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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Procurando o Lado Escuro da Lua:


implicações sociais da prática de atividades corporais
realizadas por adultos em academias de ginástica de
Goiânia.

Tadeu João Ribeiro Baptista

Trabalho apresentado como exigência parcial do Mestrado em Educação Brasileira


da Universidade Federal de Goiás, para a obtenção do Título de Mestre em
Educação Brasileira, sob a orientação da Professora Dra. Maria Hermínia Marques
da Silva Domingues.

Goiânia
2

2001
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Procurando o Lado Escuro da Lua:


implicações sociais da prática de atividades corporais
realizadas por adultos em academias de ginástica de Goiânia.

Aluno: Tadeu João Ribeiro Baptista


Orientadora: Profª. Dra. Maria Hermínia Marques da Silva Domingues

Dissertação apresentada à Faculdade de Educação da UFG como


requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Educação
Brasileira.

Goiânia, 02 de Abril de 2001

COMISSÃO EXAMINADORA:

Profª. Dra. Maria Hermínia M. da S. Domingues

Profª. Dra. Anita Cristina Azevedo Rezende

Prof. Dr. Lino Castellani Filho


3

Goiânia

2001

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho às pessoas que mais contribuíram para a realização deste de

maneira direta ou indireta, até mesmo sem saber: À minha avó Emília, à minha mãe Ginalva,

à minha esposa Valéria e os meus filhos Anna Clara e Victor Tadeu. Todos eles, estando

longe ou perto, através de seu amor, às vezes sem saber, deram força suficiente para concluir

este trabalho que tanto exigiu de mim e cederam momentos inestimáveis de sua existência em

minha presença, momentos esses que provavelmente jamais poderei devolver-lhes.


4

É nisso que encontram prazer os manipuladores do corpo.


Eles medem o outro sem saber, com o olhar do fabricante
de caixões, e se traem quando anunciam o resultado
5

dizendo, por exemplo, que a pessoa é comprida, pequena,


gorda, pesada. Eles estão interessados na doença, à mesa
já estão à espreita da morte do comensal, e seu interesse é
só muito superficialmente racionalizado como interesse
pela saúde. (ADORNO E HORKHEIIMER, 1985: 219)

AGRADECIMENTOS

Ao longo de toda a minha vida, várias pessoas me incentivaram neste caminho,


que culmina até o presente momento neste trabalho. Em primeiro lugar os professores Moacyr
Antônio da Silva e Mara Medeiros, que de maneiras particulares me ensinaram que a
Educação Física voltada para os interesses humanos é possível.
Aos meus sogros José e Eunice por terem várias vezes propiciado um estudo mais
aprofundado ao cuidar dos meus filhos e filtrar telefonemas nos meus períodos de clausura.
Aos professores do mestrado: Magno, Walderês e Marília, por terem
compartilhado comigo o conhecimento. Ao Professor Tomé da Faculdade de Nutrição pela
ajuda na estatística. Às Professora Ivone e Anita, por suas contribuições no referencial teórico
adotado neste estudo e também pela discussão realizada por ocasião de minha qualificação.
Aos colegas da turma do mestrado, especialmente o Raimundo e a Divina, com os
quais tive maiores oportunidades de trocar experiências e principalmente desabafar as
angústias, tristezas e alegrias desta pós-graduação.
Aos professores Mestres Anderson Cruz e Paulo Ventura, os Mestrandos Warley
Carlos, Sandro Marlos e Perpetua Nunes, por dividirem comigo as lutas de uma instituição
pública de ensino superior, e por me ensinarem que em meio a tentativas de trabalho
interdisciplinar, a risos no corredor e “brigas” nas salas de reunião também se cresce, se
aprende e se compartilha o saber.
6

Aos Professores Fausto Sahium, Anna Luíza Sant’Anna, João Varanda e Amilton
Fonseca Júnior, por terem aberto as portas das academias que fizeram parte deste estudo, bem
como a toda a equipe de professores e funcionários que me auxiliaram na identificação dos
meus informantes.
Finalmente, tenho um agradecimento muito especial à minha orientadora, a
Professora Doutora Maria Hermínia Marques da Silva Domingues, que durante todo esse
tempo, exerceu uma função muito acima da que lhe era devida, sendo uma amiga
compreensiva em momentos difíceis deste período e sem a qual, este trabalho não teria
conseguido atingir ao ponto que chegou.
7

SUMÁRIO

LISTA DE GRÁFICOS E QUADROS ........................................................................... viii


LISTA DE TABELAS ..................................................................................................... ix
RESUMO ........................................................................................................................ xii
ABSTRACT .................................................................................................................... xiii
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 14
I. O ADULTO E SUAS CARACTERÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO ........ 22
1. Características Filogenéticas do Ser Humano Adulto ............................. 25
2. Características Ontogenéticas do Ser Humano Adulto ........................... 37
II. AS RELAÇÕES SOCIAIS DO CORPO ADULTO ........................................... 50
1. A Questão do Corpo ................................................................................. 50
2. O Adulto e a Questão da Autoconsciência ................................................ 60
3. O Corpo no Mundo: a relação entre o indivíduo, a sociedade e a mídia ... 72
III. ADULTO E ATIVIDADE FÍSICA...................................................................... 93
1. A Atividade Física Como Saúde ............................................................... 104
2. A Atividade Física Como Estética ............................................................ 129
8

3. A Atividade Física Como Lazer ............................................................... 147


4. O Lado Escuro da Lua .............................................................................. 165
CONCLUSÃO: A Educação e a Educação Física na Academia de Ginástica ................ 177
REFERÊNCIAS BLIOGRÁFICAS ................................................................................. 187
ANEXOS .......................................................................................................................... 194

LISTA DE GRÁFICOS E QUADROS

Gráfico 1: Distribuição de Faixa Etária dos Praticantes de Atividade Física, por


Academia .............................................................................................. 33
Gráfico 2: Distribuição por Sexo dos Praticantes de Atividade Física, por
Academia .............................................................................................. 34
Gráfico 3: Distribuição da Escolaridade dos Praticantes de Atividade Física, por
Academia .............................................................................................. 35
Quadro 1: Diferentes Objetivos das Atividades de Academia 1990-1998* ........... 95
9

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Profissão exercida pelos praticantes de Atividade Física, por Faixa


Etária ..................................................................................................... 36
Tabela 2: Atividades mais importantes na vida dos praticantes de Atividade
Física, por Faixa Etária ......................................................................... 66
Tabela 3: Motivo referido pelos praticantes de Atividade Física para a posição
desta prática em sua vida, por Faixa Etária ........................................... 70
Tabela 4: Influência da Autoconsciência dos Praticantes de Atividade Física,
por Faixa Etária. .................................................................................... 71
Tabela 5: Autoconsciência dos praticantes de Atividade Física, por Faixa Etária.
.................................................................................................... 71
10

Tabela 6: Origem de Informação sobre a modalidade praticada pelos Praticantes


da Atividades Físicas, por Faixa Etária.* .............................................. 88
Tabela 7: Fontes de informação sobre Atividade Física, por Faixa Etária. .......... 90
Tabela 8: Influência da mídia sobre os Praticantes de Atividade Física, por
Faixa Etária ........................................................................................... 91
Tabela 9: Modalidades Realizadas pelos Praticantes de Atividade Física, por
Faixa Etária* ......................................................................................... 97
Tabela 10: Relação Entre Tempo de Atividade dos Praticantes de Atividade
Física, por Faixa Etária ...... 119
Tabela 11: Freqüência Semanal à academia dos Praticantes de Atividades Físicas,
por Faixa Etária* ...................................................................... 121
Tabela 12: Período da Realização da Atividade Física, por Faixa Etária ............... 122
Tabela 13: Tempo gasto no treinamento (por dia) pelos Praticantes de Atividade
Física, por Faixa Etária. ........................................................................ 123
Tabela 14: Realização de Exame Médico pelos Praticantes de Atividade Física
por Faixa Etária. .................................................................................... 124
Tabela 15: Local do Exame Médico realizado pelos Praticantes de Atividade
Física, por Faixa Etária. ........................................................................ 125
Tabela 16: Motivo para a realização do Exame Médico pelos praticantes de
Atividade Física, por Faixa Etária. ........................................................ 125
Tabela 17: A Saúde como objetivo dos praticantes de atividade física, por Faixa
Etária ..................................................................................................... 126
Tabela 18: Relação entre os exercícios e a saúde, segundo os praticantes de
Atividade Física, por Faixa Etária ......................................................... 128
Tabela 19: Influência dos exercícios sobre a saúde, segundo os praticantes de
Atividade Física, por Faixa Etária ......................................................... 129
Tabela 20: A Estética como objetivo dos praticantes de Atividade Física, por
Faixa Etária* ......................................................................................... 143
Tabela 21: Relação entre os exercícios e s Estética, segundo os praticantes de
Atividade Física, por Faixa Etária ......................................................... 145
Tabela 22: Influência dos exercícios para a Estética, segundo os praticantes de
Atividade Física, por Faixa Etária ......................................................... 146
11

Tabela 23: O lazer como objetivo dos praticantes de Atividade Física, por Faixa
Etária ..................................................................................................... 157
Tabela 24: Realização de outras modalidades dos praticantes de Atividade Física,
por Faixa Etária ......................................................................... 158
Tabela 25: Modalidades realizadas pelos praticantes de Atividade Física, por
Faixa Etária ........................................................................................... 159
Tabela 26: Motivo porque pratica outra modalidade, segundo os praticantes de
Atividade Física, por Faixa Etária. ........................................................ 160
Tabela 27: Opção por outra modalidade, segundo os praticantes de Atividade
Física, por Faixa Etária ........................................................................ 161
Tabela 28: Modalidade referida como opção pelos praticantes de Atividade
Física, por Faixa Etária ......................................................................... 162
Tabela 29: Relação entre os exercícios e o Lazer, segundo os praticantes de
Atividade Física, por Faixa Etária ......................................................... 163
Tabela 30: Influência dos exercícios sobre o lazer, segundo os praticantes de
Atividade Física, por Faixa Etária ......................................................... 164
Tabela 31: Objetivo almejado pelos Praticantes de Atividade Física, por Faixa
Etária ..................................................................................................... 165
Tabela 32: Índice de Satisfação com os resultados alcançados pelos praticantes
de Atividade Física, por Faixa Etária .................................................... 167
Tabela 33: A contribuição da Atividade Física, segundo os praticantes, por Faixa
Etária ..................................................................................................... 168
Tabela 34: Comparação entre as médias obtidas entre as Categorias estudadas,
segundo os praticantes de Atividade Física, por Faixa Etária.* ............ 169
Tabela 35: Motivos para a realização de Atividade Física, segundo os praticantes,
por Faixa Etária .................................................................. 170
Tabela 36: Comparação entre as médias obtidas pelas categorias em estudo,
segundo os praticantes de Atividade Física, por Faixa Etária. .............. 172
12

RESUMO

O presente trabalho objetiva refletir a respeito da prática de atividades físicas


realizadas por adultos de 20 a 50 anos em academias na cidade de Goiânia. Para tanto, foram
selecionadas quatro academias com características diferenciadas. O problema levantado foi
justamente saber “Por que adultos de 20 a 50 anos praticam atividades físicas?” Os
objetivos definidos para este trabalho: a) Identificar o nível de importância da saúde, da
estética e do lazer na realização de Atividades Físicas por parte de adultos; b) Investigar o
nível de influência da autoconsciência e da mídia neste processo. O referencial teórico
adotado foi Marx, Adorno, Horkheimer e Leontiev. Para se alcançar os objetivos propostos,
realizou-se um levantamento através de entrevista junto a 77 alunos praticantes de Atividades
Físicas em quatro academias de Goiânia. Os dados foram analisados pelo programa Epi Info e
tratados estatisticamente através do X2. Concluiu-se que: 1º) o principal objetivo da prática de
atividades físicas entre adultos de 20 a 50 anos é a estética, seguida pela saúde e pelo lazer;
2º) ficou demonstrado que a mídia exerce uma influência maior do que a autoconsciência
13

nessa prática. Finaliza-se, apresentando a idéia que a academia de ginástica deve ser vista pelo
Professor de Educação Física como locus de educação não-formal, destacando a prática
pedagógica como elemento fundamental.

ABSTRACT

The aim of this text is to think about the practice of physical activity realized for
adults from 20 to 50 years old in the gymnastics fitness centers in the Goiânia City. So, it was
selected four gymnastics fitness centers with different characteristics. The problem of this
research is to know “Why adults from 20 to 50 years old practice physical activity?”
Objectives of this work are: a) identify how important are health, aesthetics and leisure to
adults when they practice physical activity; b) investigate the level of the influence of
autoconscience and media in this process. The theoretical referential adopted was Marx,
Adorno, Horkheimer and Leontiev. To reach objectives purposed, it was made a survey trough
meeting appointment with 77 practitioners of physical activity in gymnastics fitness centers of
Goiânia. Data were analyzed by Epi Info and had a statistics treatment by chi-square. The
conclusion was: 1st) the principal objective of physical activity practice between adults from
14

20 to 50 years old is aesthetics, followed by health and by leisure; 2nd) It was demonstrated
that media influences the practice of physical activity more than autoconscience. Finally, it’s
presented the idea that the gymnastics fitness centers must be seen for Physical Education
Teacher like a site of a no-formal education, emphasizing pedagogical practice like
fundamental element.

INTRODUÇÃO

Desde a antigüidade o ser humano se utiliza do seu corpo para estabelecer a sua
relação com o mundo, sendo o corpo aqui entendido como a forma da espécie humana estar
presente no mundo, atuando sobre ele, transformando-o de acordo com as suas necessidades,
promovendo ao mesmo tempo a sua transformação pessoal, porquanto a sua ação retorna para
ele. Este processo de ação se dá pelo trabalho, que por sua vez, só é possível quando ocorre o
movimento.
15

A relação estabelecida através do movimento modificou-se com o passar dos


tempos. De necessidade básica do ser humano, como a fuga de grandes animais, da produção
de utensílios e das atividades como lavrar a terra, para a sua utilização em festividades, onde
as danças representavam a fé, a alegria e a celebração da vida e/ou da morte. Estas práticas
também oscilavam da realização das lutas e guerras, torneios de gladiadores, os quais tinham
a finalidade de divertir o povo, até a utilização de movimentos e exercícios ginásticos com o
objetivo de curar o corpo e a alma de enfermidades, torná-los mais belo e assim conquistar o
sexo oposto. Havia também a realização de jogos e brincadeiras pelas crianças como forma
própria de interpretar o mundo, ou ainda a realização de eventos como as olimpíadas
modernas, possuindo em seu discurso oficial a celebração da paz e da fraternidade entre os
povos, constituindo um meio de venda de mercadorias das mais diversas e possibilitando,
dessa maneira, o lazer passivo. Ainda na linha da diversão, poder-se-ia falar dos movimentos
acrobáticos das atividades circenses e da pura expressão dos sentimentos e até do
auto-conhecimento nas situações cotidianas, demonstradas através da mímica e da expressão
corporal.
Assim, dentre os diferentes objetivos expressos nos elementos constitutivos da
cultura corporal (os jogos, as lutas, a dança, os esportes, a ginástica, as atividades circenses e a
mímica), identificam-se diferentes possibilidades de utilização da atividade física no mundo
atual. As diferentes formas de realização do movimento continuam presentes na vida das
pessoas, porém com atualizações ocorridas com o passar dos tempos, remetendo cada uma
delas a conceitos influenciados por fatores nem sempre muito justos, os quais são difundidos
em massa, em benefício de algumas pessoas e grupos hegemônicos.
Mesmo assim, apesar de todos os benefícios e utilização das diferentes práticas
devido ao acelerado desenvolvimento tecnológico, sobretudo as pessoas adultas estão se
movimentando cada vez menos, elevando de forma significativa o índice de sedentarismo da
população mundial na faixa etária em estudo. Dados apresentados pela Organização
Pan-Americana de Saúde (OPAS, 1998) indicam um quadro dos diferentes níveis de atividade
física da população, apontando um nível de sedentarismo de 58%. Ainda nesta linha, Anjos
(1999) apresenta níveis elevados de sedentarismo em todo o Brasil: no município de São
Paulo o índice era de 69% em 1990, tendo em Porto Alegre, 1993, o mesmo índice. Os dados
apresentam também níveis diferenciados para homens e mulheres. Os níveis para estas
chegam em algumas situações a 82% (Porto Alegre). Esses dados são semelhantes aos
16

apresentados recentemente em Goiânia. Baptista (2000), referindo-se aos índices apresentados


pelas Secretarias de Saúde – Municipal e Estadual – junto com outras instituições e
envolvidas com o Projeto C.A.R.M.E.N.T. (Conjunto de Ações para a Redução Multifatorial
de Enfermidades Não-Transmissíveis), em um estudo multicêntrico em parceria com a OPAS,
mostra parâmetros de inatividade física de 66,2% em mais de 3000 pessoas pesquisadas em
domicílio na região leste desta cidade.
Apesar desse número alarmante de sedentários, a realização de exercícios está
crescendo desde o final da década de 60, quando o Dr. Keneth Cooper divulgou os resultados
de seus estudos feitos com oficiais da Força Aérea Americana, onde vários militares
considerados em situação de baixa haviam evoluído em sua capacidade física, devido à prática
de exercícios regulares. A partir da publicação dessas pesquisas e da justificativa para a
prática de exercícios onde a meta principal é a melhoria da saúde, ocorreu um aumento
significativo no número de pessoas que passam a praticar atividades físicas de forma
sistematizada.
Todos esses dados têm embutida a preocupação da prática corporal devido à
relação existente entre essa ação e a prevenção de doenças crônico-degenerativas, como é o
caso da obesidade, da hipertensão, da diabetes e da osteoporose, entre tantas outras, onde a
prática de exercícios físicos é entendida como um dos elementos não-medicamentosos do
tratamento. É importante ressaltar, ainda, que para a atividade física surtir os efeitos
necessários, é de fundamental importância uma prática regular, o que acontece quando se
realizam exercícios na maior parte dos dias da semana, de forma leve a moderada.
Nesse sentido, para se pensar em um prazo mínimo para se obterem as alterações
decorrentes do treinamento realizado, não se pode pensar em prazo menor do que o
equivalente a 10 microciclos, ou seja, dois meses e meio (Dantas, 1998), o que remete a um
tempo de pelo menos três meses de prática efetiva de atividade física regular.
Essa busca pela saúde representa um marco que vai culminar, no início da década
de 1980, na chamada Era Fitness, onde a expansão do número de praticantes e de academias
de ginástica é bastante elevada. De acordo com Novaes (1998), na cidade do Rio de Janeiro o
número de academias subiu de algo em torno de 300 academias, no início dos anos 80, para
mais de 3000, na segunda metade da década de 90.
Existem ainda outras questões para se pensar e se realizar esta prática. Entre elas
pode-se mencionar a realização de exercícios como forma de aproveitamento do tempo
17

disponível, tendo assim o objetivo de propiciar ao ser humano momentos de livre escolha, de
expressão de sua corporalidade e de se atar relação direta com o mundo. Assim, a atividade
física também acaba sendo utilizada na forma de lazer, onde a espontaneidade na busca pela
forma de ocupação do tempo livre é importante para a sua caracterização, enquanto tal (lazer).
Pode-se levantar, também, a possibilidade de se usar o movimento como forma de
conhecer as próprias potencialidades, tendo maior clareza das capacidades e limites de cada
um, buscando-se a superação das dificuldades pessoais de relacionamento, não havendo, aqui,
a preocupação com a superação de recordes esportivos. Existe, ainda, uma relação da prática
corporal com a melhoria do aspecto estético das pessoas onde há, cada vez mais, a divulgação
por parte dos meios de comunicação de massas (mídia), de imagens corporais entendidas
como perfeitas.
Esses elementos afetam a vida das pessoas de maneira geral, mas principalmente
das adultas que estão entre os 20 e 50 anos. Essa relação é provavelmente maior devido à
presença dessas pessoas no meio produtivo, ou seja, a maioria dos adultos nessa faixa etária
possuem obrigações sociais e familiares maiores do que outras faixas etárias, como as
crianças, os adolescentes e os idosos. Mesmo tendo clareza da grande divergência existente
sobre o início desta última fase, pode-se apresentar esse momento da vida – dos 20 aos 50 –
como o período de maior estabilidade física, psicológica e social na vida do ser humano.
É procurando entender as várias influências que aspectos sociais relacionados aos
conceitos de saúde, de estética e de lazer, procurando perceber ainda a influência da
autoconsciência e da mídia na vida das pessoas, é que se levantou o questionamento central
deste estudo: “Por que adultos de 20 a 50 anos praticam atividade física?”
Esta pesquisa tem como objetivos norteadores, dois pontos centrais:
a. identificar o nível de importância da saúde, da estética e do lazer na realização
de atividades físicas por parte de adultos;
b. investigar o nível de influência da autoconsciência e da mídia neste processo.
O estudo foi realizado dividindo-se os adultos em três faixas etárias: de 20 a 30
anos, de 31 a 40 anos e de 41 a 50 anos, o que se justifica devido às similaridades das
características apresentadas em cada período. Este corte também é justificado pelo fato dos
adultos estarem muito presentes dentro das academias de ginástica, além do que essa faixa
etária ainda é pouco estudada dentro da Educação Física. Outro ponto de corte adotado foi o
18

tempo de três meses, uma vez que, segundo Dantas (1998), necessita-se de um tempo
aproximado a esse para se perceber o nível das alterações ocorridas.
Para se chegar às respostas pretendidas foi feito um estudo descritivo
normalmente utilizado quando o (...) foco essencial destes estudos reside no desejo de
conhecer a comunidade, seus traços característicos, suas gentes, seus problemas(...), seus
professores, sua educação, sua preparação para o trabalho, seus valores, (...)etc.
(Triviños,1987: 110)
O estudo descritivo foi feito na forma de um levantamento (survey), onde se
procurou entrevistar pessoas que praticavam atividade física em academias. Este delineamento
(...)pretende descrever ‘com exatidão’ os dados e fenômenos de determinada realidade.
(Triviños, 1987: 110)
Para se obter as informações necessárias seguiram-se aos seguintes
procedimentos: o primeiro está relacionado com a seleção dos locais a serem pesquisados. A
primeira opção foi de pesquisar os locais onde os praticantes de atividades físicas obtivessem
a orientação de Professores de Educação Física, pois nessa fase pretendia-se, inclusive,
realizar entrevistas com esses professores. Foi descartada a realização da pesquisa em locais
como as pistas de caminhada espalhadas pela cidade, bem como em parques, porque nesses
locais a orientação profissional é bastante reduzida.
Posteriormente, optou-se por realizar esta pesquisa em sete locais: cinco
academias de ginástica, que possuem um bom conceito com relação ao tipo de serviços
prestados; um clube do Serviço Social da Indústria (SESI), que também possui bons serviços
prestados, ao mesmo tempo que possibilitaria encontrar uma população de classe social mais
baixa. Por fim, a Faculdade Estadual de Educação Física de Goiânia, a qual ministra aulas
para a comunidade, a partir de um programa de extensão que tem como objetivo aprimorar a
formação profissional de seus alunos, servindo como campo de estágio.
A seguir, esses locais foram visitados para que se pudesse detectar as principais
características de cada local. Após as visitas, detectou-se a discrepância entre as características
das academias, do clube e da faculdade. Optou-se por eliminar o clube e a faculdade de
Educação Física. Além disso, a coordenação de uma das academias ofereceu resistência à
coleta de dados, o que determinou a sua eliminação. Finalmente, foram definidas as quatro
academias de ginástica que acabaram participando da realização deste trabalho, as quais
possuíam características diversificadas, mas que, ao mesmo tempo, apresentavam elementos
19

semelhantes a várias outras academias existentes em Goiânia. As academias foram visitadas


no início no 2º semestre de 1998, com o intuito de se obter a colaboração dos proprietários e o
perfil dos alunos-alvo. Após a elaboração dos instrumentos, foi feito um segundo contato, no
final de 1999, ainda com os proprietários, para se confirmar o início das entrevistas, além de
conseguir uma relação de nome e idade dos alunos para que se procedesse ao sorteio das
pessoas a serem entrevistadas. Foi detectada uma diferença em relação ao número de alunos
informados anteriormente, fato explicado pela rotatividade dos alunos, o que é bastante
comum na realidade das academias. Essas etapas definiram os seguintes locais para o
levantamento de dados:
a. a Academia 1 está situada no Setor Bueno. Tem uma média de 500 alunos
durante o ano. Oferece vários tipos de atividades como ginástica, musculação,
ergometria (trabalho aeróbio em bicicletas, esteiras e outros equipamentos),
entre outras. Possui quadro aproximado de 12 professores e mensalidades de
R$ 70,00. Funciona de segunda à sexta, nos três períodos, e aos sábados, só no
matutino. O maior movimento ocorre das 7:00 às 8:30 e das 18:45 as 20:30
horas, principalmente nas segundas, terças e quartas. Atende um público de
classe média e alta. No final de 1999 possuía 304 alunos, dentro da faixa etária
em estudo que estavam praticando atividade física há mais de 3 meses. Desses,
78,61% eram mulheres e 21,38% homens.
b. a Academia 2 está localizada no Setor Pedro Ludovico. Tem média de 150
alunos. As modalidades oferecidas limitam-se à ergometria e musculação.
Apresenta como característica importante o fato de já ter tido atletas
competindo em musculação. Possui quatro professores e mensalidade de R$
30,00. Funciona de segunda à sexta das 6:00 ás 12:00 e das 15:00 às 22:00
horas, e aos sábados, no período matutino, até às 13:00 horas. Os dias de
maior movimento são a segunda, a quarta e a sexta, das 18:30 às 20:30 horas.
O público é de classe média. Os dados, no final de 1999, apresentavam 84
alunos de 20 a 50 anos, com mais de três meses de prática, dos quais 60,71%
eram homens e 39,28% mulheres.
c. a Academia 3 está localizada no Setor Sul, tendo média de 250 alunos. Está
ligada a uma clínica com consultório médico, por onde passa a grande maioria
dos alunos. As modalidades oferecidas são a hidroginástica, natação,
20

ergometria, ginástica localizada, musculação e personal training. Tem sete


professores e a mensalidade média é de R$ 50,00. Funciona de segunda à sexta
das 7:00 às 11:30 e das 14:00 às 20:00 horas. Os dias e horários de maior
movimento são de segunda à sexta das 8:00 às 10:00 e das 17:00 às 20:00
horas. O público é variado, objetiva a busca da saúde. Dados do final de 1999
apresentam 47 alunos, dos quais 82,9% mulheres e 17,0% homens, dentro da
faixa etária e período de prática definidos para a pesquisa. No entanto, no
início da pesquisa os homens que realizavam atividades na academia,
atendendo aos critérios estabelecidos, não foram encontrados. Por isso, foram
descartados, mantendo-se as mulheres no total de 39 pessoas. Assim, as
mulheres passaram a perfazer 100% do universo pesquisado, extraindo-se daí,
o percentual relativo à amostra nessa academia.
d. a Academia 4 está localizada no Setor Oeste, tendo aproximadamente 250
alunos na unidade, uma vez que a referida Academia possui três unidades em
locais diferentes. As modalidades oferecidas são a natação, a hidroginástica e
o programa fitness, composto por ergometria, musculação e diversos tipos de
ginástica. Possui em torno de sete professores e mensalidade de R$ 70,00.
Funciona de segunda à sexta nos três períodos e sábado só no matutino. Os
dias e horários de maior movimento são segunda, terça e quarta, das 7:00 às
8:30 e das 18:00 às 19:30 horas. Dados relativos ao final de 1999 apresentam
total de 299 alunos dentro da faixa etária e do período de tempo necessário
para ser enquadrado nos critérios de pesquisa. Destes, 72,24% eram mulheres
e 27,71%, homens.

Concomitante à etapa de estudo e seleção dos locais de pesquisa, foram


construídos dois instrumentos de coleta de dados: o primeiro é composto por roteiro
estruturado com perguntas abertas e fechadas, que foram aplicadas através de entrevistas. O
referido instrumento compõe-se por dois blocos: a) com questões de Identificação (7
perguntas); b) com questões sobre a prática de atividade física (19 perguntas), entre as quais
constavam o tipo de modalidades praticadas, realização de exames médicos, principais fontes
de informação, objetivos, entre outras (Anexos I e II). O segundo instrumento se constituiu
num questionário estruturado, construído de forma escalar, o qual foi respondido pelos
21

próprios informantes. Ele continha dois blocos de afirmações onde os graus para as respostas
variavam de “concordo totalmente” a “discordo totalmente”. O 1º bloco, sobre a
contribuição da atividade física, consta de 21 afirmações (Anexo III-A) e o 2º bloco, sobre os
motivos da prática, com 20 afirmações (Anexo III-B).
Os instrumentos foram analisados por três Professoras Doutoras da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de Goiás – UFG. Após suas considerações, foi
reformulado para suprir as deficiências, sendo em seguida submetidos a um estudo piloto com
11 alunos das turmas de adultos de Iniciação Esportiva da Escola Superior de Educação Física
e Fisioterapia de Goiás, entre os dias 01 e 10/11/99. Em seguida à tabulação dos dados e da
identificação de pequenos problemas, chegou-se ao formato final, com as características
mencionadas anteriormente.
Após a realização e análise do piloto, utilizando-se a pergunta 2.13 do Roteiro de
Entrevistas, calculou-se a amostragem através do teste t de student, que determinou que para
haver possibilidade de generalização para a cidade de Goiânia, com p < 0,05, deveriam ser
entrevistados 116 informantes de maneira aleatória, o que corresponde a 15,97% do universo.
Foi obtida, junto à direção de cada academia, a relação dos alunos de 20 a 50 anos
que faziam atividade física há mais de três meses, os quais foram divididos por sexo e em três
faixas etárias, sendo elas de 20 a 30; de 31 a 40 e 41 a 50 anos. A partir desta relação, os
alunos foram sorteados, a fim de se identificarem os sujeitos do estudo.
Dentro do quantitativo geral das academias pesquisadas existiam 726 alunos que
atendiam ao perfil da presente pesquisa. Desses, foram entrevistados 77 alunos que atendiam
aos critérios: idade entre 20 e 50 anos e que praticavam atividade no mínimo há três meses.
O período de coleta dos dados foi do dia 24/11/99 até 22/05/00. Para não haver
problema entre os dias e horários, procurou-se fazer a pesquisa nos horários de maior
movimento, alternando-se as academias em relação aos dias e horários. As entrevistas
seguiram o seguinte procedimento:
a. chegada à academia e contato com a recepcionista;
b. identificação dos alunos presentes ou que provavelmente compareceriam
naquele dia, com a ajuda da recepcionista e/ou dos professores da academia;
c. abordagem ao aluno, com ajuda ou não dos funcionários da academia, e
questionamento se o aluno poderia responder às perguntas;
22

d. início da coleta de dados pela entrevista, passando-se, em seguida, ao


questionário;
e. agradecimento e despedida por parte do pesquisador.
Aconteceu de não se conseguir encontrar os alunos sorteados, provocando demora
na coleta dos dados. Devido a isso, e escassez de tempo para continuar a pesquisa, a coleta foi
interrompida com 77 informantes, o que corresponde a 10,60% do universo da pesquisa,
sendo que em cada academia o percentual de alunos entrevistados foi de 32 na Academia 1,
que corresponde a 10,52%; 16 na Academia 2, correspondente a 19,04%; 06 na Academia 3,
representando 15,38% do total; e finalmente, 23 na Academia 4, perfazendo 7,69%.
Os dados foram submetidos ao programa Epi-Info para a obtenção das freqüências

e da relação entre as variáveis através do X2.


O presente trabalho está estruturado em quatro capítulos. No primeiro capítulo é
discutida a delimitação do ser humano na vida adulta, assim como as suas principais
características, do ponto de vista fisiológico, psicológico e social.
O segundo capítulo trata do adulto e suas relações com o seu corpo, com a sua
consciência, ou melhor dizendo, a autoconsciência, como diria Leontiev, bem como a relação
desse homem com a mídia.
O terceiro capítulo aborda, de maneira mais específica, a relação do ser humano
com a atividade física, fazendo essa abordagem a partir da relação dessa com a busca da
saúde, da estética e do lazer. São apresentadas, ainda, as relações dos praticantes de atividade
física com os seus objetivos e interesses, assim como a discussão dos enfoques e as possíveis
implicações sociais da prática de atividade física.
Na conclusão, demonstra-se que o adulto pratica atividade física tendo
principalmente objetivos estéticos, e que a mídia consegue influenciar essa prática mais do
que a autoconsciência. Serão apontadas, também, as possibilidades de superação e de
melhoria em relação à prática da atividade física em academia, direcionando para a
necessidade de melhor qualificação do professor de Educação Física em seus aspectos
pedagógicos, entendendo a academia de ginástica como um espaço de educação não-formal.
23

I. O ADULTO E SUAS CARACTERÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO

A vida humana é marcada por diversas fases durante o seu curso, sendo essencial,
ao longo de toda história pessoal, a vivência dos diversos momentos em toda a intensidade
que cada um deles exige. A existência de cada instante pode ser dividida em períodos mais
longos ou mais curtos, deixando maiores ou menores lembranças, mas nem por isso cada uma
delas deixa de ser importante. Essas fases podem ser descritas de diferentes formas,
dependendo da abordagem utilizada, sendo, todavia, percebida a existência de pelo menos três
momentos: a infância (de 0 a 10 anos), a adolescência (dos 10 aos 20 anos) e a vida adulta
(dos 20 anos até a morte). Pode-se, ainda, considerar um outro período de vida: a velhice,
sendo essa compreendida a princípio, na elaboração deste trabalho, a partir dos 65 anos, idade
adotada para se definir o período de aposentadoria.
Dentro dessa divisão, tanto a Educação como a Educação Física sempre deram
bastante atenção para as duas primeiras etapas, deixando em segundo plano a fase adulta
como parte do desenvolvimento do ser humano. Da mesma forma, só nos últimos anos
começou-se a dar atenção para os idosos, fato ocorrido devido ao crescente aumento da
expectativa de vida, não apenas no Brasil como no mundo, aliado à uma redução na taxa de
mortalidade infantil e aos avanços da medicina, que permitem um combate cada vez mais
eficaz contra os diversos tipos de doença.
A intenção deste capítulo é estabelecer uma discussão a respeito do que venha a
ser essa fase da vida, entendida como o período adulto, onde se percebe, sem muito esforço,
um “momento de estabilidade” no que concerne ao desenvolvimento do ser humano.
Entretanto, essa constância pode ser real nos aspectos biológicos, porém está longe de sê-la
em relação às dimensões psicológicas e sociais da humanidade.
Porém, antes de se discutirem todas as características da vida humana em sua
adultez devem-se apresentar as formas que são adotadas para a sua divisão. Nesse sentido,
buscar-se-á uma divisão que atenda às necessidades deste trabalho, contudo atendendo as
demandas da Educação Física enquanto uma área do conhecimento que se preocupa com o
desenvolvimento total da pessoa, sem poder, para isso, selecionar uma dimensão como sendo
24

a mais importante. Dessa maneira, poder-se-iam considerar, ao menos, três vertentes quanto à
divisão desse período da vida, sendo elas: a) a psicologia social; b) a psicologia do
desenvolvimento e c) o desenvolvimento motor. Entretanto, considera-se que a discussão
dentro de cada tendência poderia constituir uma reflexão desnecessária, embora não se possa
deixar de mencionar essas diferentes abordagens.
Pensando assim, deve-se destacar que qualquer abordagem adotada terá efeito
meramente didático, uma vez que a apreensão da essência de um objeto que se movimenta,
que é dinâmico em suas relações, seria extremamente simplista e parcial. Mesmo adotando
esta posição de extrema parcialidade, procurar-se-á adotar uma divisão para o período de vida
adulto que, no conjunto dessa discussão, possa dar o maior nível de sustentação e coerência na
relação entre o referencial teórico e os dados obtidos em campo. Por isso, será como ponto de
corte nesta reflexão uma abordagem que atenda a necessidade de procurar entender o ser
humano na totalidade de suas relações. Mesmo não se conseguindo fazer uma discussão
detalhada das várias etapas da vida, serão apresentados os aspectos centrais do
desenvolvimento de um período onde o ser humano passa a assumir maior número de
responsabilidades sociais.
Todavia, ainda se entende que determinados aspectos devem ser compreendidos
de maneira suficiente para dar o devido suporte às relações da atividade física com a saúde e
mesmo com a estética, uma vez que essas alterações, esses objetivos precisam dessa base para
se justificar, e, também, por entender que os processos fisiológicos responsáveis pela vida do
ser humano não podem ser negligenciados.
Assim, adota-se a seguinte classificação para efeito didático desta pesquisa:

¨ Adulto Jovem – Dos 20 aos 30 anos de idade. Nesse período da vida o ser
humano passa a assumir um grande número de papéis sociais, sendo inclusive o
momento no qual, teoricamente, está se inserindo no mundo do trabalho,
iniciando, assim, a sua “carreira” profissional. Nesse período, normalmente, o
25

adulto já tem parte de sua personalidade formada, tendo que passar pela definição
e escolha de um companheiro, com o qual passará a dividir uma parte importante
de sua vida. Além disso, nesse momento o jovem está no ápice da sua capacidade
corporal, estando em plenas condições de desenvolver qualquer atividade física
que tenha vontade.
¨ Adulto Médio – Dos 31 aos 40 anos. Nesse período o ser humano já tem (ou
deveria ter) normalmente uma profissão, na qual já possui experiência suficiente
para realizar as atividades com desenvoltura. Do ponto de vista psicológico, o
homem e a mulher já devem ter maturidade suficiente para enfrentar as
dificuldades da vida e as perdas que começam a acontecer. Passam por um
período de opção quanto à realização de atividades produtivas que podem ser
refletidas na capacidade de gerar e criar filhos ou enfrentar novos desafios no
trabalho, como modificar as relações dentro do seu local de trabalho. Do ponto de
vista físico, começam a perder velocidade e força, tendem a engordar e começam
a ocorrer perdas orgânicas gradativas, embora se possa considerar essa época
como de relativa estabilidade.
¨ Adulto Maduro – Dos 41 aos 50 anos. Nesse período já existe uma
consolidação da carreira e a estabilidade atinge o seu cume no início dessa década.
Do ponto de vista psicológico existe um momento de reflexão, de balanço sobre
os rumos que foram tomados na vida, que embora possa ser bastante diferente
entre as pessoas, naquelas que o vivem mais intensamente, é uma fase muito
importante para ajudar até mesmo na consolidação da personalidade e dos planos
futuros. Para as mulheres pode ser ainda mais crítico devido à menopausa, que
altera o funcionamento fisiológico, fazendo com que ela perca a capacidade de
engravidar por meios naturais, e, inclusive, gerando maior risco para algumas
doenças, devido à falta de circulação de hormônios sexuais. Do ponto de vista
motor, as perdas se acentuam um pouco mais e, a partir daqui, são
contra-indicadas atividades esportivas competitivas em categorias principais. A
partir dos 45 anos torna-se obrigatória uma avaliação médica mais rigorosa para a
realização de atividade física.
Depois desses três períodos, pode-se pensar em pelo menos mais dois. Um que
poderia ser chamado de “adulto tardio”, entre os 51 e 65 anos. Outro, o “adulto idoso” acima
26

de 65 anos. Como o presente trabalho se preocupa com o período que vai dos 20 aos 50 anos,
esses dois períodos não serão tratados.
As características relatadas até agora servem apenas para justificar a opção pela
divisão dessa fase da vida. A seguir, serão abordados os elementos físicos, psicológicos e
sociais de uma forma mais detalhada e abrangente, discutindo o adulto em seu todo, pois as
alterações ocorridas dentro de todo o ciclo vital são decorrentes de um processo de
desenvolvimento contínuo, no qual cada ser humano está inserido.

1. Características Filogenéticas do Ser Humano Adulto.

Durante as duas fases iniciais da vida, a infância e a adolescência, é fácil perceber


todo o processo de aquisição de habilidades e desenvolvimento motor, bem como o
desenvolvimento psicológico e social pelos quais passa o ser humano. Dessa forma, as perdas
no nível de capacidade corporal, na saúde e mesmo nas habilidades intelectuais conseguem ser
mais percebidas que as manutenções de capacidade e mesmo os ganhos que se obtêm.
Todavia, esses decréscimos nas habilidades do ser humano ocorrem de maneira mais enfática
a partir da terceira idade, onde a pessoa torna-se idosa.
Entretanto, mesmo nos estágios mais avançados da vida, as perdas e os ganhos
que podem acontecer, e acontecem, parecem estar muito mais relacionados ao estilo de vida
individual, do que ao próprio desenvolvimento bio-psico-social. Apesar disso, há um período
na vida humana onde existe uma “transição” entre as fases das aquisições e a fase das perdas.
O intuito atual é discutir as modificações das características físicas do adulto no seu período
jovem, médio e maduro.
O adulto jovem é, como já foi visto, o ser humano que acaba de sair da
adolescência, período bastante conturbado nos aspectos motores, devido ao aumento de
tamanho das estruturas corporais que conferem, sobretudo aos rapazes, um acentuado e
significativo ganho de força, de velocidade e de massa muscular, alterando a sua composição
corporal. Pikunas (1979) destaca que é bastante comum o aumento de peso na transição da
adolescência para o início da idade adulta. Segundo esse autor esse peso é adquirido em torno
dos 16 anos para as mulheres e dos 18 anos para os homens, o qual se manterá estável por
bastante tempo. É interessante perceber que
27

... a adolescência e o início da vida adulta são períodos de especialização funcional


e culminância em realização. Conquanto a diferenciação estrutural decorra
principalmente da operação do código genético, os níveis mais altos do
desenvolvimento funcional dependem em grande parte do meio social em que o
indivíduo vive. (PIKUNAS, 1979: 92)

As observações de Pikunas (1979) são reforçadas devido ao fato de que

... a maturidade sexual atinge seu máximo durante os anos adultos de modo que as
mudanças na estrutura física e no funcionamento fisiológico associadas com
diferenças em sexo são maximizadas. Embora o período da maioridade seja
marcado pelo fechamento da epífise óssea pela estabilidade em crescimento físico e
funcionamento fisiológico de cada indivíduo, a dotação genética e as influências
ambientais agindo sobre diferentes indivíduos faz o período da fase adulta um dos
que exibem a maior variação em parâmetros de desempenho dentro de cada sexo e
entre eles. (ECKERT, 1993: 331)

Tanto as observações de Pikunas, quanto as de Eckert, apontam para a


importância do desenvolvimento da maturação sexual e fisiológica que acontecem nesse
instante. Por outro lado, boa parte das diferenças relacionadas à condição física e a própria
proporção entre massa muscular e quantidade de gordura subcutânea parece estar muito mais
relacionado aos aspectos ontogenéticos, que aos “determinantes” filogenéticos propriamente
ditos.
Existe, próximo ao início da fase adulta, o ápice do desenvolvimento da
resistência aeróbia, alcançado nos homens por volta dos 18 anos, acontecendo em torno dos
14 anos para as mulheres. Esse fato é explicado mais uma vez pelas alterações hormonais da
adolescência. Enquanto o rapaz ganha em massa muscular, tecido bastante ativo e responsável
pelas ações motoras de uma maneira geral, as mulheres passam a apresentar uma maior
quantidade de gordura subcutânea, um tecido pouco ativo, que consome oxigênio, sendo,
contudo, pouco ou nada responsável pelas ações diárias, acarretando, de certa forma, em peso
extra para o organismo, sendo essa idéia corroborada por McArdle, Katch & Katch (1998).
28

Não se pode esquecer, todavia, que essa maior quantidade de gordura é essencial
no controle das funções hormonais nas mulheres, ao ponto de sua pouca quantidade ser
responsável por distúrbios como a amenorréia. Esse fato ocorrerá caso o percentual de gordura
da mulher fique abaixo de 12%, considerado o nível de gordura essencial para as mulheres.
Nos homens, a gordura essencial fica em 3%. Associada a essa questão fisiológica, pode
aparecer outra mais individual, pois a prática de atividade física pode interferir no nível de
capacidade aeróbia. Além disso, a mulher parece não receber muitos estímulos para se manter
ativa fisicamente. Essa redução acaba contribuindo para os altos níveis de sedentarismo entre
as mulheres, além de redução na sua capacidade orgânica. Estão ainda relacionados a essa
menor capacidade aeróbia, outros fatores como a menor quantidade de hemoglobina no
sangue, a menor volemia, menor capacidade pulmonar, entre outros.
Outros parâmetros físicos importantes, são a velocidade, a força e a resistência
anaeróbia. A primeira, tanto nos homens quanto nas mulheres, atinge o seu pico em torno dos
22 anos. Já a segunda alcança seu máximo, em ambos os sexos, até os 30 anos (Barbanti,
1979). O pico da força para as mulheres se inicia aos 16 e para os homens aos 20.

Como a força absoluta mostra (...) pouco declínio durante o mesmo alcance de
idade, (sic!) pareceria que este declínio em desempenho motor é devido ao peso
crescente (...) o qual parece ser principalmente de tecido adiposo e, por este motivo,
retarda o desempenho nos itens do teste. (ECKERT,1993: 348)

A resistência anaeróbia não possui um momento específico de rendimento


máximo. A sua aplicação é importante na vida diária em situações como correr para pegar um
ônibus, entretanto, a sua maior utilização acontece nas atividades esportivas.
Durante este momento existem todas as condições adequadas para o
desenvolvimento de altos níveis de desempenho com o alcance das melhores marcas pessoais,
não havendo restrições iniciais para a realização de qualquer atividade física de interesse
pessoal.

A fase adulta jovem, entre os 20 e 30 anos, marca o período de


realização física ótima para o indivíduo médio, embora o desempenho em
competição não seja incomum em uma idade posterior naquelas atividades que
envolvem um alto grau de experiência. (idem: 354)

Embora este estudo não se preocupe com a competição, o item levantado acima
serve para demonstrar dois aspectos. O primeiro é que o adulto jovem tem todas as condições
29

fisiológicas necessárias para participar de eventos esportivos. O segundo, é a necessidade de


desmistificação do fato de que um adulto médio não possa participar de competições de alto
nível objetivando a vitória. Apenas os adultos maduros são desaconselhados dessa prática por
Weineck (1991), devido a fatores de manutenção da integridade física e da própria saúde que
podem ser comprometidas pelas altíssimas exigências orgânicas realizadas no treinamento de
alto nível.
Contudo, relacionada à prática de atividade física enquanto um elemento de saúde,
as principais formas de solicitação motora a serem desenvolvidas são a resistência aeróbia, a
força, a flexibilidade e a resistência muscular localizada. A flexibilidade está relacionada à
capacidade de realizar movimentos em grande amplitude, o que está relacionado, de certa
maneira, com a execução de atividades diárias, como amarrar um sapato, pegar um objeto que
caiu no chão, entre outros.
Já a resistência muscular localizada é a capacidade de realizar um determinado
trabalho, usando-se pequenos níveis de força por um tempo prolongado. Esse parâmetro é
importante para o desenvolvimento de atividades como carregar uma criança no colo, levar
um saco de arroz do supermercado para casa, entre outros.
É importante, visando esse objetivo, o estímulo dado à prática de atividade física,
pois somente através dela é que os adultos poderão manter um nível de capacidade física
mínimo para a realização de suas atividades diárias.
Todos esses aspectos da vida adulta podem ser complementados ainda por uma
série de parâmetros fisiológicos médios como o débito cardíaco de 5 litros de sangue por
minuto; a capacidade pulmonar total em torno de 6 litros de ar por minuto; a freqüência
cardíaca em um adulto fica em torno de 72 batimentos por minuto (bpm), podendo, contudo,
variar de 60 a 80 bpm. Já a freqüência respiratória se mantém em torno de 12 incursões por
minuto, havendo uma pequena diferença entre homens e mulheres, tendo aqueles uma
respiração mais torácica, enquanto as mulheres possuem uma respiração mais abdominal.
Ainda em relação a padrões de normalidade, pode-se dizer que eles servem apenas como uma
referência em estudos populacionais, uma vez que as diferenças no biotipo das pessoas, bem
como os seus hábitos de vida podem interferir em cada parâmetro estudado.
Todos esses conceitos e níveis físicos podem ser importantes para uma melhor
noção dos parâmetros de normalidade para uma pessoa adulta, pois as perdas relacionadas à
capacidade orgânica podem influenciar decisivamente a saúde fisiológica das pessoas. Assim,
30

Até bem recentemente, a maioria das pessoas aceitava uma redução


na boa forma física, na atividade e na sensação de bem estar como parte natural do
processo de envelhecimento. Entretanto, como todos sabem, os esportes e a prática
de exercícios físicos ultimamente se tornaram muitíssimo populares. Pela primeira
vez as pessoas compreenderam que embora possa ser típico ter excesso de peso e
estar fora de forma, ter excesso de peso não é necessariamente normal (BEE &
MITCHELL, 1984: 165).

Dessa maneira, procura-se manter um nível de atividade física suficiente para a


realização das atividades diárias entre as quais o trabalho, que pode ser afetado
significativamente. Para Meinel (1984), as atividades de vida diária e de trabalho atingem a
sua mais alta capacidade durante a fase do adulto jovem. Esse alto desempenho está
relacionado com a melhoria da coordenação motora, uma maior sofisticação nas atividades
relacionadas ao trabalho, principalmente pela experiência acumulada com o passar dos anos,
responsável pela redução da quantidade de energia necessária para a realização das tarefas,
sobretudo àquelas decorrentes de trabalhos manuais, como o artesanato, escultura, marcenaria,
apenas para citar algumas. Porém, há de se destacar que

Esta forma pessoal de movimento externa-se com evidência cada vez


maior no processo de trabalho, nos hábitos diários de movimento e também na
expressão de toda a motricidade. Ela se torna perceptível, por exemplo, nos
diferentes modos inconfundíveis de andar, de sentar-se ou levantar-se, e sobretudo
em toda a mímica e gestos. (MEINEL,1984: 368-9)

A redução na quantidade de quilocalorias (kcal) gastas diariamente acontece, a


partir dos 25 anos, devido à perda de massa muscular, provocando um aumento no peso mais
evidenciado na fase seguinte. A

... prática de exercício vigoroso, portanto, é uma forma de melhorar a capacidade


de enviar oxigênio e nutrientes a todas as partes do corpo, o que é um importante
aspecto da saúde do adulto. A prática de exercícios é um bom hábito e deveria ser
adotada por todos os adultos. (BEE & MITCHELL, 1984: 166)

Entretanto, sabe-se atualmente que para a realização de atividade física


relacionada a saúde é suficiente a execução de atividades moderadas como as caminhadas ou
mesmo os trabalhos domésticos, onde se tenha um gasto energético diário de 150 a 200 kcal,
em um período de meia hora, na maior parte dos dias da semana, o que pode ser realizado de
forma contínua ou acumulada. Dados como esses foram demonstrados por McArdle, Katch &
31

Katch (1998) e Lee (2000a), com esta pesquisadora apontando inclusive para a diminuição de
risco de doenças cardiovasculares, além de outras como o câncer de cólon.
Todas essas características dão uma rápida dimensão do desenvolvimento
fisiológico e motor nos jovens anos adultos. Apresentar-se-ão agora, os aspectos
característicos do adulto médio. Esse período da vida se inicia geralmente aos 31 anos,
quando o adulto alcança o ápice das suas responsabilidades profissionais e familiares. Pode
ser considerado um período de gradativas perdas no desempenho motor, um vez que a maioria
dos processos biológicos começam a se degenerar, perdendo, gradativamente, a sua máxima
capacidade de desempenho, pois,

Até o final da terceira década, já são bem altas a rapidez e a extensão do retrocesso
de rendimento em solicitações de rendimento (...) motor (...).
Consequentemente, o processo de retrocesso é de início muito maior,
em termos absolutos, que nas décadas de vida seguintes. (MEINEL, 1984: 371)

Entretanto, esse mesmo autor vai-se pronunciar a respeito da perda da capacidade


esportiva, mas não da “motricidade diária e de trabalho” (ibid.: 375). Esse fato se dá pela
perda das capacidades físicas, como a velocidade, que são importantes para a prática de
atividades esportivas, o que não compromete, necessariamente, as atividades onde essa forma
de solicitação motora não seja um requisito básico. Assim, a capacidade de desempenho vai
atingir, principalmente, as pessoas que possuem atividades profissionais mais pesadas, como
mecânicos, fazendeiros que dependem diretamente das suas capacidades corporais para
realizar o seu trabalho. Entretanto, ao se cruzar a profissão exercida com a profissão de
origem desses dois casos específicos (fazendeiro e mecânico), pôde-se perceber que apenas o
mecânico pode ser considerado uma profissão ativa, uma vez que a profissão informada pelo
fazendeiro é a psicologia, e por isso não se vê a possibilidade de ele realizar as atividades
mais intensas.
Porém, antes de entrar em aspectos mais específicos relacionados à capacidade de
desempenho físico, deve-se pensar em algumas alterações importantes ocorridas neste
momento.

O período médio da vida abrange aproximadamente quinze dos anos mais


produtivos. Gradualmente ele se funde na parte mais tardia da fase adulta, quando
os declínios não são totalmente compensados pelas recuperações e não há
crescimento ulterior das diferentes potencialidades humanas. (PIKUNAS, 1979:
379)
32

Em relação aos parâmetros fisiológicos apontados anteriormente, em relação ao


adulto jovem, existe uma certa tendência de manutenção de parâmetros como o nível de
débito cardíaco, capacidade pulmonar total, freqüência cardíaca e respiratória e outros. É
marcado, porém, por uma redução na taxa metabólica basal, decorrente da perda de massa
muscular, o que pode acarretar um aumento de peso bastante difícil de ser controlado nesse
instante.
Esse período, segundo Weineck (1991), ainda pode ser utilizado para a realização
de atividades físicas esportivas, uma vez que a experiência adquirida com o passar dos anos
nos treinamentos e nas competições deve ser aproveitada. Todos esses elementos demonstram,
do ponto de vista fisiológico, as capacidades que as pessoas mantêm durante toda a sua fase
adulta.
Assim, o que se percebe de forma mais efetiva em relação ao adulto médio é a
perda gradativa de suas funções, ocasionando, do ponto de vista do rendimento das
capacidades motoras, um bom aproveitamento da sua condição.
Já no adulto maduro, situado a partir dos 41 anos, essas práticas competitivas
devem ser evitadas, ao menos nas categorias principais, ou seja, onde se encontram os atletas
de maior capacidade de desempenho, uma vez que, além dos elementos discutidos
anteriormente, a capacidade de recuperação do indivíduo pode ser afetada. Aconselha-se ainda
que, sobretudo as pessoas não treinadas, passem por uma avaliação física e médica completa
antes de iniciar um programa de exercícios (Pikunas, 1979; Weineck, 1991). Entretanto,
defende-se que a prática de atividades físicas devem ser mantidas, procurando-se preservar a
capacidade de realização das atividades diárias, a manutenção da saúde, bem como a
utilização do tempo de lazer. Sobre isso, Pikunas (1979) comenta que, devido ao aumento do
tempo disponível, ao invés das pessoas ocuparem o seu tempo com atividades que podem
melhorar o seu vigor físico, elas se ocupam com atividades sedentárias, as quais não lhes
oferecem ganhos do ponto de vista das capacidades fisiológicas.
Com relação às mulheres, existe um outro aspecto agravante nesse momento: a
menopausa, processo de interrupção da circulação de hormônios sexuais, a partir do qual a
mulher perde a sua capacidade de reprodução por meios naturais, isto é, sem o uso de métodos
de inseminação artificial.
33

Além desses aspectos deve-se acrescentar, ainda, a influência da circulação


hormonal como efeito protetor sobre as doenças cardíacas coronarianas (DCC) e a
osteoporose. A respeito das DCC, percebe-se que após os

... 45 em mulheres, observa-se um aumento progressivo e drástico nas


probabilidades de morrer de DCC. (...) Admite-se que parte da proteção contra
DCC para mulheres é proporcionada por diferenças hormonais entre os sexos,
particularmente as diferenças relacionadas aos níveis de estrogênio. (McARDLE,
KATCH E KATCH, 1998: 620)

Assim, ao se pensar no efeito de proteção dos hormônios sexuais, parece iminente


que ao atingir o final desta fase, as mulheres passam a apresentar maior risco de sofrer com as
DCC, e neste caso, a realização de atividades físicas, pode contribuir para que estas doenças
não apareçam.
Esses aspectos mostram as diferenças biológicas em relação aos três momentos
iniciais da vida adulta, demonstrando que a realização de atividades físicas pode interferir no
cotidiano das pessoas, principalmente nas relações de vida diária. Nesse sentido, a realização
de trabalhos muito ativos e pouco ativos fisicamente poderia dar uma dimensão diferenciada
às pessoas, podendo-se, inclusive, partir desse ponto para a elaboração de um programa de
treinamento.
Pode-se perceber que os vários aspectos apresentados, podem contribuir para a
discussão sobre as atividades a serem realizadas por cada pessoa. Entre elas pode-se destacar a
própria faixa etária e o sexo. Dentro da pesquisa realizada, verificou-se qual era a distribuição
da faixa etária dos praticantes de atividade física nas academias que foram utilizadas. Os
dados apresentados no gráfico 1 dão a dimensão da distribuição da amostragem quanto a esse
parâmetro.

Gráfico 1: Distribuição de faixa etária dos praticantes de Atividade Física, por Academia
34

Os dados apresentados demonstram a população pesquisada de cada academia de


acordo com a faixa etária, demonstrando um boa distribuição dos pesquisados entre as faixas
estabelecidas. A amostragem detecta uma alta incidência de adultos jovens (45,45%), se
comparados aos adultos médios (31,17%) e adultos maduros (23,38%). Apenas a Academia 3
apresenta maior nível de adultos médios (50%), provavelmente devido a um certo
direcionamento desse local para a saúde. Proporcionalmente, essa também é a academia que
apresenta maior número de adultos maduros. Os dados analisados no total acabam
demonstrando maior preocupação dos adultos jovens com a prática, o que, na realidade,
deveria se inverter, se for levada em consideração a necessidade de melhor condicionamento
orgânico por parte das pessoas mais velhas. Esse fato sugere falta de informação a respeito.
Por outro lado, pode refletir maior preocupação com a estética, dado que deve ser confirmado
posteriormente, analisando-se os objetivos de acordo com a faixa etária, bem como as
modalidades mais praticadas.
Procurou-se identificar, também, como se distribuía a amostragem em relação ao
sexo dos praticantes em cada local pesquisado. O gráfico 2 apresenta os resultados.

Gráfico 2: Distribuição por sexo dos praticantes de Atividade Física, por Academia
35

No Gráfico 2 percebe-se alta incidência de mulheres (72,73%) e apenas 27,27% de


homens praticando atividade física em todas as faixas etárias, o que demonstra diferença
significativa (p < 0,05), ao ponto de na Academia 3, esse índice chegar a 100%. Em
contrapartida, na Academia 2 existe uma inversão nesse percentual, com uma maior
população masculina (56,25%). A maior presença feminina não deixa de ser um aspecto
bastante instigante, o que em si poderia gerar outra pesquisa, porquanto a sua presença é
realmente esmagadora. Pode-se buscar a explicação em aspectos como tempo disponível,
menor carga horária de trabalho, maior pressão em relação aos padrões estéticos, maior
preocupação com a saúde, entre vários outros que podem contribuir para essa maior
incidência.
Dentro da distribuição do estado civil da população pesquisada, o maior
percentual é de pessoas casadas (54,54%), seguido das solteiras (41,56%), sendo que as outras
situações são insignificantes, chegando ao todo a apenas (3,9%) dos informantes, não
apresentando diferenças significativas entre os grupos. Observa-se que o percentual de
pessoas casadas é mais elevado do que o de pessoas solteiras, se for levado em conta que a
maior parte dos informantes são adultos jovens, o que tende a gerar a expectativa de que essas
pessoas sejam em sua maioria solteiros.
36

Também como forma de se traçar o perfil da população pesquisada, fez-se o


levantamento da escolaridade dos informantes. Os resultados podem ser verificados no gráfico
3.

Gráfico 3: Distribuição da escolaridade dos praticantes de Atividade Física, por Academia

Obs.: Não houve resposta para o Ensino Fundamental Completo.

Nesse caso se torna bem claro que as pessoas que realizam atividades físicas
regularmente possuem um nível de instrução bastante elevado. A maior parte das pessoas
possui nível superior. Destas, 42,85% estão cursando Pós-Graduação. Vale a pena atentar para
o fato de que apenas a Academia 2 apresenta pessoas com ensino fundamental incompleto,
correspondendo a 12,5% de seus alunos, e mais 25% de alunos com o ensino médio
incompleto. Essa característica se dá provavelmente por sua localização. Esses dados sugerem
a elitização desse espaço que trata de alguns dos elementos da cultura corporal, entendendo-se
que pessoas de nível superior são, em sua maioria, de classe média e alta.
Dentro da pesquisa realizada, uma das perguntas que ajudava a traçar o perfil dos
entrevistados questionava sobre a profissão exercida. No que se refere à profissão, verifica-se
37

ampla dispersão. A fim de possibilitar melhor leitura dos dados, foram congregados os
seguintes grupos:
1. Saúde – Arte Terapeuta; Biomédico; Enfermeiro; Médico; Odontólogo.
2. Administrativas – Administração; Analista; Assessor; Auxiliar De Diretoria; Consultor;
Coordenador; Diretor; Economista; Gerente; Secretária; Proprietário; Recursos Humanos.
3. Comércio – Comerciante; Representante Comercial; Vendas.
4. Ciências Humanas – Advogado; Arquiteto; Assistente Social; Decorador; Repórter.
5. Educação – Estagiário, Estudante, Professor de Educação Física, Professor.
6. Outros – Cabeleireira, Do Lar, Fazendeiro, Fiscal, Funcionário Publico; Mecânico;
Técnico, Indefinido.
7. Não Exerce. – Sem Atividade Definida..

A partir desse agrupamento foi elaborada a tabela 1.

Tabela 1: Profissão exercida pelos Praticantes de Atividade Física, por Faixa Etária
FAIXA ETÁRIA
TOTAL
Profissão exercida 20-30 31-40 41-50
f % f % f % f %
Saúde 2 5,7 5 20,8 0 0 7 9,0
Administrativas 10 28,6 10 41,7 4 22,2 24 31,2
Comércio 3 8,5 2 8,3 2 11,1 7 9,1
Ciências Humanas 6 17,1 0 0 5 27,8 11 14,3
Educação 9 25,7 5 20,8 4 22,2 18 23,4
Outros 4 11,4 2 8,3 3 16,7 9 11,7
Não Exerce 1 2,8 0 0 0 0 1 1,3
Total 35 100 24 100 18 100 77 100

O que se percebe, a partir dos dados presentes na tabela 1, é que ao se comparar os


grupos etários, quanto às ocupações profissionais exercidas, verifica-se que, entre os adultos
jovens e médios, prevalecem as profissões administrativas, e para os adultos maduros, as
profissões relacionadas às ciências humanas. Esse fato leva a refletir sobre uma possível
diminuição do status, ou então da redução de vagas no mercado de trabalho relacionado à
38

saúde, uma vez que esses profissionais até certo tempo atrás, gozavam de prestígio social.

Dentro do teste estatístico (X2), essas diferenças não são consideradas significativas,
provavelmente em decorrência do alto índice de dispersão, pois, ao todo, foram detectadas
quarenta profissões diferentes.
Deve-se refletir, ainda, em relação às profissões consideradas fisicamente ativas.
Do total da amostragem, apenas 10,39% podem ser consideradas como tal, e isso se nelas
forem incluídas cabeleireiro, pessoas do lar, mecânico e professores de Educação Física. E
mesmo assim, deveria haver outras perguntas para se identificar o real grau de atividade física
no trabalho. Assim, se for levada em consideração a atividade laboral em relação às
características apresentadas até aqui, essas pessoas tenderão a manter um maior nível de
capacidade física em todas as faixas etárias, porque suas profissões possuem, teoricamente,
maior exigência orgânica, fazendo com que as perdas decorrentes da idade sejam ainda mais
lentas. Nesse sentido, McArdle, Katch & Katch (1998) demonstram que atualmente admite-se
uma maior estabilidade da condição física, mesmo em idades mais avançadas, para as pessoas
que se mantêm em atividade física constante. Ademais, essa maior prática corporal pode
apresentar aspectos positivos em relação à manutenção da saúde fisiológica.
Quanto ao local de trabalho, devem-se destacar as repartições públicas com
19,48% do total; escolas e cursos livres, com 16,88%; trabalho em casa, com 14, 29 %, e
centros de saúde, com 7,79% do total.
Contudo, não são apenas os aspectos fisiológicos que são importantes na
existência das pessoas; os aspectos psicossociais são cruciais para se pensar até mesmo na
melhoria das condições biológicas. Esse é o ponto que irá ser discutido a seguir.

2. Características Ontogenéticas do Ser Humano Adulto.

Ao se discutir os aspectos psicológicos e sociais do adulto, deve-se primeiro


explicar que, nessa fase, não será feita distinção entre o adulto jovem, o médio e o maduro, tal
qual foi feito na etapa anterior. A justificativa para tal fato é a utilização de um referencial
teórico mais relacionado à psicologia social, que procura, em sua essência, explicar a relação
do ser humano com o seu meio, a partir da sua materialidade, o que constitui uma abordagem
diferente do objeto deste estudo. Assim, pretende-se aqui levantar as questões fundamentais
dessa relação (Homem/Sociedade), para se compreender melhor a interação do adulto com a
39

atividade física. Por outro lado, entende-se aqui que cada ligação psicológica que o Homem
trava com o seu semelhante e com a natureza é, antes de tudo, uma vinculação desenvolvida
no contexto social e histórico no qual se estabelece.
Deve-se também registrar que essa abordagem, ora realizada, não pode excluir a
discussão sobre os aspectos fisiológicos, pois as duas formas de desenvolvimento se dão de
maneiras diferentes, porém de modo dialeticamente conjunto:

Durante o processo do seu desenvolvimento ontogénico, o homem


realiza necessariamente as aquisições da sua espécie, entre outras acumuladas ao
longo da era sócio-histórica. Todavia as aquisições do desenvolvimento
sócio-histórico da humanidade acumulam-se e fixam-se sob uma forma
radicalmente diferente da forma biológica sob a qual se acumulam e se fixam as
propriedades formadas filogeneticamente. Por consequência, a transmissão das
aquisições do desenvolvimento histórico de humanidade pode tomar formas muito
diferentes segundo os indivíduos. (LEONTIEV, 1978b: 164)

Essas condições são alteradas de acordo com as experiências pessoais e grupais


que se desenvolvem ao longo da vida, como a prática ou não da atividade física, o que
interfere na aquisição dos elementos de cunho efetivamente biológico. Pode-se a isso
acrescentar, ainda:

Com efeito, por um lado, os factos indicam que as aptidões e as


funções que se desenvolvem no decurso da história social da humanidade não se
fixam no cérebro do homem e não transmitem segundo as leis da hereditariedade.
Por outro lado, é absolutamente evidente que uma aptidão ou uma função não pode
ser senão a função de um órgão ou de um conjunto de órgãos determinados.
A resolução da contradição entre estas duas posições igualmente
indiscutíveis constitui um dos sucessos mais importantes que a fisiologia e a
psicofisiologia do nosso século obtiveram. (ibid.: 270)

Para se compreender melhor o processo de desenvolvimento, considerando os


aspectos psicossociais da vida adulta, pensa-se que o materialismo histórico, enquanto
abordagem teórica, pode ser nesse trabalho de grande valia.

A justificativa para se pensar no adulto, especificamente, é o fato dele estabelecer


responsabilidades sociais devido ao relacionamento que tem com os meios produtivos e com a
transmissão dos elementos culturais de seu povo às novas gerações, mesmo que
informalmente. Para explicitar de modo mais específico essas interações sociais e suas
40

implicações na vida dos indivíduos, é preciso que se tenha como parâmetro algumas
afirmativas gerais:
O desenvolvimento humano acontece devido às alterações nas relações de
produção. O Homem atingiu o seu desenvolvimento filogenético devido à necessidade de
estabelecer uma relação de equilíbrio com o seu meio, o que se tornou possível pela utilização
de sua consciência. A atividade consciente, de acordo com Lúria (1979), se pauta por três
traços importantes, que são: 1) a não ação pelos motivos biológicos, que estão relacionados às
necessidades orgânicas básicas; 2) a ação independente da experiência individual imediata,
que pode dar ao Homem formas de comportamento, aparentemente incoerentes entre o motivo
e a ação.

Por último, há o terceiro traço característico, que difere a atividade


consciente do homem do comportamento animal. Diferentemente do animal, cujo
comportamento tem apenas duas fontes – 1) os programas hereditários de
comportamento, jacentes no genótipo e 2) os resultados da experiência individual –,
a atividade consciente do homem possui uma terceira fonte: a grande maioria dos
conhecimentos e habilidades do homem se forma por meio da assimilação da
experiência de toda a humanidade, acumulada no processo da história social e
transmissível no processo de aprendizagem. (LÚRIA, 1979: 73) (Grifos do autor)

A partir do momento que o Homem não é mais direcionado apenas por seus
determinantes biológicos e suas vivências imediatas e pessoais, abre-se a possibilidade de
aquisição de outros elementos que passam a fazer parte da sua vida não apenas como ser
individual, mas, também, como ser grupal, o que por sua vez lhe permite o desenvolvimento
de habilidades diferenciadas.
O processo de evolução, que depende dos três elementos citados por Lúria, dão ao
ser humano a condição de perceber e enfrentar o seu meio, forjando, necessariamente, um
aspecto próprio do ser humano: a consciência, desenvolvida no processo de suas condições
materiais. Essa, por sua vez, permite a evolução de um ser meramente natural a um ser
também com características sociais, pautadas pelo trabalho social, pela utilização de
instrumentos e pela aquisição da própria linguagem (Lúria 1979).
A ação mediada e a assimilação da experiência de toda a humanidade estão
intimamente vinculados, vistos como uma inter-relação entre ambos. Ao fabricar os
instrumentos, como as pedras primitivas, as quais permitiam o desenvolvimento de funções,
para as mulheres, esfolar a caça e, os homens, caçar, também permitiam aos seres humanos
um desenvolvimento diferenciado, porquanto não haver mais a necessidade de atender apenas
41

ao imediatismo biológico, apresentando-se, até de maneira contraditória, pois aparentemente a


elaboração dos instrumentos não resolviam o problema (da fome, por exemplo), mas dava
possibilidade de se atingir ao mesmo objetivo com eficiência igual ou superior.
Além disso, deve-se destacar que a

... preparação dos instrumentos de trabalho requer uma série de procedimentos e


modos (...), por outras palavras, exige a separação de várias operações auxiliares.
(...) O surgimento de várias ‘operações’ auxiliares por meio das quais se executa
essa atividade é o que constitui a mudança radical do comportamento, que é o que
representa uma nova estrutura de atividade consciente no homem. (...) Torna-se
claro que a atividade consciente do homem não é produto do desenvolvimento
natural de propriedades jacentes no organismo mas o resultado de novas formas
histórico-sociais de atividade-trabalho. (LÚRIA, 1979: 77)

Esse desenvolvimento desencadeia uma série de transformações na vida do


Homem não apenas como ser, mas provendo as condições necessárias para que, a partir desse
momento, a própria divisão do trabalho tomasse outros contornos. Essa divisão que se fazia
inicialmente entre os homens que afugentavam a caça e aqueles que a matavam,
gradativamente assumiu novas formas, passando a existir uma facção dentro de cada grupo
que passa a deter em suas mãos a propriedade e uma outra que, para sobreviver, tem que
trabalhar na terra dos proprietários, para que em troca lhe seja dado um pouco de comida.
Essa divisão se faz desde a Grécia antiga, onde os cidadãos gregos gastavam o seu tempo com
filosofia e política, cabendo aos escravos o trabalho manual e braçal. Esse fato se repetiu na
velha Roma e depois em todo o continente europeu durante a Idade Média, onde os senhores
feudais recebiam os impostos de seus cortesãos, que trabalhavam na terra durante todo o dia,
impostos esses decorrentes da concessão do uso da terra, e da segurança fornecida pelos
senhores feudais.
Essa história se torna ainda mais acirrada com a transformação desencadeada pela
implantação do capitalismo, modo de produção que se baseia na geração de bens em larga
escala. O acúmulo do capital, possível apenas através da mais-valia, é a meta principal para os
donos das terras, das fábricas e das lojas de comércio.
Estão abertas, assim, as veias para uma contradição social, uma luta de classes que
gera duas situações bastante distintas. Para uma, a possibilidade de arrancar do trabalho alheio
o seu conforto e a sua existência, uma vez que se encontra em suas mãos a detenção dos meios
de produção (terra, fábricas, entre outros), dando à outra classe, a dos trabalhadores, as
42

condições mínimas de existência pelo emprego e pelo salário. Esses recursos não são, todavia,
suficientes, pois

As necessidades do trabalhador, portanto, reduzem-se à necessidade


de mantê-lo durante o trabalho, de molde a não se extinguir a raça de
trabalhadores. Consequentemente, os salários têm exatamente o mesmo significado
da manutenção de qualquer outro instrumento de produção e do consumo do
capital em geral, de modo que esse possa reproduzir-se a si mesmo com juros. É
como óleo aplicado a uma roda para conservá-la rodando. (MARX, 1983: 104)

Para Marx, portanto, o próprio homem torna-se máquina, instrumento de trabalho


e de produção de mercadorias e de capital, a partir da sua própria reprodução enquanto
elemento constitutivo do processo produtivo.
A presença do ser humano, representante da sua espécie mesmo na condição de
ser/máquina, abre a possibilidade de estruturação para um aspecto muito importante no
processo de constituição humana desse momento: a consciência de classe, pois, a questão aqui
não é apenas de um novo desenvolvimento da consciência do ser, pois essa já estava
constituída. A consciência posta, neste momento, é a que se forma no acirramento das
contradições materiais, entre os burgueses e os proletários. Portanto,

... na produção social da própria existência, os homens entram em relações


determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; estas relações de
produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas fôrças
produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção constitui a estrutura
econômica da sociedade, a base real sôbre a qual se eleva uma superestrutura
jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de
consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida
social, política e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina a
realidade; ao contrário, é a realidade social que determina a sua consciência.
(MARX & ENGELS, 1971: 103)

A tendência, no que se refere ao desenvolvimento da consciência, é que as pessoas


o façam do ponto de vista da classe da qual fazem parte, mas isso não é o que acontece na
maioria das vezes, pois as pessoas estão envolvidas em um processo produtivo, em um modo
de produção, pautado em três aspectos importantes, sendo eles: a propriedade privada, o
individualismo e a competição. A propriedade privada é para Marx & Engels (1971) sinônimo
do trabalho alienado, uma vez que este cria as condições necessárias ao aparecimento daquela.
Ambos estão pautados na expropriação do trabalhador. O trabalho alienado é responsável pela
incapacidade de subjetivação do trabalhador, uma vez que ele passa a não se reconhecer
naquilo que ele próprio produz, transferindo a sua produção para o patrão. Esse, por sua vez,
43

além de alienar a produção em si, tem também a capacidade de obter, pelo trabalho de outros,
todo o conforto necessário à sua vida, pois acumula capital, o qual é decorrente do não
pagamento do que é devido para o trabalhador. A propriedade privada dá ao burguês aquilo
que ao operário não será possível: o seu sustento e a sua dignidade.
O individualismo, dentro do modo de produção capitalista, é a exacerbação da
capacidade da pessoa se perceber como única. Em um primeiro momento, para que houvesse a
possibilidade de haver movimento entre as classes sociais, a questão da percepção de cada um
como sendo diferente dos outros é fortalecida. Entretanto, com o desenrolar dos
acontecimentos dentro do modo de produção, essa percepção, quando consciente, poderia
gerar a necessidade de todas as pessoas ascenderem socialmente, que não era (e não é) uma
possibilidade posta pelo capitalismo, pois a detenção dos meios de produção não é possível
para todos, e nem mesmo um salário que pagasse exatamente aquilo que custa cada bem
produzido, pois esse fato levaria ao fim da exploração e de uma classe privilegiada. Destarte,
era preciso que as pessoas se percebessem enquanto peças importantes e diferentes dentro da
grande engrenagem da sociedade, onde cada um deve exercer o seu papel para que todos (os
burgueses) sejam beneficiados.
Por fim, a competição. O objetivo central desse preceito é demonstrar que dentro
da lógica do mercado sobrevive apenas o mais forte, o mais capaz de vencer a concorrência,
sendo sempre o número 1. Esse fato só é possível para aqueles que se esforçam, que se
dedicam a um grande ideal e para os que correm atrás de seus objetivos. Essa doutrina se
vincula às outras duas no sentido de que cada indivíduo deve ser melhor do que o outro, não
havendo, assim, espaço para a cooperação, pois todos estão querendo sobrepujar o seu
oponente. E isso só será possível através da própria propriedade privada, onde se retoma a
necessidade da exploração, do individualismo, da competição e assim sucessivamente.
Para tornar possível esse processo de exploração necessita-se de outro fator que,
em relação direta com os aspectos anteriores, implica o processo de absorção da cultura. Esse
conceito deve ser entendido a partir da materialidade da existência do homem sobre a terra,
pois,

... desde o princípio da história humana, os próprios homens e as suas condições de


vida não deixaram de se modificar e as aquisições da evolução de se transmitir de
geração em geração, o que era a condição necessária da continuidade do progresso
histórico. (...) Foi sob uma forma absolutamente particular, forma que só aparece
com a sociedade humana: a dos fenómenos externos da cultura material e
intelectual.
44

Esta forma particular de fixação e transmissão às gerações seguintes


das aquisições da evolução deve o seu aparecimento ao facto, diferentemente dos
animais, de os homens terem uma actividade criadora e produtiva. É antes de mais
o caso da actividade humana fundamental: o trabalho. (LEONTIEV, 1978b: 265)

Dentro do processo de relação do Homem com o seu meio, fica evidente a


necessidade de interação com um meio que se apresenta como hostil à sua condição humana, e
por isso a sua sobrevivência se faz a partir da criação e da produção de meios capazes de
manter a sua existência. Nesse processo, ele (Homem) desenvolve uma mediação enquanto ser
em relação com a natureza. Esse processo se faz, assim, a partir de um elemento que
desencadeia toda a modificação humana: o trabalho, como foi dito por Leontiev (1978b).
Entretanto, o trabalho enquanto elemento formador do ser humano só é capaz de
desenvolver-se a partir da elaboração material da cultura que se faz pelos instrumentos de
trabalho. Dessa forma:

O instrumento é o produto da cultura material que leva em si, da


maneira mais evidente e mais material, os traços característicos da criação
humana. Não é apenas um objecto de uma forma determinada, possuindo dadas
propriedades.
O instrumento é ao mesmo tempo um objecto social no qual estão
incorporadas e fixadas as operações de trabalho historicamente elaboradas.
(LEONTIEV, 1978b: 268)

A partir do que é apontado por Leontiev, o que se deixa transparecer é o fato de


que não é apenas a construção do instrumento que simboliza a construção de uma cultura, mas
antes de tudo a apropriação das construções que se fazem necessárias para o desenvolvimento
e utilização dos instrumentos. Assim:

A aquisição do instrumento consiste, portanto para o homem, em se


aproximar das operações motoras que nele estão incorporadas. É ao mesmo tempo
um processo de formação activa de aptidões novas, de funções superiores
‘psicomotoras’, que ‘hominizam’ a sua esfera motriz. (LEONTIEV, 1978b: 269)

É exatamente nesse processo de formação das funções superiores e psicomotoras


que o Homem irá formar, não apenas a sua bagagem cultural, mas, também, as suas funções
psicológicas superiores, bem como as capacidades motoras e a sua adaptação do ponto de
vista dos sentidos. Essa relação pode ser posta da forma como o

... homem apropria-se de forma global, isto é, como homem total. Cada uma de suas
relações humanas com o mundo – ver, ouvir, cheirar, saborear, sentir, pensar,
45

observar, perceber, querer, atuar, amar –, em resumo, todos os órgãos de sua


individualidade, como os órgãos que são imediatamente coletivos em sua forma,
são, em seu comportamento objetivo, em seu comportamento para com o objeto, a
apropriação deste. (MARX, s.d.: 177)

O processo de desenvolvimento das habilidades humanas e dos seus sentidos se


faz em decorrência do modo de produção e tende a ser transferido de maneira desigual para as
diferentes classes sociais. Todavia estas diferenças são produtos da

... desigualdade económica, da desigualdade de classes e da diversidade


consecutiva das suas relações com as aquisições que encarnam todas as aptidões e
faculdades da natureza humanas formadas no decurso de um processo
socio-histórico. (LEONTIEV, 1978b: 274).

A transmissão que se faz de todos os elementos concernentes à apropriação da


cultura pela classe trabalhadora. Esse processo de transmissão e aquisição se dá pelas relações
interpessoais, sobretudo, das gerações mais antigas para as mais novas. Está vinculado à
apropriação e desenvolvimento das condições de produção e dos meios de existência.

Como a minoria dominante possui não apenas os meios de produção


material, mas também a maior parte dos meios de produção e de difusão da cultura
intelectual e se esforça por os colocar ao serviço dos seus interesses, produz-se uma
estratificação desta mesma cultura. (...)
A concentração e a estratificação de cultura não se produzem apenas
no interior das nações ou dos países. A desigualdade de desenvolvimento cultural
dos homens manifesta-se ainda mais cruamente à escala do mundo, da humanidade
inteira (LEONTIEV, 1978b: 276)

A cultura transforma-se, pois, em seu aspecto ideológico, em uma maneira


extremamente eficaz de impedir o acesso da maioria da população a determinados elementos
culturais. Essa “dificuldade” de apropriação da cultura por determinadas faixas da população,
não são apontadas como sendo de caráter cultural e sim biológico. Para sustentar esse
discurso, a ciência “consegue” identificar, e assim provar uma série de diferenças
morfológicas e genéticas capazes de justificar as diferenças e a impossibilidade de
determinados grupos sociais ascenderem ao poder e aos produtos culturais de certos grupos,
uma vez que não possuíam as características necessárias para executar funções de comando.
Mas como todos esses elementos podem interferir no processo de
desenvolvimento psíquico? A primeira forma, como já foi visto, é a apropriação da cultura. A
segunda forma, vinculada à primeira, é a aquisição do pensamento, que dá ao
46

desenvolvimento do ser humano a possibilidade de abstração e de construção mental de um


objeto antes da sua realização prática. Por isso,

Chamamos pensamento, em sentido próprio, o processo de reflexo


consciente da realidade, nas suas propriedades, ligações e relações objectivas,
incluindo os mesmos objectos inacessíveis a percepção sensível imediata. (...) Ele é
possível por via de mediações. É esta via que é a via do pensamento. O seu
princípio geral é que submetemos as coisas à prova de outras coisas e, tomando
consciência das relações e interacções que se estabelecem entre elas, julgamos a
partir das modificações que aí percebemos, as propriedades que nos não são
directamente acessíveis.
Razão por que a condição necessária do aparecimento do
pensamento a distinção e a tomada de consciência das interacções objectivas.
(LEONTIEV, 1978b: 84)

Esse reflexo consciente da realidade favorece, nesse sentido, o desenvolvimento


da percepção que o homem terá do seu “locus” de existência, das relações que estabelece com
os seus semelhantes, e assim adquire a consciência de seu momento sócio-histórico, a sua
consciência social. Na essência desse processo encontra-se o trabalho, causa primeira de todo
o desenvolvimento humano.
O pensamento permite a abstração das coisas do mundo e da natureza. Esse
processo de abstração possibilita ao homem a apreensão de códigos e significados importantes
para o entendimento das suas relações. Dessa forma,

É precisamente como resultado do movimento do pensamento teórico nessa direção


que se descobre que a atividade exterior e a interna têm algo essencial em comum
como mediadores da intervinculação do homem com o mundo nas quais se
concretiza a sua vida real. (LEONTIEV, 1978a.: 79-80)

Fica evidente que o processo de desenvolvimento dos aspectos psicológicos do


homem, ocorrem não de dentro para fora e, sim, de fora para dentro. O processo é facilmente
explicado por Vigotski (1998), como fazendo parte do processo que vai dos aspectos
interpsicológicos para os intrapsicológicos. Segundo esse autor, esses procedimentos podem
acontecer por:

a) Uma operação que inicialmente representa uma atividade externa é


reconstruída e começa a ocorrer internamente. (...)
b) Um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal. Todas
as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no
nível social, e, depois no nível individual; primeiro entre pessoas
(interpsicológica) e, depois no interior da criança (intrapsicológica). Isso se
aplica igualmente para a atenção voluntária, para a memória lógica e para a
47

formação de conceitos. Todas as funções superiores originam-se das relações


reais entre os indivíduos humanos.
c) A transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoal é o
resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do
desenvolvimento. (VIGOTSKI, 1998: 75) (Grifos do autor)

Se o desenvolvimento do pensamento está relacionado com a capacidade de


percepção e daquilo que é exterior ao homem, esse processo pode desencadear o processo de
formação da sua personalidade, pois a (...) a personalidade não nasce, a personalidade se faz
(Leontiev, 1978a: 137). A personalidade é importante, porque através dela o ser humano
determina a sua forma de ação no mundo.
Em todo esse processo de estruturação da personalidade, cada uma das mediações
às quais a pessoa se submete devem ser repensadas. Todavia, há algo significativo para se
pensar em relação ao desenvolvimento pessoal. Se a transmissão da cultura depende não só da
ação do homem sobre o mundo, e, consequentemente sobre si mesmo, depende também da
ação dos Homens sobre os outros Homens, da sua sociedade. Para tornar essa transmissão de
conhecimentos e de elementos culturais possíveis, é necessário o desenvolvimento da
capacidade de comunicação desses elementos aos outros, aperfeiçoando e utilizando códigos
compreensíveis a todo aquele meio. Daí a necessidade de desenvolvimento da comunicação e,
em última análise, da linguagem.
Em um primeiro momento o processo de comunicação se faz entre a criança e o
adulto. Este tem a função de fazer a mediação entre a criança e a aquisição do objeto de seu
interesse. “Por outras palavras, as relações da criança com o mundo dos objectos são sempre
inicialmente mediatizadas pelas acções dos adultos.”(Leontiev, 1978b: 171). Essas mediações
promoverão a base de sustentação para a absorção dos elementos culturais do meio social do
qual a criança participa, pois é a ela que os diferentes conteúdos culturais devem ser
transmitidos. Porquanto,

... a grande maioria dos conhecimentos e habilidades do homem se forma por meio
da assimilação da experiência de toda a humanidade, acumulada no processo da
história social e transmissível no processo de aprendizagem. (...) Por meio da fala
transmitem-lhe os conhecimentos mais elementares e posteriormente, por meio da
linguagem, ele assimila na escola as mais importantes aquisições da humanidade. A
grande maioria de conhecimentos, habilidades e procedimentos do comportamento
de que dispõe o homem não são o resultado de sua experiência própria mas
adquiridos pela assimilação da experiência histórico social das gerações. (LÚRIA,
1979: 73) (Grifos do autor)
O processo de transmissão dos conhecimentos acumulados historicamente, bem
como, da própria cultura, trazem juntos os conhecimentos a respeito das relações entre o
48

Homem e o Mundo enquanto possibilidade para o desenvolvimento filogenético e


ontogenético.
Dessa forma, percebe-se que não só para as crianças, como também para os
adultos

A linguagem é aquilo através do qual se generaliza e se transmite a


experiência da prática socio-histórica da humanidade; por consequência, é
igualmente um meio de comunicação, a condição da apropriação pelos indivíduos
desta experiência e a forma de sua existência na consciência.
Por outras palavras, o processo ontogénico de formação do
psiquismo não é criado pela acção dos excitantes verbais em si mesmos; é o
resultado do processo específico de apropriação (...), o qual é determinado por
todas as circunstâncias do desenvolvimento da vida dos indivíduos na
sociedade.(LEONTIEV, 1978b: 172).

Ao entender que a linguagem está relacionada ao próprio processo ontogenético


do ser humano, pode-se chegar à conclusão que o seu desenvolvimento é tão importante
quanto a evolução e apropriação da própria consciência. Portanto, ao desenvolver a
consciência o Homem desenvolveu também a linguagem.

A linguagem é tão antiga quanto a consciência – a linguagem é a consciência real,


prática, que existe também para os outros homens, e portanto que existe igualmente
para mim mesmo pela primeira vez, pois a linguagem como a consciência, só nasce
da necessidade da exigência de intercâmbio com outros homens. (...) A consciência
é portanto, desde o início, um produto social, e continua a sê-lo enquanto houver
homens. (MARX & ENGELS, 1971: 26)

Assim, pode-se finalmente chegar à conclusão de que o desenvolvimento


filogenético e ontogenético do ser humano depende, na sua raiz, do desenvolvimento dos
meios de produção, o que se dá pela construção e utilização de instrumentos capazes de
atender às necessidades humanas, e da relação do Homem com o meio com o qual interage.
Parece evidente que essa utilização de instrumentos e equipamentos interfere na sua
capacidade de ação sobre a natureza; consequentemente, existe uma ação dessa (natureza)
sobre o próprio ser humano. Esse processo interativo forçará o desenvolvimento de outras
condições necessárias à seqüência de mudanças sociais, na proporção da sua necessidade e da
sua possibilidade. Pois entende-se que:

Embora o uso de instrumentos pela criança durante o período


pré-verbal seja comparável àquele dos macacos antropóides, assim que a fala e o
uso de signos são incorporados a qualquer ação, esta se transforma e se organiza
ao longo de linhas inteiramente novas. Realiza-se assim, o uso de instrumentos
49

especificamente humano indo além do uso possível de instrumentos, mais limitado


pelos animais superiores. (VIGOTSKI, 1998: 33)

Essas mudanças, por sua vez, são potencializadas pela configuração de dois
aspectos essenciais: a consciência e a linguagem, conforme foi colocado anteriormente.
Enquanto aquela evolui pautada no próprio desenvolvimento das condições materiais, por sua
vez, atreladas às próprias relações envolvidas no processo de trabalho, sendo definidas pela
própria divisão social do trabalho, esta [a linguagem] exerce o papel de verdadeira fonte de
desenvolvimento social e individual, uma vez que, a partir da sua utilização na transmissão de
valores culturais próprios da sua época, abre possibilidade de intervenção dos Homens entre
si. Essa intervenção permite a cada um, mesmo que de uma maneira incompleta, realizar as
suas potencialidades e, assim, criar a possibilidade de desenvolver a consciência de si próprio,
ou seja, desenvolver os seus aspectos psíquicos.
A partir da relação estabelecida entre o desenvolvimento ontogenético e o trabalho
enquanto categoria central para tal, precisa-se retornar à discussão das profissões exercidas
pelos praticantes de atividade física nas academias de Goiânia, decorrente da necessidade de
se saber o nível de apreensão cultural que seria possível inferir a partir do nível de
escolaridade dos informantes, além de procurar identificar quais as profissões apresentam
maior nível de escolarização. Esse cruzamento de dados se justifica, porque, a partir dele
pode-se inferir, ainda, que a presença de profissões que exigem cursos superiores contribui
para garantir maior possibilidade de emprego. Isso fica demonstrado ao se cruzar a profissão
exercida com o grau de escolaridade. Entre as pessoas entrevistadas durante a realização da
pesquisa conseguiu-se identificar as profissões que mais procuram aumentar a qualificação
através dos cursos de pós-graduação. Dentre essas, verificam-se que as que já têm
pós-graduação completo, 31,3% atuam na área da saúde; 12,5% na de ciências humanas; 25%
são da área administrativa; 18,8%, da educação, e 12,5% de outros grupos profissionais.
Nenhuma das pessoas do comércio e daquelas que não trabalham tem curso de pós-graduação
completo.
Com relação às pessoas que estão cursando pós-graduação (incompleto), 18,2%
são da área de ciências humanas; 11,1%, da educação; 8,3%, da de atividades administrativas.
Nenhum dos outros grupos apresentou pessoas que ainda estivessem cursando a
pós-graduação. Essas áreas de atuação profissional são, provavelmente, as que mais
50

apresentam grandes mudanças no conhecimento e, consequentemente, maior necessidade de


atualização por parte dos seus profissionais.
Por outro lado, pode-se procurar pensar que os cursos de pós-graduação, enquanto
uma maneira de se obter uma formação continuada, apresentam-se como “instrumento” de
aquisição de novos conhecimentos culturais relativos à área de atuação de cada um. Por isso,
concorda-se com Lúria (1979) quando ele menciona o fato de a escola ser um local
privilegiado de obtenção da cultura através da própria linguagem. Apesar desse autor estar se
referindo às crianças, essa análise também é apropriada para os adultos, uma vez que, do
ponto de vista profissional, a cultura e a instrumentalização se aperfeiçoam a cada momento.
Assim, o desenvolvimento da profissão dá suporte, do ponto de vista da classe
social, para o desenvolvimento da consciência. Com poucas exceções a grande maioria das
pessoas entrevistadas são trabalhadoras, ou seja, teoricamente elas deveriam desenvolver uma
consciência de classe própria. Entretanto, a própria história de vida não lhes permite esse
desenvolvimento. Além do mais, a própria formação continuada, tende a instrumentalizar as
pessoas no sentido de fazer delas profissionais mais eficazes. Essa situação não se sustenta a
não ser na lógica de cada profissão, direcionando sempre para a obtenção de lucros para os
profissionais e, principalmente, para as empresas.
51

II. AS RELAÇÕES SOCIAIS DO CORPO ADULTO

Quando se tem o ser humano como objeto de estudo, fica uma certa preocupação
em relação a melhor forma de abordá-lo, pois ele possui diversas dimensões que não podem
ser compreendidas de maneira isolada. O ser humano é necessariamente fruto das relações
sociais às quais está vinculado e, nesse sentido, vive intensamente todas as contradições
materiais da sua existência. Destarte, para se compreender cada pessoa precisa-se entender um
pouco mais aquilo que ela tem – e é – de mais concreto, o corpo.
Construir uma concepção de corpo implica apreender diferentes dimensões.
Implica, em primeiro lugar, discutir a questão do corpo entendendo que esse é o local onde se
instalam os signos sociais e a partir de onde o Homem trava todas as relações sociais com o
seu semelhante e consigo mesmo; em segundo, relacionar a sua interação pessoal abordando
de forma mais específica a questão da autoconsciência que, para Leontiev, é um dos suportes
mais importantes para o desenvolvimento da personalidade, o que permitirá discutir a
consciência como constituição do co-conhecimento, locus que faz da convivência social o
ponto-chave para qualquer desenvolvimento; e, em terceiro, abordar as relações entre o corpo
e o mundo a partir da relação entre o indivíduo, a sociedade e a mídia, entendida como um
mediador privilegiado entre os interesses sociais, sobretudo das classes hegemônicas.

1. A Questão do Corpo
52

Desde os tempos mais remotos o corpo é objeto de estudo na filosofia e em várias


ciências, sendo definido das mais diversas maneiras. É entendido como o cárcere da alma para
Platão, como a res extensa para Descartes, sendo considerado uma substância totalmente
dissociada e irreconciliável com a alma, e, por isso, considerado um objeto passível de estudo,
o que o tornará um corpo inerte para a anatomia e um corpo máquina, principalmente para a
fisiologia.
Todavia, compreende-se, neste momento, que o corpo se constitui a partir de suas
relações históricas e na materialidade de suas ações em um ponto central, pois é nele que se
inscrevem todas as regras ditadas pela sociedade, direcionando, dessa forma, para uma
compreensão sócio-histórica. Assim sendo, o corpo é também a demonstração material das
relações históricas, sociais e espirituais, às quais estão submetidos todos os seres humanos.
A definição de corpo está relacionada com o desenvolvimento da consciência de
cada pessoa, pois como já foi dito, a consciência depende da materialidade da existência. Para
Marx & Engels (1971), o Homem possui um corpo com duas dimensões: uma orgânica e
outra por eles chamado de inorgânica. O corpo orgânico é o meio direto de vida do ser
humano, o objeto material e instrumento da sua atividade vital. Em outras palavras, é através
do corpo orgânico que o Homem atua no mundo e subsiste, já que é através dele que cria
condições de sua existência como ser que vive do trabalho. Em síntese, esse é o corpo com
todos os seus ossos, músculos, órgãos e sistemas. Já o corpo inorgânico lhe é externo, sendo
entendido como a própria natureza, como o próprio meio no qual cada ser se insere, e onde lhe
é possível atuar, e de onde os seres vivos retiram os meios para a sua existência.

Dizer que o homem vive da natureza significa que a natureza é o corpo dele, com o
qual deve manter-se em contínuo intercâmbio a fim de não morrer. A afirmação de
que a vida física e mental do homem e a natureza são interdependentes
simplesmente significa ser a natureza interdependente consigo mesma, pois o
homem é parte dela. (MARX, 1983: 95)

Para Marx, a natureza é histórica, ao mesmo tempo que a história é, antes de tudo,
da própria natureza, e isso se explica através do trabalho. Nos primórdios da vida humana na
terra, o ambiente se apresentava extremamente hostil para a vida do Homem. Para que ele
conseguisse sobreviver e retirar da natureza o seu sustento, precisou transformar o meio onde
vivia, começando a produzir instrumentos que, ao mesmo tempo que permitiam a sua ação
sobre a natureza, permitiam também o desenvolvimento das suas capacidades motoras,
psicológicas, culturais e mentais.
53

Ao passar por esse processo de desenvolvimento, o Homem deixa as suas marcas


na natureza de uma maneira profunda, visto como, por sua ação, ocorrem transformações nos
leitos dos rios, nas plantações, na presença de animais, entre outras. Assim, ao escrever a
história do seu desenvolvimento, o Homem passa a escrever também a história da própria
natureza que é modificada pela sua ação, fato esse sem precedentes na evolução do planeta.
A partir das transformações da natureza, ocorre também uma transformação do
Homem. Nesse sentido, é a partir das ações, ou seja, do trabalho humano e consequentemente
da sua objetivação, que se torna possível o Homo sapiens, expressão plena do Homem. Cada
ser é, então, relacionado ao fruto de seu trabalho. E, o

...objetivo do trabalho, portanto é a objetificação da vida-espécie do homem, pois


ele não mais se reproduz a si mesmo apenas intelectualmente, como na consciência,
mas ativamente e em sentido real, e vê o seu próprio reflexo em um mundo por ele
construído. (MARX,1983: 97)

Entretanto, o ser humano se desenvolve de uma maneira diferente. Quando, em


decorrência das transformações ocorridas no processo de produção, o produto do trabalho
passa a não pertencer àquele que desenvolveu a ação de transformação, sendo esse fruto
transferido para outro Homem, que é o proprietário do meio de produção, ele passa a não
reconhecer aquilo que foi produzido por ele. Nesse momento o Homem se aliena “(...) de seu
próprio corpo, a natureza extrínseca, de sua vida mental e de sua vida humana.” (Marx,
1983: 97). Nesse caso o trabalho perde o seu sentido e a subjetivação do ser na sua capacidade
de transformação é dificultada. Dessa forma “(...) há a produção da atividade humana como
trabalho, isto é, uma atividade estranha a si mesma, ao homem e à natureza, e portanto
estranha à consciência e à realização da vida humana.” (Marx, 1983: 105). Um local onde a
expressão da sua vida é enfatizada, realizada apenas enquanto um animal, sentindo-se um
homem apenas na sua condição mais animalesca, entre elas comer, dormir, procriar. Com
isso, o Homem transforma-se em um animal naquilo que o faz mais humano: o trabalho.
Encontra-se aí instalada a alienação que pode ser entendida sob três aspectos:

...1) a relação do trabalhador com o produto do trabalho como um objeto estranho


que o domina. Essa relação é, ao mesmo tempo, a relação com o mundo exterior
sensorial, com os objetos naturais como um mundo estranho e hostil; 2) a relação
do trabalho como ato de produção dentro do trabalho. Essa é a relação do
trabalhador com sua própria atividade humana como algo estranho e não
pertencente a ele mesmo, atividade como sofrimento (passividade), vigor como
impotência, criação como emasculação, a energia física e mental pessoal do
trabalhador, sua vida pessoal (pois o que é a vida senão atividade?) como uma
54

atividade voltada contra ele mesmo, independente dele e não pertencente a ele. Isto
é auto alienação, ao contrário da acima mencionada alienação do objeto. (MARX,
1983: 94)

Esse mesmo autor ainda complementa esses dois conceitos com um terceiro, qual
seja

3) então o trabalho alienado converte a vida-espécie do homem, e


também como propriedade mental da espécie dele, em um ente estranho, e em um
meio para a sua existência individual. Ele aliena o homem de seu próprio corpo, a
natureza extrínseca, de sua vida mental e de sua vida humana. (...)
De maneira geral, a declaração de que o homem é alienado em sua
vida-espécie significa que cada homem é alienado por outros, e cada um dos outros
é igualmente alienado da vida humana.
A alienação humana, e acima de tudo a relação do homem consigo
próprio, é pela primeira vez concretizada e manifestada na relação entre cada
homem e os demais homens. Assim, na relação do trabalho alienado cada homem
encara os demais de acordo com os padrões e relações em que se encontra situado
como trabalhador. (ibid.: 97)

Uma vez que o objeto por ele produzido não lhe pertence, tornando-se antes um
elemento para a sua própria destruição, produzindo a si próprio enquanto uma mercadoria e
incapaz de se relacionar com outros homens de uma maneira que não seja o padrão produtivo,
ele acaba por criar-se enquanto uma mercadoria, e como tal, o Homem perde a si mesmo,
enquanto um ser histórico. Perder-se mais uma vez implica a perda da consciência,
pensando-se a própria história enquanto a mola propulsora dessa. Assim, volta-se ao começo,
pois o momento histórico é definido de acordo com o modo de produção e a tecnologia
existente em cada momento. Contudo, existe aqui um outro problema. A mercadoria
produzida por cada trabalhador não lhe pertence, e nisso também está presente o processo de
alienação humana. A única coisa que lhe pertence é a força de trabalho, explorada pelo patrão
e geradora do salário pago pelo dono do meio de produção, sendo que este, o salário, já foi
visto como uma condição para a não extinção do trabalhador. Assim, a sua capacidade de
existência se torna cada vez mais abstrata.

A produção não apenas produz o homem como uma mercadoria, a mercadoria


humana, o homem sob a forma de mercadoria; de acordo com essa situação, produz
o homem como ser mental e fisicamente desumanizado. (MARX, 1983: 104)

Essa observação pode ser complementada pelos dizeres de Gonçalves (l994: 63),
fazer “(...) com que esse corpo subsista como força de trabalho é o único objetivo do capital.”
55

Para Marx (1983), o Homem existe enquanto um capital para si, sendo isso
possível quando há capital para o homem. Todavia, no modo de produção capitalista, não
existe capital para o trabalhador, apenas para o patrão, detentor dos centros de produção. Ao
fazer isso o trabalhador cria para si condições onde por

... certo, o trabalho humano produz maravilhas para os ricos, mas produz privação
para o trabalhador. Ele produz palácios, porém choupanas é o que toca ao
trabalhador. Ele produz beleza, porém para o trabalhador só fealdade. Ele substitui
o trabalho humano por máquinas, mas atira alguns trabalhadores a um gênero
bárbaro de trabalho e converte outros em máquinas. Ele produz inteligência, porém
também estupidez e cretinice para os trabalhadores. (MARX, 1983: 92)

Todos esses fundamentos apresentados por Marx ajudam a compreender, de forma


bastante clara, a divisão feita por Medina (1991), entre o corpo burguês e o corpo marginal.
Sobre o corpo burguês ele fala sobre a sua forma de existência, pois é acometido pelas

chamadas ‘doenças hipocinéticas’ que afetam fundamentalmente os


aparelhos circulatório e respiratório, (...) com hábitos sedentários e
alimentares que favorecem o aparecimento da gordura e obesidade, e com
tensão que estimula o aparecimento de alguns vícios, torna-se suscetível às
doenças como o enfarte, a arteriosclerose, o derrame, o câncer, além de
certos distúrbios psíquicos específicos. (MEDINA, 1991: 97)

Entretanto, de acordo com esse autor, o corpo marginal apresenta características


totalmente diferentes, uma vez que

adquire as ‘doenças do subdesenvolvimento’, ou seja, as doenças infecciosas e


parasitárias (diarréias, verminoses, anemias, etc.). Em face às condições precárias
de vida, caracterizada principalmente pela falta de higiene, de saneamento básico e
boa alimentação, está exposto ao nanismo, ao raquitismo e outras patologias que
levam, com facilidade, às doenças crônicas e à morte.(MEDINA, 1991: 97)

As marcas impressas, tanto no corpo burguês como no corpo marginal, são


produzidas no transcorrer da história de um povo e nas suas condições de vida real, as quais,
por sua vez, dependem da trajetória da exploração vivida por um país. Para Medina (1991), o
Brasil durante toda a sua história viveu dois tipos de exploração. A primeira, interna, exercida
pelas oligarquias e depois pela burguesia industrial. A segunda, externa, decorrente das
influências da colônia e depois do capitalismo estrangeiro. Dessa situação decorre o
surgimento de duas condições de vida distintas expressas no corpo do brasileiro. Afinal, o
56

“(...) corpo explorado devia representar para os inferiores o que é mau e o espírito, para o
qual os outros tinham o ócio necessário o sumo bem” (Adorno & Horkheimer, 1985: 216).
Cada uma dessas marcas é transmitida de geração para geração tal qual a cultura,
sendo melhor firmadas no corpo, desde a sua infância. É como diz Vigarello,

... ‘O corpo é o primeiro lugar onde a mão do adulto marca a criança, ele é o
primeiro espaço onde se impõem os limites sociais e psicológicos que foram dados a
sua conduta, ele é o emblema onde a cultura vem inscrever seus signos como
também seus brasões’. (apud SOARES, 1998: 17)

Esses sinais decorrem do próprio processo produtivo, pois é a divisão entre o labor
intelectual e braçal, e as condições nas quais é realizado, os responsáveis pela característica
corporal, pensando-se que cada um deles desencadeará a construção de um corpo diferente,
burguês e marginal, respectivamente. Embora a construção do corpo do trabalhador
“intelectual” possa acontecer de uma maneira diferente do corpo do trabalhador braçal,
mesmo se aproximando da formação do corpo burguês, o seu corpo continua alienado. E o
que é mais grave, mesmo que ele não perceba isso, a possibilidade de ele se embrutecer ao
ponto do “corpo marginal braçal”, é bastante grande. E o que é pior, do ponto de vista dos
sentidos (visão, olfato e outros) isso já aconteceu.
Esse processo de alienação, de não vinculação entre o bem produzido e a sua
subjetivação por parte do trabalhador, bem como pelo lucro por ele gerado, relaciona-se com a
propriedade privada. Essa conexão é propiciada pela aquisição do produto do trabalho de um
ser humano por outro.

Assim, graças ao trabalho alienado o trabalhador cria a relação de


outro homem que não trabalha e está fora do processo de trabalho, com o seu
próprio trabalho. A relação do trabalhador com o trabalho também provoca a
relação do capitalista (ou como quer que se denomine ao dono do trabalho) com o
trabalho. A propriedade privada é, portanto, o produto, o resultado necessário, do
trabalho alienado, da relação externa do trabalhador com a natureza e consigo
mesmo. (MARX, 1983: 99)

Ao se pensar a constituição desses aspectos relacionados com a capacidade de


produção do ser humano, expresso pela apropriação por parte do capitalista, dos bens
produzidos, da atividade humana e da própria vida-espécie, identifica-se dentre todas as
relações expressas, a existência de pelo menos mais dois focos de tensão. O primeiro, o
paradigma do corpo perfeito, entendendo-se, assim, o corpo como mercadoria em si; o
57

segundo, à realização do movimento como linguagem e como forma de expressão do corpo no


mundo. Essas discussões são importantes por se pensar na estética, na prática de atividades
físicas, como uma maneira de relação do homem com o mundo, aspecto fundamental para a
compreensão da prática de atividades físicas nas academias, com os diversos fins aos quais se
destinam.
Sobre esse último aspecto deve-se retomar a questão da aquisição da cultura e da
própria linguagem. A “transmissão” da cultura produzida e acumulada por uma determinada
sociedade, pela utilização da linguagem como meio de ação eficaz de um ser sobre o outro. A
linguagem não se restringe apenas ao seu aspecto verbal, mas também ao corporal e aos
movimentos.
Assim, atua-se inicialmente pelos movimentos do trabalho, como forma de ação
sobre a natureza, havendo, contudo, uma outra ação que é a ação sobre outros homens e,
também, sobre si próprio. Estabelece-se, dessa forma, a comunicação entre os Homens
(Leontiev, 1978b). Entretanto,

Posteriormente, estas duas funções separam-se. Para isso, basta que


a própria experiência sugira aos homens que se em certas condições um movimento
de trabalho não conduz, por uma razão ou outra, ao resultado prático esperado, ele
está, mau grado tudo, apto para agir sobre os outros participantes, por exemplo,
levá-los a efectuar essa acção colectivamente. Nascem assim movimentos de
trabalho, mas que perdem o contacto prático com o objecto e que, por
consequência, perdem assim o esforço que o transforma verdadeiramente em
movimentos de trabalho. Estes movimentos, bem como os sons vocais que os
acompanham, separam-se da tarefa de agir sobre o objecto, separam-se da acção
de trabalho e só conservam a função da comunicação verbal. Por outras palavras,
transformam-se em gesto. O gesto nada mais é que um movimento que não se aplica
ao objecto para o qual está orientado. (LEONTIEV, 1978b: 86)

Dessa forma, pretende-se explicar que, antes mesmo de a linguagem verbal ser
desenvolvida, a diversidade dos gestos já consegue cumprir o papel de estabelecer um nível
importante de comunicação entre os homens.

Assim, a linguagem não desempenha apenas o papel de meio de


comunicação entre os homens, ela é também um meio, uma forma da consciência e
do pensamento humanos, não destacado ainda da produção material. Torna-se a
forma e o suporte da generalização consciente da realidade. (ibid.: 87)

Essa generalização consciente da realidade permite a apropriação do momento


histórico da vida das pessoas, relacionado-se, dessa forma, com o desenvolvimento da
58

consciência individual, sendo essa, por sua vez, a conseqüência do desenvolvimento material
na vida das pessoas. “(...) A consciência do homem é a forma histórica concreta do seu
psiquismo” (ibid.: 88).
Ao perceber a importância da linguagem corporal enquanto uma maneira de
estabelecer as relações humanas, o corpo ganha o papel central na forma de produção
capitalista em decorrência de alguns aspectos que podem ser apresentados. O primeiro deles
tem a ver com a produção e a reprodução do modo de produção em si, uma vez que, apesar da
mecanização, é necessário que homens se façam máquinas, para que a espoliação e geração do
capital propriamente dito sejam possíveis. Além disso, a manutenção do corpo e das
mensagens, por ele transmitidas, demonstram elementos da perpetuação ou não da sua
subsistência corporal, uma vez que, quando esses corpos não transmitirem as mensagens
adequadas eles podem ser isolados ou mesmo destruídos. Nesse processo, o “(...) amor-ódio
pelo corpo impregna toda a cultura moderna. O corpo se vê de novo escarnecido e repelido
como algo inferior e escravizado, e, ao mesmo tempo, desejado como o proibido, reificado,
alienado” (Adorno &Horkheimer, 1985: 217).
O segundo aspecto está relacionado à utilização do corpo enquanto sede dos
signos sociais, pois as mensagens veiculadas por esses corpos que se movimentam, podem ser
as mais fantásticas possíveis, pensando-se rapidamente nas capacidades físicas desenvolvidas
principalmente pelos atletas, sobretudo os de modalidades como ginástica olímpica, nado
sincronizado, entre outras, que exigem um domínio corporal altamente sofisticado. Essas
modalidades transmitem, por si só, aquilo que o ser humano é capaz de realizar quando
empenhado nas superações das deficiências pessoais.
Esses signos corporais representam toda a capacidade de expressão e de afirmação
de um modelo de sociedade que busca a perfeição, sendo essa perfeição expressa na exposição
de corpos belos, saudáveis, jovens e atraentes. É a própria tensão gerada pelo desejo
incontrolável, pelo prazer que não se realiza e pela própria dor, sofrimento e sacrifício que
promove a conquista de um lugar ao sol, pois

O cuidado com o corpo (leib) tinha, ingenuamente uma linguagem social. O kalos
kagathos só em parte era uma aparência, o ginásio servindo, por outra parte, para
preservar o poder pessoal, pelo menos como training para uma postura
dominadora. Quando a dominação assume completamente a forma burguesa
mediatizada pelo comércio e pelas comunicações e, sobretudo, quando surge a
indústria, começa a se delinear uma mutação formal. (ADORNO & HORKHEIMER,
1985: 217) (Grifos do autor)
59

Ainda assim, por outro lado, esse mesmo modelo corporal que entra todos os dias
nas casas das pessoas através da mídia, por exemplo, e que é extremamente valorizado pelo
capitalismo, traz em si toda a perversidade e controle que o treinamento corporal voltado para
a alta performance pode trazer aos seus praticantes. Segundo Vaz (1999), essa é uma forma
não só de treinar o corpo, mas também, de dominar a natureza.

O que se coloca, no entanto, é que a redução do corpo a uma


materialidade desqualificada faz com que ele seja visto como maquinismo, natureza
cega, ou, o que é pior, como cadáver. O olhar da ciência designa-lhe uma
fungibilidade inespecífica, assim como um corpo morto assemelhar-se-á
quimicamente, cada vez mais, a outro corpo morto. (VAZ, 1999: 104)

Em síntese, o que Vaz (1999) aponta é que o corpo perde a sua humanidade, a sua
essência, e, enquanto tal, deteriora-se, perde a sua objetividade no meio social.
A última reflexão que se pretende elaborar aqui é a utilização de uma linguagem
corporal que transmita a idéia da necessidade de um corpo hígido, forte, resistente e
disciplinado(r). A partir do advento da revolução francesa e da revolução inglesa, chamada
por Hobsbawn (1977) de “dupla revolução”, instaura-se um momento histórico chamado
modernidade, pautado em um grau elevado de industrialização, apoiado por um bom
desenvolvimento de maquinário, sobretudo pela utilização das máquinas a vapor, pela
cientificidade de cunho positivista, pelo desenvolvimento das ciências de maneira geral, a
grande migração das pessoas para as cidades, e o desenvolvimento do modo de produção
capitalista.
Face a esse perfil, sobretudo pelo crescimento das cidades e também pelas más
condições de salubridade das fábricas, maior fonte de emprego, aumenta a quantidade de
doenças, principalmente na periferia das cidades. Para se evitar o aumento das doenças e
evitar as faltas ao serviço, que provocavam prejuízos, discute-se a possibilidade de se
desenvolver a força e a resistência das pessoas às infecções, através de práticas que
desenvolvessem a saúde e o vigor físico, utilizando-se, para isso, a ginástica, que traz,
intrinsecamente, os conhecimentos da medicina, sobretudo de saúde pública associada aos
conceitos de anatomia e fisiologia aplicadas. Destarte, o que se procurava desenvolver eram
os bons hábitos de vida que fossem capazes de desenvolver um homem novo, mais
precisamente o trabalhador. Por isso, havia a necessidade de transmissão de novos valores e
novos padrões culturais. Assim, há de se
60

... destacar que o reconhecimento da Ginástica pelos círculos intelectuais é fator


decisivo para a sua aceitação por uma burguesia que a deseja transformada e,
assim, devolvida à população como conjunto de preceitos e normas de bem viver. É
a partir deste reconhecimento que, de fato, a ginástica passa a ser vista como
prática capaz de potencializar a necessidade de utilidade de ações e dos gestos.
Como prática capaz de permitir que o indivíduo venha internalizar uma noção de
economia de tempo, de gasto de energia e de cultivo à saúde como princípios
organizadores do cotidiano.
E estas são as metas de um poder que, desde o século XVIII, vem
construindo uma nova mentalidade científica, prática e pragmática, baseada na
ciência e na técnica como fontes específicas de saber. (SOARES, 1998: 18)

Coube, por isso, à ginástica realizar o ideal de um corpo saudável, pois a ciência
lhe dava essa condição, evitando, assim, as deformidades físicas, inclusive como uso de
aparelhos, capazes de dar “retidão” aos corpos e até mesmo aos próprios propósitos das
pessoas, principalmente dos trabalhadores, ao se evitar entre outras coisas diversos excessos
para o corpo. Assim a

... atividade física fora do mundo do trabalho devia ser útil ao trabalho. A atividade
livre e lúdica, encantatória (...)devia ser redesenhada no imaginário popular. Em
seu lugar e a partir daquele universo gestual, nasceriam as ‘séries de exercícios
físicos’, pensados exclusivamente, a partir de grupos musculares e de funções
orgânicas, a serem aplicados com finalidades específicas, úteis, e não como mero
entretenimento. (SOARES, 1998: 24)

Todas essas influências e formas de se pensar o corpo estão relacionadas à lógica


do capital que tem como interesse final permitir uma concepção de corpo que tenha em si, as
condições necessárias ao desenvolvimento das relações de trabalho. Embora essas relações
estejam transformadas atualmente, se comparadas com as relações presentes na origem do
capitalismo, a exploração do trabalhador e a manutenção das suas condições mínimas de
existência permanecem, ao menos, bastante semelhantes. Fica, ao final de todas essas
informações, ainda a responsabilidade de cada um zelar por suas condições de saúde (física) e
de bem-estar psicológico. Para se alcançarem esses estágios depende-se única e
exclusivamente de uma disciplina pessoal, ao mesmo tempo que se deve repassar a seus filhos
esse mesmo caráter de disciplina, tornando-se o exemplo a ser seguido e respeitado. Assim,

É o corpo que objetiva a ação educativa e moral por excelência... [assim diz Revel]
‘os gestos são signos e podem organizar-se em uma linguagem; expõem a
interpretação e permitem um reconhecimento moral, psicológico e social da
pessoa’. (SOARES, 1998: 37)
61

Nesse sentido, o corpo na modernidade, enquanto linguagem, expressa toda a


força e desenvolvimento que se pretendem. As imagens e mensagens que são transmitidas
pelo corpo, veiculam a idéia do poder sobre ele, ao mesmo tempo que abrem a possibilidade
de identificá-lo enquanto classe social. Dessa forma, a subordinação ou do domínio sobre o
outros são comunicadas através daquilo que o corpo é capaz de expressar. As suas angústias,
alegrias e tristezas estão cravadas nele e comunicam esses aspectos para as outras pessoas.
Todo o desenvolvimento da consciência e da concepção histórica individual,
expressa nos processos de comunicação corporal e verbal, justificará toda a eficiência da
capacidade que as pessoas demonstram de assimilar os valores sociais como sendo seus. Esses
procedimentos são possíveis apenas dentro da inter-relação do corpo orgânico com a natureza
à sua volta, fato só possível pela consciência. Mas, antes de estabelecer esse grau de relação
com o mundo, o sujeito deve desenvolver algo muito importante do ponto de vista
psicológico: a autoconsciência.

2. O Adulto e a Questão da Autoconsciência

Aquilo que Leontiev chama de autoconsciência é o desenvolvimento da


consciência de si próprio. Para se entender melhor essas relações, deve-se começar por um
breve entendimento da relação sujeito/objeto, ou seja, como o ser que procura conhecer se
apropria da idéia do objeto. Esta pergunta tem e já teve várias respostas ao longo da história.
Porém, entende-se como um marco da constituição da ciência moderna as influências do
filósofo René Descartes, para quem o objeto é totalmente estranho ao sujeito. O conhecimento
do objeto é possível pela razão, desde que todas as partes sejam divididas e examinadas
cuidadosamente (Descartes, 1973). Ao propor essa forma de conhecimento, Descartes está
mostrando que o sujeito que conhece tem uma certa supremacia sobre o objeto,
desenvolvendo-se assim, o chamado método racionalista, onde cabe à razão desvendar os
mistérios presentes no objeto.
Além do método cartesiano, vários outros apareceram como o empirismo inglês, o
criticismo kantiano, entre outros. O criticismo oferece as bases para a abordagem de linhas
científicas com propostas diferentes, sobretudo no âmbito das ciências naturais com o
positivismo. Posteriormente, outras possibilidades de explicação dos fenômenos apareceram.
62

Porém, considera-se no âmbito deste trabalho que o paradigma que consegue dar melhor
suporte às ciências humanas e sociais é o materialismo histórico e dialético.
Esse paradigma epistemológico tem como grande marco as idéias de Marx, que
procura desvendar o invólucro místico que permeia a sociedade, analisando a totalidade e
buscando desvelar a essência. Necessita-se que o Homem lance mão de um elemento
fundamental em qualquer método de busca pelo conhecimento: a atividade.
A atividade para Leontiev é o mediador entre o sujeito que aprende e o objeto que
se dá a conhecer. A atividade pode estar presente sob qualquer forma, seja na leitura de um
livro, em um experimento, em uma entrevista ou mesmo na relação que as pessoas
estabelecem entre si como forma de se conhecer a si mesmas, bem como de conhecer o
mundo que as cerca, em síntese, a própria vida.

Porém, o que é a vida humana? É o conjunto, mais precisamente, o sistema de


atividades que se substituem umas as outras. É na atividade onde se produz a
transição do objeto à sua forma subjetiva, à sua imagem, à sua vez, na atividade se
opera também a transição da atividade aos seus resultados objetivos, a seus
produtos. Tomada desde este ângulo a atividade aparece como um processo no qual
se concretizam as transições recíprocas entre os pólos ‘sujeito – objeto’. ‘Na
produção se objetiva a personalidade; no consumo se subjetiva o objeto’, comenta
Marx. (LEONTIEV, 1978a: 66)

Dessa maneira, entende-se que a atividade não é em si o próprio método do


conhecimento, porém, ela pode estabelecer as suas bases, sendo diariamente utilizada na
formação da própria personalidade. O desenvolvimento intrínseco ao pensamento – entendido
como o reflexo consciente da realidade – depende de mediadores para que o mundo possa ser
compreendido. Dessa forma, uma das principais mediações para o pensamento é a atividade
em si.
Entretanto, a atividade deve possuir intrinsecamente um motivo que possa nortear
a sua realização. Para Leontiev (1978a) não existe nenhuma atividade que possa ser realizada
sem motivo, mesmo que esse não seja aparente. O que pode acontecer, segundo ele, é que
determinadas atividades possuem motivos ocultos.

Devemos apenas sublinhar que não utilizamos o termo ‘motivo’ para designar o
sentimento de necessidade; ele designa aquilo em que a necessidade se concretiza
de objectivo nas condições consideradas e para as quais a actividade se orienta, o
que a estimula. (LEONTIEV, 1978b: 97)
63

O motivo tem, nesse autor, muito mais o caráter de encorajamento do que de uma
necessidade propriamente dita. Assim, as pessoas fazem não só aquilo que se faz necessário
em suas vidas, mas aquilo que, para elas, possui algum significado. Ao se dar um significado
para cada uma das atividades realizadas, pode-se pensar em um nível adequado de reflexão
para o qual a realização da atividade é necessária. Assim, descrevem-se dois níveis de atuação
na atividade: a ação e a operação.
Esses dois níveis possuem características diferenciadas, de acordo com a situação
de sua realização. Logo, “(...) as ações estão correlacionadas com os fins, as operações com
as condições” (Leontiev, 1978a: 85).

Ao fazer essa observação, o autor apresenta, basicamente, duas considerações


sobre essas duas possibilidades. Ao falar das ações propriamente ditas deve-se perceber que
“a gênese da ação reside nas relações do intercâmbio de atividades; em troca toda a
operação é o resultado da metamorfose da ação que ocorre porque se inclui em outra ação e
sobrevem a sua ‘tecnificação’.” (LEONTIEV, 1978a: 86).
Ao fazer essa discussão, evidencia-se uma característica da ação. Essa deve ser
refletida, pensada, analisada e estar submetida à presença de um motivo, o qual deve ser capaz
de desencadear a realização de uma atividade que, por sua vez, gera a ação que é
desenvolvida. Dessa forma, a ação é uma forma de relação com o mundo. Porém,

A atividade pode perder o motivo que a tenha suscitado, e então se converte em


uma ação que talvez concretize uma relação totalmente diferente com o mundo,
outra atividade; a ação, pelo contrário, pode adquirir uma força impulsora própria
e chegar a ser uma atividade particular; por último, a ação pode transformar-se em
um meio para alcançar um fim, em uma operação capaz de efetuar diversas ações.
(LEONTIEV, 1978a: 87)

A atividade, por outro lado, enquanto um elemento capaz de possuir os seus


próprios motivos, pode adquirir as suas características próprias e, como tal, acabar por gerar,
no limite, uma nova atividade. Ao gerar essa nova atividade, acaba-se por permitir a cada
indivíduo o desenvolvimento das capacidades, apropriação da cultura e ao mesmo tempo o
desenvolvimento da linguagem e da personalidade. Para atingir este desenvolvimento, a
atividade será, como já foi dito, o grande mediador na apropriação de dado objeto. Por isso,

... o indivíduo não possui linguagem própria nem significados elaborados por ele
mesmo; sua tomada de consciência dos fenômenos da realidade só podem operar-se
por meio de significados ‘acabados’ que assimila do exterior, ou seja,
64

conhecimentos, conceitos, opiniões, que recebe na comunicação, em uma ou outras


formas da comunicação individual ou de massas. É isto que leva a possibilidade de
introduzir em sua consciência, de impor-lhe, representações e idéias tergiversadas
ou fantásticas, inclusive aquelas que não tem base alguma na sua experiência
real, vital. (LEONTIEV, 1978a: 121) (Grifo Nosso)
Ao utilizar a ação, base da atividade que permite o desenvolvimento individual,
cada Homem estabelece a sua relação com o seu semelhante, o que pode estabelecer uma boa
forma de mediação dos próprios fatos sociais. Todavia, não se deve esquecer a reificação da
consciência, processo no qual o ser humano entende, como seu, conceitos e valores que não
pertencem à sua classe social, assumindo, dessa forma, os valores das classes hegemônicas da
sociedade. Assim, pode-se afirmar que a comunicação pessoal, ou feita através dos meios de
comunicação de massa (mídia), pode gerar esse processo em toda a sociedade, desenvolvendo
uma contaminação bastante importante de determinadas idéias e conceitos.
Outro aspecto que deve ser destacado na discussão do papel da atividade e das
próprias ações no desenvolvimento da personalidade, onde deve ser feita uma rápida incursão,
é a questão da operação. Ela (operação) é para Leontiev uma forma de realizar ações que, no
seu contexto, são feitas sem reflexão, e por isso realizadas mecanicamente. Assume a
execução de movimentos e atitudes praticados de maneira “reflexa”, ou seja, essas atitudes
são feitas sem que para isso a pessoa tenha que ficar pensando para realizá-las. Um bom
exemplo disso, dado pelo próprio Leontiev, é o ato de dirigir, onde, após a aprendizagem
propriamente dita, não é necessário ficar pensando ou mesmo olhando para os pedais para
trocar marchas e transitar em uma rua movimentada. Assim, atinge-se um grau de
automatismo que, salvo lesões cerebrais, não irá mais se perder. Deve-se deixar como registro
que esse nível de “automatismo” expressa, na realidade, uma excelente capacidade cerebral de
realizar tarefas diversificadas, porquanto podem se realizar outras atividades paralelas a essa:
no caso dirigir.
O nível da operação é uma forma de automatização dos vários elementos
constitutivos da memória que propiciam a utilização de atitudes desenvolvidas no cotidiano
sem que haja aí a precisão de pensar sobre cada uma delas. Pensando dessa forma, as
operações são, de certa maneira, bastante importantes na vida humana, uma vez que não existe
necessidade de pensar a todo momento em todos os passos do desenvolvimento de
determinadas tarefas.
No entanto, é preocupante quando se pensa que determinadas ações da vida
humana são convertidas em operações. Dessa ótica, as atividades desenvolvidas tornam-se
“mecânicas”, podendo perder o seu significado e o motivo para as pessoas. Existe, assim, o
65

risco nessa atividade, não apenas da tecnificação e mecanização da ação, mas da mecanização
do próprio ser humano, o que parece uma ação premente nos dias atuais. Essa mecanização do
ser humano o remete ao processo de reificação, entendido aqui como a coisificação do
Homem e de sua consciência. Isso acontece devido à necessidade do ser se colocar como
mercadoria no mercado de trabalho, uma vez que ele não possui condições financeiras para ter
o seu próprio negócio. Assim, ele aceita as condições impostas pelo trabalho,
transformando-se na máquina que produz. Enfim, o

... misterioso da forma mercadoria consiste, portanto, simplesmente no fato de que


ela reflete aos homens as características sociais do seu próprio trabalho como
características objetivas dos próprios produtos de trabalho, como propriedades
naturais sociais dessas coisas e, por isso, também reflete a relação social dos
produtores com o trabalho total como uma relação social existente fora deles, entre
objetos. Por meio desse qüiproquó os produtos do trabalho se tornam mercadorias,
coisas físicas, metafísicas ou sociais. (...) Não é mais nada que determinada relação
social entre os próprios homens que para eles aqui assume a forma fantasmagórica
de uma relação entre coisas. (MARX, 1996: 198)

Esse processo de reificação acaba por estabelecer relações com a própria operação
proposta por Leontiev (1978a), uma vez que a cessão do trabalho para o qual não existe uma
identificação, ou mesmo uma reflexão sobre ele, fato esse que transforma o Homem em
objeto. Em síntese, a operação reifica o Homem.
Enfim, ao se repensar na questão, não só da operação, mas da atividade enquanto
base de formação para o desenvolvimento da personalidade, há de se refletir sobre o papel que
cada uma dessas atividades têm na vida das pessoas, isto é, não é necessário apenas que haja
um motivo para a prática da atividade. Deve haver, também, importância dessa prática na vida
de cada um, ou seja, ela deve possuir significado. Desse modo,

A primeira base de personalidade que não pode ser ignorada por


nenhuma concepção psicológica diferencial é a riqueza de vínculos do indivíduo
com o mundo. (...) No plano psicológico expressamos estas relações autênticas
através do conceito de atividade, de seus motivos geradores de sentido, e não na
linguagem dos estímulos e das operações que se cumprem. E isso deve agregar o
que as atividades que constituem a base da personalidade incluem também as
atividades teóricas e que durante o desenvolvimento de seu círculo não só pode
ampliar-se, como também empobrecer-se; na psicologia empírica isto se
denomina ‘estreitamento dos interesses’. (LEONTIEV, 1978a: 170) (Grifo nosso)

Esse aspecto do desenvolvimento voltado para o “estreitamento de interesses”


deve comportar as características de determinadas atividades realizadas, com certeza pelo
66

desenvolvimento de várias ações realizadas por motivos que, em sua origem externa,
encontram-se relacionados com as influências sociais às quais essas pessoas estão submetidas.
Nesse caso específico a atividade física depende, também, do seu grau de hierarquização
perante as outras “atividades” realizadas diariamente. Dessa forma,

Outro parâmetro da personalidade, e além disso mais importante, é o grau de


hierarquização das atividades, de seus motivos. (...) , um grau mais elevado de
hierarquização dos motivos se expressa em que o homem parece comparar suas
ações com o motivo fim que é fundamental para ele e então pode resultar que umas
estão em contradição com este motivo, outras respondem diretamente a ele,
enquanto algumas se desviem do mesmo. (LEONTIEV, 1978a: 171)

Esse grau de hierarquização pode indicar os elementos mais importantes na vida


das pessoas, se elas conseguirem explicar a importância dessa prática em suas vidas. Deve
haver não apenas um bom nível de hierarquização, mas também, um motivo que justifique a
sua existência, a sua prática. Por isso, ao se refletir sobre o papel dessas práticas na vida de
cada um, deve-se repensar o próprio significado das palavras. Assim, a palavra Atividade deve
dar a noção exata da importância da sua realização na vida das pessoas, por haver uma
motivação própria e uma justificativa, uma reflexão que no seu limiar justifiquem a sua
execução.
Por outro lado, a utilização do termo Atividade Física pode sugerir a noção de
algo que seja apenas físico, corporal no seu sentido mais restrito, ou seja, simplesmente o seu
aspecto meramente fisiológico. Ao se meditar sobre isso e remetendo essa reflexão à vida
humana, fica claro, pelo menos dentro do contexto do que foi discutido até aqui, que o corpo
representa algo mais amplo, relativo à própria existência. Ao se buscar essa compreensão,
procura-se dar à prática dos diferentes elementos da cultura corporal um outro significado,
levando na concepção deste trabalho para uma terminologia considerada mais apropriada à da
Atividade Corporal, a qual deve ser passível de explicação a qualquer momento em sua
realização, pois ela deve ser refletida.
Dentro do processo de compreensão do estudo em questão procurou-se, também,
identificar a influência da autoconsciência na realização de Atividades Físicas, verificando até
que ponto pode-se dizer que esses aspectos são operações ou ações. Em outras palavras,
quanto dessa experiência é realmente uma Atividade Corporal, tal qual foi colocado
anteriormente.
67

Para se identificar essa influência, foram utilizadas as três últimas perguntas da


entrevista (Anexo 1), que questionam “quais são as atividades mais importantes na vida das
pessoas”; “Por que do estabelecimento desta ordem de atividades” e, por último, “por que
daquela localização específica da atividades física dentro da seqüência”. As respostas a essas
questões encontram-se respectivamente nas tabelas 2 e 3. Além dessas questões postas na
entrevista, foram acrescentadas outras perguntas no questionário (Anexo III A e B), as quais
são mencionadas nas tabelas 5 e 6. Os resultados encontrados são demonstrados a seguir.
A tabela 2 apresenta as principais atividades da vida das pessoas entrevistadas,
isto é, aquelas atividades que cada uma considera importante no seu dia-a-dia. As mais citadas
foram agrupadas e colocadas na tabela abaixo. Para facilitar essa tarefa, utilizaram-se duas
formas de apresentação dos dados. A primeira foi a menção da atividade e, a segunda, a
pontuação, de acordo com a localização que elas apresentavam, utilizando-se aí a média
aritmética da pontuação (X). Dessa forma, obtém-se a seguinte tabela, para melhor
compreensão dos dados.

Tabela 2: Atividades mais importantes na vida dos Praticantes de Atividade Física, por
Faixa Etária
FAIXA ETÁRIA
Atividades mais TOTAL
20-30 31-40 41-50
importantes
X CLAS. X CLAS. X CLAS. X CLAS.
Trabalho 31,57 1 38,95 1 36,94 1 35,82 1
Atividade Física* 31,57 1 23,54 3 18,61 4 24,57 2
Família 13,57 3 27,70 2 18,88 3 20,05 3
Lazer 13,28 4 21,04 4 21,66 2 18,66 4
Atividades Diversas** 13,14 5 8,95 5 12,22 5 11,43 5
Estudos* 14,42 2 2,29 8 8,88 7 8,53 6
Casa 4,85 6 3,95 6 10,00 6 6,26 7
Religião 3,71 7 2,08 9 6,94 8 4,24 8
Amigos/Namorados 3,42 8 3,54 7 4,16 9 3,70 9
* Apresentam diferença significativa (p < 0,05), segundo o índice de Krusk-Wallis.
** Atividades que não se encaixavam nos outros grupos, tais como: a Saúde, o Descanso, a Alimentação, a
Música, o Equilíbrio, o Kart, entre Outros.
68

O trabalho foi considerado a atividade mais importante na vida das pessoas,


independente da idade. Esse aspecto demonstra que o trabalho pode ser entendido como a
atividade que realmente dá significado à vida das pessoas. Do ponto de vista da
autoconsciência, poder-se-ia dizer que a pessoa se reconhece no trabalho, o que demonstra
que ele continua sendo uma categoria central de análise. Possivelmente, constituía-se uma das
bases da formação da sua personalidade. Entretanto, a sua menção também pode significar
alienação, uma vez que a maioria dessas pessoas são trabalhadoras, fato esse passível de
verificação em uma sociedade que tem como base de sustentação a obtenção do lucro, o que
não é, necessariamente, acessível aos trabalhadores. A análise de correlação feita pelo índice
de Krusk-Wallis, demonstrou que houve diferença significativa (p < 0,05) apenas quanto ao
estudo e à Atividade Física.
Cruzando-se os dados das atividades profissionais exercidas com os grupos que
apontavam o trabalho em primeiro lugar, obtiveram-se os seguintes resultados: profissionais
de Saúde (42,8%); Administrativos (45,8%); do Comércio (28,5%); de Ciências Humanas
(36,3%); Educação (33,3%); de outras profissões (33,3%), consideram o trabalho como a
coisa mais importante de suas vidas. Este aspecto deve levar em conta o fato que, dentro do
modo de produção capitalista, o trabalho tem que ser necessariamente importante, e este
discurso é transmitido para os trabalhadores, pois é o seu trabalho alienado que sustenta o
patrão. Vale registrar que entre as profissões administrativas encontra-se um proprietário,
sendo que ele não apontou o trabalho como a coisa mais importante da sua vida, e sim a
família.
Apesar de o trabalho no capitalismo ser a gênese da alienação das pessoas,
preliminarmente deve-se incluí-lo no âmbito da Atividade, ou seja, da ação, conforme
proposto por Leontiev (1978a), uma vez que dentro do aspecto da hierarquia dos diferentes
elementos do cotidiano ele foi apontado em primeiro lugar. Resta, contudo, analisar o porquê
do trabalho em primeiro lugar, aspecto fundamental dessa compreensão.
A Atividade Física merece dois destaques nessa questão. Primeiro, pelo número
de casos em que aparece em primeiro lugar, e, segundo, os casos onde não foi mencionada
como um aspecto importante.
O fato da Atividade Física ter sido, de acordo com média de pontos geral, a
segunda colocada na ordem das coisas mais importantes na vida das pessoas, demonstra a sua
importância nas práticas diárias de cada um, principalmente na dos adultos jovens, faixa etária
69

que também apresenta o mesmo resultado da média geral. Deve-se registrar, ainda, que, do
total de entrevistados, seis pessoas colocam as práticas corporais como o aspecto mais
importante da sua vida, sendo todas do sexo feminino. Desse grupo, uma pessoa trabalha na
área administrativa; uma, no comércio; três estão na área da educação, sendo uma Professora
de Educação Física e uma em outras atividades profissionais. Dessas, quatro são adultas
jovens (20-30 anos) e duas são adultas médias (31-40 anos). A explicação para isso não parece
fácil de ser dada. Existe, aqui, a possibilidade dessa experiência ter um significado maior na
vida dessas mulheres, podendo ser uma ação ou uma operação. Entretanto, os objetivos mais
direcionados para a estética não permitem se inferir sobre a possibilidade de ação nessas
práticas.
Há de se acrescentar, ainda, que esse levantamento foi realizado dentro de
academias de ginástica, o que pode induzir as pessoas a apresentarem as atividades físicas
prioritariamente sobre as outras. Entretanto, essa hipótese pode ser refutada devido ao número
de casos que Atividade Física é posta em primeiro lugar. Se o local da coleta tivesse
influenciado os dados, provavelmente o número de casos da primeira colocação para essa
variável seria maior.
No segundo caso, da não menção das práticas corporais, encontra-se uma outra
distribuição. No total de 22 pessoas, 6 estão na faixa de 20 a 30 anos; 8, entre os 31 e os 40
anos, e, por fim, 8, de 41 a 50 anos. Em percentuais, esses dados correspondem a 17,14%,
33,33% e 44,44%, respectivamente, estabelecendo, no total, 25,97% da amostragem.
Deve-se discutir, ainda, essa não menção, de acordo com as profissões. Entre
essas, observa-se a seguinte distribuição: na de Saúde, 14,28%; nas profissões
Administrativas, 33,33%; na de Comércio, 42,85%; na de Ciências Humanas, 18,18%; na de
Educação, 22,22%; entre as Outras, 44,44%; com um total, 28,57% do total da amostra. Esses
dados demonstram que a prática de Atividades Físicas não possuem nenhum significado na
vida dessas pessoas, e que, nesse sentido, pode-se afirmar que, em não havendo nenhum
motivo para desenvolver uma ação, se ela não é hierarquicamente importante na vida das
pessoas, e, se mesmo assim aquela prática persiste, isso é provavelmente fruto de alienação e
da reificação do indivíduo, uma vez que essa operação serve apenas para coisificá-lo. Esse
dado pode ser ainda mais preocupante considerando que o grau de instrução dessas pessoas é
bastante alto.
70

Por fim, pode-se procurar entender esse aspecto relacionando-se essa prática com
o gênero dos praticantes. Verificou-se diferença significativa (p < 0,05) entre os sexos, na
medida em que 32,14% das mulheres e 19,04% dos homens não indicaram os exercícios como
importantes na sua vida.
Registra-se que o aspecto central, aqui, não é colocar a Atividade Física em
primeiro plano, mas de considerá-la importante, sobretudo quando os informantes desse
estudo são praticantes de Atividade Física, o que, mais uma vez, leva a inferir sobre um
possível fetiche em relação a esse aspecto na vida das pessoas. Retornando a Leontiev
(1978a), que essa prática não passa de “Operação Física”, indicando não haver importância da
execução para as pessoas. Esses dados podem ser confirmados quando se verifica a definição
dos motivos apontados. Entre os entrevistados, 48,1% das pessoas não tinham clareza do
motivo que as levaram a estabelecer a hierarquia de atividades de sua vida. Muitas respostas
eram dadas apenas com frases como “é a prioridade”, “por ordem de importância” ou
mesmo respondendo que não sabiam dizer o porquê. Apesar de os adultos jovens terem dado
respostas que apresentam uma elaboração mais detalhada a essa pergunta, com 54,3%; nas
outras faixas etárias essa resposta mais detalhada não foi apresentada por metade dos
informantes (50%) dos adultos médios e maduros. Esses elementos tornam-se ainda mais
preocupantes quando se pensa que a imensa maioria possui nível universitário.
Ao se cruzarem os dados entre o sexo e os motivos pelos quais estabeleceram a
ordem de importância, a maioria das mulheres apresentam respostas sem definição clara,
51,78%; enquanto entre os homens (38,09%) teve-se esse mesmo resultado. Retomando a
discussão sobre a necessidade de hierarquização das atividades e o motivo para elas, as
mulheres demonstram um nível de realização de operações maior se comparadas aos homens,
uma vez que as suas respostas não definem claramente o porque da hierarquia apresentada.
A Tabela 3 apresenta o porquê da localização da Atividade Física entre as
atividades mais importantes na vida das pessoas. Várias respostas surgiram. Muitos diziam
apenas que é “porque é importante”, ou ainda “porque é sinônimo de saúde”. Outras
pessoas, sobretudo as que não tinham mencionado a Atividade Física como sendo importante
para elas, mas não só elas, diziam que a atividade física era saúde ou lazer, que estava no
mesmo âmbito desses objetivos, entre outras. Cinco pessoas (6,49%) responderam não saber
71

porque fazem; outras quatro (5,19%) fazem por “obrigação”, pois a prática corporal não é
uma coisa que dá “prazer”, e, ainda, 34 pessoas (44,16%) dizem que existem coisas mais
importantes em sua vida.

Tabela 3: Motivo referido pelos Praticantes de Atividade Física para a posição desta prática
em sua vida, por Faixa Etária*
FAIXA ETÁRIA
O porque da localização entre as coisas mais TOTAL
20-30 31-40 41-50
importantes
f % f % f % f %
Outros aspectos são mais importantes 14 40 14 58,3 6 37,5 34 44,1
Por gostar e se sentir bem 9 25,7 5 20,8 7 43,7 21 27,2
Por saúde 9 25,7 1 4,1 2 12,5 12 15,5
Por estética 3 8,5 0 0 0 0 3 3,8
Porque é perto de casa 1 2,8 0 0 1 6,2 2 2,5
Atividade física é uma rotina de vida, sem prazer 1 2,8 2 8,3 1 6,2 4 5,1
Não Sabe 3 8,5 2 8,3 0 0 5 6,4
* Foi dada mais de uma resposta a esta pergunta

A partir dos dados da tabela 3 percebe-se que os adultos jovens e médios indicam
ter coisas mais importantes na vida. Porém, entre os adultos maduros, 43, 75% afirmam prazer
em realizar a atividade física o que pode ser um índex de boa relação deles com aquilo que
estão praticando. Também chama a atenção o fato de adultos jovens e médios não saberem
porque localizam a atividade física entre as coisas mais importantes. Ademais, em todos os
grupos destaca-se o fato de existirem pessoas que entendem a Atividade Física como uma
rotina, algo que fazem sem prazer.
Nesses casos, é redundante falar da prática de Operações Físicas, e não de Ações
e/ou Atividades. Todavia, esses aspectos representam, provavelmente, níveis de alienação em
relação a esses elementos, entendendo que as pessoas não conseguem a sua subjetivação
naquilo que realizam, ou seja, existe uma objetivação sem retorno na relação sujeito – objeto.
Além das perguntas utilizadas na entrevista, também foram levantadas questões
relativas à autoconsciência no questionário (Anexo III A e B). Nesse instrumento, buscou-se

identificar a partir de uma medida escalar (a qual variava de 0 a 5 pontos), o nível


72

complementar dessa variável. Deve-se apontar ainda que, para essa questão, a pontuação em
relação às demais perguntas utilizadas neste questionário eram invertidas. Em todas as outras
afirmações, quanto mais as pessoas se aproximavam do parâmetro “concordo totalmente”,
maior era a pontuação, ou seja, se para uma afirmação qualquer, a pessoa marcasse “concordo
totalmente”, na hora da análise a sua pontuação era de 5 pontos. Contudo, em relação às
perguntas presentes nas tabelas 4 e 5, menor era o valor a elas atribuído. Assim, se a pessoa
marcasse “concordo totalmente”, ela obteria 1 ponto apenas, pois se entendeu que, nesse caso,
quanto mais ela concordasse, menor seria a consciência de si própria.
Os dados foram analisados a partir das médias entre os praticantes de atividade
física encontradas de acordo com a idade. Os valores encontrados, nas respostas aos
questionários (A e B) são apresentados nas tabelas 4 e 5.

Tabela 4: Influência da Autoconsciência dos Praticantes de Atividade Física, por Faixa


Etária.*
FAIXA ETÁRIA
De uma forma geral a atividade física contribui para:
20-30 31-40 41-50
1. As pessoas gostarem mais de si mesmas 1,57 1,14 1,16
2. Encontrar o equilíbrio pessoal 1,42 1,45 1,27
3. Melhorar a aceitação social ou grupal 2,71 2,12 2,50
4. Ter consciência do próprio corpo 1,37 1,66 1,61
* Respostas relativas ao Questionário III-A.

Na tabela 4, torna-se bastante evidente que, ao considerar as respostas associadas à


autoconsciência, a média das respostas pode ser considerada baixa, pois apenas na pergunta
relativa à melhoria na aceitação social e grupal é que se percebe uma pequena variação no
nível das respostas. Em nenhum dos casos aqui houve diferença significativa das respostas
entre os grupos. Deve-se destacar, inclusive, o fato da Atividade Corporal poder contribuir
para a melhoria da consciência sobre o próprio corpo, aspecto, que aparentemente, não é uma
preocupação dos praticantes e de quem trabalha com eles.
Quando questionados sobre o que de forma geral leva as pessoas a praticarem
Atividades Físicas, obtiveram-se os resultados presentes na tabela 5.

Tabela 5: Autoconsciência dos Praticantes de Atividade Física, por Faixa Etária.*


73

FAIXA ETÁRIA
De uma forma geral as pessoas praticam Atividade Física ...
20-30 31-40 41-50
1. Para conhecer o próprio corpo 1,65 2,08 1,88
2. Para se disciplinarem física e/ou mentalmente 1,51 1,79 0,77
3. Para se tornarem o centro das atenções durante a aula 3,80 4,08 4,05
4. Porque dá status socialmente dentro do grupo 3,31 3,50 3,44
* Respostas relativas ao Questionário III-B.
Conforme se percebe na tabela 5, assim como na tabela 4, o nível de
autoconsciência pode ser considerado baixo a partir das médias obtidas. Esses dados
demonstram que a consciência de si é o último aspecto que influencia a realização de práticas
corporais. É importante perceber, aqui, ao menos um ponto positivo. Ao se perguntar se as
pessoas realizam exercícios para se tornarem o centro das atenções, em todos os grupos
etários as respostas foram de que “esse não era um aspecto importante”. Se, por um lado, não
se pode dizer que a autoconsciência é um aspecto importante na vida das pessoas, por outro,
ao menos nessa resposta, pode-se dizer que elas não têm a necessidade de serem o centro das
atenções para se sentirem felizes. Mesmo que a teoria proposta por Leontiev não faça essa
discussão, ao menos pode-se inferir sobre um nível de autoconsciência que também não é o
último do mundo.
Como consideração preliminar, é importante se dizer: a autoconsciência, enquanto
causa para a realização de Atividades Físicas, não é um aspecto importante para quem procura
realizar atividades físicas nas academias pesquisadas. Porém, pode-se dizer que as pessoas
aparentam possuir um certo nível de conhecimento de si, porquanto não haver a necessidade
de se tornarem o centro das atenções para poder se perceber enquanto pessoa pertencente a um
determinado grupo social. Apesar de essas pessoas não se objetivarem em suas relações de
trabalho e não terem clareza da hierarquização de suas atividades cotidianas, deve-se
considerar, sobre a autoconsciência, que esse é um tema que deve ser mais estudado no
âmbito da Educação Física, pois o desenvolvimento da consciência de si e das condições
materiais postas, principalmente no trabalho, devem ser constantemente questionadas e
repensadas, porquanto é papel de qualquer profissional que atue com práticas pedagógicas
buscar o desenvolvimento de seus alunos, principalmente no que diz respeito ao
conhecimento e à consciência de si.
74

3. O Corpo no Mundo: a relação entre o indivíduo, a sociedade e a mídia.

Identificada a relação do homem com a natureza através do corpo e do


desenvolvimento da consciência de si, a autoconsciência, faz-se necessário refletir sobre
outras relações postas ao ser humano. Tanto a natureza como a própria consciência humana
são forjadas no desenvolvimento das relações de produção e, por isso, a cada vez que esses
processos produtivos sofrem alterações, principalmente se eles abandonam a maior parte dos
paradigmas do modelo anterior ao que se está estabelecendo, novas exigências são postas,
gerando novas relações entre cada ser e a sociedade na qual está inserido.
Nesse processo de inserção no trabalho, existem, contudo, dois interesses bastante
distintos. De um lado, os interesses dos burgueses, os donos dos meios de produção que
traçam metas para a obtenção de lucros e geração de capital, o qual só acontece a partir do
processo de expropriação da mão-de-obra. Marx chama esse processo de mais-valia, que é
explicado pelo pagamento ao trabalhador de um valor menor do que o da mercadoria
produzida. O restante é acumulado na forma de capital para a sua empresa. Em outras
palavras, é deixando de pagar o valor devido ao trabalhador que se torna possível a aquisição
de riquezas pelo patrão. Essa discussão deve ser realizada, sobretudo, em relação à idade
adulta, por ser esse o período da vida onde se estabelece a inserção do adulto “normal” no
mercado de trabalho.
Nesse ínterim, o trabalho tem que ser vivo, ou seja, é necessária a obra do
Homem, da sua ação propriamente dita, que se expressa o movimento do ser humano. O
movimento que representa a própria vida é, de certa forma, o utensílio utilizado para
transformar o meio onde se vive, pois só através dele é possível a plena expressão do Homem.

No processo dialético da transformação é que o movimento humano se evidencia em todas as


suas dimensões, produzindo a história de toda a natureza e, consequentemente, do próprio
Homem enquanto um ser natural, como diria Marx & Engels (1971).
Por outro lado, existe o interesse do trabalhador. Esse, por sua vez, como não
possui condições de produzir a sua própria mercadoria e vendê-la, dispõe daquilo que lhe é
possível adotar enquanto tal – mercadoria – a sua própria força de trabalho. Ele coloca à
disposição do patrão aquilo que ele tem condição de vender, o seu conhecimento e a sua
experiência. Todavia, essa troca que ele, trabalhador, faz para a sua sobrevivência é feita a
75

partir de regras impostas pelos patrões, que buscam adquirir para si o máximo de capital
possível. Essa tarefa contudo não é fácil, pois é necessário que sejam postos ao trabalhador
determinadas idéias e objetivos que atendam aos interesses do capital, uma vez que a
produção das mercadorias depende de seu consumo. Para isso, é importante que as duas
classes sociais, os burgueses e os trabalhadores, se disponham a gastar aquilo que ganham
com o seu salário, nas mercadorias postas à venda. É essencial que se torne claro que as
pressões que a sociedade exerce sobre cada indivíduo podem ser feitas de formas
diferenciadas em relação à disciplina, à ordem, e ao bom funcionamento social onde a meta
central é a manutenção da lógica do sistema. Nesse aspecto,

Todos os meios da cultura de massas servem para reforçar as


pressões sociais sobre a individualidade, evitando todas as possibilidades de que o
indivíduo se preserve de algum modo em face dos mecanismos pulverizadores da
sociedade. A acentuação do heroísmo individual e do self-made man nas biografias
e nos romances e filmes pseudo-românticos não invalidam essa observação. Esses
incentivos mecânicos de auto-conservação na verdade aceleram a dissolução da
individualidade. (HORKHEIMER, 1976: 169).

São justamente os chamados “elementos da cultura de massa” que mais tarde


Adorno & Horkheimer (1985) vão chamar de Indústria Cultural – como forma de distinção
entre a arte popular e a “arte” produzida pelas diferentes fábricas de diversão – que vão
exercer um papel fundamental no disciplinamento do trabalhador, através de fórmulas cada
vez mais iguais, vinculadas à lógica do processo produtivo, que serão utilizadas como maneira
de racionalizar todas as demais relações sociais.
A “Indústria Cultural” pode ser entendida como um instrumento de pressão da
sociedade sobre o indivíduo através da utilização de elementos culturais que se tornam
acessíveis pelo cinema, pela televisão e por outros meios de comunicação de massa. Esses são
utilizados como formas de cooptarem os indivíduos para uma atuação de acordo com os
interesses e as necessidades do modo de produção, fazendo a lógica industrial prevalecer não
apenas nos momentos de trabalho, como também nas horas de repouso de cada pessoa.
Além disso, existe a tarefa de venda das mercadorias e da adesão, principalmente
dos trabalhadores à lógica do capital, através da indústria cultural. Esse é um instrumento
bastante forte na tentativa de manipulação das vontades de cada um pela sociedade, gerando
necessariamente uma tensão entre o indivíduo e o seu meio social.
Para se compreender melhor como esse processo ocorre, é necessário discutir um
elemento importante dentro do modo de produção capitalista: a alienação. Depois,
76

discutir-se-á como aparece o indivíduo nesse processo, além de algumas contradições na qual
ele está constantemente inserido. Ao final, pretende-se verticalizar a constituição da indústria
cultural propriamente dita, identificando qual é o seu papel na sociedade capitalista atual.
A ascensão da burguesia e as transformações ocorridas na esfera da produção
material possibilitaram o advento da produção em larga escala que substituiu o artesanato.
Esse processo foi acelerado pela Revolução Industrial na Inglaterra, cujo processo, quando
associado à revolução Burguesa na França, foi denominado por Hobsbawm (1977) de “Dupla
Revolução”.
Entretanto, para a difusão desses dois processos, era necessário o suporte de uma
nova forma de conhecimento, possibilitada pelo iluminismo. Esse, por sua vez, procurou
superar a metafísica, pela explicação dos diversos fenômenos da natureza, bem como das
relações sociais. Esse fato veio substituir os dogmas de fé impostos pela teologia ditada pela
Igreja Católica, pela comprovação dos fenômenos observáveis nas ciências naturais. Sendo
assim, os homens só poderiam tornar-se iguais a partir do momento que se “iluminassem”,
fossem “esclarecidos”, garantindo a capacidade de explicar o mundo pelo estudo científico,
tornando os homens livres do seu infortúnio de serem servos eternos dos senhores feudais,
bem como da vontade divina. Foi colocado, na mão de cada um, o seu destino e os rumos da
sua vida.
Por sua vez, coube à ciência contribuir para a revolução industrial na Inglaterra,
pela substituição do trabalho manual pelo trabalho mecanizado. Com o surgimento da
necessidade de uma produção cada vez mais acelerada, foi-se configurando lentamente a
associação entre a indústria e a ciência, favorecendo cada vez mais o aparecimento do lucro.
Esse processo impossibilitava ao trabalhador adquirir o objeto que ele produz, quando era ele
que dava vida à mercadoria, perdendo-se dela. Por outro lado, esse bem produzido tornava-se
um objeto estranho ao operário, acontecendo o que Marx (1967) chama de trabalho alienado.
Esse autor nos explica esse termo dizendo:

(A alienação do trabalhador em seu objeto é expressa da maneira


seguinte, nas leis da Economia Política: quanto mais o trabalhador produz, tanto
menos tem para consumir; quanto mais valor ele cria, tanto menos valioso se torna;
quanto mais aperfeiçoado seu produto, tanto mais grosseiro e informe o
trabalhador; quanto mais civilizado o produto, tanto menos bárbaro o trabalhador;
quanto mais poderoso o trabalho, tão mais frágil o trabalhador; quanto mais
inteligência revela o trabalho, tanto mais o trabalhador decai em inteligência e se
torna um escravo da natureza.) (...)
Até aqui consideramos a alienação do trabalhador somente um
aspecto, qual seja o de sua relação com os produtos de seu trabalho. Não obstante a
77

alienação aparece não só como resultado, mas também como processo de


produção, dentro da própria atividade produtiva. (...) A alienação do objeto do
trabalho simplesmente resume a alienação da própria atividade do trabalho.”
(MARX, 1967: 92-3) (Grifo do Autor)

Esse conceito de alienação do trabalho é importante para demonstrar que, na


realidade, o proletariado não consegue, pelas condições de trabalho impostas e pelo salário
que recebe por aquilo que produz, apropriar-se da mercadoria que fabrica, tornando-se
totalmente estranho a ela. Isso faz com que a mercadoria produzida, por mais que seja
“necessária” à sua subsistência, não possa ser por ele adquirida. Entretanto, esse não é o único
conceito de alienação trabalhado por Marx. Ele discute esse conceito também de outra forma,
que se torna mais importante, para a construção do presente estudo. Por isso, deve-se destacar
primeiramente o fato de

... ser o trabalho externo ao trabalhador, não fazer parte de sua natureza, e, por
conseguinte, ele não se realizar em seu trabalho mas negar a si mesmo, ter um
sentimento de sofrimento em vez de bem-estar, não desenvolver livremente suas
energias mentais e físicas mas ficar fisicamente exausto e mentalmente deprimido.
O trabalhador, portanto, só se sente à vontade em seu tempo de Folga, enquanto
no trabalho se sente contrafeito. Seu trabalho não é voluntário, porém imposto, é
trabalho forçado. Ele não é satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio
para satisfazer outras necessidades. Seu caráter alienado é claramente atestado
pelo fato de, logo que não haja compulsão física ou outra qualquer, ser evitado
como uma praga. O trabalho exteriorizado, trabalho em que o homem se aliena a si
mesmo, é um trabalho de sacrifício próprio, de mortificação. Por fim, o caráter
exteriorizado do trabalho para o trabalhador é demonstrado por não ser o
trabalho dele mesmo mas trabalho para outrem, por no trabalho ele não se
pertencer a si mesmo mas sim a outra pessoa. (MARX, 1983: 97) (Grifo nosso)

A alienação torna-se, aqui, a exteriorização da objetividade da mercadoria


produzida. Isso significa dizer que, para o trabalhador, o fruto do seu suor não lhe pertence,
pois adquire uma vida própria, que não é a vida para o trabalhador, mas vida para ela – a
mercadoria – e para outrem, o patrão que se apropria dos bens produzidos como seus.
Com isso, a sociedade capitalista acaba mantendo o seu curso, não apenas na sua
forma de produção, mas também na reprodução de suas relações, entendendo-se, porém, que a
própria produção reproduz os estados de trabalho e assim como as relações sociais. Por causa
disso, a partir da instauração desse modo de produção, revolucionário em seu primeiro
momento, precisam-se criar condições para que ela se mantenha, adquirindo aliados
poderosos para a sua manutenção. Um dos aliados centrais dos princípios burgueses desde o
primeiro momento é a ciência. Essa, a seu tempo, passa não só a explicar os fenômenos
78

naturais, através de leis imutáveis, já que são leis da própria natureza. Sobre as ciências
naturais Marx & Engels (1971) dizem que

... em particular, da concepção de ciência da natureza, evoca segredos que só se


revelam aos olhos do físico e do químico. Mas onde estaria a ciência da natureza,
sem o comércio e a indústria? Mesmo a ciência da natureza, considerada ‘pura’,
não extrai sua finalidade e seus materiais exclusivamente do comércio e da
indústria, da atividade material dos homens? (p. 42)

A burguesia se utiliza da lógica científica para explicar vários fenômenos sociais


por meio dessas mesmas leis. Sendo assim, não só a nova classe que assumia o poder, como a
própria ciência partindo do positivismo, transformam-se em elementos contra-revolucionários,
criando estratégias para: a) aumentar os lucros, não só utilizando como promovendo as
descobertas científicas que propiciem a descoberta e o aprimoramento do maquinário
industrial; b) explicar as diferenças biológicas e psicológicas entre as classes, pelas
disparidades individuais que são “detectadas cientificamente”, concorrendo para que essa
diversidade não só se mantenha, como aumente.
Dentro desse novo paradigma dominado pelo poder do capital, há uma certa
necessidade de adesão, sobretudo do proletariado, a essa nova forma de organização, tendo
que existirem mecanismos que convençam cada sujeito a: 1) produzir cada vez mais dentro da
sua atividade para que o processo de circulação de mercadoria e prestação de serviços,
propicie um maior acúmulo de capital e; 2) convencer que cada mercadoria produzida possui
um valor de uso inestimável, e que por isso precisa ser adquirido, gerando o “fetiche”, onde
cada bem de consumo seduz devido às suas características totalmente diferenciadas, fazendo
de seu usuário um indivíduo único.
Toda essa sedução do consumidor pelo produto depende de uma outra força que
seja capaz de levá-lo a adquirir as mercadorias mais inúteis e ineficientes. Passam-se a adotar
os elementos possíveis pela Indústria Cultural (IC), que consegue saber exatamente como as
pessoas pensam, e como convencê-las a realizar seu desejo, adquirindo os produtos da moda.
Contudo, esse elemento só se torna capaz de agir face ao aparecimento do indivíduo, enquanto
possuidor de autonomia e identidade próprias. Esse processo se faz na medida que se
estabelece a relação do ser individual com o seu meio de existência e relações. Dessa maneira,
pode-se afirmar que:

Atualmente a função do termo ‘indivíduo’ consiste em expressar a idéia de que todo


ser humano do mundo é ou deve ser uma entidade autônoma e, ao mesmo tempo, de
79

que cada ser humano é, em certos aspectos, diferente de todos os demais, e talvez
deva sê-lo. (ELIAS, 1994: 130)

Ao se pensar o ser humano enquanto um ser individual, diferente dos demais de


sua espécie, coloca-se em suas mãos a possibilidade de decidir por si os rumos de sua vida,
independentemente dos rumos adotados pelo seu grupo de referência. Esse poder, posto na
mão das pessoas, vai interferir naquilo que Elias (1994) chama de balança na identidade nós –
eu. Essa balança é definida como a relação que se estabelece entre a identidade definida nas
características grupais, sejam elas familiares, regionais, nacionais e internacionais, definidas
por esse autor como identidade-nós, e as características pessoais quanto aos aspectos físicos e
psicológicos específicos de cada um, definidos como a identidade-eu.
Essa mudança na postura estabelecida na relação entre o indivíduo e seu grupo é
diferente, dependendo da situação de cada grupo dentro do contexto sócio-histórico mais
amplo. Assim, a força que o grupo exerce sobre cada membro é inversamente proporcional ao
seu nível de desenvolvimento sócio-econômico, ou seja, quanto mais desenvolvida é uma
sociedade, menor é o grau de identidade que se estabelece com o grupo de referência,
reduzindo o papel da identidade-nós no autoconceito individual.
Esse fato pode ser justificado pelo poder que a sociedade exercia sobre cada um,
pois os interesses do grupo estavam acima dos interesses de cada pessoa especificamente.
Esse quadro começa a mudar, provavelmente quando Descartes diz “penso, logo existo”, o
que vai dar ao ser humano a noção de sua existência no mundo. Adorno & Horkheimer (1973)
irão apontar que

O indivíduo surge, de certo modo, quando estabelece o seu eu e


eleva o ser-para-si, a sua unicidade, à categoria de verdadeira
determinação. Antes, a linguagem filosófica e a linguagem comum
indicavam tudo isso mediante a palavra ‘auto-consciência’. Só é indivíduo
aquele que se diferencia a si mesmo dos interesses e pontos de vista dos
outros, faz-se substância de si mesmo, estabelece como norma a
auto-preservação e o desenvolvimento próprio. E não é mero acidente
fortuito que só por volta do século XVIII a palavra ‘indivíduo’ tenha
passado a designar o homem singular, e que a própria coisa não seja muito
mais antiga do que a palavra, dado que só começou a existir nos alvores do
Renascimento. (ADORNO & HORKHEIMER, 1973: 52)

O processo de constituição da individualidade coloca o homem em uma nova


encruzilhada desenvolvendo uma outra tensão, entre os interesses de um novo modo de
produção que se está firmando; os interesses da sociedade enquanto coletividade, e, por
80

último, os desejos do próprio indivíduo, enquanto o novo dono e senhor do seu próprio
destino. Dentro dessa tensão, no entanto, o

... indivíduo burguês não se via necessariamente como oposto à coletividade, mas
acreditava ou estava fortemente inclinado a acreditar ser ele o membro de uma
sociedade que só podia atingir o mais alto grau de harmonia através da competição
irrestrita dos interesses individuais. (HORKHEIMER, 1976: 150)

Nota-se que dentro dos princípios liberais, sobretudo da “burguesia em si”, não
havia necessariamente contraposição entre os interesses individuais e coletivos, pois o
“(...)indivíduo totalmente desenvolvido é a consumação de uma sociedade totalmente
desenvolvida” (Horkheimer, 1976: 146). Nesse sentido, toda a possibilidade de
desenvolvimento social está associada na relação da sociedade com o indivíduo. Esse é o
paradigma social fundamental do liberalismo, o “individualismo”, que se contrapõe ao
socialismo, onde a priori os interesses coletivos prevalecem sobre os individuais.
O “excesso de autonomia” poderia levar o indivíduo a questionar as suas
condições de trabalho, de vida e seu salário, que é cada vez mais insuficiente para mantê-lo.
Isso poderia gerar desordem e, consequentemente, romper a ordem estabelecida, que fazia
com que esse “organismo social” funcionasse tão bem. Desse modo, uma nova perda de
identidade se fazia necessária para que o sistema mantivesse a sua saúde. Assim, o novo
discurso do interesse da coletividade atuava de maneira ideológica para que os acontecimentos
futuros deixassem as coisas exatamente com estavam anteriormente, ou seja, com a burguesia
mantendo-se no poder por mais algum tempo. Começava assim, por necessidade da
manutenção do status quo, a se desenvolver um processo inverso ao que vinha acontecendo,
que é exatamente entre a descaracterização do indivíduo enquanto um ser único e,
evidentemente, que o indivíduo só se reconheça enquanto um ser social. É como se diz

... o homem se espelha primeiro em outro homem. Só por meio da relação com o
homem Paulo, como seu semelhante, reconhece-se o homem Pedro a si mesmo
como homem. Com isso vale para ele também o Paulo, com pele e cabelos, em sua
corporalidade paulínica, como forma de manifestação do gênero humano. (MARX,
1996: 181).

Ocorre, contudo, uma pequena diferenciação entre o ser individual que surge no
capitalismo, enquanto um modo de produção que procura se fixar, e no capitalismo, enquanto
modo de produção que busca reproduzir-se nas relações sociais. No primeiro, pode-se apontar
81

o indivíduo enquanto um ser dotado de individuação (crítico e participante das decisões que
regem sua vida); já no segundo momento, o ser se torna individualização (apático, isolado e
sem condição de decidir o rumo de sua vida; um ser diferente e igual a todos os outros). Esse
ser se desenvolve

... quando a sociedade passou a exercer uma tremenda pressão sobre o indivíduo e
as reações individuais são contidas em limites muito reduzidos, sendo as
considerações sociológicas freqüentemente preteridas pelas de ordem psicológica.
Quanto menos são indivíduos, tanto maior é o individualismo. (ADORNO &
HORKHEIMER, 1973: 53).

É essa pressão que contribui para que cada pessoa passe a tomar conta daquilo que
é de seu interesse, e não daquilo que é interesse coletivo. Sendo assim, o sujeito desse tempo,
e também o sujeito do tempo que se segue, no século XX, é aquele que tem cada vez menos
controle sobre sua vida e o seu destino, pois nesse momento todas as certezas e incertezas são
reguladas pelo mercado, que tem a sua lógica própria e constituída de uma racionalidade
pragmática e perversa.
Dessa maneira, sem se perceber, continua-se vinculado ao processo de exploração
necessário para a manutenção do sistema produtivo, político e cultural, pois se pretende

... subordinar da mesma maneira todos os setores da produção espiritual a este fim
único: ocupar os sentidos dos homens da saída da fábrica, à noitinha, até a
chegada ao relógio de ponto, na manhã seguinte, com o selo da tarefa de que
devem se ocupar durante o dia (...). (Adorno & Horkheimer, 1985: 123)

Essa lógica se mantém porque os meios de comunicação (mídia) utilizam, em


todos os programas, os mesmos mecanismos de reprodução adotados dentro das empresas. As
ações são, na realidade, repetitivas e sem possibilidade de se vislumbrarem perspectivas
diferenciadas de atuação, pois a forma de realizar cada trabalho já vem pronta nos manuais de
montagem das máquinas, na mesma linha de raciocínio mantida nos momentos de lazer. O
fato é que as fórmulas utilizadas em cada tipo de filme, de programa, de livro, ou qualquer
outro veículo que possa ser utilizado nos momentos de lazer, são feitos para permitir um
“descanso” ao trabalhador, pela não necessidade de raciocínio sobre o que está sendo
consumido.
Por outro lado, todos os “produtos” passam pelo crivo da censura, para não
utilizarem elementos que possam despertar uma reflexão mais profunda a respeito das
82

condições de vida e das contradições sociais, mas, caso esses mecanismos de meditação sejam
adotados, deve-se fazê-lo causando indignação momentânea e, jamais, através de ações com
capacidade de colocar em risco a “segurança” da sociedade. Não se torna possível utilizar
qualquer mercadoria que não seja sinônimo de lucro e venda garantida.
Para fazer funcionar esse aparato, a sociedade capitalista passa a produzir um
modelo de “arte” a ser consumida com facilidade, propiciando uma identificação do indivíduo
com o que ele escuta ou vê. Assim, busca-se não a arte que se pretende popular, mas a
vinculação imediata entre sujeito e o objeto (produto). Torna-se, então, vantajoso, do ponto de
vista econômico, produzir “arte” e obter lucros enormes em cima disso. Um exemplo clássico
são os “famosos” filmes de Hollywood, onde em cada produção gastam-se cifras
astronômicas, as quais, em contrapartida, conforme o loby feito em cima das fitas, cada
centavo gasto é recuperado em menos de um ano, a um custo muito baixo para se ver a mais
nova obra-prima do cinema, um verdadeiro “campeão de bilheteria”.
Além do mais, a eterna semelhança entre as estórias faz dos espectadores mais
atentos experts em desvendar o final feliz de cada enredo. Busca-se, assim, levar cada sujeito
a uma situação de suspense extremamente segura e confortável. Isso ajuda a transformar cada
espectador em um sujeito passivo perante o enredo apresentado, o que não acontece apenas
em relação ao cinema, mas também à televisão, que poderíamos entender enquanto uma coisa
mais viva, se forem levados em conta os telejornais, que apresentam diariamente “as notícias
do dia no Brasil e no Mundo”. Essa passividade atua como uma “substância analgésica” sobre
as emoções, transformando cada reação individual em puro espanto e apatia, o que
corresponde a uma certa inércia no espectador face aos fatos apresentados. Todavia, Rudiger
(1997) menciona que, na realidade, essa assistência passiva não existe, pois as pessoas têm
plena consciência que os meios de comunicação de massa procuram enganá-las, fato este com
o qual se deve concordar. Dessa forma, cada um consegue distinguir o que é bom do que é
ruim. Esse autor destaca,

Conforme Adorno chama a atenção, contrariamente ao suposto por


seus críticos, a aparelhagem cultural moderna lida com uma ‘audiência desiludida,
alerta e difícil de convencer’ (1991: 139). A civilização moderna não fez os homens
senhores de sua vida. No entanto os tirou da alienação. A subjetivização da razão
tornou-os mais conscientes de sua situação, e os avanços nos meios de informação
ampliaram os seus conhecimentos. (RUDIGER, 1997: 137)
83

Esse comentário de Rudiger parece questionar a idéia de “passividade da


audiência” de Adorno. O que se tem por certo é que, de qualquer forma, esse sujeito crítico
possui ao menos uma condição mínima de “separar o joio do trigo”. Por essa interpretação,
essa “audiência desiludida” tenderá a não aceitar de forma passiva como parece em um
primeiro momento. Teria uma possibilidade de resistência aos produtos da indústria cultural
muito maior do que se pode parecer a priori.
Sobre essa tendência, Adorno & Horkheimer (1985: 135) mostram que na “(...)
era da estatística, as massas estão muito escaldadas para se identificar com o milionário na
tela, mas muito embrutecidas para se desviar um milímetro sequer da lei do grande número.”
Há de se ressaltar, contudo, a indústria cultural como um dos instrumentos de sedução social,
a qual possui força e conhecimento suficiente para interferir na vontade das pessoas, pois ao
que tudo indica, ela (IC) sabe perfeitamente os pontos fracos do seu público-alvo. Na
realidade, essa contaminação acontece no seu nascimento, haja vista que se a televisão não
conseguir influenciar tanto assim as pessoas, o que é um ponto bastante questionável, os
grupos sociais, aos quais cada um se afilia, estão permeados pela lógica do sistema onde a
produção em série dos produtos tem que ter uma circulação considerável. Para que isso
aconteça, o processo de massificação social onde as pessoas pensam e atuam no conjunto
(massa) de uma forma diferenciada daquilo que elas acreditam, individualmente, será um
mecanismo essencial dentro desse processo.
Assim sendo, uma das principais funções da indústria cultural será justamente
contribuir para a geração de bens de consumo que possam ser utilizados de forma
generalizada, como já foi exposto anteriormente. Não só nos momentos de trabalho, mas
também no lazer do trabalhador, isso vai afetar não apenas a produção de roupas e calçados,
entre outros, mas também a produção de programas de vários gêneros, além das músicas que
atendem não só a preferência popular, como são produzidas especificamente para esse fim,
pois nos programas dominicais da televisão e nos programas diários nas rádios, prevalece o
gênero musical mais divulgado no momento. Se nesse sentido é possível fazer um paralelo,
por exemplo, entre a música atual e alguns comentários sobre o jazz, poder-se-ia dizer que a

... masoquista cultura de massas constitui a manifestação necessária da própria


produção onipotente. A ocupação efetiva do valor de troca não constitui nenhuma
transubstanciação mística. Corresponde ao comportamento do prisioneiro que ama
sua cela porque não lhe é permitido amar outra coisa. A renúncia à individualidade
que se amolda a regularidade rotineira daquilo que tem sucesso, bem como o fazer
o que todos fazem, seguem-se do fato básico de que a produção padronizada de
bens de consumo oferece praticamente os mesmos produtos a todo cidadão. Por
84

outra parte, a necessidade, imposta pelas leis do mercado, de ocultar tal equação
conduz a manipulação do gosto e à aparência individual da cultura oficial, a qual
forçosamente aumenta na proporção em que se agiganta o processo de liquidação
do indivíduo. (...) A igualdade dos produtos oferecidos, que todos devem aceitar,
mascara-se no rigor de um estilo que se proclama universalmente obrigatório; a
ficção da relação de oferta e procura perpetua-se nas nuanças pseudo-individuais.
Se contestamos a validade do gosto na situação atual, é muito fácil compreender de
que se compõe na verdade este gosto em tal situação. (ADORNO, 1999: 80)

Todavia, esse dado está relacionado com a reprodutibilidade técnica de cada


produto lançado, pois quanto maior a sua capacidade de reprodução (tanto do ponto de vista
técnico, como do ponto de vista de valores e relações sociais), melhor se torna o produto, o
que pode ser discutido por dois enfoques diferenciados. O primeiro está relacionado à
produção de mercadorias, entendendo aqui o termo “indústria” cultural como mais um
elemento onde a obtenção de lucro é importante. Utilizam tanto o trabalho vivo – onde se
utiliza o ser humano na produção propriamente dita – como o morto, este mais relacionado à
realização de trabalho por máquinas e equipamentos que substituem um maior efetivo de
funcionários, sendo ainda essa forma de trabalho aumentada pelo desenvolvimento técnico,
que cria condições mais adequadas para a obtenção do capital.
O segundo fator, relacionado à reprodutibilidade técnica, refere-se à utilização de
valores específicos desse padrão social que se mantém de maneira ideológica, sendo que os
indivíduos se apropriam de idéias e valores sociais que na realidade não lhes pertencem.
Entendendo-se aqui o termo enquanto uma falsa consciência que não deixa de estar permeada
inclusive pela alienação, que se estabelece no processo produtivo e, que já foi discutido
anteriormente. Destarte, há de se perceber que o indivíduo individualiza-se cada vez mais, não
em benefício da coletividade, mas da manutenção do capitalismo, enquanto processo de
produção dominante.
Está em causa o declínio da individualidade, enquanto individuação, se for levado
em conta que atualmente a racionalidade instaurada na sociedade tenta formar um indivíduo
totalmente acrítico, sem capacidade de definir seus próprios rumos, tanto do ponto de vista
financeiro como do ponto de vista político, social e cultural.
Sobre isso, Adorno & Horkheimer (1985: 143) apontam a “(...) possibilidade de
tornar-se sujeito econômico, um empresário, um proprietário, está completamente
liquidada.”. Mostra-se, assim, que a promessa da revolução burguesa de igualdade entre os
indivíduos está vinculada ao conceito da igualdade clonada de uma sociedade onde os valores
produzidos, e sobretudo as mercadorias consumidas, fazem de todos “irmãos gêmeos” que, ao
85

invés do que disse Marx, cada um só se reconhece em si mesmo e só se identifica no outro


através das marcas que utiliza, ou seja, a identificação imediata que se estabelece não é na
relação entre homens, mas na relação entre mercadorias.
Como último ponto importante no entendimento da indústria cultural, está
provavelmente a questão dessa massificação onde a subjetividade se torna fragmentada, pois a
rede formada pelo capitalismo leva cada ser a duas formas diferenciadas de existência: como
trabalhador e como consumidor. Enquanto trabalhador, o sujeito está totalmente subsumido à
lógica do modo de produção, onde todos os seus passos precisam ser controlados para não
haver maiores interferências na produção. E é por isso, como já foi dito anteriormente, a
lógica do lazer está imbricada na lógica do trabalho, pois as mercadorias que são consumidas
no tempo de não-trabalho têm que obedecer os pressupostos do descanso de um dia árduo. Por
outro lado, esse processo assume uma face tenebrosa quando faz toda a individualidade se
transformar em duplicação não-perceptível aos olhos de quem está envolvido no processo.
Sobre isso, destaca-se:

Na indústria, o indivíduo é ilusório não apenas por causa da


padronização do modo de produção. Ele só é tolerado na medida em que sua
identidade incondicional com o universal está fora de questão. Da improvisação
padronizada no jazz até os tipos originais do cinema, que têm de deixar a franja
cair sobre os olhos para serem reconhecidos como tais, o que domina é a
pseudo-individualidade. O individual reduz-se a capacidade do universal de marcar
tão integralmente o contingente que ele possa ser conservado como o mesmo.
(ADORNO e HORKHEIMER, 1985: 144-5).

Essa falta de identidade torna-se tão forte que, aos olhos de todos, existe a
impossibilidade aparente de romper com uma racionalidade onde mesmo as demonstrações
mais autênticas de cultura se perdem no mercado. Dentro de toda essa produção destacam-se
mercadorias que se tornam cada vez mais essenciais para as pessoas, pois o próprio processo
de massificação estabelece os produtos que devem ser consumidos pela comunidade em geral.
Esses aparelhos que surgem na indústria automobilística e que são gradativamente
transferidos para outras instâncias, são denominados “gadgets”, que têm a mera função de
aumentar o preço de alguns produtos, ao mesmo tempo que se apresentam como algo
essencial para o conforto dos consumidores. Sendo assim, cria-se o que se pode denominar
fetiche. Esses fetiches atuam como forma de aumentar o consumo criando necessidades que,
na realidade, não existem, mas, por outro lado, compelem as pessoas a se apropriar do
desnecessário para que mostrem o seu poder (de compra) além de sua atualidade com as
86

coisas da moda. Esse processo, em muito vinculado pela mídia, serão fundamentais na difusão
das idéias e dos valores do sistema.
Só que, nesse sentido, resta uma questão em relação aos meios de comunicação de
massa. Será que, nesse processo, cada um dos sujeitos expostos à mídia oferece alguma
resistência às mensagens veiculadas? Eis a grande controvérsia, pois,

As pessoas sabem que o que se passa nos programas, anúncios e


filmes que assistem não é factível mas publicidade, cinema ou televisão. Na
realidade as coisas não se passam como nos filmes. A conduta pode ser comparada
com aquela que tem lugar durante a sessão de hipnose, trata-se de uma situação em
que as pessoas deixam se lograr para obter certa gratificação. Os indivíduos
conservam a consciência de que se trata de um truque, que se joga com sua
anuência e que ele mesmo não vai fazer nada contra a sua vontade.
A subjetividade e os costumes são submetidos a todo o tipo de
manipulação – e todos sabem disso, embora não em toda a sua extensão. Os
indivíduos têm consciência de que são alvo da publicidade, embora sem saber até
que ponto se tornaram produto dela, assumindo perante a mesma uma postura de
reserva, suspeita ou desconfiança. (RUDIGER, 1997: 141-2)

Na realidade, segundo esse ponto de vista, ocorre um processo de recepção ativa


por parte do espectador, que se vê às voltas com os meios de comunicação, embora em vários
momentos ele se deixe levar por todas as promessas feitas pela mídia. Sendo assim, cada um
deixa-se levar, de acordo com a sua própria opinião, e apenas naquilo que mais lhe convém.
Os valores sociais veiculados utilizam diversas formas e estratégias para a
divulgação de idéias necessárias à manutenção do sistema. Entre os vários elementos
utilizados pela mídia, um deles chama a atenção sobremaneira: o esporte. O esporte, além de
possuir intrinsecamente todos os elementos já apresentados como constitutivos da indústria
cultural, traz de forma inextricável outros elementos importantes dentro das concepções
capitalistas, como os aspectos relativos à competitividade, à possibilidade de vitória, e aos
inúmeros exemplos de “garra” e de vida de pessoas que, através do esporte, ou por sua causa,
superaram dificuldades e ascenderam socialmente. Nesse contexto, a utilização de atividades
físicas e esportivas em propagandas se torna cada vez mais freqüente, pois se percebe

O esporte, as ginásticas, a dança, as artes marciais e as práticas de


aptidão física tornam-se, cada vez mais, produtos de consumo ( mesmo que apenas
como imagens) e objetos de conhecimento e informações amplamente divulgados
para o grande público. Jornais, revistas, videogames, rádio e televisão difundem
idéias sobre a cultura corporal de movimento. (...) Crianças tomam contato
precocemente com práticas corporais e esportivas do mundo adulto. Informações
sobre a relação práticas corporais-saúde estão acessíveis em qualquer revista
feminina, em jornais, noticiários e documentários de TV, nem sempre com o rigor
técnico-científico que seria desejável. (BETTI, 1998: 17)
87

No contexto atual, é difícil encontrar pessoas que não sejam consumidores de


algum tipo de prática corporal, principalmente de esportes. Esse consumo pode ser feito
através dos estádios, das quadras, e das academias de ginástica, que atendem em geral à
demanda das classes média e alta, enquanto os centros esportivos permitem, precariamente, o
acesso das classes mais baixas (Betti, 1998).
Essa difusão das atividades físicas e esportivas, segundo o mesmo autor, contribui
para a utilização das atividades físicas e esportivas como forma de vender mercadorias nas
propagandas veiculadas.
Contudo, há de se levar em conta, também, que as relações sociais se travam de
forma dialética, e que cada momento histórico leva as pessoas a se comportarem de maneiras
diferenciadas, não havendo, necessariamente, uma linearidade de atitudes entre todas elas.
Isso obriga a estabelecer uma relação entre o corpo e a mídia, ou seja, compreender até que
ponto o padrão corporal colocado pela mídia interfere na padrão corporal que é aceito como
“belo” e/ou “saudável”.
Duas pesquisas realizadas com praticantes de atividade física fornecem alguns
elementos para se entender a relação estabelecida entre a realização das práticas corporais e a
televisão. Na primeira delas, Okuma (1990) discute justamente a relação entre a prática de
atividade física e sua relação com a publicidade de televisão. Uma das conclusões que ela
chega é a de que, entre os seus informantes, sobretudo entre os praticantes de atividade física,
existe um grau de consumo considerável, fato que só é dissonante em relação aos homens não
praticantes de atividade física. Esse dado é relevante porque aponta que essas pessoas são de
certa forma afetadas pelas mensagens veiculadas na televisão, induzindo-as, assim, a
consumirem um determinado padrão corporal, bem como a “necessidade” de se praticar
atividades físicas. Sobre esse ponto, a autora destaca,

A prática de atividade física, considerada como um fenômeno social


da atualidade, mostra vínculos fortes com os determinantes de cultura industrial, os
quais são reforçados ou modificados, sobretudo, pelos meios de comunicação de
massa, em especial a televisão. Esta atinge as pessoas através de um poder extremo
de persuasão, influenciando-as com informações tendenciosas e com uma educação
orientada fabricando opiniões e modelando comportamentos. (OKUMA, 1990:
117).

Okuma (1990) destaca ainda que o “(...) tratamento dado ao corpo prima pela
ênfase a um padrão de saúde e beleza, mas deixa de lado a essência do próprio corpo, o que
88

se tem dele e o que ele é” (p. 118) (Grifo Nosso). Assim sendo, o corpo enquanto uma
demonstração histórica de relações do ser humano, é totalmente desconsiderado, passando a
interessar apenas aquilo que cada um deles (máquina/ideologia) é capaz de produzir, bem
como consumir novos produtos e, até mesmo, novos padrões corporais.
Um outro estudo que procura relacionar o discurso televisivo sobre corpo, saúde,
atividade física e beleza, e o discurso de praticantes de atividade física, é o de Gonçalves
(1995). Ao fazer a sua análise, ela destaca que:
Ao comparar os discursos de forma geral com as mensagens
televisivas estas apresentam algumas semelhanças.(...) É possível afirmar que neste
processo acontecem diferentes mediações, comprovadas aqui através dos estilos de
vida diferenciados, que permitem uma apropriação e reapropriação diferenciada
das mensagens produzidas pela televisão.(...) Desta forma pode-se entender que a
realidade discursiva destas pessoas está vinculada também a valores hegemônicos
que reproduzem os valores de uma classe dominante. (GONÇALVES, 1995: 124).

A análise apontada por essa autora mostra que existem algumas semelhanças
devido a mediações que são importantes no processo de “adesão” das pessoas a um
determinado discurso, havendo uma similaridade entre o utilizado na televisão de formas
diferentes e o dos praticantes de variadas modalidades de atividade física, o que sugere, por
um lado, a recepção ativa dos informantes dessa pesquisa em relação aos “mass media”, onde
acabam sendo importantes outros mediadores como a família, a igreja, a associação de bairro,
ou outro grupo social, ao qual se está filiado. Por outro lado, o discurso dos praticantes
também se aproxima do discurso hegemônico, que é veiculado pela televisão, o que
demonstra, ao menos, uma contaminação parcial das pessoas consultadas, o que faz delas um
alvo potencial da indústria cultural e dos interesses que ela representa.
Mesmo entendendo que a adesão dos grupos é diferenciada quanto ao vínculo com
a mídia, pode-se, mesmo assim, refletir que a adesão a certos tipos de apelo estão presentes.
Além do mais, os discursos feitos pela mídia tendem a ser direcionados para um determinado
“público-alvo”, o que não diminui, ao que tudo indica, a influência da mídia, como elemento
da Indústria Cultural, sobre as pessoas.
Essa contaminação dá elementos para se voltar à discussão do padrão corporal que
está sendo veiculado pela mídia, entendido enquanto corpo ideologizado, que transmite a idéia
de produtividade, “beleza” e saúde, o qual se relaciona com um padrão corporal, cujo o poder
do dinheiro lhe permite um acesso quase irrestrito aos mais caros tratamentos, todas as vezes
que precisa de “manutenção e reparos”. Por outro lado, é também um corpo mercadoria que
89

pode ser adquirido como qualquer outro produto industrial, sendo importante para a aquisição
desse corpo a utilização de remédios, cosméticos, roupas, acessórios, aparelhos de ginástica
que estão à venda, “no supermercado mais próximo de sua casa, ou pelo telefone 0800-...”, e
que desconsideram não só as diferenças individuais, como o corpo marginal constituído
historicamente.
Esse dado remete ao aspecto da tentativa de influência dos meios de comunicação
sobre os indivíduos. Sobre isso, precisa-se apontar que a indústria cultural tenta exercer toda a
sua influência, que é bastante forte e que não pode ser descartada, enquanto sistema que busca
legitimar as idéias hegemônicas. Entretanto, concorda-se com Rudiger (1997) quando destaca
que cada um, ao menos até certo ponto, tem consciência da tentativa dos meios de
comunicação, de convencê-los sempre dos rumos que eles têm que tomar em sua vida.
Os meios de comunicação de massa são, portanto, instrumentos importantes
dentro da sociedade de consumo e de sua indústria (indústria cultural), que contribuem de
forma decisiva no conceito de corpo, e sobre todos os elementos que são necessários para a
sua manutenção (medicamentos, cosméticos, entre outros), sendo ele próprio, o corpo, tratado
apenas como mais uma mercadoria à disposição de todos e desconsiderado enquanto realidade
histórica. Para cumprir essa missão, são utilizadas várias formas de difusão. Entre elas,
utiliza-se a exposição de pessoas “(...) de projeção na sociedade de consumo – estrelas de
cinema e de televisão e cantores – são pessoas que sustentam a filosofia do ‘divertimento’.
Têm prestígio, são modelos de corpos.” (Carvalho, 1999: 244)
O fato demonstrado por essa autora permite a referência a um “modelo de corpo”
que é, antes de tudo, uma moda. Enquanto tal, enquanto um “fetiche”, assume as
características da provisoriedade, e não obstante a sua “forma”, o que importa é a sua
exteriorização.
À guisa de conclusões bastante provisórias, percebe-se que, para se chegar à
essência das relações entre o indivíduo, a sociedade e a mídia faz-se necessária a utilização de
uma teoria ampla, capaz de dar suporte para o entendimento aprofundado dos mecanismos de
cooptação da sociedade capitalista.
Enfim, procurando-se relacionar todos esses aspectos discutidos até aqui,
retornar-se-á aos dados encontrados na pesquisa. Foi perguntado aos alunos “onde ou com
quem eles obtiveram informações sobre atividades físicas”. A intenção central é procurar
90

identificar as influências que as pessoas sofrem dos diferentes meios de informação. As


respostas estão presentes na tabela 6.

Tabela 6: Origem de Informação sobre a modalidade praticada pelos Praticantes da


Atividades Físicas, por Faixa Etária.*
FAIXA ETÁRIA
Onde ou com quem TOTAL
20-30 31-40 41-50
obteve informações
f % f % f % f %
Academia 21 60,00 14 58,33 5 31,25 40 51,94
Amigos/parentes 7 20,00 3 12,50 2 12,50 12 15,58
Mídia 5 14,28 2 8,33 3 18,75 10 12,98
Pela prática constante 4 11,42 3 12,50 2 12,50 9 11,68
Profissionais de Saúde 1 2,85 2 8,33 5 31,25 8 10,31
Faculdade 1 2,85 3 12,50 0 0,00 4 5,19
Não Lembra 0 0 1 4,16 1 6,25 2 2,59
* Houve mais de uma resposta a esta pergunta.

Pelos dados, verifica-se que a academia foi a escolhida por mais da metade dos
adultos jovens e médios. Esse fato direciona a prática dos exercícios para determinadas
modalidades, uma vez que algumas academias possuem apenas duas opções. Além disso,
mesmo que as atividades sejam sugeridas pelos professores, pode haver um certo
direcionamento face à preferência do professor por esta ou aquela modalidade que ele acha
melhor, mais fácil, ou com a qual ele trabalha.
Deve-se levar em consideração que algumas pessoas já procuram a academia de
acordo com a modalidade. Mesmo assim, tendem a adquirir outras informações na própria
academia, que muitas vezes contribuem para redirecionar os alunos novatos.
Há de se destacar também, o fato de que, entre os adultos maduros, o percentual
de informações adquiridas com profissionais de saúde é igual ao das adquiridas na academia,
o que pode sugerir uma maior preocupação com a saúde do que com outros elementos.
Essas respostas apresentam uma relação com os dados apresentados por
Gonçalves (1995), quando essa pesquisadora demonstra a influência das diferentes mediações
91

na vida das pessoas. Entretanto, devem-se olhar outras respostas para se confirmar ou refutar
tal hipótese.
Além do local, foi solicitado dos praticantes que relacionassem as fontes de
informação sobre atividades físicas que consideravam importantes. Por ordem decrescente a
partir de uma relação apresentada pelo pesquisador (Anexo II). Há de se registrar que várias
pessoas deixaram de relacionar algumas das fontes de informação, enquanto outros
acrescentaram novas fontes, a partir da referência “Outros”.
Para facilitar a análise dos dados e, levando em conta que eram nove as fontes
mencionadas na tabela, as respostas eram pontuadas de nove a um, de forma decrescente, ou
seja, a fonte mais importante recebia 9 pontos, a segunda, 8; a terceira, 7; e assim
sucessivamente. Caso a fonte não fosse mencionada, ela recebia como pontuação 0 (zero).
Depois da pontuação, os dados foram cruzados entre a faixa etária e a média de pontos,
obtendo-se os resultados apresentados na tabela 7.

Tabela 7: Fontes de informação sobre Atividade Física, por Faixa Etária.


FAIXA ETÁRIA
MÉDIA Classificação
Fonte de informação 20-30 31-40 41-50
GERAL Geral
Média Média Média
Professor da Academia 6,28 5,50 4,72 5,5 1º
Médico 5,57 5,25 5,38 5,40 2º
Televisão 5,65 5,08 5,44 5,39 3º
O.P.A.S.* 6,37 4,66 4,94 5,32 4º
Amigos/Parentes 4,25 4,62 5,33 4,73 5º
92

Jornais 3,87 3,41 3,27 3,51 6º


Outros** 2,17 2,00 3,05 2,40 7º
Rádio 2,48 2,75 1,50 2,24 8º
Professor de Ed. Física Escolar 2,42 2,83 1,16 2,13 9º
* Os outros Profissionais da Área de Saúde (OPAS) aqui mencionados são Enfermeiros, Nutricionistas,
Fisioterapeutas, Psicólogos, entre outras profissões.
** Foram indicadas como outras fontes as revistas, a faculdade, os livros e o telefone.

Foi feita a análise de correlação entre as variáveis pelo índice de Krusk-Wallis.


Não foi apresentada, em nenhum momento, diferença significativa entre as variáveis
estudadas. Esta tabela demonstra que a principal fonte de informação são profissionais da área
de saúde, principalmente os professores da academia, os médicos e outros profissionais da
área de saúde, em 1º, 2º e 4º lugar respectivamente, dados esses que coincidem parcialmente
com as fontes de informação em relação às modalidades, que foi mencionado na tabela 6.
Em 3º lugar apareceu a televisão, a qual, ao que tudo indica, possui maior poder
de influência do que os outros meios de comunicação, sendo esse um outro aspecto que está
demonstrado na pesquisa de Gonçalves (1995).Esses dados, a priori, demonstram não haver
correlação entre a mídia e a prática de atividades físicas, embora a TV esteja colocada em 3º
lugar entre as fontes, fato esse que, até aqui, torna relativo o poder da mídia e da Indústria
Cultural. Entretanto, deve-se também considerar que a televisão foi a principal fonte de
informação entre os adultos maduros, além disso a sua diferença na média geral em relação
aos médicos é mínima, o que dá indícios de sua possível força, apesar da sua classificação
geral.
Também chama a atenção o fato que entre as outras fontes, no geral, as revistas
foram mencionadas ao todo por 25 informantes, sendo 10 adultos jovens, 8 adultos médios e 7
adultos maduros, o que representa 28,57%; 33,33% e 38,88%; respectivamente. Todas as
outras fontes citadas apresentaram, cada uma delas, apenas uma ocorrência.
Infelizmente não há como fazer uma análise mais detalhada desse dado, uma vez
que as revistas aparecem junto com outras fontes de informação, o que inviabiliza a análise
das médias obtidas por ela. Todavia, pode-se inferir que as revistas, inclusive pelas
reportagens e pelo direcionamento de algumas delas, podem estar sendo utilizadas como uma
maneira bastante eficaz de difundir o padrão corporal necessário, ou ao menos predominante
na sociedade atual. Além disso, as revistas comerciais devem ser questionadas enquanto
93

fontes de informação, uma vez que elas não podem ser consideradas fontes científicas de
consulta.
Um outro ponto digno de nota é o fato de o professor de Educação Física escolar
assumir o último lugar, enquanto fonte de informação, principalmente se for levado em conta
o alto grau de escolaridade apresentado pela população pesquisada, o que, se for colocado na
média de um ano para cada série, as pessoas estudaram ao menos durante onze anos, nos
quais, teoricamente, elas tiveram contato com a disciplina Educação Física. Esse fato deixa
uma pergunta no ar: O que o Professor de Educação Física tem feito na escola? A intenção
colocada aqui não é que ele faça apologia de um ou outro objetivo, mas que ele enquanto um
profissional da educação que tem as informações a respeito da prática de Atividades
Corporais, desempenhe o seu papel de fonte privilegiada de informação e esclarecimento dos
alunos aos quais tem acesso.
A fim de verificar a perspectiva dos praticantes quanto à influência da mídia na
prática de atividade física, foram apresentadas 4 questões no questionário B.
Os dados obtidos foram analisados pelo índice de Krusk-Wallis, para se
determinar a relação entre as variáveis. Os resultados são apresentados na tabela 8.

Tabela 8: Influência da mídia sobre os Praticantes de Atividade Física, por Faixa Etária
FAIXA ETÁRIA
De uma forma geral as pessoas praticam atividade física...
20-30 31-40 41-50
1. Por influência dos meios de comunicação áudio visuais. 3,51 3,33 3,22
2. Por influência dos meios de comunicação impressos. 3,34 3,62 3,11
3. Porque está na moda. 2,97 2,79 3,05
4. Porque todas as pessoas famosas o fazem. 2,54 2,54 2,33
A primeira análise que os dados sugerem é de que em nenhum caso apareceu
diferença significativa entre os grupos etários. Todavia, para se entender melhor o significado
dos dados, foi feita uma média geral relacionada à cada faixa etária, obtendo-se, como
resultado geral, a média de 3,09 pontos para o grupo de adultos jovens; 3,07 para o de adultos
médios; 2,92 para o de adultos maduros. Estabeleceu-se, como média geral 3,02 pontos para a
“influência da mídia”. Isso demonstra uma certa influência da mídia nesse parâmetro, que se
apresenta maior do que a influência da autoconsciência. Esses dados acabam por confirmar as
respostas da entrevista quanto aos objetivos e as fontes de informação. Entretanto, apesar de
estar acima de uma possível média de 2,5 pontos, que se poderia considerar como 50% do
94

total de pontos possíveis, a influência da mídia e consequentemente da indústria cultural, tal


qual apresentam Adorno e Horkheimer (1985), deve ser, até esse momento, dentro deste
estudo, considerada relativa, uma vez que outras fontes de informação, como a academia, os
professores da academia, e os médicos são consideradas mais importantes que a televisão, o
rádio, os jornais e as revistas.
Todavia, para se afirmar com precisão que esta é a “verdade” da pesquisa, são
necessárias outras informações. Destarte, encerra-se o presente capítulo com dados que ainda
não são suficientes para uma conclusão sobre o papel da indústria cultural.

III. O ADULTO E A ATIVIDADE FÍSICA


95

A prática da atividade física pode atender diversos objetivos, os quais têm a


capacidade de atingir metas bastante diferenciadas. Entre as principais pode-se identificar
claramente a questão da aprendizagem dos elementos clássicos da cultura corporal como os
jogos, as lutas, a mímica, a dança, a ginástica e o esporte. Pode-se realizá-la tendo em vista o
aperfeiçoamento da aptidão física e do treino corporal, com fins de obtenção de disciplina, do
equilíbrio pessoal e da estética, como forma de aproveitamento do tempo livre e vários outros
que seriam citados sem, contudo, fazer justiça a todos os elementos e possibilidades. Nesse
aspecto Deutsch (1991: 20), citando Kenyon, identifica

... seis dimensões de como a atividade física é percebida pelos indivíduos: A)


visando experiência social; B) visando saúde condicionamento físico; C) visando a
busca de emoção; D) visando a estética; E) visando a liberação de tensões; F)
visando competição.

Segundo esse autor, as dimensões descritas acima apresentam algumas


características específicas. Assim, quando ele fala em atividade física como experiência
social, está valorizando o convívio grupal e a participação social. Quando essa atividade visa
saúde e condicionamento físico, ela procura promover e manter o condicionamento físico e a
saúde fisiológica. Entendida como emoção, existe a procura do risco através das práticas
corporais. Já a atividade física como estética acontece quando o indivíduo procura valorizar o
corpo, os aspectos estéticos, rítmicos, de aparência física e coordenação. A atividade física
como liberação de tensões está relacionada com a busca de uma ação relaxante que permita o
alívio das tensões diárias. Por fim, a atividade física como competição objetiva a vitória
através do treinamento.
Entendendo a divisão dos objetivos das atividades corporais, a partir de Kenyon,
abre-se a possibilidade de reagrupar essas seis dimensões em quatro grandes grupos. O
primeiro deles está relacionado com a obtenção da saúde, que traz implicitamente a atividade
física que visa saúde e condicionamento físico. O segundo grande grupo está relacionado à
estética. O terceiro deles diz respeito à atividade física como forma de lazer, no qual se pode
agrupar a partir das categorias propostas por Kenyon; as dimensões que visam experiência
social; a busca de emoção e a liberação de tensões, uma vez que essas atividades são
realizadas, normalmente, em situações esporádicas, onde não se buscam, via de regra,
alterações fisiológicas mais importantes como as que se fazem necessárias quando o objetivo
96

está relacionado com a saúde e com a estética. Dessa maneira, a repetição periódica da
atividade não é prioritária para a sua realização, e sim o lazer.
Por fim, a atividade física como competição. Essa possui características próprias
sob todos os aspectos, e assim deve ser estudada de forma totalmente separada dos outros
objetivos, pois a sua especificidade em relação às demais propostas justifica tal abordagem,
desvinculada das outras três. Além disso, a atividade física centro do estudo deste trabalho
está voltada às outras três questões básicas, sendo elas a saúde a estética e o lazer. Portanto,
adotar-se-á a influência da prática corporal na aquisição, manutenção e utilização desses três
elementos.
Há de se observar, além dos objetivos dos praticantes de cada atividade, um outro
aspecto também importante, que passa pelo entendimento de que cada modalidade possui, ela
própria, na sua concepção, uma meta específica enquanto uma proposta de trabalho
diferenciada. Cada um desses métodos foi proposto em um determinado momento histórico,
conforme as exigências e condições da situação de sua origem.
Em estudo sobre as concepções estéticas na ginástica de academia, Novaes (1998)
traça os diferentes objetivos nos mais variados procedimentos utilizados em Academias de
Ginástica ao longo de todo o século XX.
Como a intenção do presente trabalho é identificar esses objetivos, do ponto de
vista dos praticantes do final do século XX, optou-se por apontar os principais modelos de
ginástica existentes na década de 1990. O que se procura aqui é apenas demostrar que cada
método possui seus objetivos próprios, o que permitirá, por sua vez, entender como eles
podem ser utilizados no dia-a-dia. o que justifica o recorte adotado.
Há de se ressaltar ainda, segundo Novaes (1998), que o período médio de
subsistência de cada atividade é de dez anos (uma década), sendo que as modalidades são, em
seguida, substituídas por outras. Apesar desse autor não fazer essa discussão, pode-se levantar
uma hipótese para tal fato: a necessidade de mudança das mercadorias postas à venda, pois
essa é a principal característica desses métodos. Todos eles são entendidos enquanto produtos
e, como tais, necessitam de reformulações e aperfeiçoamento para que possam continuar
vendendo, alimentando, assim, a indústria cultural. Cada uma dessas práticas corporais
apresentadas aos consumidores promete operar milagres semelhantes aos propostos pelas
religiões. Se não é possível salvar a alma, que se tenha ao menos um corpo jovem e eterno, ...
enquanto dure.
97

Buscando atender essas necessidades, as atividades são separadas por grupos,


dependendo das principais características apresentadas, seguidas pelas modalidades e
objetivos. Uma síntese desses aspectos relativos à década de 1990 pode ser vista no Quadro 1.

Quadro 1: Diferentes Objetivos das Atividades de Academia 1990–1998.*


Grupo de
Modalidade Objetivo
Atividades

· Ginástica · Estético-Corporal
· Musculação · Estético-Corporal
· Aero-Local · Estético-Saúde
Localizadas
· Step-Local · Estético-Saúde
· Flex-Local · Estético-Performance
· Bike-Class · Estético-Saúde
· Step Training · Saúde-Estética
Aeróbicas · Hidroginástica · Estético-Saúde
· Aerodança · Descontração Física e Mental
· Biodança/ Eutonia/ · Equilíbrio Interior/
Bioenergética/ Autoconhecimento/ Saúde/
Consciência Corporal/ Estética/ Sociabilidade/
Corporais Yoga/ etc. Transformação de Vida Pessoal
Alternativas · Watsu · Relaxamento e Equilíbrio
Psico-Físico
· Personal Training · Estética-Saúde e Consciência
Corporal
* NOVAES, 1998: 57

Além dessas atividades descritas por Novaes (1998), podem-se, ainda, citar outras
bastante praticadas em Goiânia, estando entre elas as aulas de Body-Pump, ABS (aula
específica de exercícios localizados para o abdômen), GAP (Tipo de Ginástica Localizada,
onde se trabalha apenas Glúteos, Abdômen e Perna, normalmente praticada pelas mulheres),
entre outras. Todas elas encaixam-se na classificação de Atividades Localizadas e têm o
objetivo estético – corporal. Dessas, apenas o Body-Pump já é mencionado pela literatura,
98

pois esse é um método internacional de ginástica, o qual para ser aplicado depende, inclusive,
de aquisição de franquia da Les Mills Internacional ou de seus representantes credenciados.
Possui uma “metodologia própria” e os seus pontos positivos e negativos são discutidos por
Novaes & Vianna (1998). Esse método pode ser identificado como a essência da globalização
e da divisão social do trabalho, pois, os professores que ministram essas aulas simplesmente
reproduzem aquilo que é estabelecido pela franqueadora. Deve-se comentar ainda que, para
Novaes (1998), o Step (modalidade de ginástica que usa uma plataforma que varia de acordo
com a condição física do praticante) é a modalidade que durante a década mencionada – 1990
– substituiu a Ginástica Aeróbica, a qual perdeu bastante espaço devido ao elevado índice de
lesões, entre outros motivos mercadológicos.
Na discussão sobre os diferentes objetivos, o ideal seria cada praticante escolher
as atividades a serem realizadas de acordo com a proposta de cada método, havendo a
necessidade de uma perfeita conexão entre eles para que se possam atingir as metas propostas.
Nesse sentido, é importante demonstrar as modalidades mais praticadas, pois,
partindo desse ponto, poder-se-ia começar a inferir sobre os principais objetivos dos
praticantes de Atividades Corporais da cidade de Goiânia. Tais dados estão presentes na
tabela 9.
99

Tabela 9: Modalidades realizadas pelos Praticantes de Atividade Física, por Faixa Etária*
FAIXA ETÁRIA
TOTAL
Modalidades Realizada 20-30 31-40 41-50
f % f % f % f %
Musculação 31 88,57 20 83,33 12 66,66 63 81,81
Ergometria 26 74,28 20 83,33 13 72,22 59 76,62
Ginástica Localizada 4 11,42 05 31,25 4 22,22 13 16,88
ABS 5 14,28 05 31,25 1 5,55 11 14,28
Natação 5 14,28 3 18,75 1 5,55 9 11,68
Body Pump 5 14,28 2 8,33 0 0 7 9,09
Step 4 11,42 0 0 3 16,66 7 9,09
Alongamento 5 14,28 1 6,25 1 5,55 7 9,09
Exercícios Localizados 2 5,71 2 8,33 1 5,55 5 6,49
Hidroginástica 0 0 0 0 3 16,66 3 3,89
Outros 5 14,28 0 0 4 22,22 9 11,68
* Houve mais de uma resposta a esta pergunta
** Os Exercícios Localizados são o GAP, a Superlocal, Trabalho para Braços e Trabalho para pernas

Como pode ser verificado, a oferta de atividades nos locais pesquisados é bastante
diversificada. Nesse sentido, deve-se lembrar que as pessoas também buscam práticas bastante
diferentes. Não foi rara a menção de realização de mais de uma prática, havendo inclusive, o
caso de uma moça que chegou a mencionar seis atividades diferentes no local da entrevista e
mais uma que ela fazia em outro local.
A alta incidência das modalidades sugere a utilização das Atividades Físicas como
mercadoria vendida (Novaes, 1998), o que coloca as práticas da cultura corporal entre os
diferentes elementos da indústria cultural. Pode-se justificar isso através da apropriação pelo
mercado, das diferentes atividades inerentes à vida humana. Com a prática corporal não seria
diferente, porquanto há a possibilidade de se utilizarem estas práticas para gerar novas
necessidades – fetiches – bem como desenvolver novos paradigmas do ponto de vista estético,
100

podendo-se dar como um exemplo o fato de as mulheres não parecerem sentir-se


masculinizadas quando possuem músculos mais definidos.
O que chama a atenção nessa tabela é o fato de a musculação ser a atividade física
mais realizada (81,81% do total) entre todas as faixas etárias. É também importante destacar
que a sua prática diminui de acordo com a idade – inicia com 88,57% entre os adultos jovens,
caindo para 83,33% nos adultos médios, empatando aqui com as atividades da ergometria, e
caindo entre os adultos maduros para 66,66%, ao passo que nesse momento a ergometria
atinge o seu percentual mais alto em relação à musculação (72,22%). Apesar de esses dados
refletirem um certo problema (a Academia 2 só oferece estas duas modalidades), entende-se
aqui que, mesmo assim, o quantitativo de alunos que pratica ergometria e musculação ainda é
bastante significativo (59 e 63 respectivamente). Por outro lado, não se pode esquecer que o
contingente pesquisado é, em grande maioria, do sexo feminino. Isso significa, ao que tudo
indica, que existe uma busca pelas melhorias mais rápidas provocadas pela musculação,
diferindo do que acontecia há algum tempo atrás, quando existia uma certa procura, por parte
das mulheres, pela ginástica.
Após se pensar sobre as modalidades mais praticadas, deve-se refletir sobre outros
aspectos importantes. Entre eles pode-se mencionar o papel que a Educação Física, em seu
significado mais amplo, exerce sobre estas práticas, ao mesmo tempo em que se deve procurar
entender as diferentes orientações que essa área sofreu nestes últimos cem anos.
A partir do século XIX, em meio à emergência e consolidação da indústria e do
capitalismo, do aumento das cidades decorrente do êxodo rural, é que o discurso da saúde
toma força. Isso acontece porque no processo de crescimento das cidades a chegada dos
trabalhadores em busca de emprego promove um desenvolvimento desordenado que, por sua
vez, não é acompanhado pelos serviços básicos essenciais. Esse crescimento , segundo Soares
(1994), facilita o aparecimento de epidemias, que não é sentido inicialmente pelas classes
mais altas. Dessa forma,

A moralização sanitária da Europa, em meados do século XIX,


tratará de reorganizar o espaço de vida dos indivíduos. Seu discurso normativo
veiculará a idéia de que as classes populares viviam mal por estarem impregnadas
de vícios, de imoralidade, por viverem sem regras. O discurso das classes no poder
será aquele que afirmará a necessidade de garantir às classes mais pobres não
somente a saúde, mas também uma educação higiênica, e através dela a formação
de hábitos morais. É este discurso que incorpora a Educação Física e a percebe
como um dos instrumentos de promover uma assepsia social, de viabilizar esta
educação higiênica e de moralizar os hábitos. (SOARES, 1994: 16-7)
101

Emerge, pois, uma nova área do conhecimento científico denominada então como
Educação Física, a qual se apropria de todo o discurso inerente às ciências naturais da época
para justificar a sua existência e a sistematização do conhecimento referente a todas as formas
de movimento humano. Afinal de contas,

Não podemos nos livrar do corpo e nós o louvamos quando não podemos golpeá-lo.
(...) Os que na Alemanha louvavam o corpo, os ginastas e os excursionistas, sempre
tiveram com o homicídio a mais íntima afinidade, assim como os amantes da
natureza com a caça. Eles vêem o corpo como um mecanismo móvel, em suas
articulações as diferentes peças desse mecanismo, e na carne o simples
revestimento do esqueleto. Eles lidam com o corpo, manejam seus membros como se
estes já estivessem separados. (ADORNO & HORKHEIMER, 1985: 219)

Essas reflexões, apresentadas por Adorno e Horkheimer, são importantes para


demonstrar que, na realidade, o corpo que se pretendia construir era apenas um corpo
máquina, dual, separado de sua alma e consciência. Além disso, se já não bastasse a separação
entre o corpo e a alma, tal qual propunha Descartes, cada parte era vista como se não existisse
relação entre ela e o restante daquela máquina manipulável. É essa concepção positivista do
corpo que facilita o estabelecimento da relação entre a atividade física e a saúde.
Essas idéias da prática da atividade física como um elemento capaz de propiciar a
saúde chega ao Brasil em meados do século XIX, e vão constituir uma primeira corrente da
Educação Física no país que pode ser denominada de higienista. Como já foi posto, o
principal objetivo dessa área do conhecimento era desenvolver conhecimentos e atitudes
capazes de transformar o corpo. Segundo Soares (1994),

A Educação Física será a própria expressão da sociedade do capital. Ela encarna e


expressa os gestos automatizados, disciplinados e, se faz protagonista de um corpo
‘saudável’; torna-se receita e remédio ditada para curar os homens de sua letargia,
indolência, preguiça, imoralidade, e, desse modo, passa a integrar o discurso
médico, pedagógico ... familiar. (p. 10).(Grifo nosso)

Essa é, então, a porta de entrada da Educação Física no âmbito escolar. Devido à


necessidade de se “construir e educar o novo Homem”, ela se utiliza de todo o discurso das
ciências naturais para estender as suas influências para a vida de todas as pessoas,
principalmente dos trabalhadores, pois é aí que se encontram os vícios de uma vida desregrada
e capaz de evitar o “desenvolvimento social”.
A Educação Física, que naquele momento atende pelo nome de Ginástica,
102

... deveria ser pensada pelo aparato científico disponível e assim colocada em
igualdade com outras práticas sociais, explicada e sistematizada. Devia tornar-se
obrigatória para a sociedade em geral, bem como prática regular em todos os
currículos escolares. (SOARES, 1998: 22)

A necessidade dessa implantação é justificada pelo fato de que a “(...) Ginástica


científica se apresentava como contraponto aos usos do corpo como entretenimento, como
simples espetáculo, pois, trazia como princípio a utilidade dos gestos e a economia de
energia.” (ibid., p. 23). Toda a energia acumulada deveria, dessa forma, ser despendida
durante os momentos de trabalho, permitindo o desenvolvimento “social”. Percebe-se aí uma
primeira relação entre o trabalho e os momentos de folga (lazer), em uma relação dialética que
se mantém até os dias atuais.
Esse ideário de geração de corpos que atenda às exigências do meio, de certa
forma atravessa todo o século XX, perdendo, entretanto, parte de sua força a partir dos anos
30. Permeado não apenas pela “necessidade de saúde”, mas, também, por outras correntes que
passam a influenciar a Educação Física dentro do Brasil, sendo que podem ser mencionados
como os mais importantes a vertente eugênica (vinculada à militarização) e o tecnicismo,
além de outras concepções mais recentes que surgiram a partir da década de 1980.
Para entender um pouco melhor o que essas tendências pedagógicas utilizam,
pode-se recorrer a um rápido olhar sobre elas, procurando, assim, discutir os seus propósitos.
A primeira corrente, que de certa forma substitui no Brasil o higienismo, é a vertente
eugênica. Essa concepção foi desenvolvida a partir dos anos da Ditadura Vargas e é marcada,
segundo Goellner (1996), pela implantação do Método Francês de Ginástica. Esse método,
desenvolvido por Amoros e Demeny, na França, a partir do século XIX, é implantado aqui
como um método oficial pelo exército brasileiro, sendo as suas bases usadas na criação das
primeiras escolas de preparação de professores, que irão posteriormente ministrar aulas nos
diversos níveis de ensino.
A meta principal era o desenvolvimento de uma nação forte. A ginástica seria o
meio mais eficiente para preparar um novo povo, livre das influências maléficas das raças
inferiores, ao mesmo tempo que contribuiria para a preparação de homens capazes de servir à
pátria nas guerras e nos postos de trabalho (leia-se esteiras de produção). Assim, o “(...)
discurso nacional-patriótico disseminou-se pelo país sendo amplamente apoiado pelos
103

militares que ao agirem na ‘defesa dos interesses de Pátria’, utilizavam de várias estratégias
para o disciplinar dos comportamentos sociais. (Goellner, 1996: 136)
Não é apenas o sentimento nacional-patriótico que é o ponto chave nesse
processo. Através da Educação Física havia o objetivo de promover a

... construção de corpos sadios, fortes, higienizados e eugenizados. Mas, corpos


dóceis também: disciplinados, úteis, produtivos. Adequados ao trabalho na ordem
urbano-industrial, enfim. A Educação Física, capaz de investir a um só tempo sobre
o corpo e a mente despontava como recurso privilegiado, ao ser capaz de produzir
corpos fortes e sadios, mas também domesticando-os e ‘moralizar’ o brasileiro,
docilizando-o. (BERCITO, 1996: 153)

Essa proposta procura encaixar o brasileiro justamente nos interesses sociais da


época, desenvolvendo a sua Força, o seu caráter, mas, acima de tudo, educando-o para a
obediência às regras sociais, e às necessidades colocadas pelo desenvolvimento industrial e
pelo capitalismo. Ainda é digno de nota que naquele momento – 1930 a 1945 – o país vivia
em uma ditadura, havendo urgência em criar na população o amor à Pátria e, acima de tudo,
pensar no seu desenvolvimento em nível internacional.
Vale a pena mencionar o fato desse governo, em sua origem ao menos, se aliar ao
pressupostos fascistas, o que o fazia pensar, inclusive o próprio corpo como na Alemanha
Hitlerista, onde a melhoria da raça era uma condição indispensável para a sua soberania
perante outros povos.
Essa corrente da Educação Física se manteve em destaque até os anos de 1960,
embora dentro do perfil internacional já existisse uma mudança paradigmática em relação às
atividades entendidas como o carro chefe da Educação Física, já voltada para o esporte. Por
isso o método francês sofreu uma série de críticas quanto à sua utilização. Destaca-se, ainda, o
fato dessa concepção não ter, ao menos no seu todo, superado as concepções higienistas do
início do século, inclusive associando-se a ela para justificar a sua presença.
A partir da década de 60, esse impulso esportivizado passa a tomar conta da
Educação Física. O tecnicismo não é uma exclusividade pedagógica: ele está posto como
forma de desenvolvimento do capital humano. Suas atividades são “(...) desenvolvidas sobre
experiências concretas (...)” (Oliveira, 1994), sendo tratadas pragmaticamente, ou seja,
direcionadas e voltadas para a sua aplicabilidade. Dessa forma, a Educação Física não é vista
como uma disciplina na escola, pois não tem um “conteúdo teórico”; ela é percebida como
uma atividade prática, um fazer sem questionamentos ou reflexões.
104

O fato de a Educação Física ser “dominada” pela concepção tecnicista de


Educação também é confirmada por Bracht (1999). Este autor aponta que nesse momento essa
área de conhecimento passa, em nível internacional, por um momento de crise no qual há o
início de uma reflexão acentuada sobre o seu papel social e quanto à sua fundamentação
enquanto ciência, fato que só acontecerá no Brasil em meados dos anos 80.
Porém, o que é mais importante em relação à concepção tecnicista é o seu papel
social. Esse é assinalado por Castelani (apud Oliveira, 1994: 143) como tendo a “(...) função
de, em entrando no ensino superior, colaborar, através do caráter lúdico-desportivo, com o
esvaziamento de qualquer rearticulação do movimento estudantil.” Fica patente, assim, que,
para atingir os seus objetivos, o governo utilizava os esportes como um aspecto necessário
para o desenvolvimento dos aspectos educacionais. O processo de “esportivização” das
atividades físicas é desse período. Por isso, para o senso comum qualquer atividade praticada
é esporte. Esse erro de concepção é comum até o momento atual, não só na sociedade em
geral, mas também entre vários profissionais da área.
Essa “esportivização” possui outros objetivos embutidos além da sua ação
enquanto um processo alienador e alienante, pois a sua prática e a difusão de uma série de
programas como o “Esporte Para Todos” (EPT) e o “Mexa-se” procuram garantir a eficácia do
trabalhador nos postos de trabalho, desenvolvidos evidentemente através do discurso da
Educação Física promotora de saúde, embora apresentasse outras metas. Assim, o

... esporte é que legitima a EF [Educação Física] porque faz coincidir seu discurso
com o daquela no que diz respeito ao seu papel nos planos educativo e da saúde – o
esporte se impôs também enquanto tema e orientador da teorização neste campo
acadêmico em construção. Em suma, o discurso pedagógico na EF foi quase que
sufocado pelo discurso da performance esportiva; literalmente afogado pela
importância sóciopolítica das medalhas olímpicas, ou pelo ‘desejo’, tornado
público por medalhas. (BRACHT, 1999: 23) (Grifo nosso)

A importância dada às medalhas está relacionada, implicitamente, com a questão


do rendimento, da competição e, consequentemente, do lucro, base da sociedade do capital.
Entretanto, existe a defesa da necessidade da saúde também explícita para esse período, pois

... detecta-se ainda o mesmo discurso no que se refere à higienização, incorporando


no entanto outros elementos, até então não identificados. Trata-se de um discurso
‘higienista’ reformulado, não mais caracterizado, predominantemente, por seus
antigos elementos. O conceito de saúde e doença fundamenta-se em outros
preceitos.
O caso brasileiro revela-se particularmente adequado a esse
propósito, em decorrência da transformação do quadro nosológico , convive-se
105

ainda com as doenças infecto-contagiosas, em larga escala, e também com as ditas


crônico-degenerativas.” (CARVALHO, 1995: 59)

Enfim, em meados da década de 1980, a Educação Física assume de vez a sua


crise, percebendo que o seu papel, pelo menos dentro da escola, deveria ser mudado. A partir
daí surgem várias vertentes que procuram pensar a Educação Física Escolar de um lugar
diferente, que não seja o apresentado pela abordagem biológica, seja ela voltada para a saúde
e/ou para o rendimento.
É preciso pensar a Educação e a Educação Física, a partir das epístemes mais
críticas e com isso oferecer um novo caráter ao processo ensino-aprendizagem na escola.
Nesse sentido, fez-se a opção de apresentar as idéias de dois autores sobre as possíveis
posições quanto às tendências pedagógicas da Educação Física, sendo essas as propostas de
Oliveira e de Castelani Filho.
Para Oliveira (1994), essa área de conhecimento pode ser dividida em duas as
quais ele vai denominar de pedagogia do consenso e pedagogia do conflito. Esse autor faz
uma discussão a respeito dos principais artigos que marcaram a década de 1980 e início da de
1990, separando os autores conforme a sua “filiação” teórica. Para ele, a pedagogia do
consenso baseia-se na filosofia liberal, na economia liberal clássica, no positivismo, no
funcionalismo e na concepção sistêmica. Existem ao menos três abordagens da Educação
Física que se enquadram aqui: a da Aptidão Física, representada por Fox e Mathews, a
Educação Física Desenvolvimentista de Tani et ali e a Construtivista, de Freire (apud Oliveira,
1994).
Por outro lado, a Pedagogia do conflito está pautada no marxismo, na pedagogia
socialista. Enquadram-se aqui autores como Castelani Filho, Bracht, Carmo e Oliveira. Entre
esses autores, Oliveira defende a Educação Física por ele denominada de Humanista,
enquanto Bracht, em um dos artigos analisados, defende a concepção denominada por ele de
funcional-integrativa. Enfim, todos eles se apoiam em referencial marxista para fazerem
críticas à atuação da Educação Física sem, contudo, apresentarem propostas mais efetivas
naquele momento (apud Oliveira, 1994).
Por outro lado, Castellani Filho faz uma “classificação” das diferentes tendências
da Educação Física em uma entrevista concedida a Ferreira Neto (1996). Nessa entrevista,
Castellani Filho apresenta diferentes concepções de Educação Física Escolar no Brasil, a partir
de duas possibilidades. O primeiro grupo de concepções, denominado como
106

Não-Propositivas, são assim denominadas por fazerem críticas ao estágio da Educação Física
sem, contudo, fazer um proposta que possa ser aplicada no âmbito escolar. Essas concepções
são chamadas de Abordagem Sociológica, Fenomenológica e Cultural.
O segundo grupo, o das Concepções Propositivas, é dividido entre dois subgrupos:
Sistematizadas e as Não-Sistematizadas. As Concepções Propositivas Sistematizadas são
assim denominadas por possuírem uma proposta efetiva para a Educação Física Escolar,
contando inclusive com a proposta dos conteúdos curriculares a serem trabalhados em cada
série. Entre elas estão a abordagem da Aptidão Física, que tem por princípio o
desenvolvimento da condição física quase que de maneira exclusiva, bem como a Tendência
Crítico-Superadora, a qual, apoiando-se em uma referência marxista, entende que o papel da
Educação Física Escolar é desenvolver os elementos da cultura corporal, cujos conteúdos
estão relacionados ao jogo, às lutas, aos esportes, à dança, à ginástica, as atividades circenses
e à mímica. Esses conteúdos devem ser trabalhados em uma perspectiva de historicidade
aliando à crítica social e à defesa de um novo modo de produção.
Já as Concepções Propositivas Não-Sistematizadas são assim denominadas por
fazerem crítica à atuação da Educação Física na Escola, enfatizando algumas propostas.
Porém, essas não se encontram ainda sistematizadas no nível das outras duas, ou seja, não
possuem uma proposta curricular clara a ser desenvolvida dentro das séries. Entre elas se
encontram as abordagens Desenvolvimentista, que se preocupa com as fases do
desenvolvimento motor do ser humano; a Construtivista, de inspiração piagetiana; a
Crítico-Emancipatória, apoiada na teoria da ação comunicativa proposta por Habermas e, por
fim, a Plural, com uma bagagem antropológica. Não é feito no referencial utilizado uma
discussão mais detalhada sobre essas concepções para que possam ser dados detalhes sobre
cada uma delas. A apresentação mais superficial dessa temática tem como objetivo aqui,
apenas mostrar a evolução das discussões existentes na área, as quais, nesse momento,
encontram-se em pleno curso.

1. Atividade Física e a Saúde

Pelo menos desde a Grécia Antiga a atividade física é exaltada pelos seus aspectos
terapêuticos, sendo daquela época a célebre frase de Juvenal: “Mente sã em corpo são”. Essa
máxima, ainda usada nos dias atuais, procura expressar a necessidade dos cuidados com o
107

corpo, enquanto uma maneira de permitir à mente o melhor de sua utilização. Para que isso

aconteça, a atividade física tem que se tornar uma febre mundial e conseguir cada vez mais
adeptos. Ainda é necessário adequar a sua prática a todos os tipos de pessoas, sejam elas
jovens, idosas, deficientes, com ou sem saúde aparente, pois, apesar das diferentes correntes já
discutidas e de seus objetivos mais ou menos específicos, sempre foi o carro chefe dessa área.
Dados apresentados por Santos (1987) a respeito do objetivo da prática de corrida na zona sul
do Rio de Janeiro, por exemplo, destacam a saúde como o principal objetivo entre os
informantes entrevistados.
Mas afinal, quais são os argumentos para justificar a prática treino corporal como
elemento constitutivo da saúde? Devido a possibilidade de a lista de motivos ser enorme,
tentar-se-á apresentar algumas explicações utilizadas comumente para justificar esse discurso.
Embora não tenha sido o primeiro a defender esta idéia, Cooper (1972) descreve
que o pessoal da força aérea americana, que se encontrava em situação de baixa por problemas
cardiovasculares, artrite, obesidade ou fumo, conseguiu melhorar seu quadro de saúde em
decorrência da atividade física proposta por ele. Essas observações são importantes do ponto
de vista histórico, entendendo que a sistematização feita por aquele autor foi um marco em
relação à necessidade da atividade física enquanto um elemento de promoção à saúde, dando
assim um novo impulso às práticas corporais, tendo por efeito retardado o grande “boom”
dessas atividades e até mesmo do aumento significativo no número de academias de ginástica
no início dos anos de 1980.
Seguindo essa abordagem, Barbanti (1990) destaca que a atividade física capaz de
propiciar uma boa aptidão física terá, ao menos, três efeitos importantes, sendo eles: “1- para
ajudar a prevenir doenças hipocinéticas (doenças coronarianas, hipertensão arterial,
diabetes, osteoporose etc.); 2- para se obter o máximo das capacidades mentais; 3- para se
sentir bem, energético, alegre” (p. 10). O autor menciona que a melhoria da saúde, através do
aperfeiçoamento da aptidão física, se concretiza, sobretudo, na otimização da resistência
aeróbia e muscular localizada, da força, da flexibilidade, alterando também a composição
corporal, ainda destacando que os

... estudos têm mostrado uma forte probabilidade de que o risco de doenças
cardiovasculares é aumentado por falta de atividade física satisfatória. A atividade
física principalmente o exercício, o esporte, aumenta o rendimento físico das
pessoas. Este aumento está associado com uma melhora na eficiência funcional de
todas as células do nosso corpo. Essa eficiência funcional, chamada de Aptidão
108

Física, é geralmente vista como um atributo desejável e positivo para a saúde.


(BARBANTI, 1990: 19)

Esses dizeres são reafirmados por outros autores que defendem também como
importantes quatro aspectos ligados à aptidão física enquanto saúde, como a “função
cardiovascular e respiratória, composição corporal, flexibilidade e resistência musculares”
(Gettman, 1994: 156). Percebe-se que muitos adultos são acometidos de doenças cardíacas,
obesidade, lombalgia, entre outros por falta de “exercícios”, já que esses indivíduos não
possuem “sólida fundamentação sobre o conhecimento e práticas nas áreas relacionadas ao
estado da saúde” (ibid.). Entretanto, a sólida fundamentação sobre o conhecimento deve-se
confirmar na realização de tais atividades, pois o mero conhecimento dissociado da prática
não terá em si nenhuma utilidade. Em síntese, o conhecimento dessa teoria deve-se efetivar na
prática de uma vida fisicamente ativa.
Sharkey (1998) corrobora com essa opinião, pois para ele a atividade física
aprimora o condicionamento físico por promover a redução no índice de doença coronariana,
por desencadear o que chama de “mecanismos cardioprotetores”, reduzindo o processo
aterosclerótico, aumentando a eficiência do coração e elevando o suprimento sangüíneo. Além
disso, a atividade física reduz o índex de risco de hipertensão e acidente vascular cerebral
(AVC). Esses aspectos são considerados importantes porque, segundo a Organização
Pan-Americana de Saúde (OPAS), no Brasil, do número de óbitos registrados entre 1990 e
1994,

... 33,9% do total foram devidas às doenças cardiovasculares, que são a primeira
causa de morte em todas as regiões do país, (...). As causas específicas mais
freqüentes de mortes do aparelho circulatório nas capitais brasileiras foram, em
1991, a doença cerebrovascular (11,6%), a doença isquêmica do coração (9,8%) e
a hipertensão arterial (2,3%). (OPAS, 1998: 45)

Em Goiânia, dados recentes apresentam níveis de hipertensão de 33,3% em mais


de 3000 pesquisados, o que acaba não diferindo muito dos dados em nível nacional. (Baptista,
2000)
As mudanças que ocorrem durante o exercício levam o organismo a lançar mão de
uma série de adaptações que têm como função básica a manutenção da homeostase para evitar
a sua falência. Nesse sentido, são apontadas como modificações muito importantes o aumento
do coração, gerando um aumento na quantidade de sangue impulsionado para todo o
organismo. Esse aumento de sangue gera a dilatação das artérias, a diminuição da pressão
109

arterial, sobretudo em repouso, embora haja relatos da diminuição desse parâmetro durante as
atividades sub-máximas (McArdle; Katch & Katch, 1998).
Além disso, a realização dos exercícios aumenta o tônus muscular, facilitando o
retorno venoso, já que os músculos acabam por impulsionar o sangue venoso em direção ao
coração.
A atividade física também exerce efeitos importantes em patologias como câncer,
diabetes, obesidade, artrite, osteoporose e problemas nas costas, além de haver indícios de
melhoria no sistema imunológico. Do ponto de vista mental, reduz a ansiedade e a depressão,
melhora as estratégias de consciência, auto-estima, autoconceito e imagem corporal. Altera
também os mecanismos bioquímicos e reduz níveis de estresse. (Sharkey, 1998)
Para descrever a ação dos exercícios sobre os problemas patológicos, deter-se-á no
que existe de evidências mais utilizadas, restringindo-se ao mecanismos considerados
importantes em relação à diabetes, à osteoporose e à obesidade e câncer de cólon. Essa
seleção se justifica pela utilização da Atividade Física na prevenção e, em alguns casos, no
tratamento dessas doenças, entendendo que as relações existentes entre as práticas corporais e
as doenças de cunho cardiovascular já foram discutidas.
A diabetes é uma doença que interfere na captação de glicose pela célula,
aumentando-se, assim, a taxa de glicose (açúcar) circulante no sangue. Essa doença atinge,
segundo dados da OPAS (1998), 7,6% da população urbana de 30 a 69 anos, podendo
aumentar a sua incidência de acordo com a idade, aí sendo chamada de diabetes senil.
Normalmente, essa patologia ocorre devido à insuficiência de insulina em relação
à quantidade de glicose circulante no sangue, e com a redução desse hormônio produzido pelo
pâncreas, a glicose, necessária para a produção de energia nos tecidos, não entra na célula,
provocando alterações metabólicas que podem causar, entre outras complicações, a
macroangiopatia, a retinopatia, a nefropatia e a neuropatia diabética, que são doenças que, de
forma geral, atacam os vasos sangüíneos, os rins e os nervos, respectivamente (Lima &
Franco, 1997). Dessa maneira, o exercício físico regular atua pelo aumento da utilização de
glicose, pois os (...) exercícios regulares aceleram as adaptações metabólicas e hormonais
precoces que aparecem no início da atividade física e contribuem para reduzir as
necessidades de insulina.” (LEON. 1991: 139)
Segundo McConell et al, “(...) o exercício físico melhora a captação de glicose
pelas células, aumentando a translocação de transportadores GLUT-4 para a membrana
110

celular e aumentando a sensibilidade à insulina.”(McConell et al apud De Francischi &


Lancha Júnior, 1997: 29)
Em relação à diabetes é interessante destacar que a realização de exercícios é
importante não apenas pelo desenvolvimento da capacidade de absorção de glicose, mas
também, pela ação do exercício na condição cardiovascular, podendo reduzir os riscos de
doenças associadas a esse sistema, pelas interferências na quantidade e qualidade das gorduras
circulantes no organismo. Vivolo, Ferreira E Hidal (1996) ainda destacam como fatores
importantes para os diabéticos insulino dependentes

... o exercício regular (...) pode levar à diminuição na dose total de insulina e à
menor resposta hipertensiva ao exercício. (...)Do mesmo modo, em pacientes
diabéticos, a prática de exercícios determina queda no colesterol total, no
LDL-colesterol e nos triglicérides e aumento na relação HDL-colesterol/colesterol
total. (p. 105)

Todos esses aspectos interligados fazem da atividade física um elemento


extremamente importante no tratamento dessa doença que possui efeitos tão devastadores para
o organismo humano.
Outra ação benéfica do exercício é relatada na osteoporose. Esta doença é causada
pela perda de massa óssea, aparecendo muita das vezes com o decorrer da idade, sobretudo no
idoso. Esse aumento na porosidade dos ossos acontece devido à perda da capacidade de
absorção de cálcio que aumenta progressivamente a partir dos 35 anos para as mulheres e dos
45 anos para os homens, tornando-se mais crítica a partir dos 40-50 anos para elas e dos 80
anos para eles.
Essa alteração se torna importante devido à elevação de risco de fraturas que
acometem as pessoas, principalmente a partir desses períodos de ênfase na perda de minerais.
Existem alguns fatores importantes na elevação do risco de osteoporose, estando entre eles os
aspectos genéticos, hormonais, nutricionais e relativos à prática da atividade física. Um
primeiro fator, mais ligado às mulheres, está relacionado aos aspectos genéticos. As mulheres,
se comparadas aos homens, possuem menor massa óssea, fato refletido na estatura menor e no
menor diâmetro do esqueleto. Além disso, algumas

... pessoas, geralmente mulheres brancas, apresentam geneticamente poucos


receptores para vit. D, o que leva à absorção intestinal de cálcio diminuída. Nessas
pessoas a ingestão ideal de cálcio e vit. D pode ser importante para a manutenção
da massa óssea, particularmente das duas primeiras décadas de vidas. Nesse
111

período atinge-se a máxima massa óssea possível, que posteriormente tende a


diminuir. (SANTARÉM, 2000: 1)

O mais importante em relação a essa alteração genética é a deficiência que ela


pode causar em relação a um possível aumento de intensidade no nível de osteoporose que
pode ser desenvolvida futuramente, pois, se a massa óssea for menos densa, a possibilidade de
geração dessa doença fica aumentada, uma vez que, com a perda de tecido a partir da meia
idade, pode tornar-se progressiva.
Outros aspectos, contudo, têm capacidade de interferir na quantidade de massa
óssea, sendo um dos mais importantes a redução de circulação de estrógeno nas mulheres,
cujo efeito facilita a fixação de cálcio no osso. Com a parada da circulação desse hormônio
sexual ( o estrógeno), acontece uma dificuldade de retenção de cálcio, uma vez que existem
alterações na absorção intestinal de cálcio, fazendo com que o corpo lance mão dos depósitos
existentes no esqueleto devido à ação do paratormônio, aumentando a porosidade óssea e uma
decorrente fragilidade desse tecido. Dessa forma, para

... as mulheres na menopausa, a maior parte dos estudiosos do tema preconizam


atualmente a reposição hormonal, exercícios físicos e ingestão adequada de cálcio
e vit. D. Diagnosticada a osteoporose, o tratamento geralmente inclui drogas (...),
dependendo da condição ser do tipo I ou II. (idem)

Um terceiro fator diz respeito aos hábitos de vida. Existem algumas evidências de
que a utilização de tabaco, café e o sedentarismo são aspectos responsáveis pela aceleração da
perda de massa óssea. Desses, provavelmente o mais importante é o sedentarismo. Apesar de
não haver ainda muita clareza a respeito dos mecanismos de ação, acredita-se que a falta de
estímulos como a sobrecarga gravitacional e a falta de contração muscular, facilitam a perda
de minerais, uma vez que o tecido ósseo não é obrigado a sofrer grandes tensões; em outras
palavras, a falta de necessidade acaba provocando uma “adaptação” específica a essa situação.
Assim sendo, o exercício pode contribuir significativamente na prevenção dessa
doença, pois a sua ação é justamente o contrário do que fora descrito acima. Por isso, segundo
Mellerowicz & Meller (1987: 9), as Atividades Físicas conseguem promover o “(...)
crescimento ósseo e o aumento das saliências dos ossos”. Leite (1990) apresenta como uma
alteração importante o fortalecimento da estrutura esquelética, muscular e articular. McArdle;
Katch & Katch (1998), abordam a elevação do conteúdo mineral nos ossos; por fim, Dantas
(1998) descreve o aumento da elevação das enzimas ósseas e hipertrofia óssea.
112

No caso da osteoporose, a perda de minerais pode gerar não apenas as fraturas,


mas também dificuldade na recuperação. Com a realização de atividades físicas onde existe a
presença de pequenos impactos, como a caminhada, a corrida e a musculação, acarreta-se a
geração de estímulos suficientes para o desenvolvimento dos ossos e dos músculos,
permitindo o aumento sobretudo no seu diâmetro. Embora a musculação em si não exerça
impacto sobre os ossos, ela acaba fornecendo uma sobrecarga gravitacional, exercendo efeitos
benéficos sobre o esqueleto. Além disso, o próprio processo de contração muscular, quando
desencadeia os processos de hipertrofia, acaba também alterando o diâmetro ósseo devido ao
aumento da força que precisa ser suportada pelos ossos.

Similarmente ao aumento da sensibilidade à insulina produzida pelos exercícios


físicos, imagina-se uma maior sensibilidade do tecido ósseo aos hormônios
estimulantes da mineralização, induzida particularmente pelos exercícios com
cargas, e provavelmente pelo mecanismo de aumento numérico de receptores
hormonais. (SANTARÉM, 2000: 2-3)

Apesar de todo esse mecanismo de desenvolvimento dos ossos ainda não estar
muito claro, infere-se que a Atividade Física praticada de maneira regular e adequada à
situação de cada pessoa pode promover resultados bastante importantes nas transformações
fisiológicas. Por outro lado, é necessário reforçar a idéia de que a prática excessiva de
qualquer exercício é capaz de causar lesões. Em relação à questão do próprio esqueleto, é
comum ouvir-se falar de atletas que sofreram fratura por estresse. Nesses casos,
provavelmente a ação dos osteoclastos, células de desgaste dos ossos, é maior que a ação dos
osteoblastos, células responsáveis pela regeneração desse tecido. Dessa forma, ao invés de se
prevenir a osteoporose, pode-se promover a sua aceleração.
Outra doença aqui descrita, que sofre uma influência positiva do exercício, é a
obesidade. Essa se caracteriza pelo acúmulo acentuado de tecido adiposo subcutâneo, sendo
muitas vezes associada a outras doenças, como a hipertensão, a diabetes, entre outras.
As causas da obesidade são bastante diversificadas, podendo ser provocadas por
alterações hormonais, hiperfagia e por sedentarismo, entre outras. Independentemente dessas,
um dos aspectos mais importantes no desenvolvimento dessa doença é o chamado balanço
calórico positivo. Esse, por sua vez, é ocasionado pela relação entre ingestão de alimentos e
gasto energético diário, ou seja, todas as vezes que se come mais do que se gasta existe a
tendência de acúmulo dessa energia na forma de gordura, que, por sua vez, fica armazenada
113

logo abaixo da pele. A sua prevenção é, teoricamente, bastante simples, pois ela pode ser
evitada, simplesmente, gastando-se mais energia do que se consome diariamente. Para dar um
exemplo prático, pode-se dizer que um homem de 25 anos de 1,70 metros e com 70 quilos de
peso gasta diariamente algo em torno de 2200 quilocalorias (kcal) por dia. Se ele estiver
engordando, é suficiente que ele passe a gastar, por exemplo, 2500 kcal diariamente. Assim,
ele entra em um balanço calórico negativo, passando teoricamente a retirar, do tecido adiposo
a energia que está faltando para manter as funções necessárias à manutenção de sua vida. Esse
processo pode ser feito de três formas básicas, sendo: 1) fazer mais atividade física
diariamente, ou seja, gastar mais energia; 2) ingerir uma menor quantidade de alimentos e; 3)
aumentar a atividade física e reduzir a ingesta de alimentos, ou seja, reunir as duas
possibilidades anteriores. Segundo Powers & Howley (2000) e McArdle, Katch & Katch
(1998), cada vez que se gasta 3500 quilocalorias, perde-se 454 gramas de peso.
O excesso de peso em Goiânia chega a atingir 44,1% da população se considerado
os níveis enquanto sobrepeso/obesidade, apesar de haver diferenças entre estes conceitos, os
quais serão discutidos a seguir (Baptista, 2000).
A obesidade, enquanto uma doença, só é assim considerada a partir de
determinados níveis de acúmulo, podendo, dessa maneira, diferenciar-se do sobrepeso. Para se
falar nisso é fundamental que, antes de tudo, se defina quais são os padrões considerados
normais pela fisiologia, permitindo-se ainda considerar dois parâmetros diferentes. O primeiro
está baseado no percentual de gordura considerado ideal para que o organismo exerça as suas
funções normais, uma vez que esse tecido é responsável pelo controle de várias atividades
orgânicas. O segundo, mais simples de ser utilizado, é o índice de massa corpórea,
comumente denominado de IMC ou Índice de Quetelet.
De acordo com o primeiro parâmetro, o nível de gordura considerado como médio
varia entre homens e mulheres. Para eles, o peso de gordura médio varia de 9 a 16% de
gordura, sendo considerado acima da média de 17 a 24%, e obeso, acima de 25%. Para elas, o
peso considerado médio varia de 15 a 22%, evidenciando-se como acima da média de 23 a
29%, e a obesidade, acima de 30% (Farinatti & Monteiro, 1992). Esse fator se justifica devido
às diferenças de composição corporal entre homens e mulheres. Aqueles têm maior
quantidade de massa muscular, enquanto estas possuem uma maior quantidade de tecido
adiposo. Esse aparente excesso no caso das mulheres é responsável pelo controle do ciclo
menstrual. Existem evidências de que a redução acentuada do percentual de gordura das
114

mulheres (< 12%) pode gerar amenorréia, sendo esse um fato relativamente comum na vida de
mulheres atletas.
O segundo parâmetro adotado, o índice de massa corpórea (IMC), é a divisão

entre o peso corporal em quilogramas (Kg) e a altura ao quadrado em metros (m2). Segundo

McArdle, Katch & Katch (1998), valores entre 20 e 25 kg/m2 apresentam, baixo risco para a

saúde, de 25 a 30 kg/m2 as pessoas são consideradas pesadas; acima de 30 kg/m2 define-se a

obesidade, sendo que valores superiores a 40 kg/m2, apresentam alto risco para a saúde.
O que muitas pessoas consideram o grande problema da obesidade é que
normalmente ela está associada a uma maior incidência de problemas cardiovasculares,
sobretudo quando existe um alto grau de concentração de gordura na região do abdômen,
denominada de gordura andróide ou em maçã. Além disso, a obesidade geralmente predispõe
o organismo a outras doenças como a diabetes, o câncer e outras mais.
Um outro fator importante nessa discussão é a própria estética da obesidade. Em
uma sociedade em que o padrão corporal é determinado como um corpo magro, esguio e/ou
musculoso, o excesso de gordura destoa e incomoda por ser um corpo capaz de ser alcançado
por qualquer um.
Em relação a essa “patologia”, a atividade física teria basicamente duas funções. A
primeira delas é funcionar como um mecanismo cárdio-protetor, tal qual o padrão discutido na
questão da hipertensão e das adaptações cardiovasculares descritas anteriormente. Sobre essa
questão, Reid et al (1994) concluem que a redução de peso e o exercícios são parâmetros
aditivos, além de existir uma interação positiva em relação aos lípides. Essa pesquisa
apresenta uma possível redução nos riscos cardiovasculares quando se associam esses dois
aspectos.
O segundo, talvez mais importante, diz respeito ao aumento do gasto calórico
diário. Já foi visto anteriormente que, do ponto de vista teórico, é muito fácil emagrecer. Para
que isso aconteça, o organismo humano precisa gastar diariamente uma quantidade maior de
energia do que aquela que ele consumiu. Por isso, a Atividade Física se torna tão importante,
pois este aumento do gasto energético acontece através da prática corporal. Isso procede por
meio de três ações específicas e interligadas. A primeira diz respeito à utilização de gordura
subcutânea como fonte energética principal, fato que depende de uma série de reações
químicas e só se torna possível pela oxidação beta (Farinatti & Monteiro, 1992). Esse
115

processo é conseguido com a realização de exercícios moderados (não superiores a 50-55% do


consumo máximo de oxigênio – VO2), de longa duração (> 30 minutos).

A segunda forma é por meio da utilização de qualquer fonte energética que esteja
disponível, e ao se ingerir menos nutrientes do que aqueles depletados durante a realização
dos exercícios. Assim, qualquer atividade física que for realizada pode ajudar no processo de
perda de gordura desde que a ingestão alimentar seja reduzida em relação ao gasto. Dados
apresentados por Powers & Howley (2000), mostram que devido à alteração da composição
corporal, mesmo que houvesse uma ingesta próxima do gasto calórico, ainda assim haveria a
possibilidade de emagrecimento.
A terceira forma é aumentando a taxa metabólica basal – TMB. Essa taxa é a
resultante da quantidade de energia gasta diariamente para se exercerem as funções normais
do organismo e pode ser alterada em decorrência do efeito térmico dos alimentos, ou seja, o
dispêndio de energia necessário para se digerir os alimentos e pela Atividade Física, a qual,
por sua vez pode aumentar em até 10 vezes o valor da TMB. Essa alteração ocorre quando se
aumenta a quantidade de massa muscular no organismo, pois essa consome maior quantidade
de energia do que o tecido adiposo. Esse processo é conseguido com o aumento da massa
muscular por hipertrofia (aumento no tamanho das células). Segundo De Francischi & Lancha
Júnior (1997), a atividade aeróbia consegue manter ou mesmo aumentar os níveis de TMB,
desde que as restrições calóricas não sejam muito acentuadas. Segundo ela, a única forma que
provoca redução de peso às custas de massa magra (músculos) são as dietas feitas sem a
realização de Atividades Física paralelas.
Para concluir, apresenta-se a ação do exercício no câncer de cólon. Os dados
referentes a essas pesquisas ainda são recentes. Segundo Lee (2000b), a prática de atividades
físicas pode reduzir a incidência desse tipo de câncer. Isto acontece porque a “(...) atividade
física pode diminuir o período de trânsito intestinal, reduzindo então o risco de câncer pela
redução do contato entre cancerígenos, co-cancerígenos ou promotores no bolo fecal e na
mucosa do cólon” (Lee, 2000b: 31). Apesar desse dado estar posto de forma isolada, é
bastante interessante, pois, mesmo não havendo dados definitivos quanto à eficácia das
práticas corporais em outros tipos de câncer, no momento, diversos estudos estão sendo feitos
para se ter maior clareza sobre os possíveis efeitos das diferentes atividades, principalmente as
moderadas.
116

Enfim, todas essas evidências científicas comprovam os efeitos do exercício na


vida e na saúde das pessoas, de forma geral. Vários outros estudos poderiam ser apresentados,
e mesmo assim seria necessário um compêndio e ainda não seria suficiente para relatar toda a
produção existente nessa área. Todavia, todas as alterações apresentadas se restringiam a
funções fisiológicas, as quais estão muito bem fundamentadas pelas várias pesquisas
realizadas. Inclusive, quanto à prescrição da atividade física, atualmente, se utiliza como
prática suficiente à manutenção da saúde a realização de atividades físicas por trinta minutos,
na maior parte dos dias da semana, com intensidade de leve a moderada (Lee, 2000a). Esses
dados se diferenciam das sugestões anteriores que mencionavam a necessidade de realizar
exercícios contínuos, por, pelo menos, 20 minutos, três vezes por semana, como foi por muito
tempo preconizado por Cooper (1972).
No entanto, será que a mera ausência de doenças é suficiente para justificar que a
Atividade Física seja necessariamente um sinônimo de saúde, mesmo que se pense como
Barbanti (1990), que essa relação é alcançada com a melhoria da aptidão física? Os
levantamentos mais recentes demonstram, inclusive, que não existe uma relação direta entre a
melhoria da aptidão física e da saúde, o que também é defendido por Lee (2000a).
Mas, afinal de contas, o que é saúde? Como se estabeleceu essa relação entre a
saúde e a prática de Atividades Físicas?
Para se iniciar essa discussão, deter-se-á rapidamente no conceito de saúde. A
Organização Mundial de Saúde – OMS – define saúde como “(...) estado de completo
bem-estar físico mental e social e não meramente como ausência de doença.” O que pode ser
considerado, segundo os autores, como irrealista, pois esse estado de pleno bem-estar
dificilmente será alcançado. Essa afirmação é feita por eles, usando, como referência,
Gonçalves e Gonçalves, definindo: “(...) Saúde consiste na luta para superar as adversidades,
evidentemente nem sempre vencendo-as, mas procurando sempre fazer-lhes face.” (apud
Ramos et al, 1999: 796) Eles ainda complementam que apesar das divergências sobre o
conceito, tem-se clareza dos benefícios da atividade física para o desenvolvimento desse
parâmetro importante para a vida humana.
Deve-se refletir, no entanto, que a aquisição da saúde em seu estado e conceito
mais amplo irá depender de uma série de fatores cruciais. Para a obtenção de um nível
desejado de saúde, deve-se pensar no conceito da OMS como uma meta a ser atingida em um
curto espaço de tempo, uma vez que nele se encontram implícitos o acesso a um emprego
117

digno com um salário compatível, boas condições de moradia, saneamento básico, transporte,
alimentação, lazer entre outros indicadores sociais do mesmo porte. Dessa forma, a realização
de práticas corporais, por mais que tenham possibilidade de intervenção sobre uma série de
aspectos fisiológicos, como foi visto anteriormente, torna-se insuficiente para, sozinha,
promover saúde. Essa possibilidade não está dada nem a outras áreas de atuação profissional,
como a medicina, enfermagem, nutrição, apenas para citar algumas. É preciso, assim,
transformar a sociedade de maneira ampla para que esse conceito da OMS seja possível a
todas as pessoas. Nesse sentido a realização de Atividades Corporais, pelo menos como
elemento constitutivo dos momentos de lazer, ou seja, ela também deve estar incorporada ao
quotidiano das pessoas como instrumento de obtenção de um patamar de saúde elevado.
Mas, afinal, quando se estabelece o nexo da relação Atividade Física e Saúde, de
que saúde está-se falando? Onde aparece esse discurso que mantém a sua força e quais os seus
objetivos reais? Tentar-se-á responder a essas perguntas por partes, como forma de se
evitarem equívocos.
A resposta à primeira pergunta já foi dada de uma certa forma quando se discutiu
a corrente higienista da Educação Física no início deste capítulo. Porém, falta dizer do “tipo”
de saúde: a saúde pública, a qual, conforme disse Soares (1994), era responsável pelo controle
das epidemias dos trabalhadores. Os modelos de saúde pública, principalmente na Europa dos
séculos XVIII e XIX, tiveram pelo menos três formatos: o alemão-estatal, que primava pela
normalização principalmente dos médicos; o francês-urbano, pautado na vigilância e nas
quarentenas; e o inglês, entendido como o mais eficiente, sendo

... essencialmente um controle da saúde do corpo das classes mais pobres para
torná-las mais aptas ao trabalho e menos perigosas às classes mais ricas.
Essa fórmula da medicina social inglesa foi a que teve futuro,
diferentemente da medicina urbana e sobretudo da medicina de Estado. O sistema
inglês (...) possibilitou, por um lado, ligar três coisas: assistência médica ao pobre,
controle de saúde da força de trabalho e esquadrinhamento geral da saúde pública,
permitindo às classes mais ricas se protegerem dos perigos gerais. (FOUCAULT,
1999: 97)

Esse processo é essencial para se fazer um controle rígido do proletário, capaz de


ser duplamente perigoso, como já foi dito. Primeiro, pelas epidemias, e segundo, pela
possibilidade de levante social contra os mais ricos.
Essa idéia do “pobre como perigo” é descrita por Foucault (1999), uma vez que
esse pobre, movido por uma série de questões sociais como a falta de empregos, além de suas
118

epidemias, precisa sofrer a ação de um controle eficiente. O autor apresenta três razões que
permitiram o aparecimento dessa forma de saúde pública na Inglaterra: a) política, devido aos
vários levantes decorrentes da revolução francesa no início do século; b) a dispensa de
serviços realizados pelos pobres, que tiraram deles o sustento, e: c) a epidemia de cólera,
ponto de partida para a criação, dentro das cidades, dos bairros ricos e pobres. Esses fatos
geram

... algo importante na história da medicina social: a idéia de uma assistência


controlada, de uma intervenção médica que é tanto uma maneira de ajudar os mais
pobres a satisfazer suas necessidades de saúde, sua pobreza não permitindo que o
façam por si mesmos, quanto um controle pelo qual as classes ricas ou seus
representantes no governo asseguram a saúde das classes pobres e, por
conseguinte, a proteção das classes ricas. Um cordão sanitário autoritário é
estendido no interior das cidades entre ricos e pobres: os pobres encontrando a
possibilidade de se tratarem gratuitamente ou sem grande despesa e os ricos
garantindo não serem vítimas de fenômenos epidêmicos originários da classe pobre.
(FOUCAULT, 1999: 95)

Fica evidente o controle que é exercido pela medicina nesse momento da história
inglesa. No Brasil, o processo é bastante semelhante no sentido de que as informações e
saberes advêm dos países desenvolvidos. Esses, por sua vez, desencadeiam uma estrutura de
pesquisas isoladas e, posteriormente, realizadas em institutos. O conhecimento produzido
beneficia primeiro as populações urbanas e os militares, só se tornando acessível às outras
classes posteriormente. Nesse processo,

É possível perceber que a introdução e a consolidação do conceito de


divisão do trabalho, implícito na dicotomia entre trabalho físico e trabalho
intelectual, (...). Ou seja, a sociedade se percebia muito mais complexa. A diferença
no interior do ‘organismo social’ se acentuava a cada dia em decorrência do
avanço cultural e material. (CARVALHO, 1995: 43)

Ao se dar a consolidação da divisão social do trabalho facilita-se a separação entre


grupos dominantes e dominados, entre patrão e empregado dando ao primeiro supremacia
sobre o segundo, até pelo domínio de técnicas de combate às enfermidades. À proporção que
se estabelece uma medicina social que dá o respaldo necessário para a expropriação do
trabalhador, garantindo a sua saúde e a sua capacidade de produção, faz-se necessário a
criação de mecanismos capazes também de garantir uma educação eficiente em relação aos
conceitos médicos. Aparece, assim, no âmbito do conhecimento científico, uma nova prática
com habilidade para resolver esse problema: a Educação Física. É nesse contexto, o do
119

controle dos pobres, que essa “nova área do conhecimento” vai fixar-se, estabelecendo a
relação com a saúde, apropriando-se, inclusive do discurso das ciências naturais, um discurso
positivista que lhe garante status suficiente para se firmar na constelação social. Isto irá
constituir-se em um processo que Foucault (1999) denominará de tecnologia da disciplina.
Ainda sobre isso, Soares (1994) diz que,

As tecnologias políticas que investirão sobre o corpo, sobre a saúde,


sobre as formas de se alimentar e morar serão traduzidas pelo discurso da boa
higiene que irá postular as ‘regras de bem viver’, as quais, uma vez ‘conhecidas’,
permitiriam o alcance da tão almejada saúde. Entretanto, o que este discurso omite
é que são as condições sociais e as diferenças de classes que impedem o pleno
acesso às tão decantadas regras de ‘bem viver’ e não o seu simples
‘(des)conhecimento’. O pensamento médico higienista vai criar um universo de
modos, atitudes e saberes (que devem ser conhecidos) e que são requeridos pela
civilização burguesa para a manutenção da ordem. Dentro deste quadro político,
social e econômico é elaborado mais uma forma de intervenção na realidade social,
a qual operará tanto ao nível corporal dos indivíduos isoladamente, quanto ao nível
do ‘corpo social’, quando tornada hábito. Estamos nos referindo à Educação
Física, que já no século XIX chega aos foros científicos com seu conteúdo
médico-higiênico e com sua forma disciplinar voltada ao ‘corpo biológico’
(individual) para, a partir dele, moralizar a sociedade além de ‘melhorar e
regenerar’ a raça.
A Educação Física construída por uma sociedade naturalizada e
biologizada será então tomada como a ‘educação do físico’, e associada
diretamente à saúde do ‘corpo biológico’ (leia-se social). (SOARES,1994: 41-2)

Outra autora que parte do mesmo ponto é Carvalho (1995), quando define a
relação anterior como um mito. Ela explicita que

Beleza, vida social ‘agitada’, redução de riscos de ocorrência de doenças causadas


por estresse, o bem-estar e o sucesso. O indivíduo que não ‘se afina’ com esta
lógica é considerado preguiçoso, ‘negativo’, sem força de vontade, fraco, sem
ânimo, sem autoridade, poder, importância, influência e expressão.
E esse aparato ‘planejado’- pela sociedade como um todo (...) – para
relembrar, diariamente, às pessoas as suas obrigações com o seu corpo e, direta e
indiretamente, com o consumo que lhe propicia a devida atenção a ele, faz com que
elas cada vez mais se distanciem, e muito da crítica, da percepção da realidade que
as envolve.
Concluindo. Uma vez que o ‘mito’ compõe o nosso cotidiano,
sinalizando determinada compreensão da realidade –‘sem necessidade de provas’–,
ele assume a função de ‘modelar’ o indivíduo e não de explicar os fatos. E assim o
‘mito’ atividade física como saúde ganha ‘forma’. (CARVALHO, 1995: 127)

Mas, afinal, se a Atividade Física não é sinônimo de saúde e sim um mito que se
perpetua, e que ainda é utilizado no processo de exclusão social e controle da população, qual
é então o seu objetivo? O que faz presente uma prática social que apresenta um discurso por
vezes contraditório?
120

A resposta a essas questões pode estar no consumo. As práticas corporais


constituem atualmente a chamada indústria cultural, elemento já discutido no capítulo 2, e
que, apesar de seus benefícios, também identificados, acaba atuando muito mais pelas
pedagogias do medo e da culpa (Quint & Matiello Júnior, 1999), do que pela própria educação
em si.

Em síntese, nesta análise crítica mostra-se o quanto está implícito que


Saúde é vista como ausência de doenças, tratada de forma compartimentalizada e
como problema pessoal do indivíduo. Ou seja, sob este modelo, pessoas que não
dispõem de boa Saúde são vistas como deficientes e até moralmente culpadas.
Profissionais da Saúde culpam estas pessoas por sua obesidade, dependência
química ou estilo de vida sedentário. ‘Pessoas ‘sem Saúde’ são rotuladas e tratadas
de acordo.’ (op. Cit., p. 106). Assim, pessoas com estilo de vida ativo e sem doenças
são congratuladas e incentivadas a continuarem com sua decisão, bem como
pessoas doentes e que não se mantém fisicamente ativas têm somente a si próprias a
culpar. É portanto responsabilidade pessoal ‘reparar’ danos à Saúde, por si
mesmos ou com assistência especializada.
Tenta-se regular a vida das pessoas através do medo, apesar de na
prática saber-se que a longo prazo isto traz efeito adverso. Os autores (...) afirmam
que os efeitos mais comuns dessas estratégias são aborrecimento, desleixo e senso
de defesa. (QUINT & MATIELLO JÙNIOR, 1999: 869)

Esses mesmos autores acrescentam, ainda, sobre esses fatores que

Ao se considerar o significado pessoal, não se tem o intuito de individualizar a


questão, transformá-la de eminentemente cultural e social em egocêntrica, mas
ressaltar que não se deve generalizar as estratégias para se obter sucesso. O
indivíduo, o ser no mundo, precisa ser considerado em sua complexidade, num
ambiente dinâmico de relações e interesses.
Talvez o que deva ser combatido e alterado sejam as maneiras pelas
quais se impõe nas pessoas o hábito pela atividade física, em detrimento ao gosto
por elas, como remédio que todos, sem exceção, da mais tenra idade até a mais
‘frágil’ velhice devem consumir, no intuito de não causar prováveis prejuízos aos
cofres políticos. (idem, p. 871) (Grifo nosso)

Nessa mesma esteira de compreensão, a atividade física acaba por ser entendida
como um processo, muito mais preocupado com a circulação de mercadorias entre as quais se
encontram o próprio corpo, os tênis, as roupas e agasalhos, além da própria atividade física –
do que com o desenvolvimento da saúde em si. Pode-se finalizar essa pequena discussão de
apresentar a não existência dessa relação ao menos de forma direta utilizando as palavras de
Schineider (1999), quando diz:

O corpo como padrão de beleza e saúde se tornou um produto, uma


mercadoria, um fetiche, um objeto de adoração, ao qual é dedicado substancial
tempo, que tanto pode ser de manipulação (para aqueles que possuem este tempo),
121

ou de contemplação como objeto dos desejos, para aqueles que por falta de
condições concretas, absorvem apenas o discurso irreal/ideal do corpo perfeito. (p.
878) (Grifo Nosso)

Essa reflexão sobre o papel do corpo e do padrão de beleza, sobretudo deste, como
superior a uma possível saúde fisiológica, está atrelada a um discurso em muito relacionado
com o higienismo do final do século XIX, que precisa ser constantemente repensado.
A fim de verificar o nível de influência da saúde, como elemento fundamental na
prática de Atividades Corporais dos sujeitos estudados, foram levantados alguns dados. As
tabelas 10 a 17 analisam essas questões.

Tabela 10: Relação Entre tempo de atividade dos Praticantes de Atividade Física, por Faixa
Etária
FAIXA ETÁRIA
TOTAL
Tempo de atividade 20-30 31-40 41-50
f % f % f % f %
3 Meses 0 0 5 31,25 0 0 5 6,49
4-6 meses 5 14,28 3 18,75 1 5,55 9 11,68
6-11 meses 6 17,14 3 18,75 1 5,55 10 12,98
1 ano 05 14,28 4 16,66 7 38,88 16 20,77
2 anos 8 22,85 2 12,5 2 11,11 12 15,58
> 3 anos 11 31,42 7 43,75 7 38,88 25 32,46
Total 35 100 24 150 18 100 77 100
122

Na tabela 10, são apresentados os dados relativos ao tempo de prática dos


informantes. Pela tabela, fica patente que as pessoas que realizam atividades físicas o fazem
há muito tempo, três anos ou mais (32,46%). Isso derruba, possivelmente, o mito de que as
atividades físicas realizadas em academias possuem um alto grau de rotatividade. Apesar de
não se perguntar especificamente se essas atividades foram feitas sempre no mesmo local,
sugere uma fidelidade, se não à Academia onde foram entrevistados, ao menos quanto à
realização de exercícios. Apesar disso ser um dos pontos de corte, realizar Atividade há mais
de três meses, não se esperava que a maior proporção de pessoas tivesse tanto tempo assim de
prática.
Ao se somar o percentual de pessoas que realizam essas atividades há mais de 1
ano, percebe-se que 68,81% das pessoas têm esse tempo de prática. Esse dado sugere uma
aderência bastante significativa em relação ao tempo de realização. Deve-se comentar ainda,
que, devido ao fato das pessoas poderem viajar nas férias, aceitava-se o afastamento de até um
mês, pois, dessa maneira, não haveria uma interrupção significativa. Além disso, dentro das
próprias teorias do treinamento desportivo, admite-se um intervalo, denominado de período de
transição, de um mês, dentro do treinamento, o que é indicado para aliviar o stress provocado
pela atividade física.
Os dados indicaram diferença significativa (p < 0,05) entre os grupos quanto ao
tempo de prática. Pode-se verificar que o grupo que apresenta o menor tempo de prática em
relação aos outros é o grupo de adultos médios, com 68,75% do total, com tempo inferior a 1
ano, enquanto o grupo que apresenta o maior tempo de prática é o de adultos maduros, com
88,87% de prática, com tempo superior a 1 ano. Do ponto de vista percentual, o grupo de
adultos médios é o que apresenta maior tempo de prática absoluto, superior a 3 anos, com
43,75%. Esse dado contraditório é interessante, pois a sensação que se tem é que esse grupo,
quando começa a praticar uma atividade, se mantém fiel a ela. Entretanto, esse tipo de dado só
poderia ser confirmado através de um estudo longitudinal, o que não foi possível na realização
deste trabalho.
Procurou-se identificar se as pessoas que praticavam a atividade física há mais
tempo, tinham-na como mais importante do que os demais grupos. Realizando esse
cruzamento, observou-se que, do total, apenas seis pessoas colocavam a prática corporal como
a coisa mais importante de suas vidas. Dessas, nenhuma delas freqüentava academia há menos
123

de um ano. Por outro lado, se forem consideradas as três primeiras colocações para a
Atividade Física, com o tempo de prática, observa-se que 16 pessoas (20,77%) têm 3 anos ou
mais; 12 (15,38%) têm 2 anos; 6 (7,79%) têm 1 ano; 4 (5,19%) praticam de seis a onze meses;
6 (7,79%) têm de três a seis meses, e apenas 2 (2,59%) praticam há três meses. Esses dados
permitem inferir que as pessoas que consideram essa prática mais importante realizam-na há
mais tempo.
Na tabela 11, são destacados os dados relativos ao número de vezes na semana
que as pessoas freqüentam as academias. Do total, 33,76% realizam atividades 5 vezes na
semana e 29,87%, três vezes. Apesar das pessoas informarem que vão à Academia todos os
dias, pelo menos de segunda-feira à sexta-feira, esse dado se apresenta como contraditório,
pois uma das maiores dificuldades encontradas na coleta dos dados foi conseguir localizar as
pessoas sorteadas para realização da entrevista, apesar de ser feito um rodízio entre os dias e
horários. Os dias em que se encontravam maiores dificuldades em achar as pessoas eram as
quintas e sextas-feiras, dias em que as academias ficavam bastante vazias.

Tabela 11: Freqüência Semanal à academia dos Praticantes de Atividades Físicas, por
Faixa Etária*
FAIXA ETÁRIA
TOTAL
Freqüência semanal 20-30 31-40 41-50
f % f % f % f %
02 vezes 2 5,71 0 0 0 0 2 2,59
03 vezes 9 25,71 11 45,83 3 16,66 23 29,87
04 vezes 6 17,14 3 12,5 2 11,11 11 14,28
05 vezes 13 37,14 6 25 7 38,88 26 33,76
124

06 vezes 3 8,57 4 16,66 5 27,77 12 15,58


07 vezes 2 5,71 0 0 1 5,555 3 3,89
Total 35 100 24 100 18 100 77 100
* Não houve nenhuma resposta para 1 vez por semana.

Outro aspecto importante de ser apresentado é o fato das pessoas informarem uma
quantidade de práticas que se pode tornar inviável nas academias, pois mencionam realizar
atividades 7 vezes por semana, uma vez que as academias não abrem aos domingos. Todavia,
pode-se inferir que, ao indicar essa quantidade de vezes, as pessoas poderiam estar indicando
a realização de atividades fora da academia, como as caminhadas, que não dependem daqueles
locais. Apesar de ser uma possível falha na coleta de dados, a elaboração do instrumento, a
priori, tinha um direcionamento geral, não se restringindo, nesse caso específico, ao que
ocorre na academia. Do ponto de vista da saúde, entretanto, teoricamente, quanto maior o
número de dias da semana que as atividades físicas são realizadas, maior a probabilidade delas
surtirem os efeitos desejados na saúde. Além disso, as práticas realizadas nos finais de semana
podem ter outros objetivos como o lazer.
Na tabela 12, verifica-se o período de realização das atividades físicas.

Tabela 12: Período da Realização da Atividade Física, por Faixa Etária


FAIXA ETÁRIA
TOTAL
Horário 20-30 31-40 41-50
f % f % f % f %
Manhã 11 31,42 14 58,33 10 55,55 35 45,45
Tarde 7 20 4 16,66 01 5,55 12 15,58
Noite 17 48,57 6 25 07 38,88 30 38,96
125

Total 35 100 24 100 18 100 77 100

Na tabela 12 são demonstrados os dados do período em que as pessoas freqüentam


a academia. Nessa tabela a diferença é considerada significativa (p < 0,05) entre os grupos. O
período matutino é o que congrega maior número de participantes, com 45,45% do total de
informantes realizando as suas atividades. Chama a atenção o fato de que, do público em
geral, os adultos jovens apresentam uma preferência pelo período noturno (48,57%), enquanto
os outros grupos realizam as suas atividades no período matutino, com maior freqüência.
Descarta-se, aqui, a hipótese da amostragem ter influenciado o resultado, uma vez que ocorria
o rodízio de dias e horários de visitas às academias, embora as respostas dependessem das
pessoas que eram encontradas nas academias, de acordo com o sorteio realizado.
Também chama a atenção, nesse caso, o fato da maior parte dos entrevistados,
realizarem as suas atividades físicas no período da manhã, sobretudo os adultos médios e
maduros, aspecto este que demonstra uma certa tranqüilidade das pessoas em relação ao seu
horário de trabalho, sugerindo fazerem parte da população que possui certos privilégios em
relação a horários, mesmo sendo, em sua maioria, trabalhadores, colocando-os em perspectiva
diferenciada do ponto de vista social.
A tabela 13 apresenta os dados relacionados ao tempo gasto na realização das
atividades físicas por dia.

Tabela 13: Tempo gasto no treinamento (por dia) pelos Praticantes de Atividade Física,
por Faixa Etária.
FAIXA ETÁRIA
TOTAL
Tempo de atividade 20-30 31-40 41-50
f % f % f % f %
< 1 hora 2 5,71 4 16,66 4 22,22 10 12,98
126

< 2 horas 28 80 16 66,66 11 61,11 55 71,42


< 3 horas 4 11,42 4 16,66 3 16,66 11 14,28
> 4 horas 1 2,85 0 0 0 0 01 1,29
Total 35 100 24 100 18 100 77 100

Em sua maior parte (71,42%), os sujeitos gastam um período entre 1 e 2 horas de


atividade física. Uma possível explicação para esse fato pode estar ligado à modalidade mais
praticada: a musculação. Nesta aula, não existe um tempo fixo como em outras, por exemplo a
ginástica, o que permite uma maior flexibilidade no tempo para a sua realização,
principalmente se for levado em consideração que após cada série é feito um intervalo,
variável segundo o objetivo traçado, a ficha montada pelo professor, e até mesmo a
capacidade de recuperação do aluno. Ademais, a realização de exercícios em períodos
superiores a esse, normalmente, só se faz necessária em casos especiais, como o dos atletas,
uma vez que o seu volume de trabalho é muito elevado e demanda maior espaço de tempo
para a sua realização completa. Pode-se observar, também, que apenas 15,57% mantêm uma
prática em tempo maior do que o de duas horas. E desses, apenas 1, 29% praticam atividades
por períodos iguais ou superiores a quatro horas.
Os dados das tabelas 11 a 13, contribuem para caracterizar as pessoas que
participaram da pesquisa. Esses aspectos serão importantes para se entenderem os seus
objetivos. Do ponto de vista teórico, deve-se pensar que ao se usarem tanto os parâmetros
anteriores (uma hora, três vezes por semana), como os atuais (trinta minutos, na maior parte
dos dias), a maior parte dos informantes ultrapassa esse tempo mínimo, ou seja, até mesmo
aqueles que o fazem por menos de uma hora (12,98% do total). Teoricamente, apenas 32,46%
do total não se encaixam na freqüência semanal considerada ideal; realizam esses exercícios
na menor parte dos dias da semana. Mas não se deve esquecer da contradição entre o discurso
e a prática, pois se os outros 67,54% realmente estivessem freqüentando, conforme dizem, as
academias possivelmente não ficariam quase desertas de quinta-feira em diante.
A seguir serão apresentados os dados relacionados com a realização de exames
médicos pelos praticantes.

Tabela 14: Realização de Exame Médico pelos Praticantes de Atividade Física por Faixa
Etária.
Exame médico FAIXA ETÁRIA TOTAL
127

20-30 31-40 41-50


f % f % f % f %
Sim 24 68,57 18 75 15 83,33 57 74,02
Não 11 31,42 6 25 3 16,66 20 25,97
Total 35 100 24 100 18 100 77 100

Na Tabela 14, consta a incidência de realização de exames médicos. Deve-se


observar que, no total, 74,02% das pessoas realizaram exames antes de começar a praticar
exercícios, principalmente os adultos maduros de acordo com Weineck (1991), após os 40
anos devem-se realizar exames ao se iniciar a prática de qualquer atividade, o que pode ser
dispensado em pessoas mais jovens, desde que estas não apresentem nenhuma restrição ou
enfermidade ao iniciar o seu programa de exercícios. É interessante observar também que a
realização cresce proporcionalmente à idade.
Pode-se também verificar a questão do gênero, analisando se as mulheres
realizaram mais ou menos exames médicos do que os homens. Do total de 56 mulheres, 47
(83,92%) delas os realizaram antes de iniciar atividades físicas, enquanto apenas 10 (47,61%)
entre os 21 homens fizeram isso. Levando-se em consideração uma maior possibilidade de os
homens apresentarem problemas de saúde, sobretudo os cardiovasculares, pode-se dizer que
as mulheres demonstram maior nível de informação sobre esse assunto, ou, então, de cuidado
consigo mesmas.
A seguir, na tabela 15, apresentam-se os locais onde as pessoas que realizaram os
exames médicos.

Tabela 15: Local do Exame Médico realizado pelos Praticantes de Atividade Física, por
Faixa Etária.
FAIXA ETÁRIA
Local de realização TOTAL
20-30 31-40 41-50
do exame
f % f % f % f %
128

Academia 8 33,33 3 16,67 6 40 17 29,82


Centros de Saúde 11 45,83 12 66,66 8 53,33 31 54,39
Não lembra 4 16,67 3 16,67 1 6,67 8 14,04
Outros 1 4,17 0 0 0 0 1 1,75
Total 24 100 18 100 15 100 57 100

Nas tabelas 15 e 16, que complementam as respostas da tabela anterior, destaca-se


o fato de que a maior parte dos exames médicos foi realizada na própria academia freqüentada
pelos entrevistados (29,82%), seguida pelos hospitais, com 21,05%. Esses dados sugerem a
preocupação dessas academias em atender bem os seus clientes, confortavelmente, realizando
exames no próprio local, mesmo ensejando pequeno aumento no valor da matrícula e/ou
mensalidade, uma vez se tratar de “mais um serviço prestado”.
A seguir, visualizam-se, na tabela 16, os dados relativos ao motivo
que levou essas pessoas a realizarem os exames médicos.

Tabela 16: Motivo para a realização do Exame Médico pelos praticantes de Atividade
Física, por Faixa Etária.
FAIXA ETÁRIA
TOTAL
Por que fez o exame 20-30 31-40 41-50
f % f % f % f %
Exigência da Academia 12 50 10 55,56 5 33,33 27 47,36
Para Saber como estava 4 16,66 0 0 3 20 7 12,29
Histórico Familiar/Pessoal 4 16,66 2 11,11 0 0 6 10,52
Rotina 1 4,16 2 11,11 4 26,67 7 12,29
Pela Idade 0 0 1 5,56 1 6,67 2 3,51
Outros Motivos 3 12,5 3 16,66 2 13,33 8 14,03
Total 24 100 18 100 15 100 57 100

De acordo com os dados apresentados, 47,36% o fizeram apenas porque a


academia exigiu e 12,28 % preocuparam-se em saber como estavam, ou seja, se tinham
condições adequadas para realizar exercícios sistematicamente. Teoricamente, os adultos
maduros são os que mais devem ter essa preocupação. Mas, mesmo assim, não parecem estar
129

preocupados com isso ou mesmo saber algo a esse respeito. Entre os outros motivos
apontados, encontram-se a presença de problemas anteriores, histórico familiar e exame de
rotina. Esta devendo ser estendida a todos os praticantes, pois evita surpresas desagradáveis e
pode até mesmo garantir a integridade dos alunos. Após analisar o motivo pelo qual as
pessoas realizaram os seus exames, é interessante se retomar a discussão, sobre qual é o
gênero que mais o fez. Ao se pensarem os dados da tabela 14, com a 16, pode-se inferir, além
de uma maior preocupação das mulheres com a saúde, uma possível pressão por parte das
academias, sentida por elas mais do que pelos homens, quanto à necessidade de realização dos
exames médicos.
Além disso, os próprios dados apresentados na tabela 15, quanto ao local de
realização dos exames, apresentam uma incidência significativa de realização dentro das
academias (29,82% do total). Da freqüência total, entre as 47 mulheres que fizeram o exame
médico, 15 (31,91%) delas o realizaram na própria Academia, enquanto apenas 2 (20%) dos
10 homens utilizaram esse local. Se por um lado esses dados refletem a preocupação delas
com a saúde, por outro parecem refletir uma cessão aos “serviços” prestados pelas academias,
influenciadas, ambas – Academia e alunas – pelas necessidades postas pela Indústria Cultural,
uma vez que um de seus papéis é a cooptação dos indivíduos para seguir a lógica do mercado.
Os dados referentes à presença de saúde como objetivo definido de realização da
atividade física podem ser verificados na tabela 17.

Tabela 17: A Saúde como objetivo dos praticantes de atividade física, por Faixa Etária
FAIXA ETÁRIA
Praticam atividades por TOTAL
20-30 31-40 41-50
saúde
f % f % f % f %
Sim 18 51,42 10 41,66 9 50 37 48,05
Não 17 48,58 14 58,34 9 50 40 51,95
Total 35 100 24 100 18 100 77 100

Entre os objetivos apontados por todas as faixas etárias, chama a atenção o fato de
os adultos jovens indicarem mais aspectos relacionados à prática das Atividades por saúde, do
que as outras faixas etárias, até mesmo da dos adultos médios, que se esperava apresentarem
essa preocupação. Embora essa diferença não seja considerada significativa do ponto de vista
130

estatístico, pode sugerir dois aspectos interessantes. O primeiro é o fato de os próprios adultos
maduros não terem a saúde como um ponto principal, visto que entre eles as alterações
orgânicas decorrentes da idade são mais acentuadas. Um segundo aspecto é o fato de os
adultos jovens terem apontado a saúde como objetivo, o que poderia sugerir uma maior
conscientização dessa geração com a necessidade da prática regular de Atividades Corporais,
o que poderia justificar a denominação “Geração Saúde”, embora se possa pensar em
aspectos ideológicos dessa nomenclatura devido a uma possível exacerbação de preocupação
com a saúde e não com outros aspectos sociais importantes. Esses fatos indicam uma
influência importante das relações sociais, colocadas pela Indústria Cultural, pois a saúde e o
corpo se apresentam como mercadorias de alto valor, aspecto no qual se deve concordar com
Schineider (1999).
Pode-se destacar, ainda, o nível de satisfação que foi indicado pelos praticantes
que freqüentam as academias pesquisadas procurando saúde. Entre as trinta e quatro pessoas
consultadas que mencionaram esse objetivo, a média de satisfação com a suas atividades é de
7,16 pontos, apresentando um desvio padrão de 1,25. Essa média dá a entender um nível
bastante razoável em relação ao alcance do objetivo mencionado.
A informação dos sujeitos sobre a relação entre as atividades físicas e a saúde
pode ser verificada na tabela 18.

Tabela 18: Relação entre os exercícios e a saúde, segundo os praticantes de Atividade Física,
por Faixa Etária
131

FAIXA ETÁRIA
De uma forma geral a atividade física contribui para:
20-30 31-40 41-50
1. Auxiliar no tratamento de diabetes* 4,20 4,54 3,27
2. Encontrar o equilíbrio pessoal 1,42 1,45 1,27
3. Melhorar a resistência* 4,97 4,91 4,55
4. Prevenir a obesidade 4,85 4,91 4,61
5. Prevenir doenças do coração 4,85 4,79 4,88
6. Reduzir a pressão arterial 4,51 4,70 4,38
7. Reduzir as conseqüências da Osteoporose 4,54 4,50 4,88
8. Ter mais saúde 4,94 5,00 4,77
9. Viver com melhor qualidade* 4,94 4,70 5,00
* Estas afirmações apresentam diferenças significativas entre os grupos (p< 0,05).

A Tabela 18 apresenta a média das respostas dos informantes às questões


relacionadas à saúde (Anexo III-A). Verifica-se a ocorrência de médias com diferenças
significativas entre os grupos, de acordo com o índice de Krusk-Wallis, com relação à
diabetes, à melhoria da resistência e ao viver com melhor qualidade. Além do mais, uma
dessas questões chamou a atenção durante a pesquisa, pois várias pessoas, apesar de
responderem às questões, diziam não ter conhecimento a respeito do efeito do exercício na
diabetes, o que permite inferir que tais benefícios não têm sido divulgados de maneira ampla.
Assim, da mesma forma que as doenças cardiovasculares e a obesidade recebem uma atenção
especial, pelos profissionais da área de saúde e da Educação Física, essa é uma doença
metabólica importante, a qual deveria receber o mesmo tratamento, pois está associada a
várias outras doenças.
Para se chegar a um entendimento melhor sobre a questão da saúde, por faixa
etária, após a determinação das médias e do desvio padrão, as respostas foram agrupadas por
categoria e distribuídas de acordo com os dados apresentados. Percebe-se que entre os adultos
jovens a média de informação sobre saúde alcançou 4,72; entre os adultos médios, 4,75; entre
os maduros, 4,54; estabelecendo uma média geral de 4,67 pontos, em cinco possíveis. Daí se
poder afirmar que, se a saúde não é o objetivo central em sua prática, ao menos os adultos têm
consciência dos efeitos da Atividade Corporal, embora o menor índice esteja entre os adultos
maduros, que deveriam ter um maior nível de informação a respeito.
132

O estudo verificou, também, a opinião dos informantes sobre o porquê de as


pessoas praticarem atividade física. Os itens relacionados à saúde, assim como as médias
obtidas, estão presentes na tabela 19.

Tabela 19: Influência dos exercícios sobre a saúde, segundo os praticantes de Atividade
Física, por Faixa Etária
FAIXA ETÁRIA
As pessoas praticam atividade física para...
20-30 31-40 41-50
1. Para aumentar a capacidade física 4,68 4,75 4,61
2. Para se sentirem bem 4,65 4,70 4,44
3. Para terem sua saúde melhor 4,82 4,87 4,94
4. Porque o médico mandou 3,65 3,70 4,22

A primeira análise que pode ser feita a respeito desses dados é de que em nenhum
item ocorreu diferença significativa entre os grupos, segundo o índice de Krusk-Wallis.
Destaca-se o fato dos Adultos Maduros acreditarem que a maior parte das pessoas realizam
práticas corporais por saúde. Apesar da pergunta ser feita pensando-se em outras pessoas, ela
pode representar aquilo que a pessoa faria no caso dela. Isso significa que essas pessoas
possivelmente fazem Atividades pensando em saúde, embora esse possa não ser o seu
objetivo principal. Também é digno de nota que esse “interesse” pela saúde aumenta com a
idade, segundo os dados, visto como a média dos itens de 4,38 entre os adultos jovens; 4,44
entre os adultos médios; e 4,59 para os adultos maduros.
Enfim, a saúde acaba por se apresentar como aspecto importante na prática
corporal nas academias pesquisadas. Resta saber se esse é o elemento principal, haja vista que
outros componentes devem ser discutidos.

2. A Atividade Física e a Estética

Para se iniciar esta discussão deve-se, em primeiro lugar, definir o que seja
estética. A princípio, a estética tem a ver com tudo o que é belo e, nesse sentido, pode-se
encontrar a estética presente no corpo humano, em um texto literário, na música ou em
qualquer forma de arte. A estética pode estar na sublimação de um sentido ou na percepção
sutil de um pequeno gesto. A leveza, a perfeição são normalmente palavras usadas para
133

exprimir algo que, na realidade, em algumas situações, não pode ser expresso. A estética é,
assim, o ser ou algo emanante a ele, justamente no que possui de mais completo/complexo. É
o êxtase em estado puro.
Essa palavra, que pode representar a beleza em seu estado máximo, na realidade

... surgiu como um discurso sobre o corpo. Em sua formulação original, pelo
filósofo alemão Alexander Baumgarten, o termo não se refere primeiramente à arte,
mas, como o grego aisthesis, a toda a região da percepção e sensação humanas, em
contraste com o domínio rarefeito do pensamento conceitual. A distinção que o
termo ‘estética’ perfaz inicialmente, em meados do século XVIII, não é aquela entre
‘arte’ e ‘vida’, mas entre o material e o imaterial: entre coisas e pensamentos,
sensações e idéias; entre o que está ligado a nossa vida como seres criados
opondo-se ao que leva uma espécie de existência sombria nos recessos da mente.
(...) Este território é nada mais do que a totalidade de nossa vida sensível – o
movimento de nossos afetos e aversões , de como o mundo atinge o corpo em suas
superfícies sensoriais, tudo aquilo enfim que se enraiza no olhar e nas vísceras e
tudo o que emerge de nossa mais banal inserção biológica no mundo. (...) Ela
representa assim os primeiros tremores de um materialismo primitivo – de uma
longa e inarticulada rebelião do corpo contra a tirania do teórico. (EAGLETON,
1993: 17) (Grifo do autor)

A estética assume, dessa forma, a responsabilidade filosófica de voltar seus olhos


para algo que parecia ter desaparecido aos olhos do racionalismo: a beleza. Essa, por sua vez,
tende a promover toda a sua rebelião contra uma racionalidade técnica e mecanicista que
procura impor ao corpo, ao seu ser, à sua expressão e à sua forma: uma repressão que acaba
por não ser possível, uma vez que essa [beleza] persiste em nos saltar aos olhos.
Porém, se não é possível vencê-la, a união, ou melhor, a incorporação e
apropriação dela – estética – parece ser mais coerente. Este conceito passa, então, a ser
definido a partir de determinados padrões culturais, os quais são normalmente regidos por
uma classe social que detém o poder. Por isso,

A estética, (...) é o protótipo secreto da subjetividade na sociedade capitalista


incipiente, e ao mesmo tempo a visão radical das potências humanas como fim em
si mesmas, o que a torna o inimigo implacável de todo pensamento dominador e
instrumental. Ela aponta, ao mesmo tempo, uma virada criativa em direção ao
corpo sensual, e a inscrição deste corpo numa lei sutilmente opressiva; ela
representa, de um lado, uma preocupação libertadora com o particular concreto, e
de outro, uma astuciosa forma de universalismo. Se ela oferece uma imagem
generosa e utópica de reconciliação entre homem e mulher, ela também bloqueia e
mistifica os movimentos políticos reais que historicamente visem esta reconciliação.
(EAGLETON, 1993: 13) (grifo nosso)
134

Essa última descrição a respeito da estética faz necessária a discussão sobre dois
elementos que acabarão se tornando freqüentes nessa questão, e cujos pontos centrais estão
grifados acima: a busca pela liberdade e o universalismo das formas. O primeiro aspecto
coloca a estética justamente no ponto da realização máxima do Homem, no sentido dessa
poder ser, assim, a maior expressão da sua capacidade e da sua interação com o mundo. É o
livre arbítrio exercido em sua plenitude. É a utilização plena dos sentidos, expressa na
continuação dos sujeitos, estando essa seqüência no objeto.
O segundo elemento, a utilização das formas universais, expressa, por outro lado,
toda a opressão gerada pela estética. Nesse sentido, o caráter estético das formas é mais um
elemento de padronização do ser humano face aos desejos e mecanismos de controle impostos
pelo modo de produção capitalista. A sua utilização é usada então como forma de
padronização, de uniformidade e de individualização, sendo esta última a expressão de uma
subjetividade fragmentada, esfacelada e convertida numa busca consumista desenfreada em
direção ao padrão do impossível. A sua realização plena, se for procurada uma explicação em
Marx, provavelmente só será possível ao burguês que expropria a condição humana e guarda
para si o que o proletariado produz de mais belo, e que, pela sua alienação, não lhe pertence.
Pode-se afirmar que a expropriação do corpo jamais poderá ser correspondida pelo operário.
A busca pela estética é um dos principais objetivos da prática de atividades físicas
em todo o Brasil. Os estudos de Pereira (1996), Lovisolo (1997), Novaes (1998) e Anzai
(2000), demonstram que aproximadamente 70 a 80% dos sujeitos pesquisados apresentam
esse objetivo como o principal em suas atividades. Apesar de os dados apresentados
demonstrarem que outros objetivos têm a sua importância, a busca pelo corpo belo tem o
maior destaque. Pereira (1996) observa, na fala de seus informantes, que, muitas vezes, apesar
do caráter estético ou de saúde da atividade física, há também uma busca pelo equilíbrio
pessoal, na tentativa de obtenção de um estilo de vida mais harmônico.
Lovisolo (1997) discute a estética dentro do contexto sócio-antropológico
estabelecendo, inclusive, relações entre a questão estética e a “boa mesa”. Novaes (1998) ao
analisar a prática de atividades físicas em academias no Rio de Janeiro, apoiando-se nos
conceitos do esteticismo e da estetização do cotidiano propostos por Schiller, demonstra que
esse é o objetivo central dos alunos de academias de ginástica desde a década de 1930 no Rio
de Janeiro. Anzai (2000) chega à mesma conclusão comparando estudos realizados no Rio de
Janeiro (Dantas, 1988), em Cuiabá (Nigro, 1992) e em Várzea Grande (Sá, 1992). A estética
135

se torna um aspecto tão forte que poderia ser comparada a um mito, conforme discute
Carvalho (1995), em relação à saúde.
A reflexão sobre a estética corporal, aqui entendida como a beleza expressa na
forma do corpo, traz intrinsecamente os problemas imanentes de seu universalismo. Assim,
esses paradigmas estariam vinculados a regras sociais estabelecidas com fins bastante
variados. Para melhor compreensão dessa afirmação, há que se destacar: a) qual a utilização
feita pela sociedade capitalista desses conceitos e por quem eles são produzidos e utilizados?
b) qual o paradigma corporal estabelecido e como ficam, nesse meio, diferentes situações
como a dos homens, das mulheres e dos obesos frente a essa série de implicações sociais? que
concepção se tem deles?
Para esclarecer a questão da estética, deve-se pensar na relação que ela estabelece
com o modo de produção no qual ela se constitui. Assim, recorrer-se-á principalmente a
Eagleton (1993), para se buscarem algumas respostas a esse respeito, principalmente nas
discussões que ele faz em relação a Marx e Adorno, os quais, se entende, têm contribuições
bastante elucidativas. Entretanto, iniciar-se-ão pelas reflexões do próprio Marx, a esse
respeito, o que foi possível detectar com a ajuda de Eagleton (1993).
Em Marx, essa questão está posta, principalmente, na relação que se estabelece os
sentidos humanos e a propriedade privada, onde o trabalhador sofre as conseqüências da
imposição da economia política. Dessa forma.

... 1º) ao reduzir a necessidade do operário à mais imprescindível e miserável


manutenção da vida física, e sua atividade ao mais abstrato movimento mecânico, o
economista afirma que o homem não tem nenhuma necessidade de atividade nem de
gozo e declara que esta vida é também vida e modo de existência humanas; 2º) ao
calcular a vida (existência mais pobre possível como a medida, e aliás como a
medida geral: geral porque vale a massa dos homens, faz do operário um ser sem
sentidos e privado de necessidades, do mesmo modo que faz de sua atividade pura
abstração de toda atividade; por isso, todo luxo do operário parece-lhe censurável
e tudo o que excede à mais abstrata necessidade – tanto como gozo passivo ou
como exteriorização de atividade – configura-se-lhe um luxo. A economia política,
esta ciência da riqueza, é assim ao mesmo tempo a ciência da renúncia, da
privação, da poupança e chega realmente a poupar ao homem a necessidade de ar
puro e de movimento físico. (MARX, s.d.: 184) (Grifo Nosso)

Quando acontece o “roubo dos sentidos humanos” e do próprio ar e movimento do


operário o capitalista busca constituir para si aquilo que entende como belo para ele, embora
supérfluo a seu empregado. Quando isso acontece, a tendência é da criação de uma falta de
hábito de utilização dos sentidos, até porque para esse trabalhador existe apenas rudeza em
136

relação à percepção que os seus sentidos lhe dão. Apenas para complementar, vale mencionar
Adorno (1999), quando fala da regressão da audição, ou seja, do embrutecimento dos ouvidos,
causado pela indústria cultural. Pare ele

... a ridicularização masoquista do próprio desejo de recuperar a felicidade


perdida, ou o comprometimento da exigência de própria felicidade mediante a
retroversão a uma infância cuja inacessibilidade dá testemunho da inacessibilidade
de alegria – esta é a conquista da nova audição, nada do que atinge o ouvido foge
deste esquema de apropriação. Sem dúvida, subsistem diferenças sociais, porém o
novo tipo de audição vai tão longe quanto a estupidez dos oprimidos atinge os
próprios opressores; e diante da roda que se impulsiona a si mesma se tornam suas
vítimas aqueles que acreditam poder determinar sua trajetória. (ADORNO, 1999:
90-1)

Em outras palavras, pode-se dizer que a felicidade de uma audição é uma ilusão
promovida pela incapacidade de se perceber, que o “lixo” que se escuta nada mais é do que
mais uma forma de exploração dos sentidos dos oprimidos. Estes – os sentidos – por sua vez
são adquiridos pelo próprio burguês, pois “(...) apareceu assim a simples alienação de todos
esses sentidos, o sentido do ter.” (Marx, s.d.: 177). Eis por que a necessidade de superação da
propriedade privada, pois

A superação da propriedade privada é por isso a emancipação total


de todos os sentidos e qualidades humanos; mas é precisamente esta emancipação,
porque todos estes sentidos e qualidades se fizeram humanos, tanto objetiva como
subjetivamente. O olho fez-se olho humano, assim como seu objeto se tornou um
objeto social, humano, vindo do homem para o homem. Os sentidos fizeram-se amor
da coisa, mas a coisa mesma é uma relação humana e objetiva para si e para o
homem e inversamente. Carecimento e gozo perderam com isso sua natureza
egoísta e a natureza perdeu sua mera utilidade, ao converter-se a utilidade em
utilidade humana. Igualmente, o sentido e o gozo dos outros homens
converteram-se em minha própria apropriação. Além destes órgãos imediatos
constituem-se assim órgãos sociais, na forma da sociedade; assim por exemplo, a
atividade imediatamente na sociedade com os outros, etc., converte-se em um órgão
de minha exteriorização de vida e um modo de apropriação da vida humana.
(MARX, s.d.: 177)

Ao falar assim Marx, segundo Eagleton (1993), exerce toda a sua discussão
estética entendendo dessa maneira a necessidade de utilização plena dos sentidos pelo ser
humano, o que só se torna possível na possibilidade de superação de um modo de produção
onde essa possibilidade não está dada. É na condição da realização concreta dos sentidos que
o Homem terá a condição de transgredir as regras sociais e com isso alcançar a objetividade
de uma subjetividade plena, ou seja, como “(...) produto de uma complexa história material, e
137

só através de uma transformação histórica objetiva que a subjetividade sensível poderá


florescer.” (Eagleton, 1993: 150).
Ao se buscar a superação da realização plena de todos os sentidos, deve-se refletir
sobre o papel das condições materiais nesse processo. Até esse momento, falou-se apenas que
o capitalismo não abre espaço para uma realização plena da utilização sensorial. Por que disso
especificamente?
Ao não se permitirem as condições materiais mínimas de existência do ser
humano, o capitalismo estabelece condições onde a satisfação das necessidades básicas se
fazem mais prementes do que a própria realização da subjetividade plena, pois todas as forças
encontram-se direcionadas para a aquisição daquilo que lhe é mais importante e a forma de
consegui-lo: o trabalho. Ao cair na ilusão de que esse trabalho ainda o valorizará, o
empregado não percebe a expropriação que lhe absorve as capacidades em sua plenitude; eis a
necessidade de superação. Apenas quando o ser humano não for mais expropriado, e assim
obtiver as condições adequadas de sua existência, é que será realmente possível utilizar as
suas capacidades para apreciar a estética do mundo a sua volta. Dessa forma,

É somente graças à riqueza objetivamente desenvolvida da essência humana que a


riqueza da sensibilidade humana subjetiva é em parte cultivada, e é em parte
criada, que o ouvido torna-se musical, que o olho percebe a beleza da forma, em
resumo, que os sentidos tornam-se capazes de gozo humano, tornam-se sentidos que
se confirmam como forças essenciais humanas. Pois não só os cinco sentidos, como
também os chamados sentidos espirituais, os sentidos práticos (vontade, amor, etc.),
em uma palavra, o sentido humano, a humanidade dos sentidos, constituem-se
unicamente mediante o modo de existência de seu objeto, mediante a natureza
humanizada. A formação dos cinco sentidos é um trabalho de toda a história
universal até nossos dias. O sentido que é prisioneiro da grosseira necessidade
prática tem apenas um sentido limitado. Para o homem que morre de fome não
existe a forma humana da comida, mas apenas o modo de existência abstrato de
comida; esta bem poderia apresentar-se na forma mais grosseira, e seria impossível
dizer então em que se distingue esta atividade para alimentar-se da atividade
animal. (...) A objetivação da essência humana, tanto no aspecto teórico como no
aspecto prático, é, pois, necessária, tanto para tornar humano o sentido do homem,
como para criar o sentido humano correspondente a riqueza plena da essência
humana e natural. (MARX, s.d.: 178)

Ao fazer essa última discussão, Marx (s.d.) apresenta, de certa maneira, uma
relação entre forma e conteúdo, o que não é, contudo, possível no capitalismo. Ele busca “(...)
distinguir a matéria (forças produtivas) e a forma (relações sociais) de uma determinada
sociedade, (...). Pois ao negar o valor da troca, o comunismo libera a economia de conteúdo
fetichizado que está aprisionado na forma.” (Eagleton, 1993: 160). Mas porque se encontra
138

aqui a determinação do fetiche. O fetiche, para Marx, é uma qualidade inerente à própria
mercadoria. Assim, a mercadoria passa a valer socialmente muito mais do que aquilo que lhe
poderia ser atribuído pelo seu valor de uso, relacionado com a importância dela para quem vai
usá-la, e do valor de troca, que estabelece o seu valor conforme o tempo necessário para a sua
produção, sobretudo se for estabelecida alguma relação com outra mercadoria.
Dessa forma, enquanto fetiche, ela assume um valor estabelecido socialmente, por
isso a

... forma mercadoria e a relação de valor dos produtos de trabalho, na qual ele se
representa, não tem que ver absolutamente nada com sua natureza física e com as
relações materiais que daí se originam. Não é mais nada que determinada relação
social entre os próprios homens que para eles aqui assume a forma fantasmagórica
de uma relação entre coisas.(...) Aqui, os produtos do cérebro humano parecem
dotados de vida própria, figuras autônomas, que mantêm relações entre si e com os
homens. (MARX, 1996: 198)

E, ainda, continua dizendo:

Assim, no mundo das mercadorias, acontece com os produtos da mão


humana. Isso eu chamo o fetichismo que adere aos produtos de trabalho, tão logo
são produzidos como mercadorias, e que por isso, é inseparável da produção de
mercadorias.
Esse caráter fetichista do mundo das mercadorias provém, como na
análise precedente já demonstrou, do caráter social peculiar do trabalho que
produz mercadorias. (idem, p. 199)

A relação entre o fetichismo e a estética está vinculada às relações sociais


estabelecidas, que, segundo demonstra Eagleton (1993), é a forma em si. Aqui, este autor
exerce uma crítica relativamente dura a Marx, por acreditar que ele se equivoca entre o
clássico e o sublime, que é a essência estética em si, e que, por sua vez, acontecerá apenas na
nova sociedade comunista. Por isso,

A forma do comunismo é inteiramente una com seu conteúdo, e nessa medida,


pode-se falar de uma simetria ou identidade clássica entre as duas. Certamente, o
comunismo, diferente do sublime convencional, não é sem figura e amorfo. Mas esta
identidade de forma e conteúdo é tão absoluta que a forma efetivamente desaparece
no conteúdo; e como o conteúdo não passa de uma multiplicidade em
auto-expansão contínua, e limitada apenas por si mesma, o efeito então é o de uma
certa sublimidade. (EAGLETON, 1993: 161)

Mesmo admitindo esse equívoco, a sublimidade proposta e buscada por Marx


procura não apenas estabelecer relação entre a estética e um novo modo de produção, pois, no
139

limite, a possibilidade desse desenvolvimento está claramente prejudicada no modelo atual,


apesar de todas as transformações pelas quais vem passando o mundo de trabalho. É entender
como Antunes (1995) e Frigotto (1996), que a sociedade do final do século não deixou de ser
industrial e que o trabalho não perdeu a sua centralidade como uma categoria de análise.
Deve-se, agora, voltar um pouco mais para a questão do corpo, uma vez que é,
nesse local, que se inscreve também a história de uma sociedade e de uma época. Como fica o
corpo nessa situação? Aqui, ele é uma mercadoria, que possui tal qual as outras, o seu valor de
uso e o seu valor de troca no mercado, principalmente no mercado de trabalho, estando sujeito
ao fetiche, à exploração e à necessidade de transformação e aperfeiçoamento pelos quais todas
as mercadorias passam. Para o trabalhador, enquanto sua mercadoria principal, está sujeito às
regras impostas pelas regras hegemônicas, pois não possui os meios de produção, restando o
corpo como força de trabalho, tendo a necessidade de submetê-lo às regras de mercado, e
acreditar no seu valor de troca. Esse aspecto é confirmado quando se pensa que,

Esta é uma época ‘neurotizada’ pela idéia de atividade física como


saúde associada à beleza estética como caminho único para a felicidade e para o
dinheiro. Para Featherstone (1991), quanto mais perto o corpo estiver das imagens
da juventude, saúde, boa forma e beleza, veiculadas pela mídia, mais alto é seu
valor de troca. (CARVALHO, 1999: 244)

Dessa forma, a sociedade burguesa exerce sobre o corpo um poder bastante


significativo, que não é dado apenas pela pressão sobre a saúde, mas também sobre a sua
forma corporal, exigindo, nesse momento, a configuração de um corpo magro, sem gorduras,
bem tratado. É o poder instaurado no corpo orgânico do ser.
É a aquisição do corpo inorgânico pelo patrão. Dessa forma, percebe-se,

... nas relações de poder, nos deparamos com fenômenos complexos que não
obedecem à forma hegeliana da dialética. O domínio da consciência do seu próprio
corpo só puderam ser adquiridos pelo efeito do investimento do corpo pelo poder: a
ginástica, os exercícios, o desenvolvimento muscular, a nudez, a exaltação do belo
corpo... tudo isto conduz ao desejo de seu próprio corpo através de um trabalho
insistente, obstinado, meticuloso, que o poder exerceu sobre o corpo das crianças,
dos soldados, sobre o corpo sadio. Mas, a partir do momento em que o poder
produziu este efeito, como conseqüência direta de suas conquistas, emerge
inevitavelmente a reivindicação de seu próprio corpo contra o poder, a saúde
contra a economia, o prazer contra as normas morais da sexualidade, do
casamento, do pudor. E, assim, o que tornava forte o poder passa a ser aquilo por
que ele é atacado...O poder penetrou no corpo, encontra-se exposto no próprio
corpo... Lembrem-se do pânico das instituições do corpo social (médicos, políticos)
com a idéia de união livre ou do aborto... Na realidade, a impressão de que o poder
vacila é falsa, porque ele pode recuar, se deslocar, investir em outros lugares... e a
batalha continua. (FOUCAULT, 1999: 146)
140

Pelo que mostra Foucault (1999), o corpo é um local privilegiado de realização do


poder, e esse poder se expressa também nos padrões estéticos de uma época. Afinal, esse
corpo rebelde, instável, capaz de insurreições contra o seu criador pode-se transformar no
elemento constitutivo das mudanças sociais. Pode procurar a união entre a forma e o
conteúdo, que é o próprio conceito da sublimação em si, tal qual apregoa Marx, onde mesmo
sendo um possível equívoco, o que se admite parcialmente junto com Eagleton, é no mínimo
uma idéia fértil. Todavia, a sociedade atua de maneira dinâmica e inteligente contra as
insurreições, e quando parece que o corpo adquire asas para a sua liberdade, ele é mais uma
vez vítima de um processo de tolhimento. Assim,

Como resposta à revolta do corpo, encontramos um novo investimento que não tem
mais a forma de controle-repressão, mas de controle-estimulação: ‘Fique nu.... mas
seja magro, bonito, bronzeado!’ A cada movimento de um dos adversários
corresponde o movimento do outro. (...) É preciso aceitar o indefinido da luta... O
que não quer dizer que ela não acabará um dia. (idem, p. 147)

Nesse eterno processo de tensão entre as partes, com uma possível vantagem em
prol das classes hegemônicas, que se institui e se inspira esse padrão corporal onde o magro,
bonito, musculoso é exaltado em detrimento de seus opostos. Mas essa não é uma luta em
condições de igualdade. Não há uma uniformidade do pensamento, o que apresenta, ou até
mesmo se exige um padrão diferenciado, onde a própria obesidade pode possuir percepções
ambíguas.
O que é ser obeso na sociedade da magreza e do consumo? A resposta deve ser
dada abordando a saúde e a estética, centrando-se, nesse momento, a reflexão no segundo
item. A obesidade é vista atualmente como uma doença associada a outras doenças
consideradas graves (Seidell et al, 1986). Normalmente, os obesos apresentam altos índices de
colesterol sangüíneo, hipertensão e grande possibilidade de desenvolver doenças isquêmicas.
Assim, a obesidade é entendida, nesse momento, como um problema de saúde
pública, ao ponto de se acreditar que ao fim do século XXI, o Brasil será um país de obesos.
(Faria, 2000). Não se deve esquecer, contudo, que a saúde pública, conforme já foi visto,
acaba por funcionar como um mecanismo de controle utilizado pelo capitalismo, para evitar a
queda nos seus lucros. Isso tem a ver possivelmente com o obeso muito mais pelo seu lado
estético e pelas concepções que ele suscita.
141

Essa discussão é feita por Fischler (1995), ao apresentar duas concepções quanto
ao obeso. A primeira, que o vê como benigno, e a segunda, que o vê como maligno. Na
primeira versão, o gordo (bom), é visto como uma pessoa simpática, amável, comunicativa.
Por outro lado, na segunda visão, o gordo “mau” sofre discriminação e em algumas situações
perde o emprego pelo seu excesso de peso, associando-se normalmente a idéia da obesidade à
trapaça, à preguiça, à sujeira, à feiura, entre outros. O autor apresenta como uma possível
justificativa para esses fatos a relação que se estabelece entre o corpo e as regras sociais como
a distribuição e a reciprocidade. Assim, as pessoas com sobrepeso despertam a sensação de
reter algo a mais, ou algo que não lhes pertence.
Como forma de punição ou de remissão, o obeso tem que pagar um preço
relativamente alto, devido à sua condição corporal. Assim, em algumas situações a percepção
parece diferente, podendo acontecer três situações distintas. A primeira quando ele apresenta
força; então, a pessoa deixa de ser gorda para ser forte: a segunda, sendo engraçado, cômico; e
a última, transgredindo pequenas regras. Dessas três maneiras, o obeso parece pagar seus
débitos sociais. No entanto, ainda “há algo de podre no reino da Dinamarca”. Essas
percepções do gordo são determinadas socialmente e, para que ocorra essa mudança, deve-se
perguntar “(...) se a imagem social não influencia o julgamento estético que dirigimos à
aparência, o julgamento moral ou afetivo que fazemos da personalidade; em uma palavra, se
ela não permite prever o caráter maligno ou benigno do obeso.” (Fischler, 1995: 73)
Ao que tudo indica, esse é apenas mais um mal-estar causado pela modernidade,
no sentido de tornar estranho e discriminar tudo aquilo que não se relaciona com a imagem
pessoal. Ou seja, a maior dificuldade que se tem de lidar com o gordo é procurar entender e
aceitar que na diferença não se encontra necessariamente o agressor; ele pode estar mais
presente naquele que reflete a imagem mental que tenho como igual.
Outro aspecto que deve ser destacado do ponto de vista da estética é a diferença
apresentada nas “formas” masculinas e femininas. Essa diferença se apresenta nas diferenças
de papéis sociais desempenhados pelos dois em diferentes períodos históricos.
Independentemente da época, e até mesmo na atualidade, em boa parte dos casos pode-se
designar ao homem a demonstração de força, virilidade e coragem para guiar a sua mulher e a
família, enquanto à mulher cabe demonstrar fragilidade, resignação, meiguice e fertilidade.
Dele deve sair o sustento; dela, a educação familiar.
142

As características diferenciadas nos objetivos estéticos de homens e mulheres, a


partir da realização de exercícios dentro das academias, é apresentada por Melo (1997).
Segundo ela, existe uma diferença entre os exercícios praticados no sentido do atendimento a
determinados padrões corporais. Dessa forma, há uma maior incidência da prática de
musculação pelos homens, os quais também buscam um maior desenvolvimento do tórax. Por
outro lado, as mulheres têm uma certa preferência pelas aulas de ginástica e, mesmo, quando
praticam musculação, têm uma preferência pela realização de exercícios para os quadris e
membros inferiores. Ainda de acordo com ela, o único ponto comum na prática de exercícios
está relacionada com a região do abdômen.
Todavia, quais seriam as explicações para esse fato? A resposta provavelmente
retorna à questão dos papéis sociais que os sexos a(re)presentam. Existem, nesse sentido,
elucidações interessantes no trabalho de Courtine (1995) em relação aos homens. Segundo ele,
as práticas corporais associadas ao body-building, iniciada nos Estados Unidos na virada do
século XIX para o século XX, é, na realidade uma reação do puritanismo americano em uma
roupagem de “hedonismo do consumo”(Courtine, 1995: 87) onde essa prática aparece como
“(...) ideal de uma cultura de massas de aparência corporal.” (idem, p. 88). Dessa forma
procurava-se configurar, sobretudo na imagem do homem musculoso, forte e reformador de
uma sociedade. Pois a imagem que estava sendo formada nesse momento era de que o “ (...)
músculo é um rótulo de vigor e de saúde, isto é, de força moral.” (idem, p. 96).
Nesse contexto e no transcorrer do século XIX, a prática não só de exercícios
ginásticos, como de atividades esportivas, constituíam o novo padrão de homem que deve
tomar a frente da sociedade, onde a construção da própria força física e, consequentemente, do
seu caráter, é uma questão a ser resolvida no plano individual. Sobre o esporte, deve-se
ressaltar que,

A partir de 1890, o esporte tinha se tornado o passatempo favorito do americano


macho de classe média. Como, não ver, no corpo escultural do atleta, o ideal com
que cada um já sonhava silenciosamente na solidão laboriosa do exercício? O
esporte, cada vez mais presente na vida cotidiana e na vida imaginária, havia
encontrado advogados prestigiosos, como Theodore Roosevelt ou Henry Cabot
Lodge, que nele descobriram a continuação da experiência da Fronteira após o seu
desaparecimento. E, com efeito, novas condições demográficas, econômicas e
sociais tornavam necessário o impulso do espírito empreendedor no quadro da
nova ordem industrial. O espírito esportivo e o espírito empreendedor iriam
substituir o espírito da Fronteira no imaginário americano. Desde então, eles não
deixaram de ocupá-lo. (COURTINE, 1995: 97)
143

A partir desse momento, o esporte e o corpo modelado por ele transformam-se, ao


menos para os homens, no paradigma estético do corpo perfeito, sustentado ainda por todo o
discurso da capacidade mental, da disciplina e da saúde. Até esse momento, final do século
XX e início do século XXI, é comum se dizer que uma pessoa tem corpo atlético, o que
enuncia, no caso dos homens inclusive, sinônimo de masculinidade. Como forma de
expressão desse pensamento, era bastante comum a utilização de bordões como: “Seja 100%
homem”, ou, ainda, “a fraqueza é um crime – não seja um criminoso” (idem).
Aqui, cabe uma última indicação a respeito do papel do corpo na sociedade
americana, e por que não na sociedade capitalista ocidental:

O corpo, qualquer que seja seu sexo, vai desde então, desempenhar um papel
essencial no imaginário americano de promoção individual. A beleza é um capital,
a força, um investimento; todos dois são mercadorias cujo valor de troca vai
crescer ao longo do século. (COURTINE, 1995: 98)

A mulher já apresenta uma condição diferente da do homem, pois ela, mais do que
ele, está submetida a um duplo papel que, muitas vezes, se apresenta como contraditório. Por
um lado, o papel da mulher sedutora, forte, decidida, sensual que ocupa o seu papel no
mercado de trabalho. Por outro, a mulher doce, amiga, afável e carinhosa, responsável quanto
às suas obrigações no lar enquanto esposa e mãe. Em nenhum do dois casos a mulher pode
prescindir de algo que lhe é inerente: a beleza. Para que ela possa estar em dia com esse
quesito, independente do papel que lhe for destinado, a mulher deve apresentar uma forma
física que seja compatível com o seu tempo que apresente “(...) a naturalidade e a expressão
ao mesmo tempo juvenil e sexy em voga.” (Sant’Anna, 1995: 134)
O desenvolvimento dessas idéias não são, contudo, de agora. Desde a década de
1930, as idéias de beleza e de saúde, os cuidados corporais com a utilização de exercícios
ginásticos que não ferissem a delicadeza feminina, nem fizessem dela um homem, já eram
amplamente divulgados pela Revista Educação Physica. Segundo Goellner (1999), essa
revista dedicava, sobretudo a partir de 1939 – ela circulou de 1932 a 1945, uma parte especial
dedicada à mulher, onde eram dadas orientações quanto aos cuidados com a pele e o corpo, a
“necessidade” de utilização de cosméticos e, sobretudo, a realização de atividades físicas que
prometiam corrigir o corpo, fatos esses apontados também por Sant’Anna (1995). E, “(...)
apesar de compreenderem a beleza a partir de um ideal de perfeição inatingível para a
144

grande maioria das leitoras, não deixam de exibi-la como uma conquista a ser alcançada por
cada uma, (...).” (Goellner, 1999: 1339)
O paradigma de mulher apresentado na revista “ (...) toma como referência a
mulher adulta jovem, branca, heterossexual e de classe média,(...).” (idem, p. 1336). Enfim, o
padrão de normalidade estabelecido para as mulheres, assim como para os homens americanos
adeptos do body-building, expressavam não só a necessidade de uma construção corporal
sólida, mas, também, ainda que de maneira implícita para a maioria da população, o fetiche
expresso em um corpo jovem, branco e de classe média. Essas são, provavelmente, formas de
poder expressas nessas relações sociais, e que atendem às necessidades de construção de uma
raça –eugenia – bem como de um processo social mais amplo fundado em um modelo de
sociedade excludente, ou ainda, onde a responsabilidade social de cada um está posta em um
conceito de “liberdade”, ou seja, cada um pode ter o corpo que quiser, desde que esse corpo
respeite o que é preconizado, o qual, na realidade, não é possível à grande maioria das
pessoas, sejam elas homens ou mulheres. E a explicação para isso é bastante fácil de ser dada:
em um padrão societário, onde a aquisição da beleza está vinculada ao consumo de atividades
físicas em academias, associado aos produtos de beleza (cosméticos, alimentos próprios do
tipo diet, light, entre outros), as condições salariais mínimas não possibilitam esse tipo de
consumo. Isto é, mais uma vez está na ordem do dia o embrutecimento das condições do
trabalhador e a dificuldade de ele desenvolver um padrão estético pautado na utilização dos
seus sentidos humanos e espirituais.
Enfim, de todas as confusões e satisfações que a estética pode causar algumas
conclusões são possíveis, entre as quais se pode perceber que o paradigma do corpo perfeito é
o fetiche propalado, a necessidade de cultuá-lo, de acordo com o que é estabelecido pelos
mandamentos (do consumismo), pelos deuses (do mercado) e pelos sacerdotes (da beleza),
gerando uma idolatria a corpos esculturais, criados por “bombas” e elementos artificiais como
o silicone, que se tornam mais importantes do que os corpos saudáveis.
Codo e Senne (l984), chamam a isso de corpolatria, pois, segundo eles, a atividade
física e o próprio corpo deveriam ser a salvação (céu), acabando por se constituir em uma
condenação (inferno), transformando-se ao final em mais um tipo de alienação. O resgate
deveria acontecer, dessa forma, em locais onde esta reaproximação consigo mesmo e a
realização de algo que causasse prazer fosse possível: as academias de ginástica, por exemplo.
Contudo, a sua transformação enquanto templos da corpolatria são as portas de saída para a
145

transformação de algo palpável, pela execução de movimentos amplos e variados, os quais


deveriam aproximar cada pessoa de si próprias e daquilo que as pessoas têm de mais concreto;
o próprio corpo. Deveria ser, nesse sentido, a realização da Atividade Corporal procurando o
sentido de ação proposto por Leontiev; é, contudo, pura operação, alienação e reificação físico
(corporal).
Porém, na grande maioria dos casos, a realização dos movimentos é extremamente
restrita e distante das potencialidades corporais. Eles se tornam mecânicos, repetitivos,
defrontando-se apenas com o espelho e sua casca sem conteúdo e sem consciência, realizando
um processo que não entende onde o “produto” acaba, por não lhe pertencer, causando uma
nova alienação, usando-se o corpo no máximo, como uma mercadoria sem valor elevado, ao
mesmo tempo não se realizando enquanto ente-espécie. Essa alienação acaba aumentando a
produtividade individual, transformando as mercadorias vendidas no trabalho em capital
excedente para o patrão. Em todo esse longo processo, a historicidade se faz presente na
constituição de cada pessoa.
Esse corpo que se transforma ainda mais em mercadoria que pode ser adquirida,
ao menos teoricamente, em uma mera academia de ginástica, ou através da última dieta
milagrosa, cirurgia, creme ou outro tratamento qualquer, torna-se a representação do status
social, não apenas como produto, mas como a essência pura da ideologia. É o que Pirolo
(1996), citando Santim (1990) vai chamar de “corpo ideologizado”.
Todos esses dados demonstram o corpo como um meio de relação com o mundo
onde se encontra inserido, estando assim envolvido nas próprias relações de produção,
estabelecendo-se nele os signos sociais. Esse corpo que se transforma em mercadoria é

utilizado constantemente como forma de aumento do consumo das mercadorias mais diversas.

Conforme já foi colocado, esse processo não deixa de existir sem que o corpo em si se torne
um elemento de consumo, havendo como desdobramento a indução à corpolatria, que não
deixa de contribuir para a venda de produtos dietéticos, roupas, calçados, equipamentos de
ginástica, além de prestação de serviços (como as próprias aulas nas academias de ginástica)
que, de tempos em tempos, lançam uma nova moda, que promete atingir os objetivos de cada
pessoa na aquisição de um corpo saudável (esteticamente perfeito).
A discussão das questões apresentadas são fundamentais para mostrar, através da
imagem corporal transmitida, padrões sociais a serem seguidos. De uma maneira ou de outra
irá servir a interesses vinculados a esse modo de produção, seja pela sua produção
146

propriamente dita – traduzida na idéia de saúde, beleza, competência, trazendo


intrinsecamente a idéia de força, produtividade, eficiência – e por outro lado, a busca da
reprodução do sistema que parte do sentido de um “corpo perfeito” – tanto em seu sentido
biológico (humano, individual), como em seu sentido social ( a sociedade capitalista enquanto
um corpo social perfeito). Esse fato se torna possível, segundo Carvalho (1999), pelo uso de
“pessoas de projeção na sociedade de consumo – estrelas de cinema, televisão e cantores –
são pessoas que sustentam a filosofia do ‘divertimento’. Têm prestigio, são modelos de
corpo” (p. 244).
Esse dado apresenta a idéia do porquê da demonstração das atividades físicas
prediletas dos artistas, pois há a possibilidade desses influenciarem a vida de pessoas
“comuns”. Não se pode esquecer que por trás desse fator ainda podem se esconder fatores
higiênicos e eugênicos da atividade física. Nessa esteira fetichista, não se pode esquecer,
também, do aparecimento (ou seria produção) de personagens que demonstram “boa saúde”
por meio de corpos musculosos e bem torneados. Esses personagens tentam induzir as
pessoas, talvez até de uma forma mais específica as mulheres, ao consumo, que só se mantêm
pela utilização de medicamentos, cosméticos, entre outros.
A discussão da estética, por tudo o que foi visto, deve ser analisada em relação às
praticas corporais. Sobretudo, se forem levadas em conta os dados apresentados por Pereira
(1996), Novaes (1998) e Anzai (2000). Assim, apresentar-se-ão as respostas obtidas na
entrevista, nas quais os praticantes das quatro academias colocam a estética como motivo
principal para a realização de atividades física, o que pode ser observado na tabela 20.

Tabela 20: A Estética como objetivo dos praticantes de Atividade Física, por Faixa Etária*
FAIXA ETÁRIA
TOTAL
Estética 20-30 31-40 41-50
f % f % f % f %
Sim 30 85,71 17 70,83 12 66,66 59 76,62
Não 5 14,29 7 29,17 6 33,34 18 23,38
Total 35 100 24 100 18 100 77 100
* Havia possibilidade de mais de uma resposta.
147

Pelos dados da tabela 20, percebe-se que, dentro do total de informantes, 76,62%
realizam atividade física por Estética. Deve-se observar, todavia, o fato da estética diminuir a
sua incidência de acordo com a faixa etária mantendo, entretanto, um percentual bastante
elevado de respostas. Nem mesmo os adultos maduros fogem a essa regra, embora o seu
percentual em relação à estética seja o menor entre os grupos.
Entretanto, os dados relacionados à estética devem ser confrontados com outros. O
primeiro desses cruzamentos procurou identificar o nível de freqüência estabelecida entre as
três principais fontes de informação, pela seqüência, Professor da Academia, Médico e
Televisão, e o objetivo da estética. Para se fazer isso, considerou-se todos os informantes que
haviam indicado essas três fontes entre as quatro mais importantes. Como resultado,
percebeu-se que 40 dos 51 informantes que apontaram o Professor da Academia como fonte,
têm como objetivo a estética, o que corresponde a 78,43% desse grupo e 57,14% do total de
informantes.
Das 46 pessoas que colocaram o médico como fonte, 34 (73,91%) fazem
atividades por estética, e, entre as 44 pessoas que mencionaram a televisão entre as quatro
fontes principais, 34 (77,27%) também fazem por estética. Apesar de as pessoas poderem ter
mencionado mais de uma fonte, parece bastante evidente que a realização por estética é
fundamental.
Ao se analisar essa resposta, comparando com a fonte de informação sobre a
modalidade, percebe-se que, ao indicar uma modalidade, os professores da academia,
aparentemente, também estão induzindo as pessoas à estética, cedendo, dessa forma às
influências da mídia e da industria cultural. Isso significa dizer que as fontes que deveriam
estar indicando a prática corporal como saúde, na realidade se deixam seduzir pelo discurso
hegemônico do corpo perfeito, ainda que, a sua atuação, principalmente dos professores de
academia e dos médicos, deveria, a princípio, estar voltada para a questão da saúde como fator
principal, entendendo-os, a priori, como profissionais de saúde.
Outro aspecto a ser analisado é a relação entre sexo e estética. Entre as mulheres,
47 das 56 alunas entrevistadas fazem atividade física visando estética, o que corresponde a 83,
92% das mulheres entrevistadas. Entre os homens, 12 dos 21 praticantes fazem por estética, o
que eqüivale a 57,14% da amostragem. Esses números apresentam diferenças significativas (p
< 0,05), indicando uma maior preocupação por parte das mulheres quanto à “aquisição” de um
corpo perfeito.
148

Infere-se, por isso, que as mulheres estão aderindo mais aos discursos da indústria
cultural do que os homens, fato já demonstrado por Okuma (1990). Ademais, cabe ressaltar
que os dados em seu todo refletem aquilo que já era considerado um padrão normal de
mulher, conforme cita Goellner (1999), da mulher ao menos adulta jovem e de classe média
(para alta nesse caso), uma vez que, pela coleta de dados, não foram registrados aspectos
relativos à cor da pele e da preferência sexual. Pode-se, inclusive, mencionar Sant’Anna
(1995) e Goellner (1999) quando elas falam do padrão de corpo perfeito e inatingível pela
maioria das mulheres, embora exista a possibilidade dessa conquista no âmbito individual.
Enfim, não há possibilidade de relacionar esses dados aos de Melo (1997), quanto
à região do corpo mais trabalhada de acordo com o sexo, o que se relaciona com a própria
questão do gênero. Todavia, pode-se concordar com Courtine (1995), com relação ao fato do
corpo belo ser posto como um capital e a força como um investimento para ambos os sexos.
Eis a mercadoria destes “tempos modernos”.
Um outro aspecto que deve ser apontado é o nível de satisfação com os objetivos
já alcançados. Entre os 59 praticantes com objetivos estéticos, a média de satisfação é de 6,

95, com desvio padrão de 1,44. Esse desvio padrão (DP) relacionado com o X2 demonstra um
alto grau de homogeneidade da amostragem. Por outro lado, percebe-se uma certa insatisfação
com os níveis alcançados, o que reforça a posição de Goellner (1999), quanto à dificuldade de
se atingir o padrão de corpo posto socialmente como referência. Deve-se registrar, ainda, que
esse nível de satisfação é mais baixo que o da saúde. E embora este [da saúde] apresente uma
menor amostragem, ele se apresenta mais homogêneo quando comparado ao da estética.
É interessante observar que, entre todos os grupos, o dos adultos médios parece
estar mais satisfeito com a sua modalidade principal: a musculação; e o alcance dos seus
objetivos: a estética. Levando-se ainda em conta que esse grupo possui uma maior incidência
de realização de três vezes por semana, pode-se inferir que a musculação apresenta bons
resultados para esse objetivo e essa freqüência semanal.
A relação entre os exercícios e a estética está demonstrada na tabela 21.

Tabela 21: Relação entre os exercícios e a Estética, segundo os praticantes de Atividade


Física, por Faixa Etária
FAIXA ETÁRIA
De uma forma geral a atividade física contribui para:
20-30 31-40 41-50
1. Ficar com o corpo mais elegante 4,82 4,41 4,72
149

2. Ficar mais forte 4,20 4,08 4,22


3. Melhorar aparência para conseguir bons empregos 3,42 3,66 3,66
4. Preservar a juventude e retardar a velhice 4,65 4,50 4,44
5. Ser mais desejado 2,28 1,91 2,55

Na Tabela 21 é interessante verificar que as respostas não apresentam diferenças


importantes entre elas. Os respondentes os adultos jovens e maduros apresentam uma maior
preocupação com a elegância, enquanto os adultos médios destacam-se por se preocupar em
retardar a velhice. Entre os aspectos considerados menos importantes estão as preocupações
estéticas para arrumar emprego e para se tornar mais desejado. No caso dos adultos médios
que procuram retardar a velhice, parece haver uma maior preocupação com o padrão social
colocado para o corpo jovem, aspecto que acontece desde a década de 1930 no Brasil,
conforme indica Goellner (1999).
É interessante ressaltar que em relação aos dados apresentados no questionário A,
referentes à estética, em todos os itens apresentados na tabela 21 os homens apresentam
médias maiores do que as mulheres. As médias dos homens para os aspectos mencionados
nessa tabela foram 4,71; 4,28; 3,57; 4,57 e 2,47; enquanto as mulheres apresentam 4,66; 4,12;
3,55; 4,55 e 2,14 respectivamente.
Esses dados geram duas hipóteses. A primeira provavelmente derruba o eterno
mito de que as mulheres se preocupam mais com a estética do que os homens, ou que eles
possuem um maior número de informações sobre o efeito da atividade física na estética.
Entretanto, optou-se pela primeira hipótese, uma vez que permite o início de derrubada de um
tabu já bastante antigo. Se por um lado era de se esperar que os homens procurassem manter
um maior patamar de força, devido aos papéis estabelecidos socialmente como prover a
família, os outros parâmetros são surpreendentes para este pesquisador, aparecendo aqui,
inclusive, uma contradição em relação aos dados da entrevista onde as mulheres buscavam
mais a estética.
Para se chegar a um entendimento melhor sobre essas questões, devem-se procurar
identificar outros elementos, o que pode ser feito inclusive com a ajuda dos dados obtidos
com o questionário B, os quais são apresentados na Tabela 22, que utilizou inclusive o índice
de Krusk-Wallis para determinar a relação entre as variáveis.
150

Tabela 22: Influência dos exercícios para a Estática, segundo os praticantes de Atividade
Física, por Faixa Etária
FAIXA ETÁRIA
As pessoas praticam atividade física para...
20-30 31-40 41-50
1. Emagrecer 4,68 4,58 4,55

2. Melhorar a aparência 4,51 4,62 4,61

3. Enrijecer a musculatura 4,77 4,62 4,38

4. Ter um corpo mais torneado 4,71 4,20 3,94

A primeira análise que pode ser feita a respeito dessa tabela é de que em nenhum
caso apareceu diferença significativa entre os grupos. Destaca-se também o fato de os adultos
maduros não apresentarem preocupação em ficar com o corpo mais torneado. Além disso, os
dois critérios melhor pontuados estão relacionados a enrijecer a musculatura, o que dá uma
aparência mais forte ao corpo e melhora a aparência. O primeiro, enrijecer a musculatura, com
maior destaque entre os adultos jovens, que é seguido dentro desse grupo pelo corpo mais
torneado. Os adultos médios, por sua vez, estão preocupados com os dois aspectos (aparência
e enrijecimento), e os maduros, com a aparência propriamente dita.
Nesse último grupo, a segunda questão mais importante é o emagrecimento. Essa
categoria foi incluída entre os aspectos estéticos por se considerar que essa questão, hoje,
possui uma tendência mais estética do que de saúde, embora este último discurso possa ser
mais forte. Todavia, deve-se destacar, que nas Academias pesquisadas, apesar de não haver
uma quantificação nesse número, não se observou uma freqüência significativa de obesos que
procurassem saúde, o que aparentemente não é comum de se ver nas academias – os obesos.
Deve-se finalmente cruzar os dados mencionados por idade na tabela 22, com o
sexo. Em todos os parâmetros as mulheres apresentaram maior interesse pela estética do que
os homens. Elas obtiveram como médias na seqüência das respostas de 4,73; 4,58; 4,75 e
4,44; enquanto eles tiveram como médias 4,33; 4,52; 4,33 e 4,19 respectivamente. De acordo
com o índice de Krusk-Wallis, são consideradas diferenças significativas (p< 0,05) a questão
do emagrecimento e do enrijecimento da musculatura. Enfim, apesar desta parte do
instrumento não confirmar o que foi detectado no questionário A, ele confirma as hipóteses da
entrevista, onde as mulheres apresentam maior interesse pela estética de que os homens.
Entretanto, a possibilidade dessa inversão parece estar posta, e, apesar de haver um possível
151

direcionamento para as perguntas dentro dos instrumentos, não se acredita que este tenha sido
o fator principal. Esse aspecto, apesar de precisar de um complemento como o proposto por
Melo (1997), em relação às partes do corpo que são mais trabalhadas de acordo com o gênero,
deve ser olhado com bastante cuidado, pois, na atualidade, as mulheres passaram a assumir
papéis que eram considerados masculinos, e não há nada que justifique a não mudança de
postura por parte dos homens; nesse sentido, a necessidade de se sentir desejado, forte e
elegante pode não ter relação apenas com as questões estéticas corporais, mas com a própria
postura das pessoas dentro da sociedade, uma vez que o mercado de trabalho estabelece tantas
exigências dos trabalhadores, que mesmo sendo qualificados, como se indica no perfil dos
praticantes, ainda assim precisam-se submeter à idéia do corpo forte e produtivo, como
destaca Foucault (1999). Em síntese, a estética é a plena expressão do poder sobre o corpo
orgânico e social, e esse é um elemento ideológico bastante eficaz.

3. A Atividade Física e o Lazer

Um terceiro ponto a ser tratado aqui é a relação entre a prática de atividade física e
lazer. Para se estabelecer essa discussão de forma mais profícua, deve-se primeiro caracterizar
o tema em si, descrevendo-se inicialmente as próprias concepções de lazer que estão
respaldando o presente estudo, bem como as suas diferentes interfaces.
Deve-se inicialmente caracterizar o que seja o lazer. Apesar de esta ser uma
pergunta até certo ponto fácil de ser respondida, é essencial levar em consideração que são
várias as maneiras de se interpretar esse conceito. Dessa forma, optou-se por adotar o conceito
do sociólogo francês Jofre Dumazedier. Para ele o lazer “Corresponde a uma liberação
periódica do trabalho ao fim do dia, da semana, do ano ou da vida funcional” (Dumazedier,
1980: 108). Foi feita a opção por esta forma de entendimento do lazer por se pressupor a
realização de trabalho, sem o qual a própria definição não seria possível.
Nessa perspectiva, especificamente, o lazer está relacionado ao fator tempo, ou
seja, se estabelece a relação e o próprio conceito de lazer com tempo do dia, mês, ano que se
tem disponível para se fazer aquilo que se deseja e que se tem prazer. Por isso, Marcellino
(1996a) explica que não é apenas o tempo destinado às obrigações trabalhistas que devem ser
consideradas, mas, também, as obrigações religiosas, familiares e sociais, pois o tempo gasto
152

nesses aspectos, por mais que sejam voluntários ou até mesmo prazerosos, estão ligados às
atividades que devem ser cumpridas.
Assim, o lazer passa a assumir uma posição diferente do ócio. Este poderia ser
compreendido como a falta de afazeres e obrigações, ou seja, um tempo disponível do qual se
pode fazer o que quiser por não haver qualquer obrigação ou compromisso. No entanto,
aquele pressupõe obrigações, pois o “(...) lazer não é a ociosidade, não suprime, supõe o
trabalho (Dumazedier, 1980: 108). O lazer passa a estabelecer assim um par dialético com o
trabalho, ou mesmo às obrigações e deveres, uma vez que a constituição de um irá gerar o
outro, necessariamente.
Entendendo essa inter-relação, deve-se, então, questionar que elementos
funcionam como norteadores das atividades de lazer. Essa é uma discussão que pode ser
buscada em Adorno, quando ele fala na utilização do tempo livre. Para ele, o tempo livre se

... distingue do tempo não livre, aquele que é preenchido pelo trabalho e,
poderíamos acrescentar, na verdade determinado desde fora. O tempo livre é
acorrentado ao seu oposto. Esta oposição, a relação em que ela se apresenta,
imprime-lhe traços essenciais. (ADORNO, 1995: 70).

O tempo livre tem, a princípio, a função de recuperar as forças do trabalhador para


a realização de suas atividades profissionais; por isso, essas atividades devem seguir a lógica
necessária ao trabalho, para que a sua capacidade de recuperação possa atender às exigências
de produção que estão postas. “Enquanto em sua estrutura trabalho e divertimento (sic) se
tornam cada vez mais semelhantes, as pessoas passam a separá-los de um modo cada vez
mais rígido com invisíveis linhas de demarcação” (Adorno, 1993: 114). Nesse processo de
interação entre o trabalho e o lazer, as linhas imaginárias que os separam são, na realidade,
fantasiosas para esse autor. Para ele, os aspectos que estão presentes no tempo de sua
“profissão oficial”, necessariamente, estão presentes nas atividades de tempo livre, pois estes
“(...) são momentos integrais de minha existência” (Adorno, 1995: 72). Ou seja, se uma
pessoa procura realizar uma Atividade Corporal, o seu grau de concentração nessa atividade
deveria ser o mesmo encontrado na sua atividade laboral. Por outro lado, o seu trabalho
precisa se dar com o mesmo prazer que essa mesma pessoa pratica a Atividade Corporal de
sua preferência. A questão, nesse sentido, é remetida, necessariamente, ao próprio processo de
alienação presente no trabalho, e que ao mesmo tempo circunda as atividades destinadas ao
tempo livre.
153

Enfim, como essa possibilidade de satisfação no trabalho acaba sendo um


privilégio de poucos, bem como uma prática de tempo livre com a devida “entrega” e
realização plena, pode-se caracterizar, com isso, um lazer de caráter funcionalista, o qual
procura adaptar o trabalhador ao processo produtivo. Essa perspectiva reduz as atividades de
lazer a dois aspectos:

1) à sua função recuperadora do trabalho, ou seja, concebem-no como um


instrumento para melhorar o desempenho de papéis individuais ‘produtivos’,
visando assim o ajustado funcionamento do todo; 2) ao seu caráter de finalidade
única de existência humana, apesar do trabalho alienado, supondo da mesma
forma, o funcionamento ajustado do todo. (MARCELLINO, 1995: 27) (Grifo nosso)

Na concepção funcionalista, o lazer acaba assumindo a função recuperadora para o


trabalho no dia seguinte, ou seja, é o próprio processo de transformação de uma atividade
voluntária, em mais um processo de alienação, pois a lógica que rege a ação do trabalhador no
lazer tem que ser a mesma da fábrica, para não correr o risco de se ver uma insurreição contra
os donos dos meios de produção, pois, a lógica da exploração deve ser mantida em todos os
lugares, para se continuar mantendo a mesma forma de funcionamento do modo de produção
e do próprio Homem nos momentos de lazer (Adorno & Horkheimer, 1985).
Esse processo de estabelecimento da lógica que envolve tanto o trabalho como o
lazer são elementos necessários à coisificação do trabalhador, pois a própria força de trabalho
se configura tal qual uma mercadoria. Para essa coisificação se tornar mais eficaz todos os
“(...) fenômenos específicos do tempo livre (...) são acionados e organizados em função do
lucro. Simultaneamente, a distinção entre trabalho e tempo livre foi incutida como norma à
consciência e inconsciência das pessoas” (Adorno, 1995: 73). Essa forma de organização da
vida é necessariamente um processo, não só de venda de mercadorias, mas também de
reificação e de aumento da produtividade. Dessa maneira, a função do tempo livre é restaurar
e ampliar a capacidade de produção. Nesse processo, a realização de atividade física exerce
um papel fundamental, uma vez que uma de suas funções é ampliar a capacidade orgânica das
pessoas, tornando-as fortes, robustas e “saudáveis”.
Para que esses objetivos sejam alcançados, Adorno (1995) aponta a necessidade
do tempo livre não possuir nenhuma semelhança com o trabalho realizado, o que, segundo ele,
torna uma série de atividades de tempo livre bastante imbecis. Por outro lado, essas execuções
não perdem em si a lógica e o comportamento destinados ao trabalho, ou seja, na realidade
não existe, assim, a folga do trabalho em si. Por isso, complementa ele, esta dicotomia, e até
154

mesmo essa forma subsumida do lazer ao trabalho, faz dele um mero complemento
coisificado.
Consequentemente, a própria heteronomia do lazer perante o trabalho facilita a
ação da Indústria Cultural sobre ele, entendendo-se aqui as suas diferentes funções, como a
cooptação dos indivíduos, a identificação imediata com os bens produzidos, a produção de
bens de consumo e a massificação. A produção de bens para serem consumidos, além das
próprias atividades que podem ser realizadas nos momentos de folga, facilita a ação dos
interesses hegemônicos. Dessa maneira, a liberdade de escolha tende a se tornar determinada
de fora, pois

... a própria necessidade de liberdade é funcionalizada e reproduzida pelo


comércio; o que elas querem lhes é mais uma vez imposto. Por isso , a integração
do tempo livre é alcançada sem maiores dificuldades; as pessoas não percebem o
quanto não são livres lá onde mais livres se sentem, porque a regra de tal ausência
de liberdade foi abstraída delas. (ADORNO, 1995: 74)

Essa falta de liberdade e a própria fetichização das mercadorias, induzem as


pessoas a determinadas práticas, entre as quais pode-se identificar a realização de certas
atividades físicas, mesmo que isso seja fisicamente desagradável. Pois o “(...) caráter
fetichista da mercadoria se apodera, (...) das pessoas em si; elas se transformam em fetiches
para si mesmas.” (Adorno, 1995: 74)
Esse auto-fetiche, ao que tudo indica, está presente na prática de atividades físicas
dentro das academias pesquisadas em Goiânia, uma vez que a incidência de objetivos
estéticos é bastante elevada. Entendendo que essa prática, normalmente, é realizada no tempo
livre das pessoas, e que, a princípio, essa prática deveria ser prazerosa; o que não acontece em
todos os casos, o próprio martírio parece se instalar. Esse fato é confirmado pela fala de uma
informante que, quando questionada do porquê, não colocou a atividade física entre as coisas
mais importantes em sua vida; ela respondeu: “porque não é prazerosa”. Essa fala demonstra
que a execução de atividades físicas nem sempre provoca prazer, e, por isso, não caberia
dentro da definição do lazer enquanto atividade livre e prazerosa. Além disso, confirma mais
uma vez as palavras de Adorno (1995: 77), quando ele diz que “(...) efetivamente as pessoas
só consigam fazer tão pouco de seu tempo livre se deve a que, de antemão já lhes foi
amputado o que poderia tornar prazeroso o tempo livre.”
Em síntese, poder-se-iam dizer que as atividades realizadas normalmente como
lazer estão irremediavelmente submetidas a um controle social invisível, sendo realizadas
155

devido à formação de uma necessidade social. A mecanização do lazer é posta de maneira tão
forte que atinge as pessoas em sua felicidade. Assim, “(...) ela determina tão profundamente a
fabricação de mercadorias destinadas a diversão que esta pessoa não pode perceber outra
coisa senão as cópias que reproduzem o próprio processo de trabalho.” (Adorno &
Horkheimer, 1985: 128)
Entretanto, não só a força da Indústria Cultural deve ser vista; deve-se analisar
também a atitude das pessoas perante às atividades de tempo livre. “O lazer considerado
como atitude será caracterizado pelo tipo de relação verificada entre o sujeito e a
experiência vivida, basicamente a satisfação provocada pela atividade” (Marcellino, 1996a:
8). Dessa maneira, podem-se considerar ao menos dois tipos de atitude perante o lazer: uma,
que pode ser chamada de ativa, e outra, passiva.

A atitude ativa implica em participação consciente e voluntária na vida social e


cultural; exige sempre um progresso livre pela busca, na utilização do tempo livre,
de um equilíbrio pessoal, na medida do possível, entre o repouso e a distração e o
desenvolvimento contínuo e harmonioso da personalidade. (DUMAZEDIER, 1980:
111).

Dessa forma, a realização de qualquer atividade dependerá de sua atitude, de seu


envolvimento com aquilo que está sendo desenvolvido. Ao pensar uma prática qualquer
enquanto uma forma de aproveitamento dos momentos disponíveis, encaixa-se, segundo o
próprio Dumazedier, a realização de atividades físicas e esportivas, onde a atitude é
extremamente importante. Por sua vez, a passividade está fortemente expressa quando
relacionada ao mero consumo. Dumazedier aborda o que chama de cultura de admiração,
onde, de uma certa maneira, existe todo um ritual na realização da atividade, muitas vezes um
jogo, onde se procura observar os mínimos detalhes em relação aos jogadores, ao público e
outros. Por isso, Cunha (1999) defende, todavia, que:

Não se pode deixar de lado a consideração de que o puro e simples


consumo dessas práticas encontram-se presentes e são reais em muitos casos. Mas
o importante é reconhecer que o valor cultural dessa atividade, assim como de
outras, está ligado ao nível alcançado, tanto na prática como no consumo. A
simples prática não significa participação, assim como nem todo consumo
corresponde a passividade. (p. 152)

O ponto destacado por Cunha (1999) é bastante interessante. Por mais que se
realize uma determinada atividade, por exemplo uma aula de ginástica, isso não significa que
156

a pessoa esteja sendo ativa em seu momento de tempo livre. Ela pode estar ali apenas para dar
uma justificativa à sociedade e dizer que é uma pessoa fisicamente ativa. Essa pessoa, nesse
momento, está sendo tão ou mais passiva quanto uma pessoa que pára no corredor ao ouvir a
música e ficar olhando a aula que está sendo ministrada. Aquela atividade, na realidade, além
de estar sendo praticada de maneira passiva, assume um ar de atividade supérflua. “Também a
atividade supérflua e sem sentido do tempo livre é socialmente integrada. Novamente entra
em jogo uma necessidade social.” (Adorno, 1995: 77)
As necessidades sociais estão nas atividades que se realizam como lazer, e podem
variar de acordo com o tipo de atividade realizada. Destarte, é importante destacar quais são
as atividades que podem ser realizadas como lazer. Elas podem, a grosso modo, ser divididas
em seis grupos fundamentais, considerados os mais importantes, a saber aquelas com: “(...)os
interesses artísticos, os intelectuais, os físicos, os manuais, os turísticos e os sociais.”
(Marcellino, 1996a: 18)
Para Marcellino (1996a), as atividades de interesse artístico estão relacionadas à
estética no sentido amplo, abrangendo, de uma maneira geral, as manifestações artísticas. Nos
interesses intelectuais preocupa-se com o conhecimento, efetivando-se por participação em
cursos ou leituras. Nos aspectos físicos, prevalecem os exercícios físicos, os passeios e as
diferentes manifestações da cultura corporal. Nas atividades realizadas com objetivos
manuais, expressa-se a capacidade de manipulação e transformação de objetos, como
exemplo, tem-se o bricolage (atividade relacionada com o conserto e pintura de pequenos
objetos e utensílios domésticos). Os interesses turísticos relacionam-se com o
desenvolvimento de passeios, viagens e busca de paisagens diferenciadas. Por fim, as práticas
com objetivos sociais, onde a meta principal é a busca do relacionamento, contato social em
bailes, bares, associações.
Mesmo assim, ao se seguir a linha de raciocínio de Marcellino, precisa-se destacar
que, para ele, várias atividades são realizadas inicialmente com um objetivo, e que, com o
passar do tempo, esses interesses podem mudar. É comum verificar que alguns grupos que se
constituem inicialmente para a realização de atividades físicas ou artísticas, podem-se manter
apenas para perpetuar o vínculo social. Esse vínculo, que facilita os contatos face a face, pode
promover não só o encontro das pessoas, mas a transmissão de valores dentro do grupo de
relacionamento. Marcellino (1990), discutindo a questão do lazer em suas formas mais
abrangentes, diz que essa é uma maneira de se fundamentarem mudanças no âmbito cultural e
157

moral, pois a associação informal das pessoas, os contatos face a face, desenvolvem relações
afetivas que podem contribuir para o associativismo da população. Essa mudança de postura
pode ocorrer através das desculpas, já mencionadas, e da realização de atividades de lazer que
favorecem a satisfação de interesses sociais mais amplos.
Dentro da perspectiva defendida por Marcellino, o lazer deve assumir um papel
crucial na vida das pessoas, sendo por sua vez um dos responsáveis pela melhoria das
condições de vida das pessoas. Esses interesses tão diversificados são essenciais para a
constituição do ser humano enquanto ser social. É a possibilidade de preservar o prazer na
realização das práticas de lazer, dentro das diferentes formas de interesse colocadas.
Todavia, de todos os tipos de interesse, o que mais interessa a este estudo é a
discussão a respeito das atividades de lazer físico. As atividades realizadas nas academias de
ginástica se encaixam com facilidade dentro desse grupo. A própria forma de execução em si
já estabelece o conceito. Entretanto, quais são os objetivos que podem ser visualizados dentro
dessas práticas? Já foi visto aqui a própria aplicação enquanto saúde e estética. E nesses dois
elementos estão presentes os interesses vinculados ao trabalho. Também com o lazer esse
aspecto já foi demonstrado. Mesmo assim, deve-se retornar a essa discussão procurando
visualizar a perspectiva nesse tipo de lazer (lazer físico). Adorno (1995) fala sobre a ação do
esporte nesse processo, aspecto considerado importante para a construção deste estudo. Ele se
pronuncia da seguinte forma:

Todavia, parece evidente a hipótese, entre outras, de que, mediante os


esforços requeridos pelo esporte, mediante a funcionalização do corpo no ‘team’,
que se realiza precisamente nos esportes prediletos, as pessoas adestram-se sem
sabê-lo para as formas de comportamento que delas se espera no processo de
trabalho. A velha argumentação de que se pratica esporte para permanecer ‘fit’ é
falsa só pelo fato de colocar a ‘fitness’ como fim em si; ‘fitness’ para o trabalho é
contudo uma das finalidades secretas do esporte. (ADORNO, 1995: 79)

A discussão que Adorno demonstra nessa passagem apresenta os possíveis


interesses ocultos da prática esportiva. Entretanto, todas as vezes que se mencionou a palavra
esporte, poder-se-ia substituí-la por práticas em academias. Apesar de a maioria das atividades
serem realizadas individualmente, é bastante comum, principalmente na musculação
(atividade mais praticada no grupo pesquisado), a presença dos chamados parceiros de treino,
que exercem a função de auxiliar o outro nos exercícios com maior grau de dificuldade. Essas
ações coincidem com um dos aspectos mais valorizados atualmente que é o trabalho em
equipe, no qual, assim como na musculação, as pessoas se tornam responsáveis umas pelas
158

outras, não só no sentido de sua segurança, mas também de sua supervisão. O próprio
processo produtivo atual exige ações coletivas, de grupos que se responsabilizam por
determinadas ações, nos quais é comum a supervisão dos próprios companheiros, pois existem
metas a serem alcançadas.
Além disso, a menção ao esporte, nesse sentido, pode ser adotada pensando-se que
é comum as pessoas confundirem esporte com qualquer prática de atividade física. A
realização da modalidade predileta tende a assumir a mesma postura das práticas esportivas. E
assim, as pessoas não percebem ou não lhes é informado a diferença entre elas, embora a
própria mídia, de certa maneira, seja responsável por essa confusão, o que não é casual.
Apesar disso, há de se concordar com Marcellino (1990) em relação à questão do
associativismo e das práticas que têm uma função muito mais social do que fisiológica
propriamente dita.
Entretanto, até que ponto as práticas corporais em academias, enquanto forma de
ocupação do tempo livre, podem ser consideradas Atividade, no sentido que é proposto por
Leontiev? Será que essas execuções não serão meramente “operações”? Essa discussão, por
todos os dados que foram apresentados até agora, demonstra que as pessoas parecem não
saber o porquê de suas práticas, ou, se possuem essa noção, de uma forma mais organizada, a
grande maioria parece não direcionar essas práticas como forma de aproveitamento de seu
tempo livre.
Entretanto, defende-se a idéia de que as atividades que são realizadas como lazer
devem ser feitas de maneira consciente, lúdica e que sirvam de emancipação dos seus
praticantes. Afinal, o lazer não pode ser entendido como esmola, e sim como direito humano,
já dizia Adorno (1995). Infelizmente, a lógica que rege o lazer é a mesma que rege o trabalho;
e por isso é relegado a segundo plano, pois o trabalho recebe toda a primazia. Não há como
negar que a “(...) própria isenção do trabalho impede o elogio da preguiça (...).” (Adorno,
1993: 154).

Na lógica estabelecida para a geração de capital, o processo de utilização do lazer


físico deve, contudo, possibilitar transformações no âmbito social, e não apenas o consumo de
determinadas mercadorias vendidas dentro das academias de ginástica, ou seja, é a atividade
que deve estar presente no desenvolvimento das práticas de lazer, e não a mera passividade, o
159

consumo puro e simples. Sobre esse aspecto do consumo, que é “regulado” pelos interesses da
Indústria Cultural, há de se concordar com Farias (1999: 250): “(...) a indústria cultural
precisa se retro-alimentar continuamente com futilidades, pois se restarem alguns instantes
entre os produtos massificados, o indivíduo poderia vir a refletir sobre tudo o que recebe da
indústria cultural.”
Eis o grande risco para o capitalismo: a possibilidade de reflexão. Afinal de contas

... as pessoas aceitam e consomem o que a indústria cultural lhes oferece para o
tempo livre, mas com um tipo de reserva, de forma semelhante à maneira como
mesmo os mais ingênuos não consideram reais os episódios oferecidos pelo teatro e
pelo cinema. Talvez mais ainda: não se acredita inteiramente neles. É evidente que
ainda não alcançou inteiramente a integração da consciência e do tempo livre. Os
interesses reais do indivíduo ainda são suficientemente fortes para, dentro de certos
limites, resistir à apreensão [Ersfassung] total. (ADORNO, 1995: 81)

Diante dessa possibilidade de resistência, do indivíduo perante a Indústria


Cultural, é que se precisa pensar nas atividades de tempo livre como possibilidade de
emancipação humana. Dessa maneira, o desenvolvimento das diferentes atividades
relacionadas ao lazer deve ser estimulado, propiciando diferentes possibilidades, e, com isso,
existe a defesa da realização do ser humano como algo possível. Nessa direção, ainda se pode
acrescentar que

... procurando entender o conteúdo e a forma de utilização do tempo disponível das


obrigações escolares, familiares e sociais; promova as ‘aquisições’ incorporadas
pelos alunos no desenvolvimento das atividades do lazer, quer enquanto conteúdos,
quer como ‘estilos de vida’. E que haja pelo menos fragmentos de futuro em que a
alegria é servida como sacramento, para que (...) aprendam que o mundo pode ser
diferente. (MARCELLINO, 1990: 141)

Marcellino também procura refletir sobre o lazer dentro de uma possibilidade de


emancipação no sentido de fazer dessas atividades o ponto de partida para o desenvolvimento
das relações humanas, onde as ações, sobretudo no âmbito das políticas públicas para esse
setor, possam acontecer,

Pretendendo-se que o lazer não constitua apenas a oportunidade de


recuperação da força de trabalho, ou que possa ser caracterizado como instância
de consumo alienado, ou ‘válvula de escape’, que ajude a manter o quadro social
injusto, o âmbito municipal é apenas um dos que deve ser considerado, na esfera da
Administração Pública; é preciso que seja levado em conta, mas é fundamental que
diferencie sua atuação das demais iniciativas, desde as espontâneas, até as da
chamada ‘indústria cultural’. (MARCELLINO, 1996b: 25)
160

Para superar essa situação de lazer em uma perspectiva funcionalista, esse autor
faz algumas propostas importantes, sendo a primeira desenvolvida no âmbito da participação
cultural, onde existe a

... atividade não conformista, mas crítica e criativa, de sujeitos historicamente


situados. Entendo ainda, a participação cultural como uma das bases para a
renovação democrática e humanista da cultura e da sociedade, tendo em vista, não
só a inauguração de uma nova ordem social, mas de uma nova cultura. Isso não
significa o isolamento do plano cultural, do social e do econômico, mas tão
somente, que não cabe justificar o imobilismo pela existência de uma ordem social
adversa. (idem, p. 27)

A defesa de Marcellino se aproxima da proposta feita por Adorno, quando este


defende que a possibilidade de transformação da consciência só é possível dentro do processo
de alienação que é posto a partir do trabalho pois o “tempo livre produtivo só seria possível
para pessoas emancipadas, não para aquelas que sob heteronomia, tornaram-se heterônomas
também para si próprias.’ (Adorno, 1995: 79)
A possibilidade de superação da heteronomia no lazer depende também da
superação das chamadas pseudo-atividades, atividades essas com caráter ilusório e
institucionalizadas que facilitam o desenvolvimento do lucro. O lazer praticado dentro das
academias também tem o papel de atuar em nível educacional em um duplo aspecto, objeto e
instrumento. Objeto, no sentido de ser a exteriorização dos sentimentos humanos, bem como
uma de suas formas de expressão. Instrumento, enquanto possibilidade de superação das
condições de vida atual, bem como da própria alienação colocada no trabalho, ou seja,
instrumento de emancipação dos seres humanos. Nessa abordagem

... significa entender o lazer para além do descanso e do divertimento


(fundamentais), nas suas possibilidades de desenvolvimento pessoal e social, o que
requer, no âmbito municipal, observar a interface com as políticas públicas de
Educação, Saúde e Promoção Social, etc. (idem, p. 27-8)

De maneira preliminar, poder-se-iam dizer que as atividades de lazer,


principalmente pelo seu caráter de transformação social, precisam-se tronar, em todos os
âmbitos e formas, acessíveis à toda a população. A necessidade dessa dimensão na vida do
homem, sobretudo do trabalhador, deve ser resguardada no sentido de propiciar a sua plena
realização, seja enquanto descanso e prazer, seja enquanto saúde, seja enquanto acesso ao
161

desenvolvimento sensorial, capaz de descobrir, nas pequenas coisas, a estética de uma vida
com conteúdo e forma coincidentes.
Toda a discussão sobre o lazer deve retornar ao ponto que é crucial para esta
análise que são os dados coletados entre os informantes. O primeiro aspecto a ser levantado é
a quantidade de pessoas que apontam o lazer como objetivo central de sua prática dentro das
academias de ginástica, o que pode ser verificado na tabela 23.

Tabela 23: O lazer como objetivo dos praticantes de Atividade Física, por Faixa Etária
FAIXA ETÁRIA
TOTAL
Lazer 20-30 31-40 41-50
f % f % f % f %
Sim 1 2,85 1 4,16 1 5,55 3 3,89
Não 34 97,15 23 95,84 17 94,45 74 96,11
Total 35 100 24 100 18 100 77 100

A primeira conclusão da análise que se faz dessa tabela é o fato do número


escasso de informantes que apresenta essas atividades como forma de lazer. Apenas uma
pessoa dentro de cada faixa etária fez essa opção, indicando que a prática de atividades físicas
não assume um papel privilegiado, no sentido do aproveitamento do tempo livre. Esse é um
primeiro indício de que as pessoas estão nas academias atendendo as exigências da estética e
da saúde, não sendo esse um lugar onde, infere-se, não estejam dadas as possibilidades de
sociabilização e de contato face a face como primeira opção. Outros dados podem ajudar a
confirmar ou a derrubar essa hipótese. O primeiro deles está relacionado à prática de outras
atividades físicas fora da academia de ginástica pesquisada. As respostas a essa pergunta
encontram-se na tabela 24.
162

Tabela 24: Realização de outras modalidades dos praticantes de Atividade Física, por Faixa
Etária
FAIXA ETÁRIA
Prática de outra TOTAL
20-30 31-40 41-50
atividade
f % f % f % F %
Sim 15 42,85 07 29,16 09 50 31 40,25
Não 20 57,14 17 70,83 09 50 46 59,74
Total 35 100 24 100 18 100 77 100

Dentro dos resultados, 40,25% dos praticantes têm o hábito de praticar outras
atividades físicas, não havendo diferença significativa entre os grupos. Mais uma vez o grupo
dos adultos médios, apresenta uma menor busca de atividades “extras”. O grau de satisfação
com a prática atual pode ser o principal motivo para esse quadro. Entre os três praticantes que
consideraram o lazer como elemento importante na prática corporal, dois deles deram nota
seis e um deu dez. Isso significa que, se a pessoa não se realiza plenamente naquilo que faz,
essa execução tende a ser complementada ou até mesmo abandonada posteriormente.
Por outro lado, o grupo de adultos maduros também chama a atenção, devido à
divisão exata entre os que praticam e os que não praticam outra atividade; isso faz com que
esse grupo, do ponto de vista percentual, apresente a maior incidência de outras práticas. Essa
resposta pode estar relacionada com os anseios e outros interesses das pessoas que foram
apontados em momentos anteriores, com relação à prática visando saúde e/ou estética.
Pode-se inferir, também, sobre a adesão dessas pessoas, a lógica posta por Adorno (1995) em
relação às cobranças feitas socialmente. Essa é uma forma da Indústria Cultural estar atuando
sobre as pessoas, a partir da grande oferta de mercadorias e produtos vendidos, não só nas
academias como em outros lugares. Mas quais são as outras atividades praticadas? Esses
dados são complementados na tabela 25, sobre o tipo de atividade realizada, e na tabela 26,
sobre os motivos que levam a essas práticas.
163

Tabela 25: Modalidades realizadas pelos praticantes de Atividade Física, por Faixa Etária
FAIXA ETÁRIA
TOTAL
Tipo de atividade 20-30 31-40 41-50
f % f % f % f %
Aeróbias 9 60 3 42,85 6 66,66 18 58,06
Alternativas 0 0 1 14,28 1 11,11 2 6,45
Esportes 6 40 3 42,85 2 22,22 11 35,48
Total 15 100 7 100 9 100 31 100

Deve-se ressaltar, em relação à tabela 25, que foi adotado o critério de


modalidades, como é sugerido por Novaes (1998), em relação às modalidades praticadas
durante a década de 1990. Nela se percebe que as modalidades preferidas para os adultos
jovens e maduros são as atividades aeróbias com 60% e 66,66%, respectivamente. Entretanto,
entre os adultos médios, existe um empate entre as atividades aeróbias e os esportes, ambos
com 42,85%. Esse fato pode sugerir uma busca maior por aspectos lúdicos e/ou competitivos,
uma vez que esse grupo, do ponto de vista do trabalho, deve possuir uma maior
responsabilidade quanto ao rendimento e produtividade. Por outro lado, pode sugerir apenas a
busca pelo lúdico e pelo prazer.
Com relação à realização de atividades aeróbias, as mais mencionadas foram a
corrida e a caminhada. A primeira, com 5 casos, três de adultos jovens, e 2 de adultos
maduros, não havendo nenhum caso de adultos médios que praticam essa modalidade. A
segunda teve ao todo 11 casos, sendo 4 de adultos jovens e mais 4 de adultos maduros e 3 de
adultos médios. A presença de pessoas que praticam corrida, pelo possível “(...) culto a
velocidade técnica (...)” (Adorno, 1993: 142). Essa prática para esse autor nada mais é que a
expressão da própria sociedade burguesa. Contudo, é importante se lembrar que nos últimos
anos a caminhada tomou um novo impulso, sendo inclusive preferida à corrida, embora ela, na
prática, como atividade para a saúde, por exemplo, ainda mantenha “(...) o triunfo do
marcador de quilômetros que vai subindo vem aplacar de maneira ritual a angústia do
fugitivo.” (ibid.).
Os motivos pelos quais se realizam outras modalidades estão presentes na tabela
26.
164

Tabela 26: Motivo porque pratica outra modalidade, segundo os praticantes de Atividade
Física, por Faixa Etária.
FAIXA ETÁRIA
TOTAL
Por que faz outra atividade 20-30 31-40 41-50
f % f % f % f %
Gosta 5 33,33 5 71,42 4 44,44 14 45,16
Emagrece 2 13,33 1 14,28 1 11,11 4 12,90
Aliviar Stress 1 6,66 0 0,00 1 11,11 2 6,45
Equilíbrio e Harmonia 0 0,00 1 14,28 1 11,11 2 6,45
Sair da Rotina da Academia 1 6,66 0 0,00 1 11,11 2 6,45
Outros 6 40 0 0,00 1 11,11 7 22,58
Total 15 100 7 100 9 100 31 100

Já em relação aos dados da tabela 26, fica bastante nítida a prática por afinidade,
isto é, 44,44% realizam outras atividades porque gostam, o que sugere a prática de atividades
fora da academia por lazer. Essa contradição entre o fazer fora por gostar, e fazer por outros
motivos, dentro da academia, demonstra que existem necessidades que não estão sendo
alcançadas dentro das academias. Todos os grupos mostraram prevalência desse argumento
para realizar outras atividades que não aquelas realizadas dentro das academias de ginástica.
Também chama a atenção o percentual de pessoas que realiza as outras atividades para
emagrecer, com 12,90%, sugerindo, mais uma vez, a prática com objetivos estéticos. Embora
o emagrecimento também seja uma questão de saúde, a baixa incidência de obesos nos locais
pesquisados, sugere esse objetivo.
Ainda em relação à tabela 26, deve-se perceber que essa “segunda” atividade
parece complementar o objetivo principal, embora mais direcionada para o lazer, o gostar de
fazer. A “atividade principal”, entendida aqui como a atividade realizada na academia
pesquisada, parece ser realizada apenas por obrigação; isso é o que se pode inferir dos dados.
Demonstra-se, mais uma vez, a possível influência da Indústria Cultural, bem como a possível
cobrança social da qual fala Adorno (1995).
165

As tabela 27 e 28 analisam os dados referentes à possível escolha de outras


modalidades a serem praticadas pelos informantes, nesse caso, se fariam ou não (tabela 27) e
que modalidades realizariam (tabela 28).

Tabela 27: Opção por outra modalidade, segundo os praticantes de Atividade Física, por
Faixa Etária
FAIXA ETÁRIA
TOTAL
Faria outra atividade 20-30 31-40 41-50
f % f % f % f %
Sim 30 85,71 22 91,66 15 83,33 67 87,01
Não 5 14,28 2 8,33 3 16,66 10 12,98
Total 35 100 24 100 18 100 77 100

Na tabela 27, percebe-se um certo grau de insatisfação das pessoas, pois 87,01%
fariam outra atividade física. Os motivos são bastante diversificados, indo da troca por
considerar a outra atividade mais completa (3,9%), por aptidão, para a outra atividade (6,5%),
para relaxar (7,8%) e por gostar da outra atividade (31,2%), entre outros motivos. Ao se
refletir sobre esse dado, em comparação com o nível de satisfação com a atividade, parece
haver no âmbito geral uma contradição, pois o nível de satisfação com os resultados pode ser
considerado alto; por outro lado; 67 praticantes (87,01%) deixariam de fazer o que estão
fazendo para realizar outras atividades das quais gostam mais. Esse aspecto demonstra a
lógica das cobranças sociais, ou seja, não importa fazer o que dá prazer e sim aquilo que
oferece mais resultados, e estes de forma cada vez mais rápida. Essa é, mais uma vez, a
demonstração dos interesses sociais e econômicos acima da individuação.
Dos que responderam que não fariam outra atividade, existem os que consideram
as que fazem suficiente, ou porque gostam do que fazem. Provavelmente essas pessoas
tenham uma maior consciência do que fazem e/ou maior capacidade de individuação. É
interessante perceber que a média de satisfação é maior nos que mudariam de atividade (7,06),
do que nos que não mudariam a atividade que realizam (7,00). Esse aspecto demonstra que
não é o grau de insatisfação que gerou a necessidade de mudança e sim outros fatores, como
provavelmente a rapidez de obtenção de resultados. Mais uma vez fica evidente a não
preocupação com a prática de atividades enquanto lazer.
166

Tabela 28: Modalidade referida como opção pelos praticantes de Atividade Física, por
Faixa Etária
FAIXA ETÁRIA
TOTAL
Outra atividade 20-30 31-40 41-50
f % f % f % f %
Esportes 13 43,33 11 50 05 33,33 29 43,28
Natação 10 33,33 5 22,72 7 46,66 22 32,83
Dança 6 20 4 18,18 0 0,00 10 14,92
Outros 1 3,33 2 9,09 3 20 6 8,95
Total 30 100 22 100 15 100 67 100

Dos que escolheram realizar outras modalidades (tabela 28), os esportes parecem
exercer um maior fascínio sobre as pessoas, sobretudo os adultos jovens e médios. De maneira
geral, as atividades esportivas, por todo o estímulo que sofrem, podem ser consideradas as
mais escolhidas. Entretanto, a crítica feita por Adorno (1995) em relação ao esporte é
contumaz, postura com a qual se concorda, pois é no esporte que se expressam os maiores
valores da sociedade burguesa, sendo também nele que se desenvolve todo o comportamento
social desejado. Aí se justificam as posturas do corpo no time, muitas vezes abrindo mão do
próprio bem-estar, a necessidade de manutenção da capacidade física e o rendimento
necessário no esporte e no trabalho.
A segunda modalidade mais escolhida pelas pessoas foi a natação, com 33,83% do
total. Essa atividade, apesar de também poder ser considerada um esporte, se diferencia das
outras modalidades esportivas, devido a seu aspecto terapêutico, o qual é bastante procurado,
sobretudo pelos adultos, principalmente os maduros, faixa etária que mais a mencionou. A
natação parece exercer um certo fascínio sobre as pessoas, talvez pelo velho mito de que essa
é a “atividade mais completa que existe”, ao mesmo tempo que pode ser “praticada por
qualquer pessoa sem limite de idade ou problema médico.” Todavia, essas duas afirmações
são mitológicas, pois uma atividade completa depende de uma série de fatores nos quais
167

várias atividades se encaixariam, até mesmo mais que a natação. Além disso, a natação, como
qualquer outro exercício, possui as suas contra indicações, e não-indicações; um exemplo
disso é a osteoporose, distúrbio para o qual a natação não apresenta benefícios.
As questões levantadas pelo questionário, referentes ao lazer, bem como as médias
das respostas, são apresentadas nas tabelas 29 e 30.

Tabela 29: Relação entre os exercícios e o Lazer, segundo os praticantes de Atividade Física,
por Faixa Etária
FAIXA ETÁRIA
De uma forma geral a atividade física contribui para:
20-30 31-40 41-50
1. Desfrutar os momentos de folga 3,85 4,16 4,38
2. Obter mais prazer na vida 4,54 4,58 4,55
3. Relaxar as tensões do dia-a-dia* 4,48 4,91 4,83
4. Ver pessoas e fazer amigos 4,17 4,12 3,83
* Apenas este item apresentou diferença significativa entre os grupos (p < 0,05)

Verifica-se, entre as respostas, que o único item que apresenta diferença


significativa entre os grupos, de acordo com o índice de Krusk-Wallis, está relacionado ao
relaxamento das tensões.
Para se chegar a um entendimento melhor sobre essas questões, após a
determinação das médias e do desvio padrão, as respostas foram agrupadas por categoria e
distribuídas de acordo com a faixa etária. Esses dados demonstram que as informações que as
pessoas possuem sobre lazer atinge uma pontuação elevada, com média 4,26 entre os adultos
jovens; 4,44 entre os adultos médios e 4,39 entre os adultos maduros, o que dá uma média de
4,36 pontos no total das respostas.
A tabela 29 demonstra também que, embora as pessoas não tenham, dentro das
práticas realizadas nas academias pesquisadas, o objetivo central de realizar essas atividades
como lazer, elas possuem conhecimentos razoáveis sobre o seu aproveitamento. A princípio,
esses dados poderiam sugerir que, mesmo que essas pessoas não freqüentem a academia por
lazer, existe a possibilidade de elas terem outras práticas corporais com esse fim, o que é
demonstrado pelos dados da tabela 28.
Em relação à discussão das variáveis apresentadas na tabela 29, quando cruzadas
com o sexo, percebe-se uma alta média nas respostas, não havendo, entre elas, diferenças
168

significativas. As médias obtidas pelas mulheres foram 4,10; 4,51; 4,71 e 4,14, enquanto os
homens tiveram, para as mesmas respostas, as médias 4,00; 4,66; 4,66 e 3,90. Em cima dos
dados, pode-se deduzir que as mulheres apresentam maior preocupação com as questões
relacionadas ao lazer, uma vez que todas as suas médias são superiores às dos homens,
principalmente na relacionada à questão de se fazer amigos e ver pessoas, diferença que se
apresentou como a mais significativa entre os grupos.
A seguir, serão apresentados os resultados do questionário b (Tabela 30).

Tabela 30: Influência dos exercícios sobre o lazer, segundo os praticantes de Atividade
Física, por Faixa Etária
FAIXA ETÁRIA
As pessoas praticam atividade física...
20-30 31-40 41-50
1. Como lazer 3,65 4,12 3,50

2. Para adquirir novos conhecimentos 3,77 3,50 3,38

3. Para encontrar amigos 3,91 3,66 3,27

4. Para se sentirem bem 4,65 4,70 4,44

5. Porque gostam 4,25 4,37 4,16

A primeira análise que pode ser feita a respeito desses dados é de que em nenhum
item apareceu diferença significativa entre os grupos. Se os resultados dessa tabela forem
comparados aos resultados anteriores, fica evidenciada uma redução nos valores encontrados
aqui. Esses dados parecem confirmar as respostas da entrevista em relação ao objetivo central
da práticas corporais, ou seja, as pessoas não apresentam uma preocupação central com o
lazer. Em síntese, infere-se que o tempo livre das pessoas está sendo ocupado com atividades
que não dizem respeito às práticas corporais, caracterizando-as pelas obrigações com a saúde
e a estética, que acompanham as necessidades orgânicas de manutenção das condições para o
trabalho. Eis a lógica da sociedade burguesa, do culto ao trabalho e discriminação com o lazer.
Os dados que revelam esse aspecto estão baseados nas médias alcançadas para as respostas a
essas perguntas, onde as médias alcançadas foram 4,04 para os adultos jovens; 4,07 para os
médios; 3,75 dos adultos maduros, correspondendo à uma média geral de 3,95 pontos, valor
que está abaixo da média encontrada na tabela 29. Deve-se ressaltar, ainda, que as atividades
169

consideradas como de aproveitamento do tempo livre (lazer) do grupo pesquisado,


provavelmente, são realizadas de outras maneiras que não o lazer Físico-Esportivo.
Enfim, como consideração preliminar, pode-se dizer que, entre os dados
apresentados, percebe-se de maneira clara uma pequena preocupação da atividade física como
elemento de lazer. Esse fato está relacionado à lógica imposta pelo trabalho como fator mais
importante na vida das pessoas, e pela Indústria Cultural, que exerce o seu papel direcionando
o lazer para outros aspectos. Precisa-se registrar, ainda, que não é interesse desse estudo
colocar a prática corporal acima de tudo, mas de dar a ela significado, consciência de sua
importância, o que pode acontecer apenas quando o ser humano se emancipar, como diriam
Adorno e Marcellino, pois esse parece ser um ponto de coincidência entre os dois, a noção de
que apenas a emancipação da consciência permitirá a superação da alienação posta a partir do
trabalho.

4. O lado Escuro da Lua.

Ao se acrescentar no capítulo final, esse subtítulo, pretende-se com ele aprofundar


discussões que ainda não foram realizadas devido à necessidade de se ter a íntegra dos dados
apresentados. Entretanto, alguns deles ainda não foram postos, por isso, nesse momento, as
análises de respostas que ainda não foram tabuladas, serão apresentadas, e, com a totalidade
presente, buscar-se-á aprofundar alguns elementos.
A seguir, serão apresentados os dados relacionados aos objetivos dos praticantes
de Atividade Física, relacionando-os entre si. Esses são apresentados na tabela 31.

Tabela 31: Objetivo almejado pelos Praticantes de Atividade Física, por Faixa Etária
FAIXA ETÁRIA
TOTAL
Objetivo 20-30 31-40 41-50
f % f % f % f %
Saúde 18 51,42 10 41,66 9 50 37 48,05
Estética 30 85,71 17 70,83 12 66,66 59 76,62
Lazer 1 2,85 1 4,16 1 5,55 3 3,89
Outros 0 0 6 25 3 16,66 9 11,68
Total 35 100 24 100 18 100 77 100
170

Apesar de todos esses dados já terem sido apresentados ao longo desse capítulo,
far-se-á a sua retomada dentro do contexto geral, apresentando-os em conjunto. Nela, havia a
possibilidade de mais de uma resposta; por isso, tomou-se como referência o total de sujeitos
e não de respostas.
O objetivo de as pessoas realizarem Atividades Físicas nas academias segundo os
informantes aponta que 76,62% o fazem por Estética; 48,05% por saúde e apenas 3,89% o
realizam por lazer.
Ao se analisar essa resposta, comparando com a fonte de informação sobre a
modalidade, percebe-se que ao indicar uma modalidade, os professores da academia,
aparentemente, também estão induzindo as pessoas a determinado objetivo, a estética,
cedendo, dessa forma, às influências da mídia e da Indústria Cultural, fato esse que pode ser
demonstrado pelos dados da tabela 6. Evidencia-se, nesse caso, a contradição entre a fonte de
informação (professores de academia, médico) proveniente da área da saúde e o objetivo das
pessoas: a estética. Assim sendo, por que a saúde não é o objetivo central dos praticantes? Por
que a estética é tão fundamental? Ao que tudo indica, reforça-se a idéia de que, na realidade,
as fontes de informação hegemônicas estão vinculadas a uma lógica onde a saúde não é o mais
importante e sim a forma, a estética definida como um paradigma ao qual não se pode escapar.
Destaca-se que o “frêmito delicado, o pathos, de ser diferente, não passam de máscaras
padronizadas no culto da opressão. Foi justamente aos nervos esteticamente desenvolvidos
que o esteticismo presunçoso se tornou insuportável.” (Adorno, 1993: 128)
Justamente a esse padrão estético insuportável, definido pela Indústria Cultural,
que se estão guiando não só os alunos das academias pesquisadas, mas também os seus
professores, ou seja, é a lógica do lucro, da perfeição inexistente que se freqüenta as
academias. Mesmo que se pense na questão da saúde, não se foge à essa regra. A idéia da
produtividade continua presente nessa ótica, e, quanto mais sadio o trabalhador, maior
quantidade de dinheiro ele pode gerar; e, ainda mais, quanto mais saudável, mais ele reduz os
custos para o patrão e para o próprio sistema de saúde governamental.
Outro aspecto que pode ser ressaltado na análise, em relação ao objetivo das
pessoas, é a própria modalidade escolhida por elas. O principal objetivo da musculação,
atividade escolhida pela maioria dos alunos, segundo Novaes (1998) é a estética, fato que
demonstra a coerência entre o objetivo do aluno e da modalidade. Do ponto de vista da saúde,
171

29 alunos que têm como meta a saúde fazem musculação. Embora, muitas vezes esta não seja
uma ação isolada, aqui existe, ao que tudo indica falta de informação sobre o objetivo da
atividade realizada, ou mesmo incoerência entre os dois objetivos. Em relação à segunda
atividade mais realizada, a ergometria, poder-se-ia dizer que o seu objetivo principal é a
saúde, uma vez que ela pode ser entendida como uma atividade aeróbia, as quais, de uma
maneira geral, têm este objetivo (Novaes, 1998). Das 59 pessoas que fazem ergometria, 45
(77,58%) pretendem melhorar a sua estética, enquanto apenas 30 (50,84%) o fazem visando
saúde. Entendendo que a ergometria é uma maneira eficaz de se emagrecer por utilizar
gordura como fonte energética, é que se pode retomar uma afirmação anterior que as pessoas
que pretendiam emagrecer estavam mais preocupadas coma a saúde, do que com a estética.
A tabela 32 apresenta o nível de satisfação com os resultados alcançados, de
acordo com a faixa etária. A média de satisfação com a modalidade escolhida na atividade
física foi medida através de uma escala de 0 a 10. O praticante deveria escolher um número
que indicasse seu grau de satisfação, sendo 0 o menor e 10 o maior. A tabela 32 apresenta os
dados obtidos.

Tabela 32: Índice de Satisfação com os resultados alcançados pelos praticantes de Atividade
Física, por Faixa Etária
FAIXA ETÁRIA
Índice de TOTAL
20-30 31-40 41-50
satisfação*
f % f % f % f %
04 2 5,71 0 0 0 0 2 2,59
05 3 8,57 3 12,5 2 11,11 8 10,38
06 6 17,14 6 25 2 11,11 14 18,18
07 14 40 7 29,16 7 38,88 28 36,36
08 6 17,14 6 25 2 11,11 14 18,18
09 3 8,57 1 4,17 3 16,66 7 9,09
10 1 2,85 1 4,17 2 11,11 4 5,19
Total 35 100 24 100 18 100 77 100
* Não houve escolha para os 3 primeiros números.
172

No geral, a maior concentração verificada foi 36,66%, na nota 7, quanto ao


alcance dos objetivos propostos. Todavia, existem diferenças importantes entre as faixas
etárias. Entre os adultos jovens, 40% dão nota 7, ao passo que 20,83% dos adultos médios
consideram 9 e 38,88% dos adultos maduros se mantêm no patamar do geral. Entre todos eles,
os adultos médios parecem ser os mais satisfeitos. Observa-se que, entre todos os grupos, o
dos adultos médios parece estar mais satisfeito com a sua modalidade principal, a musculação,
e o alcance dos seus objetivos, a estética. Levando-se ainda em conta que esse grupo possui
uma maior incidência de realização de três vezes por semana, pode-se inferir que a
musculação apresenta bons resultados para esse objetivo e essa freqüência semanal.
Os dados apresentados até agora dizem respeito à entrevista. A seguir serão
apresentados os resultados dos questionários em sua íntegra, porquanto eles foram
apresentados até agora ao longo dos capítulos. E, entendendo que as perguntas estavam
amarradas em uma determinada seqüência, para serem analisadas em seu conjunto,
apresentar-se-á todo o instrumento e suas análises por inteiro, para melhor compreensão dos
dados.
Deve-se dizer, ainda, em relação ao desvio padrão encontrado, que a sua obtenção
foi feita pelo cruzamento de cada pergunta com a faixa etária, pois, para facilitar a análise dos
dados no programa Epi Info, essa é a forma possível. Assim, a princípio, as respostas não têm
relação entre si; entretanto, adotou-se como estratégia a construção de uma tabela, onde as
“categorias” saúde, estética, lazer, autoconsciência e mídia, foram agrupadas, ou seja, foi feita
uma média aritmética de pontos das respostas relacionadas a cada uma delas.

Tabela 33: A contribuição da Atividade Física, segundo os praticantes, por Faixa Etária
FAIXA ETÁRIA
De uma forma geral a atividade física contribui para: DP
20-30 31-40 41-50
1. As pessoas gostarem mais de si mesmas 1,57 1,14 1,16 0,24
2. Auxiliar no tratamento de diabetes* 4,20 4,54 3,27 0,65
3. Desfrutar os momentos de folga 3,85 4,16 4,38 0,26
4. Encontrar o equilíbrio pessoal 1,42 1,45 1,27 0,09
5. Ficar com o corpo mais elegante 4,82 4,41 4,72 0,21
6. Ficar mais forte 4,20 4,08 4,22 0,07
7. Melhorar a aceitação social ou grupal 2,71 2,12 2,50 0,29
173

8. Melhorar aparência para conseguir bons empregos 3,42 3,66 3,66 0,13
9. Melhorar a resistência* 4,97 4,91 4,55 0,22
10. Obter mais prazer na vida 4,54 4,58 4,55 0,02
11. Preservar a juventude e retardar a velhice 4,65 4,50 4,44 0,10
12. Prevenir a obesidade 4,85 4,91 4,61 0,15
13. Prevenir doenças do coração 4,85 4,79 4,88 0,04
14. Reduzir a pressão arterial 4,51 4,70 4,38 0,16
15. Reduzir as conseqüências da Osteoporose 4,54 4,50 4,88 0,20
16. Relaxar as tensões do dia-a-dia* 4,48 4,91 4,83 0,22
17. Ser mais desejado 2,28 1,91 2,55 0,32
18. Ter consciência do próprio corpo 1,37 1,66 1,61 0,15
19. Ter mais saúde 4,94 5,00 4,77 0,11
20. Ver pessoas e fazer amigos 4,17 4,12 3,83 0,18
21. Viver com melhor qualidade* 4,94 4,70 5,00 0,15
* Apresentam diferença significativa pelo índice de Krusk-Wallis (p < 0,05)

Ao se compararem as médias obtidas em cada item pelos 3 grupos, verificou-se


diferença significativa somente nos itens 2, 9, 16 e 21. Também fica bastante evidente o fato
de as respostas apresentarem uma pontuação média elevada, uma vez que a pontuação
estabelecida para cada questão variava de 1 a 5 pontos. De todas as categorias, os menores
índices estão nos itens relacionados à autoconsciência (1, 4, 7, 18). De certa maneira, isso
indica que o conhecimento das pessoas, relacionado às diferentes questões apresentadas pode
ser considerado bastante significativo. Mas, para se chegar a uma melhor análise,
apresentar-se-ão os dados agrupados por categoria, os quais foram analisados pelo índice de
Krusk-Wallis e estão na tabela 34.

Tabela 34: Comparação entre as médias obtidas entre as Categorias estudadas, segundo os
praticantes de Atividade Física, por Faixa Etária.*
FAIXA ETÁRIA
Categoria MÉDIA GERAL
20-30 31-40 41-50
Saúde 4,72 4,75 4,54 4,67
Lazer 4,26 4,44 4,39 4,36
174

Estética 4,27 4,16 4,26 4,23


Autoconsciência 1,87 1,65 1,81 1,78
* Categorias presentes no questionário A.

A partir dessa tabela percebe-se que as pessoas têm mais informações a respeito
da saúde, seguida pelo lazer, pela estética e, por último, pela autoconsciência. Um aspecto
bastante interessante é que não ocorrem grandes diferenças entre os grupos etários. Entre as
categorias, a da autoconsciência apresenta, como já foi dito, a menor pontuação. Esse aspecto
pode confirmar a realização de Operações Físicas, ao invés de Atividades Corporais. Por
outro lado, pode sugerir desconhecimento das pessoas em relação a si, e em relação às
influências dessas Atividades, enquanto elementos sociais em sua vida, e, como tais,
responsáveis pelo desenvolvimento de sua consciência e de sua personalidade. A própria
alienação está posta a serviço do desenvolvimento social.
Outra diferença que chama atenção é o fato da estética estar ligeiramente à frente
do lazer, entre os adultos jovens, embora essa diferença não seja significativa. Infere-se, a
partir daí, que apesar da mídia não ter entrado explicitamente nessas questões, a sua inserção,
sobretudo pelos elementos da Indústria Cultural, se fazem presentes. Ademais, parece comum
entre as pessoas mais jovens uma maior preocupação com relação à sua forma, e, por isso, um
maior índice de informação em relação à estética. Essa é, provavelmente, uma das formas de
se manter sempre jovem, magro, forte, ágil, produtivo.
A seguir, serão apresentados os resultados do questionário B (tabela 35) que foi
analisado da mesma forma que o questionário A, utilizando o índice de Krusk-Wallis, para
determinar a relação entre as variáveis. Acrescentaram-se, aqui, perguntas relacionadas à
mídia, porquanto não ter sido possível adequar as perguntas relacionadas a essa categoria no
questionário anterior.

Tabela 35: Motivos para a realização de Atividade Física, segundo os praticantes, por Faixa
Etária
FAIXA ETÁRIA
As pessoas praticam atividade física... DP
20-30 31-40 41-50
1. Como lazer 3,65 4,12 3,50 0,32
2. Para conhecer o próprio corpo 1,65 2,08 1,88 0,21
3. Para emagrecer 4,68 4,58 4,55 0,06
175

4. Para melhorar a aparência 4,51 4,62 4,61 0,06


5. Para adquirir novos conhecimentos 3,77 3,50 3,38 0,19
6. Para aumentar a capacidade física 4,68 4,75 4,61 0,07
7. Para encontrar amigos 3,91 3,66 3,27 0,32
8. Para enrijecer a musculatura 4,77 4,62 4,38 0,19
9. Para se disciplinarem física e/ou mentalmente 1,51 1,79 0,77 0,52
10. Para se sentirem bem 4,65 4,70 4,44 0,13
11. Para se tornarem o centro das atenções durante a aula 3,80 4,08 4,05 0,15
12. Para terem sua saúde melhor 4,82 4,87 4,94 0,06
13. Por influência dos meios de comunicação áudio visuais 3,51 3,33 3,22 0,14
14. Por influência dos meios de comunicação impressos 3,34 3,62 3,11 0,25
15. Porque está na moda 2,97 2,79 3,05 0,13
16. Porque dá status socialmente dentro do grupo 3,31 3,50 3,44 0,09
17. Porque gostam 4,25 4,37 4,16 0,10
18. Porque o médico mandou 3,65 3,70 4,22 0,31
19. Porque todas as pessoas famosas o fazem 2,54 2,54 2,33 0,12
20. Para ter um corpo mais torneado 4,71 4,20 3,94 0,39

A primeira análise que pode ser feita a respeito dessa tabela é de que em nenhum
item apareceu diferença significativa entre os grupos. Além disso, a homogeneidade também
se manifesta no desvio padrão, onde os valores são sempre menores que 0,5. A única questão
que se diferencia das demais, e, assim mesmo, por muito pouco está relacionado com a
disciplina física e mental. Mesmo assim a discrepância, nas médias, pode ser considerada
pequena.
Aqui também a autoconsciência aparece como a categoria com menores médias,
sobretudo nos itens 2 e 9. Entretanto, no item 11, as pessoas apresentam um nível de
autoconsciência maior, uma vez que não têm que usar esse elemento para se convencerem da
sua importância no mundo. Deve-se registrar, ainda, que o item com maior grau de
heterogeneidade (DP), está relacionado à autoconsciência (9). Outro fator que não aparece
aqui como muito importante é a influência da mídia que, por sua vez, também obteve médias
relativamente baixas se comparadas aos outros itens.
176

Outro fato que se destaca entre os grupos, são os itens com menor desvio padrão
(DP = 0,06), que são “para emagrecer”, “para melhorar a aparência” e “para terem a sua saúde
melhor”, sendo os dois primeiros relacionados à estética e o último relacionado à saúde.
Destaca-se o fato de os adultos médios apresentarem as maiores médias nos itens da estética,
enquanto os adultos maduros apresentam maior média no item relacionado à saúde.
Por sua vez, os adultos jovens demonstram maiores médias em dois aspectos
relacionados à estética (8 e 20)e um relacionado ao lazer (7). A impressão que se tem é que,
no transcorrer da vida, existe inicialmente uma preocupação com o lazer (encontrar os
amigos) e com a estética, passando na fase seguinte a se preocupar apenas com a estética,
para, no momento posterior, se preocupar com a saúde. Essa dedução é retirada dessas últimas
análises, uma vez que uma conclusão a esse respeito necessitaria de um estudo longitudinal.
Deve-se observar, ainda, que dentro da psicologia do desenvolvimento, Bee &
Mitchell (1984), mencionam a redução do número de amizades, em decorrência do aumento
da idade. Quanto à questão da saúde e da estética, parece haver uma maior preocupação com a
manutenção da juventude. E, ao se perceber que existem outros aspectos importantes na vida,
passam-se a direcionar as atividades, físicas ao menos, para a questão da saúde. Entretanto,
esses dados também necessitariam de um estudo longitudinal, o que não é o caso desta
pesquisa.
Todavia, para se entender melhor o que significa essa tabela, foi feito, como no
questionário A, o agrupamento de respostas por categoria, apresentando-se os resultados da
tabela 36.
Tabela 36: Comparação entre as médias obtidas pelas categorias em estudo, segundo os
praticantes de Atividade Física, por Faixa Etária.
FAIXA ETÁRIA
Categoria MÉDIA
20-30 31-40 41-50
Estética 4,66 4,50 4,37 4,51
Saúde 4,38 4,44 4,59 4,47
Lazer 4,04 4,07 3,75 3,95
Mídia 3,09 3,07 2,92 3,02
Autoconsciência 2,56 2,86 2,53 2,65
177

Os resultados dessa tabela demonstram, mais uma vez, que o principal motivo da
prática de Atividade física é a Estética, havendo diferença apenas em relação ao grupo de
adultos maduros, sendo que, nesse caso, existe a relação mencionada por Meinel (1984)
anteriormente de prática visando saúde para os adultos maduros. Além disso, demonstra-se
uma certa influência da mídia, que se apresenta maior que a influência da autoconsciência.
Esses dados acabam por confirmar as respostas da entrevista quanto aos objetivos e as fontes
de informação, que, apesar de se caracterizarem como fontes relacionadas à promoção da
saúde, provavelmente, encontram-se contaminadas pelas propostas da Indústria Cultural.
À guisa de considerações finais, devem-se realizar, ainda, algumas reflexões que
os dados permitem. Para se tentar estabelecer as conexões necessárias, em primeiro lugar
precisam ser discutidos os objetivos da prática de atividades físicas. Conforme demostram os
dados, a principal causa da prática é a estética. Essa pode ser vista, apoiando-se em Marx na
sua relação com a propriedade privada e como forma de atender aos diferentes fetiches com a
qual a sociedade atual bombardeia a todos diariamente. Tenta-se não virar o gordo mal, ou
não ter que pagar o preço para ser visto como bonzinho. É a ideologia trabalhando a todo
vapor para que as pessoas não se ocupem do processo de transformação social. Além disso, ao
se pensar na relação dos dados apresentados na entrevista, e confrontando-os com os dois
questionários, percebe-se que as pessoas possuem um nível bastante razoável de
conhecimento a respeito da realização de exercícios como saúde (questionário A); porém, esse
dado não é o mais atrativo, uma vez que o fetiche produzido pela mercadoria corpo é mais
forte que o desenvolvimento da saúde ou do lazer.
Em segundo lugar, deve-se prestar atenção na relação, falsa como se viu, da
prática de exercícios enquanto saúde. Ao que parece, ao menos no imaginário dos praticantes,
a ginástica e o exercício, apesar de estarem direcionados para a questão da estética, parecem
manter o ideário de um corpo forte e disciplinado, produtivo e com saúde suficiente para
atender às necessidades de um padrão social. A garantia e a necessidade de desenvolvimento
de boas condições orgânicas, parecem estar ainda fixados, como o modelo de saúde ideal.
Contudo, é o próprio indivíduo que assume esse papel, pois o cuidado com o corpo, com a
saúde é uma responsabilidade individual. O Estado só tem para oferecer como esmola um
serviço público que se torna cada vez mais precário dentro da lógica do Estado mínimo.
Além disso, o cuidado com o corpo obedece à lógica do consumo, onde a
atividade física, como qualquer outra mercadoria oferecida, é influenciada pela necessidade de
178

circulação de bens produzidos, os quais estão relacionados à prestação de serviços, à venda de


produtos de beleza e de suplementos alimentares que apontam, de maneira mitológica, para
um tipo de saúde, que, na realidade, não está lá. Pelo contrário, vários desses produtos, a
longo prazo, podem trazer problemas renais e hepáticos, que, com certeza, contribuirão para
algumas doenças graves.
Enfim, todo esse discurso, que procura apenas aumentar a performance do
trabalhador, para evitar as suas faltas e evitar a queda da produtividade, precisa ser superado,
em prol de uma vida digna, de qualidade, onde as atividades corporais, em seu sentido amplo,
possam ser realizadas pelo lazer proposto por Marcellino (1990), no sentido da transformação
da cultura e da emancipação, aspecto que também é defendido por Adorno. Ademais, esse
discurso preserva as características adotadas em sua origem, o que significa, pelos dados
mostrados, que o higienismo não foi superado. Nesse sentido, é o passado que se mantém na
atualidade. Ainda sobre a saúde, é estranho que as principais fontes de informação sejam
profissionais de saúde – na CAPES o professor de Educação Física está vinculado às ciências
da Saúde – ao passo que o principal objetivo é a estética.
A mesma análise pode ser adotada para a realização dos exames médicos. Nesse
caso, a aparente preocupação com a saúde parece dar lugar a um outro fetiche, ou mesmo à
uma outra prestação de serviços, ainda mais quando se percebe que a maior parte dos exames
são realizados na própria academia, mais uma mercadoria que é oferecida com a “aparência”
de saúde que acaba revelando a “essência” da mercadorização dos produtos, mercadoria essa
trocada pela possível fidelidade dos praticantes. Todavia, essa fidelidade também pode ser
feita pela vista grossa com relação aos exames médicos, que não são cobrados, ou onde se
pede apenas um atestado médico. Pode-se justificar esse fato pelos custos do serviço que nem
sempre está acessível aos praticantes, embora se tenha constatado, mesmo nas academia mais
simples, que o seu público não é constituído, necessariamente, de pessoas de classe baixa.
Em relação à influência da mídia, pode-se acrescentar que muito mais do que
mediações, como defendem os adeptos da escola latino-americana de comunicação, esse
processo, ao menos em relação à atividade física praticada nas academias pesquisadas é, ao
que tudo sugere, fruto de uma Indústria Cultural muito bem preparada para driblar os focos de
resistência, onde a apropriação dos conceitos se faz de maneira bastante alienada. Além do
mais, os dados obtidos em Goiânia são bastante semelhantes aos encontrados por Pereira
(1996), Novaes (1998) e Anzai (2000), elementos da singularidade goiana que se apresentam
179

e se equiparam na totalidade brasileira. Adorno & Horkheimer (1985) parecem iluminar essa
questão, pois só a necessidade da reprodutibilidade técnica, da massificação, da cooptação dos
indivíduos e a venda de produtos parecem identificar essas práticas.
Há de se apontar, ainda em relação aos elementos da Indústria Cultural, dois
fatores relacionados: a) a questão do corpo perfeito e, b) a questão do gênero. Em relação a
esse primeiro ponto, deve-se ressaltar a necessidade que as pessoas têm de seguir um
determinado padrão imposto como ideal. Esse modelo, porém, continuará sendo uma meta
inatingível, uma vez que a própria diferença genética entre as pessoas é um limite natural. Não
se quer, aqui, fazer apologia à genética; o que se pretende discutir é que o corpo perfeito é
aquele que se encaixa nos padrões de saúde proposto pela OMS, e que deve ser alcançado em
sua totalidade, enquanto acesso a condições dignas de vida, como apontam Quint & Matiello
(1999). A estética nesse caso, pode ser um elemento presente; entretanto, há de se preocupar
com a exacerbação no alcance dos objetivos. Esse fato se torna mais preocupante quando as
pessoas que devem orientar a prática de atividades corporais cedem ao discurso proposto pela
Indústria Cultural, com relação à questão do paradigma do corpo perfeito.
Outro aspecto que deve ser apresentado para discussão é a questão do gênero. As
transformações das relações sociais entre homens e mulheres, bem como a competição
existente entre eles, parecem estar alcançando índices cada vez mais altos. A entrada
definitiva da mulher no mercado de trabalho parece estar mexendo com os homens mais do
que se esperava, pois elas estão assumindo papéis que antes eram exclusividade masculina.
Dentre as pessoas entrevistadas, percebe-se um predomínio das mulheres sobre os homens
como professoras, estudantes, assessoras, arquitetas, advogadas, comerciantes e
administradoras. Em todas essas profissões exercidas, as mulheres são, quantitativamente,
superiores aos homens, fato esse que não exime a sua superioridade qualitativa. Isso significa
que elas estão assumindo papéis sociais cada vez mais importantes, e consequentemente, as
exigências sobre elas também aumentam. Por outro lado, as mulheres não podem, apesar de
seu “novo papel social”, perder as responsabilidades que já lhes eram imputadas
anteriormente. Ela deve continuar sendo bela, feminina, jovem, com a pele bem tratada, para
que possa continuar atendendo aos anseios de uma sociedade que precisa definir os padrões
pelos quais se guiar. Apesar de isso não ter sido o foco deste estudo, poder-se-ia dizer que a
mídia e a Indústria Cultural reforçam essa imagem através dos modelos de corpos das pessoas
famosas como diz Carvalho (1995). É o padrão social que não desapareceu desde a década de
180

1930, como foi expressa por Goellner (1999). A busca pela juventude e pela perfeição
provavelmente ainda permearão a sociedade por muito tempo.
Não se pode finalizar essa análise sem antes serem discutidos os aspectos
relacionados ao tempo livre e sua relação com o trabalho. Como já foi dito, a realização de
atividades físicas está relacionada à lógica necessária ao desenvolvimento do capital, uma vez
que a sua realização passa, também, por influências da Indústria Cultural, enquanto um pólo
privilegiado de informação, que diz às pessoas como utilizar o tempo livre. Entretanto, o que
se observa é a adesão das pessoas a atividades que dão resultados rápidos, como a
musculação, uma vez que, dentro da lógica do sistema, não se tem tempo a perder. O trabalho
exteriorizado para outrem, como diz Marx (1983), é um trabalho que não garante ao
trabalhador a apreensão de seu produto, e muito menos o reconhecimento de si, naquilo que é
produzido. Esse processo impede a realização plena do Homem enquanto tal; é o animal que
se apresenta nesse momento.
Na atividade física, ao que tudo indica, é isso que está acontecendo, é o animal
que precisa ser solto, para que se perceba a realização na atividade. É o condicionamento
físico máximo, a força que têm primazia, em um cotidiano onde não se exige essa necessidade
para a maioria das pessoas pesquisadas. De onde vem, então, a necessidade da hipertrofia?
Provavelmente do padrão estético, que elege a possibilidade de rendimento máximo como
fundamental. Um padrão que definitivamente não foi definido por quem está “malhando” em
academias de Goiânia. Além disso, a profissão exercida em si não justifica esse aumento
corporal, pois, com raras exceções, as atividades profissionais são sedentárias. Deve-se
apontar, ainda, que, apesar de essas pessoas provavelmente possuírem salários elevados, e não
serem operários da indústria, a grande maioria ainda é de trabalhadores (aproximadamente
97,4%), o que demonstra, provavelmente, uma falsa consciência dessas pessoas em relação à
sua classe social, apesar do trabalho realizado ser privilegiado, se comparado com o da grande
maioria da população.
Defende-se, aqui, a idéia de um tempo livre que propicie, acima de tudo, a
emancipação do ser humano. Essa emancipação, no entender deste estudo, far-se-á com a
adequação das políticas públicas de saúde e de lazer, que devem primar, necessariamente, pela
dignidade da vida humana. Para ocorrer essa mudança fazem-se necessárias a realização de
Atividades Corporais e a sublimação da estética. Em relação ao primeiro ponto, deve-se
destacar a necessidade de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento de ações, que
181

contribuam para conscientizar as pessoas dos benefícios das práticas corporais, para que a sua
opção, por qualquer uma delas, seja feita da maneira mais clara possível, não apenas pela
venda de mercadorias. As pessoas têm que adquirir gosto e prazer nas atividades realizadas;
deve haver, assim como nas práticas desenvolvidas fora das academias, o gosto pela
realização. É a consciência de si e daquilo que se pratica que deve estar acima dos interesses
comerciais.
Esse ponto, o da consciência acima de tudo, também deve permear o próprio
conceito estético. Deve ser a busca da sublimação, como diria Marx, que deveria ser
privilegiada. Todavia, assim como ele, acredita-se que essa possibilidade se está dada na
emancipação do Homem – acompanhando também Adorno – bem como na superação de um
modo de produção perverso, como o atual vivido no Brasil. A Atividade Corporal, em sua
essência, deve atender a estética, na direção da plena satisfação de todos os sentidos humanos,
sentidos esses que devem estar aprimorados e não embrutecidos, como acontece atualmente.
Por fim, a atividade física na Academia nada mais é do que uma operação física,
procurando desenvolver os termos a partir do que é proposto por Leontiev, pois, se existem
coisas mais importantes a serem feitas, se não provoca prazer, ou mesmo se ela não é sequer
importante na vida de quem a pratica, ela não pode ser entendida enquanto Atividade, muito
menos corporal, procurando entender essa concepção em uma perspectiva marxista. É
importante também se ressaltar o fato aparencial da sua importância, o que não é identificado
no essencial da vida das pessoas. Nesse todo da vida, a atividade física é uma prática
supérflua, regida pelos interesses mercadológicos e por todos os fetiches que regem a
sociedade capitalista.
Enfim, há de se refletir sobre essas práticas, pois o que está acontecendo nada
mais é do que uma prática elitista, reificada e alienada, que precisa com urgência atingir as
classes populares como forma de sublimação.
182

CONCLUSÃO: A Educação e a Educação Física na Academia de Ginástica

Ao iniciar a parte final deste trabalho gostaríamos de apontar quatro elementos


que entendemos como sendo muito importantes. No primeiro, responderemos à questão
fundamental do mesmo e discutiremos os seus objetivos. No segundo momento, pretendemos,
retomar alguns pontos dos dados coletados, juntamente com o todo da teoria trabalhada,
visando dirimir algumas nuvens que provavelmente permaneceram em nossa viagem. No
terceiro momento, far-se-á uma pequena reflexão a respeito do papel do Professor de
Educação Física que atua dentro da academia de ginástica, ao mesmo tempo que refletiremos
sobre esse espaço, enquanto um locus de educação não-formal. Por último, discutiremos sobre
algo que temos pensado como o agendamento para a crise da academia e aí, finalmente
realizaremos as considerações finais.
Percebemos ao longo da realização deste estudo que a estética é o fator que mais
levou os adultos de 20 a 50 anos a procurarem as academias pesquisadas. Esse fato, em nosso
entender, está fortemente relacionado aos interesses da Indústria Cultural. Percebemos, ainda,
que esse objetivo sofre um pequeno retrocesso com o passar da idade, sem, todavia perder a
sua hegemonia ao longo das idades. Esse dado encontrado na entrevista parece ser
contraditório em relação aos dados apresentados no questionário A, sendo, entretanto,
confirmado no questionário B. Com relação à influência das três categorias em estudo, saúde,
estética e lazer, este último é o que parece exercer menor influência nas atividades realizadas
dentro das academias. Por outro lado, o lazer se apresenta como um elemento importante nas
atividades realizadas fora dos locais pesquisados, provavelmente por não ser entendido em sua
dimensão mais ampla.
Relativamente à influência da autoconsciência e da mídia, podemos dizer que esta
é mais importante que aquela, enquanto fator gerador para a prática de atividades físicas nas
academias pesquisadas. Acreditamos que o próprio conceito da autoconsciência ainda precisa
ser melhor explorado dentro do âmbito da Educação Física, para que ela possa passar a ser um
elemento determinante nas práticas corporais. Entretanto, existem aspectos a serem retomados
183

aqui. Essas explicações dependem de uma sustentação que se faz necessária no âmbito deste
trabalho.
A priori, um aspecto que precisa ser ressaltado é o transcorrer da vida adulta. Não
é possível desenvolver nenhum trabalho em qualquer área sem que se conheça aquilo que o
constitui. O adulto, em cada um dos momentos da sua vida, apresenta características
diferenciadas em todos os âmbitos, e não apenas no biológico, como defendem muitos
Professores de Educação Física. Cada uma delas deve ser compreendida em sua totalidade,
sendo que as diferenças que lhe são inerentes devem ser, antes de tudo, respeitadas. Não se
trata aqui, de defender a vertente Desenvolvimentista dentro da Educação Física, e sim de
procurar apreender o ser humano dentro de sua totalidade. E, para que isso aconteça, a
percepção das diferenças decorrentes da idade devem ser levadas em conta.
A plenitude do adulto jovem, a estabilidade de adulto médio e o início da
retrogênese no adulto maduro, são aspectos a serem considerados no desenvolvimento de
atividades físicas que se queiram eficazes. Além disso, o aspecto psicossocial também deve
ser levado em consideração. Afinal, o desenvolvimento da personalidade é inerente ao meio
onde se vive. Na idade adulta a personalidade ainda está em construção, ela só será
interrompida com a morte.
Por outro lado, deve-se compreender que, ao se trabalhar com o corpo de uma
pessoa, não se está trabalhando uma massa qualquer, muito menos com uma máquina. Na
realidade, o corpo precisa ser entendido como a manifestação social, psicológica e histórica do
Homem em seu meio, enquanto um ser imerso em uma cultura, que faz ele ser o que ele é.
Assim, deve-se ter claro que, ao se trabalhar o corpo do Homem, também se está trabalhando
a sua consciência do mundo, consequentemente do seu corpo inorgânico, e a consciência de si
mesmo (autoconsciência), da qual faz parte o seu corpo orgânico.
No processo de totalização do ser humano, vários fatores podem influenciar o seu
desenvolvimento e o de sua consciência. O primeiro é a relação que se estabelece com o
trabalho, enquanto forma de aquisição da cultura. O segundo, é o contato com outros seres
humanos, naquilo que Elias (1994) vai chamar de relação nós – eu, onde o Homem aprende a
ver o outro e a si mesmo. O terceiro, é a mídia enquanto um posto avançado da Indústria
Cultural. Essa máquina de construir mentes atua quase que silenciosamente como um
instrumento a serviço dos interesses capitalistas. Esse processo é tão bem feito que nós
passamos a adotar a fala da burguesia, muitas vezes sem perceber o quanto aquele discurso e
184

aquela prática estão nos destruindo. Entretanto há de se registrar que desses três elementos o
trabalho possui o papel central, uma vez que as relações interpessoais e a utilização da própria
mídia, estão permeadas pelas influências do processo produtivo e de seus interesses.
Nesse procedimento de percepção e de desenvolvimento da consciência e da
autoconsciência, o aluno da academia tem que se perceber como um trabalhador. E, ao
refletirmos sobre o público entrevistado, poucos deles poderiam ser considerados burgueses –
detentores dos meios de produção – em sua grande maioria, as pessoas entrevistadas, apesar
do alto nível da escolarização, e talvez até do salário, não se percebem enquanto “classe
explorada”. Se isso não lhes é perceptível, poderíamos afirmar, no mínimo, que a sua
alienação já está efetivada, e que a reificação de sua consciência se instalou com sucesso,
fatos esses que não poderiam ser diferentes em uma sociedade capitalista. Enfim, esta
alienação, e não-percepção das pessoas entrevistadas como trabalhadores, se dá
provavelmente pela classe social, à qual estão vinculadas, pelos salários ou pelos cargos que
ocupam. Todavia, elas se esquecem que “não é a roupa que faz o rei”. Afinal, ser
administrador, gerente, assessor ou diretor, não faz do indivíduo o proprietário do local de
trabalho. Dessa forma, a necessidade de quem trabalha é diferente da de quem é dono.
Segundo Marx, a própria consciência, a priori, surge nas suas condições materiais de
existência, na sua classe social, o que é derrubado pelo processo de alienação no qual
vivemos.
Mas, onde é que ficam as práticas corporais dos adultos? Essas fazem parte da
mesma lógica que rege o mercado, ou seja, a maior parte delas são apenas mercadorias, cujo
objetivo central é promover lucros. Porém, esta é apenas a parte boa da história. Na realidade,
a prática destas atividades tem outros objetivos implícitos, que estão ligados aos interesses do
modo de produção, mais uma vez.
Se praticada enquanto saúde, a meta central é o aprimoramento do capital
humano, evitando-lhe distúrbios e aumentando-lhe a produtividade. A relação atividade física
e saúde é entendida como sinônimo, e até mesmo se defende essa idéia pelo fato de que ela
também gera lucros, não só para quem a promove, mas também para as indústrias que
produzem materiais esportivos.
Se praticada com objetivos estéticos, o processo de alienação e reificação da
consciência é ainda maior, pois a pessoa passa a ser tratada como uma massa que precisa de
uma forma que atenda aos interesses impostos pelas classes hegemônicas. Esse padrão,
185

contudo, não é aleatório; ele também procura atender às necessidades do modo de produção,
pois o corpo que interessa é o corpo forte, resistente, ágil e produtivo; nisso Foucault tinha
plena razão. Entretanto, é necessário o conteúdo para essa forma; precisa-se atingir a
sublimação proposta por Marx, mesmo que, para isso, seja necessária a transformação do
modo de produção, se possível, sem ter que dar a vida por isso.
Com o lazer, os interesses acabam sendo semelhantes. Aqui, a preocupação se
estabelece apenas com a recuperação da mão-de-obra, com o alívio do stress e com a
manutenção da lógica do trabalho entre a saída da noite e a entrada do dia seguinte, da forma
mais segura possível, como diriam Adorno e Horkheimer. Pode-se, porém, ir ainda mais
longe; as práticas do tempo livre agem de maneira conjunta, ou, talvez seja melhor dizer,
também fazem parte da indústria cultural, embora os responsáveis por ela saibam que a
população não seja assim tão fácil de se convencer, como diria o próprio Adorno. Todos esses
elementos conjuntos nos dão uma pequena noção de todas as influências da sociedade sobre
nós; e elas estão muito longe de ser ocasionais ou acidentais.
Após estas rápidas reflexões, ficam algumas questões a serem respondidas. Uma
delas é: Qual é o papel do professor da academia? Que tipo de profissional ele é? Poderíamos
iniciar esta resposta da maneira historicamente mais correta. O papel do Professor da
academia de ginástica é cuidar da saúde das pessoas, pois esta é a sua área de atuação. Esse
ponto é defendido no âmbito da Educação Física “com unhas e dentes” por vários autores.
Para citar apenas um, Menestrina (1993) considera que o Profissional de Educação Física deve
desenvolver vários conhecimentos técnicos, pedagógicos e sociais para “(...) contribuir na
formação de gerações saudáveis e conscientes e colaborar com o aumento do nível
qualitativo de vida.” (Menestrina, 1993: 28). Essa concepção está equivocada em sua raiz,
pelo fato de que as gerações saudáveis, como aborda o autor, necessitam de outras coisas para
alcançar este objetivo e não apenas o exercício físico. Apesar de ele destacar os
conhecimentos pedagógicos e sociais, a sua visão se apresenta bastante biologista e nós não
acreditamos que esse seja o melhor caminho a ser tomado.
Poderíamos apontar como uma segunda possibilidade a visão de Cunha (1999),
que de certa maneira defende que somos profissionais de lazer. A sua justificativa se aproxima
do âmbito do presente trabalho, por destacar que a academia de ginástica é um espaço de
práticas de lazer, e os profissionais que ali atuam, seriam, consequentemente, profissionais de
lazer. Concordamos parcialmente com ela, ao apontar que as academias são aparelhos de
186

lazer, contudo a nossa ação profissional não se restringe a este âmbito do não-formal. A nossa
ação tende a ser um pouco mais ampla do que isso, pois, além de possuirmos uma ação dentro
das práticas formais que deve ser considerada, a própria ação dentro desses aparelhos se
caracteriza como pedagógica.
Por último, poderíamos entender que professores de academia são profissionais da
educação. Esta é a nossa opinião particular e apresentamos duas justificativas para isso. A
primeira delas se justifica no fato de que todas as vezes que se ministra uma aula, seja ela do
que for, existe uma intencionalidade e aí se estabelece um relação pedagógica, uma relação de
ensino-aprendizagem; assim sendo, está presente neste momento a ação educativa. Esse fato
também acontece dentro da academia de ginástica, mesmo que de maneira muito restrita,
situada muitas vezes em aprendizagem de movimentos relativamente simples. Embora os
alunos não tenham uma avaliação definida, caracterizada como uma ação não-formal, já que
não existe uma mensuração que permita aprovação ou reprovação, ou mesmo obtenção de
uma titulação como na escola, as relações pessoais e pedagógicas se manifestam pela presença
do planejamento das atividades, pelo estudo de novas pesquisas e de novos fundamentos
técnicos e metodológicos, pela reunião e discussão entre os professores e entre estes e a
direção da instituição entre outros. Além disso, muitas vezes as notas fornecidas por
academias são validadas em certas escolas para constar como avaliação da disciplina
Educação Física no boletim escolar. Fato esse com o qual não concordamos, haja vista que a
aula de Educação física deve ter objetivos diferenciados e conteúdos próprios que foram
historicamente construídos e socialmente sistematizados.
Um outro ponto que reforça essa posição está na formação profissional. Pelo
menos no âmbito de Goiás, os profissionais formados até agora possuem o título de
“Licenciatura Plena em Educação Física”, ou seja, esses profissionais saem com habilitação
para trabalhar principalmente em escolas; entretanto, a abrangência de seu conhecimento
permite-lhes a atuação em um âmbito, que podemos chamar de não-formal. Essa formação
deve dar ao professor pleno domínio dos aspectos didático-pedagógicos, conforme menciona
Menestrina (1993); todavia, defendemos aqui a idéia de que essa formação não deve estar
voltada apenas para a formação de gerações saudáveis, mas para a emancipação do ser
humano e para a superação dos atuais problemas sociais.
A própria maneira como a formação profissional é encarada torna-se um ponto
fundamental de discussão. Por um lado, entende-se que a formação profissional deve primar
187

para o desenvolvimento da saúde e do rendimento, sobretudo o esporte. Por outro lado,


entende-se que a Educação Física deve estar atrelada às licenciaturas. Essas posturas geraram
cursos de bacharelado e de licenciatura, que até o momento, ainda lutam pelos espaços de
cada um. Não é esta a Educação Física que queremos. A Educação Física almejada se
constitui enquanto uma prática social capaz de desenvolver o ser humano em sua totalidade; e,
nesse sentido, o título, a priori, é o que menos importa. O fundamental é o compromisso com
uma sociedade que supere um modo de produção desumano, desleal e injusto. Que seja
formado um profissional que tenha capacidade de intervenção e conhecimento suficiente para
separar o joio do trigo.
Dentro da postura que estamos assumindo, não é nossa intenção desconsiderar os
conhecimentos que o Professor de Educação Física tem que possuir dos elementos
relacionados à saúde e ao lazer, mas, sim, pensar esse profissional em um sentido mais amplo,
por se entender que a licenciatura deve conseguir instrumentalizar o professor de maneira que
lhe seja possível o direcionamento em qualquer área que pretenda seguir.
Daí entendemos que a formação profissional é essencial nesse processo. Ela deve
propiciar ao aluno que se está formando uma base de conhecimento composta por, pelo
menos, quatro tipos de conhecimento: o didático-pedagógico, o técnico, o biológico e o
filosófico-social.
Dentro do conhecimento didático-pedagógico, que de certa maneira já foi
explicado, o professor deve adquirir os conhecimentos concernentes aos elementos
metodológicos necessários ao desenvolvimento de sua profissão, independente do campo de
atuação que ele pretenda atuar após se formar. Esses elementos são essenciais para que a ação
desejada consiga alcançar as metas propostas com o seu planejamento.
O conhecimento técnico deve estar relacionado à apreensão e contextualização de
todos os elementos possíveis da cultura corporal que são, em nosso entendimento, o objeto de
estudo da Educação Física. Embora essa defesa seja feita dentro da Educação Física pela
tendência Crítico-Superadora, tendência esta defendida pelo Coletivo de Autores (1992), que
entende que o local do professor é dentro da escola, acreditamos que esses elementos também
estão presentes em outros campos de atuação, e que, por isso, devem receber um
conhecimento melhor elaborado, independente do locus de aplicação desses conhecimentos.
Em nossa ótica, isso inclui as academias de ginástica.
188

O conhecimento biológico deve dar suporte do ponto de vista do conhecimento do


ser humano, incluindo aqui as áreas de anatomia, fisiologia, bioquímica, psicologia, entre
outras. Esses elementos são fundamentais para a compreensão de que todas as práticas
corporais realizadas pelo ser humano irão influenciar nas suas resposta orgânicas,
aperfeiçoando-as, ou prejudicando-as, caso não sejam realizadas de maneira adequada.
Enfim, colocamos o conhecimento filosófico-social que é responsável pelo
conhecimento que o futuro professor tem que ter das diferentes influências sociais, às quais
todos nós estamos submetidos, inclusive as atividades corporais. Essa área, a priori, deveria
dar ao aluno condições de identificar os aspectos filosóficos relacionados a cada tendência da
Educação e da Educação Física. Estes aspectos são fundamentais para que o futuro professor
perceba as implicações sociais de cada prática e de cada tendência.
Todos esses conhecimentos reunidos devem ser de domínio do professor dentro da
academia, para que a sua práxis possa estar repleta de significado, e, o que é mais importante,
que o seu significado possa ser transmitido ao seus alunos. Está posta aqui a necessidade de
fazer-saber. Não apenas do fazer-saber técnico e instrumental, mas do fazer-saber pedagógico
e, sobretudo filosófico e social. As pessoas precisam ter a noção das influências sociais do que
realizam.
Um outro aspecto que nos preocupou no momento da análise dos dados, e que está
relacionado com a formação do Professor, é o fato de o Professor de Educação Física Escolar
ser mencionado no âmbito geral como a última fonte de informação importante. Para nós é
bastante claro que a ação da memória pode determinar a sua menção ou não. Por outro lado,
podemos dizer que tendemos a nos lembrar daquilo que consideramos importante em nossas
vidas. Destarte, infere-se que os Professores de Educação Física Escolar não cumpriram
adequadamente o seu papel de ensinar às pessoas sobre qual é a real necessidade da realização
de atividades corporais em suas vidas. Esse quadro, em nosso entender, se agrava ao se pensar
em boa parte dos adultos jovens que foram entrevistados, sobretudo aqueles que ainda estão
cursando o ensino superior, que tiveram, ou ainda têm acesso a professores que atuam na
educação formal. Que conteúdos estão sendo transmitidos e discutidos dentro das aulas? Será
que ainda estamos no tempo do chamado “rola bola”?
Através dessa reflexão voltamos ao papel da formação profissional. Como os
conhecimentos gerados dentro das Faculdades de Educação Física estão interferindo nas
práticas dos professores dentro da escola de ensino fundamental e médio, continua para nós
189

sendo uma incógnita. A produção dentro dessa áreas nos últimos 20 anos tem sido
significativa demais para que as mudanças ainda não tenham chegado até à escola. Mesmo
que se pense na base curricular, desde 1987 o então Conselho Federal de Educação modificou
a estrutura curricular dos cursos de Educação Física, buscando, entre outras coisas, um maior
conhecimento das ciências humanas que não eram contempladas até então.
A partir desses fatos, podemos dizer que existem duas possibilidades. A primeira,
que essas modificações curriculares não conseguiram se efetivar na prática, provavelmente
por dificuldade dos professores das Instituições de Ensino Superior se adequarem aos “novos
tempos”. Ou, então, as transformações realizadas em nível curricular não conseguiram
convencer os alunos em formação da necessidade da transformação da postura profissional,
ou, ainda, a força dos professores e das instituições que se engajaram nas mudanças, ainda é
insuficiente perante a força da Indústria Cultural e dos interesses que regem o atual modo de
produção. Gostaríamos de dizer que consideramos insuficientes essas mudanças, porque
existe uma tensão em marcha no país que dificulta o alcance de um consenso, embora
possamos entender que o conflito é salutar e importante.
Apesar de entender que a discussão em curso é importante e necessária,
entendemos que não há possibilidade de, no âmbito deste trabalho, esgotá-la por dois motivos:
1) não é esta a nossa intenção e nem o nosso foco central neste trabalho e; 2) essa discussão é
muito ampla, dependendo os seus desdobramentos inclusive da conjuntura nacional da
Educação Física.
Precisamos, contudo, retomar a discussão a respeito da academia enquanto um
locus de educação não-formal. Entendemos que a mesma já foi abordada satisfatoriamente, no
entanto, gostaríamos de retomar a nossa linha de raciocínio dizendo que a academia de
ginástica, bem como os profissionais que nela atuam, poder-se-iam encaixar na área da saúde,
do lazer e até mesmo da estética. Justifica-se isso pela gama de atividades que a Educação
Física abrange, ao mesmo tempo que pretendemos demonstrar o nosso respeito às diferentes
linhas de pensamento dentro da área, embora não concordemos com várias delas.
Todavia, queremos defender aqui a idéia de que esse é um local privilegiado de
educação não-formal. Parte desta defesa já foi feita quando falamos de todos os elementos
educacionais que estão presentes aí, devendo-se assim ressaltar a necessidade de perceber os
seus freqüentadores não apenas como clientes atrás da prestação de serviços ou de uma
mercadoria que pode ser ele mesmo. Uma mercadoria que se põe na mão de um profissional
190

que irá modificá-la para aumentar o seu valor de mercado. Devemos perceber essas pessoas,
os adultos principalmente, enquanto seres humanos que, apesar de seu estágio biológico mais
completo no sentido de maturação funcional, ainda estão em processo de formação de sua
consciência em relação ao mundo e à si mesmos.
É exatamente nesse ponto que o Professor de Educação Física deve agir. É na
totalidade deste homem ou mulher que precisamos investir. É necessário desenvolver a sua
autoconsciência. A prática Corporal, como diria Leontiev, tem que ser a Atividade, ou seja, o
mediador privilegiado na relação sujeito/objeto. Esse objeto que o aluno tem que conhecer é,
principalmente, o seu corpo orgânico, lembrando-se entretanto, que ao conhecer essa
dimensão ele irá conhecer a sua dimensão inorgânica, que, por sua vez, interfere direta e
constantemente na sua esfera orgânica. É na materialidade de suas ações que se devem abrir as
possibilidades da emancipação do homem. Para que isso seja possível, as políticas públicas,
em seu sentido emancipatório, devem estar convergindo nas áreas da educação, da saúde, do
lazer e até do esporte. O lançamento deste novo olhar sobre a Atividade Corporal se faz
urgente. No entanto, não temos a ilusão de que isso irá acontecer de forma linear, mecânica ou
sem sofrimento.
Por isso, apresentamos uma outra defesa, a de que a academia de ginástica, tal
qual a escola em meados da década de oitenta, deva entrar em crise. Crise no sentido de que
os seus profissionais realmente questionem os seus valores, as suas propostas, a sua função
social. Precisa-se também questionar as metodologias adotadas no seu interior; se elas estão
sendo suficientes para pensar os alunos dentro de sua totalidade, ou se elas continuam
considerando apenas os aspectos higienistas, estéticos ou aqueles que são ditados pela
Indústria Cultural. Os Professores precisam definir claramente os seus papéis, e não pousarem
de profissionais de uma área que defende outros interesses, isto é no mínimo incoerente. Ao
passar por este vendaval, caso isso venha a acontecer, haveria a possibilidade de clarear quais
são as defesas que cada Professor faz individualmente ou dentro de um coletivo. Se a sua
opção está relacionada aos interesses do capitalismo ou da emancipação dos seres humanos?
Se o papel da academia de ginástica é ser um aparelho de lazer passivo ou ativo? As respostas
têm que ser dadas, embora, implicitamente, elas já estejam postas à mesa. O que se defende
aqui é simplesmente clareza e reflexão do papel do Professor da Academia. Afinal, ele é a
fonte de informação mais importante para os seus alunos.
191

Por último, gostaríamos de dizer que, apesar de todas as dificuldades encontradas


durante a realização deste trabalho, houve um crescimento pessoal e inovador. Por isso,
gostaríamos de tecer algumas ponderações finais, especificamente quanto às mediações e às
interpretações que o ser humano tem. Ou seja, a sua consciência, a sua visão de mundo e de
sociedade é, necessariamente, uma visão que o período histórico e as condições da sua
existência lhe permitem. Assim, é preciso refletir não apenas sobre o discurso hegemônico da
Educação Física. Precisa-se, antes, repensar a sua prática e os seus diferentes objetivos
implícitos e explícitos para que o professor, ao atuar junto ao aluno na academia de ginástica,
na escola ou em outro lugar, tenha plena convicção das suas possibilidades e limites de
atuação, para que ele não se mantenha apenas como mais uma peça na engrenagem da
máquina de alienação social.
Dessa forma, concluímos, afirmando junto com um dos autores que mais
influenciaram a elaboração deste trabalho que,

... com o prognóstico social, segundo o qual, uma sociedade, cujas contradições
fundamentais permanecem inalteradas, também não poderia ser totalmente
integrada pela consciência. A coisa não funciona assim tão sem dificuldades, e
menos no tempo livre [como acontece com as práticas da academia], que sem
dúvida, envolve as pessoas, mas, segundo seu próprio conceito, não pode
envolvê-las completamente sem que isso fosse demasiado para elas. Renuncio a
esboçar as conseqüências disso; penso, porém, que se vislumbra aí uma chance de
emancipação que poderia, enfim, contribuir algum dia com a sua parte para que o
tempo livre [Freizeit] se transforme em liberdade [Freiheit]. (ADORNO, 1995:
81-2)
192

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200

ANEXOS
201

ANEXO I

ROTEIRO DE ENTREVISTA.

1. IDENTIFICAÇÃO

1.01. Sexo: Masc. ( ) Fem. ( )


1.02. Faixa Etária: 20-30( ) 31-40( ) 41-50( )
1.03. Estado Civil:
___________________________________________________________________________

1.04. Grau de Escolaridade: 1º Grau ( ) 2º Grau( ) 3º Grau( ) Pós-Graduação ( )


Completo ( ) Incompleto( )
1.05. Profissão
___________________________________________________________________________
1.06. Atividade Profissional que exerce?
___________________________________________________________________________
1.07. Local de Trabalho:
___________________________________________________________________________

2. SOBRE ATIVIDADE FÍSICA:

1. Há quanto tempo faz atividade física? (Sem interrupção superior a um mês)?


2 meses ( ) 3 meses ( ) 4-6 meses ( ) 6-11 meses ( )
1 ano ( ) 2 anos ( ) 3 anos ou mais ( )
2.02. Quais atividades físicas você pratica?
___________________________________________________________________________
2.03. Quantas vezes por semana? 1( ) 2( ) 3( ) 4( ) 5( ) 6( ) 7( )
2.04. Em que dias da semana?
___________________________________________________________________________
2.05. Qual é o horário da(s) sua(s) aula(s)? ________________________________________
2.06. Faz mais de uma vez por dia? SIM ( ) NÃO ( )
2.07. Qual o tempo total de atividade física diária (em horas)? _________________________
202

2.08. Você fez algum exame médico ao iniciar a prática de atividade física? Em caso
afirmativo onde e por que? SIM ( ) NÃO ( )
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2.09. Como você escolheu esta atividade?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2.10. Onde ou com quem você obteve informações sobre esta modalidade?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2.11. Exatamente por que você escolheu esta modalidade?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2.12. O que você pretende atingir com ela?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2.13. Em uma escala de 1 a 10, quanto você já atingiu do que você pretende com esta
atividade física? ______________________________________________________________
2.14. Você pratica outra atividade física? Em caso afirmativo, qual e por quê?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2.15. Se pudesse escolher, você faria uma outra atividade física? Qual e por quê?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
203

2.16. Nesta relação indique em ordem decrescente de importância as fontes onde geralmente
obtém informações sobre o papel da prática de atividade física na vida de homens/mulheres?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2.17. Quais são as principais atividades da sua vida, em ordem de importância decrescente?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2.18. Por que você estabeleceu esta ordem?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2.19. Por que esta localização da atividade física?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
204

ANEXO II

PRINCIPAIS FONTES DE INFORMAÇÃO A RESPEITO DE


ATIVIDADES FÍSICAS

· AMIGOS(AS)/PARENTES

· JORNAIS

· MÉDICO

· OUTROS(AS) PROFISSIONAIS DA ÁREA DE SAÚDE

(NUTRICIONISTA, ENFERMEIRA, FISIOTERAPEUTA, ETC.)

· PROFESSOR(A) DA ACADEMIA

· PROFESSOR(A) DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA ESCOLA (ATUAL OU

PASSADA)

· RÁDIO
205

· TELEVISÃO

· OUTROS(AS). QUAIS?

ANEXO III–A
QUESTIONÁRIO

Neste questionário utilize os termos com os quais você mais se identifica.


De uma forma geral a atividade física contribui para:

Con Con Não Disc Disc


cord cord faz ordo ordo
o o Dife Parc Tota
Tota Parc renç ialm lmen
lmen ialm a ente te
te ente
01. As pessoas gostarem mais de si mesmas
2. Auxiliar no tratamento de diabetes
3. Desfrutar os momentos de folga
4. Encontrar o equilíbrio pessoal
5. Ficar com o corpo mais elegante
6. Ficar mais forte
7. Melhorar a aceitação social ou grupal
8. Melhorar a aparência para conseguir bons empregos
9. Melhorar a resistência
10. Obter mais prazer na vida
11. Preservar a juventude e retardar a velhice
12. Prevenir a obesidade
13. Prevenir doenças do coração
14. Reduzir a pressão arterial
15. Reduzir as conseqüências da Osteoporose
16. Relaxar as tensões do dia-a-dia
17. Ser mais desejado
206

18. Ter consciência do próprio corpo


19. Ter mais saúde
20. Ver pessoas e fazer amigos
21. Viver com melhor qualidade

ANEXO III-B.

De uma forma geral as pessoas praticam atividade física...

Con Con Não Dis Dis


cord cord faz cord cord
o o Dif o o
Tot Par eren Par Tot
alme cial ça cial alme
nte ment ment nte
e e
1. Como lazer

2. Para conhecer o próprio corpo

3. Para emagrecer

4. Para melhorar a aparência

5. Para adquirir novos conhecimentos

6. Para aumentar a capacidade física

7. Para encontrar amigos

8. Para enrijecer a musculatura

9. Para se disciplinarem física e/ou mentalmente

10. Para se sentirem bem

11. Para se tornarem o centro das atenções durante a aula

12. Para terem sua saúde melhor

13. Por influência dos meios de comunicação áudio visuais

14. Por influência dos meios de comunicação impressos

15. Porque está na moda


207

16. Porque dá status socialmente dentro do grupo

17. Porque gostam

18. Porque o médico mandou

19. Porque todas as pessoas famosas o fazem

20. Para ter um corpo mais torneado


208

BAPTISTA, Tadeu João Ribeiro.


Procurando o Lado Escuro da Lua: implicações sociais da
prática de atividades corporais realizadas por adultos em
222 academias de ginástica de Goiânia./Tadeu João Ribeiro
BAP Baptista: Orientadora: Maria Hermínia Marques da Silva
Domingues. Goiânia: 2001.
200 p.

Dissertação (Mestrado em Educação Brasileira) –


Universidade Federal de Goiás, 2001.

1. Atividade Física. 2. Aspectos Sociais. 3. Adultos.

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