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ISSN: 2525-8761
DOI:10.34117/bjdv7n2-050
RESUMO
O presente artigo discorre sobre as transformações na pesca artesanal, ocorrida nos
últimos anos, no rio Araguari, no estado do Amapá, decorrentes dos empreendimentos
hidroelétricos, instalados em seu trecho médio. Como forma de verificar os impactos
suscitados, procedeu-se à aplicação de questionários semiestruturados e à utilização de
mapeamento participativo, junto aos pescadores do município de Porto Grande, sujeitos
de interesse desta pesquisa. A partir dos dados obtidos, constatou-se que a implantação
da hidroelétrica Cachoeira Caldeirão promoveu alterações, tanto no ambiente físico do
rio quanto na prática da pesca artesanal na região, sendo inúmeros, os relatos dos
pescadores artesanais, quanto aos prejuízos na atividade pesqueira, apontando para um
cenário de conflitos, de tensões e de limitações territoriais.
ABSTRACT
This article discusses the transformations in artisanal fishing that occurred in recent years,
on the Araguari river, in the State of Amapá, resulting from the installation of
hydroelectric projects in its middle section. In order to verifying its impacts, we proceeded
to the application of semi-structured questionnaires and the use of participatory mapping,
with the fishermen of the municipality of Porto Grande, subjects of interest in this
research. From the data obtained, it was found that the implementation of the Cachoeira
Caldeirão hydroelectric plant has promoted changes, both in the physical environment of
the river and in the practice of artisanal fishing, in the region, with countless reports by
artisanal fishermen, in terms of losses in fishing activity, pointing to a scenario of
conflicts, tensions and territorial limitations.
1 INTRODUÇÃO
A pesca artesanal constitui uma das atividades predominantes, para a subsistência
das comunidades amazônicas, conforme já abordado por outros autores, entre os quais,
Furtado (1993) e Silva (2006). No que concerne aos pescadores do município de Porto
Grande, tal realidade não é diferente, pois são inúmeras as famílias que têm, na pesca, sua
principal fonte de renda. Todavia, com a instalação do empreendimento hidroelétrico
Cachoeira Caldeirão, os pescadores artesanais passaram a relatar inúmeros prejuízos à
atividade, os quais podem redundar em sua própria desestruturação, decorrente de uma
maior pressão sobre suas áreas de atuação.
Com a busca por novas áreas, acentuam-se os cenários de conflito entre
pescadores, assim como entre pescadores e outros agentes, que utilizam o rio, com fins
diversos, contribuindo para a materialização de conflitos e de tensões, além da
residências dos pescadores artesanais do município e a sede da colônia Z-16, em que esses
trabalhadores estão cadastrados.
A pesca artesanal não está entre as principais atividades produtivas de Porto
Grande, em termos quantitativos, segundo informações das entidades governamentais.
Sua importância se constitui na relação desenvolvida entre aqueles que a praticam, visto
que o pescado capturado já possui um destino, seja para a subsistência familiar, seja para
o comércio local, que pode ser realizado de duas formas: nas esquinas da cidade ou em
carrinhos de mão ou bicicletas.
Entre as principais espécies extraídas (Figura 3) estão a traíra ou traírão
(Hopliasaimara), o mandubé (Ageneiosus inermis) e o mafurá (Myloplusasteris), de suma
importância comercial na região.
Quanto à captura, os pescadores artesanais, além de mesclarem o uso de
apetrechos diversos, têm o conhecimento, adquirido pela observação e pela prática, que
garante a distinção e a localização de cada espécie, uma vez que o médio rio Araguari
possui trechos nos quais é possível perceber áreas de corredeiras, com declividades
acentuadas, assim como áreas de igapó. Tais aspectos são observáveis no momento da
captura, pelos pescadores.
com a finalidade de gerar energia para outros estados e, principalmente, para a irrigação
das áreas do agronegócio. Nesse aspecto, com o prevalecimento da atividade, seja na
perspectiva da geração de energia, seja no tocante ao transporte, a população ribeirinha,
além de perder acesso ao rio, foi e continua a ser invisibilizada.
Em se tratando de grandes projetos na Amazônia brasileira, Acselrad (2008)
aponta tais formas de usos como resultado de cartografias governamentais, que
privilegiam os recursos naturais, sem considerar os usos já existentes. E, na perspectiva
de contribuir, para uma possível quebra do paradigma do avanços dos grandes projetos
de investimentos, sugere-se o uso do mapeamento participativo, como meio de comunicar
os usos dos territórios, por parte das comunidades e das populações existentes, os quais
se mostram relevantes, para o reconhecimento territorial, firmado pelo uso produtivo
(ACSELRAD, 2008), sendo fundamentais, também, no dialogo acadêmico e na
construção de políticas públicas, proporcionando a aproximação entre os diversos atores.
Seguindo a proposta da aproximação ao debate acadêmico, na perspectiva de
compreender os efeitos dos grandes projetos nos territórios tradicionais dos pescadores
artesanais do médio rio Araguari, propõe-se a leitura dos conflitos territoriais,
principalmente, dos ocasionados pela diversidade de usos, conforme Becker (2012).
Assim, uma das leituras, feitas no mapeamento do médio rio Araguari, diz respeito
aos múltiplos usos desse trecho do rio, dos quais se destacam as relações entre sujeitos e
agentes e entre agentes distintos, que utilizam o rio, com fins diversos, as quais
concentram pescadores artesanais e representantes das unidades de conservação, da
atividade mineral e das usinas hidrelétricas (Figura 4).
esbarrando, dessa forma, nas condições de uso das áreas especiais, como o Parque do
Tumucumaque e as Unidades de Conservação.
Apesar da existência de outras atividades no médio Araguari, os pescadores
entrevistados apontam que a presença de usinas hidroelétricas supera a todas, em termos
de reconfiguração territorial, ocasionada pelas alterações ambientais, e de poder de
mobilizar os profissionais, forçadamente, para outras áreas.
Dessa forma, percebemos que a mudança do fluxo e a dificuldade de acesso a
algumas áreas acarretou a necessidade de tal deslocamento, além de diminuir o número
de áreas de pesca. Tal limitação é responsável pela ocorrência de tensões e de conflitos,
incluindo roubos de apetrechos e de pescado, capturado por apetrechos fixos.
Este cenário se encontra circunscrito aos panoramas global, nacional e regional
(BECKER, 2012), contribuindo, sobretudo, para a emergência de conflitos, em uma
perspectiva local. Os critérios de usos e as conformações acordadas são estabelecidos, em
uma perspectiva territorial (ACSELRAD, 2008), e o registro, através do mapeamento,
demarca, além das territorialidades, as tramas e os conflitos, decorrentes dessa
diversidade de usos.
As alterações relatadas na pesca, pelos pescadores, entre elas, as mortandades de
peixes, a fuga de espécies e a própria extinção de algumas delas, são consequências dos
empreendimentos, que têm provocado o deslocamento de pescadores artesanais para
outras áreas, em busca de pescado, entretanto esse deslocamento nem sempre é aceito por
todos, principalmente, por aqueles, que se encontram nas áreas invadidas por pescadores,
vindos das áreas impactadas, suscitando tensões e, não raramente, conflitos por
territórios.
Diante das alterações verificadas na atividade, no médio rio Araguari, o pescador
passa a olhar para a pesca com certo receio, em função, principalmente, da insegurança
da pesca, próxima a áreas de vertedouros, pela presença das turbinas, ou, mesmo, de
extensas áreas de galhos e de troncos apodrecidos, nas quais há relatos de acidentes e,
inclusive, de mortes de pescadores (Figura 5).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A instalação de empreendimentos hidroelétricos no médio Araguari apresenta a
face perversa do modelo de desenvolvimento da Amazônia amapaense, conferindo graves
prejuízos para os pescadores artesanais do município de Porto Grande, pois promove
complexas transformações no desenvolvimento da atividade e, por conseguinte, nas
relações territoriais, entendidas, aqui, como o exercício da atividade pesqueira e como o
direito de usufruto do rio.
REFERÊNCIAS
MARINHO, V. N. M.; SILVA, C. N.; LIMA, M. L.; ROSA, M. R.; LIMA, R. A. P.;
FERREIRA, G. C.; CAETANO, V. N. S. Hidroelétricas na Amazônia Brasileira:
Considerações sobre os impactos na pesca artesanal nos rio Xingu (Pará) e Araguari
(Amapá). Revista Vivência, 2019.