição de sujeito de transformação15 quanto a uma prática, quando em
relação a ela há um querer (estar resolvido a fazer alguma coisa) e um poder (capacidade de realizar algo).

Querer
Fazer
Poder

O querer é a dimensão relativa às necessidades, ao desejo (eros: vivo desejo, amor), à paixão
(pathos: sofrer, suportar, deixar-se levar por), às emoções, à afetividade, aos valores assimilados. Já os
gregos antigos (Hesíodo e Parmênides) sugeriam que o amor é a força que move as coisas e as conduz e as

15 No presente trabalho, sempre que nos referirmos à transformação estaremos assumindo o sentido de uma mudança em direção a um horizonte de
emancipação humana, pessoal e coletiva, institucional e social.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

mantém juntas; o amor é falta, insuficiência, necessidade e ao mesmo tempo desejo de adquirir e de
conquistar o que não se possui. A ação humana, simbólica ou material, se caracteriza por ser motivada; para
agir, o sujeito precisa desta energia, deste ‘querer5.
O querer, no entanto, não basta. Devemos considerar que o sujeito faz parte de uma realidade maior
e que, portanto, sua ação vai depender também dos condicionantes da mesma, qual seja, para que uma ação
chegue a se realizar, é preciso que seja historicamente possível; em suma, é preciso poder. Esta palavra tem
uma significação muito complexa; aqui estaremos assumindo-a como a capacidade ou possibilidade de agir,
de produzir efeitos, de realizar.
O poder tem uma base objetiva que são as condições para a ação (os meios, os recursos, sejam
materiais ou estruturais), e uma base subjetiva que é o saber (seja na forma de conhecimento, habilidades
e/ou atitudes). Há também aqui uma relação entre estas dimensões, uma vez que a base objetiva, por um
turno, constrange a subjetiva, e, por outro, pode ser alterada justamente pela ação consciente do homem,
portanto, orientada pela base subjetiva.
O quadro a seguir procura sistematizar as várias dimensões envolvidas neste processo.

Campo Área (s) Dimensões

Vontade (motivo mais consciente)

Querer Necessidade

Desejo (motivo mais inconsciente)

Saber • Saber
• Saber Fazer
• Saber ser
Poder

Ter • Recursos Materiais


• Recursos Políticos

— Quadro; Dimensões do Querer e do Poder implicadas na Atividade Humana—

Não podemos partir do pressuposto de que este sujeito de transformação esteja pronto; deve ser
formado, ou melhor, precisa se construir. Para Isto, é fundamental fortalecer seu querer e seu poder.
E interessante observar previamente que há uma dialética entre o possível e o necessário: o fato do
sujeito saber o que lhe é necessário, o provoca a procurar as possibilidades de realizar; o fato do sujeito saber
o que é possível, abre espaço para que necessidades sejam nele geradas (uma vez que a necessidade é sempre
necessidade de algo); é o movimento Interno entre o querer e o poder no sujeito: se não vislumbra
possibilidade de mudança, pode nem se Interessar por ela.
O empenho no ato de planejar depende, antes de mais nada, do quanto se julga aquilo importante,
relevante (corresponde a Interesses do sujeito/grupo): quando há Interesse nos resultados, certamente o
sujeito/grupo vai se envolver no planejamento, a fim de garantir, o máximo possível que o resultado
almejado venha a se concretizar. Quando estudamos processos de planejamento, não deixa de emergir uma
questão: por que na indústria, nas empresas o planejamento é tão enfatizado e valorizado? Poderíamos dizer,
a princípio, porque funciona! E por que funciona? De um lado, é razoável levantar a hipótese de que o
número e a complexidade das variáveis são bem mais limitados.16 Mas de outro lado, uma outra hipótese,
menos simpática, pode ser acionada: o planejamento funciona na empresa porque há um forte interesse nos
resultados (no mínimo, do proprietário), enquanto que na escola...
Há uma assertiva popular de que “querer é poder”. Esta é uma visão voluntarista, na medida em que

16 Na escola, ao invés de se reconhecer esta dificuldade e ir fii__Jo na Investigação, parte-se logo para a
improvisação.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

nega as exigências implicadas na realização deste querer. Entendemos que querer é condição necessária para
começar a criar um novo poder, a fim de enfrentar os poderes estabelecidos, mas não é suficiente»
O professor precisa interromper o cruel processo de imbecilização, de destruição a que vem sendo
submetido. Precisa resgatar-se como autor, como sujeito, como ser autônomo, para, enfim, resgatar sua
dignidade. E o planejamento pode ser um valiosíssimo caminho para isto, pois ajuda a superar o processo de
alienação, qual seja, fazer com que o professor, enquanto ser consciente, não transforme “sua atividade vital,
o seu ser, em simples meio da sua existência” (Marx, 1989: 165). A superação da alienação não pode ficar
restrita, obviamente, ao planejamento consciente da atividade de sala de aula; vai implicar a intervenção do
professor na escola, na comunidade e na sociedade no seu aspecto mais geral (vários níveis de luta).
Desta forma, se “o objetivo principal do projeto educativo emancipatório consiste em recuperar a
capacidade de espanto e de indignação e orientá-la para a formação de subjetividades inconformistas e
rebeldes” (Santos, 1996a: 17), isto deve se dar, antes de tudo — e até como condição de possibilidade —, no
próprio educador!

1.2 Planejamento como Necessidade do Educador

Os autores mais progressistas, ao abordarem a problemática, lembram que, antes de ser uma mera
questão técnica, o planejamento é uma questão política, na medida em que envolve posicionamentos, opções,
jogos de poder, compromisso com a reprodução ou com a transformação, etc. Isto é um avanço, mas ainda
não dá conta da sua significação. Para ter sentido, o enfoque do planejamento, com efeito, necessita deste
deslocamento. Todavia não basta trabalhar numa nova abordagem; é preciso trabalhar também a descrença
que o professor traz, portanto, a percepção, o conhecimento, as representações prévias que já tem quanto ao
planejamento. Há, então, esta questão mais elementar hoje colocada, que é a valorização do planejamento, o
estar mobilizado para fazê-lo, entendê-lo realmente como uma necessidade. Trata-se de um problema filosó-
fieo-axiológico, de posicionamento valorativo, de ver sentido, acreditar. O planejamento é político, é hora de
tomada de decisões, de resgate dos princípios que embasam a prática pedagógica. Mas para chegar a isto, é
preciso atribuir- lhe valor, acreditar nele, sentir que planejar faz sentido, que é preciso. O primeiro passo,
portanto, é chegar ao ponto do:

Planejamento ser necessidade do professor!

— Da Necessidade de Planejar

Por que o planejamento é necessário? Se o ponto de partida, se a motivação primeira do planejar é o


desejo de mudança da realidade, é preciso perceber que esta mudança não se dará 1- espontaneamente (o que
transforma a realidade são as ações), 2- apenas com boa vontade (não é qualquer ação): há uma lógica dada
que caminha em sentido contrário ao da humanização que estamos buscando. Uma clareza deve ser
resgatada: a reprodução, o ensino desprovido de sentido, pode existir sem planejamento, todavia a recíproca
não é verdadeira: se desejamos uma educação democrática, temos que ter um projeto bem definido nesta
direção. Se deixarmos a 'coisa rolar’, se não adotarmos uma intervenção consciente e crítica, o que teremos
será a reprodução do mundo que está dado (império do determinismo), que tem suas estruturas, seus
condicionantes, que se traduzem em práticas sociais, formas de organização do espaço-tempo-recursos,
símbolos, leis, normas, rotinas, etc. Portanto, por si, as coisas tendem a serem repostas, dada a ‘engrenagem5
montada (que, provavelmente, corresponde a uma Intencionalidade do passado). E como se ganhassem 'vida
própria5; precisamos considerar, todavia, que esta 'engrenagem’ é alimentada, é sustentada muito
concretamente pela ação — alienada — dos homens ali presentes. A medida que o Indivíduo/grupo não
conhece os fatores condicionantes mais essenciais, agindo de forma Imediata, sob a pressão de

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

determinações que lhe são desconhecidas 17 , menos sujeito é da história, mais determinado está. "As ciências
da planificação permitiram, sobretudo, que o homem se apercebesse da natureza e dos mecanismos das
determinações que condicionam sua vida, controlando e manipulando estas em favor dos seus projetos55
(Carvalho, 1992: 137).
Guiado pelo projeto, o educador pode agir sobre si mesmo e sobre as condições reais de sua
existência.
Não podemos ser ingênuos: para estabelecer uma outra ordem nas coisas, há necessidade de uma
ação numa determinada direção, pois não é uma ação qualquer que nos levará ao que desejamos.

Mesmo quando as condições histórico -sociais de uma determinada sociedade estão deterioradas,
marcadas pela degradação, pela opressão e pela alienação, como é o caso da sociedade brasileira, o
projeto educacional se faz ainda mais necessário, devendo se construir então como um projeto
fundamentalmente contra-ideológico, ou seja, desmascarando, denunciando e criticando o projeto
político opressor e anunciando as exigências de um projeto político libertador. (Severino, 1998: 82)

O sistema dominante disponibiliza leituras de realidade, fins e meios; só que estes não são neutros,
evidentemente. Se não damos uma direção à nossa ação, se não temos um projeto claro, com certeza (pela
característica teleológica do homem), sem 'projeto5 é que não agimos; alguém está nos dirigindo.
A perspectiva de superação implica, então, a mediação teórica que deve dar conta da qualificação da
ação de intervenção e da complexidade do campo da ação. Precisamos, pois, planejar em função da:

□ Qualificação da Ação (intencionalidade);


□ Complexidade do Real.

a) Qualificação da Ação

O que importa é a ação! A ação é o elemento fundamental definidor dos sujeitos e das instituições. O
objetivo de todo processo de planejamento é chegar à ação. Como dizem muitos professores 'O importante é
a prática’; estamos de acordo. Mas se fosse só isto, tudo estaria resolvido, pois o que não falta nas
instituições educacionais é prática... Alguém pode afirmar: “O que Importa é que estamos fazendo, mesmo
não tendo o projeto...” Cuidado: fazendo todo mundo está, toda escola, mas o que está se obtendo? Para onde
estão indo? Um outro pode dizer: “Se as coisas vão indo bem sem o planejamento mais consciente, Isto
significa que podemos esquecê-lo”. Só gostaríamos de lembrar de um detalhe: o julgamento de que 'as coisas
vão indo bem’ não pode ser feito apenas pelo professor; há que se consultar todos os envolvidos,
especialmente os alunos...
A questão é o tipo, a qualidade da prática. A análise de processos de mudança traz uma clara
constatação: não basta qualquer ação. Não pode ser qualquer ação, pois não temos qualquer finalidade, e não
partimos de qualquer realidade (pessoas, recursos, instituição, comunidade, sociedade).

•A realidade não é qualquer e não queremos uma mudança qualquer

•A ação a ser desenvolvida não pode ser qualquer

•A ação humana consciente está sempre pautada numa certa elaboração teórica

Mediação Simbólica -> Nova Intencionalidade

— Esquema: Ação e Mediação Simbólica –

17 Cf. Karl Mannhein, Ideologia e Utopia.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

Um dos grandes desafios da instituição ou do sujeito é justamente chegar a uma ação que seja eficaz,
Inovadora (tendo como referência um projeto de emancipação humana). Reiteramos: ações, práticas temos o
tempo todo; o que nos Interessa enquanto Instituição é chegar a uma ação qualificada: ação
transformadora. A questão é ter a prática adequada, fazer 'a coisa certa’: momento, conteúdo, forma e
postura adequados (quando, o quê, como, para quê). Como chegar, então, a uma ação transformadora? Sorte?
Mera Intuição? Repetição do que vem sendo feito? Se entregar ao destino? Ensaio e erro? Ajuda dos deuses?
E claro que podemos chegar, propor uma ação e esta ser a 'certa’, em função de nossa experiência, intuição,
etc. Ocorre que historicamente não é isto que em geral se dá. O que estamos procurando é um caminho mais
seguro, que possa utilizar o arcabouço científico para nos fazer sofrer menos (cf. Brecht, 1898-1956). Isto
não exclui, obviamente, a Intuição, mas ao contrário, lhe dá suporte, sustentação. O planejamento se coloca
como uma ferramenta para isto. A ação a ser desencadeada deve estar atravessada, pois, por uma
intencionalidade, sendo fruto de uma proposta. Coloca-se aqui a necessidade da mediação simbólica, da
teoria, de um método de trabalho, que ajude a superar a apreensão vulgar, imediata da realidade e permita
nela Interferir.

Relação Teoria-Prática: em busca da Práxis

Tem sido comum ouvirmos dos professores afirmações do tipo: ‘Ah, teoria nós já temos; queremos a
prática’, refletindo uma descrença e uma certa fobia à teoria, paradoxalmente, visto que a escola deveria ser
um dos espaços por excelência para cultivá-la. Questionamos: temos, com efeito, teoria ou um blablablá
desenfreado, uma colcha de retalhos de fragmentos de discurso? Pois. a teoria, se é teoria mesmo,
forçosamente é ligada à prática 18. Como dizia Paul o Freire (1921-1997): nada mais prático que uma boa
teoria. Teorizar é iluminar a ação, é decifrá-la, é apreender o movimento do real, portanto, algo por essência
relacionado à prática.
A nossa hipótese é de que falta teoria, embora abunde discurso... O professor fica com uma certa
elaboração 'teórica’ que não dá conta da realidade. Temos, isto sim, como apontamos, muita plasticidade no
discurso: um dia, éramos tradicionais, outro dia, modernos, outro dia tecnicistas, etc. Assimilamos a nova
retórica com uma enorme facilidade, às vezes até de forma ingênua, deslumbrada ou dogmática. Todavia,
isto não significa mudança profunda de concepção (prova disto é a rigidez da prática), mas apenas mudança
de discurso; é a apropriação de palavras, são os modismos 19. Fazemos isto não ‘por maldade , mas por uma
autêntica situação de busca, frente às dificuldades da sala de aula, ou ainda uma forma de sobreviver sem
muito conflito com as diferentes administrações, cada uma querendo deixar sua marca 20. Corremos o risco,
no entanto, de criarmos certas aberrações metodológicas. As palavras foram prostituídas... O discurso novo
sai muito fácil; talvez até como forma de se tentar encobrir o que é intuído de início: a prática nanica que se
tem/terá (quem sabe esperando um certo milagre de que, pelo fato de se estar dizendo, ‘automaticamente’
comece a acontecer...). Daí vem o drama: tudo resolvido no discurso os problemas continuando no
concreto...
Por outro lado, a rigor, não há prática (no sentido ético ou técnico) puramente material, que não
esteja vinculada a alguma elaboração teórica, a algum nível representacional (cf. Gardner, 1995: 403); existe
sempre a presença de um mínimo de consciência, do elemento teórico: “a existência dos homens se dá
sempre no duplo registro da objetividade/subjetividade, de modo que estão sempre lidando com uma
objetividade subjetivada e com uma subjetividade objetivada” (Severino, 1998: 86).

A práxis, com efeito, é uma passagem do objetivo ao objetivo pela interiorização; o projeto, como
superação subjetiva da objetividade em direção à objetividade, tenso entre as condições objetivas do

18 Desde sua origem grega: teoria como visão de um espetáculo (os jogos ou festivais públicos); no nosso caso, o espetáculo seria a própria
realidade que está sendo pesquisada. E certo que depois houve uma distorção metafísica, mas que a epistemologia dialética procura superar.
19 E claro que por detrás deste problema há uma questão epistemológica: a complexidade do nosso objeto de trabalho, a história de constituição
das ciências da educação quase sempre apoiadas em outras ciências, etc. Ver, por exemplo, Gimeno Sacristán, 1983.
20 “O que ‘eles’ querem ouvir? E isto que vou dizer...” Algo semelhante ao que ocorre em sala de aula com o aluno: aprende a dizer o que o
professor quer ouvir para poder sobreviver.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

meio e as estruturas objetivas do campo dos possíveis, representa em si mesmo a unidade em


movimento da subjetividade e da objetividade estas determinações cardeais da atividade. O subjetivo
aparece, então, como um momento necessário do processo objetivo. (Sartre, 1978: 154)

O que acontece é que a unidade teoria-prática pode ocorrer de forma mais ou menos precária. Assim,
ao contrário do senso comum, podemos dizer que na prática a teoria é aquela que de fato assimilamos,
ainda que não seja aquela que desejaríamos. Se no processo de planejamento estamos visando um certo tipo de
ação, precisamos então buscar a teoria que a fundamente e, sobretudo, que possa servir de guia para a
prática.
A relação teoria-prática é uma, e apenas uma, das relações que interferem na prática. Na verdade, a
prática tem relações com o contexto maior, com as estruturas da instituição, com as necessidades biológicas,
vontades e desejos dos sujeitos, além da relação com a teoria. Assim, a teoria (projeto) deve ser a melhor
possível, não caindo, porém, na ingenuidade de imaginar que basta planejar para acontecer: tendo em vista as
diferentes visões e opções, bem como o já referido processo de alienação, há toda uma luta ideológica,
política, econômica, social a ser enfrentada, seja consigo mesmo, com os colegas de trabalho, com os
educandos, com as famílias e com as instituições em geral.

A teoria em si (...) não transforma o mundo. Pode contribuir para sua transformação, mas para isso
tem que sair de si mesma, e, em primeiro lugar, tem que ser assimilada pelos que vão ocasionar com
seus atos reais, efetivos, tal transformação. Entre a teoria e a atividade prática transformadora se
insere um trabalho de educação das consciências, de organização dos meios materiais e planos
concretos de ação. (Vázquez, 1977: 206)

Devemos considerar que o que modifica efetivamente a realidade é a ação e não as idéias. No
entanto, a ação sem idéia é cega e ineficaz. O que visamos e a práxis: “...a praxis é, na verdade, atividade
teórico-prática; ou seja, tem um dado ideal, teórico, e um lado material, propriamente prático, com a
particularidade de que só artificialmente, por um processo de abstração, podemos separar, isolar um do
outro” (Vázquez, 1977: 241).
A consciência pode ser uma contradeterminação em relação à determinação da prática social
alienada, pois se isto não fosse possível, não haveria, como tem havido, mudanças históricas. A teoria pode
ser um elemento importante na alteração da realidade econômica, social, política e cultural. Mas “esse fator
subjetivo só pode ser decisivo sob a condição de integrar-se no movimento dos fatores objetivos” (Vázquez,
1977: 39).
Será que na educação estamos precisando de uma nova relação de idéias sobre a realidade ou de uma
nova relação com as idéias e com a realidade? (cf. Vasconcellos, 1998a: 53). Nos parece fundamental
pararmos de ficar correndo atrás de modismos e levar a sério algumas idéias que acreditamos, tentar trans-
formar a prática, buscar concretizar. Até porque, sabemos que se não houver uma mudança da prática do
sujeito, aquela consciência inicial não se ‘consolida’, se volatiliza e o sujeito volta a ser determinado por sua
existência (não transformada, anterior).
Neste sentido, deve ficar claro que o projeto em si não transforma a realidade; não adianta ter planos
bonitos, se não tivermos bonitos compromissos, bonitas condições de trabalho sendo conquistadas, e bonitas
práticas realizadas. O que vai, de fato, orientar a prática é a teoria incorporada pelos sujeitos. Por Isto, não
adianta um belo texto, mas que não corresponde ao movimento conceituai do grupo.

O Planejamento como caminho de Teorização para o Professor

O planejar, no sentido autêntico, é para o professor um caminho de elaboração teórica, de produção


de teoria, da sua teoria! E evidente que, num ritual alienado, quando multo, o que pode acontecer é tentar
aplicar, ser um simples 'consumidor5 de idéias/teorias elaboradas por terceiros; mas quando feito a partir de
uma necessidade pessoal, o planejamento torna-se uma ferramenta de trabalho intelectual.
Poderíamos resgatar aqui algumas reflexões sobre a relação entre pensamento e linguagem, situando

29
Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

o planejamento neste contexto. Entendemos que, assim como a linguagem, o planejamento desempenha duas
funções básicas: instrumento e interação (comunicação)33 de pensamentos. Faremos na seqüência referência
à primeira função, e mais adiante, à outra.

— O Planejamento como Instrumento de Pensamento

A teoria dialética do conhecimento nos revela que o sujeito, à medida que vai conhecendo algo, tem
necessidade de Ir expressando — de alguma forma (sendo a linguagem verbal uma forma privilegiada) —
aquilo que está se apropriando. Podemos recorrer à função analítica a que se refere Luria (1987); falar não é
só repetir/expressar o pensamento, mas como que se antecipar a ele, ou seja, a palavra cumpre a função de
organizar o pensamento para poder ser devidamente assimilado. O professor deve compreender que a
expressão (oral, escrita) não. é apenas um meio de comunicação, é também um instrumento de
pensamento; esta é a função mais sofisticada da linguagem (enquanto generalização do pensamento,
categorização, instrumento de mediação na relação do sujeito com o mundo). Por Isto se percebe que
embora, a partir de certo ponto do desenvolvimento, pensamento e linguagem formem uma unidade, não são
idênticos. Algo semelhante se observa no processo de desenvolvimento da criança, quando antes de fazer
algo, diz em voz alta. Entraria aqui uma das funções da linguagem: a de planejamento.

— Pensamento-Linguagem

A relação entre o pensamento e a palavra é um processo, um movimento contínuo de vaivém do


pensamento para a palavra, e vice-versa. A palavra não simplesmente a expressão do pensamento; é por meio
das palavras que o pensamento passa a existir. O pensamento procura solucionar um problema e por isto
estabelece uma relação entre as coisas. O estudo do fluxo do pensamento pede investigação sobre suas fases
de elaboração, antes de ser externalizado.
Inicialmente, deve-se distinguir dois planos da fala: o interior — semântico .. significativo — e o
exterior — fonético — ; eles formam uma unidade, mas têm suas leis próprias de movimento. A fala Interior
é para si próprio; a fala exterior é para comunicação com os outros. Esta diferença funcional afeta a
estrutura de ambas.
O processo de pensamento não é idêntico ao da fala. Assim, por exemplo, um pensamento é
concebido como um todo; depois o sujeito expressa-o em . palavras separadas pela própria contingência da
linguagem, sendo que a transição do pensamento para a palavra passa pelo significado. Mas se quisermos ir
mais fundo ainda na análise, temos que procurar os motivos de um pensamento: “urna compreensão plena e
verdadeira do pensamento de outrem só é possível quando entendemos sua base afetdvo-volitiva” (Vygotsky,
1987: 129).

— Determinação da Síntese

Enquanto a síntese (no caso, o projeto) está 'na cabeça’, pode ainda incorrer em certo grau de
generalidade, de abstração, ao passo que ao se realizar a exposição material, o sujeito se obriga a uma
formatação, a uma objetivação, a uma sintetização conclusiva, específica. Pode acontecer da expressão
material (fala, escrita, etc.) ser simples reprodução da síntese mental (o que significa que da foi feita com
bom grau de concretude); multas vezes, no entanto, o que ocorre é que no momento da exposição, o sujeito
apercebe-se que as relações, as articulações não estão tão claras assim. Desprezar a exposição material seria
supervalorizar a elaboração mental do indivíduo, além de negar a possibilidade de reconstrução e de
interação social (cf. Vasconcellos, 1999: 94-95).
Nos sistemas burocráticos de ensino, baseados na 'pressa’, no formalismo ou nas cobranças
autoritárias, há o risco do professor não elaborar sua síntese, e sua exposição (plano) ser mera reprodução
mecânica de outros planos ou mesmo do livro didático.
Estamos de acordo no que diz respeito ao fato de que o professor deve ter, e saberes sobre o objeto

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

que ensina; mas como é que vai organizar isto na ordem da exposição? Não basta dominar o assunto.
Planejar ajuda a 'fluir5 de maneira lógica (o que vem antes, o que vem depois) e significativa (o que é
relevante, o que está de acordo com realidade e necessidade do grupo). São conhecidos os casos de
professores que, segundo o reconhecimento dos próprios alunos, dominam multo bem o que ensinam, mas
'não conseguem transmitir5. De fato, não há uma relação-linear entre uma coisa e outra: se o professor não
planejar, e muito bem, todo o seu domínio de conteúdo pode ficar trancado, não conseguir estabelecer a
ligadura’ com os alunos, frustrando a intencionalidade do ensino que é a aprendizagem. Nesta medida, o
planejamento pode ser, pois, uma forma de organizar o pensamento do professor tendo em vista a prática
pedagógica. Planejando e avaliando, poderá ir se aproximando de uma forma mais apropriada de trabalho.
No próximo capítulo voltaremos a esta questão da intencionalidade e do seu papel no planejamento.

b) Complexidade da Prática Educativa

A necessidade do planejamento está relacionada também à complexidade da ação a ser desenvolvida,


que decorre, basicamente, do:

• Objeto — complexidade da atividade em si;



21
Processo — nível de abrangência.

— Complexidade da Realidade em Geral

Se a realidade nos fosse dada imediatamente, não precisaríamos da reflexão teórica, os fenômenos se
revelariam de maneira direta à nossa sensibilidade, ficando fácil intervir para obter o que quiséssemos. O que
de fato acontece é que, se desejamos compreender um fenômeno, temos que ir além de sua aparência, ou
seja, ir além da maneira como se nos revela num primeiro momento, captar suas leis de desenvolvimento,
sua essência 22 (a aparência faz parte da essência, mas absolutamente não a esgota). Todo dia o Sol se levanta
e o Sol se põe; é ‘óbvio’, portanto, que o Sol gira em tomo da Terra... A aparência freqüentemente mais
oculta do que revela a essência.

A ciência parece um paradoxo e está em contradição com as observações da vida cotidiana. Parece
também paradoxal que a Terra gire ao redor do Sol e que a água seja formada por dois gases
altamente inflamáveis. As verdades científicas serão sempre paradoxais, se julgadas pela experiência
de todos os dias, a qual somente capta a aparência enganadora das coisas. (...) Toda ciência seria
supérflua se a essência das coisas e sua forma fenomênica coincidissem diretamente. (Marx, 1978: 79;
O Capital, III, 2)

Na verdade, vivemos, cotidianamente, na pseudoconcreticidade de que fala Kosik:

O complexo dos fenômenos que povoam o ambiente cotidiano e a atmosfera comum da vida humana,
que, com a sua regularidade, imediatismo e evidência, penetram na consciência dos indivíduos
agentes, assumindo um aspecto independente e natural, constitui o mundo da pseudoconcreticidade.
(1985: 11)

No enfrentamento do real, percebemos que a natureza tem sua estrutura, suas leis, e que a
humanidade (pessoal e social) está marcada por conflitos de Interesses, de forma que oferecem resistência ao
desejo do homem na sua ação sobre o mundo. Como já apontamos, não temos o controle de todas as
variáveis, não podemos simplesmente ‘imprimir forma5 do jeito que desejamos. Diante da ‘resistência5 da
realidade, temos necessidade de conhecer seus múltiplos nexos, para possibilitar a inserção crítica no
processo. E como aponta Marx (1818- 1883) na Introdução à Crítica da Economia Política, o concreto é

21 Se o processo da atividade a ser desenvolvida for coletivo, demanda maior articulação, organização, registro.
22 Estamos assumindo essência não no sentido metafísico (algo já pronto e estático, que restaria ‘descobrir’), mas dialético
(conjunto de relações que caracterizam, determinam historicamente o objeto, portanto, uma construção).

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

síntese de múltiplas determinações e não aquilo que se nos apresenta logo de Imediato (empírico).
O mundo presente, com toda sua trama de relações, nos desafia, e a teoria deve ser elemento
decifrador e orientador da prática histórica. Eis uma grande tarefa para o planejamento.

— Complexidade da Realidade Educacional

O campo sobre o qual incide o planejamento educacional é de fato extremamente complexo, sendo
difícil apreender seus determinantes. Talvez aí esteja uma das dificuldades do professor, diferente do
planejamento em outras áreas (engenharia, odontologia 23, p. ex.), onde é mais fácil controlar as Variáveis5 e
se chegar ao resultado esperado.
No caso da educação escolar, temos a dupla fonte de complexidade: objeto e processo. Precisamos
tomar consciência de que nosso trabalho é dos mais intrincados do ser humano: trata-se da formação da
consciência, do caráter e da cidadania, ao mesmo tempo, de 20, 30, 40 pessoas; por isto exige também um
planejamento à altura. Estamos partindo, pois, do pressuposto de que a tarefa de educar é por demais
importante e complexa para ser decidida e feita Isoladamente, na improvisação, ao acaso, na base do
‘jeitinho”.
Um outro fator pode ser considerado: a escassez de recursos: quanto menos recursos disponíveis se
tem, maior a necessidade de planejar para poder aproveitá-los melhor.

— Complexidade do Planejamento

Como apontamos na lª parte, uma das queixas dos professores recai sobre a complexidade do
planejamento. A rigor, poderíamos dizer que o planejar em si não seria tão complicado assim: bastaria
responder 5 ou 6 perguntas (porquê, para quê, o quê, como, com que, etc.). Acontece que complexa é a
realidade sobre a qual incide o planejar: “o difícil não é” saber como planejar. E conhecer “ o que se planeja”
(Ferreira, 1985: 58).
Neste sentido, uma pergunta não deixa de vir à mente, quando ouvimos os professores afirmarem
que desejam um planejamento ‘simples5: acaso a NASA (agência espacial norte-americana) pode fazer um
planejamento ‘simples5 para o lançamento de um foguete? Nos perguntamos, então, o que seria mais comple-
xo: o lançamento de um foguete ou a formação de um ser humano?... “Não temos dúvidas em afirmar que a
mais complexa das empresas é muito mais simples, do ponto de vista do projeto que persegue, do que a mais
simples das escolas” (Machado, 1997: 38).
Por outro lado, podemos entender o que está por detrás da solicitação dos professores: que o
planejamento não seja artificialmente complexo (muito minucioso, detalhista), vale dizer, ser tal que tenha
significado para os professores e não apenas para a equipe técnica da escola. Como dizia Albert Einstein
(1879- 1955): “Devemos simplificar o máximo possível; porém, não mais que o possível!”, pois cairíamos
no simplismo. Bachelard também alerta para a impossibilidade de uma eventual ilusão de 'caminho rápido5
para se chegar a uma forma simples de planejar: “não se poderá delinear o simples senão após um estudo
aprofundado do complexo” (1978: lóó).
Outro elemento que complexifica demais é a dimensão coletiva do trabalho educativo; se fosse uma
atividade de cunho individual, poderia até ser mais. fácil planejar, já que bastaria a percepção de
necessidade, objetivo e plano de ação por parte do professor. Mas mesmo assim, não podemos nos iludir,
tendo em vista a ecologia cognitiva: “Quem pensa? (...) O pensamento se dá em uma rede na qual neurônios,
módulos cognitivos, humanos, instituições de ensino, línguas, sistemas de escrita, livros e computadores se
interconectam, transformam e traduzem representações” (Lévy, 1993: 135). Quando entramos na esfera do
trabalho de grupo, estas três dimensões da elaboração já devem passar pelo crivo de todos, o que vai exigir a
explicitação de cada um, o registro, a negociação, etc.

23 O dentista é capaz de mostrar na tela do computador como vai ficar a restauração a ser feita e ainda oferecer diferentes
opções...

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

— O Planejamento como Instrumento de Comunicação

Trazemos agora a complementação da reflexão anterior sobre a aproximação entre planejamento e


linguagem. A elaboração do planejamento por parte do professor é basicamente um fenômeno mental, o que,
naturalmente, dificulta a interação com os demais sujeitos participantes. Embora, no dia-a-dia, o professor
entre sozinho na sala de aula, está, na verdade, sendo portador de um projeto que é coletivo e que, por sua
vez, responde a uma delegação da sociedade no sentido da formação das novas gerações; há, portanto, um
caráter público na sua atividade. Daí a demanda de explicitação (oral, escrita, gráfica) como suporte da
comunicação.
O Projeto Político-Pedagógico (ou Projeto Educativo), além de permitir a interação de pensamentos
entre seus agentes construtores, favorece a interlocução com a comunidade, com os órgãos responsáveis pelo
sistema educacional e com a sociedade no seu conjunto (a quem possa interessar). Já o Projeto de Ensino-
Aprendizagem, enquanto explicitação da proposta de trabalho, possibilite estabelecer a comunicação com os
outros professores, visando a integração curricular, bem como a evitar as desnecessárias repetições ou os
vazios curriculares (um acha que o outro vai dar determinado conceito); permite ainda uma melhor
comunicação com os alunos (conhecendo-os, explicitando objetivos, etc.), propiciando sua participação mais
efetiva em aula e na própria construção da proposta.

2 -POSSIBILIDADE DO PLANEJAMENTO

Nenhuma pessoa de bom senso se envolve numa atividade sem previamente avaliar sua viabilidade.
Portanto, antes de fazermos maiores ponderações sobre a prática do planejamento, precisamos passar pela
análise de sua própria possibilidade: até que ponto é possível planejar, qual seja, até que ponto é possível
antecipar e realizar uma determinada ação desejada? Como apontamos, este questionamento é precedido por um
outro que tange a possibilidade de mudança ela realidade em geral

2.1. Possibilidade de Mudança em Geral

A realidade que nos cerca, em função de suas gritantes e desumanas contradições, aponta para uma
urgente necessidade de mudança. Paralelamente, existe um desejo, em muitos educadores, de sair dessa
situação e ir para uma melhor. Vem então a questão: é possível? “E evidente, com efeito, que a atualização
de uma ação ou de uma idéia pressupõe que antes de tudo elas tenham sido tornadas ‘possíveis’...” (Piaget,
1985: 7). A resposta a esta pergunta não pode ser dada de forma idealista, onde, por uma espécie de
imperativo categórico, a pessoa afirma: ‘Sim, é claro que é possível’. Para superar este viés, há que se
recorrer à análise histórica e ao contexto concreto em questão.

Vivemos um tempo paradoxal. Um tempo de mutações vertiginosas produzidas pela globalização, a


sociedade de consumo e a sociedade de informação. Mas também um tempo de estagnação, parado na
impossibilidade de pensar a transformação social, radical. Nunca foi tão grande a discrepância entre a
possibilidade técnica de uma sociedade melhor, mais justa e solidária e a sua impossibilidade política.
(Santos, 199óa: 15)

— Atitude diante da Realidade

As idéias que nos habitam não nos são indiferentes: a luta inconsciente ou ainda-não-consciente
entre as forças de vida e de morte delas se apropriam; precisamos, pois, estar atentos às nossas
representações, à nossa visão de mundo.
Existe uma forma de abordar a realidade que a divide entre o bem e o mal, o positivo e o negativo, a
teoria e a prática, o tudo e o nada, o social e o individual, etc., de forma dicotômica, maniqueísta, dualista,
como se essas coisas ocorressem em ‘estado puro’, isoladas umas das outras, em pólos antagônicos

33
Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

irreconciliáveis, irredutíveis. “Maneira de pensar onde a pessoa vê a realidade em pólos opostos e distintos,
negando completamente a complementaridade entre eles” (Grupo Tao, 1996: 72). Faz um julgamento
apressado, estereotipando, rotulando, imobilizando o real como forma de obter segurança em vista da sua
complexidade, não dando conta das contradições e da sua superação. Essa concepção linear, mecanicista,
reducionista, corre o risco de levar a duas posições equivocadas:

• Sob a marca do Possível — Voluntarismo: exacerbação da vontade do sujeito,


desconsiderando os limites e a influência da realidade;
• Sob a marca do Impossível — Determinismo: exaltação dos limites e influência da realidade,
desprezando a força da ação consciente e voluntária, bem como a possibilidade de sua
articulação (cf. Vasconcellos, 1998c: 22).

Embora tenham enfoques diferentes, estas duas posturas acabam levando ao imobilismo. A segunda,
obviamente, por ser uma atitude mecanicista e demissionária (pessimista, desesperançosa, niilista, de caráter
conformista e fatalista); a primeira, por passar a idéia que mudar é muito fácil: quando se tenta mudar,
emergem as dificuldades para as quais não se estava preparado, levando, em pouco tempo, ao desânimo, à
frustração, e por fim à acomodação. E Interessante observar também que no cotidiano escolar uma acaba
realimentando a outra: um professor julga que o colega está sendo muito otimista e resolve carregar nas
tintas do pessimismo, o que levará à reação do outro para compensar, e assim por diante. Devemos
reconhecer no entanto que nos dias correntes a postura fatalista tem sido hegemônica: paira um clima muito
forte de desencantamento, chegando mesmo a uma atitude futuricida (cf. Santos, 1996b: 322), onde muitos
dos educadores mais avançados se apegam a um certo pós-modernismo que assume a morte do futuro para
gozar o presente, os mais conservadores se apegam nostalgicamente ao passado, e uma grande massa fica
desorientada por não vislumbrar perspectivas para o amanhã.

— Dialética Possível-Impossível

Há, porém, uma forma superadora de enfrentar a realidade, na qual leva-se em conta a complexidade
contraditória da totalidade do real: compreende-se que não há negatividade ou positividade ‘pura5, mas
positividades e negatividades interagindo dinamicamente na realidade mesma; num dado momento histórico,
é possível identificar qual a polaridade dominante, contudo sem deixar de percebê-la inserida no movimento,
no jogo de contradições presentes nos fenômenos. O que se busca é a ultrapassagem desta oposição
dicotômica e estéril entre realidade e vontade, entre o dado e o desejado, pelo reconhecimento de que estes
aspectos fazem parte do real e de que precisam se articular e não se excluir mutuamente.
Trata-se de uma postura crítica (porque procura desvendar o funcionamento do real) e
transformadora (porque procura interferir no seu processo), que integra os dois momentos: a análise concreta
do presente e a antecipação.
Neste enfoque dialético, em cada caso concreto, há necessidade de análise, para se saber as reais
possibilidades de mudança.

A possibilidade não é a realidade, mas é, também ela, uma realidade: que o homem possa ou não
possa fazer determinada coisa, isto tem importância na valorização daquilo que realmente faz.
Possibilidade quer dizer ‘liberdade'. A medida da liberdade entra na definição de homem. Que
existam as possibilidades objetivas de não se morrer de fome e que, mesmo assim, se morra de fome,
é algo importante, ao que parece. Mas a existência das condições objetivas — ou possibilidade, ou
liberdade — ainda não é suficiente: é necessário ‘conhecê-las’ e saber utilizá-las. Querer utilizá-las, O
homem, neste sentido, / vontade concreta: isto é, aplicação efetiva do querer abstrato ou do impulso
vital aos meios concretos que realizam,\ sua vontade. (Gramsci, 1984: 47)

É preciso combater a reificação presente muitas vezes em nosso meio: é o homem que faz a história,
todavia, com o tempo, parece que a história é feita alguma potência oculta, cujo controle fugiria totalmente

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

de nossas mãos. O fio que se coloca é a compreensão dos condicionantes.

Os homens fazem sua própria história, mas não afazem como querem; não afazem sob circunstâncias
de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo
passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos.
(Marx, 1986: 17)

É necessário enfrentar simultaneamente o idealismo voluntarista e o materialismo mecanicista, que


distorcem a dialética do real, reduzindo-a a um dos pólos, ou seja, fazem-no pura história do espírito ou
reduzem a consciência a mero reflexo do real (Gramsci, 1984: 4). E ainda Gramsci (1891-1937) quem nos
aponta que “Na filosofia, o centro unitário é a praxis, isto é, a relação entre a vontade humana (supra-
estrutura) e a infra-estrutura econômica” (1984: 112). O problema todo consiste, pois, em

...em evitar o realismo trivial (adaptar-se ao imediato) e o irrealismo trivial (subtrair-se às constrições
da realidade). O importante é ser realista no sentido complexo do termo (compreender a incerteza do
real, saber que há o possível, mesmo que ainda esteja invisível no real), o que freqüentemente pode
parecer irrealista. (Morin, 1998: 69)

Onde está escrito que a realidade é simplesmente isto que está dado, e que nos cabe apenas e tão
somente a resignação de nos adaptarmos a ela? Ora, a realidade é o que está dado mais o nosso sonho de
mudança, já que somos parte desta realidade e nossos sonhos são partes de nós: “o fator subjetivo da
atividade produtora é, no seio do Ser, um fator objetivo ao mesmo título que o objeto... O sujeito no Mundo é
também parte do mundo” 24. Portanto, na perspectiva dialética, entende-se que a realidade não é um sistema
fechado e pronto; existem, sem dúvida, os constrangimentos, todavia há também todo um leque de
possibilidades ainda-não realizadas e que podem/devem ser exploradas.

Realidade: o que está Dado + Possibilidades ainda-não exploradas

Isto “significa reconhecer que somos seres condicionados mas não determinados. Reconhecer que a
História é tempo de possibilidade e não de determinismo, que o faturo é problemático e não inexorável”
(Freire, 1997b: 21). Num certo sentido, podemos dizer que para projetar algo o sujeito deve estar numa dinâ-
mica pessoal de projeto, qual seja, deve ter feito da sua existência um projeto e não uma fatalidade.

— Possibilidade de Transformação da Escola

E possível a transformação da escola? Entendemos que, fundamentalmente, o que possibilita sua


mudança é o fato da contradição estar também ali presente e não apenas fora dela, pois a escola não consegue
ser um lugar isolado da sociedade — apesar deste parecer ser o sonho de certos educadores. Para além do
otimismo ou pessimismo, temos que tomar a escola como local de contradições dialéticas.
Essas contradições, ao serem assumidas por vários segmentos da escola, passam a atuar ainda mais
fortemente, ocupando mais espaço e provocando mais reação, o que vai exigir a definição mais clara de
posições por parte de todos os membros da comunidade educativa. Por outro lado, à proporção que as contra-
dições são postas a descoberto, são tematizadas, favorece-se a tomada de consciência, a superação do senso
comum. Boutinet, referindo-se a Ernest Bloch (1885-1977), aponta o movimento de “tensão que a tomada de
consciência vai transformar em aspiração, ela própria orientada em pesquisa de um fim” (Boutinet, 1996:
58). Nesta mesma medida, o planejamento resgata seu sentido.

2.2. O Planejamento enquanto Possibilidade

24 E. Bloch, O Princípio Esperança, apud Freitag 1993: 52.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

Entendemos que a percepção 25 por parte do educador da possibilidade específica de planejar está
estreitamente vinculada à compreensão de dois fatores, a saber:

□ Regularidade do Real;
□ Possibilidade de Mudança da realidade em que estamos inseridos.

E interessante notar que, em certa medida, estes dois fatores são contraditórios, pois a regularidade
traz a idéia de repetição, de conservação, ao passo que a mudança remete a abertura, plasticidade, alteração,
novidade (unidade dos contrários).

a) Regularidade do Real

Há um pressuposto ontológico no processo de planejamento: só tem sentido planejar por


considerarmos que existem certas regularidades no real, o que significa que a realidade possui sua própria
racionalidade (Demo, 1988: 53): “a ordem lógica segundo a qual se processa o curso dos fenômenos é o
princípio da possibilidade da ação previsível” (Pinto, 1979: 145). E isto o que permite prever, antever. Caso
contrário, caos: nada a planejar, só deixar fluir; se o que temos na vida é pura Irregularidade (tudo
dependendo de vontades individuais, forças extramundanas), nada a fazer, senão apelar aos oráculos para
pedir ajuda e proteção aos deuses (para os que acreditam que eles existem...).
A idéia de regularidade da natureza e da sociedade foi sendo construída durante séculos,
especialmente a partir do Renascimento, com o avanço da Ciência, da Filosofia, da Técnica, etc. Nos dias
atuais se, por um lado, a experiência comum nos leva muitas vezes a duvidar da regularidade (ex.: falhas sis-
temáticas na previsão do tempo, planos econômicos que nunca dão certo, violência urbana, etc.), por outro,
induz fortemente a esta crença: vemos, por .exemplo, as leis da Mecânica funcionando a todo momento nos
automóveis com os quais cruzamos nas ruas; as leis da aerodinâmica presentes no vôo de cada pássaro ou
avião; as ondas eletromagnéticas chegam a todo momento nos rádios e televisores, etc. No campo social
também nos deparamos com evidências de regularidade quando os institutos de pesquisa são capazes de
‘adivinhar7 (com margem de erro de décimos) os votos de 90 milhões de eleitores ouvindo apenas 6 mil
deles; são conhecidos os altos investimentos na pesquisa de marketing para lançamentos ou aumento de
vendas de produtos: uma minoria absoluta é ouvida e disto são tiradas conclusões para milhões. Mas esta
convicção se firmou a tal ponto que levou a uma certa cegueira, a uma visão meio que mecânica do mundo,
como se tudo pudesse ser fruto de um cálculo preciso, beirando o dogmatismo, negando o autêntico
movimento do real, levando ao fechamento a novas perspectivas. Mais recentemente, esta visão passa a ser
fortemente questionada, inclusive no interior da própria Ciência, que' resgata a dimensão de complexidade
do real. A teoria do Caos na física moderna, por exemplo

...designa a imprevisibilidade de sistemas complexos, isto é, a existência de fenômenos em relação


aos quais não é possível fazer previsões ou cálculos precisos dadas alterações, mesmo que pequenas,
nas condições iniciais. (Japiassú, 1996)

Todavia, levar a idéia de não-regularidade às últimas conseqüências, implica, entre outras coisas,
colocar em questão o próprio sentido da elaboração teórica, ou mesmo do aprender: de que pode valer
qualquer aprendizado se jamais poderá ser exercido, vista a cabal novidade do mundo?
Hoje talvez estejamos mais próximos de uma situação de bom senso, onde são reconhecidas certas
regularidades do universo, inclusive social, mas não de forma dogmática, definitiva (leis férreas’);
explicações monocausais já não são aceitas com tanta facilidade. Há a tendência de caminharmos para uma
atitude de mais humildade, de maior atenção às questões locais, às particularidades, à subjetividade, etc.

25 A percepção por parte do sujeito das reais possibilidades de mudar funciona como uma espécie de possibilidade em-si e
para-si, qual seja, não adianta o sujeito ter desejo de mudança se “as condições não conspiram a seu favor”; todavia, também não
adianta existirem condições dadas no real, se o sujeito não as capta a fim de explorá-las.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

“Chegamos assim a uma estreita passagem ‘intermediária’. Conservamos a idéias de leis, mas introduzimos
também a dos eventos. Esta visão incorpora a inovação, seja na arte, na ciência ou na sociedade” (Prigogine,
1996: 268).
A educação escolar, além de participar das regularidades sociais em geral, tem alguns elementos
específicos que reforçam sua regularidade — se tornando até obstáculo para a mudança —, tais como a
legislação (dias letivos, carga horária, grade curricular mínima), as rotinas (seriação ou ciclos, organização
em bimestres ou trimestres, horário de aulas), os espaços bem determinados (sala de aula, pátio, quadra,
biblioteca), etc.
A partir da aceitação deste pressuposto ontológico, o grande desafio passa a ser o domínio destas
regularidades (determinações ou condicionantes), para poder prever e interagir. Estamos, portanto, alertando
para as possibilidades, mas também para os limites do planejamento.

b) Possibilidade Concreta de Mudança

Se planejar significa antever uma intervenção na realidade visando sua mudança, a pertinência do
planejamento está intrinsecamente ligada ao reconhecimento da possibilidade da transformação vir a ocorrer,
visto que “o campo dos possíveis é o objetivo em direção ao qual o agente supera sua situação objetiva”
(Sartre, 1978: 152). É possível mudar? Antes de mais nada, esta é a questão com a qual o professor deve se
defrontar. Caso contrário, por estar marcado por pseudo-impossibilidades, não acreditando que algo possa
ser alterado, não valorizará as eventuais propostas feitas, desqualificando-as: 'Palavras, palavras, palavras...’,
‘Na prática, a teoria é outra’, ‘Quando tinha sua idade também pensava como você’, ‘Não adianta’, ‘E assim
mesmo...’, ‘Sempre foi assim’, ‘E o sistema’, ‘E a estrutura...’ Uma concepção completamente determinista
de realidade, naturalmente faz caducar qualquer idéia de planejamento. O desafio fundamental, portanto, está
em resgatar a “confiança nas possibilidades de êxito do sujeito, num sentido de invenção e criação, portanto
de libertação” (Campos, 1993: 20).

O Poder do Educador

Digamos que estamos de acordo com as análises anteriores sobre a regularidade do real e da sua
possibilidade de mudança, em sentido geral, qual seja, superamos a resistência inicial à idéia de planejar,
bem como a postura determinista. Vem, então, o questionamento: ‘Concretamente, temos poder para mudar
isto que estamos nos propondo?’, visto que a possibilidade objetiva de planejar determinada ação está
também atrelada à capacidade de intervenção no real. Esta pergunta básica vai se desdobrar em outras duas,
como veremos na seqüência.

— Temos poder para transformar nossa realidade concreta?

Se nenhum poder temos sobre o campo onde estamos vislumbrando a ação, de nada adianta falar de
planejamento. E preciso que o sujeito sinta que tem capacidade de dominar uma situação e nela promover
mudanças (cf. Barbier, 1996: 20), pois planejar envolve um exercício de poder.
Alguns professores parecem não gostar do planejamento, quando este é bem feito, já que mostra o
limite, o universo restrito das possibilidades. O professor parece reagir ao ter que ‘acordar’ do sonho
descomprometido (mito da onipotência).
E claro que não temos respostas precisas a priori sobre nosso poder de intervenção; mas é necessário
fazer apostas, sendo que o próprio processo de planejamento, dependendo de como for conduzido, como
veremos mais à frente, pode se constituir numa construção de poder seja pelo saber produzido, seja pelas
relações, negociações que vão se estabelecendo no decorrer do mesmo. Como afirma Saviani (1944- ), é
preferível um poder limitado, porém real, a um poder ilimitado (seja pessoal ou das estruturas), mas ilusório.

37
Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

— Temos condições de realmente Planejar? Planejamento e Condições Objetivas de Trabalho

Considerando a realidade do professor (várias escolas, cobrança para dar conta dos conteúdos, falta
de espaço de trabalho coletivo, etc.), até que ponto seria possível planejar no verdadeiro sentido (não apenas
preencher planos formalmente)?
Para que uma nova prática possa ocorrer, é preciso que simultaneamente se articulem tanto
condições subjetivas — clareza de proposta, necessidade, motivação, etc. (conforme considerações
preliminares) —, quanto condições objetivas — certas disposições concretas da realidade a ser trabalhada.
Se desejamos que o planejamento deixe de ser ‘um ritual hipócrita’, é fundamental discutirmos as
necessárias condições que a escola precisa conquistar e oferecer para se realizar um trabalho digno e
coerente. Assim, por exemplo, são frentes de luta dos educadores comprometidos com uma educação
transformadora: o empenho para que se tenha melhor remuneração para os professores (de forma a que
possam dar menos aulas, não sobrecarregar a jornada de trabalho), concentrar o professor na escola, diminuir
rotatividade dos educadores, consolidar a autonomia da unidade escolar, buscar classes com número
adequado de alunos, garantir elasticidade na programação, tempo para leitura, pesquisa, realizar trabalho
coletivo (não ficar na base do ‘cada um cada um’). Além dessas questões mais de fundo, uma série de outras
pequenas iniciativas pode ser tomada pelos educadores e pela escola, no sentido de colaborar com a melhoria
do cotidiano 26.
A ação do sujeito se dá no campo das condições; elas são o universo da ação, o ponto de partida e de
chegada; porém, as condições objetivas não se transformam por si: o que as pode transformar é justamente a
ação do(s) indivíduo(s); elas são o que são naquele momento histórico (logo, estão sendo). Portanto, não
podem servir como álibi para o não-fazer: é justamente a tarefa a ser enfrentada! A queixa dos professores é
que existem espaços de decisão nesta esfera das condições objetivas que não estão, de imediato, ligados a
eles 27 . Esperam que quem de direito faça por onde, desempenhem adequadamente seu papel e favoreçam as
devidas condições de trabalho. Ocorre que nem sempre isto se dá. E, então, o que fazer? Se alguém ou algum
segmento não assume suas responsabilidades, este deverá ser mais um elemento a fazer parte da pauta de luta
(plano de ação) dos professores. 28
Neste sentido, o planejamento não pode suprir a exigência das condições para que tal ação ocorra;
pode, no entanto, prever, indicar, apontar esta necessidade. Aqui está também a força e o limite do
planejamento.

A medida que compreendo a história como possibilidade, eu reconheço:

1. Que a subjetividade tem que desempenhar um papel importante no processo de


transformação.
2. Que a educação torna-se relevante á medida que este papel da subjetividade é
compreendido como tarefa histórica e política necessária.
3. Que a educação perde o significado se não for compreendida — como o são todas
as práticas — como estando sujeita a limitações. Se a educação pudesse fazer tudo
não haveria motivo para falar de suas limitações. Se a educação não pudesse fazer
coisa alguma, ainda não haveria motivo para conversar sobre suas limitações.
(Freire, 1997a: X)

26 Como por exemplo: material didático, instalações, luminosidade da sala de aula, temperatura, ventilação, silêncio externo,
condições de saúde e alimentação dos alunos e professores, etc.
27 Ex.: poder de decisão sobre alteração de salário ou de número de alunos em sala, criação de espaço freqüente de trabalho coletivo
e de pesquisa, etc.
28 Assim, por exemplo, a proposta de planejamento participativo, à medida que vai se concretizando, vai implicar em ônus
econômico para escola ou mantenedora (reuniões, conselhos, materiais, etc.), levando à explicitação (ou não) do autêntico compromisso
com esta perspectiva de trabalho.

38
Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

— Aproximações Sucessivas

Naturalmente, este poder e estas condições não estão dados, prontos. Precisam ser conquistados. Se
acreditamos na possibilidade de mudança da realidade, vamos estar abertos para encontrar os caminhos de
intervenção para poder realizar o planejamento de uma forma mais significativa. Sempre há algo possível de
ser feito, em função da autonomia relativa que se tem.

Isto significa que o professor (...) não perde sua capacidade de pensar, de criar, de buscar alternativas
práticas, através de sua experiência cotidiana. Além de executar as ordens estabelecidas, ele conserva
uma liberdade que lhe é inerente: ele pode criar, inventar, construir. (Martins, 1989: 82)

Há um fato objetivo a ser considerado: na mesma conjuntura existem trabalhos bastante


diferenciados sendo realizados. Isto nos aponta para a compreensão de que a mudança está limitada, mas tem
um grau de possibilidade, de liberdade. Se o professor tem 60 aulas semanais, com certeza não terá
condições de se dedicar a planejar cada uma, mas poderá investir, então, hoje em uma, outra daqui a algum
tempo, e assim, aos poucos, pode ir re-significando, requalificando seu trabalho (enquanto luta para não
precisar dar tantas aulas). Este maior empenho inicial será altamente compensador no decorrer do ano. Como
sabemos, o que nos destrói não é só a carga de trabalho, mas também a falta de clareza, a cisão interna, a
falta de objetivo (típica do trabalho alienado), não havendo critérios para direcionar a ação (“O motivo pelo
qual muita gente não chega à meta é porque nunca fixou meta alguma”), e sobretudo a falta de retorno, de
sentido para o que fazemos.
Coloca-se aqui um delicado problema: a questão do processo. Há nas instituições, muitas vezes, uma
dificuldade de se trabalhar com a superação dos limites. Os limites são colocados como algo inviolável,
intransponível. Devemos, no entanto, lembrar que os limites são sempre históricos; muito do que foi limite
no passado, hoje já não é.
O esquema a seguir nos ajuda a refletir sobre este movimento entre o possível-impossível e o
necessário-contingente.
Possível

Impossível

— Esquema: Possível-lmpossível x Necessário-Contingente—

Não podemos cair no jogo do tudo ou nada; é possível ter avanços parciais, mas concretos e na
direção almejada pelo grupo. 29

29 Só para exemplificar: a questão do número de alunos em sala de aula; de um lado, vemos os professores solicitando a redução, de
outro,- os administradores dizendo que é Impossível. Resolver o problema de uma vez é muito difícil para a mantenedora; porém, é
preciso considerar também que os professores precisam de melhores condições de trabalho para concretizarem uma proposta nova de
educação. Pode-se chegar a uma superação processual: estabelece-se diminuir, por exemplo, um aluno por classe durante três ou cinco

39
Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

A condição para que o fazer seja efetivo, é acreditar naquilo que se está fazendo, entender aquilo
como parte de um processo maior, como um passo ou uma estratégia de resistência dentro de um amplo
combate. Se não compreendemos o sentido da ação dentro de uma perspectiva maior, podemos achar pouco,
fazer por um tempo e depois deixar de fazer, uma vez que no fundo não estamos convencidos. A questão é
essa: buscar elementos para que possamos nos convencer de que é necessário e possível fazer alguma coisa.
Neste empenho de mudança, portanto, devemos ganhar clareza que trata-se de um processo, o que
implica ir por passos, não querendo transformar tudo de uma só vez (mesmo porque não é possível);
podemos ir progressivamente: sala de aula, curso, escola, comunidade, etc. Devemos procurar ir
arrebentando um a um os problemas, a começar pelos mais próximos; a escola deve se organizar a partir de
dentro, articulando-se com a luta mais geral por uma sociedade mais justa e livre.
Dialeticamente, podemos dizer que planejamos porque podemos e podemos porque planejamos,
visto que o planejamento coloca-se como um caminho do homem resgatar sua dimensão de sujeito, na
medida em que, através dele, se capacita para exercer sua liberdade, sua criatividade, para traçar o seu
destino, não de uma maneira idílica, ilusória, mas preparando-se para o confronto com estas determinações e
limites da realidade a ser mudada.
Nesta perspectiva, entendemos que o planejamento (Projeto Político-Pedagógico, Projeto de Ensino)
deve ser, antes de mais nada, um instrumento de trabalho para o próprio sujei to/grupo (e não para o
coordenador, a secretaria da escola, a supervisão, mantenedora), correspondendo ao seu projeto de interven-
ção na realidade, “situando-o como produtor e não mero executor dos projetos de outrem” (Carvalho e
Diogo, 1994: 10).

3- FINALIDADES DO PLANEJEMENTO

A partir das reflexões precedentes, podemos explicitar algumas finalidades do planejamento.

□ Planejamento em geral

• Despertar e fortalecer a esperança na história como possibilidade;


• Ser um instrumento de transformação da realidade;
• Resgatar a intencionalidade da ação (marca essencialmente humana), possibilitando a
(re)significação do trabalho, o resgate do sentido da ação educativa;
• Combater a alienação: explicitar e criticar as pressões sociais e os compromissos
ideológicos; tomar consciência de que projeto está se servindo;
• Dar coerência à ação da instituição, integrando e mobilizando o coletivo em torno de
consensos (provisórios); superar o caráter fragmentário das práticas em educação, a mera
justaposição;
• Ajudar a promover e superar as dificuldades; fortalecer o grupo para enfrentar conflitos e
contradições;
• Diminuir o sofrimento.

□ Projeto Político-Pedagógico

Podemos apontar as seguintes finalidades mais específicas do Projeto Político-Pedagógico:

• Ser elemento estruturante da identidade da instituição;


• Possibilitar a gestão democrática da escola: ser um canal de participação efetiva;
• Mobilizar e aglutinar pessoas em tomo de uma causa comum, gerando solidariedade e

anos; parece pouco, mas pode ser uma forma de se enfrentar o problema e sair do impasse do empurra-empurra, do tudo ou nada.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

parcerias;
• Dar um referencial de conjunto para a caminhada;
• Ajudar a conquistar e consolidar a autonomia da escola;
• Resgatar a auto-estima do grupo: fazê-lo acreditar nas suas possibilidades de intervenção na
realidade. Aumentar o grau de realização/concretização (e, portanto, de satisfação) do trabalho;
desfrutar o prazer de conhecer (a realidade do campo de intervenção) e de concretizar (aquilo
que foi planejado);
• Possibilitar a delegação de responsabilidades;
• Ajudar a superar as imposições ou disputas de vontades individuais, na medida em que há
um referencial construído e assumido coletivamente;
• Colaborar na formação dos participantes.

O Projeto Educativo é uma tentativa de diminuir os Inimigos internos’ na prática institucional, que
tem tantos efeitos negativos, levando, muitas vezes, à ausência de mudança por medo da incompreensão dos
próprios colegas.
Pela nossa vivência na escola, sabemos que um grande desafio que se coloca é o grupo estar junto
em tomo de uma causa que valha a pena (progressista, libertadora, transformadora). O Projeto é um caminho
para isto, dada sua dimensão participativa, que favorece a unidade (não uniformidade), que vai se
constituindo no próprio processo de elaboração (construção da proposta de construção do coletivo), e em
função de sua base científica (lógica da proposta, princípios teórico-metodológicos que o fundamentam).
São conhecidos casos de escolas públicas que diminuíram a rotatividade dos professores em função
da elaboração participativa do seu projeto político-pedagógico; apesar de terem, por exemplo, o mesmo
salário, os professores preferem ficar em unidades até mais distantes de suas residências, sentindo a mudança
que o projeto trouxe nas relações na instituição.

□ Projeto de Ensino-Aprendizagem

Quanto ao Projeto de Ensino-Aprendizagem, apresentamos as seguintes finalidades que lhes são


mais pertinentes:

• Possibilitar a reflexão e a (re)significação do trabalho;


• Resgatar o espaço de criatividade do educador;
• Favorecer a pesquisa sobre a própria prática;
• Organizar adequadamente o currículo, racionalizando as experiências de aprendizagem,
tendo em vista tornar a ação pedagógica mais eficaz e eficiente;
• Estabelecer a comunicação com outros professores e alunos;
• Ajudar a resgatar o movimento conceitual e a organizar o fluxo da expressão sobre o objeto
de conhecimento;
• Não desperdiçar atividades e oportunidades de aprendizagem 30;
• Ser elemento de autoformação do professor, na medida em que possibilita o pensar mais
sistematicamente sobre a realidade, sobre a proposta, sem a prática, ajudando, pois, a diminuir a
distância teoria-prática, evitando a rotina viciada e a Improvisação;
• Resgatar o saber docente, a cultura pedagógica do grupo;
• Superar a expropriação a que o professor foi submetido em relação a concepção e ao
domínio do seu quefazer, resgatando sua condição de sujeito de transformação.

30 Ex.: o professor pode se lembrar no meio de uma aula de um texto complementar interessante ou de uma dinâmica boa,
mas por não ter previsto com antecedência, não pode utilizar naquele momento.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

E uma questão de respeito a si e ao grupo: ao não nos dedicarmos ao planejar, desvalorizamos nossa
própria atividade (e antes disso, nossa própria pessoa: implica que podemos perder tempo, recursos...). E
também questão ética, de responsabilidade (no mínimo, pedagógica e política) por uma tarefa que assumires
e que nos é delegada socialmente.
O planejamento é uma síntese do trabalho do professor/grupo; se ainda não chegou a amadurecer,
não terá condições de planejar; neste caso, o envolvimento com o processo de planejamento pode ajudar a
construir esta síntese. Pkgect (1896-1980) alertava para a necessidade de se buscar “as analogias e diferenças
entre ‘conseguir5, que é resultado do ‘savoir faire’ e ‘compreender’, que é próprio da conceituação, quer esta
suceda à ação ou, ao contrário, a prece/.; e oriente55 (Piaget, 1978: 10); fazemos muitas coisas que não
sabemos ao certo de fundamentos ou suas repercussões; o planejamento pode ser uma forma de professor ir
se apropriando mais plenamente do seu fazer.
Vivemos hoje um mundo de fragmentação, de correria, o que significa r que o sujeito-educando tem
uma série de outras coisas para fazer, uma série de outros estímulos e solicitações. Se queremos efetivamente
atingi-lo, temos que aproveitar da melhor forma o espaço-tempo na sala de aula e na escola.

Curiosidade:
Algumas escolas têm tido a iniciativa de propor, como uma espécie de TCC (trabalho de
conclusão de curso) para os alunos do ensino médio, o seu Projeto de Vida.

□ Articulação entre Projetos

Um aspecto bastante relevante deve ser explicitado:

...a instituição escolar deve-se instaurar como espaço-tempo, como instância soa (d que sirva de base
mediadora e articuladora de outros dois tipos de projetos que têm a ver com o ser humano: de um
lado, o projeto político da sociedade, e, de outro, os projetos pessoais dos sujeitos envolvidos na
educação. (Severino, 1998: 81)

Qual seja, não há proposta educativa que se sustente sem um projeto de sociedade e sem os projetos
de vida das pessoas que dela participam. Nestes últimos, cabe destacar que normalmente pensamos no
professor, o que é absolutamente correto; só que o aluno também deve ser aí incluído, visto que o que
desejamos é que, no decorrer do seu processo de formação, possa estar construindo sua identidade, portanto,
o seu projeto pessoal.

Projeto Social

Planejamento Educacional

Projeto Pessoal

— Esquema: Interfaces do Planejamento Educacional—

Planejar, então, para quê? Para fazer acontecer; para transformar sonhos em realidade. Para
transformar nosso trabalho, nossa relação com os alunos, a nós mesmos, a escola, a comunidade, e, no limite,
a própria sociedade.

A estrutura do processo vital da sociedade (...) só pode desprender-se do seu véu nebuloso e místico,
no dia em que for obra de homens livremente associados, submetida a seu controle consciente e
planejado. (Marx, 1980b: 88)

42
Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

CONCLUSÃO
Depois de todas estas reflexões sobre os problemas, a possibilidade e a necessidade, que
postura assumir frente ao planejamento? Entendemos que é preciso superar tanto a adesão
deslumbrada (que considera-o como uma espécie de panacéia), quanto a pura e simples rejeição
(que considera-o como empulhação), em direção à compreensão do planejamento como prática
humana contraditória, tendo lucidez de seus limites (constrangimentos naturais, sociais ou
Inconscientes, concepções equivocadas, etc.), mas também de suas potencialidades (tomada de
consciência, elemento articulador da ação, etc.).

Adesão Ingênua Rejeição


x
Planejamento como Prática Contraditória

Esquema: Posturas frente ao Planejamento-

Precisamos estar atentos para não entrar ingenuamente na sua elaboração e causar mais uma
frustração para a comunidade educativa e, em particular, para os professores.
O projeto não é ‘varinha de condão’, não tem ‘superpoderes’. No entanto, se o enfrentamento
da situação é penoso com um planejamento, certamente será pior sem ele, visto que ficaríamos bem
mais susceptíveis à desorganização interior e às pressões exteriores. Assim, o processo de
planejamento pode ser de grande valia, na medida em que busca re-significar, orientar e dinamizar
o trabalho.
Planejar pede envolvimento sincero na elaboração, e por isto mesmo as diferentes posições
vão se manifestar, gerando conflitos; as ‘neuroses5, os componentes de não-vida (desânimo,
desesperança) também vão aparecer. E um trabalho exigente. Vai implicar investimento de tempo e,
sobretudo, energias, crenças, valores, verdade, reflexão.
Precisamos ter em conta que o planejamento é apenas um instrumento teórico-metodológico.
Poderoso, mas instrumento. Portanto, depende de sujeitos que o assumam (tanto na elaboração
quanto na realização). Não é, pois, uma coisa maravilhosa: é relativamente complexo, exigente e
ainda falível. No entanto, não é também um capricho; é uma necessidade! A menos que desejemos
caminhar sem destino certo, improvisando, agindo sob pressão, administrando por crise, sem
procurar intervir no vir-a-ser do real, abrindo mão da nossa condição de sujeitos.

Hoje mais do que nunca ‘o tempo é construção’ para dizê-lo com as palavras de Paul Valéry. Não
podemos ter a esperança de predizer o futuro, mas podemos influir nele. (Prigogine, 1996: 268)

O planejamento é sempre uma aproximação, uma tentativa, uma hipótese; não pode se
transformar em algo dogmático que mate, ao negar, o movimento do real (que é sempre muito
maior do que qualquer possível explicação ou previsão) ou a própria intuição (por paradoxal que
possa parecer). Deve estar sempre atento e aberto à realidade (exterior e interior: fluxo, relações,
contradições, desejo, etc.). A perspectiva é de um planejamento mais humilde, menos pretensioso
de abarcar a totalidade da prática, nos seus mínimos detalhes, tendo em vista que tudo que é
fechado/determinado demais acaba expulsando o humano (cf. Arroyo, 1999). Na nossa contingência
de seres históricos e limitados, precisamos de pontos de apoio e referência para nos
movimentarmos; mas isto não pode impedir de caminhar ou de trilhar novos caminhos!

43
Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

II
Fundamentos Histórico-
Antropológicos e Epistemológicos
Bem, se em linhas gerais estamos de acordo que o planejamento é necessário e possível, podemos
dar início ao seu estudo mais específico, tendo em conta seus fundamentos primeiros, refletindo sobre o seu
núcleo» O planejamento tem como um dos pilares básicos a ação; subtrair a idéia de ação do planejar é
descaracterizá-lo por completo. Por isto vamos começar procurando entender um pouco melhor a atividade
humana. Esta tarefa é assaz delicada, pois se, de um lado, pode-se até reconhecer sua necessidade, de outro,
tudo pode parecer tão ‘óbvio5, ‘natural’, ‘elementar’ que dispensaria qualquer esforço maior de
compreensão» Esperamos poder contribuir para superar o senso comum, entendendo melhor a complexidade
do agir humano intencional.

1 -PERSPECTIVA HISTÓRICO-ANTROPOLÓGICA

“No princípio era a ação” (Wallon, 1979)

1.1. Gênese da Atividade de Planejar

No longo processo de hominização, o homem vai se constituindo enquanto tal por sua ação de
transformação do mundo; movido por um espectro de desejo, por uma incipiente curiosidade, começa a
interagir com a realidade através daquilo que vai se configurar como sendo trabalho. “Pode-se referir a
consciência, a religião e tudo o que se quiser como distinção entre os homens e os animais; porém, esta
distinção só começa a existir quando os homens iniciam a produção dos seus meios de vida, passo em frente
que é conseqüência de sua organização corporal5’ (Marx, 1980a: 19). Isto se deu porque nossos ancestrais
mais remotos, ao contrário de outras espécies, não se acomodaram, não ficaram restritos à mera adaptação à
natureza.

E dessa aventura estranhíssima do homem não se conformar com o mundo que está aí, e querer criar
um mundo diferente, que é a cultura, ato pelo qual ele vai de homo sapiens [nível biológico] a ser
humano. (Di Giorgi, 1990: 130)

A ação de intervenção do homem, no entanto, não era qualquer, já que tinha um direcionamento.
Assim, o trabalho, enquanto “atividade produtiva adequada a um determinado fim e que adapta certos
elementos da natureza às necessidades particulares do homem55 (Marx, 1980b: 50), ou seja, “interpretado
como atividade material orientada por um projeto” (Giannotti, 1985:21), já traz incorporada .a idéia de
planejamento. 31

Foi com o trabalho que o ser humano ‘desgrudou ’ um pouco da natureza e pode, pela primeira vez,
contrapor-se como sujeito ao mundo dos objetos naturais. Se não fosse o trabalho, não existiria a
relação sujeito-objeto. O trabalho criou para o homem possibilidade de ir além da pura natureza. ‘A
natureza, como tal, não cria nada de propriamente humano’ (...). O homem não deixa de ser animal,
de pertencer a natureza; porém, já não pertence inteiramente a ela. Os animais agem apenas em
função das necessidades imediatas e se guiam pelos instintos (que são forças naturais); o ser humano,
contudo, é capaz antecipar na sua cabeça os resultados das suas ações, é capaz de escolher os

31 O planejamento é conatural ao trabalho humano. Por seu turno, à medida que o trabalho se toma alienado, o mesmo ocorre
com o planejar.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

caminhos que vai seguir para tentar alcançar suas finalidades. A natureza dita o comportamento dos
animais; o homem, no entanto, conquistou certa autonomia diante dela. (Konder, 1981: 24)

Tal mudança (o pôr teleológico do trabalho) significa algo radicalmente novo, sem paralelo na
natureza, um verdadeiro salto ontológico, onde há a transformação do ser em-si num ser para-si (cf. Lukács,
1979: 17).
Desde a filogênese, a partir deste recente equipamento, o homem passa a construir um universo
novo, qual seja, o mundo da cultura, do conhecimento, atribuindo significados às coisas e à própria
existência. Ganha, pois, certa autonomia em relação à natureza, podendo agir de forma auto-reflexiva e
criativa. Por isto dizemos que é, essencialmente, um ser de práxis. Os objetos culturais com os quais o
homem passa a entrar em relação são o resultado do trabalho humano, são trabalho acumulado. Tanto na
formação do próprio sujeito, quanto nos objetos com os quais vai se relacionar e conhecer, está, portanto, o
trabalho. O homem produz cultura, e as novas gerações, a partir de sua inserção cultural, passam a se
produzir (e a produzir cultura também).
Isto se dá porque, historicamente, a partir de sua atividade sobre a realidade (a natureza) e de suas
relações sociais (membros da sua espécie), o homem começa a desenvolver a capacidade de representar:
“operação pela qual a mente tem presente em si mesma uma imagem mental, uma idéia ou um conceito
correspondendo a um objeto externo” (Japiassú, 1996), ou seja, a possibilidade de pensar um objeto mesmo
quando este não se encontra mais presente, diante de si, tomando-o “objeto da consciência e estabelecendo
assim a relação entre a consciência e o real”. O planejamento tem uma forte base na representação, tanto no
que diz respeito à elaboração, quanto à realização.

A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado problema psicológico
(lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc.) é análoga à invenção e uso de instrumentos, só que
agora no campo psicológico. O signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira
análoga ao papel de um instrumento no trabalho. (Vygotsky, 1984: 59)

A capacidade de pensar, portanto, não é anterior à ação, mas vai se formando no bojo da própria ação
do homem sobre o mundo tendo em vista a busca dos meios para sua sobrevivência. Neste processo, o
desenvolvimento da íriitruagem tem um papel fundamental, visto que a linguagem é “o instrumento melhor
sistematizado e mais expeditivo do pensamento, que maneja não as coisas, mas os símbolos, ou que maneja
as coisas por meio dos símbolos” (Wallon, 1979: 165).
Esta atividade mental abre a possibilidade de construir uma representação do real que acaba
adquirindo autonomia em relação a este real, ganhando existência própria. Isto, por um turno, pode introduzir
distorções, visto não estar ‘orudada’ ao objeto que é representado (questão da veracidade do pensar), No
entanto, na totalidade do processo mental, esta autonomia das representações é decisiva, pois é o que vai
permitir o sujeito ‘descolar’ do presente e se movimentar tanto em direção ao passado (memória) quanto ao
futuro (projeção) (cf. Barbier, 1996: 37). Num primeiro momento, a representação tende ao passado, fazendo
a recordação do objeto, mas no processo de desenvolvimento, ela passa a fazer parte do conjunto de relações
que o sujeito estabelece, abrindo a possibilidade de projetar o futuro. Naquele famoso início do filme 2001
— Uma Odisséia no Espaço, é apresentado, na aurora da humanidade, um hominídeo que descobre a função
do instrumento, ao começar, como que por acaso, a bater numa ossada, passando em seguida a representar
mentalmente não mais a ossada, mas o próprio animal sendo abatido, indicando um dos primeiros embriões
da atividade de planejar.
Há um texto belíssimo de Marx em que recorre à idéia de projeto para diferenciar a atividade dos
animais e do homem:

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao
construir sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na
mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece
um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas
o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o
qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

(Marx, 1980b: 202)

A própria ciência — um dos grandes construtos da humanidade — pode ser entendida como projeto:
“Acima do sujeito, além do objeto imediato, a ciência moderna funda-se no projeto. No pensamento
científico, a meditação do objeto pelo sujeito toma sempre a forma de projeto” (Bachelard, 1978: 96)
Planejar, ter projetos, portanto, é uma das grandes marcas humanas: “A capacidade de elaborar
projetos pode ser identificada como a característica mais verdadeiramente humana; somente o homem é
capaz não só de projetar como também — e primordialmente — de viver sua própria vida como um projeto”
(Machado, 1997: 66).
Há uma base material para o conhecimento: “O pensamento não atua sem pressupostos e o
pressuposto efetivo do concreto criado pelo pensamento é constituído pelo concreto real, que é captado pela
intuição e representação” (Dal Pra, 1971: 377). As representações do sujeito, para se constituírem e avançar,
têm na relação com o mundo exterior, através da ação, da atividade prática, um canal muito rico. Esta
atividade implica a interação com objetos materiais concretos, com os objetos que o rodeiam. 32 A partir deste
contato, o sujeito pode ter elementos para estabelecer as relações constituintes do objeto de conhecimento,
abrindo possibilidade de criar novos conhecimentos.
A alteração da realidade é o grande desafio do homem, uma vez que por esta atividade o ser humano
continua se fazendo, se constituindo, se transformando também. Neste contexto mais amplo é que se coloca a
tarefa de planejar.
Portanto, se o homem se constitui enquanto tal por sua ação transformadora no mundo pela mediação
de Instrumentos, o planejamento — quando instrumento metodológico — é um privilegiado fator de
humanização! Se o trabalho está na base da formação humana, e tem uma dimensão de consciência e
Intencionalidade, podemos concluir que o planejar é elemento constituinte do processo de hominização: o
homem se faz pelo projeto! 33

1.2 Dimensões da Ação Intencional

De um modo geral, podemos encontrar, no processo que conduz à ação humana, três elementos
básicos que são seus constituintes: a Necessidade, o Objetivo 34 e o Plano de Ação (leitura sincrônica). Por
ação estamos entendendo aqui a ação consciente e voluntária, ou seja, intencional, aquela em que o sujeito
faz e sabe que esta fazendo, ou, no caso da ação habitual, mecanizada, automatizada (ex.: dirigir um
automóvel), se questionado sabe — diferentemente de uma ação Instintiva — dizer o porquê, o para quê e o
como dessa ação (pelo menos em linhas gerais).
A concepção dialética do homem entende que diante do estímulo do melo, o sujeito tem uma
elaboração pessoal — que abrange todo seu ser: raciocínio, desejos, necessidades, sentimentos, Imaginário,
fantasia, etc. — antes de dar a resposta, o que significa dizer que a ação não é mero reflexo do estímulo. 35

O animal identifica-se imediatamente com sua atividade vital. Não se distingue dela. E a sua própria
atividade. Mas o homem faz da atividade vital o objeto da vontade e da consciência. Possui uma
atividade vital consciente. Ela não é uma determinação com a qual ele imediatamente coincide. A
atividade vital consciente distingue o homem da atividade vital dos animais. (Marx, 1989: 164)

Na verdade, essa concepção é muito complexa, pois envolve também o papel ativo do sujeito sobre o
ambiente, qual seja, o sujeito não só recebendo estímulos, mas também os produzindo; considerando, no
entanto, a preocupação desse momento, basta esse nível de diferenciação.
O que seria esta ‘elaboração’ do sujeito? E justamente a articulação entre necessidade, objetivo e

32 Ex.: a fala de uma pessoa, uma pedra, um instrumento; mais recentemente: um livro, um martelo, um microscópio, etc.
33 E claro que, num primeiro momento, tratava-se de um projeto multo rudimentar, um protoprojeto, um lampejo de consciência esboçando algo
a ser feito (anteprojeto).
34 Há muita controvérsia no significado de termos como finalidade, objetivo, meta. Vamos utilizar aqui objetivo para designar o aspecto mais
restrito, e finalidade para o mais geral.
35 E triste ver o cachorro tentando cavar o cimento após ter feito suas necessidades

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

plano de ação, vale dizer, o que faz com que tenha conscientemente uma determinada ação é o fato de, a
partir de sua Interação com a realidade, ser criada nele uma necessidade, que o motiva a buscar algo
(objetivo), de uma determinada maneira (plano de ação). Essa elaboração (que implica um processo de
transformação das representações) possibilita o desencadeamento da ação consciente e intencional. “A
conduta mais rudimentar deve ser determinada ao mesmo tempo em relação aos fatores reais e presentes que
a condicionam e em relação a certo objeto a vir que ela tenta fazer nascer. E o que denominamos o projeto”
(Sartre, 1978: 152, grifo do autor). Estamos aqui apresentando os elementos da elaboração numa certa
seqüência por conta da contingência da linguagem, já que, na verdade, esses elementos ocorrem em contínua
interação, quase não sendo possível distinguí-los numa determinada ação realizada. Vejamos um pouco
melhor o que seria cada elemento constituinte:

□ Necessidade

O que leva o sujeito à ação?36 Esta é uma pergunta da mais alta importância, mas também da mais alta
complexidade.
O homem é, entre outras coisas, um ser de necessidade: “A primeira condição de toda atividade é
uma necessidade” (Leontiev, 1978: 107). O que observamos, historicamente, é que o hominídeo não
desenvolvia uma ação qualquer, mas uma ação carregada de sentido, visto corresponder a uma carência.
Assim, foi construindo representações vez a vez mais elaboradas da realidade, que se tornavam cada dia mais
Importantes a fim de poupar esforços desnecessários, diminuir o sofrimento e poder garantir a sobrevivência
da espécie: a alimentação, a defesa contra os animais e Intempéries, a defesa frente a outros bandos, a
habitação, etc. O conhecimento, pois, sempre esteve ligado a necessidades, Interesses, sendo que a partir
deles o homem se empenhava no enfrentamento da realidade, vindo a construir cada vez mais representações
mentais. “A produção de uma nova representação é, de fato, um processo ativo de transformação ou
reconstrução de representações anteriores” (Barbier, 1996: 41). Portanto, a necessidade faz surgir o
conhecimento e, com o tempo, o próprio conhecimento torna-se uma necessidade, como mediação para
satisfazer outras necessidades.
Muito sinteticamente, e numa primeira aproximação, podemos dizer que o que leva o homem a ter
uma ação Intencional é a necessidade, que pode ser vista sob o prisma da vontade (relacionada a qualquer
uma das dimensões da existência: física, afetiva. Intelectual, estética, lúdica, espiritual, social, econômica,
política, cultural, etc.), e/ou do desejo (pulsão, tendência). Enquanto a primeira está mais ligada aos motivos
conscientes, o segundo, aos inconscientes, embora as fronteiras aqui sejam extremamente frágeis e
dinâmicas. O motivo da ação tem, portanto, como elementos constitutivos não só momentos racionais, mas
também irracionais (enquanto. inacessível ao entendimento). Cabe aqui fazer mais algumas breves
considerações sobre a questão do desejo. De novo estamos nos movendo num campo muito delicado, onde
são raros os consensos. Sentimentos e emoções afetam os homens independentemente de seu consentimento.
O querer, portanto, tem uma componente que caminha na direção do imponderável. Ocorre, todavia, que
podemos criar condições para o seu desenvolvimento: posso alimentar meu desejo no desejo do outro,
convivendo com pessoas que desejam, que buscam algo que também busco. O elemento racional embora
necessário, não é suficiente para configurar a ação humana: quantas vezes o indivíduo sabe, mas não faz, não
dá o devido valor àquele conhecimento; falta o impulso, o investimento afetivo que vem do desejo. Uma das
grandes dificuldades na escola é a tomada de consciência de que, para haver a mudança, não bastam idéias
novas, o que vai implicar a necessidade de viver novos afetos nas relações, capazes de despertar igualmente
novos afetos nos outros. A vontade pode ser-compreendida como uma das interfaces entre o querer e a
razão. 37 De qualquer forma, queremos assumir o seguinte: a grande tarefa do homem, no seu processo de

fisiológicas (para cobri-la ou enterrá-la); esta é uma programação genética que não faz o menor sentido num piso que não seja a terra. Por outro lado, é
triste também, por exemplo, ver a fila de pessoas na lotérica ou consumindo certo produto, como decorrência de uma ‘programação5 social (marketing,
moda, ideologia)...
37 A vontade difere do desejo por implicar esforço para vencer obstáculos (materiais ou psíquicos), por exigir discernimento e reflexão antes de agir
(avaliação e tomada de decisão), e por referir-se ao possível que pode ser ou deixar de ser e que se toma real graças ao ato voluntário (cf. Chauí, 1994: 351).

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busca de uma vida mais plena, está em conhecer o desejo, buscar tanto quanto possível se apropriar do. seu
inconsciente. 38
Por muito tempo nas ciências humanas e na filosofia houve uma ênfase desmedida no ‘pensar’,
desconsiderando que o centro da atividade humana pode passar pelo ‘querer’, pela necessidade. Marx, nos
Manuscritos, tem uma colocação muito interessante sobre isto: “A emoção intensa, a paixão é a faculdade do
homem esforçando-se energicamente por alcançar o seu objeto” (Marx, 1989: 251). Piaget tem uma célebre
assertiva que também procura explicar esta base da atividade: “a afetividade é energia da ação”.
Necessidade (derivado do latim necessitas) é o estado de consciência que acompanha a privação de
algo que é necessário ou encarado como tal; trata-se do sujeito sentir uma falta que precisa ser preenchida. A
necessidade pode ser compreendida também como o estado de tensão que esta falta provoca no sujeito; como
veremos, vai ser justamente esta tensão que o impulsionará para a ação. Estamos aqui assumindo o termo
necessidade no seu sentido ontológico (precisão, carência, déficit), e não lógico (aquilo que não pode ser de
outro modo). 39

□ Objetivo

Nos remetendo à filogênese, constatamos que o contato do homem com o mundo passa a ser
mediatizado por esse novo Instrumental simbólico (mediação semiótica), a tal ponto que dizemos tratar-se de
um ser com características teleológicas (télos = fim): pode agir de acordo com finalidades que se propõe, mais
ou menos explicitamente. “A peculiaridade específica da atividade humana consiste em que se trata de uma
atividade consciente e orientada a um fim” (Rubinstein, 1967: 590). Sua ação começa a ser marcada pela
intencionalidade (intentio: “aplicação do espírito ao seu objeto, quer dizer, o movimento pelo qual o espírito
tende para o objeto que interiorizou” — Boutinet, 1996: 49).

...mas só no homem é atingida a etapa da ideação, da generalização, por via abstrativa, e da


memorização das experiências, que engendra uma esfera inédita da realidade, a da consciência.
Quando esta aparece, estamos no plano da existência humana. O que a caracteriza é que a partir de
então, os atos do indivíduo passam a ser dirigidos por prefigurações representativas da ação a fazer,
que possuem o caráter de verdadeira ideação. (Pinto, 1979: 141)

Trata-se daquilo que o sujeito vislumbra para satisfazer aquela necessidade; está, portanto, referida
ao objeto da necessidade. E o que se pretende alcançar, sendo previamente delineada. Podemos identificar
dois grandes níveis de finalidade: um mais geral, de fundo, relativo às grandes opções, aos valores (nuclear),
e outro mais específico de uma ação, mais relacionado à satisfação de determinada necessidade (estratégica),
aqui assumido como objetivo.

□ Plano de Ação

São os passos que o sujeito estabelece mentalmente como forma de atingir o objetivo. Está referido
tanto ao objeto da necessidade, quanto aos meios/ instrumentos disponíveis na realidade.
Pelo fato de ser histórico, de realizar aprendizagens, essa articulação se dá contando com
experiências anteriores, pois os conhecimentos acumulados passam a fazer parte do processo de ação do
sujeito, ficando ainda mais difícil distinguir uma dimensão da outra. Por outro lado, não podemos deixar de
mencionar que esta análise é um recorte na totalidade do sujeito, que é sempre muito mais complexo;-só
como ilustração, poderíamos recordar o enfoque psicanalítico que nos aponta para as várias instâncias do
sujeitos, que constituem espécies de micro-sujeitos ou sub-sujeitos, cada um buscando agir por conta própria,

38 “Freud propunha como máxima da psicanálise ‘Onde era o Id, será o Ego’. (...) Ego, consciência e vontade deve tomar o lugar das forças
obscuras, que, ‘em mim’, dominam, agem por mim — ‘atuam-me’” (Castoriadis, 1995: 123).
39 Em linhas gerais, costuma-se classificar as necessidades em primárias e secundárias; as necessidades primárias são as orgânicas, que têm um caráter
de imperiosa necessidade (ex.: respiração, fome, sede, sono). Já as secundárias, são as necessidades imprescindíveis para a sobrevivência harmônica, bem
como para a realização do indivíduo (ex.: movimento, proteção, afeto, compreensão, valorização, estética).

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perseguindo seus próprios ‘fins’ (cf. Castoriadis, 1999: 36-37).


Podemos tomar um exemplo bem simples, só para deixar mais claro o que estamos dizendo: um
indivíduo sai de casa e sente frio; tem, então, necessidade de proteção da pele por algum agasalho 40; pensa
em pegar o agasalho que tem na gaveta; elabora o plano de ação: ‘tenho que voltar, abrir a porta, ir até o
quarto e vestir a blusa’. Como essa situação é tão corriqueira, já foi realizada tantas vezes, é evidente que o
sujeito não tem necessidade de ficar pensando cada passo como aqui descrevemos, pois isto faz parte de seus
esquemas de ação. No entanto, se ao voltar para casa perceber que saiu sem a chave, encontrar-se-á numa
nova situação, que implica um novo conjunto necessidade-objetivo-plano de ação: tem necessidade da
chave, com o objetivo de entrar em casa e para isto elabora um outro plano de ação: conseguir uma ficha
telefônica, ir até um telefone público, ligar para a esposa, etc. Esse novo conjunto de elementos de
elaboração da ação está subordinado ao conjunto anterior, e aí se encontra mais uma dificuldade de
compreensão da ação do homem, uma vez que essas elaborações vão se Imbricando e complexificando, se
coordenando, subordinando ou até mesmo sendo suprimidas. Essa pessoa pode avaliar que, diante deste novo
contexto em que se encontra, sua necessidade maior é chegar ao trabalho no horário combinado, colocando-
se, então, como objetivo a Ida para o trabalho, esquematlzando um novo plano de ação.
Ainda nestes exemplos a relação necessidade-objetivo-plano de ação está muito linear, em função da
situação de descrição; como dissemos, na realidade elas se intercruzam e Interagem dinamicamente, não
sendo sucessão lógica, mas dimensões constitutivas de um processo totalizador. No entanto, esses elementos
são verificáveis empiricamente: são resultados de uma rigorosa análise da realidade. O que gostaríamos de
destacar é esta estrutura básica de constituição da elaboração da ação consciente. Entender essa formulação
como uma rígida seqüência lógica seria fazer um corte no processo, e querer ordená-los tal qual aparece na
razão. Neste caso, estaria se rompendo a dialética do lógico-histórico. 41
Até aqui, vimos a gênese do planejamento na atividade humana em gerai Agora, vamos começar a
nos aproximar de um outro nível ou tipo de planejamento, não aquele que ocorre como que espontaneamente
no sujeito face a situações do cotidiano (baseado no senso comum), e sim o planejamento feito
Intencionalmente, sistematizado, envolvendo, portanto, uma metacognição: não só fazer, mas ter consciência
de que está fazendo.

2 -PLANEJAMENTO ENQUANTO MÉTODO DIALÉTICO DE TRANSFORMAÇÃO

À medida que começamos a refletir sobre a teoria da atividade humana, vamos


percebendo que esta ação deve ser organizada. Isto nos remete à idéia de método. Que
relação poderíamos fazer entre Planejamento e Método?

2.1 .Concepção de Método

Método é uma palavra que vem do latim tardio Methodus e, este, do grego Méthodos, de meta- (fim)
e hodós (via, caminho) 42. Existem, no entanto, diferentes formas de se entender Método (e metodologia); o
que nos importa é procurar uma concepção que dê conta de orientar efetivamente a prática educativa na
superação de suas contradições. Na XI Tese contra Feuerbach, Marx redefine, com vistas à práxis, o papel
da teoria:

Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo diferentemente, cabe transformá-lo. (Marx,


1978: 53)

40 Neste caso, o agasalho é o objeto da necessidade; é importante destacar que os objetos de satisfação da necessidade são dados socialmente.
Assim, por exemplo, o sujeito pode não ter um agasalho, mas sentir necessidade de um, uma vez que socialmente se produz tal objeto para suprir tal
necessidade; por outro lado, se estivesse na pré-história, certamente o objeto de satisfação de sua necessidade estaria mais associado ao fogo que ao
agasalho.
41 Cf. José Paulo Netto, 0 Método em Marx - notas de aula. PUC/SP, Pós-Graduação, 1990.
42 A.G. da CUNHA, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, 2a ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1989.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

O método, na perspectiva dialética que estamos aqui assumindo, conseqüentemente, não pode ser um
simples método de ‘interpretação’, de ‘ilustração’ a respeito da realidade, tão ao gosto da classe dominante,
que não se interessa mais por qualquer modificação mais substancial das relações sociais. O conhecimento
que dá suporte ao método dialético, ao invés, é um conhecimento ‘transitivo’, no sentido de ser vocacionado
à transformação da realidade, eticamente comprometido com a construção do homem (“o homem todo e todo
homem”). “Para o método dialético, a transformação da realidade constitui o problema central” (Lukács,
1989: 18).
O sujeito pode ter acesso a um conjunto enorme de informações, mas não as relacionar. O método é
uma forma de organizar o pensamento, de sorte que se possa criar, fazer relações até então não estabelecidas.
Não podemos conceber método como um conjunto de técnicas, de passos que se aplicam a qualquer
objeto e que devem ser mecanicamente seguidos para se chegar a um determinado fim; ao contrário,
precisamos entendê-lo como uma postura diante da realidade 43 , postura essa que implica sempre as seguintes
tarefas indissociáveis: reflexão/conhecimento/interpretação da realidade e sua transformação. O movimento a
ser feito é:

— Partir da Prática — ter a prática em que estamos inseridos como referência e desafio para a
transformação. Ter clareza de que há uma história, há um movimento do real; não é a reflexão
que inaugura o mundo, já que, como vimos, “no princípio era a ação”; qualquer processo de
mudança tem como referência experiências anteriores;
— Refletir sobre a Prática — através da reflexão crítica e coletiva, buscar subsídios, procurar
conhecer como funciona a prática, quais são suas contradições, sua estrutura, suas leis de
movimento, captar sua essência; 44 projetar um sentido novo, abrir novas possibilidades; procurar
saber como atuar no sentido de sua transformação;
— Transformar a Prática — atuar, coletiva e organizadamente, sobre a prática, procurando
transformá-la na direção desejada.

O problema metodológico refere-se ao processo de conhecimento que deve ser realizado


para se apropriar criticamente da realidade e transformá-la. (...) A resposta metodológica
que procuramos não está apenas nos passos que são necessários dar, nem nos meios ou
ferramentas que se precisa utilizar, mas na estratégia global que orienta e permeia nosso
trabalho, dando-lhe coerência interna, sentido e perspectiva. A questão metodológica
principal está em como conseguir uma articulação de conjunto entre os objetivos que nos
colocamos e a situação da qual partimos, num processo, passando pelas diferentes
mediações necessárias para implementá-la. (Jara, 1985: 1 e 9, grifos nossos)

Situação —> Mediações —> Objetivo

— Esquema: Relação Situação-Objetivo-Mediação—

O método não dispensa a apreensão, em si mesmo, de cada objeto; o método proporciona


apenas um guia, um quadro geral, uma orientação para o conhecimento de cada realidade.
Em cada realidade, precisamos apreender as suas contradições peculiares, o seu movimento
peculiar (interno), a sua qualidade e as suas transformações bruscas; a forma (lógica) do
método deve, pois, subordinar-se ao conteúdo, ao objeto, à matéria estudada. (Lefebvre,
1979: 29)

43 Poderíamos dizer que estamos falando de Método com ‘m’ maiúsculo, para distinguir de método no sentido mais restrito utilizado para práticas
em sala de aula (ex.: método expositivo, método ativo, etc.).
44 Processo de construção de conhecimento que implica um movimento de síncrese, análise e síntese.

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Ora, com esta visão ampliada de Método podemos identificar uma aproximação muito grande com o
Planejamento (também no enfoque dialético), como veremos a seguir.

2.2.Planejamento enquanto Méthodos de Trabalho

Embora as situações práticas não sejam rigorosamente iguais, a resposta dada pelos sujeitos “na
maioria dos casos, não ultrapassa os limites dos condicionamentos habituais... pelo simples aproveitamento
de experiências cujos resultados são conhecidos” (Pinto, 1979: 220). Por isto é que constatamos, não poucas
vezes, que o professor, diante de problemas que não domina, fica desarvorado, não sabe como enfrentar,
acusa, se irrita, agride. Não sabe o que fazer. E por que não sabe? Porque não sabe o que quer. E por que não
sabe para onde quer ir? Porque não sabe onde está, não sabe o que é que condiciona sua ação... Confrontando
com a formação que teve, verifica-se que esta, com freqüência, foi de caráter meramente prescritivo
(conjunto de orientações, quase mesmo receitas, de como ‘se deve agir’) ou técnico (em sentido estreito,
conjunto de passos a serem dados), ao invés de capacitá-lo a teorizar, qual seja, se debruçar sobre a realidade
para poder entendê-la e intervir, de acordo com as necessidades e objetivos elaborados a partir da situação
concreta.
O fato é que o educador costuma não ter método de pesquisa e de trabalho para a transformação da
prática» Por isto, tem se afirmado, cada vez mais, a necessidade do professor reflexivo. Ora, qual o caminho
(portanto, método) desta reflexão do professor? Vemos como fundamental a reflexão do professor (e da
escola) se dar em cima de três dimensões: realidade (onde estamos), finalidade (para onde queremos ir) e
mediação (o que fazer para chegar lá), que nada mais é do que a estrutura básica do Planejamento: Análise
da Realidade (AR), Projeção de Finalidades (PF) e Elaboração das Formas de Mediação (FM).
O planejamento, sem dúvida, pode colocar-se como um instrumento teórico-metodológico para a
intervenção na realidade. Todavia, mais do que instrumento ou ferramenta, queremos apontar para a
possibilidade de entendermos e vivenciarmos o planejamento como Méthodos de Trabalho do educador, qual
seja, como postura (algo reelaborado e interiorizado pelo sujeito), como forma de organizar a reflexão e a
ação, como estratégia global de posicionamento diante da realidade. Assim, podemos dizer que Méthodos45
de Trabalho é o outro nome de Planejamento (o que poderia até ter algumas vantagens dado o desgaste da
idéia de planejamento).

Nossa interpretação do conceito de método busca encontrar na essência da consciência a


raiz da inteligibilidade que lhe reconhece. (...) Para nós, o método brota da natureza da
consciência, é uma exigência dela, e por isto não pode ser dissociado da consideração do
ser do homem, enquanto animal naturalmente investigador da realidade. O método é, na
verdade, a forma exterior, materializada em atos, assumida pela propriedade fundamental
da consciência, a sua intencionalidade. (Pinto, 1979: 373)

A apropriação do Méthodos melhor habilita o educador a enfrentar mudanças repentinas, decorrentes


de fatores imprevisíveis (as quais, inclusive, são muito comuns na escola e na sala de aula), visto que mais
do que preso a um esquema formal, o professor dispõe de um modus de atuação, qual seja, não está limitado
aos objetivos imediatos, já que tem uma visão de totalidade do processo. “Descobrir por si mesmo uma
verdade, sem sugestões e ajudas exteriores é criação (mesmo que a verdade seja velha) e demonstra a posse
do método” (Gramsci, 1982: 125).
Precisa ficar muito claro que o Planejamento não é uma coisa que se coloca como um ‘a mais’ no
trabalho do professor: muito pelo contrário, é o próprio eixo de organização e definição deste trabalho. As
vezes, da maneira como o professor se refere ao projeto, parece que é uma coisa exterior: vai pensar sobre
seu trabalho, tomar as decisões, e depois ‘ainda tem que fazer o planejamento’ (para o outro, como
analisamos). Entendemos que o ato de pensar sobre a prática, organizar as idéias e tomar as decisões sobre a

45 Estamos usando o termo grego para procurar evitar a confusão com método/ metodologia no sentido mais restrito que se
tem difundido no meio educacional.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

ação a ser realizada já é planejamento. A proposta de planejamento que estamos aqui desenvolvendo visa
justamente organizar, sistematizar, direcionar, tensionar esta reflexão do educador. Portanto, não seria nem
externo (para o outro), nem extemporâneo (posterior ao processo de reflexão).

Nota Metodológica:

A título de melhor localização, apresentamos um quadro com a estrutura do trabalho dos


próximos capítulos deste módulo, explicitando as articulações entre as várias dimensões do
processo de elaboração do planejamento e as dimensões da atividade humana intencional
(tomada como referência e ponto de partida para a atividade de planejar).

Atividade Planejamento Projeto de Ensino- Projeto Político-


Intencional em geral Aprendizagem Pedagógico

Necessidade Realidade Análise da Realidade Marco Situacional


Diagnóstico

Objetivo Finalidade Projeção de Marco Filosófico


Finalidades Marco Operativo

Plano de Ação Plano de Elaboração das Programação


Mediação Formas de Mediação

— Quadro: Dimensões da Ação Humana Intencional x Dimensões da Elaboração do Planejamento—

Desejaríamos que não nos perdêssemos nos termos. Precisamos das palavras para nos comunicar,
mas são tão fluídas, polissêmicas... Travamos uma batalha para encontrar uma que seja mais adequada; o
Importante, no entanto, é o movimento conceitual, a estrutura, a lógica interna. Enfim, quero dizer que
partilho da procura de Drummond (1997: 43):

A Palavra Mágica

Certa palavra dorme na sombra


de um livro raro.
Como desencantá-la?
E a senha da vida a senha do mundo.
Vou procurá-la.
Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo,
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo, procuro sempre.
Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

III
Processo de Planejamento
1- APROFUNDANDO O CONCEITO DE PLANEJAMENTO

Discutir conceitos (de planejamento, de projeto, por exemplo) pode parecer perda de tempo , sendo
que o mais importante seria discutir o como fazer. Ocorre que, com frequência, as idéias mais interessantes
sobre a prática acabam advindo justamente da clareza conceituai Quanto mais se aprofunda o conceito, maior
o grau de liberdade, de autonomia do sujeito-professor. Pela negativa: quanto menor a fundamentação, maior
a necessidade de receita, de modelo.

Chegar a um conceito de planejamento, assim como outros tantos, não é tarefa fácil. Vamos partir da
concepção dicionarizada:

Planejamento. S. m. 1 .Ato ou efeito de planejar. 2.Trabalho de preparação para qualquer


empreendimento, segundo roteiro e métodos determinados; planificação: o planejamento de um
livro, de uma comemoração. (Aurélio)

Planejar. V. t. d. 1.Fazer o plano de; projetar, traçar: Um bom arquiteto planejará o edifício. 2.Fazer
o planejamento de; elaborar um plano ou roteiro de; programar, planificar: planejar um roubo.
3.Fazer tenção ou resolução de; tencionar, projetar (...). (Aurélio)

Plano. (Do lat. planu) Adj. (...) Projeto ou empreendimento com fim determinado. Conjunto de
métodos e medidas para a execução de um empreendimento (...). (Aurélio)

Projeto, (do lat. projectu, lançado5 para diante). S. m. 1 Idéia que se forma de executar ou realizar algo,
no futuro; plano, intento, desígnio. 2.Empreendimento a ser realizado dentro de determinado
esquema. (Aurélio)

Projeto. Em geral, a antecipação das possibilidades: isto é, qualquer previsão, predição,


predisposição, plano, ordenação, predeterminação. (Nicola Abbagano)

Por aqui percebemos a manifestação de um conceito de planejamento que poderíamos chamar, no


mínimo 46, de restrito, visto que não está supondo a vinculação entre a elaboração e a realização pelo sujeito.
Na verdade, esta concepção retrata aquela divisão a que nos referimos anteriormente, e que alçou um estatuto
científico com o taylorismo.
Tendo em vista o caráter emancipatório que buscamos, o que nos interessa neste trabalho é o
conceito integral de planejamento, como aquele já explicitado: planejar é antecipar mentalmente uma ação63
a ser realizada e agir de acordo com o previsto. Planejar não é, pois, apenas algo que se faz antes de agir, mas
é também agir em função daquilo que se pensou. Podemos fazer uma analogia com a coluna vertebral: é
aquilo que dá postura ao sujeito, qual seja, não é algo característico só do antecedente da ação: está presente
também na ação (e no depois). Esta antecipação e realização pode ser obra de um indivíduo, de um grupo ou
mesmo de uma coletividade social bem mais ampla (ex.: o planejamento participativo num sindicato, numa
rede de ensino). Trata-se, ao fim e ao cabo, de antever, projetar uma ação, mas não qualquer: é uma ação a
ser realizada (realizar = tornar real); é uma ação, portanto, que visa um fim (age-se de tal forma para..), e por

46 Para não dizer ideológico ou alienado.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

sua vez, tanto o fim quanto a ação estão referidos a uma realidade a ser transformada. Pode ser entendido
como “atividade consciente do homem que concebe uma coisa futura como possível e dependente dele, que
para isto tende pelo desejo e vontade, e se esforça pela sua realização” (Lalande, s/d). Deve ficar muito claro,
portanto, que planejar é também se comprometer com a concretização daquilo que foi elaborado enquanto
plano. Este compromisso corresponde à energética da ação (cf. Piaget), que possibilitará (no sentido de
impulsionar e dar suporte) a passagem da esfera reflexiva ao mundo objetivo.
O planejamento, enquanto construção-transformação de representações, é uma mediação teórico-
metodológica para a ação, que, em função de tal mediação, passa a ser consciente e intencional. Tem por
finalidade procurar fazer algo vir à tona, fazer acontecer, concretizar, e para isto é necessário ‘amarrar5,
‘condicionar5, estabelecer as condições — objetivas e subjetivas — prevendo o desenvolvimento da ação no
tempo (o que vem primeiro, o que vem em seguida), no espaço (onde vai ser feita), as condições materiais
(que recursos, materiais, equipamentos serão necessários) e políticas (relações de poder, negociações,
estruturas), bem como a disposição interior (desejo, mobilização), para que aconteça. E fazer história: uma
tentativa de fazer elo consciente entre passado, presente e futuro. Independente de o sujeito planejar ou não,
há um ‘fluxo5 do tempo, dos acontecimentos. Planejar é tentar interferir neste fluxo, no devir.

Vários atos desarticulados ou justapostos casualmente não permitem que se fale de


atividade (de planejamento); é preciso que os atos singulares se articulem ou estruturem,
como elementos de um todo, ou de um processo total, que culmina na modificação de uma
realidade. (Vázquez, 1977: 186)

— Diferenças

Planejar tem uma série de aproximações com outras práticas que envolvem alguns de seus elementos
básicos (representação, antecipação, etc.). Todavia, é importante perceber também suas diferenças e, com
isto, ter maior clareza do próprio conceito.

• Planejar difere da simples imaginação, na medida em que nesta não há o compromisso com a
colocação em prática.
• Difere do sonho, do desejo difuso, da mera intenção, visto que prevê passos, seqüência determinada de
ação, utilização de recursos, etc.
• O planejamento remete à prática, tem uma relação Intrínseca com ela; isto o difere de uma teoria
educacional qualquer, por exemplo, que pode ficar em meras elucubrações; além disto, o planejamento
se dá em cima de uma ação específica, numa situação bem concreta, enquanto que uma teoria tem um
caráter genérico (explica, se aplica a vários objetos ou contextos).
• Difere do relatório (memória), pois apesar deste ter a prática como referência, trata-se de uma prática
já realizada, ao passo que o planejamento incide sobre uma ação a ser realizada (imagem reprodutora
x imagem antecipadora); pelo mesmo motivo, distingue-se da avaliação, no sentido estrito (embora
estejam muito vinculados).
• Difere também da predição, pois esta apenas aponta o que está para acontecer com as condições dadas,
enquanto que o planejamento é uma forma de intervir e interagir com as condições dadas para que
determinadas coisas venham a acontecer.
• Distingue-se ainda do script de uma peça, pois, embora este se refira a uma prática a ser realizada, não
há, digamos assim, grau de liberdade: uma vez montada a peça, praticamente nada se altera, vai ser a
repetição do mesmo, enquanto que o planejamento, sobretudo o educacional, não chega a este nível de
detalhamento e de amarração segundo a segundo.

Tem, portanto, uma carga de interesse em função deste caráter pragmático, visto que “é a única entre
todas as figuras antecipatórias a poder ser considerada como operatória” (Carvalho e Diogo, 1994: 8).

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

— Planejamento x Plano

Planejamento é o processo, contínuo e dinâmico, de reflexão, tomada de decisão, colocação em


prática e acompanhamento. Plano é o produto desta reflexão e tomada de decisão, que como tal pode ser
explicitado em forma de registro, de documento ou não: “Poderá tão-somente ser assumido como uma
decisão e permanecer na memória viva como guia da ação. Aliás, só como memória viva ele faz sentido”
(Luckesi, 1984: 211).
O planejamento, enquanto processo, é permanente. O plano, enquanto produto, é provisório.

O planejamento da educação escolar pode ser concebido como processo que envolve a
prática docente no cotidiano escolar; durante todo o ano letivo, onde o trabalho de formação
do aluno, através do currículo escolar, será priorizado. Assim., o planejamento envolve a
fase anterior ao início das aulas, o durante e o depois, significando o exercício contínuo da
ação-reftexão-ação, o que caracteriza o ser educador. (Fusari, 1988: 9)

O plano corresponde a um certo momento de amadurecimento e de clareza no processo de


planejamento: “quando condições, objetivos, meios podem ser e são determinados 'exatamente’, e quando a
ordenação recíproca dos meios e dos fins apóia-se sobre um saber. suficiente do domínio em questão”
(Castoriadis, 1995- 97). Esta é sua força e seu limite, pois se desta forma pode direcionar a ação, de outra, está
condenado a ficar ultrapassado pelo fluxo do real: os planos passam, o planejamento permanece (cf.
Castoriadis, 1995: 97).

— Subprocessos

Planejar é elaborar o plano de mediação, da intervenção na realidade, aliado à exigência, decorrente


de sua intencionalidade, de colocação deste plano em prática. A elaboração do plano, obviamente, não é
ainda a ação; é um processo mental, de reflexão, de tomada de decisão; por sua vez, não uma reflexão qual-
quer, mas uma reflexão ‘grávida’ de intervenção na realidade. Temos, então, a dialética da ação humana
consciente e intencional entre ação e reflexão. E preciso ficar claro, no entanto, que não se trata de ‘etapas’
que se sucedem mecanicamente: uma de reflexão, outra de ação. Trata-se de predominância de uma ou de
outra, mas não de justaposições estanques, dicotômicas. Isto é importante: são momentos em que predomina
a reflexão ou a ação, mas ambos constituem uma unidade Indissolúvel (práxis). Na reflexão está presente a
ação, como ponto de partida, como desafio. Na ação há um tipo de reflexão que é ‘tensiona’, que está ao
mesmo tempo guiando a ação e confrontando, comparando com o Ideal estabelecido.

O planejamento enquanto processo envolve, pois, dois grandes subprocessos:

□Elaboração
□ Realização Interativa 47

Tem que haver elaboração do plano de ação. Mas isto não basta: se não houver a tentativa de
colocação em prática, tendo como referência aquilo que foi planejado, estará rompida a unidade do processo,
se estabelecerá uma dicotomia entre pensar e fazer, conceber e realizar, teoria e prática, o que caracteriza
uma atividade alienada. “A relação entre a consciência do projeto proposto e o processo no qual se busca sua
concretização é a base da ação planificada dos seres humanos” (Freire, 1981a: 43).
Por outro lado, ainda que a avaliação seja elemento Inerente à Realização Interativa, deve-se prever
um momento de avaliação mais sistemática do conjunto da atividade (antenção, ação, retroação, cf.
Palmarini, 1992: 23). Podemos representar o ciclo do planejamento da seguinte forma:

47 No planejamento administrativo, este subprocesso fase costuma corresponder às fases denominadas “execução” e “controle”.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

(Re) Elaboração

Realização Interativa

Avaliação de Conjunto

— Esquema: Ciclo do Planejamento—

Os esquemas clássicos do ciclo do planejamento apresentam os seguintes ‘passos’: Planejar,


Executar e Avaliar. Temos restrições a esta abordagem por entendermos que a execução não pode estar
separada do que foi planejado e a avaliação não é algo que ocorre apenas no fim; ao contrário, acompanha
todo processo de colocação em prática. Por isto, afirmamos que o ciclo do planejamento, na verdade, é
elaborar e realizar interativamente, o que implica a avaliação — tanto no processo como num momento de
conjunto —, ou seja, não pode haver — para não ser planejamento alienado — separação na execução com
aquilo que foi planejado. Esta não desvinculação da ação com a intencionalidade caracteriza a práxis.

2-FUNDAMENTOS DA ELABORAÇÃO DO PLANEJAMENTO

A Elaboração do planejamento “é um processo mental; precede a ação e reporta-se a um real ‘não


mental’, mas é relativo a uma situação desejada, um real construído mentalmente” (Carvalho e Diogo, 1994:
13). Dá-se tendo como referência as três dimensões da ação humana consciente e intencional: Realidade,
Finalidade e Plano de Ação Mediadora (essência da elaboração do planejamento).

Elaboração Realização

Finalidade

Plano de Mediação Mediação

Realidade

— Esquema: Dimensões do Planejamento—

A mediação (partejada pelo plano) é ‘filha’ da tensão entre a realidade e a finalidade, qual seja, se
não há distância entre o que se vive e o que se quer, não há motivo para a ação (por via de conseqüência,
nem para a elaboração do plano). “O hiato entre a visão e a realidade é fonte de energia. (...) Nós chamamos
este hiato de tensão criativa” (Senge, 1998: 178).
A cada uma destas dimensões do planejamento, corresponde respectivamente, um tipo de atividade
reflexiva:
Dimensão do Planejamento Atividade Reflexiva Correlata
Realidade Cognoscitiva

Finalidade Teleológica

Plano de Mediação Projetivo-Mediadora

— Quadro: Dimensões e Atividades Reflexivas Correlatas na Elaboração do Planejamento—

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

Em sua obra Filosofia da Praxis, Vázquez insiste na práxis como articulação entre reflexão e ação,
teoria e prática. Aponta duas grandes atividades que esta- riam envolvidas na reflexão: a atividade
Cognoscitiva e a Teleológica. Considerando a análise prévia que fizemos sobre as três dimensões
constituintes da atividade humana consciente e intencional, sentimos necessidade de desdobrar essa divisão,
visando a maior clareza e precisão na compreensão do processo de reflexão. A atividade teleológica, em que
Vázquez subentende tanto a finalidade da ação, quanto o plano de ação, pode ser desdobrada na atividade
Teleológica, no sentido da maior especificidade, por se referir à intencionalidade da ação, e na atividade que
chamaremos de Projetivo-Mediadora, em função de seu caráter de projeto de ação que fará a mediação entre
a realidade e a finalidade (transformar a realidade na direção da finalidade). Observemos que, na verdade, a
atividade reflexiva no seu conjunto pode ser entendida como mediadora da ação humana consciente; aqui, no
entanto, estamos falando de um aspecto particular desta mediação: a projeção.
Vamos retomar as três dimensões básicas do processo de elaboração do planejamento.

1) Realidade

Planejar, como vimos, é tentar intervir no vir-a-ser, antever, amarrar ao nosso desejo os
acontecimentos no tempo futuro. Para isto, é preciso conhecer o campo que se quer intervir, sua estrutura e
funcionamento: ao projeto retém e revela a realidade superada, recusada pelo movimento mesmo que a
supera: assim, o conhecimento é um momento da praxis, mesmo da mais rudimentar” (Sartre, 1978: 152).
Quando nos referimos ao conhecimento da realidade, falamos de uma visão de um sujeito/grupo, que é,
portanto, sempre uma construção.
Acontece que a realidade não se dá a conhecer diretamente, não se ‘entrega5; o esforço de decifração
e interpretação visa a apreender o dinamismo do real já configurado, tendo em vista nele entrar, seja no
sentido de usufruir ou de transformar. Tanto o para quê, quanto o quê do plano estão referidos à situação, à
realidade. Ela é o ponto de partida e o de chegada (só que já transformada), bem como o campo de
caminhada.
Ao ser conhecida, a realidade pode revelar possibilidades Inexploradas:

A situação, ao mesmo tempo em que nos indica o que nos falta (portanto, os objetivos, ou
seja, aquilo que ainda não foi alcançado mas que deve ser alcançado), indica o que temos
(portanto, os meios que nos permitem realizar os objetivos propostos). (Saviani, 1983a: 64)

A atividade reflexiva característica desta dimensão, como indicamos, é a Cognoscitiva. Refere-se à


reflexão sobre uma realidade presente, que se pretende conhecer; não traz em si uma exigência de ação
efetiva, diferentemente da teleológica. Uma das funções da teoria é interpretar a realidade, decifrá-la, através
da pesquisa. Tem como resultado a produção de conhecimentos (informações que se articulam em saberes,
conceitos, hipóteses, teorias, leis).

2) Finalidade

Esta dimensão corresponde à busca do telos (fim), à explicitação da intencionalidade, ao sentido a


ser dado à ação, ao estado futuro de coisas, à uma orientação geral, à direção para transformar o que ê
naquilo que deve ser: qual o horizonte, qual a utopia, o que se deseja mais profundamente.

A forma de raciocínio projectual é diferente das formas de raciocínio descritivo e


explicativo relacionadas com a observação de fatos. (...) Não é um método de obtenção de
informação, é um método de injeção7 de informação na configuração do projeto. (Thiollent,
1984: 49)

A afirmação do que se quer tem uma importante tarefa na superação dialética: ao assumir

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

finalidades, o homem nega a realidade presente e afirma uma outra ainda não existente. “O presente é
contraditório, está sempre sobrecarregado de passado, mas ao mesmo tempo está sempre grávido das
possibilidades concretas de futuro” (Konder, 1992: 123). A determinação da ação passa a vir não simples-
mente do passado ou do presente, mas como que também do faturo.

A atividade propriamente humana só se verifica quando atos dirigidos a um objeto para


transformá-lo se iniciam com um resultado ideal, ou finalidade, e terminam com, um
resultado ou produto efetivo, real. Neste caso, os atos não só são determinados casualmente
por um estado anterior que se verificou efetivamente — determinação do passado pelo
presente —, como também por algo que ainda não tem um,a existência efetiva e que, não
obstante, determina e regula os diferentes atos antes de culminar num resultado real; ou
seja, a determinação não vem do passado, mas sim do futuro. (Vázquez, 1977: 187)

A finalidade deve ser aberta, um projeto dinâmico, que vai se configurando pela interação com a
própria realidade.
Aqui, a atividade reflexiva característica é a Teleológica, que refere-se a um estado futuro, portanto
ainda inexistente. E a construção de representações mentais sobre o que se deseja. Trata-se da
intencionalidade, do alçar vôo, antever, projetar ou explicitar finalidades. Tem como resultado os fins, os
objetivos, as metas (de acordo com os diferentes níveis de abrangência), o ‘produto’ ideal, entes que “ainda-
não-são”, a imagem do resultado almejado.
O caráter finalista que reveste certas idéias provém do engajamento do homem no mundo (cf. Pinto,
1979: 144), da sua luta pela sobrevivência, da sua não mera adaptação: “...a atividade teleológica traz
implícita uma exigência de realização, em virtude da qual se tende a fazer da finalidade uma causa de ação
real” (Vázquez, 1977: 191).
A atividade reflexiva serve também, pois, para a projeção, para esboçar o novo, para abrir novas
possibilidades, criar o ainda não existente: “...o possível cognitivo é essencialmente invenção e criação”
(Piaget, 1985: 8). A mudança da realidade exige imaginação, criatividade a fim de se projetar uma
possibilidade de organização diferente da que temos. Podemos lembrar uma outra colocação de Einstein:
“Nada existe na ciência que não tenha estado antes na imaginação”.

...o possível, o virtual, o futuro não se representa senão através do imaginário. Trabalhadas,
elaboradas, essas representações se tomam utopias afirmativas ou negativas. De tal modo
que o imaginário possui uma função5 igual ou superior ã do saber que se refere ao real.
(Lefebvre, 1983: 63)

Para planejar é importante imaginar, porém não uma imaginação descomprometida, mas que tenha
em conta as experiências anteriores e o engajamento para que venha a acontecer.
Segundo Barbier, há com efeito uma relação genética entre as representações: “para definir uma
representação do possível torna-se provavelmente necessário partir de uma representação do real existente”
(Barbier, 1996: 52), qual seja, a construção da representação de um estado ideal, de um novo horizonte se dá
tendo como base as representações mentais anteriores, portanto, relativas ao passado ou ao presente» Logo, o
trabalho de conhecer bem a realidade é da maior Importância para ampliar o leque de possibilidades de
criação de novas representações antecipadoras. Assim, estabelecer finalidades não pode ser entendido como
um devaneio, um passeio por cima das nuvens onde as finalidades, prontas, amadurecidas, bem definidas,
seriam colhidas e trazidas... E um processo que parte de uma escuta atenta da realidade, que arrisca
interpretações, e que finalmente ousa apostar em algumas projeções.

3) Plano de Mediação

E a previsão das ações, do movimento, da seqüência de operações a serem realizadas para a


transformação da realidade. Dimensão mais operacional, de criação de alternativas concretas de mudança,

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

onde se elabora um plano de intervenção. Enquanto a finalidade corresponde a uma antecipação de um


estado a ser alcançado, o plano diz respeito à antecipação do processo (sucessão de iniciativas, passagem de
um estado a outro) a ser desencadeado(cf. Barbier, 1996: 57). Tudo se dá como se a imagem ideal projetada
retroagisse sobre o sujeito para estruturá-lo a fim de alcançá-la (cf. Not, 1981: 454).
A atividade reflexiva Projetivo-Mediadora é característica desta dimensão. São idéias que têm a
função de poder representar prefiguradamente uma ação a fazer. Trata-se de buscar construir a Imagem
mental do caminho a ser seguido, ser capaz de visualizar o movimento na situação fatura: como ocupar o
tempo, o espaço e os recursos. Tem como resultado o projeto — stritu senso —, a produção de propostas de
atividades, enfim, o plano a ser assumido.
Para o êxito na realização do projetado, é fundamental, portanto, que a consciência não se limite à
representação do próprio fim, mas que este fim direcione igualmente o modo de ação nele implicado.

...acaba por dar uma estrutura nova ao ato de trabalho, enquanto implica doravante em si
próprio o seu próprio plano, como consciência da forma do movimento a imprimir ao
objeto. E pois na verdade a imagem que o trabalhador projetou da sua cabeça no material,
não somente a imagem da própria forma do instrumento a obter, mas a imagem da forma do
movimento da sua execução, que se realiza na matéria trabalhada. (Trân Duc Thao, 1974:
201)

O plano deve levar em consideração os meios disponíveis ou potenciais. Vai implicar também em
tomada de decisões quanto às formas de realização.
Devemos estar atentos para um possível equívoco metodológico: a confusão entre a
operacionalização da solução do problema (mediações) e a finalidade. Diante de uma situação-problema,
uma vez que esta é captada, normalmente o que aparece no sujeito é o desejo de sua superação —
objetivo/finalidade —, e isto pode ser confundido com a solução; ocorre que a operacionalização precisa ser
elaborada (plano de mediação), ser construída, a partir da análise sobre as determinações da realidade e da
reflexão sobre os fins almejados.

— Dialética entre as Dimensões

A relação entre estas três dimensões é dialética, o que significa dizer que uma supõe, nega e supera
as demais. Há, por exemplo, uma unidade indissolúvel entre Realidade e Finalidade: primeiro, a existência
da finalidade remete ao conhecimento da realidade para que o fim possa se realizar, mas também tem sua
gênese numa necessidade advinda desta realidade; segundo, a finalidade é de certa forma a negação (ideal)
da realidade (que se quer transformar). O arquiteto, como veremos a seguir, imagina a casa, mas esta
imaginação está baseada em suas experiências anteriores, portanto, na própria realidade. Se pensarmos no
Plano de Mediação, veremos que também leva em conta a realidade, tanto no sentido de experiências
anteriores, quanto dos recursos disponíveis na mesma; e assim por diante.

A démarche de elaboração de projeto pode efetivamente ser definida com,o um processo de


transformação de uma representação orientada do real, com efeito cognitivo e relevando de
uma démarche de identificação e de conhecimento, numa representação orientando o real,
com efeito operatório antecedendo diretamente a ação. (Barbier, 1996: 24)

3 -FUNDAMENTOS DA REALIZAÇÃO INTERATIVA

O autêntico processo de planejamento, além da elaboração, traz implícita uma exigência de


realização. O tipicamente humano é, a partir da realidade, projetar a finalidade, esboçar o plano de ação e
agir de acordo com ele, influenciado, determinado, tendo-o como referência.

Com efeito, enquanto antecipação ideal de um resultado real que se pretende alcançar, o

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objetivo é também expressão de uma necessidade humana que só se satisfaz atingindo-se o


resultado que aquele prefigura ou antecipa. Por isto, não se trata apenas de antecipação
ideal do que está por vir, mas sim de algo que além disso, queremos que venha. (Vázquez,
1977: 191)

O plano passa a constituir-se em guia, referência, orientação, direção da ação, interferindo, pois, no
seu desenrolar. Esta prática comum de se fazer plano e depois se esquecer dele, não se comprometer com sua
realização, é marca da atividade humana- alienada, onde alguns pensam e decidem, outros executam. Aliás,
como analisamos, este é o ponto que no cotidiano escolar mais desacredita o plano e, por conseqüência, a
própria idéia de planejamento: as coisas vão para o papel e depois não acontecem! Não basta ter uma
finalidade Inicial; é preciso que ela acompanhe a atividade de concretização, ainda que o resultado — em
função de fatores intervenientes — saia diferente do ideal inicial. A realização do planejado não vai se dar de
forma linear, mas por um processo de aproximações sucessivas.

E essa subordinação não é um ato fortuito. Além do esforço dos órgãos que trabalham, é
mister a vontade adequada que se manifesta através da atenção durante iodo o curso do
trabalho. E isto é tanto mais necessário quanto menos se sinta o trabalhador atraído pelo
conteúdo e pelo método de execução de sua tarefa, que lhe oferece por isso menos
possibilidade de fruir da aplicação das suas próprias forças físicas e espirituais. (Marx,
1980b: 202)

Há, portanto, uma unidade interna entre concepção (necessidade-finalidade- plano de ação) e ação
que não pode ser rompida: “Impõe-se que a antecipação intelectual, a idéia das conseqüências se misture
com o desejo e o Impulso para adquirir força de movimento e dar, então, direção ao que seria atividade cega,
enquanto o desejo dá às idéias ímpeto e projeção” (Dewey, 1979: 68).
Deve ficar claro que estamos nos movimentando aqui em dois campos distintos, embora
profundamente articulados, A elaboração se dá no campo das representações (processos mentais e
intelectuais), enquanto que a realização acontece, digamos assim, na realidade objetiva, no campo não-
mental.

— Conhecimento da realidade
— Projeção de Finalidades
— Plano de Mediação Ação

Representações

Conhecimento Realidade Objetiva

— Esquema: Relação entre Campos de Elaboração e de Realização do Planejamento—

O planejamento com efeito é,um processo de transformação; comporta distinguir, no entanto,


transformação das representações e transformação do real em si. Planejar no seu conjunto implica, pois, a
passagem das idéias (transformadas) para a transformação da realidade.

— Interferências

Falamos de intenção de adequação porque não há como 'garantir5 absolutamente que o resultado da
ação sala Igual ao Idealizado. E claro que na análise da realidade, procurar-se-á captar seus determinantes, e
na projeção de finalidades se procurará estabelecer objetivos compatíveis com a realidade e as possibi-
lidades, mas, seja pela não captação adequada do real ou pelas diferentes finalidades dos sujeitos da
instituição, pode acontecer a inadequação. Os conflitos podem emergir, inclusive, decorrentes de um
processo global inintencional, qual seja, de “relações que os homens contraem independente de sua vontade e

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

de sua consciência” (Vázquez, 1977: 188), A perspectiva de um bom processo de planejamento é superar (ou
pelo menos diminuir a influência) inclusive esta inintencionalidade.
Muitos fatores só se manifestam na consecução do projeto, à medida que avança a prática, levando a
modificar o processo (plano) e o produto (fim) de início projetado.

A finalidade preside as ‘modalidades de atuação \ mas na medida em que entram em jogo


elementos não propriamente ideais — e não podem deixar de entrar, se a finalidade for se
realizar —já se está numa esfera imprevisível na qual seu próprio domínio também está
constantemente em jogo. Mas a finalidade não pode deixar de dominar — ou seja, a
consciência não pode bater em retirada no processo prático —, e por isso tem que estar
alerta às exigências imprevistas do processo objetivo de realização. (Vázquez, 1977: 242)

Em função das interferências, o que pode acontecer é o planejamento não completar seu ciclo
Elaboração - Realização Interativa (ex.: prevê-se um curso na escola e depois ele não acontece). E claro que
aqui caberá uma análise para localizar o foco do problema: plano mal elaborado, falta de compromisso da
execução, interferência não previsível, etc.
Não podemos, portanto, identificar o planejar com o necessariamente acontecer — embora deva
haver esta intenção inicial—. Todavia, quando da concretização, esta deverá se pautar pelo planejado, não
podendo ser uma ação qualquer. Neste sentido é que podemos falar do planejamento como Méthodos para a
Práxis.

— Dinamismo da Consciência

Não há uma lei previamente determinada que oriente todo o trabalho educacional. Há fatores comuns
que permitem certo grau de previsão, porém não de forma absoluta, variando de acordo com as condições
objetivas, peculiares. “O que significa que a consciência não pode limitar-se a traçar um objetivo ou modelo
ideal imutável. O dinamismo e a imprevisibilidade do processo exigem também um dinamismo da
consciência” (Vázquez, 1977: 242).
A consciência tem de estar atenta durante todo o processo, tendo em vista as mudanças necessárias.
Diante de uma mudança na realidade, por exemplo, o sujeito poderá manter o objetivo e rever a mediação, ou
alterar o próprio objetivo, etc. Os fins não são, portanto, produtos acabados, mas estão neste processo de
interação com a realidade e as formas de mediação.
Por isto também, é importante tentar fazer: ao tentar, conhece-se melhor a realidade, pode-se
aquilatar melhor onde está a resistência. 48 Não é viável, pois, aquela postura de se esperar ter toda a certeza
para só depois agir.
A competência do educador vai crescendo na mesma proporção em que vai aprendendo a
transformar sua prática pedagógica. A mera repetição — ainda que de práticas Interessantes — não faz um
bom professor. Nesta perspectiva, o planejamento pode ser um suporte para ajudar o seu crescimento.

— Duas vezes

Nesta explicitação do processo de planejamento, fica claro que o resultado acontece duas vezes: uma
vez quando é antecipado mentalmente, outra quando é realizado. O conceito de planejamento está vinculado
simultaneamente às Idéias de antecipação e de realização da ação, tendo em vista atingir determinado
objetivo.

Este modo de articulação e determinação dos diferentes atos do processo ativo distingue
radicalmente a atividade especificamente humana de qualquer outra que se situe num nível

48 Ex.: pode-se pensar, inicialmente, que a dificuldade de se implantar uma idéia estaria na direção da escola; quando se
tenta, percebe-se que a resistência na verdade está nos professores ou nos pais.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

meramente natural. Esta atividade implica na intervenção da consciência, graças à qual o


resultado existe duas vezes — e em tempos diferentes—: como resultado ideal e como
produto real. (Vázquez, 1977: 187)

No texto já reproduzido, Marx afirma que o arquiteto figura na mente sua construção antes de
transformá-la em realidade.
Devemos ponderar, no entanto, o fato de que não é só o resultado que aparece duas vezes; a
mediação também: enquanto plano de ação e enquanto ação concreta na realização interativa.

— Atividades Reflexivas Presentes

Pensando no ciclo integral do planejamento, além das atividades reflexivas Cognoscitiva,


Teleológica, Projetivo-Mediadora, presentes na Elaboração, devemos acrescentar ainda, relativamente à
Realização Interativa, duas outras, mais específicas deste momento, a saber:

□ Práxico-Pragmática 49: atividade reflexiva de caráter mais operatório, que está presente, em
alguma medida, na prática concreta do sujeito; trata-se mais de um estado mental que o acompanha, dando
inclusive sua identidade por ligar passado, presente e futuro;
□ Diagnostica: atividade reflexiva de cunho axiológico, valor ativo, aquela que faz a revisão, a
crítica, a análise dos resultados que estão sendo obtidos e/ou o julgamento da ação, no sentido de perceber
até que ponto está se aproximando do plano de ação elaborado (e/ou da própria finalidade), e o que deve ser
feito (comparação + juízo + decisão); a comparação se dará entre as representações assumidas como aquilo
que deveria ser e as representações relativas ao que aconteceu ou está acontecendo. Através da análise ou dos
juízos, ela indica as necessidades que orientam a intervenção na prática (princípio de auto-regulação).
Devemos reconhecer que esta atividade reflexiva também está presente na elaboração(ex.: AR: foram
considerados todos os elementos relevantes da realidade?, já chegamos ao núcleo do problema?; PF: os
objetivos estão claros?, é isto mesmo que queremos?; FM: quais os recursos disponíveis?, quais as melhores
alternativas de ação?). Aqui, no entanto, se manifesta de forma mais clara e específica enquanto regulação da
ação

A atividade reflexiva Práxico-Pragmática, de acordo com o empenho do sujeito, pode ocupar um


espectro que vai desde um maior nível de intencionalidade (práxica) até um nível mais elementar
(pragmática).
Planejar implica, pois, refletir antes de agir, durante a ação e depois dela (cf. Brighenti, 1988: 10).
Assim, é possível representar a práxis pedagógica da seguinte forma:

Práxis (Reflexão sobre a Prática) Cognoscitiva


Teleológica
Reflexão Projetivo-Mediadora

Ação Práxico-Pragmática
(Prática Reflexiva) Diagnóstica
— Quadro: Práxis enquanto dialética Reflexão-Ação—

— Sobre a Utopia

49 Agradeço ao prof. Atitonio Joaquim Severino pela sugestão da denominação deste tipo de atividade mental.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

As reflexões anteriores nos remetem à questão do papel e do lugar da utopia. Como sabemos, este é
um aspecto controverso, sobretudo depois das críticas ‘pós’ (pós-moderna, pós-estruturalista). De imediato
adiantamos que não estamos assumindo utopia naquele sentido dado por alguns autores modernos (como a
Cidade do Sol de Campanella, 1568-1639) de um programa rigidamente definido, de uma descrição concreta
e pormenorizada de passos a serem dados para se chegar a algum lugar; também não desejamos aquela
perspectiva denunciada por Marx, qual seja, como “ópio do povo”: algo irrealizável, que não tem em conta
os fatos reais, forma de refúgio subjetivo pela fuga da realidade objetiva (recusa do princípio de realidade). O
conceito de utopia foi criado e utilizado por Thomas Morus (1478-1535) na obra que o leva como título
(1516), a partir de grego topos (que significa lugar) e ou (negação). Entendemos que a utopia tem um papel
importante no processo de transformação quando é compreendida como ou- topos, qual seja, aquilo que não
tem lugar ainda, mas que pode vir a ter, e, em especial, que desejamos que tenha. Neste sentido, tem uma
função de denúncia de uma determinada situação e de anúncio da possibilidade de uma outra, a ser
construída; portanto, é criadora e “subversiva”.

A utopia é a exploração de novas possibilidades e vontades humanas, por via da oposição


da imaginação a necessidade do que existe, só porque existe, em nome de algo radicalmente
melhor que a humanidade tem direito de desejar e por que merece a pena lutar. (Santos,
1996b: 323)

Tem por base, pois, a esperança, a crença na possibilidade de mudança do real, conforme reflexão
anterior. Partilhamos aqui da perspectiva de Ernest Bloch quando liga “a espera a um faturo melhor e a
qualifica, ao mesmo tempo, de docta spes, isto é: de esperança fundada também no conhecimento do mundo
e na análise científica de sua estrutura e contradições” (Münster, 1993: 13). Para Bloch, “utopia é, em
primeiro lugar, um topos da atividade humana orientada para um futuro, um topos da consciência
antecipadora e a força ativa dos sonhos diurnos” (Münster, 1993: 25). Contrapondo-se à utopia abstrata,
afirma a concreta que é vinculada a tendências objetivas, já existentes na realidade (embora ainda não
manifestadas).
Resgatamos utopia no seu sentido mais profundo, oriundo de uma concepção ontológlca que
reconhece o ser humano como inacabado (ainda-não-ser. dialética de um ser e de um não-ser cf. Bloch) e,
nesta medida, toda existência é um constante vir-a-ser em direção ao ser-mais, tornar-se cada vez mais
humano (tanto do ponto de vista individual quanto social).
Não podemos negligenciar as potencialidades criativas e transformadoras da realidade, seu excedente
utópico ainda-não explorado (cf. Bloch), sua característica de objeto-projeto (Carvalho, 1988: 119). Deve
fazer parte, portanto, das ciências da educação a preocupação com o futuro, a componente utópica (Gimeno
Sacristàn, 1983: 33). Retomando a reflexão de Gimeno, Carvalho enfatiza: “a ciência da educação não pode
apenas ser uma ciência descritiva: será também uma ciência normativa em que a componente utópica tem
papel central” (1988: 93), visto lidar com um objeto inconcluído, em construção.
Viver é perigoso (cf. Guimarães Rosa); não podemos ficar aguardando passivamente o melhor
momento, a melhor concepção que viriam a se configurar sabe-se lá quando. A vida nos cobra no aqui e
agora. Temos de fazer apostas, temos de nos arriscar, nos chamuscar. Construir, assumir uma utopia,
portanto, é uma tarefa delicada, mas decisiva.

Na medida em que as previsões deterministas não são passíveis, é provável que as visões de
futuro, e até as utopias, desempenhem um papel importante nessa construção. Há pessoas
que temem as utopias; eu temo mais a falta de utopias. (Prigogine,1996: 268)

Que se reconheça: mudar a realidade não é absolutamente fácil! E a meta a ser alcançada, um ideal
que dá sentido ao caminhar. Assim, se o professor não sonha mais, se não deseja, se não tem a esperança
crítica, o que está fazendo em sala de aula? Aliás, o que está fazendo na vida?

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

Sonho Impossível 50

Sonhar, mais um sonho impossível,


Lutar, quando é fácil ceder,
Vencer o inimigo invencível,
Negar, quando a regra é vender.
Sofrer a tortura implacável,
Romper a incabível prisão,
Voar, num limite improvável Tocar o inacessível chão.

É minha lei, é minha questão,


Virar este mundo, cravar este chão.
Não importa saber se é terrível demais,
Quantas guerras terei de vencer por um pouco de paz.
E amanhã,
Se esse chão que eu beijei for meu leito e perdão,
Vou saber que valeu delirar e morrer de paixão.

E assim, seja lá como for, vai ter fim a infinita aflição.


E o mundo vai ver uma flor
brotar do impossível chão.

4-NECESSIDADE DA PARTICIPAÇÃO NO PLANEJAMENTO

O conceito de planejamento que estamos plasmando e assumindo traz consigo uma outra exigência:
a Participação. Concebemos o planejar como uma oportunidade de repensar todo o fazer da escola, como um
caminho de formação dos educadores e educandos, bem como de humanização, de desalienação e de
libertação. Colocamos como pano de fundo de todo o processo de planejamento, o desafio da
transformação, ou seja, de conseguirmos efetivamente criar algo novo, ousar, avançar, dar um salto
qualitativo. O fato de buscarmos o planejamento participativo tem a ver com opções de ordem ontológica,
ética e política, mas também pragmática.
A participação é um valor, é uma necessidade humana (o homem se toma homem pela sua inserção
ativa no mundo da cultura, das relações, etc.); é uma questão de respeito pelo outro, de reconhecimento de
sua condição de cidadão, de sujeito do sentir, pensar, fazer, poder. “Ao cooperar com outros de acordo com
um plano, desfaz-se o trabalhador dos limites de sua individualidade e desenvolve a capacidade de sua
espécie” (Marx, 1980b: 378).
Os problemas fundamentais do homem estão justamente nas suas relações com o mundo e,
especialmente, com os outros homens na sociedade: os coeficientes de poder. Estamos no cerne da questão
política da atividade humana e da organização da sociedade. Numa sociedade dividida em classes sociais
antagônicas onde “os ricos estão cada vez mais ricos, às custas” dos pobres cada vez mais pobres,m, não há
espaço para neutralidade. Cabe-nos então a questão: que tipo de planejamento estamos favorecendo? que tipo
de sociedade está subjacente à nossa prática de planejar? Não importa, pois, só o que se planeja, mas também
o como, visto que estamos na busca do bem comum, de uma nova qualidade de vida para todos. A autêntica
participação é, muito concretamente, uma estratégia de superar a dominação e a exclusão.
Por outro lado, a participação no processo de planejamento tem a ver com uma questão muito
prática: o desejo de que as coisas planejadas realmente aconteçam. Uma das grandes metas (e queixas) na
instituição que planeja é que todos Vistam a camisa’, incorporem os objetivos traçados, criando uma nova

50 J. Darion e M. Leigh, The impossible dream; tradução de Chico Buarque de

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

cultura. Todavia, em levantamentos feitos junto a educadores de diferentes realidades, os maiores problemas
da escola apontados são, de um modo geral, da ordem das relações, da política interna e não tanto de
proposta pedagógica: pessoas que não querem, não aceitam, não abrem mão, não deixam, controlam, não
mudam. Por isto, quanto maior o nível de participação, maiores as chances de vermos o planejado realizado.
A proposta metodológica do planejamento participativo favorece este envolvimento, visto que nasce na
própria participação ativa de cada membro.
Além disto, como sabemos, o problema maior não está tanto em se fazer uma mudança, mas em
sustentá-la. Daí a essencialidade da participação! Que o planejar seja do grupo e não para o grupo.
A participação pode ser enfocada em três níveis (inter-relacionados): a institucional, que remete ao
tipo de proposta feita para a elaboração do planejamento; a individual, que tem a ver com o grau do
envolvimento da pessoa, possibilitando o resgate da condição de sujeito por parte do educador; a coletiva,
relativa à organização dos sujeitos, que pode favorecer a que um conjunto de forças se articule em torno de
uma mesma direção, o que aumenta as chances de que as coisas venham a se concretizar; há uma diferença
muito grande, em termos de possibilidade de realização, entre ‘colocar no papel’ a idéia de um indivíduo, e
uma idéia assumida pelo grupo. A participação, portanto, é também um elemento estratégico, é uma forma
de diminuir — pela negociação, pela busca de consenso ou de hegemonia — as resistências dos próprios
agentes internos à instituição.
É necessário fazer um planejamento participativo, uma vez que dessa forma:

• O sujeito da reflexão é também o sujeito da decisão, da ação e do usufruto;


• Há motivação, pelo fato de estar atendendo às necessidades dos sujeitos;
• A probabilidade de concretização é maior, dado que quem ajudou a construir está mais
predisposto a realizar;
• Propicia-se uma nova postura (crença, convicção, valores): se o sujeito não participa de
todo o processo, pode até fazer as coisas novas que são propostas, mas não ‘por inteiro’ ou com
‘espírito velho’;
• Possibilita-se o crescimento dialético da autonomia e da solidariedade;
• O que se privilegia é o processo e não só o plano escrito.

A participação deve se dar em todas as Instâncias: sensibilização, discussão decisão, colocação em


prática, avaliação e frutos do trabalho.
Pela participação efetiva há oportunidade das pessoas se posicionarem, se dizerem, saírem de suas
trincheiras, arriscarem-se, apostarem em algo; abre-se espaço para a razão comunicativa (cf. Habermas,
1929- ) 51, para o autêntico diálogo (cf. P. Freire), portanto, para a vida.
E comum vermos grandes esforços serem empregados para colocar em prática um projeto que é da
equipe diretiva; diante da inviabilização, muitos perguntam-se: 'Onde foi que erramos? O projeto era bom,
estávamos cheios de boa vontade, por que não deu certo?’ Aqui podemos estabelecer um critério de
julgamento para o planejamento: por melhor que seja a intenção (do Estado, da mantenedora, da direção, dos
professores, da equipe de coordenação, dos alunos ou dos pais), se não houver condições Institucionais
mínimas de desencadear um processo de planejamento com a participação da comunidade educativa (mesmo
que em diferentes níveis) 52, é porque não há ainda condições de desencadear um processo de realização de
uma Educação Dialética-Libertadora, cabendo uma ação de Intervenção, a partir da clareza desta realidade.
Acabamos de refletir sobre o planejamento numa visão mais geral. Iremos, na seqüência, analisar seu
desdobramento, em termos mais operacionais, no campo da prática de sala de aula e da escola.

51 “Chamo comunicativas às interações nas quais as pessoas envolvidas se põem de acordo para coordenar seus planos de ação, o
acordo alcançado em cada caso medindo- se pelo reconhecimento intersubjetivo das pretensões de validez” (Habermas, 1989: 79).
52 Ex.: uma primeira elaboração apenas com professores e funcionários.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

Atividades de Síntese
Escreva um texto falando sobre a necessidade do planejamento na escola.
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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

3ª Parte

PROJETO DE ENSINO-
APRENDIZAGEM

Introdução Geral
NÍVEIS DE PLANEJAMENTO

Na educação escolar, podemos realizar planejamentos em diferentes níveis de abrangência:

□Planejamento do Sistema de Educação

E o de maior abrangência, correspondendo ao planejamento que é feito em nível nacional, estadual


ou municipal. Incorpora e reflete as grandes políticas educacionais. Enfrenta os problemas de atendimento à
demanda, alocação e gerenciamento de recursos, etc. 53

□Planejamento da Escola

Trata-se do que chamamos de Projeto Político-Pedagógico (ou Projeto Educativo), sendo o plano
Integral da instituição. Compõe-se de Marco Referencial, Diagnóstico e Programação. Envolve tanto a
dimensão pedagógica, quanto a comunitária e administrativa da escola. Mais à frente nos dedicaremos ao seu
estudo (4a Parte).

□Planejamento Curricular

E a proposta geral das experiências de aprendizagem que serão oferecidas pela escola, Incorporada
nos diversos componentes curriculares. Dá a espinha dorsal da escola, desde as séries iniciais até às
terminais. 54

□Projeto de Ensino-Aprendizagem

53 Este tipo de planejamento ganhou grande impulso através de iniciativas da UNESCO.


54 A Proposta Curricular pode ter como referência os seguintes elementos: fundamentos da Disciplina/Área de Estudo,
desafios pedagógicos, encaminhamento metodológico, proposta de conteúdos, processo de avaliação.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

E o planejamento mais próximo da prática do professor e da sala de aula. Diz respeito mais
estritamente ao aspecto didático. Pode ser subdividido em Projeto de Curso e Plano de Aula, como veremos
detalhadamente mais adiante.

□Projeto de Trabalho

E o planejamento da ação educativa baseado no trabalho por projeto: são projetos de aprendizagem55
desenvolvidos na escola por um determinado período, geralmente de caráter interdisciplinar. Trata-se, muitas
vezes, mais de uma metodologia de trabalho que incorpora a concepção de projeto.

□Planejamento Setorial

E o plano dos níveis intermediários (cursos, departamentos, áreas) ou dos serviços no interior da
escola (direção, coordenação/supervisão, orientação, secretaria, etc.). Este plano, em termos institucionais, é
equivalente ao projeto de ensino-aprendizagem, devendo, portanto, estar referido também ao Projeto
Educativo da escola.

Nota Metodológica:

Desejamos registrar que o percurso a ser feito a partir de agora (3a e 4a Partes) está
pautado mais na ordem psicológica que na lógica: vamos começar pelo Projeto de Ensino-
Aprendizagem ao invés de pelo Projeto Político-Pedagógico. A justificativa para isto é o
fato da expectativa maior do professor estar voltada para aquilo que lhe é mais próximo.
Esperamos, no entanto, deixar claro no decorrer da exposição que o Projeto de Ensino
pouco valor tem se não estiver articulado ao Projeto Político-Pedagógico da Escola. Se
você desejar, poderá inverter e começar a leitura pela 4a Parte.

I
Estrutura do Projeto de Ensino-
Aprendizagem
INTRODUÇÃO

1- Sobre o Conceito de Projeto de Ensino-Aprendizagem

Estamos assumindo aqui Projeto no mesmo sentido a que nos referimos antes quando conceituamos
Planejamento:

55 Também chamada muitas vezes de Pedagogia de Projetos.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

É uma praxis determinada, considerada em suas ligações com o real, na definição


concretizada de seus objetivos, na especificação de suas mediações. E a intenção de uma
transformação do real, guiada por uma representação do sentido desta transformação,
levando em consideração as condições reais e animando uma atividade. (Castoriadis, 1995:

Importante saber:

Enquanto o Projeto Político-Pedagógico diz respeito ao plano global da instituição, o


Projeto de Ensino-Aprendizagem corresponde ao plano didático.

97)

Tradicionalmente, fala-se de Plano de Ensino-Aprendizagem e não de Projeto. Os conceitos de


projeto e plano podem ser aproximados. Aqui estamos preferindo projeto a plano em função do significado
mais vivo, dinâmico e potencialmente mobilizador do primeiro: enquanto plano nos remete mais à idéia de
produto, projeto traz subjacente a idéia de processo-produto, ou seja, projeto, da forma como estamos
concebendo, inclui o conceito de plano e o transcende, na medida em que remete também a todo processo de
reflexão, de construção das representações e colocação em prática, e não apenas ao seu registro. 56 E por isto
que tem o mesmo significado do próprio conceito de planejamento anteriormente assumido.
Uma questão poderia ser levantada: por que Projeto de Ensino-Aprendizagem e não apenas de
Ensino? Antes de mais nada, porque ensino e aprendizagem são conceitos essencialmente relacionais e
dialéticos: “O ensino (magistério) não existe por si mesmo, mas na relação com a aprendizagem (estudo). (...)
0
existe entre o ensino e a aprendizagem é uma relação de ‘dependência ontológica’” (Veiga, 1997: 139);
assim, por exemplo, a rigor não podemos dizer que houve ensino se não houve aprendizagem; por seu turno,
embora o sujeito possa aprender algo sozinho, nunca está sozinho em absoluto: no mínimo está partilhando
uma linguagem que representa, em alguma medida, a presença do outro. E certo que, como veremos mais à
frente, é até possível fazer a distinção e falar de projeto de ensino do professor e projeto de aprendizagem do
aluno, mas mesmo assim os dois se exigem reciprocamente, pedem um encontro.

2- PROJETO X CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO, CURRÍCULO E CONHECIMENTO

O planejamento se coloca no campo da ação, do fazer; todavia, não parte do nada: existem definições
prévias (teoria, valores, etc.) que precisam ser explicitadas. O Projeto de Ensino, Aprendizagem está atrelado
a uma concepção de educação, que, por sua vez, está relacionada às concepções de conhecimento e de
currículo. Estas concepções devem constar do Projeto Político-Pedagógico da instituição.

2.1. Educação Escolar

Gostaríamos de destacar a relação de Interdependência que existe entre o tipo de educação que se
busca fazer e o tipo de planejamento a ela correlato. Muitas vezes, na prática escolar, encontramos
verdadeiros ‘monstrinhos’ criados pela tentativa de justapor concepções antagônicas entre a forma e o
conteúdo do trabalhar no dia-a-dia, e a forma e o conteúdo do planejar.
Pensar no Projeto de Ensino é enfrentar algumas questões básicas, que definem o próprio campo de
atuação do educador: o que entendemos por educação escolar? Qual o papel da escola? Naturalmente, se
estas reflexões já foram feitas por conta da elaboração do Projeto Educativo, basta retomá-las; todavia, no
caso da escola não ter seu Projeto, é fundamental que o educador busque, pelo menos para si e para seu
grupo de trabalho, este posicionamento, a fim de ter critérios de decisão sobre o tipo de planejamento que se

56 Cremos também que esta mudança na nomenclatura possa ajudar o professor a repensar esta atividade e resignficá-la.

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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico

vai assumir.
E claro que sempre há o perigo da esquizofrenia pedagógica: declaramos uma intenção e na verdade
a que dirige o trabalho é outra, sem que, multas vezes, sequer nos demos conta... Mas este é um outro
problema, que não será resolvido simplesmente se omitindo a concepção desejada. Muito pelo contrário, uma
vez explicitada, temos condições de confronto com a prática concreta da instituição.
De nossa parte, esperamos ter deixado claro no decorrer do trabalho a concepção de educação que
assumimos. De qualquer forma e multo sinteticamente, entendemos que a educação escolar é um sistemático e
Intencional pro' cesso de interação com a realidade, através do relacionamento humano baseado no trabalho
com o conhecimento e na organização da coletividade, cuja finalidade é colaborar na formação do educando
na sua totalidade — consciência, caráter, cidadania —, tendo como mediação fundamental o conhecimento
que possibilite o compreender, o usufruir ou o transformar a realidade.

2.2. Currículo e Conhecimento

A prática do planejamento dependerá também da concepção de currículo que se tem, tendo em vista
as implicações bem concretas em termos de organização do trabalho pedagógico.

(Se) por currículo se entendeu deforma dominante o compêndio de conteúdos, planejá-lo é


fazer um esboço ordenado do que se deveria transmitir ou aprender seqüenciado
adequadamente... Se por currículo se entendesse um conjunto de objetivos para serem
alcançados junto aos alunos, o plano é a estrutura e ordenação precisa dos mesmos para
obtê-los por meio de certos procedimentos concretos. Finalmente, se por currículo
entendemos a complexa trama de experiências que o aluno obtém, incluídos os efeitos do
currículo oculto, o plano deve contemplar não apenas a atividade de ensino dos professores,
mas também todas as condições do ambiente de aprendizagem graças ás quais se produzem
esses efeitos: relações sociais na aula e na escola, uso de textos escolares, efeitos derivados
das práticas de avaliação, etc. (Gimeno Sacristán, 1995a: 230)

Todo processo de educação escolar, por ser intencional e sistemático, implica a elaboração e
realização (incluindo aí a avaliação) de um programa de experiências pedagógicas a serem vivenciadas em
sala de aula e na escola. Estamos entendendo por currículo este conjunto de atividades.

Por currículo se entende a síntese de elementos culturais (conhecimentos, valores,


costumes, crenças, hábitos) que conformam uma proposta político-educativa pensada e
impulsionada por diversos grupos e setores sociais cujos interesses são diversos e
contraditórios, ainda que alguns tendam a ser dominantes ou hegemônicos, e outros tendam
a opor-se e resistir a tal dominação ou hegemonia. (Alba, 1991: 38)

O currículo não pode ser pensado apenas como um rol de conteúdos a serem transmitidos para um
sujeito passivo. Temos que levar em conta que as atitudes, as habilidades mentais, por exemplo, também
fazem parte dele. Neste sentido, 0 currículo que nos interessa é aquele em que o educando tem oportunidade
de entrar no movimento do conceito.

...um currículo reflete não só a natureza