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Resumo
O presente artigo possui como intencionalidade elaborar uma discussão sobre a formação
permanente de educadores no pensamento freiriano. Por meio de um estudo descritivo crítico,
fundamentado em uma pesquisa qualitativa, bibliográfica, apoiado nas categorias
inacabamento e diálogo, procura-se na radicalidade freiriana os pressupostos necessários os
quais definam a formação permanente como um movimento dialético entre o fazer e o pensar
sobre o fazer, no qual o educador, inserido em seu tempo histórico, compreenda que a prática
e o saber sobre essa são indicotomizáveis, atuando com curiosidade epistemológica diante
desses movimentos. Na primeira parte do texto, resgatam-se nas obras freirianas, as quais
abordam o assunto, a importância de que o educador desvele aquilo que faz à luz dos saberes
que a ciência e a filosofia possam oferecer. Na segunda parte, aproxima-se a categoria
inacabamento a discussão em questão, de maneira que o exercício da formação permanente,
como movimento, o qual se funda na análise crítica da própria prática, exige responsabilidade
ética, política e profissional do educador ao se colocar na condição de sujeito em construção.
De mesma maneira, a formação permanente está fundamentada no diálogo crítico, o qual pela
humildade proporciona aos sujeitos o exercício entre iguais e diferentes, em que é permitido
ouvir o outro, com alteridade. Sustentado nessas ideias, como contribuição, conclui-se que a
formação permanente, no pensamento freiriano, tem como exigência o trabalho em um
ambiente e liderança democráticos, no que possibilite ao educador ter voz ao falar, analisar,
compreender e transformar a sua realidade, seu contexto histórico.
1
Mestre e Doutor em Ciência da Computação. Mestre e Doutor em Educação. Professor associado da
Universidade Federal do Rio Grande (FURG). E-mail: dmtalcf@furg.br.
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Mestre em Desenvolvimento Social. Doutora em Educação Ambiental. Professora do Instituto Federal Sul-rio-
grandense (IF SUL). E-mail: lucianel1968@gmail.com.
ISSN 2176-1396
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Introdução
formação sob esse enfoque aproxima as considerações feitas por Freire (1991, 2013, 2015) no
momento em que o autor considera que essa formação intensifica o papel docente, uma vez
que coloca o educador e o seu quefazer como pontos iniciais dos processos formativos. Daí
que esse sujeito, ao promover o diálogo com as teorias e áreas do conhecimento irá conceber
um movimento de problematização tendo em vista a qualidade da aprendizagem.
A temática é discutida por Freire (1991), na obra A educação na cidade, ao
argumentar que todo educador necessita de uma “[...] prática político-pedagógica séria e
competente” (FREIRE, 1991, p. 80), a qual responda às necessidades da escola de seu tempo
histórico.
Nesse sentido, apresenta seis princípios adotados pelo programa de formação,
instituído quando o autor estava à frente da Secretaria da Educação, da Prefeitura Municipal
de São Paulo, em 1989: a) O educador é sujeito de sua prática, no exercício da autoria sobre a
mesma; b) A formação do educador está sustentada na reflexão de seu cotidiano; c) A
formação deve ser constante e sistematizada, pois a prática se refaz a todo o momento; d) A
prática pedagógica requer compreender o processo de conhecer; e) O programa de formação é
ferramenta para alterções na reorganização curricular; e f) O programa de formação terá como
eixos: orientar a nova proposta pedagógica, suprir elementos de formação básica e propiciar
avanços científicos do conhecimento.
Todo o trabalho de formação pedagógica, ação – reflexão – ação, envolve “[...] a
análise e explicação da prática pedagógica, levantamento de temas de análise da prática que
requerem fundamentação teórica e a reanálise da prática pedagógica considerando a reflexão
sobre a prática e a reflexão teórica” (FREIRE, 1991, p. 81).
Na obra Professora, sim; tia não: cartas a quem ousa ensinar, Freire (2013)
compreende a constituição do educador como o exercício da experiência de viver a tensão
dialética entre teoria e prática, pois é no pensar a prática que se cria a melhor maneira de
aperfeiçoá-la. É por meio desse movimento, o pensar a prática, que se vai tornando possível
reconhecer a teoria nela inserida e, assim, a validação dessa prática constitui o caminho da
formação teórica.
A argumentação freiriana é de que mesmo que o educador tenha entendimento que as
relações entre a prática e o saber dessa sejam indicotomizáveis, no contexto concreto o ser
humano não atua, o tempo todo, epistemologicamente curioso. A partir dessa consideração, o
autor reflete que a formação permanente acontece no momento em que o educador se torna
convencido e preparado para a utilização sistemática da curiosidade epistemológica.
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O pensamento freiriano faz refletir que o ser humano, pela sua própria condição
existencial, é aquele que deve pronunciar3 e modificar o mundo. É nessa compreensão que “o
mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir
deles novo pronunciar” (FREIRE, 2004, p. 78, grifo do autor).
Nessas condições, o diálogo constitui-se como articulador do entendimento entre os
sujeitos, proporcionando um exercício entre iguais e diferentes, no qual é permitido ouvir o
outro, com alteridade. Nessa proposta, o diálogo está fundamentado na humildade, em
detrimento da autonomia, pois não há diálogo se não existe humildade.
Daí que o diálogo permite, a partir de sua dimensão ontológica, que a partilha entre
educador e educandos ganhe centralidade, redefinindo o quadro do poder entre os sujeitos
envolvidos na relação educativa. Nesse caminho, Freire (1991) argumenta que é tarefa do
educador testemunhar aos educandos “[...] como você estuda, como você se aproxima do
objeto de seu conhecimento, o que significa para você a busca do conhecimento” (FREIRE,
1991, p. 115).
Esses movimentos rememtem a formação permanente do educador, pois exigem uma
reflexão sobre o quefazer do próprio sujeito. Freire reflete sobre a necessidade de que o
educador possa ensinar como conhecer, movimento que não se faz apenas pela transferência
de um dado conteúdo, mas pelo ensino deste conteúdo associado ao testemunho do educador.
O diálogo se constitui como elemento fundante no momento em que, na relação
educativa, proporciona a comunicação entre os sujeitos cognoscentes. Em um instante, o
educador o qual ensina o por ele já sabido e ao ensinar reconhece o antes conhecido, e, de
outra maneira, os educandos como aqueles que aprendem conhecendo o ainda não conhecido,
conhecendo melhor algo. Para Freire (1991), esse é um momento de imensa riqueza, pois
“[...] não são raras as vezes em que o professor, ao ensinar o por ele já sabido, ao re-saber o
sabido, se sente de tal forma desafiado pela curiosidade do aluno diante do por ele ainda não
sabido que leva o professor a reconstruir seu saber” (FREIRE, 1991, p. 116).
Nessas condições, é partindo do mundo da vida e pela relação dialógica que Freire irá
desafiar os sujeitos a uma compreensão da realidade constiuída, na qual o aprendizado, pela
3
Na obra Pedagogia do oprimido, Freire (2004) elabora a diferença entre o dizer e o pronunciar. No caso, o
dizer a palavra sozinho ou aos outros, como ato prescritivo, é como roubar a palavra aos demais. O autor enfatiza
que o diálogo é o encontro dos seres humanos “[...] mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se
esgotando, portanto, na relação eu-tu” (FREIRE, 2004, p. 78).
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autor é que um mesmo fato objetivo pode provocar, em uma época, certo conjunto de temas e,
em outro momento, temas diferenciados.
Freire (2013) compara os dois momentos, pois na codificação, em uma situação
existencial vivida pelos sujeitos, não raro, esses se “ad-miravam”5 como um mero ato de dar-
se conta da situação. Isso, quando o faziam, já na descodificação6, como ato cognoscitivo,
havia a possibilidade do “ad-mirar” a sua não “ad-miração”. “A descodificação é, assim, um
momento dialético, em que as consciências, cointencionadas à codificação desafiadora, re-
fazem seu poder reflexivo na ´ad-miração´ da ´ad-miração´, que vai-se tornando uma forma
de ´re-ad-miração’” (FREIRE, 2013, p. 127, grifo do autor). É por esses movimentos que os
sujeitos se percebem transformadores do mundo.
Os pressupostos discutidos estão correlacionados ao respeito em relação ao
conhecimento exigido na relação dialógica. O saber da cotidianidade, do senso comum, que o
educando aporta na relação educativa será mediatizado, dialeticamente, ao conhecimento
científico associado às questões de natureza político-ideológicas. Dessa maneira, todos esses
movimentos são elaborados pelo educador em um processo de formação permanente, pois,
conforme já discutido, esse terá nas “situações-limites” o seu próprio quefazer e por meio de
uma relação dialógica com outros educadores poderá afastar-se desse que fazer para dele se
aproximar. Daí que esse educador, fundamentado na relação dialógica, ao proporcionar os
movimentos de ação-reflexão aos educandos na relação educativa, estará testemunhando esses
mesmos movimentos na relação com outros educadores em um processo de formação
permanente.
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Na obra Ação cultural para a liberdade e outros escritos, Freire (2011) compreende o termo “ad-mirar”. “´Ad-
mirar´ e ´ad-miração´não têm aqui sua significação usual. Ad-mirar é objetivar um ´não-eu´. [...] Ad-mirar
implica pôr-se em face do ´não eu´, curiosamente, para compreendê-lo. [...] Ao buscar conhecer ad-miramos não
apenas o objeto, mas também nossa admiração anterior do mesmo objeto. Quando ad-miramos nossa anterior ad-
miração (sempre uma ad-miração de), estamos simultaneamente admirando o ato de ad-mirar e o objeto ad-
mirado, de tal modo que podemos superar erros ou equívocos possivelmente cometidos na ad-miração passada”
(FREIRE, 2011, p. 84-85).
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Na obra Extensão ou comunicação?, Freire (2013) reconhece quatro momentos para o processo de
descodificação: 1º) “É aquele em que os educandos começam a descrever os elementos da codificação, que são
as partes constitutivas de seu todo” (FREIRE, 2013, p. 127). É nesse momento que se constitui a “ad-miração”.
O autor argumenta que, anterior a esse momento, se estabelece o silêncio de cada um, quando as consciências
intencionadas à codificação a apreendem como um todo; 2º) É o momento da etapa descritiva, no qual acontece a
cisão da totalidade “ad-mirada”. Essa cisão compreende um movimento como “[...] se o sujeito estivesse olhando
a realidade de dentro” (FREIRE, 2013, p. 128); 3º) Nesse momento, o sujeito com os outros envolvidos volta à
“ad-miração” anterior a qual abarca a situação codificada em sua totalidade. Há uma preparação “[...] a fim de
perceber a situação como uma estrutura na qual os vários elementos se acham em relação solidária” (FREIRE,
2013, p. 128); e 4º) Nesse momento, o sujeito “[...] realiza a análise crítica do que a codificação representa, e,
como seu conteúdo expressa a própria realidade, a crítica incide sobre esta” (FREIRE, 2013, p. 128).
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Considerações Finais
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 24. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. 28. ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 38. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 14. ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 2011.
FREIRE, Paulo. Professora, sim; tia não: cartas a quem ousa ensinar. 24. ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 2013.
FREIRE, Paulo. Política e educação. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2015.
PORTO, Rita de Cassia Cavalcanti; LIMA, Taissa Santos de. O legado de Paulo Freire para a
formação permanente: uma leitura crítica das dissertações e teses sobre a formação de
professores. Revista e-Curriculum, São Paulo, v.14, n.1, jan./mar, p. 186–210, 2016.
SAUL, Ana Maria; SAUL, Alexandre. Mudar é difícil, mas é possível e urgente: um novo
sentido para o Projeto Político Pedagógico da escola. Revista Teias, Rio de Janeiro, v.14,
n.33, p. 102-120, 2013.