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para-brincar-e-aprender

Publicado em NOVA ESCOLA 01 de Janeiro | 2002

Prática Pedagógica

Um espaço para brincar e


aprender
O pátio pode ajudar na aprendizagem. Organizado, ele
melhora a relação entre os estudantes e diminui a
agressividade e a ocorrência de brigas
NOVA ESCOLA
Luciana Zenti

Sala de aula é lugar de aprender. Pátio é


lugar só de brincar, certo? Errado. Cada
vez mais escolas estão percebendo que
esse espaço tem um papel essencial na
formação da criançada. Quando não é
bem planejado, ele acaba rimando com
algazarra e brigas. Mas transformá-lo
num ambiente de aprendizagem, capaz
de reduzir a agressividade e a indisciplina
Horta na Aymar Baptista, em Ribeirão
Preto: dentro da classe, é mais fácil do que
antes, o lugar era um lixão; agora, graças parece. "O pátio ajuda a criar nos
à
estudantes a sensação de que eles são
parceria com uma universidade, os
legumes donos do colégio", diz Paulo Zimbres,
incrementam a merenda Foto: Marcelo arquiteto e consultor do Fundo de
Fortalecimento da Escola (Fundescola),
órgão do Ministério da Educação
dedicado a melhorar a infra-estrutura da rede pública de ensino. "Ele abre
possibilidades na construção dos saberes e inova o processo de
aprendizagem", acrescenta Beatriz Fedrizzi, paisagista formada em
Agronomia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com mestrado e
doutorado feitos na Suécia.

Especialista nas relações pátio-estudo, ela coordenou, em parceria com a


Fundação Gaia (organização não-governamental que trabalha pela
preservação do meio ambiente), um projeto de remodelação da Escola
Municipal Chapéu do Sol, em Porto Alegre. Quando as instalações foram
abertas, em abril de 2000, o cenário era bem pouco animador. A prefeitura
ergueu os prédios para atender à população carente que havia sido
transferida de uma área de risco para aquela região, recém-urbanizada, na
periferia da capital gaúcha. E, numa tentativa de ganhar tempo, as aulas
começaram antes mesmo da conclusão das obras. Apesar de o terreno ser
enorme (11359 metros quadrados) e ter uma pequena mata nativa num dos
cantos), não havia árvores nos arredores das salas de aula, que se
transformavam em verdadeiros fornos no verão.

Além disso, faltavam brinquedos para as 650 crianças. O recreio, que no início
tinha dois horários diferentes por falta de espaço, era sinônimo de brigas e
confusões. Só em agosto do ano passado ficaram prontas as duas quadras de
esportes e o campo de futebol, todos descobertos. Foi quando Beatriz e a
Fundação Gaia entraram em cena. Com a participação efetiva da
comunidade, a escola rapidamente mudou da água para o vinho. "Pesquisas
mostram que o ambiente influi na auto-estima das crianças", diz a consultora.
"Em lugares alegres e bem cuidados, elas se sentem amadas e têm mais
disposição para aprender."

Saiba agora como ocorreu a transformação na Chapéu do Sol. Quase tudo foi
feito com material doado e o trabalho voluntário de pais e vizinhos, além dos
próprios alunos, professores e funcionários. Do caixa da escola não saiu um
centavo sequer. O "milagre" pode ser resumido em seis grandes passos.

Conscientização

Sempre há alguém disposto a começar o trabalho. Em Porto Alegre, foi


Rosane Salete Ribeiro Pereira, coordenadora cultural e atual vice-diretora. Ela
contou com a ajuda das colegas Cláudia Ludcke e Dulce Cornelet dos Santos.
Juntas, elas criaram as condições necessárias para envolver a comunidade
escolar no processo.

Discussão

Todos devem expor suas idéias. Os gaúchos partiram da seguinte pergunta:


"Como eu gostaria que fosse a escola?" É importante não deixar ninguém de
fora. "Pais, alunos, funcionários e professores apropriam-se do projeto e têm
afeto pelo que foi feito", ensina Beatriz. Algumas técnicas podem ser usadas
para estimular o grupo a pensar. Uma delas é a visualização criativa. De olhos
fechados, cada um se imagina sobrevoando o ambiente. Onde as crianças
vão brincar? Há espaços vazios? O que devemos manter e o que precisa ser
jogado fora? Como estará o lugar daqui a cinco anos? Em tiras de papel,
escrevem-se algumas idéias iniciais.

Radiografia
Com uma planta bem simples, os estudantes da Chapéu de Sol dividiram a
escola em quadrantes e avaliaram o tipo de solo e o relevo do terreno. Em
classe, fizeram uma grande tabela com tudo o que viram em cada setor
pesquisado. Assim, todos passam a conhecer o local (no caso, uma área
enorme) nos mínimos detalhes.

Projeto

O passo seguinte é a planta baixa. Pode-se desenhar numa cartolina ou no


chão, com giz. Peça que o grupo faça uma maquete dos prédios usando
material reciclável sobre o molde original. Destaque algumas informações
climáticas, como de que lado nasce o sol e onde venta mais, por exemplo. Em
seguida, parta para a lista de necessidades. Como efetuar cada modificação?
É importante montar uma planta final, mesmo que artesanal. O desenho
ajuda a lembrar o que falta fazer.

Execução

Comece as mexidas com o material disponível. Na Chapéu de Sol,


professores e alunos foram atrás de pneus velhos em borracharias e de
mudas de árvores na Secretaria do Meio Ambiente. Num dia pré-
determinado, foram plantadas as árvores e as flores, e feitos os canteiros da
horta, a sementeira, a espiral de ervas e a composteira. O piso, de cimento,
ganhou pintura colorida e, na área de jogos, foi construído um tanque de
areia cercado pelos pneus. Os familiares entraram com ferramentas e
carrinhos de mão. Atenção: não queira resolver tudo em poucos dias. O
projeto da escola porto-alegrense ainda não está concluído. A cada semana,
tem uma novidade aqui, outra ali.

Manutenção

A tarefa agora é manter tudo em ordem. Se alguma coisa quebrou, é


essencial consertar o mais rapidamente possível. As crianças tenderão a
conservar melhor um pátio organizado.

Na maior parte dos casos, a revitalização do pátio começa pela


conscientização ambiental, na forma de uma horta. A Escola Estadual Aymar
Baptista, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, fez uma parceria com o
Centro Universitário Barão de Mauá, que levou um técnico agrícola para
passar as primeiras orientações. O lugar era um lixão e a violência rolava
solta no colégio. No início, a diretora Vera Lúcia Bernardo convidou a
participar os alunos que tinham problemas de relacionamento, mas não
demorou para o grupo aumentar. Todas as quartas e sábados, voluntários
começaram a se reunir para aprender a cultivar legumes e verduras.
Rapidamente, a turma promoveu a limpeza e análise do terreno, a montagem
dos canteiros, a adubação.

Hoje as crianças plantam cenoura, alface, rúcula e almeirão e usam a


produção para enriquecer a merenda. A idéia deu tão certo que a Aymar
Baptista resolveu ampliar a parceria. Coordenados pelo professor Mauricio
Estellita, universitários voluntários da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
do Barão de Mauá já estão tocando novas modificações, que incluem a
criação áreas arborizadas e outras destinadas a brincadeiras.

Mais uma prova de que o lazer e o lúdico não devem ser barrados no portão.
Em Feira de Santana, interior da Bahia, pequenas atitudes mudaram não
apenas o pátio, mas principalmente o comportamento dos alunos. A
engenheira civil Eufrosina de Azevêdo Cerqueira comandou as reformas na
Escola Municipal Marília Queiroz Silva, localizada perto do aterro sanitário
municipal. O muro foi pintado de branco e do lixão vieram alguns objetos,
como troncos de árvores e pneus velhos, reciclados na forma de bancos e
brinquedos.

A inauguração do pátio foi um dia inteiro de festa. Em grupos, professores e


alunos plantaram mudas de árvores, enquanto artistas locais ajudavam as
crianças a fazer os desenhos que ilustram as paredes. No refeitório, a turma
fez um colorido mural. Em pouco tempo, o cinza dos prédios deu lugar a
muitas cores e o pátio tornou-se, de fato, um espaço para brincar e aprender.

Sala de aula ao ar livre


Confira alguns exemplos de como cada disciplina pode usar o pátio

Educação Física: Jogos, ginástica e esportes promovem a saúde e o


desenvolvimento das habilidades motoras.

Língua Portuguesa: Histórias podem ser lidas debaixo de árvores ou em um


"canto de leitura". Ao ar livre fica mais fácil promover debates e encontrar
inspiração para escrever.

Matemática: Na horta, que tal anotar o número de sementes plantadas e


conferir quantas de fato germinaram para ensinar porcentagem? O chão
pode ser usado para desenhar figuras geométricas e os muros e cercas, para
estudar área e medidas.

Ciências Naturais: É possível falar sobre o globo terrestre, o clima, as


ciências físicas e biológicas. Um relógio de sol ensina o conceito de tempo e
as estações do ano.

Geografia: A confecção de mapas e plantas baixas e a observação do sol


ajudam os alunos a ter noções de espaço.
História: Uma maneira de estudar a disciplina é questionar a turma sobre o
que pode ter acontecido na área no passado. Aproveite também para
organizar apresentações e eventos.

Artes: Folhas, galhos de árvores e terra podem ser facilmente usados como
material artístico. Incentive a criação de desenhos em superfícies lisas usando
giz ou tinta.

Língua Estrangeira: Explore o vocabulário do pátio caminhando ao ar livre.


Basta treinar conversação e ensinar os nomes dos objetos, seja em inglês,
francês, espanhol, alemão...

Quer saber mais?

Escola Estadual Professor Doutor Aymar Baptista Prado, R. Min. Victor Nunes Leal, 200, CEP 14051-370, Ribeirão
Preto, SP, tel. (16) 633-4911

Escola Municipal Chapéu do Sol, Estr. Juca Baptista, s/nº, CEP 91755-000, Porto Alegre, RS, tel. (51) 3245-6401

Escola Municipal Marília Queiroz Silva, Rua Tefé s/nº, CEP 44017-630, Feira de Santana, BA, tel. (75) 223-6192

BIBLIOGRAFIA
Paisagismo no Pátio Escolar, Beatriz Fedrizzi, Ed. da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 60 págs., tel. (51)
3224-8821, 22 reais

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