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2º ENCONTRO DA REDE DE ESTUDOS RURAIS

11 a 14 de setembro de 2007, UFRJ, Rio de Janeiro (RJ)

GT1 – A LUTA PELA TERRA E A POLÍTICA FUNDIÁRIA

AS LIGAS CAMPONESAS E A LUTA PELA TERRA NAS DÉCADAS DE 1950 E 1960

Camila de Castro Dias


Camila de Castro Dias camiladdias@gmail.com
Bacharel e lincenciada em História – assistente de coordenação do NATRA (Núcleo Agrário
“Terra e Raiz”) e membro do Grupo de Estudo e Pesquisa “Terra e Raiz” – UNESP/Franca

RESUMO

Nas décadas de 1950 e 1960 o cenário agrário brasileiro passa por um importante momento em
sua história, com o acentuamento da exclusão e da expropriação dos camponeses e a
relevante mobilização destes, que, desta forma, conseguem levar para o centro do debate
político e econômico do país a situação em que vivem. Neste contexto, o presente trabalho
analisa o significado histórico e político das Ligas Camponesas, um movimento social rural
nordestino que se destacou pela mobilização de milhares de camponeses e por isso ainda é
utilizado como referência para muitos movimentos sociais agrários atuais. As Ligas surgiram em
Pernambuco no ano de 1955 quando vários foreiros foram expulsos das terra em que
cultivavam. Expandiram-se por quase todos os estados brasileiros e tiveram sua repercussão
inclusive em âmbito internacional. Inicialmente seus objetivos eram assistenciais, porém, na
década de 1960, foram fortemente influenciadas pela Revolução Cubana e radicalizaram suas
idéias, defendendo a reforma agrária “na lei ou na marra” – palavra de ordem das Ligas. Devido
a essa radicalização e ao apoio dos governos populistas aos sindicatos elas perderam a
hegemonia sobre o movimento camponês. No momento em que se recuperavam, com uma
nova estrutura orgânica, os militares tomaram o poder e as extinguiram violentamente.

AS LIGAS CAMPONESAS E A LUTA PELA TERRA NAS DÉCADAS DE 1950 E 1960

O cenário agrário brasileiro viveu um importante momento na história do Brasil nos anos
de 1950 e 1960, quando as Ligas Camponesas e o Partido Comunista Brasileiro (PCB)
conseguiram trazer para o centro do debate político e econômico do país a questão agrária
brasileira.
Embora colocada em debate apenas no século XX, a questão agrária no Brasil tem suas
origens na colonização portuguesa, que possuía três elementos básicos, a saber : o latifúndio,
a monocultura e a exploração de mão de obra escrava. Elementos que, mais de quinhentos
anos depois, ainda estão presentes no país e que continuam a beneficiar um pequena parcela
da sociedade brasileira.
A expansão tardia do capitalismo e a modernização arcaica no meio rural brasileiro, a
partir da décadas de 1930, intensificou a questão agrária. Houve uma união de interesses da
burguesia com as velhas oligarquias agrárias, e, assim, a primeira tomou várias medidas para
reestruturar a agricultura e superar diversas crises desta. Para tanto, fez-se necessário
transformações capitalistas no campo, o que aumentou ainda mais a exclusão política e a
expropriação do camponês. O objetivo da modernização do campo, que recebeu capital
externo, foi uma maior produtividade para um maior lucro, o que não diminuiu a quantidade de
latifúndios, mas gerou uma maior concentração de terras e de riquezas. As grandes
propriedades absorveram as pequenas a fim de aumentar a sua produção e diminuir seus
custos, desta forma as camadas mais pobres sofreram a sua proletarização, fato que,
conseqüentemente, extremou ainda mais as contradições entre a classe latifundiária e a classe
camponesa.
O Nordeste Açucareiro do Brasil foi a região em que a expansão do capitalismo trouxe
maiores desequilíbrios sociais e econômicos, tornando-se , assim, o local de maiores conflitos
sociais.
No final do século XIX a concorrência com o mercado internacional exigiu que o
aperfeiçoamento das técnicas de produção açucareira, muitos dos antigos engenhos se
modernizaram e tornaram-se usinas. Porém, com o alto custo desta modernização, apenas os
mais ricos conseguiram fazer esse investimento. Para a manutenção dessas usinas era
necessário produzir em maior quantidade e a custos mais baixos, assim, tornou-se necessário
mais terras, o que agravou a concentração fundiária no Nordeste. Essa concentração
devastadora do latifúndio usineiro teve conseqüências desastrosas para o Nordeste, onde a
penetração capitalista encontrou uma área secularmente empobrecida pela extrema
concentração de riqueza e só fez agravá-la. (GUIMARÃES, 1968, p. 179)
A solução para os que não foram incorporados às grandes usinas e que não tinham
condições de sustentarem-se diante das crises açucareiras, foi a de fornecer cana para essas,
no entanto, essa foi uma solução apenas para os engenhos próximos às usinas. Aos distantes
restou encerrar as suas atividades e dividir as suas terras em pequenas propriedades para
alugá-las aos foreiros 1 , que pagavam aluguel anual em dinheiro.
Os foreiros dos municípios de Pernambuco como Amaraji, Bonito e Vitória de Santo
Antão se dedicaram ao cultivo da agricultura de subsistência e logo se tornaram famosos pelo
abastecimento das cidades que em crescimento contínuo, consumiam a produção dos mesmos.
(ANDRADE, 1964, p. 109-110).
Esse fato nos demostra a importância da pequena agricultura no Brasil, que, ao
contrário, sempre se dedicou, desde a sua formação até os dias de hoje, na obtenção de
produtos altamente lucrativos que visavam o fornecimento para o mercado externo. E comprova
como a produção de açúcar no Nordeste ergueu intransponível barreira à cultura de
mantimentos, à pequena e pouco rendosa agricultura de subsistência. (GUIMARÃES, 1968,
p.50).
Com a valorização do açúcar, depois da Segunda Guerra Mundial em 1945, as usinas
aumentaram ainda mais suas extensões. Em 1950 e 1960 este processo se acentuou, já que os
grandes proprietários ou venderam suas terras para as usinas ou voltaram para a atividade
agrícola. Alguns foreiros foram expulsos e receberam indenizações pelas suas feitorias, outros
receberam apenas o direito de, em alguns meses, colherem suas lavouras. Houve casos
também em que foi permitido a permanência dos foreiros, desde que eles destruíssem suas
lavouras e a substituíssem pelo plantio de cana-de-açúcar para fornecê-las para as grande
usinas. Desta forma, houve uma expropriação definitiva de foreiros e de pequenos proprietários.
Neste contexto, surgiram as Ligas Camponesas que desempenharam um importante
papel na história do Brasil, mobilizando milhares de camponeses para lutarem contra a
exploração e a expropriação exercidas sobre eles pelo capital.
É importante diferenciar as Ligas Camponesas, que iremos nos aprofundar, das ligas
camponesas do PCB, formadas na década de 1940.
Com uma proposta de revolução da sociedade baseada num maior protagonismo
popular, o PCB possuía uma política de acúmulo das forças militar e eleitoral por meio da
aliança operário-camponesa.
Desta maneira, em 1945 mobilizou as massas rurais e organizou centenas de ligas
camponesas espalhadas em diversos estados brasileiros. Nessas organizações participavam
proletários rurais e camponeses – parceiros, arrendatários, posseiros e pequenos proprietários.

1
Vale destacar que a condição de foreiro existe desde o período colonial. Eles alugavam as áreas mais
distantes das fazendas e pagavam em dinheiro pela utilização da terra, tinham, também a obrigação de
trabalhar gratuitamente para os fazendeiros em torno de 10 a 20 dias por ano, fato que é denominado
como cambão.
Como o processo de sindicalização rural era dificultoso a organização e institucionalização
dessas ligas foi através do caráter de associação civil.
As ligas permearam pelos objetivos eleitorais do PCB e, igualmente pelas reivindicações
dos interesses imediatos e concretos dos camponeses e trabalhadores rurais.
O líder dessas ligas era o próprio líder do partido, Luís Carlos Prestes, assim, elas não
tiveram autonomia política e não passaram de organizações-apêndice da estrutura do PCB.
Contudo, tiveram sua importância expressa na contribuição para eleger vários representantes
comunistas nas assembléias municipais e estaduais. O que nos mostra uma superação parcial
do voto de cabresto, pois, trabalhadores rurais e camponeses integrantes dessas organizações
passaram a exercer sua liberdade de voto.
Em 1947 o Partido Comunista Brasileiro foi proscrito pelo governo do Presidente Dutra
e, então, com o apoio desse governo , as ligas foram violentamente reprimidas e perseguidas
pelos latifundiários. Desta forma, um movimento camponês que se apresentou tão dependente
do Partido, subordinado por este às diretrizes da classe operária, quando não possuiu seu
apoio, pois ele passou a atuar clandestinamente, não conseguiu resistir as intensas
perseguições e assim as ligas camponesas comunistas foram eliminadas.
Posteriormente ocorreram algumas lutas relevantes do movimento camponês e também
foram realizados três congressos que objetivavam a reorganização e institucionalização das
associações camponesas remanescentes. Estes congressos constituíram-se como
fundamentais na (re)constituição do movimento camponês, visto que atingiram seus objetivos
ao criar a ULTAB – União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas.
Contudo, no ano de 1955, diante das realidades econômica, política e social em que os
camponeses nordestinos se encontravam, foi organizada, no município de Vitória de Santo
Antão, uma associação de foreiros no Engenho da Galiléia, denominada Sociedade Agrícola de
Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco – SAPPP.
A SAPPP inicialmente foi uma sociedade civil beneficente e seu objetivo fundamental
era fundar uma escola primária e criar um fundo mútuo para aquisição de caixões mortuários
para enterrar as crianças. (JULIÃO, 1962, p. 24).
Um dos seus principais líderes, Francisco Julião, afirma que esta associação surgiu por
iniciativa dos próprios camponeses, porém não podemos deixar de considerar a influência dos
comunistas e dos militantes das antigas associações da década de 1940. Tal influência nos
parece evidente quando nos remetemos a um dos líderes da SAPPP, José Ayres do Prazeres,
membro ativo do PCB até 1947. Juntamente com outros ativistas do partido, ele atuou nas
antigas ligas camponesas. Porém, José dos Prazeres continuou a se dedicar à reorganização e
mobilização camponesa, e ajudou a criar a SAPPP em 1955.
O vínculo desta associação (SAPPP) com o PCB também pode ser provada através de
uma carta do próprio José dos Prazeres direcionada a Clodomir Santos de Morais. (AZEVEDO,
1982, p.59). Nesta carta ele explica a formação e a organização da primeira diretoria da SAPPP
e o que torna evidente esse vínculo é o fato do primeiro presidente da Sociedade ser um
militante comunista, Paulo Travassos.
Os camponeses participantes da SAPPP eram foreiros do Engenho da Galiléia.
Possuíam aproximadamente 140 famílias que ocupavam quinhentos hectares de terra, ou seja,
a extensão de terra era pequena em relação a quantidade de famílias.
Entre os principais objetivos da Sociedade, destacamos a mobilização dos camponeses
através de ações assistenciais, a saber: criação de escolas, criação de um fundo mútuo para
assistência médica, apoio jurídico e financiamento de caixões funerários.
Os camponeses convidaram o próprio proprietário do engenho, Oscar Beltrão para
presidente de honra da SAPPP. Este, além de aceitar o cargo, se sentiu honrado com a
homenagem, pois não era comum que um proprietário fosse homenageado por seus
explorados.
No entanto, esse momento de orgulho do proprietário não teve longa duração, pois
rapidamente ele seria advertido pelo seu filho e por outros latifundiários sobre o risco que a
SAPPP trazia, instaurando o comunismo nas suas terras. Conseqüentemente, Oscar Beltrão
negou seu cargo honorífico, fechou a escola e ordenou a extinção da organização.
Acrescentou-se a isso, ameaças de aumento do foro anual, expulsão dos foreiros e retaliação
policial.
A partir deste momento, iniciou-se os conflitos no Engenho. Os camponeses resistiram
às intimidações do proprietário e não aceitaram o aumento do foro e nem a ordem de despejo.
Desta forma, os camponeses passaram a ser perseguidos violentamente pela policia e pelas
autoridades locais.
Os objetivos agora eram outros: os camponeses lutavam pela permanência na terra e
resistiam contra as diversas formas de violência cometida pelos latifundiários sobre os
camponeses e contra o cambão – dia de trabalho gratuito para aqueles que cultivavam a terra
alheia. A reforma agrária que foi estimulada neste momento se resumiu nestas mudanças
estruturais, assim, ainda não se aspirava a divisão dos grandes latifúndios.
O isolamentos da SAPPP no Engenho e no município de Vitória de Santo Antão
dificultou a resistência dos camponeses, pois a justiça e a policia estavam a serviço do
latifundiário. Portanto, José do Prazeres e Paulo Travassos buscaram respaldo político na
capital. Eles conseguiram um importante apoio urbano e formaram uma comissão política
constituída por homens de vários partidos, dentre eles, destacamos Francisco Julião de Paula
(PSB) e Clodomir Santos de Morais (PTB), que se tornaram líderes de grande expressão no
movimento. Essa comissão foi de grande importância, pois além de transformarem em fato
político os conflitos entre camponeses e latifundiários, também visitaram constantemente os
camponeses ameaçados e conseguiram evitar as arbitrariedades cometidas pela polícia, devido
as imunidades que eles possuíam enquanto representantes do povo.
O advogado Francisco Julião além do apoio político, apoiou também a SAPPP com uma
assessoria jurídica, representando judicialmente os interesses dos foreiros. Julião redigia os
estatutos da SAPPP e os registrava em cartório como uma associação civil.
Concomitantemente, o comitê político impedia a opressão sobre os camponeses denunciando a
situação dos camponeses no Engenho da Galiléia tanto na imprensa quanto nas tribunas
parlamentares.
Os conflitos que aconteciam no campo eram difundidos pela imprensa conservadora
nas páginas policiais. Com a intenção de distorcer as origens destes conflitos, a imprensa
reacionária passou a chamar a SAPPP de Liga Camponesa da Galiléia, relacionando-a, deste
modo, com as antigas ligas organizadas pelos comunistas. No entanto, este novo nome acabou
tendo grande aceitação entre os próprios camponeses.
As intensas perseguições policiais e a violência dos latifundiários que dificultava a
resistência dos camponeses demonstrou para os líderes da Liga Camponesa da Galiléia que os
métodos utilizados em sua organização deveriam ser modificados. As Ligas deveriam se
organizar regionalmente, pois uma organização local poderia ser facilmente sufocada. Por meio
da sua expansão pela região, constitui-se em uma Federação Regional, e, desta forma,
conseguiria um apoio maior dos setores urbanos.
O comitê político que possuía profissionais liberais e políticos institucionalizou-se e
formou o Conselho Regional das Ligas. Este conselho exerceu um importante papel que limitou
a participação das massas rurais somente aos camponeses.
A participação do proletariado agrícola era vista com desconfiança, pois este possuía
uma limitada capacidade de luta. A total dependência do patrão dificultava qualquer tipo de
reivindicação, porque o proletário rural se expunha ao perigo de ser demitido. Não conseguia
lutar judicialmente devido à distancia dos Tribunais do Trabalho. Já os camponeses possuíam
melhores condições para se organizarem e lutarem contra sua exploração, pois, ainda quando
não fosse proprietário de um pedaço de terra (isto é, sendo arrendatário, parceiro, ou
ocupante), por força do contrato civil, tinha assegurado o direito de plantar meses ou anos
indefinidos. Para viver, ele não dependia de alguém que lhe pagasse salários. Vivia do que
produzia e do que vendia nas feiras. Era dono, também, dos instrumentos de trabalho que
utilizava. (MORAIS apud STEDILE, 2002 p. 24).
Assim, o Conselho Regional das Ligas concentrou-se no processo de conscientização e
politização do camponês através de: boletins escritos de acordo com sua linguagem, poesias
populares e de violeiros e cancioneiros.
As Ligas Camponesas passaram, então, a se expandir por todo o Brasil e o seu
principal fator foi o processo de redemocratização do Brasil que se iniciou com a eleição de
Juscelino Kubitschek (PSD) à presidência e João Goulart (PTB) como vice- presidente.
A liberdade que esse governo proporcionou, colocou no centro dos debates temas até
então pouco discutidos, como a fome e a reforma agrária. Foram realizados em todo o Brasil
diversos congressos, nos quais o povo discutia suas principais dificuldades, e que promoveram
uma aliança entre setores rurais e urbanos.
A expansão das Ligas Camponesas decorreu de fatos que ampliaram a liberdade
democrática pernambucana. Esses fatos são: os congressos ocorridos em Pernambuco –
Congresso de Salvação do Nordeste 2 e o I Congresso Camponês de Pernambuco 3 , ambos em
1955; a derrocada da oligarquia agrária no ano de 1958, quando a coligação, denominada de
Oposições Unidas de Pernambuco, composta pelos partidos da UDN, PCB, PTB e PSB, elegeu
Cid Sampaio da UDN como governador de Pernambuco e Pelópidas da Silveira, do PSB, seu
vice; e a desapropriação do Engenho Galiléia, que foi conquistada devido às pressões dos
camponeses depois que Cid Sampaio foi eleito Governador.
A partir de 1960, a Revolução Cubana passou a exercer grande influência sobre as
Ligas Camponesas, fato este, que acarretou no processo de radicalização desta, com
profundas mudanças na sua visão política e ideológica. Assim, elas passaram a defender uma
revolução socialista brasileira baseada no campesinato e na luta armada. Para isso, os líderes
das Ligas pretendiam organizar, a longo prazo, as massas rurais baseando-se na tática cubana
de guerrilhas.

2
O Congresso de Salvação do Nordeste trouxe para o cenário brasileiro as reais questões dessa região.
Seus problemas mais graves como fome, analfabetismo e alto índice de mortalidade deixaram de ser
vistos sob a perspectiva ideológica da classe dominante, que os relacionava apenas ao fatalismo
climático e geográfico da região. Tais problemas passaram a ser discutidos como conseqüência das
disparidades econômica, política e social.
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Congresso organizado pelas Ligas Camponesas, onde ela se consolidou e assumiu o caráter como
associação de nível estadual.
Francisco Julião deixa explícito a importância dada pelas Ligas à Revolução Cubana
quando afirma:

A vitória da Revolução Cubana trouxe ao movimento camponês do


Nordeste notável reforço. Desde o momento em que Fidel Castro com
os seus barbudos entrou em Havana, ao lado de Cienfuegos, Guevara,
Almeida e Raul, libertando seu povo do regime cruel de Batista, nunca
mais as Ligas perderam de vista a gloriosa pátria de José Martí.
(JULIÃO, 1962, p. 42)

No momento em que as Ligas caminhavam rumo à radicalização, propondo uma


Revolução Brasileira, o PCB caminhava rumo a uma aliança com a burguesia, propondo uma
revolução democrático-burguesa, com isso, as suas relações começaram a se estreitar.
As tensões se intensificaram no V Congresso do Partido Comunista quando os PCB
assumiu um caráter “nacional-democrático”, e passou a defender que a luta camponesa deveria
se subordinar à luta contra o imperialismo. A reforma agrária se daria, então, por medidas
parciais, baseada na desapropriação, tomando por base o valor fiscal da terra, e por medidas
que iam, desde a ampliação do crédito rural e assistência técnica aos pequenos proprietários,
até o aumento da carga tributária das grandes propriedades. (AZEVÊDO, 1982, p. 88).
Os membros do partido vinculados às Ligas não aceitaram tais posicionamentos, pois
consideravam o campesinato protagonista principal da Revolução Brasileira, e sua luta em torno
da questão agrária não poderia ser submetida à luta nacional-democrática contra o
imperialismo. Recusaram a reforma agrária proposta pelo partido acusando-a de parcial e com
fundo tecnicista.
Contudo, o segregação dessas duas organizações se realizou no I Congresso Nacional
de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas (Congresso de Belo Horizonte), organizado pela
ULTAB– União dos Trabalhadores Agrícolas do Brasil, em novembro de 1961.
As reivindicações da ULTAB eram priorizadas pelo PCB já que suas reivindicações eram
por melhores condições de trabalho e melhores salários e não tinham como proposta principal a
reforma agrária, o que as deixavam de acordo com o posicionamento nacional-democrático do
partido.
O Governo Federal forneceu um grande apoio financeiro ao Congresso de Belo
Horizonte, pois intencionava tutelar o movimento camponês, tirando, assim, sua autonomia.
Participaram de tal congresso representantes da ULTAB, das Ligas Camponesas e do
MASTER – Movimento dos Agricultores Sem Terra que atuavam no Rio Grande do Sul.
Mesmo com a maioria dos participantes representando a ULTAB, as propostas do PCB,
que consistiam nas idéias aprovadas no V Congresso do Partido Comunista, foram derrotadas
pela proposta radical das Ligas, que levantava a bandeira da “reforma agrária na lei ou na
marra” e contagiou a todos os representantes das referidas organizações. Com o sucesso das
suas idéias radicais, os representantes das Ligas aliciaram os camponeses adeptos à guerrilhas
dentro do próprio congresso.
A invasão da Baía dos Porcos, numa tentativa norte-americana de aniquilamento da
Revolução Cubana, fez surgir a necessidade do adiantamento da preparação dos focos
guerrilheiros no Brasil. Os dirigentes das Ligas temiam que a queda da Revolução Cubana
resultasse no adiamento da Revolução Brasileira pois daria forças às tentativas golpistas dos
militares que se estenderam desde a deposição de Vargas, em 1954.
Começou, assim, o recrutamento dos camponeses para a luta armada. Os militantes
com maior obstinação política e ideológica foram enviados para os campos de treinamento
guerrilheiro, denominado Dispositivos Militares.
Esses Dispositivos Militares eram organizados e controlados pelos grupos ou partidos
divergentes do PCB que apoiavam as Ligas 4 , o que levou à formas descentralizadas de
organização, que impediram as ações unitárias e expressaram a disputa interna desses grupos
pelo domínio das Ligas e pelo controle do setor militar.
O medo de perder, completamente, o comando político sobre as Ligas fez com que
Francisco Julião articulasse um movimento para restaurar a unidade de ação em torno das
Ligas: O Movimento Tiradentes. Contudo, o movimento não conseguiu restabelecer a unidade
organizativa das Ligas. Pelo contrário o Setor Armado passou para o comando exclusivo do PC
do B.
Esta falta de unidade dos organismos dirigentes das Disposições Militares, fez com que
as guerrilhas nunca se concretizarem, pois, este fato não permitiu a preparação adequada para
a luta armada, e nem mesmo a formação de um programa de luta bem definido.
A campanha eleitoral de Francisco Julião aumentou as divergências internas. Para os
setores militares era contraditório participar do processo eleitoral, considerado por esses uma
farsa constitucional, e estimular a luta armada como caminho da revolução brasileira.

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Faziam parte desses grupos: a facção “anti-partido”, composto por dissidentes do PCB, que se
posicionavam de forma autônoma e própria e que não se filiaram a nenhum outro partido; o PC do B
(Partido Comunista do Brasil), o POLOPE (Política Operária), e vários outros pequenos grupos de
esquerda.
O fracasso do esquema militar e as disputas internas levaram as Ligas a um profundo
enfraquecimento, refletida claramente no resultado das eleições de 1962.
Concomitantemente, a sindicalização rural, organizada pelo PCB e pela Igreja Católica 5 ,
passou a ser estimulada pelo governo. O governo tinha a intenção de controlar os movimentos
rurais, por meio da legalização dos sindicatos, com a mesma intensidade em que controlava os
movimentos urbanos. Desta forma, as Ligas, que rejeitavam as alianças mais amplas com os
setores liberais e com o Estado Populista, foram isoladas politicamente.
O esfacelamento das Ligas Camponesas foi sobretudo um produto do radicalismo
incoerente à realidade camponesa, o que tornava era mais fácil à adesão deste aos sindicatos,
cujo as reivindicações eram apenas por melhores condições de vida.
Portanto, as Ligas Camponesas perderam sua hegemonia sobre os movimentos
camponeses, inclusive em Pernambuco, Estado em que tinha suas bases mais sólidas. Porém,
o contexto nacional e regional era de uma democratização política e social dos movimentos
sociais, o que contribuía para o refortalecimento das Ligas. Mas para isso, fez-se necessário
uma reorganização interna e uma reelaboração das suas formas de ação.
Surgiram diversas propostas para a reestruturação do movimento, contudo, a
incorporada pelas Ligas foram as efetivadas pelo Padre Alípio, que se fundamentavam na
mudança da estrutura orgânica e da direção nacional. Sua proposta era de que o Conselho
Nacional tivesse em sua composição operários e camponeses. Propunha também que as Ligas
se transformassem nas Ligas Camponesas do Brasil, baseada em uma Organização de Massas
(OM) e em uma Organização Política (OP).
A Organização Política seria composta pelos militantes mais avançados político e
ideologicamente, e se constituiria no modelo de um partido agrário baseado nos princípios do
centralismo democrático e do marxismo-leninismo. A OP deveria dirigir e se apoiar na
Organização de Massa, definida como uma entidade aberta e de caráter corporativo, que
mobilizava as forças revolucionárias e que congregava a efetivação das reformas radicais
agrária, urbana, do ensino, industrial, e bancária, propostas por Francisco Julião.
Desta maneira, em 1963, na Conferência de Recife as várias Ligas se uniram em torno
de uma estrutura única, as Ligas Camponesas do Brasil.
Como reflexo do isolamento das Ligas em relação aos outros movimentos sociais
agrários temos a sua ausência em dois importantes fatos: no Encontro de Natal em 1963 e na
criação da Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas – CONTAG.
Entretanto, elas estenderam as suas organizações em Pernambuco criando novas
Ligas como as urbanas, as de mulheres, de pescadores, de estudantes, e outras.
Demonstrando sua força em Pernambuco elas fundaram no início de 1964 a Federação das
Ligas de Pernambuco.
O 1o Congresso das Ligas Camponesas do Brasil aconteceria em junho de 1964 a fim
de sancionar suas teses programática, seus novos estatutos e nomear sua direção definitiva.
Porém, o Golpe Militar em abril interrompeu seus planos.
As Ligas Camponesas foram duramente perseguidas pelos militares. Com a sua
proscrição, a Organização de Massas foram praticamente dizimadas e a Organização Política
passou a viver clandestinamente.
Antes de concretizarem a sua reestruturação as Ligas foram brutalmente extintas,
porém, ao iniciar a luta efetiva pela reforma agrária, elas deixaram um legado de lutas e de
resistência que influenciam os movimentos camponeses atuais de grande importância no país,
como por exemplo o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

ANDRADE, Manuel Correia de. A terra e o homem no nordeste. São Paulo: Brasiliense, 1964.

AZEVÊDO, Fernando Antônio. As Ligas Camponesas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro séculos de latifúndio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.

JULIÃO, Francisco. Que são as Ligas camponesas? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962

MORAIS, Clodomir Santos de. História das Ligas Camponesas. Brasília: Lattermund, 1997.

STÉDILE, João Pedro (org.). História e natureza das Ligas Camponesas. São Paulo: Editora
Expressão Popular, 2002.

5
Parte da Igreja Católica passou a se dedicar a sindicalização rural com intuito reacionário, defendiam
uma reforma agrária desde que a propriedade privada fosse respeitada, dentro dos limites do bem
comum, que é constituído pela função social que esta propriedade desempenha.

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