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POLÍTICA INTERNACIONAL
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ISBN 978-85-02-12496-7
ISBN 978-85-02-12496-7
1a Edição
1a tiragem: 2006
2a tiragem: 2007
3a tiragem: 2008
4a tiragem: 2011
Nenhuma parte desta publicação
poderá ser
reproduzida por qualquer meio ou
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sem a prévia autorização da
Editora Saraiva.
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estabelecido na lei no 9.610/98 e
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pelo artigo 184 do Código Penal.
SOBRE OS AUTORES
INTRODUÇÃO
A queda do Muro de Berlim, em 1989, e a dissolução da União
Soviética, dois anos depois, marcaram um ponto de inflexão na
história mundial contemporânea. Pessoas dos mais variados pontos
do mundo se perguntavam como era possível a ordem bipolar da
guerra fria desaparecer de forma tão rápida e relativamente pacífica.
Alguns analistas se apressaram em identificar uma nova etapa da
história da humanidade, que seria caracterizada, no plano político,
pelo fortalecimento dos regimes democráticos e pelo primado do
direito internacional, e, no plano econômico, pela economia de
mercado. Parecia surgir no horizonte o que poderíamos denominar
“paz kantiana”, um mundo regido por regras construídas e aceitas
por todos.
No entanto, não foi necessário muito tempo para que as
previsões de um futuro mais harmônico nas relações
internacionais arrefecessem. A guerra da Bósnia-Herzegóvina
(1992-1995), os testes nucleares franceses no Atol de Mururoa
(1995-1996), o início da crise financeira asiática (Tailândia, 1997),
a crise do Kosovo (1997-1999), dentre outros acontecimentos,
demonstraram que nem tudo tinha mudado. Estaria o mundo se
tornando mais incerto, mais complexo e, talvez, mais perigoso?
Passados os primeiros impactos das profundas transformações
ocorridas entre 1989 e 1991, os analistas das relações
internacionais passaram a se pautar pela prudência, indicando o
início de uma fase de transição e não de uma nova ordem
mundial, clara e bem definida.
A pressa, porém, voltou a pautar boa parte da intelectualidade
mundial quando dos acontecimentos de 11 de setembro de 2001.
Novamente surgiram vozes que afirmavam o fim da “transição”
iniciada em 1989-1991 e início de uma nova etapa nas relações
internacionais, desta vez caracterizada pela unipolaridade e pela
retomada das preocupações em relação à guerra, ainda que uma
guerra contra um inimigo de difícil conceituação, o terrorismo. Pela
primeira vez na história, os Estados Unidos tinham sido atingidos
em seu próprio território, por um grupo terrorista islâmico, Al-
Qaeda, e por um método inusitado: o uso de aviões de carreira
como mísseis. A política exterior norte-americana para a área da
defesa estabeleceria a pauta internacional dos anos seguintes.
Não se trata de questionar a importância dos atentados de 11
de setembro de 2001 ou dos atentados ocorridos em Madri, em 11
de março de 2004, ou em Londres, a 7 de julho de 2005. Trata-se
de buscar o “lugar” de tais acontecimentos em uma perspectiva
mais ampla, de compreender as mudanças ocorridas no mundo
nos últimos 20 ou 30 anos, de identificar as permanências e as
mudanças no cenário internacional.
Uma rápida passagem por alguns dos principais
acontecimentos das últimas décadas do século XX e dos anos
iniciais deste novo século é suficiente para perceber a dificuldade
da tarefa de identificar o advento de uma nova ordem mundial,
suas características, seus fundamentos, suas perspectivas.
Quando nos situamos no nível dos acontecimentos diários, que,
de hora em hora, minuto em minuto, pululam nos sites de notícias
da Internet, tendemos a nos deixar impressionar por qualquer
grande acontecimento, mesmo que aparente, como se fosse, por
si só, capaz de gerar um novo ordenamento internacional. Aqui, a
prudência seria a melhor conselheira.
Uma visão mais segura do ordenamento do mundo atual exige,
pelo menos, dois procedimentos. Em primeiro lugar, buscar os
elementos constitutivos da ordem mundial em uma perspectiva
multidisciplinar, sem a qual todo conhecimento será parcial,
encerrado nos limites por definição estreitos de uma única
disciplina. Em segundo lugar, identificar o nível de compreensão
dos acontecimentos em relações internacionais: o do evento
diário, o da conjuntura e o da estrutura, conforme velha lição do
historiador francês Fernand Braudel, o historiador da longa (e da
curta) duração.
Uma perspectiva multidisciplinar, aplicada à área das Relações
Internacionais, requer a inclusão das contribuições de pelo menos
seis campos do conhecimento: a Ciência Política, o Direito, a
Economia, a Geografia, a História e a Sociologia. A identificação
do nível dos acontecimentos pressupõe um profundo
conhecimento das próprias relações internacionais e a percepção
do que é duradouro, do que é transitório e do que é fugaz neste
mundo de permanente transformação. Unir os dois procedimentos
é uma necessidade para a compreensão da nova ordem
internacional.
Para tanto, o presente texto, além da introdução e da
conclusão, está desdobrado em três partes: 1) A noção de ordem
em Relações Internacionais; 2) Globalização, fragmentação e
relações internacionais; 3) As estruturas hegemônicas mundiais.
Na primeira parte, desenvolve-se uma reflexão sobre o conceito
de “ordem mundial”, por meio de um diálogo entre os conceitos
criados nas origens das Relações Internacionais como campo do
conhecimento e os mais recentes avanços verificados nesta e nas
outras áreas afins. Na segunda, se analisa os impactos do
processo de globalização-fragmentação da sociedade mundial
contemporânea nas relações internacionais, com ênfase naquilo
que é novo, mutável, dinâmico. Na terceira, a preocupação maior
é com aquilo que permanece mas se transforma, com o que
conforma as relações de poder mundiais, as estruturas
hegemônicas.
CONCLUSÃO
A identificação e a caracterização de uma nova ordem
internacional requerem a passagem de alguns (ou de muitos)
anos e amadurecimento da produção acadêmica a respeito dela.
Mas é possível desde já estabelecer alguns parâmetros e delinear
algumas tendências das relações internacionais neste século.
a) As relações internacionais e a política internacional não
mudaram de natureza com as transformações do final da
década de 1980 e início da de 1990, se consideradas a
anarquia internacional, a hierarquia entre as potências, a
permanência de relações de dominação e influência, as
estruturas capitalistas de produção, distribuição e consumo, os
conflitos de interesse envolvendo os diversos atores
internacionais;
b) A emergência dos Estados Unidos como única potência
global é um dado próprio da nova ordem internacional. Os
Estados Unidos têm um papel preeminente na manutenção
das estruturas hegemônicas mundiais, mas não conseguem
por si sós estruturar uma nova ordem, que ainda se lhes
escapa. A possibilidade real de contribuir para o fortalecimento
das organizações internacionais e para um maior respeito ao
Direito Internacional foi substituída, principalmente após o 11
de setembro de 2001, por iniciativas unilaterais, que tornam o
mundo mais instável;
c) A União Européia, potencialmente um ator capaz de
contrabalançar o poder norte-americano, demonstrou, na crise
do Iraque, que, antes de se contrapor aos desígnios de
Washington, está interessada em consolidar sua estratégia de
inserção dinâmica no capitalismo contemporâneo. Porém,
enfrenta dificuldades nessa seara, e o “não” dos franceses e
holandeses à aprovação da Constituição Européia no ano de
2005, juntamente com as desconfianças surgidas quanto ao
futuro do Euro, aponta não para a consolidação de uma
federação européia internamente coesa, e sim para a
emergência de novos conflitos locais;
d) O Japão, depois de décadas de “um país que diz sim” aos
interesses econômicos e de segurança do Ocidente, começa a
pensar em “dizer não” e inicia uma política para se armar
diante de um vizinho que se configura como um gigante da
política internacional do futuro, a China. Os Estados Unidos
continuam a apoiar este que é o principal defensor dos
interesses de Washington no Extremo Oriente, mas a
conjuntura política regional indica a possibilidade de
instabilidade na região, nos próximos anos;
e) A China, por outro lado, surge como a região mais dinâmica
economicamente do planeta, mas não dá sinais de querer
abandonar sua estrutura autoritária de poder. Cabe lembrar
que em outros momentos da história dos dois últimos séculos,
em que uma potência autoritária transformou-se em um centro
econômico dinâmico da economia mundial, os resultados
foram desastrosos, como revelam as duas guerras mundiais;
f) Os países emergentes ou “em desenvolvimento”, como Brasil
e Índia, mais o primeiro que o segundo, ainda vivem os
dilemas em torno do desenvolvimento econômico. Nesse caso,
é importante destacar que as estruturas hegemônicas
mundiais depõem contra o desenvolvimento “autônomo”
desses países. Encontrar alternativas viáveis para o
desenvolvimento é a principal tarefa que se lhes apresenta;
g) As áreas empobrecidas e esquecidas do planeta tendem a
reproduzir sua situação atual: são objeto de saques e
exploração econômica cujos padrões nos remetem ao século
XIX, são interessantes do ponto de vista comercial e político,
mas não ocupam o centro das preocupações das grandes
potências e dos principais organismos internacionais.
Em suma, a nova ordem mundial é complexa e dinâmica.
Apreender suas tendências mais gerais é sempre um desafio para
os pesquisadores e estudiosos em geral. Analisar a nova ordem
mundial com o uso apenas do instrumental fornecido pela área
das relações internacionais propriamente dita é, de antemão, um
exercício fadado ao fracasso. Deve-se reconhecer a pertinência
de interpretarmos a realidade internacional atual em termos de
uma ordem uni ou multipolar. Mas isso é pouco.
Somente uma visão mais abrangente, considerando os aportes
das mais variadas áreas das ciências do homem, poderá levar a
uma compreensão maior do mundo atual. Além disso, é
necessário descer aos níveis mais profundos do devir da
humanidade. Um exemplo concreto: como um internacionalista
deveria se comportar diante das questões levantadas em torno da
Venezuela de Hugo Chávez? Situando-se no nível dos
acontecimentos diários, tenderia a endossar a caracterização do
governante venezuelano como populista — um rótulo muito caro
aos dirigentes norte-americanos —, a enfatizar a fragilidade da
democracia daquele país (o que não estaria incorreto) e, no limite,
simpatizar com soluções “alternativas”, fora do marco institucional
do país, como o golpe fracassado de abril de 2002.
Uma leitura mais profunda dos acontecimentos daquele país
nos levaria a incluir uma história de poderes oligárquicos que
usufruíram da principal riqueza do país, o petróleo, sem atacar os
problemas sociais mais profundos, como a desigualdade de
renda. Um país estrategicamente importante para os Estados
Unidos, uma vez que é responsável pelo fornecimento de boa
parte do petróleo ali consumido (dados do ano 2000 sustentam
que 14,7% do petróleo importado pelos Estados Unidos era
proveniente da Venezuela). A presença de um dirigente
autoritário, sem dúvida, mas que consegue catalisar a insatisfação
dos setores excluídos da sociedade venezuelana. Cotejar os
dados da mídia diária com o conhecimento acumulado nas
diversas áreas das ciências do homem é um procedimento
aconselhável.
Não existem soluções fáceis para o caso da Venezuela, como
para a maioria dos grandes problemas do mundo atual.
Reconhecer a existência de poderes estruturais, que tendem a
seguir em sua trajetória inercial, com algumas mudanças
processadas em um tempo relativamente longo, ajuda a delinear
as tendências para o futuro. Comparada com a ordem
internacional da guerra fria, a ordem mundial atual tem muitos
elementos novos, mas talvez as estruturas mais antigas é que nos
expliquem a permanência dos conflitos, das guerras, das
desigualdades, da fome. Tornar a vida humana algo mais racional
e harmônica é tarefa de todos.
GLOSSÁRIO
Estados falidos: Estados que há algumas décadas atrás
passaram pelo processo de descolonização (independência), mas
que não conseguiram consolidar suas instituições políticas e que
hoje são áreas governadas de forma precária ou mesmo sem
governo.
Fetichismo: culto de objetos materiais, considerados a
encarnação de um espírito, ou em ligação com ele, e possuidores
de virtude mágica.
Hegemon: país hegemônico que, em uma determinada
conjuntura, consegue impor os seus interesses pelo uso da força ou
do convencimento aos países situados em sua área de influência.
Megacidades: grandes cidades que têm renda equivalente à de
países pequenos e que são simultaneamente pólos industriais e
tecnológicos, interconectados com outras cidades gigantes, onde se
estabelecem os grandes gestores da economia mundial, sejam eles
empresas, entidades ou pessoas.
Ordem internacional assimétrica: a ordem internacional vista
pelo reconhecimento da existência de uma profunda clivagem entre
os países desenvolvidos e os demais, que conformaria uma
estrutura polarizada entre um centro industrializado e uma periferia
não industrializada.
Países ganhadores: países industrializados, que conseguiram
consolidar seus avanços nas áreas social, política e econômica.
Pós-internacional: diz-se da ordem “internacional” que não seria
mais composta de Estados nacionais e sim de uma multiplicidade de
micropoderes espalhados pelo planeta.
Regimes internacionais: conjunto de normas, regras,
procedimentos de processo decisório em torno dos quais
convergem as expectativas dos agentes em uma área específica
das relações internacionais.
BIBLIOGRAFIA INDICADA
DUPAS, G. Economia global e exclusão social: pobreza, emprego,
Estado e o futuro do capitalismo. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
HAESBAERT, R. (Org.). Globalização e fragmentação no mundo
contemporâneo. Niterói: EdUFF, 2001.
SARAIVA, J. F. S. (Org.). Relações Internacionais: dois séculos de
história. Brasília: Ibri, 2001, 2 v.
SMOUTS, M. C. As novas relações internacionais: práticas e
teorias. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004.
STRANGE, S. States and markets. London: Pinter Publishers, 1994.
Capítulo 2
A ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS — ONU
Cristiano Garcia Mendes
INTRODUÇÃO
A Organização das Nações Unidas (ONU) pode ser vista como
um emaranhado institucional de sistemas e instâncias criados, em
princípio, com o objetivo de construção da Segurança Coletiva1.
Nascida das experiências malsucedidas na Liga das Nações, a
ONU tentou organizar as relações entre Estados no período do
pós-Segunda Guerra Mundial. Respeitando a hierarquia de poder
existente entre os Estados àquela época, as Nações Unidas
tentaram garantir a participação de atores-chave do cenário
internacional, cedendo assento permanente a eles no Conselho
de Segurança e direito de veto por parte destes países.
Com um perfil mais realista que a Liga das Nações, a ONU
conheceu períodos de inércia, como na época da guerra fria, e
períodos de expansão das suas atividades e reforço da sua
legitimidade como, por exemplo, a década de 1990.
O objetivo deste capítulo é fazer um levantamento geral sobre a
criação e estrutura de funcionamento da ONU para, em seguida,
analisar alguns aspectos de maior destaque nos últimos anos.
Assim, nos tópicos 1 e 2, vamos encontrar um breve relato sobre
a conjuntura histórica na qual a ONU foi criada e um levantamento
das suas principais instâncias e processos de tomada de
decisões. No item 3, trataremos da relação existente entre a ONU
e a questão dos Direitos Humanos, uma vez que este tema não
somente é recorrente na Organização, como também vem sendo
estendido para outras áreas, como, por exemplo, aquelas relativas
às questões de segurança. Já no item 4, serão abordadas as
Missões de Paz e os atuais desafios enfrentados por elas. O item
5 trata dos Objetivos do Milênio, um programa que se propõe a
indicar quais os setores sociais/econômicos dos Estados devem
receber investimentos para o desenvolvimento humano e a
mensurar até que ponto estes investimentos podem, ou não, ser
considerados satisfatórios. No item 6, serão abordadas as atuais
tentativas de mudança na estrutura da ONU e, em especial, no
Conselho de Segurança.
Por se tratar de um capítulo introdutório, não existe aqui a
pretensão de esgotar ou mesmo de analisar a fundo os itens
propostos. A função deste texto é simplesmente fazer um
apanhado geral da Organização das Nações Unidas e gerar
referências para que os estudantes possam, em um segundo
momento, aprofundar seus conhecimentos sobre tópicos
específicos das Nações Unidas, por meio de outras bibliografias.
A CRIAÇÃO DA ONU
Apesar de a ONU ter sido criada, oficialmente, no ano de 1945,
é preciso voltarmos ao período compreendido entre as duas
Grandes Guerras Mundiais (1919-1939) para entendermos o
contexto histórico do seu nascimento. Ao término da Primeira
Grande Guerra Mundial (1914-1918), o mundo inteiro fazia um
balanço do ocorrido e tentava responder a uma questão crucial
que se impunha no momento: “Qual o motivo dos Estados
fazerem guerras entre si?”. Com essa questão, um sentimento de
pacifismo começou a tomar conta da opinião pública mundial, e
mecanismos para impedir que outras guerras, de iguais
proporções, voltassem a ocorrer começaram a ser pensados.
Várias foram as respostas encontradas para explicar o porquê das
guerras e, dentre elas, uma sobressaiu no começo.
Provavelmente, o fato de os Estados fazerem tratados secretos
entre si acabava gerando uma situação em que, à medida que
estes tratados se concretizassem, o resultado final seria um
emaranhado de relações que acabavam levando às agressões
entre determinados países. Somente uma maior publicização
desses tratados poderia permitir maior controle sobre informações
a respeito do que estava sendo acordado entre os países e,
conseqüentemente, situações que levassem ao conflito poderiam
ser evitadas com maior facilidade.
Com essas respostas, surgia, também, um sentimento de que
era crucial naquele momento criar uma organização que servisse
de instância decisória internacional na qual os Estados pudessem
participar como membros discutindo problemas e solucionando
conflitos internacionais de maneira mais transparente e
democrática. Surgia, assim, a Liga das Nações, também chamada
de Sociedade das Nações. Uma organização de caráter
internacional que tinha como objetivo regular a relação entre
Estados a partir do fim da Primeira Grande Guerra Mundial.
Entretanto, apesar de a opinião pública naquele período
acreditar na possibilidade de se criar uma instância internacional
na qual os Estados pudessem tomar decisões de forma
democrática e acreditar, ainda, que o mundo havia aprendido o
suficiente com os custos gerados pela Primeira Grande Guerra,
esta visão, já naquele momento, começou a sofrer críticas. O
discurso de cunho pacifista e a crença de que os Estados jamais
fariam outra guerra semelhante começaram a ser taxados de
utópicos ou idealistas. Para se contrapor a esse arcabouço de
crenças, alguns autores, denominados realistas, argumentavam
que, apesar de o objetivo pacifista ser nobre, nem sempre
podemos evitar uma guerra.
Segundo os realistas2, quando estamos lidando no ambiente
internacional, que se caracteriza pela ausência de uma autoridade
comum, podemos nos defrontar com situações em que, mesmo
quando dois, ou mais Estados não desejam, a guerra entre eles é
inevitável. Na ausência de uma autoridade que regule de maneira
legítima a relação entre os atores internacionais, prevalece a
desconfiança entre eles e, em nome da própria segurança, alguns
Estados tendem a preferir o ataque a um potencial inimigo antes
que este suposto inimigo tenha a oportunidade de atacá-lo
primeiro.
Apesar das críticas, esse discurso chamado de idealista foi
levado adiante no período entre guerras e, apesar da descrença
de muitos, inclusive estadistas, a Liga das Nações entrou em vigor
em 28 de abril de 1919 como um símbolo do desejo vigente na
época de um mundo onde a guerra não tivesse mais lugar como
resolução dos conflitos internacionais.
A necessidade de criação dessa Organização Internacional já
havia sido citada no discurso feito pelo presidente dos Estados
Unidos Woodrow Wilson (1913-1921) em janeiro de 1918 no qual
ele aponta 14 pontos que deveriam ser seguidos pelos Estados ao
final da Primeira Grande Guerra Mundial. O Tratado de Versalhes
(1919), que tratava da situação mundial dos países no pós-guerra,
estabeleceu em um dos seus artigos a criação da Liga das
Nações.
No princípio, a Liga das Nações foi formada para colocar em
prática o que havia sido acordado em Versalhes: promover a
cooperação econômica e social entre os países e garantir a
segurança coletiva entre os Estados. Composta por um Conselho
com membros permanentes e outros rotativos, uma Assembléia
com a participação de todos os Estados e territórios membros, e
um Secretariado, a Liga foi inicialmente formada por 32
componentes. Mais tarde, outros Estados foram convidados a
participar, sendo que 63 Estados passaram por essa instância
internacional no decorrer da sua existência. A ausência ou saída
de alguns Estados-chave foi um dos motivos que levaria a Liga
das Nações ao fracasso. Os Estados Unidos, um dos principais
mentores da organização, não chegaram, sequer, a fazer parte
dessa organização. A União Soviética entrou em 1934, mas foi
expulsa em 1939, devido à invasão à Finlândia. A Alemanha,
perdedora da Primeira Grande Guerra Mundial, foi aceita em 1926
e se retirou em 1933. Por uma série de incompatibilidades entre
interesses do Brasil e decisões da Liga, o país pediu seu
afastamento no ano de 1926.
Outro motivo que explica a ineficácia da Liga das Nações é o
fato desta organização exigir unanimidade nas votações, tanto da
Assembléia Geral, quanto do Conselho. A multiplicidade de
interesses presentes dentre os países fez com que tal exigência
paralisasse a Liga das Nações nos seus processos de tomada de
decisões.
Por fim, pode-se citar, também, o fato de a Liga das Nações
não imprimir um caráter de obrigatoriedade na execução das suas
decisões perante os Estados membros. Assim, mesmo que se
conseguisse unanimidade nas decisões, a efetivação destas
ficaria dependendo da vontade dos Estados em suprir a Liga com
os meios materiais necessários para que determinada resolução
fosse colocada em prática. Assim, a Liga ficava à mercê, não só
da vontade unânime dos seus membros, como, também, em um
segundo momento, da boa vontade dos Estados em efetivar as
decisões que viessem a ser tomadas. Havia uma aparente
contradição nos propósitos da Liga (contradição esta que
reapareceria na ONU) entre a necessidade de gerar a Segurança
Coletiva versus o respeito à soberania de cada um dos Estados
membros. Até que ponto a Liga das Nações poderia intervir em
assuntos referentes a Estados em específico, até que ponto
determinada ação de um Estado poderia ser considerada, ou não,
legítima defesa, e até que ponto e por meio de quais
procedimentos os Estados membros poderiam agir por conta
própria, sem a anuência da Liga, eram questões que nunca foram
respondidas e que continuariam presentes na futura criação da
Organização das Nações Unidas.
Nos 27 anos de existência da Liga, pequenos sucessos e um
grande número de fracassos foram acumulados, fazendo com que
esta organização fosse desconstituída em 1946.
O início da Segunda Grande Guerra Mundial (1939-1945) fez
com que a já desacreditada Liga das Nações (que desde a crise
econômica de 1929 não funcionava muito bem) paralisasse quase
que por completo suas ações. Desde a assinatura da Carta do
Atlântico entre Estados Unidos e Reino Unido, em 1941, e a
Conferência de Washington de 1942, os pilares do que viria a ser
a Organização das Nações Unidas estavam sendo criados.
OS OBJETIVOS DO MILÊNIO
Apesar da criação da ONU ter como objetivo principal a
garantia da Segurança Coletiva, as instâncias de desenvolvimento
político, social, econômico e cultural nunca foram deixadas de
lado. Pelo contrário, principalmente a partir da década de 1990 é
que, cada vez mais, assuntos relativos a essas questões sociais
vêm sendo tratados, também, como questão de segurança. Os
Estados têm chegado ao consenso de que, se o objetivo maior
das Nações Unidas é a paz mundial, somente com o
desenvolvimento socioeconômico da humanidade é que este ideal
poderá ser cumprido.
No ano de 2000, foi aprovada na Assembléia Geral da ONU a
Agenda do Milênio. Uma tentativa de sintetizar todas as iniciativas
feitas pela Organização das Nações Unidas na década anterior
em relação ao desenvolvimento humano, social e econômico da
população mundial. A partir dessa Agenda, foram estabelecidos,
em 2001, oito objetivos, 18 metas e 48 indicadores, conhecidos
como Objetivos do Milênio ou também chamados de Metas do
Milênio. A intenção é que esse patamar possa ser concretizado
pelos Estados até o ano de 2015. Os objetivos são:
1. Erradicar a extrema pobreza e a fome
2. Atingir o ensino básico universal
3. Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das
mulheres
4. Reduzir a mortalidade infantil
5. Melhorar a saúde materna
6. Combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças
7. Garantir a sustentabilidade ambiental
8. Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento
Para cada um desses objetivos, especificaram quais metas
deveriam ser atingidas e quais indicadores seriam usados para
mensurar seus desenvolvimentos. Fundos de financiamento
específicos para programas que atuam nesta área foram criados e
parcerias com instituições privadas, públicas e governos foram
feitas para garantir o avanço desses pontos e capacitar seu
acompanhamento.
Criados com base nos parâmetros dos Direitos Humanos,
definidos pelas Nações Unidas, os Objetivos do Milênio já estão
sendo adotados como parâmetros para projetos de
desenvolvimento de vários países. Inclusive as Missões de Paz já
pautam suas ações com base no que é apontado como crucial por
esses objetivos.
Como cada região do planeta possui problemas específicos,
alguns mais fáceis, outros nem tanto de serem solucionados,
também o sucesso desses objetivos da ONU estão variando, de
acordo com cada localidade. De maneira geral, segundo relatórios
já produzidos, podemos dizer que enquanto países da Ásia e
Norte da África estão caminhando relativamente bem rumo aos
objetivos, os países da América Latina, Caribe e Ásia Ocidental
não possuem o mesmo grau de desenvolvimento em relação a
todos os pontos, conseguindo avançar em alguns específicos,
mas ainda com pouco sucesso em questões relativas à redução
da pobreza. A pior região é a dos países da África Subsaariana,
que ainda apresentam um desempenho que os deixam distantes
das metas apresentadas13.
No caso do Brasil, especificamente, podemos notar que, no
geral, suas médias estão acima daquelas encontradas nos demais
países da América Latina. Enquanto as metas relacionadas à
educação e gênero estão no patamar previsto pela ONU, outras
como mortalidade infantil, acesso à água potável e diminuição da
pobreza, apesar de ainda não estarem nos níveis previstos, estão
bem próximas disto. O ponto mais preocupante, em relação ao
nosso país, é o do saneamento, considerado ainda longe dos
níveis ideais estabelecidos pela Agenda. Outra questão que deve
ser levada em consideração é o fato de que, apesar de grande
parte da população ter superado a linha da pobreza, aqueles que
ainda continuam abaixo dela têm sua situação ainda mais piorada.
Assim, apesar de ser possível alcançar as metas em relação a
este último ponto, ainda é preocupante a situação daqueles que
não conseguiram ser atingidos pelas políticas sociais brasileiras14.
De maneira geral, podem ser apontados como dificuldades em
se atingir o previsto para o ano de 2015: falta de conhecimento
técnico/burocrático dos Estados mais afetados pelos problemas, o
que dificulta o acesso ao financiamento de projetos; dificuldade de
acesso às regiões mais isoladas pelos programas necessários
para o desenvolvimento humano; impossibilidade de produção de
dados confiáveis sobre determinadas situações específicas,
dentre vários outros problemas.
REFORMA DA ONU
Como já foi dito, um dos principais motivos do sucesso da ONU,
se comparado com o fracasso da Liga das Nações, foi o fato
daquela organização reproduzir, via Conselho de Segurança, o
jogo de forças encontrado no período do pós-Segunda Guerra
Mundial. Assim, o fato dos Estados Unidos, Inglaterra, França,
Rússia e China possuírem assento permanente e direito de veto
fez com que estes mesmos Estados se sentissem mais à vontade
para entrar em uma Organização que, devido a este tipo de
processo decisório, jamais permitiria que uma decisão fosse
concretizada sem o aval consensual das cinco potências.
Esse mecanismo de veto, responsável pela paralisia da ONU
durante o período da guerra fria, acabou tornando-se ultrapassado
no sentido de não refletir mais o jogo de forças que encontramos
atualmente entre os Estados que compõem a Organização.
Assim, cada vez mais, a ONU recebe pressões de determinados
países para que a proporcionalidade da representação seja
atualizada, que o número dos Estados que participam do
Conselho de Segurança (tanto os permanentes, quanto os não-
permanentes) seja ampliado e, até mesmo, propostas que pedem
para que o direito a veto seja revisto ou ampliado a outros
membros.
Dentre vários Estados interessados nessas mudanças,
podemos citar: Japão, Alemanha, Índia e, até mesmo, Brasil15. No
caso dos dois primeiros países citados, segundo e terceiro
maiores contribuintes financeiros da ONU, respectivamente, o
interesse é reflexo de uma maior participação deles no jogo de
forças internacional. No caso do Brasil, apesar da luta por
ampliação no Conselho não significar garantias de vaga para os
demandantes, é notório o papel de liderança que o país vem
assumindo na América do Sul, o que aumentaria as chances do
nosso país ser o principal beneficiado de possíveis ampliações do
Conselho.
Devemos lembrar, entretanto, que qualquer mudança no
número de Estados membros deve ser aprovada por dois terços
dos votos da Assembléia Geral e ter a aprovação do Conselho de
Segurança. Isso faz com que qualquer mudança neste sentido
somente poderá ser efetivada se, em última instância, não tiver a
reprovação dos Estados com assento permanente e direito de
veto.
Outra questão a ser pensada refere-se à possibilidade de
aumento ou diminuição da legitimidade da Organização das
Nações Unidas a partir dessas reformas. Se, por um lado, uma
reforma no Conselho de Segurança refletiria de maneira mais
fidedigna a atual realidade internacional, o que poderia aumentar
a confiança na Organização, por outro lado, isto tornaria o
processo de decisão desta instância ainda mais intrincado. A
possibilidade de consenso iria, naturalmente, diminuir, o que
poderia, caso os Estados membros não tenham habilidade política
para negociar, levar a ONU a uma nova fase de paralisia.
De qualquer modo, a reforma da ONU é vista como inevitável,
pelo menos a longo prazo, caso a Organização queira ser
reconhecida como uma arena institucional legítima de debates e
decisões internacionais. Caso as mudanças não ocorram, corre-se
o risco de perda gradativa da autoridade desta Organização que,
com o passar dos anos, não sofreu muitas mudanças estruturais
para adaptar-se aos novos tempos.
CONCLUSÃO
Quando comparamos a Organização das Nações Unidas com a
Liga das Nações, fica patente que as duas instâncias devem ser
vistas não em separado, mas, sim, como a continuação de um
esforço para gerar Segurança Coletiva. Esforço este criado a
custo de muitos erros, mas também, de significativos sucessos.
O caráter menos idealista da ONU (se comparada com a Liga
das Nações) e o fim da guerra fria possibilitaram que, nos últimos
anos, esta Organização começasse a ter força e voltasse a ser
vista como instância promissora na administração das relações
entre os Estados. O incremento no número de programas
vinculados à Organização, a expansão das suas atividades em
todo o mundo, e o aumento da percepção da legitimidade da ONU
contrastam com a necessidade de se superar problemas como o
baixo orçamento dedicado às suas atividades, a necessidade de
se formar um corpo de funcionários e técnicos mais preparados e
encaminhamento de discussões sobre possíveis alterações nas
suas estruturas.
Principalmente a partir da década de 1990, nota-se, também,
uma preocupação maior com questões relativas à segurança.
Temas antes tratados apenas como questões de cunho social e/ou
econômico, passaram a ser vistos como de importância crucial
para que a paz seja alcançada. Áreas como a dos Direitos
Humanos e Desenvolvimento Social transitam com facilidade
pelos diversos órgãos e agências da Organização das Nações
Unidas sendo tratadas sob duas ou mais perspectivas,
simultaneamente. A coordenação dessas instâncias e o
encaminhamento dos procedimentos de forma eficiente, também,
são desafios a serem superados.
De maneira geral, devemos analisar as mudanças ocorridas
nas Nações Unidas por meio de um viés que enfatize o
aprendizado ocorrido no percurso e, não somente, dedique-se a
contabilizar sucessos e fracassos. A ONU é uma organização que
precisa estar em constante adaptação aos desafios que surgem.
Assim, apesar de não conseguir atingir grande parte de seus
objetivos, pelo menos faz o possível para que os bons resultados
sejam maximizados. Se a realidade internacional que conhecemos
hoje não é aquela que gostaríamos que existisse, pelo menos a
ONU teve papel crucial para que esta realidade também não
estivesse pior.
Entre as perspectivas mais pessimistas, que consideram a ONU
como simples reprodutora do jogo de forças internacionais, e
outras perspectivas otimistas, que depositam todas as suas
esperanças no futuro da Organização, talvez tenhamos que optar
pelo meio-termo.
Segundo Dag Hammarskjold, ex-Secretário-Geral da ONU,
“The United Nations was not created in order to bring us heaven,
but in order to save us from hell (1954).”16
QUESTÕES PARA DISCUSSÃO
1. Até que ponto as questões dos Direitos Humanos podem ser
pensadas como algo relativo à Segurança Coletiva?
2. Uma possível reforma do Conselho de Segurança, com a
entrada de novas potências como membros permanentes e
com direito a veto, iria facilitar ou dificultar as ações da ONU?
Justifique.
3. Seria realmente interessante para o Brasil obter um assento
permanente no Conselho de Segurança? Quais as vantagens
e obrigações que, provavelmente, adviriam disso?
GLOSSÁRIO
Segurança Coletiva: refere-se à união de atores com o intuito
de homogeneizar ações de segurança. Nesta concepção, um
ataque a qualquer membro daquela unidade significaria uma
agressão a todos os seus componentes.
Realismo: paradigma teórico, das Relações Internacionais, que se
contrapõe aos chamados idealistas. Dentre os pressupostos que
sustentam o realismo destacam-se: Estados como principais atores
internacionais; ambiente internacional anárquico, ou seja, ausência
de autoridade supra-estatal, e a questão da segurança como
prioridade destes Estados. Apesar do Realismo nas Relações
Internacionais ter-se originado no período entreguerras (1919-1939),
suas bases podem ser encontradas em autores como Tucídides,
Maquiavel, Hobbes e Clausewitz.
Etnocentrismo: pressuposto, segundo o qual, os valores de uma
determinada cultura são superiores às demais. Esta visão faz com
que os diferentes padrões culturais sejam analisados e classificados
em relação àquela cultura em específico.
BIBLIOGRAFIA INDICADA
BERTRAND, Maurice. A ONU. Petrópolis: Vozes, 1995.
HERZ, Mônica; HOFFMAN, Andréa R. Organizações Internacionais:
histórias e práticas. RJ: Elsevier, 2004.
RYAN, Stephen. The United Nations and international politics. New
York: St. Martins’s Press, 2000.
SEITENFUS, Ricardo. Manual das organizações internacionais.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
Site da ONU: www.un.org
Capítulo 3
A HEGEMONIA DOS ESTADOS UNIDOS
José Flávio Sombra Saraiva1
INTRODUÇÃO
O presente capítulo tem o objetivo, em primeiro lugar, de avaliar
o tema da hegemonia dos Estados Unidos da América desde suas
origens, nos estertores da Segunda Guerra Mundial, passando
pela sua consolidação ao longo da guerra fria, até seu esforço de
renovação nos últimos anos. Essa é uma matéria aberta aos
debates acadêmicos e práticos relativos às relações internacionais
do mundo contemporâneo. Tampouco é um assunto apenas
passível de ser avaliado com racionalidade científica. Posições
ideológicas e visões apaixonadas, em favor ou contra a
hegemonia norte-americana, estão sempre presentes quando
esse tema é avaliado.
O intento, nas páginas que se seguem, é o de organizar os
argumentos disponíveis, apresentá-los de forma crítica e prover os
elementos históricos e atuais essenciais à reflexão acerca das
condições em torno das quais a hegemonia foi gerada nas
relações internacionais do século XX e início do XXI. Deixar
espaço para a construção das opiniões e convicções é tarefa
importante na elaboração do trabalho acadêmico, nomeadamente
ante o difícil esforço de compreensão dos principais fenômenos
que abraçam a vida internacional do momento.
O segundo objetivo do capítulo é o de avaliar o impacto dessa
hegemonia ou da influência preponderante dos Estados na região
latino-americana. Ênfase será conferida ao caso brasileiro, tendo
em vista a relação histórica que aproxima e separa um país do
outro.
Nesse sentido, o texto encontra-se dividido em quatro tópicos
essenciais. No primeiro discute-se a dimensão histórica da
hegemonia norte-americana no planeta. Avalia-se a origem do
fenômeno e seus desdobramentos na chamada guerra fria. Na
segunda parte é analisada a atualização da hegemonia dos
Estados Unidos após a crise do socialismo real e da extinção da
União Soviética. A terceira parte lida as reações à hegemonia
americana durante a guerra fria e depois dela, com ênfase às
reações atuais ensejadas pelos países das regiões menos
avançadas economicamente ou de Estados continentais como a
China. Finalmente, na quarta parte, estudam-se as relações da
América Latina, especialmente do Brasil, com a potência
hegemônica nas Américas e no mundo.
CONCLUSÃO
O capítulo procurou passar em revista, por meio de uma visão
evolutiva, os principais momentos da formação da hegemonia dos
Estados Unidos nas relações internacionais contemporâneas. A
ênfase à busca de objetiva histórica levou a que o autor não
deixasse de avaliar os movimentos anti-hegemônicos
empreendidos em diferentes temporalidades e regiões do mundo.
Destacou-se, em especial, o argumento de que a hegemonia
variou de tempo em tempo e teve suas proporções modificadas
em torno dos diferentes cursos históricos.
Apesar da guerra fria ter sido o momento crucial para o
exercício da forma mais conhecida da hegemonia exercida pelos
Estados Unidos no século XX, em contraposição à hegemonia
soviética, uma nova forma de hegemonia tomou conta da ação
externa daquele país no período pós-guerra fria. O capítulo
observou, em especial, a dimensão econômica e geopolítica
dessa nova forma hegemônica. Mas também a vinculou às
dimensões da política interna dos Estados Unidos, especialmente
ao grupo político que chega ao poder com o presidente George
Bush filho em 2001.
Ao final, a relação da hegemonia norte-americana com o
contexto latino-americano mereceu tratamento especial. Vários
aspectos recentes relativos ao novo interesse hegemônico da
superpotência hemisférica na região, em especial ante a gradual
ampliação de liderança brasileira no espaço sul-americano, são
avaliados.
QUESTÕES PARA DISCUSSÃO
1. Explique o surgimento da hegemonia dos Estados Unidos nas
relações internacionais contemporâneas, considerando a sua
evolução desde a guerra fria e até os nossos dias.
2. Explique a natureza das coalizões de países e dos
movimentos que procuram desafiar a hegemonia norte-
americana nas relações internacionais contemporâneas.
GLOSSÁRIO
Apartheid: regime político, econômico, social e jurídico que existiu
na África do Sul no século XX e que supunha que o
desenvolvimento deveria ser organizado em termos de segregação
racial.
Coexistência pacífica: momento da evolução das relações
entre os Estados Unidos e a União Soviética, nos anos 50 e parte
dos anos 60 do século XX, baseado na idéia da qual não se deveria
caminhar para confronto aberto entre as duas superpotências
nucleares sob a pena de destruição global.
Cop killer bullets: balas mortíferas e perversas que, utilizadas pela
polícia dos Estados Unidos, mas também por bandidos, causaram
mais vítimas entre os próprios policiais.
Détente: momento da evolução das relações entre os Estados
Unidos e a União Soviética, mas também envolvendo a Europa
Ocidental, de distensão política e direto controle dos arsenais
nucleares dos outros, além da promoção de uma política de
diminuição dos próprios arsenais.
Integrismo: filosofia que integra o Estado e a sociedade a Deus,
articulando a identidade do indivíduo entre esses três vetores.
BIBLIOGRAFIA INDICADA
FUENTES, Carlos. Contra Bush. Buenos Aires: Aguilar, 2004.
GADDIS, John Lewis. We now know. Rethinking cold war history.
Oxford: Clarendon Press, 1997.
MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. As relações perigosas: Brasil-
Estados Unidos (de Collor a Lula, 1990-2004). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2004.
KAGAN, Robert. Paradise & Power: America & Europe in the New
World Order. London: Atlantic Books, 2003.
SARAIVA, José Flávio S. (Org.), Relações Internacionais: dois
séculos de história — entre a ordem bipolar e o policentrismo (de
1947 a nossos dias). Brasília: Ibri, 2001.
Capítulo 4
A EUROPA, SEUS ORGANISMOS E SUA
INTEGRAÇÃO POLÍTICO-ECONÔMICA
Antônio Carlos Lessa*
INTRODUÇÃO
A União Européia é atualmente uma entidade formada por 25
países, que comporta cerca de 500 milhões de pessoas, e se
estende por quase 4 milhões de quilômetros quadrados, nos quais
são faladas mais de 20 idiomas. É um dos maiores mercados
consumidores do mundo, tendo o terceiro maior padrão de vida,
atrás apenas dos Estados Unidos e do Japão. É uma economia
tão grande, rica e complexa quanto a norte-americana, sendo os
seus produtos internos brutos equivalentes. As suas importações
e exportações correspondem a um quinto do total das correntes
do comércio internacional.
Em poucas palavras, a União Européia é uma verdadeira
superpotência dos dias atuais, com condições de influenciar de
modo decisivo os rumos políticos e econômicos das relações
internacionais contemporâneas. Por isso, o estudo da dinâmica de
integração que se processa no continente europeu desde os anos
50 do século XX é verdadeiramente estratégico. Como se
construiu essa extraordinária história de sucesso? Como o
continente que saiu destruído da maior guerra da história
contemporânea pôde se transformar nesta potência? Quais os
desafios que o futuro guarda para os europeus? Quais lições
podem ser aprendidas com a experiência européia?
Neste capítulo, propõe-se uma apresentação geral da evolução
do processo de integração na Europa, o que se fará à medida em
que se comenta o nascimento das instituições que hoje compõem
a estrutura organizacional da União Européia, e os processos de
negociação dos seus tratados constitutivos.
UMA IDÉIA DE EUROPA — OS PRIMÓRDIOS DA INTEGRAÇÃO
A idéia da união da Europa se confundiu durante muito tempo
com a da própria organização do mundo, em uma assimilação que
então se justificava pelo fato de que no Velho Continente se
resumiam o mundo conhecido e o mundo útil. As primeiras
iniciativas de organização de uma ação comum voltada para a
segurança e a concertação política na Europa surgiram apenas no
século XIX, forma que é melhor representada pelo arranjo da
Santa Aliança produzido no Congresso de Viena (1815). Esse
mecanismo de equilíbrio de poderes, entretanto, foi posto a prova
quando as grandes potências européias se enfrentaram, como
aconteceu em 1870, na guerra entre a França e a Prússia e
sobretudo, em 1914, quando eclodiu a Primeira Guerra Mundial.
Nos anos seguintes ao primeiro conflito mundial, o problema da
organização da integração européia como solução para a
repetição das guerras que impediam a prosperidade começou a
ser mais claramente percebido, mas foi necessária ainda uma
outra guerra, muitas vezes mais destrutiva do que a primeira, para
que os lideres europeus se convencessem definitivamente de que
o futuro da Europa passava pela cooperação política e econômica.
Três importantes visões sobre o processo de cooperação entre
os Estados podem ser identificadas. Havia o grupo que estava
convencido de que só tomando a iniciativa política de criar um
sistema federal inspirado nos Estados Unidos da América, por
exemplo, com um controle único sobre os assuntos externos e a
defesa, se poderia criar uma forma de governo que pudesse
proporcionar segurança suficiente para a prosperidade dos países
do continente. Um outro grupo defendeu uma abordagem
funcional, mais pragmática, considerando que os problemas
econômicos comuns exigiam respostas comuns e, portanto, uma
aproximação que se faria gradualmente, por setores, e que criaria
finalmente as condições necessárias para o estabelecimento de
uma Europa unida. O terceiro grupo relutava em aceitar a
centralização de autoridade ou soberania, pelo menos na esfera
econômica, e visava uma maior unidade no continente por meio
da cooperação mais estreita entre os governos, preferindo
arranjos intergovernamentais aos supranacionais. Essas três
abordagens coabitaram e raramente uma delas esteve ausente
nas decisões mais importantes tomadas acerca da integração
política e econômica da Europa Ocidental.
Um impulso fundamental para a cooperação entre os Estados
da Europa Ocidental foi dado pelo governo norte-americano,
preocupado com a instabilidade política produzida pela destruição
produzida pela Segunda Guerra Mundial. Em 1947, o governo dos
Estados Unidos propôs aos governos dos países europeus o
aumento da ajuda financeira para reconstrução, com o
lançamento do Plano Marshall. Entretanto, os norte-americanos
impunham uma condição: os Estados beneficiários deveriam
participar de uma instituição encarregada da gestão coletiva da
ajuda e da elaboração de um programa de reconstrução europeu,
que foi criada em abril de 1948 com o nome de Organização
Européia de Cooperação Econômica (Oece), da qual tomaram
parte Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Grécia, Irlanda,
Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Reino
Unido, Suécia, Suíça e Turquia. Dois outros Estados seriam
posteriormente admitidos na organização: a República Federal da
Alemanha (RFA) em 1955 e a Espanha, em 1959.
Ao mesmo tempo em que ganhavam corpo os primeiros
arranjos de cooperação para a reconstrução, se fazia sentir o
clima de crescente tensão entre os Estados Unidos e a União
Soviética. Desse modo, a cooperação para a reconstrução
européia não poderia dizer respeito exclusivamente à ordem
econômica, mas também aos assuntos militares e, por isso, novas
alianças foram concluídas, ligando os EUA e a maior parte dos
países da Europa Ocidental, destinadas a assegurar a segurança
coletiva no continente. Desse modo, novas organizações foram
criadas tendo por objetivo principal a cooperação nos assuntos de
defesa e de segurança, como a “União Ocidental”, criada em
fevereiro de 1948, reunindo a França, o Reino Unido, a Bélgica, os
Países Baixos e o Luxemburgo, e como a Organização do Tratado
do Atlântico Norte (Otan), criada em abril de 1949, liderada pelos
Estados Unidos, na qual tomavam parte a França, a Grã-
Bretanha, a Bélgica, os Países Baixos, o Luxemburgo (os cinco
parceiros da União Ocidental), e ainda pelo Canadá, Dinamarca,
Islândia, Itália, Noruega e por Portugal.
Surgia gradualmente a idéia de que os graves problemas
econômicos enfrentados pelos países da Europa Ocidental, que
eram em grande medida comuns, poderiam ser melhor resolvidos
pela unificação progressiva de ações. O mais importante desses
problemas econômicos eram as indústrias do carvão e do aço
francesa e alemã, evidentemente fundamentais para a
reconstrução econômica, que eram geograficamente contíguas
mas nacionalmente separadas. Tendo isso em mente, o ministro
dos Negócios Estrangeiros da França, Robert Schuman,
apresentou em 9 de maio de 1950 um plano para a exploração
conjunta dos recursos do carvão e do aço da Europa Ocidental
sob uma autoridade única e a criação de um mercado único.
O Plano Schuman, como ficou conhecido, procurava conciliar
soluções técnicas tanto sobre a exploração do carvão e do minério
de ferro (que diziam mais respeito à Alemanha, por conta do Ruhr
e do Sarre, e à França, devido à Lorena — todos grandes pólos
produtores de minério e também centros siderúrgicos importantes)
quanto às indústrias pesadas da Bélgica e do Luxemburgo. No
Plano adotava-se a abordagem gradualista, que defendia
realizações concretas, mesmo que no início fossem limitadas, mas
que permitissem a criação de uma solidariedade de fato entre os
países que tomassem parte da iniciativa. Tal realização consistiria,
no caso, da implementação de uma indústria pesada comunitária,
que deveria ser o elemento propulsor de uma comunidade maior e
mais profunda.
A RFA, a Itália, a França e os países membros do Benelux
(Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo), acolheram o Plano
Schuman com entusiasmo, e o Tratado instituindo a Comunidade
Européia do Carvão e do Aço (Ceca) foi firmado aos 18 de abril de
1951 em Paris, instaurando um mercado comum progressivo do
carvão e do aço, implicando, em conseqüência, a supressão de
direitos alfandegários, de restrições quantitativas à livre circulação
desses bens, de medidas discriminatórias e de subsídios ou
ajudas de qualquer natureza eventualmente acordadas pelos
Estados membros aos produtores nacionais. O Tratado de Paris
que estabelecia a Ceca entrou em vigor em 25 de julho de 1952.
A importância da Ceca foi fundamental, tendo em vista que o
elemento supranacional preponderava, parecendo romper as
resistências em torno de medidas que levassem a algum tipo de
transferência de soberania: o poder executivo estava nas mãos de
uma Alta Autoridade, que representava os interesses da
Comunidade no seu todo e que não podia ser dissolvido pelos
representantes dos governos que tomavam parte na iniciativa,
reunidos no Conselho de Ministros. A conclusão bem-sucedida
das negociações da Ceca deu enorme impulso à causa
federalista, ao passo que o anterior sucesso da Alta Autoridade
deu um peso considerável à abordagem funcionalista da
integração.
Os êxitos da negociação da Ceca, combinados com a crescente
ameaça da URSS, e em particular pela eclosão da Guerra da
Coréia (1950), levaram, pela primeira vez, a uma tentativa de
estabelecer organizações supranacionais mais ambiciosas,
especialmente na área da defesa e da política externa. Entretanto,
o projeto que resultou dessa iniciativa, denominada Comunidade
Européia de Defesa (CED), de natureza federalista, foi rejeitado
pelas opiniões públicas dos Estados membros em 1951.
Com o fracasso da CED, percebeu-se que existia ainda uma
forte resistência às propostas de cooperação que diminuíssem a
soberania nacional, com a constituição de mecanismos
supranacionais, o que acabou postergando o processo de
cooperação nas áreas vitais da defesa e da política externa, e
empurrando os parceiros envolvidos para o aprofundamento da
sua participação em arranjos mais familiares e que oferecessem
margens menores de risco, seja pela sua natureza
intergovernamental, seja pela qualidade dos atores envolvidos e
pela autoridade que neles exerciam, como a Otan, por exemplo.
Por outro lado, esses contratempos acabaram por conduzir a uma
nova ênfase na abordagem funcionalista da integração, que era
naturalmente mais pragmática — porque criava a solidariedade
em torno de questões importantes, mas não vitais, enquanto ia
produzindo gradualmente compromissos nos parlamentos, nos
organismos dos Estados e nas opiniões públicas nacionais tanto
com a causa da integração quanto com a necessidade de
aprofundá-la para enfrentar os problemas comuns.
O EUROPESSIMISMO
Com a conclusão das negociações de alargamento, a CEE
parecia preparada para um novo período de “desenvolvimento
positivo”, ou seja, de aprofundamento. Era necessário firmar um
plano de ação para a Comunidade dos Nove que, evidentemente,
tinha problemas e velocidades essencialmente distintas daquelas
da Comunidade que se construiu nos 20 anos precedentes. Para
definir esse plano, o presidente da França, Georges Pompidou,
convocou uma Cúpula de Chefes de Estado, que aconteceu em
Paris em 19 de outubro de 1972.
Foi a primeira vez que os representantes dos Estados membros
da nova Comunidade se encontraram, mas as propostas
apresentadas foram ainda mais ambiciosas do que as que saíram
da Conferência de Haia realizada em 1969. Estabeleceu-se em
Paris um denso programa de ação, que evidenciava novas
preocupações e prioridades: declarava-se a irreversibilidade da
união econômica, e definiu-se uma política especial de
desenvolvimento regional de ajuda às regiões menos
desenvolvidas ou em declínio dos Estados membros, que se
somaria a outras novas políticas setoriais nas áreas industrial, de
desenvolvimento científico e tecnológico, de energia e de meio
ambiente. Todas as novas políticas deveriam culminar, por volta
de 1980, na arrojada meta de construir uma verdadeira “União
Européia”.
É certo que as expectativas em torno do futuro da construção
da Europa eram grandiloqüentes ao final da Conferência de
Cúpula de 1972 — afinal, o clima de otimismo generalizado fazia
crer que aquele era o início do nascimento da “superpotência”
Europa. Entretanto, o grande salto proposto na Conferência de
Paris foi quase imediatamente paralisado por nova crise
econômica internacional que teve impactos tão importantes para
as economias nacionais em todos os níveis e que abriu
imediatamente um período de pessimismo generalizado.
O início dos anos 70 é lembrado pelo choque de outubro de
1973, provocado pelo súbita elevação dos preços internacionais
do petróleo pelos países produtores (em torno de 70%), marcando
o início da grande crise econômica que se arrastou até os anos
80. Os problemas criados pela recessão e as mudanças no
sistema econômico internacional foram persistentes e tiveram um
impacto direto no desenvolvimento político e econômico da
Comunidade, porque os três principais problemas engendrados
pela crise do início dos anos 70, o da reestruturação, o do
desemprego e o da inflação crescente, foram atacados em grande
parte em bases individuais e não comunitárias.
Apesar do sentimento de crise econômica e do pessimismo
generalizado, tanto o governo alemão, como o francês, estavam
convencidos de que as dificuldades poderiam ser vencidas, mais
uma vez, por um novo esforço de relançamento. Para tanto,
convocouse uma nova Cúpula de Chefes de Estado e de
Governo, que se realizaria, como aquela de dois anos antes, em
Paris, para os dias 10 e 11 de dezembro de 1974, com o objetivo
de transformar o conjunto das relações entre os Estados
membros. Um dos resultados dessa conferência foi a avaliação de
que a transformação qualitativa pela qual deveria passar a
Comunidade para a construção de uma verdadeira união entre os
parceiros passaria pelo reforço da eficácia, legitimidade, coerência
e, particularmente, da autoridade das instituições comunitárias.
Estava evidente que os poderes e competências das diferentes
instâncias poderiam ser melhor desenvolvidos — portanto, na
mesma medida em que propunha o reforço da autoridade política
do presidente da Comissão, indicava a necessidade de atribuir
aos chefes de Estado e de governo um papel mais atuante, o que
se deve à sua qualidade intrínseca de detentores da legitimidade
européia. Propunha-se, portanto, uma transformação qualitativa
da Comunidade que não poderia evoluir para um desenho
institucional superior se não fossem criadas condições para o
estabelecimento de políticas comuns nas áreas típicas e
representativas da própria soberania estatal, ou seja, segurança e
política externa. Nesse sentido, a unificação dos órgãos de ação,
que refletiam originalmente um sistema de decisão que equilibrava
instâncias de natureza supranacional com outras de composição
intergovernamental, foi um avanço considerável.
A fusão das Comissões da Alta Autoridade da Ceca, da
Comissão do Mercado Comum e da Euratom permitiu a
confirmação da independência dos órgãos executivos inscrita nos
tratados fundadores, e reafirmada no Tratado de Paris. Por
transformações fundamentais também passou o Parlamento
Europeu. Desde a sua criação como instituição comunitária em
1951, como Assembléia da Ceca, o Parlamento era composto por
representantes dos legislativos dos Estados membros, por eles
escolhidos de acordo com procedimentos nacionais. Tal fórmula
se justificava enquanto as opiniões públicas nacionais não
estivessem preparadas para eleger os seus representantes na
instituição, mas a percepção de que os sistemas políticos dos
diferentes países estavam prontos para o sufrágio direto foi
consagrada na Cúpula de Paris de 1974, quando abriu-se a
perspectiva de eleições diretas a partir de 1978.
A entrada em vigor do Sistema Monetário Europeu (SME) no
dia 13 de março de 1979, também mostrou ser um marco
significativo na construção da Europa, mesmo considerando que o
sistema monetário internacional continuasse dominado pelo dólar
norte-americano e influenciado pela crise econômica dos anos
1970. A decisão de criar o SME partia da percepção de que a
sucessão de crises, além do efeito negativo na estabilidade das
taxas de crescimento econômico, acabara também com a crença
na estabilidade das taxas de câmbio, marcada pelo
enfraquecimento gradual do dólar, caracterizado por suas
repetidas desvalorizações a partir de 1971. No centro do sistema
que foi criado pelo SME estava uma moeda escritural,
estabelecida como meio de liquidação entre os bancos centrais
nacionais, denominada ECU (sigla de European Currency Unit ou
Unidade Monetária Européia) que funcionaria como o
denominador do mecanismo da taxa de câmbio e dos
mecanismos de crédito.
Ao longo da década de 1970, a cooperação política européia
efetivamente não caminhou para a formação de uma política
externa comum, mas tornou-se um fator muito importante nas
políticas externas de todos os Estados membros. Desde a guerra
do Yom Kippur, que opôs Israel e países árabes em 1973,
produzindo efeitos colaterais para toda a comunidade
internacional, cuidou-se de proceder a uma concertação política
mais íntima. Em alguns casos, a cooperação iniciada sobre temas
de política externa, tradicionalmente uma das áreas de mais difícil
convergência na história da construção da Europa, evoluiu de
modo extremamente satisfatório, sendo possível vislumbrar, ao
final dos anos 1970, “embriões” de uma ação internacional
comunitária, ainda que bem delimitados a certos temas, como as
questões do Oriente Médio e as relações dos países europeus
com os EUA. Para tanto não há dúvida que contribuíram o
desenvolvimento de rotinas mais precisas, que ganhavam a forma
de um sistema flexível de consultas consolidadas nas reuniões
dos ministros de Negócios Estrangeiros (a primeira com esse
objetivo realizouse em Munique aos 19 de novembro de 1970).
Além disso, a repetição das Cúpulas de Chefes de Estado dava
densidade política ao processo de consolidação das instituições
comunitárias e permitia, a cada novo encontro, o lançamento de
novas iniciativas para o aprofundamento da integração. A
institucionalização dessas cúpulas em 1972 permitiu a criação de
uma câmara de ressonância em que se construíam respostas
consensuais sobre pontos importantes da agenda internacional,
emprestando também visibilidade para as questões que eram
objeto de discussão e deliberação por parte dos chefes de
governo reunidos.
Alguns processos ligados ao aprofundamento da Europa
estavam certamente em aberto, como o da constituição de uma
união de Estados, mas os nove parceiros não estavam fechados
às negociações para a ampliação da Comunidade. Por isso, a
paralisia aparente da construção européia teve fim com as
negociações para a admissão da Grécia como membro pleno das
Comunidades. As negociações tiveram início em julho de 1976, e
a Grécia foi admitida como membro pleno da Comunidade
Européia em 1981.
A Comunidade dos Dez (composta pela França, Itália, RFA,
Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo, Grã-Bretanha, Dinamarca,
Irlanda e, a partir de então, Grécia) passava a carregar consigo a
disparidade de níveis de desenvolvimento econômico e social
cada vez mais profunda, que pela primeira vez criava um fosso
que separava os Estados membros. É verdade que os níveis de
desenvolvimento desiguais não foram um obstáculo até aquele
momento para a admissão de novos parceiros, uma vez que a
Comunidade já havia estabelecido desde muito políticas voltadas
à equalização das condições econômicas de algumas regiões dos
países que dela tomavam parte, mas o ineditismo da situação
trazida pela Grécia situava-se no fato de que, pela primeira vez,
era admitido um membro com uma configuração econômica e
social com padrões muito inferiores ao conjunto dos países que
tomavam parte na Comunidade. O “desafio grego” à construção
da Europa ganhou, portanto, em um primeiro momento, a forma
de novas pressões sobre as políticas redistributivas da
Comunidade (aquelas voltadas para propiciar o desenvolvimento
de regiões atrasadas), e dificuldades para manejar, no plano da
concertação política européia, a hostilidade da Grécia com a
Turquia.
O problema redistributivo esteve ainda em evidência quando
foram abertas negociações para um novo alargamento, com as
candidaturas de Portugal e Espanha. As mesmas questões que
separaram a Grécia do esforço de construção da Europa
estiveram presentes no relacionamento dos países ibéricos com o
restante da Europa Ocidental: os dois países estavam submetidos
a regimes autoritários consolidados e as suas economias
predominantemente agrárias apresentavam sérios problemas de
subdesenvolvimento. Realizadas a partir de 1977, as
conversações foram difíceis e realçadas por questões que
surgiam do subdesenvolvimento das economias portuguesa e
espanhola, como, por exemplo, as implicações que uma maior
mobilidade da mão-de-obra ibérica barata e desqualificada
portaria para o espaço econômico europeu. A adesão dos dois
países foi efetivada na reunião do Conselho de 29 de março de
1985 e os tratados que implementavam a sua admissão entraram
em vigor em 1o de janeiro de 1986.
CONCLUSÃO
A Europa, cuja construção se iniciou como um projeto utópico
no final da Segunda Guerra Mundial, chegou ao novo milênio
como uma realidade de resultados impressionantes, e isso
certamente não se deve apenas à imponência dos números
envolvidos no comércio intra-regional e no porte da economia
unificada. Apresentando-se à comunidade internacional como um
ágil gigante feito de quase 500 milhões de cidadãos
consumidores, a construção da Europa foi o processo responsável
por conduzir a região durante meio século de estabilidade, de paz
e de prosperidade, contribuindo para a melhoria da qualidade de
vida das suas populações, para a diminuição das desigualdades,
para uma melhor equalização do poder dos Estados que dela
tomaram parte, para a criação de um imenso mercado interno e,
evidentemente, para amplificar a voz dos seus 25 Estados
membros no mundo.
O processo de integração europeu é a causa de muitas e
importantes transformações na estrutura política e econômica da
Europa Ocidental contemporânea. Além dos extraordinários
índices econômicos e de bem-estar social que traduzem o estado
atual da União Européia, que foram aumentados em grande
medida graças à cooperação econômica que se estabeleceu entre
os parceiros, pode-se afirmar que é graças à integração que a
Europa conheceu uma longa fase de prosperidade econômica,
com a modernização das estruturas produtivas e a melhora
substancial dos padrões de vida das populações européias. Nesse
sentido, não há dúvidas de que foi cumprida, plenamente, a
intenção original dos tratados de criação das comunidades
européias.
GLOSSÁRIO
Intergovernabilidade: é uma forma de estabelecimento de
medidas de cooperação que se dá pelo relacionamento entre os
governos dos países membros envolvidos. Nela não há nenhuma
transferência de competências soberanas ou atribuições, dos
governos nacionais para uma instância comunitária — portanto, não
são formuladas políticas que obriguem todos os membros, que são
livres para decidir se desejam acatar ou não as medidas que
decorrem das negociações intergovernamentais. O Estado-membro
permanece.
Supranacionalidade: é umas das idéias mais importantes do
processo europeu de integração, pois oferece condições para a
formulação e a implementação de políticas comuns, que não são
definidas pelos governos dos países membros, mas sim pelas
organizações comunitárias, que têm poderes para criar decisões
obrigatórias aos Estados membros, e são independentes e
autônomas dos governos que as criaram. A criação dos organismos
supranacionais decorre da própria vontade soberana dos Estados
membros, que delegam a esses organismos determinadas
competências.
BIBLIOGRAFIA INDICADA
D’ARCY, François. União Européia: instituições, políticas e desafios.
Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2002.
LESSA, Antônio Carlos. A Construção da Europa: a última utopia
das Relações Internacionais. Brasília: IBRI, 2003.
PFETSCH, Frank R. A União Européia: história, instituições,
processos. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2002.
Capítulo 5
A AMÉRICA LATINA,
SUA INTEGRAÇÃO E SUA INSERÇÃO
NO MUNDO GLOBALIZADO
Pio Penna Filho1
INTRODUÇÃO
A América Latina tem experimentado uma inserção
internacional marcada pela adversidade, haja vista que a região é
constituída por Estados que apresentam diferenciados níveis de
desenvolvimento econômico e social, além de fatores históricos
específicos que deram um perfil peculiar aos países que
compõem esse conjunto, muito embora possamos identificar
elementos que dão certa unidade às suas várias sub-regiões,
como as zonas andina e platina no contexto sul-americano e os
países que formalizaram o Mercado Comum Centro-Americano,
na região da América Central, e ainda alguns, também de origem
latina, localizados no Caribe.
Desde o início do século XIX, quando do processo de
independência e formação dos Estados nacionais, os países
latino-americanos buscaram formas de inserção internacional
positiva, ou seja, buscaram se vincular aos espaços econômicos
mais importantes que se localizavam, basicamente, na Europa e
nos Estados Unidos da América. Na Europa, o capitalismo
avançava e as revoluções burguesas, associadas à Revolução
Industrial, marcavam o surgimento de uma nova era, de um novo
mundo, que servia de referência para quase todos os novos
Estados surgidos no início do século XIX e que viriam a formar o
que somente mais tarde seria chamado de América Latina.
Nos Estados Unidos, desde a independência em 1776 e os
seus desdobramentos, que acabaram fazendo das antigas 13
colônias britânicas na América do Norte o núcleo do mais
próspero e importante mercado do mundo no século XX, sua
evolução política e econômica logo o colocaram também como
importante ponto de referência para os demais países
americanos, seja por seu peso econômico ou pelas diversas
influências e interferências políticas que aquele Estado acabou
exercendo sobre os latino-americanos, ao longo de praticamente
toda a sua história. Assim, a presença dos Estados Unidos, desde
a Declaração Monroe (“A América para os americanos”), vem
sendo uma constante na história da América Latina, presença esta
marcada muitas vezes por intervenções políticas e militares ou por
influências econômicas.
À parte as influências externas na América Latina, seja
européia ou norte-americana, internamente a evolução política e
econômica dos Estados latino-americanos teve, durante o século
XX, alguns elementos em comum. Numa perspectiva política, foi
somente a partir dos anos 1930 que os governos latino-
americanos começaram a desencadear programas mais
consistentes para o desenvolvimento da região. Foi um período de
nacionalismo exacerbado, com regimes fortes, como a era Vargas
no Brasil, iniciada durante a década de 1930, e o governo de Juan
Domingo Perón, na Argentina, durante os anos 1940, para
ficarmos nos exemplos mais marcantes. Outro exemplo foi o
governo de Lázaro Cárdenas, no México, que durante os anos
1930 também promoveu uma política modernizadora, com
envolvimento deliberado das massas no jogo político e projetos de
industrialização do país.
Foi durante a década de 1930 que houve uma maior
aproximação entre os Estados latino-americanos. Naquele
contexto, havia em comum a consciência da necessidade da
industrialização e o envolvimento das massas na política.
Contudo, a conjuntura internacional, inicialmente favorável tendo
em vista a competição estabelecida entre os regimes fortes da
Alemanha, Itália e Japão diante dos tradicionais parceiros liberais
dos Estados latino-americanos, ou seja, Inglaterra, Estados
Unidos e França, em alguma medida acabou favorecendo a
região, tanto em termos de comércio internacional quanto em
investimentos diretos que ajudaram no processo de
industrialização. Todavia, as rivalidades políticas e sobretudo
ideológicas entre esses dois grupos acabou levando à Segunda
Guerra Mundial, o que forçou os Estados da América Latina a se
posicionarem ante o conflito. Assim, muito embora os Estados
Unidos tenham pressionado a América Latina a tomar uma
posição conjunta, não houve consenso a esse respeito. Enfim,
parte das preocupações relacionadas ao tema do
desenvolvimento cedeu lugar à preocupação com a segurança
internacional e regional, ainda mais quando submarinos alemães
e italianos começaram a operar no Atlântico Sul, principalmente
na costa brasileira.
No pós-Guerra ocorreu novo realinhamento da América Latina,
haja vista que a conjuntura internacional havia mudado
drasticamente, principalmente pelo novo reordenamento mundial
marcado pela guerra fria. Em certo sentido, esse novo contexto
implicou algumas restrições para a região, uma vez que na nova
ordem bipolar as regiões consideradas mais estratégicas estavam
distantes do cenário latino-americano. Efetivamente, as duas
novas superpotências, Estados Unidos da América e a ex-União
Soviética, disputavam zonas de influência na Europa e na Ásia e,
em terceiro lugar, na África. Para os americanos e para os
soviéticos, pelo menos até a Revolução Cubana, ocorrida em
1959, a América Latina constituía-se uma inquestionável zona de
influência norte-americana.
Mas durante a década de 1950, mesmo com dificuldades,
houve avanços no processo de modernização da América Latina e
de aproximação entre os seus Estados membros. Registre-se, por
exemplo, que ocorreu um ciclo de desenvolvimento econômico
com distribuição de renda e houve possibilidades de concertação
política entre os latino-americanos. A iniciativa diplomática coube
ao Brasil, que sob a presidência de Juscelino Kubitschek lançou a
Operação Pan-Americana, uma iniciativa que teve a pretensão de
unir os países do continente em torno da temática do
desenvolvimento, chamando a atenção dos Estados Unidos da
América para a região.
O que mais incomodava os governantes latino-americanos de
então era o descaso dos Estados Unidos para com a região.
Enquanto bilhões de dólares eram gastos para a reconstrução da
Europa e do Japão, Washington deixava a América Latina a ver
navios. Para o governo norte-americano, o mais importante era
manter a região no seu esquema de segurança internacional, não
se importando com o desenvolvimento econômico e com as
pressões sociais que começavam a se avolumar e que chegaram
à ruptura revolucionária em Cuba e à contestação de vários outros
governos. De qualquer forma, ressalte-se que houve, durante os
anos 1950, investimentos internacionais na região e um surto de
desenvolvimento organizado por parte dos Estados nacionais
latino-americanos, além de conversações políticas que fizeram
pressão sobre os Estados Unidos para que este país investisse
mais no desenvolvimento da região e deixasse de colocar toda a
ênfase no aspecto da segurança e do combate ao comunismo.
O início da década seguinte foi conturbado para a América
Latina. Em termos de política internacional, os Estados Unidos,
sobretudo após o governo de John Kennedy, retomaram uma
política de pressão enfatizando o combate ao comunismo. Para
tanto, a Doutrina de Segurança Nacional foi intensamente utilizada
como instrumento de propaganda para a contenção da ideologia
comunista. Gradativamente, a maior parte dos Estados latino-
americanos caiu sob o poder de ditaduras militares que iniciaram
um novo ciclo político na vida dessas nações. Houve
diferenciações importantes entre os regimes militares, tanto em
termos de projetos nacionais quanto em termos de inserção
internacional.
Muito embora todos assumissem uma perspectiva nacionalista,
os meios escolhidos para se atingir os objetivos identificados
como sendo o interesse nacional variou sensivelmente de país
para país. Alguns adotaram uma perspectiva mais radical e
utilizaram de extrema violência no plano interno, como foi o caso
da Argentina e do Chile. Outros, como o Brasil, muito embora
tenham também se utilizado da violência como instrumento de
poder, foram mais moderados e elaboraram regimes mais
sofisticados, que afinal obtiveram melhores resultados no que diz
respeito ao seu desenvolvimento econômico e à sua inserção
internacional.
Mas para a integração regional os regimes nacionalistas
significaram uma barreira quase intransponível. No contexto dos
regimes nacionalistas falar em integração econômica e política era
praticamente um pecado. O que houve, de fato, foi uma
integração do tipo perversa, na qual os regimes militares,
principalmente do Cone Sul (Brasil, Bolívia, Paraguai, Argentina,
Chile e Uruguai), uniram forças para reprimir os movimentos de
contestação às ditaduras e perseguir os exilados políticos. Esse
movimento de integração da repressão deu origem à famosa
Operação Condor, um esquema montado pelo Chile e que contou
com a participação das outras ditaduras, inclusive com a
conivência do Estados Unidos.
De meados da década de 1960 em diante e durante a década
de 1970, portanto, os Estados latino-americanos, no geral, viviam
uma situação política pautada pelos regimes de força, e sua
inserção internacional, em termos políticos, tinha como
fundamentação ideológica o alinhamento aos Estados Unidos no
combate ao chamado “comunismo internacional”, um inimigo
muito mais imaginário do que concreto. De fato, a idéia de
combate ao comunismo era funcional aos regimes de exceção,
haja vista que servia para dar cobertura e legitimidade, tanto
interna quanto externamente, a eles mesmos.
É importante destacar, todavia, que nem toda a inserção
internacional da América Latina esteve pautada exclusivamente
pelos pressupostos da guerra fria e da bipolaridade. O Brasil
talvez tenha sido o exemplo mais contundente de um país que,
mesmo alinhado aos Estados Unidos e tendo os seus sucessivos
governos militares comungado das principais teses norte-
americanas de luta contra o comunismo, foi capaz de imprimir
uma política externa independente e com objetivos próprios,
principalmente durante a década de 1970. Em vários momentos,
inclusive, as divergências com os Estados Unidos foram
evidentes, por exemplo, quando o presidente Ernesto Geisel
denunciou o Acordo Militar com aquele país, que vinha desde a
década de 1950, e celebrou o Acordo Nuclear com a então
República Federal da Alemanha, contrariando os interesses norte-
americanos.