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ESTUDO E APLICAÇÃO DO ESPECTRO LUMINOSO NAS PERÍCIAS

GRAFODOCUMENTOSCÓPICAS

Clemilton Ataíde Cavalcante Filho 1

RESUMO
A perícia documentoscópica é, fundamentalmente, uma análise de observação, sendo o Perito
o referencial. Portanto, as limitações fisiológicas do observador, necessariamente, serão
condicionantes na extensão do resultado obtido. O homem percebe sinais sonoros no intervalo
de 20 a 20.000 Hz, e visualiza somente objetos que emitam radiação dentro do intervalo de
400 a 760 nm (HALLIDAY, 1966), o que o classifica como de baixa percepção auditiva e
visual. Nestes termos, o presente artigo mostrará que a utilização de recursos óticos
adequados, tais como: fontes de luz de grande varredura espectral, filtros de luz, monitores
adequados e câmaras sensíveis a infravermelho e ultravioletas; estenderão os limites impostos
por sua natureza, possibilitando uma observação, por que não dizer um exame pericial, mais
acurada. Serão detalhados casos observados na Seção de Perícias Documentoscópicas do
Instituto de Criminalística da Polícia Civil do Distrito Federal, onde os exames só foram
possíveis com a utilização dos equipamentos óticos citados, dentre os quais destacamos o
Vídeo Spectro Comparator 2000.

Palavras-chave: Documentoscopia. Adulteração. Ultravioleta. Luminescência.

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Perito Criminal – Bacharel e licenciado em Física
Perito em Documentoscopia da Polícia Civil do Distrito Federal
Universidade Federal de Goiás
E-mail: clemilton.ataide@uol.com.br
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INTRODUÇÃO

Documentoscopia é parte da Criminalística que estuda os documentos para


verificar se são autênticos e, em caso contrário, determinar a sua autoria (MENDES, 1991),
fornecendo, desta forma, a prova pericial, que será um dos fundamentos para a decisão do juiz
nos crimes de falsificação de documentos em geral e estelionato.
O exame de documentos fraudulentos, com o avanço da tecnologia, tem sido
uma tarefa cada vez mais árdua. A evolução do crime, segundo os criminologistas, estaria na
substituição dos delitos violentos, contra a pessoa e a propriedade, pelos chamados crimes de
inteligência, entre os quais a falsificação, o estelionato e a chantagem.
Vive-se hoje, em relação aos casos de fraudes em documentos e escritas, um
curioso paradoxo. Por um lado, as técnicas de falsificações documentais estão cada vez mais
elaboradas e, em contrapartida, os exames periciais continuam a ser elaborados com auxílio
de técnicas e equipamentos obsoletos.
Os documentos atuais, bem como moedas em geral, apresentam elementos de
segurança confeccionados ou impressos com alta tecnologia e que requerem, para sua
identificação, exames físicos específicos, tais como: luz rasante, infravermelho, ultravioleta,
filtros de luz e outros.
No sentido de acompanhar o desenvolvimento tecnológico alcançado nos
crimes de inteligência, o presente artigo pretende descrever e divulgar técnicas óticas na
solução de problemas pertinentes à perícia Documentoscópica, quais sejam: rasuras;
falsificações de documentos e moedas; identificação de punho escritor; determinação de tipos
de impressões e outros.
A opção por processos físicos, mais especificamente óticos, deve-se à
necessidade básica de preservação do documento, requisito imprescindível para a
continuidade do processo criminal.
Estatísticas computadas na Seção de Perícias Documentoscópicas - SPD,
relatam uma média de 2000 solicitações de exames anuais, entre os quais encontram-se:
emissão fraudulenta de moeda (estrangeira e nacional) e selos; falsificações e/ou adulterações
de Carteiras de Identidade, Habilitação, Vales-transporte, Ticket's restaurante; determinação
da idade de documentos; autoria e autenticidade de grafismos; bilhetes de homicidas e
suicidas; pichações; e outras fraudes documentais, o que denota a grande necessidade deste
segmento pericial para a para a sociedade.
Neste artigoforam utilizados casos reais encaminhados à SPD para exames, e
as ilustrações aqui contidas provieram dos arquivos ali armazenados.
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DESENVOLVIMENTO
O exame documentoscópico é, via de regra, basicamente de observação, ou
seja, sua precisão está diretamente ligada à acuidade visual do observador. Sendo assim,
utilizando-se dos princípios da Óptica Geométrica e Física, do espectro luminoso (do
infravermelho ao ultravioleta), de aumentos propiciados por lentes mais potentes, e de filtros
óticos e digitais específicos, pretende-se otimizar o nível de precisão da análise pericial.
A análise documental dar-se-á pela observação direta e indireta.

OBSERVAÇÃO DIRETA
Na observação direta, utilizando-se diferentes incidências de luz (freqüências e
ângulos), são ressaltadas determinadas características da peça em estudo, obtendo resultados
específicos conforme passamos a relatar.
Luz Rasante
Esta técnica consiste em submeter uma peça questionada, com suspeita de
fraude, à incidência de luz em uma angulação paralela ao seu plano, com a finalidade de
ressaltar sulcos, sombreamentos, relevos, desalinhamento das fibras do papel pelos
instrumentos escritores e abrasivos, porosidade do papel e prioridade de lançamento em
cruzamento de traços.
Na ilustração da Figura nº 01, observa-se uma peça questionada que foi
enviada para exame com suspeita de falsificação. Aparentemente, a olho nu sem tratamento
ótico, não se constata qualquer adulteração.
Submentendo a referida peça, no campo a ser examinado, à incidência de luz
rasante, pode-se de maneira clara e absoluta constatatar os sulcos característicos de um
debuxo, vestígio determinante na identificação de uma falsificação por decalque, onde o
falsário transfere a assinatura original para o documento de interesse, mediante pressão de
uma ponta seca. Veja ilustração na Figura 02 à direita.
A legenda agregada abaixo de cada figura, refere-se aos parâmetros físicos
(comprimento de onda, tipo de luz, filtros e aumento) utilizados na captura.

Figura 01. Assinatura aparente no campo Figura 02. Os sulcos acima da assinatura.
Comprador.
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Luz transmitida
Neste processo utiliza-se luz oriunda do plano inverso ao qual se encontra o
examinador, isto é, a luz passa pelo documento e é capturada pelo observador, que pode ser
uma câmera CCD ou fotográfica. Esta técnica é bastante usada para identificar elementos de
segurança inseridos em documentos, tais como: filigranas, marca d'água e registro perfeito,
identificar autenticações por máquinas perfuradoras e, ainda, na reconstituição de
documentos.
Para exemplificar, apresentamos o caso de um cheque enviado para exame,
portanto questionado, cujo valor aparente era de R$ 6.167,00. Veja a Figura 03, onde se lê
parte do seu valor nominal. Utilizando-se luz transmitida e filtro bloqueador para
comprimentos de ondas inferiores a 1000nm, foi possível destacar os vestígios do lançamento
outrora aposto, comprovando-se que este cheque foi preenchido originalmente no valor de R$
467,00, conforme ilustrado na Figura 04, onde se lê “Quatrocentos”, parte do lançamento
nominal do cheque.
Portanto, esta técnica possibilitou não somente a comprovação da fraude, como
a recuperação do lançamento original.

Figura 03. Lançamento aparente no cheque. Figura 04. Grafismos originais.

OBSERVAÇÃO INDIRETA

Determinadas imagens latentes não são visíveis ao olho humano, dada a


limitação imposta pelo intervalo do espectro luminoso visível (400 nm 760 nm), ou em
decorrência de outras freqüências luminosas perturbadoras, que interferem na acuidade visual
do observador.
Entretanto, com a utilização de câmeras digitais de última geração, que captam
freqüências transmitidas num intervalo maior que do espectro da luz visível, aquém do
infravermelho e além do ultravioleta (considerando a freqüência), e filtros específicos, pode-
se trazer para o espectro visível, imagens que até então não sensibilizariam a visão humana.
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Luminescência através da sensibilização com luz ultravioleta


O fenômeno físico ao qual um objeto é capaz de emitir luz quando exposto a
uma radiação eletromagnética de comprimento de onda curta, como o Ultravioleta ou Raios-
X, recebe o nome de fluorescência ou fosforescência (BARBERÁ, 1998), que
generalizaremos como luminescência, termo que pode ser empregado sem nenhum prejuízo
ao conteúdo. Esta radiação, transmitida pelo objeto, tem sempre freqüência menor que da
radiação excitante.
O caso aqui apresentado refere-se a uma assinatura que “desapareceu” de uma
carteira de identidade. Não se podendo precisar se tal ação foi em decorrência de um processo
intencional fraudulento ou por ação espontânea do tempo e as condições climáticas (calor,
umidade, luminosidade e etc.).
Ao examinar a referida identidade sem qualquer tratamento ótico, observou-se
que ela não apresentava vestígios de que fora submetida à adulteração, as fibras do papel
estavam alinhadas, sua coloração original e o invólucro plástico intacto, conforme mostra a
Figura nº 05 à esquerda.

Figura 05. Identidade sem a assinatura. Figura 06. Assinatura latente.

Ao excitarmos o documento no campo da assinatura, com radiações de


comprimentos de 400 a 540nm, esta, pelo fenômeno da luminescência, emitirá radiações de
comprimentos maiores. Bloqueando-se as radiações pertubadoras de comprimentos acima de
590nm, através de filtro específico, obteve-se o resultado ilustrado na Figura 06, onde se
observa a assinatura ali postada, que embora invisível às limitações do olho humano, ali se
encontrava de forma latente.
Nesta ocorrência, foi possível determinar que a assinatura estava ali presente,
sem a necessidade de destruir o documento.
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Obliteração ou acréscimo.
Neste terceiro caso, o fraudador adulterou o lançamento original de um cheque,
utilizando-se de um instrumento escritor com tinta próxima dos grafismos originais. Embora
estas cores estejam visualmente muito próximas, quando obtidas pela reflexão regular, elas
reagirão oticamente de formas distintas quando excitadas por diferentes freqüências
eletromagnéticas, possibilitando, com filtros específicos, identificar que foram produzidas por
instrumentos escritores distintos.
Observa-se na Figura 07 o lançamento “800,00” correspondente ao valor
numérico do cheque questionado, quando observado com acuidade visual natural do olho
humano. Ao tratar oticamente este campo, com fonte de luz de comprimento próximo a 790
nm e filtro bloqueador para comprimentos menores que 850nm, observou-se, conforme ilustra
a Figura 08, que o valor original era “30,00”, tendo sido alterado mediante retoque no “3” e
acréscimo de um “0” na unidade.

Figura 06. Valor aparente do cheque. Figura 07. Valor original recuperado.

Repetindo o mesmo procedimento no valor por extenso do cheque, constatou-


se que o lançamento aparente “Oitocentos” ilustrado na Figura 09 a seguir, foi obtido
mediante acréscimo do lançamento “Oi...o” ao primeiro “t” de trinta e do “s” no final,
conforme ilustra a Figura 09.
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Figura 09. Grafismos aparentes. Figura 10. Lançamento original recuperado.

Por último, apresentaremos dois casos muito comuns, onde a pessoa procura,
por algum motivo, obliterar o grafismo original, rabiscando por cima com tinta aparentemente
próxima. Utilizando-se fonte de radiação infravermelha e filtros adequados, pode-se separá-
las de modo a identificar o lançamento subposto.
No exemplo da Figura 11, utilizou-se filtro de passagem para comprimento de
onda de 889nm, constatando a adulteração na categoria da CNH de B para D. Enquanto, no
exemplo da Figura 11, com o uso de filtro bloqueador para comprimentos menores que
665nm, recuperou-se o lançamento ARSENAL subposto ao rabisco.

Figura 10. Adulteração da categoria B para D. Figura 11. ARSENAL subposto ao rabisco.

CONCLUSÃO

O autor, através deste artigo, procurou mostrar a eficiência da abordagem


cientifica, mediante métodos físicos, na solução de casos que outrora, na maioria das vezes,
não podiam ser solucionados por métodos tradicionais.
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Acrescentando-se, ainda, que estes recursos tecnológicos inseridos no


processo, permitem oferecer ao Judiciário, através da produção das provas materiais com as
imagens levantadas, subsídios determinantes na formação da convicção do juiz.
Finalmente, é importante ressaltar que o processo de modernização e
incorporação de novas tecnologias nos exames perícias é dinâmico, e exige dos profissionais
da área uma constante atualização no sentido de acompanhar as mudanças que certamente
virão.
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REFERÊNCIAS

BARBERÁ, A. F., TURÉGANO, J. V. de L. Policía cientifica. 3. ed. Valencia: Tirant lo


Blanch, 1998.

HALLIDAY, D., RESNICK, R. Física, 2. ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1973.
MENDES, L. B. Documentoscopia. 2. ed. São Paulo: Autor, 1991.

BIBLIOGRÁFIA

BARBERÁ, A. F., TURÉGANO, J. V. de L. Policía cientifica. 3. ed. Valencia: Tirant lo


Blanch, 1998.

HALLIDAY, D., RESNICK, R. Física, 2. ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1973.

HILTON, O. The Influence of Easy Crorection Devices on the Security of Documents.


Journal of Police Science and Administration, 1, 105-108p, 1984

MENDES, L. B. Documentoscopia. 2. ed. São Paulo: Autor, 1991.PICHIA, C. D., PICHIA


FILHO, D. Tratado de Documentoscopia, 3. ed. São Paulo: Universitária de Direito, 1976.

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