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História Trágico-Marítima

- Módulo 3 -

Docente: Emanuela Costa

História Trágico-Marítima

 Coletânea de relatos de naufrágios e desastres


marítimos de naus portuguesas;
 Naufrágios e desastres ocorridos durante os séculos
XVI e XVII;
 Na «carreira da Índia» ou nas travessias atlânticas;
 Publicação em formato avulso ou em livros de cordel;
 Bernardo Gomes de Brito compilou uma antologia de
naufrágios;
 Publicou doze relatos;
 Organizados em dois volumes;
 Em 1735 e 1736;
 Durante o reinado de D. João V.

Frontispício da primeira edição da História Trágico-Marítima (vol. II, 1735).

Características dos Relatos


Cariz testemunhal
 Vivacidade nos diálogos;
 Dramatismo na narração;
 Realismo das descrições;
 Reflexão sobre a fragilidade da vida;
 Religiosidade.

pintura Autor desconhecido, Naus Portuguesas do Século XVI,


exposta no Museu Marítimo de Greenwich, Londres (s. d.).

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Simbolismo dos naufrágios
 Metáfora da efemeridade da vida, das dificuldades da vida humana;
 Visão barroca da vida humana: topos do homo viator (o Homem enquanto ser que se
encontra numa permanente viagem, ser que peregrina pelo mundo) e topos do temor da
morte (o Homem como mortal temente a Deus e consciente da sua fragilidade).

Causas dos naufrágios apontadas nos relatos


 Largada fora da época regulada pelas normas;
 Excessivas dimensões e má construção das embarcações;
 Cargas excessivas e má distribuição nas embarcações;
 Tempestades;
 Equipamentos deficientes (bombas de água ou velas);
 Inexperiência dos pilotos;
 Falta de cooperação entre os navios;
 Os ataques de piratas, corsários ou navios estrangeiros.

Descrição das atitudes humanas nos relatos


 Condição psicológica dos tripulantes e dos passageiros;
 Desorientação e desespero na situação de naufrágio;
 Momentos de agonia;
 Reação à morte iminente (aspeto religioso);
 Apelos à divindade nos momentos-limite;
 Atitudes individuais (os heróis dos relatos);
 Atitudes de grupos de personagens.

«As terríveis aventuras de Jorge de Albuquerque Coelho (1565)»

Pormenor da capa do tomo segundo da História Trágico-Marítima,


Naufrágio que passou Jorge de Albuquerque Coelho (1736).

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Temas e Ideologia
A fé e a mensagem cristã
 Defesa dos valores da doutrina cristã;
 Jorge de Albuquerque Coelho como modelo de postura cristã perante a adversidade
(fé, esperança e caridade — serviço aos outros);
 Mentalidade barroca: imagem da vida como uma passagem (a viagem da alma
pelo mundo, exposta às adversidades e perigos).
Portugal e a decadência do Império
 Lado negro, desastroso da expansão (a ganância);
 Jorge de Albuquerque Coelho como modelo de dedicação à pátria, de retidão de
carácter, de bom português.

Ação
Situação inicial
 Os ascendentes de Jorge de Albuquerque Coelho;
 A excelência militar de Jorge de Albuquerque Coelho;
 Antecedentes da partida da nau Santo António.

Desenvolvimento
 Dificuldades da partida e impossibilidade de aportar em outros territórios de
domínio português (ilhas);
 Tempestades e confrontos com um corsário francês;
 Pilhagens e abandono da nau Santo António.

Desenlace
 Chegada de auxílio e desembarque em Lisboa.

Síntese dos Excertos


Parte I
Apresentação dos acontecimentos que antecedem a viagem de Jorge de
Albuquerque Coelho na nau Santo António.
Apresentar o herói da narrativa:

 Dedicado ao serviço da pátria;


 Cumpridor do dever;
 Destemido, corajoso e persistente;
 Estratega, bondoso e sensato;
 Filho de uma antiga família portuguesa.

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Apresentar os antecedentes familiares do herói da narrativa (fidalgos de honra):

 Pai: Duarte Coelho — capitão-donatário de Pernambuco;


 Irmão: Duarte de Albuquerque Coelho — herdeiro do título de
capitão-donatário de Pernambuco.

Antecedentes da viagem:

 Ida de Duarte de Albuquerque Coelho para o Brasil, a pedido de D. Catarina


Controlar, a fim de controlar a revolta dos indígenas na capitania de seu pai
― Pernambuco;
 Jorge de Albuquerque Coelho assume funções de chefe militar na capitania;
 Vitória sobre os indígenas e regresso a Lisboa;
 Fome; condições geográficas adversas; condições climatéricas adversas ―
construção do perfil do herói.

Parte II
Partida de Olinda, incidentes e conflitos entre marinheiros e passageiros.
Incidentes da viagem:

 16 de maio de 1565: partida de Olinda — nau carregada;


 Encalhe da nau / corte dos mastros;
 Recolha ao porto; Prenúncio de uma má viagem
 Novo carregamento da nau.

 29 de junho de 1565: nova partida;


 Lançamento de carga ao mar: crítica aos mercadores e aos oficiais que
permitiram que a nau fosse demasiado carregada;
 Rombo no casco da nau; Prenúncio de uma má viagem
 Quebra do gurupés;
 Desejo de aportar em Cabo Verde, para retirar a água da nau e reparar o
gurupés;
 19 dias em zonas sem vento;

 29 de julho de 1565: aproximação de navios inimigos (franceses); trovoada


e nevoeiro;

 31 de julho de 1565: aproximação ao arquipélago de Cabo Verde;

 29 de agosto de 1565: procura do arquipélago dos Açores, para retirar a


água da nau e reparar o gurupés;

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 Dificuldades entre a tripulação e os passageiros;
 Fome e sede;
 Jorge de Albuquerque ordena: partilha dos mantimentos por todos
(generosidade); serenidade nas brigas e discórdias (persuasão).

Parte III
Uma nova contrariedade: o assalto dos corsários franceses.

 3 de setembro de 1565: aproximação ao arquipélago dos Açores;


 Abordagem de um corsário francês bem equipado e bem armado;
 Contraste: a ação do herói Jorge de Albuquerque  coragem  Resistência do
capitão e de sete companheiros VS a ação do mestre, do piloto e demais tripulação
 cobardia  pedido de rendição, demonstrando a sua fraqueza;
 Três dias de combate com apenas duas peças de artilharia: um berço e um falcão;
 Enaltecimento da postura de Jorge de Albuquerque: heroísmo, patriotismo, sentido
do dever, sentido de missão, dotes de oratória;
 Admiração do capitão do corsário francês;

 6 de setembro de 1565: avistamento das ilhas do Faial, Pico e Graciosa;


 Muito vento: os corsários decidem levar os portugueses para França;
 Jorge de Albuquerque arquiteta uma revolta contra os franceses que seguem na nau
Santo António;

 12 de setembro de 1565: a tempestade inviabiliza a revolta;


 A nau Santo António necessita do auxílio do corsário francês, pois a tempestade
causou muitos estragos (leme destruído, castelo da proa arrasado e mastro grande
destruído);
 Jorge de Albuquerque revela as suas competências de liderança: conforta os que
sofrem, anima os que conseguem ajudar a manobrar a nau, mantém-se ativo durante
toda a tempestade, dando ordens e analisando a situação;

 17 de setembro de 1565: saque e partida do corsário francês;


 O corsário francês abandona a nau Santo António e prossegue a sua viagem;
 Caracterização da atuação do corsário francês. Postura dúbia: Atitudes imorais e
hereges; os luteranos confiscam os livros religiosos dos portugueses porque estes
são católicos; revelam ganância por deixarem o barco português sem as
mercadorias do Brasil; revelam crueldade, pois não deixam na nau Santo António os
meios de manutenção necessários à navegação e retiram a roupa a alguns
marinheiros VS Agradecem a Jorge de Albuquerque o facto de ter salvo a vida dos
franceses que seguiam na nau Santo António durante a tempestade; deixam dois
sacos de biscoito podre para a alimentação na nau portuguesa; sugerem salvar
Jorge de Albuquerque e três marinheiros que ele escolhesse: o capitão português
recusa a oferta dos corsários franceses.
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Parte VI
A ação divina: o auxílio de Deus nos momentos de aflição e proximidade com a morte.

 17 de setembro de 1565: partida do corsário francês;


 A nau Santo António fica à deriva;
 Ação do herói Jorge de Albuquerque (deveres espirituais, organização dos meios de
manutenção da nau, partilha dos mantimentos): herói piedoso e pragmático;
 Milagre: a recuperação da cruz de ouro anima os marinheiros, pois seria um sinal
divino de que as suas provações estariam a terminar;
 Uma nova tempestade volta a testar os marinheiros;
 Desânimo dos marinheiros originando desacatos;
 Fome, desejo de afundar a nau (suicídio), desejo de se alimentarem dos cadáveres
dos companheiros;
 Jorge de Albuquerque mantém-se firme nos seus valores, convence pelas palavras
dóceis e firmes, crê que chegarão a Lisboa;

 3 de outubro de 1565: salvamento na barca de Rodrigo Álvares de Atouguia;


 Caridade que contrasta com as restantes embarcações.

Personagens
Jorge de Albuquerque Coelho
 Protagonista: herói religioso, militar e cívico;
 Reúne qualidades de cristão virtuoso, de patriota honrado e de bom cidadão;
 Encarado como um líder de princípios firmes;
 Toda a sua vida está ao serviço da pátria, da salvação da nau que comanda
e dos seus companheiros.

Duarte Coelho (pai) e Duarte de Albuquerque Coelho (irmão)


 Fidalgos de carácter que se devotam à pátria.

Os tripulantes e passageiros da nau Santo António


 Contrastam com o seu líder;
 Revelam-se desorganizados e indisciplinados;
 Mostram o seu oscilante estado de espírito;
 Centram-se no materialismo (criam discussões);
 Falham enquanto cristãos (perdem a fé).

Os corsários franceses
 São os antagonistas da nau portuguesa (violência);
 Assumem-se como inimigos dos portugueses em termos religiosos
(luteranos);

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 O capitão do corsário francês mostra-se impressionado com a coragem de
Jorge de Albuquerque.

Narrador
Quanto à presença: heterodiegético (não participante; narração na 3.ª pessoa);

Quanto à focalização: omnisciente (o leitor fica a conhecer a complexidade que se


revela na situação trágica do naufrágio);

Quanto à posição: narrador subjetivo (há indícios de crítica à ganância dos


responsáveis pelos carregamentos).

Espaço
 Colónia do Brasil: Pernambuco, Olinda;
 Territórios portugueses no oceano Atlântico: ilhas de Cabo Verde e dos
Açores;
 Portugal Continental: Cascais e Lisboa.

Simbologia da travessia do Oceano


 A viagem é arriscada, cheia de perigos naturais (as tempestades) e
obstáculos causados pelo Homem (saques);
 A vida humana é arriscada (uma provação a que Deus submete os fiéis para
testar a sua fé).

Tempo
Durante os reinados de D. João III e de D. Sebastião
(regência de D. Catarina, avó de D. Sebastião)
1.º momento
Atribuição da capitania de Pernambuco a Duarte Coelho e pacificação da região através da
ação militar.
2.º momento
A perigosa viagem entre Pernambuco (Olinda) e Lisboa ocorre em 1565 e demora quatro
meses e meio (de 16 de maio a 3 de outubro);
A localização temporal dos eventos tem a intenção de conferir veracidade ao relato
(semelhança com a escrita dos diários de bordo).

Linguagem e estilo
Tom arcaizante:
 Escolha de vocábulos caídos em desuso;
 Aproximação ao relato original publicado em 1736.

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Marcas de oralidade:
 Introdução de falas de personagens;
 Recurso a interjeições.

Campos lexicais da área da ciência náutica:


 Cuidado em reportar os acontecimentos com precisão técnica, referindo os
instrumentos utilizados.

Bibliografia
História Trágico-Marítima: Narrativas de Naufrágios da Época das Conquistas (adaptação
de António Sérgio) (1962). Lisboa: Livraria Sá da Costa.
CARRIÇO, Lilaz (1990) – Literatura Prática. Porto: Porto Editora, pp. 336-340.
LANCIANI, Giulia (1979) – Os relatos de naufrágios na literatura portuguesa dos séculos
XVI e XVII. Instituto de Alta Cultura: Amadora, pp. 43-60.
― (1997) – Sucessos e Naufrágios das Naus Portuguesas. Caminho: Lisboa.
KOISO, Kioko – http://cvc.instituto-camoes.pt/navegaport/f04.html [último acesso: 2 de
junho de 2015].
NUNES, Patrícia et alii (2008) – Enciclopédia do Estudante, vol. 10. Carnaxide: Santillana-
Constância, pp. 86-87; 90-91.
SARAIVA, António José (1979) – História da Literatura Portuguesa — das origens a 1970.
Amadora: Livraria Bertrand; pp. 69-73.
SARAIVA, António José; LOPES, Óscar (s. d.) – História da Literatura Portuguesa, 16.ª ed.
Porto: Porto Editora.
SEIXO, Mariz Alzira; CARVALHO, Alberto (1996) – A História Trágico-Marítima: Análises e
Perspectivas. Lisboa: Edições Cosmos.

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